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192 Tor Sellström Mais do que qualquer outro movimento de libertação da África Austral apoiado pela Suécia, a FRELIMO mantinha uma posição coerente de crítica quanto à separação entre as áreas da ajuda humanitária e militar, e também face aos relacionamentos económicos internacionais mantidos pela Suécia, 112 contando, em ambas as vertentes, com o apoio do movimento sueco de solidariedade. Falando da Suécia e da luta armada, ”a principal forma de luta que a história impôs a Moçambique” 113 , Marcelino dos Santos explicou mais tarde que a FRELIMO nunca foi da opinião que havia condições ideológicas ligadas à ajuda sueca. Contudo, sempre dissemos que não concordamos com a posição sueca que consiste em apoiar a paz, mas não ser capaz de fazer a guerra, e por conseguinte não nos poder ajudar a fazer essa guerra. Nós dissemos: ”A guerra que estamos a travar não é em prol da paz?” [...] Contudo, nunca questionámos o direito da Suécia de declarar que ”uma vez que somos favoráveis à paz, não podemos fornecer armas”. 114 Sendo também da opinião de que ”a Suécia não fez qualquer pressão ideológica sobre nós” 115 , o presidente Chissano declarou também, em Maio de 1996, que: Somos favoráveis à abordagem dos grupos suecos de solidariedade de que a ajuda deve ser incondicional. A única condição foi a de ajudar na luta contra o colonialismo português. [...] Tentámos utilizar a influência da opinião pública para mudar a posição sueca. A nosso ver, a posição humanitária da Suécia deve ser alargada, por forma a incluir uma apreensão da natureza da nossa luta, que consiste em defendermo-nos de uma agressão e de violações dos direitos humanos por parte do colonialismo português. [...] Contudo, também entendemos que a Suécia e os outros países escandinavos não podiam mudar repentinamente de opinião sem realizarem um processo democrático. Estavam confrontados com uma opinião pública que tinha de ser convencida. Era preciso passar pelos parlamentos e por muitos partidos políticos. Não eram obrigados a ter o mesmo entendimento da situação em Moçambique que nós. 116 No caso da ajuda ao PAIGC, não havia um representante permanente sueco na Guiné- Conacri e a ASDI não estava em posição de poder controlar a utilização dada à ajuda concedida nas zonas libertadas da Guiné-Bissau. Neste aspecto, a situação em termos da cooperação com a FRELIMO era muito diferente. A Suécia tinha uma presença signifi- nas zonas libertadas, exigiu que a Suécia declarasse uma proibição de investimentos em Moçambique e declarasse o isolamento económico de Portugal (Peo Österholm: ”FRELIMO-ledare anklagar: Sverige är inkonsekvent”/”Líder da FRELIMO acusa: A Suécia é incoerente” em Dagens Nyheter, 26 de Setembro de 1973, e Bengt Säve-Söderbergh: Memorando: ”Samtal med en besökande FRELIMO-ledare”/”Conversa com um líder da FRELIMO de visita”, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Estocolmo, 28 de Setembro de 1973) (MFA). Não havia investimentos suecos em Moçambique. Na altura da visita de Ribeiro de Carvalho, os relatos na imprensa indicavam, contudo, que os estaleiros portugueses de construção e reparação naval, da empresa Lisnave, e nos quais as empresas suecas Kockums e Eriksbergs tinham, entre si, controlo de um quinto do capital, estavam a planear construir um estaleiro em Nacala (”Svenskvarv utreder Moçambique-satsning”/”Armadores suecos estudam investimento em Moçambique” em Dagens Nyheter, 21 de Setembro de 1973). Declarando a sua posição, segundo a qual era ”indesejável” que a Suécia fizesse investimentos tanto em Portugal quanto nas colónias portuguesas, o Ministro dos Negócios Estrangeiros sueco, Sven Andersson, informou três meses mais tarde o parlamento sueco de que o governo estava a ”estudar a viabilidade de impedir investimentos suecos nas colónias portuguesas” (”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma interpelação da Sra. Dahl”, 10 de Dezembro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo, 1976, p. 158). 112. Cf. a entrevista com Jorge Rebelo, p. 46. 113. Entrevista com Marcelino dos Santos, p. 49. 114. Ibid., p. 48. 115. Entrevista com Joaquim Chissano, p. 40. Chissano declarou ainda que: ”Para dizer a verdade, mesmo do ponto de vista ideológico, estávamos próximos da Suécia. A ajuda serviu de contrapeso à tendência que existe de copiar aquilo que se via nos países onde houve revoluções, como na União Soviética ou na China. Encontrámos um ponto intermédio na Suécia, ponto esse que nos servia de referência” (ibid.). 116. Ibid., pp. 39–40.
