Book 2.indb - The Nordic Documentation on the Liberation Struggle ...
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190 Tor Sellström ram por ser outro foco de celeuma99 , o que constituiu uma vitória para Janet Mondlane e para o Instituto Moçambicano. Visto que a decisão se aplicava a todos os movimentos de libertação que recebiam ajuda humanitária oficial da Suécia, foi também uma batalha ganha para esses movimentos. Uma vez incluída a ajuda em espécie no pacote de apoio aos movimentos, a sua percentagem nos programas de cooperação foi continuamente aumentando. Deve dizer-se que a rotina que a ASDI viria a utilizar para permitir pagamentos trimestrais adiantados foi sugerida e discutida pela primeira vez entre a Embaixada da Suécia em Dar es Salaam e a FRELIMO em meados de 1973. 100 A questão do apoio em dinheiro, ou melhor, de uma parte paga em dinheiro dentro do pacote de ajuda, começou por ocupar uma grande parte do diálogo entre a ASDI e a FRELIMO, desviando por vezes a atenção de assuntos mais prementes e correndo o risco de minar a confiança entre as partes. Em retrospectiva, o debate pode ser visto como um processo de aprendizagem significativo para a Suécia. Depois de explicar repetidamente a posição do seu movimento, o vice presidente Marcelino dos Santos expressou a opinião, durante uma visita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, realizada em Abril de 1973, que ”a Suécia já começa a conhecer a FRELIMO e a sua situação. A ajuda, contudo, deve adaptar-se às necessidades do movimento”. 101 Isso mesmo se viria a verificar, com uma frequência cada vez maior, à medida que o tempo foi passando. Em 1996, ao fazer uma retrospectiva, Janet Mondlane (que foi, Ministra da FRELIMO para a Cooperação), disse: Não se pode forçar as pessoas, muito menos no princípio. É preciso ajudá-las a entrar na nova situação com calma. [...] As contribuições em géneros são uma excelente ideia, porque nós precisamos das mercadorias, mas a sua gestão foi difícil. [...] É muito mais fácil apresentar um relatório de dinheiro gasto do que de coisas recebidas. Esperava-se de nós que mostrássemos como foi utilizada cada coisinha que recebíamos, o que é difícil, quando se está a gerir uma grande operação. O Instituto Moçambicano incluía o centro de refugiados de Tunduru, o Hospital Dr. Américo Boavida e actividades nas zonas libertadas no interior de Moçambique. Como é que podemos jurar a pés juntos coisas como: ”Sei que esses livros foram enviados para este ou aquele local?” O esquema funcionou, mas foi preciso avançar paulatinamente. No final, o nosso relacionamento de trabalho assentou em muita confiança, a tal ponto que acabámos por receber verbas. Mas as coisas tiveram de seguir o seu curso, porque a Suécia não tinha experiência nisto. 102 99. Olof Milton: Memorando (”FRELIMO: Redovisning av 1972–73 års kontantbidrag samt aktuellt om utformningen av 1973–74 års SIDA-bidrag”/”FRELIMO: Relatório sobre a contribuição em dinheiro em 1972–73 e situação actual quanto ao esquema utilizado pela ASDI para atribuição da contribuição de 1973–74”), ASDI, Estocolmo, 3 de Setembro de 1973 (SDA). 100. Carta de Göran Hasselmark ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dar es Salaam, 18 de Junho de 1973 (MFA). Os fundos atribuídos aos movimentos de libertação da África Austral para despesas locais eram, por norma, pagos trimestralmente pelo gabinete da ASDI no país em questão. De acordo com o procedimento definido, os pagamentos relativos ao terceiro trimestre do exercício eram feitos desde que o relatório sobre as fundos utilizados durante o primeiro trimestre fosse satisfatório, para o quarto trimestre depois do relatório do segundo, etc. Os pagamentos trimestrais eram feitos antecipada e sequencialmente, dando aos gabinetes locais dos movimentos de libertação um prazo de três meses para se preparar e apresentar declarações financeiras, com os devidos comprovativos. No caso de se tratar de actividades relativas a projectos locais, apoiados pela Suécia, a declaração financeira tinha de ser acompanhada dum relatório trimestral de avanço da situação. As declarações trimestrais e relatórios de adiantamento eram, por fim, enviados pelas organizações e pelos gabinetes da ASDI às respectivas capitais, constituindo a base para o controlo financeiro e para a elaboração dos orçamentos nas reuniões anuais oficiais de negociação entre as partes. Com o passar dos anos, o sistema flexível provou ser instrutivo e eficiente. 101. Anders Möllander: Memorando (”Minnesanteckningar från samtal 1973 04 17 med representanter för FRE- LIMO”/”Notas a partir das conversas de 17/04/1973 com representantes da FRELIMO”), CCAH, Estocolmo, 26 de Abril de 1973 (MFA). 102. Entrevista com Janet Mondlane, pp. 43–44.
A FRELIMO de Moçambique: Abrir um caminho Que o envio de mercadorias da Suécia também fazia parte de uma realidade política é um facto, que ficou bem patente nos finais de 1973, altura em que as autoridades portuguesas apreenderam dois camiões da marca Scania no porto moçambicano da Beira. 103 Os camiões faziam parte do programa de aquisição de 1973–74 e tinham inscrições explícitas dizendo ”FRELIMO, a/c Instituto Moçambicano, Dar es Salaam”, e seguiam a bordo do navio norueguês Drammensfjord. Sem que a ASDI o soubesse, na sua rota para Dar es Salaam, o navio fez uma escala na Beira, onde o carregamento enfureceu as autoridades e a polícia de segurança portuguesa ordenou ao comandante do navio que entregasse os camiões. 104 A ASDI substituiu