A FRELIMO de Moçambique: Abrir um caminho cativa na Tanzânia. E embora os funcionários da ASDI na Embaixada de Dar es Salaam não pudessem entrar nas zonas libertadas no norte de Moçambique, visitavam regularmente o campo de refugiados da FRELIMO em Tunduru, 117 bem como o Hospital Dr. Américo Boavida em Mtwara. 118 Situado logo a norte da fronteira de Moçambique, e tendo a base militar principal da FRELIMO em Nachingwea entre os dois, o acampamento de Tunduru e o hospital de Mtwara estavam directamente expostos à luta de libertação. Inaugurado em Junho de 1970, o hospital tornou-se num centro médico para a população nas zonas de combate. Enquanto no caso do PAIGC, a ASDI não podia verificar se os utilizadores finais da ajuda humanitária eram civis ou militares, mas no caso da FRELIMO, na Tanzânia, esse controlo não só era possível com era feito na realidade. Entrevistado em 1996, Chissano fazia notar que a Suécia deu-nos medicamentos, mas nós dissemos que o termo ”humanitário” significa que um homem armado também tem direito à vida e a ser tratado quando está ferido. Um civil ferido pode vir ao hospital para receber tratamento, mas um soldado não pode ser tratado com esse mesmo medicamento. Isto foi um choque para nós e nesse ponto tivemos de ser incisivos. [...] Costumávamos receber os medicamentos e fizemos tudo ao nosso alcance para convencer os suecos de que tal era impossível, especialmente nas clínicas de Dar es Salaam e no nosso hospital em Mtwara. Os suecos faziam visitas e diziam ”isto são medicamentos suecos e não podem ser ministrados àquele doente, porque ele é um militar”. Era muito difícil ouvir uma coisa destas! A situação era impensável! Temos um soldado que está a combater eo filho dele está no campo de Tunduru, a receber medicamentos e vestuário suecos. Quando o pai chega, não poder ser vestido nem alimentado usando a mesma ajuda [...]. Era muito estranho! [...] Tentámos dizer que eles estavam a apoiar uma luta de libertação, mas optavam por apoiar apenas um dos seus aspectos. Apesar disso, não podíamos separar as zonas diplomáticas, das sociais ou das militares. Era uma tarefa impossível. 119 As autoridades suecas acabaram por adoptar uma atitude de maior flexibilidade e, também, nesta área, o diálogo com a FRELIMO contribuiu para adaptar a ajuda humanitária às realidades dos movimentos de libertação da África Austral. Com as definições a que se chegou com a ajuda ao PAIGC foi possível fazer uma interpretação mais abrangente, que viria a guiar a ajuda não-militar ao ANC na África do Sul, à SWAPO na Namíbia e à ZANU e à ZAPU no Zimbabué, a partir de meados da década de setenta. No caso da própria FRELIMO, a partir de 1973, a ajuda oficial não apenas aumentou significativamente, mas foi sobretudo canalizada para as zonas libertadas no interior de Moçambique. Entretanto, em meados de 1972, foram publicamente expressas duras críticas à ajuda humanitária sueca, por parte de vozes na Tanzânia, o que constituiu uma surpresa. O Partido Social Democrata no poder tinha uma ligação particularmente estreita com o 117. Por exemplo, ”Reserapport”/”Relato de viagem”: ”Besök i FRELIMOs läger i Tunduru, 1–2 mars 1973”/”Visita ao campo da FRELIMO em Tunduru, 1–2 de Março de 1973”, ASDI/Embaixada da Suécia, Dar es Salaam, 26 de Março de 1973 (SDA). 118. Olof Milton: Memorando (”Besök vid FRELIMOs sjukhus i Mtwara (Hospital Dr. Américo Boavida) 1972 10 10”/”Visita ao hospital da FRELIMO em Mtwara (Hospital Dr. Américo Boavida) 1972 10 10”), ASDI/Embaixada da Suécia, Dar es Salaam, 13 de Outubro de 1972 (SDA). 119. Entrevista com Joaquim Chissano, p. 40. Jorge Rebelo, Secretário da FRELIMO para a Informação, expressou em Junho de 1972, a mesma opinião, numa entrevista à revista independente mensal socialista sueca Kommentar (”Verklig hjälp måste stödja vårt befrielsekrig”/”A verdadeira ajuda tem de apoiar a nossa guerra de libertação” em Kommentar, Nº 11–12, 1972, pp. 18–23). 193
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A FRELIMO de Moçambique: Abrir um caminho<br />
cativa na Tanzânia. E embora os funci<strong>on</strong>ários da ASDI na Embaixada de Dar es Salaam<br />
não pudessem entrar nas z<strong>on</strong>as libertadas no norte de Moçambique, visitavam regularmente<br />
o campo de refugiados da FRELIMO em Tunduru, 117 bem como o Hospital Dr.<br />
Américo Boavida em Mtwara. 118 Situado logo a norte da fr<strong>on</strong>teira de Moçambique, e<br />
tendo a base militar principal da FRELIMO em Nachingwea entre os dois, o acampamento<br />
de Tunduru e o hospital de Mtwara estavam directamente expostos à luta de<br />
libertação. Inaugurado em Junho de 1970, o hospital tornou-se num centro médico para<br />
a população nas z<strong>on</strong>as de combate.<br />
Enquanto no caso do PAIGC, a ASDI não podia verificar se os utilizadores finais da<br />
ajuda humanitária eram civis ou militares, mas no caso da FRELIMO, na Tanzânia, esse<br />
c<strong>on</strong>trolo não só era possível com era feito na realidade. Entrevistado em 1996, Chissano<br />
fazia notar que<br />
a Suécia deu-nos medicamentos, mas nós dissemos que o termo ”humanitário” significa que<br />
um homem armado também tem direito à vida e a ser tratado quando está ferido. Um civil<br />
ferido pode vir ao hospital para receber tratamento, mas um soldado não pode ser tratado com<br />
esse mesmo medicamento. Isto foi um choque para nós e nesse p<strong>on</strong>to tivemos de ser incisivos.<br />
[...]<br />
Costumávamos receber os medicamentos e fizemos tudo ao nosso alcance para c<strong>on</strong>vencer<br />
os suecos de que tal era impossível, especialmente nas clínicas de Dar es Salaam e no nosso<br />
hospital em Mtwara. Os suecos faziam visitas e diziam ”isto são medicamentos suecos e não<br />
podem ser ministrados àquele doente, porque ele é um militar”. Era muito difícil ouvir uma<br />
coisa destas! A situação era impensável! Temos um soldado que está a combater eo filho dele<br />
está no campo de Tunduru, a receber medicamentos e vestuário suecos. Quando o pai chega,<br />
não poder ser vestido nem alimentado usando a mesma ajuda [...]. Era muito estranho! [...]<br />
Tentámos dizer que eles estavam a apoiar uma luta de libertação, mas optavam por apoiar<br />
apenas um dos seus aspectos. Apesar disso, não podíamos separar as z<strong>on</strong>as diplomáticas, das<br />
sociais ou das militares. Era uma tarefa impossível. 119<br />
As autoridades suecas acabaram por adoptar uma atitude de maior flexibilidade e, também,<br />
nesta área, o diálogo com a FRELIMO c<strong>on</strong>tribuiu para adaptar a ajuda humanitária<br />
às realidades dos movimentos de libertação da África Austral. Com as definições a<br />
que se chegou com a ajuda ao PAIGC foi possível fazer uma interpretação mais abrangente,<br />
que viria a guiar a ajuda não-militar ao ANC na África do Sul, à SWAPO na<br />
Namíbia e à ZANU e à ZAPU no Zimbabué, a partir de meados da década de setenta.<br />
No caso da própria FRELIMO, a partir de 1973, a ajuda oficial não apenas aumentou<br />
significativamente, mas foi sobretudo canalizada para as z<strong>on</strong>as libertadas no interior de<br />
Moçambique.<br />
Entretanto, em meados de 1972, foram publicamente expressas duras críticas à ajuda<br />
humanitária sueca, por parte de vozes na Tanzânia, o que c<strong>on</strong>stituiu uma surpresa. O<br />
Partido Social Democrata no poder tinha uma ligação particularmente estreita com o<br />
117. Por exemplo, ”Reserapport”/”Relato de viagem”: ”Besök i FRELIMOs läger i Tunduru, 1–2 mars 1973”/”Visita<br />
ao campo da FRELIMO em Tunduru, 1–2 de Março de 1973”, ASDI/Embaixada da Suécia, Dar es Salaam, 26<br />
de Março de 1973 (SDA).<br />
118. Olof Milt<strong>on</strong>: Memorando (”Besök vid FRELIMOs sjukhus i Mtwara (Hospital Dr. Américo Boavida) 1972 10<br />
10”/”Visita ao hospital da FRELIMO em Mtwara (Hospital Dr. Américo Boavida) 1972 10 10”), ASDI/Embaixada<br />
da Suécia, Dar es Salaam, 13 de Outubro de 1972 (SDA).<br />
119. Entrevista com Joaquim Chissano, p. 40. Jorge Rebelo, Secretário da FRELIMO para a Informação, expressou<br />
em Junho de 1972, a mesma opinião, numa entrevista à revista independente mensal socialista sueca Kommentar<br />
(”Verklig hjälp måste stödja vårt befrielsekrig”/”A verdadeira ajuda tem de apoiar a nossa guerra de libertação” em<br />
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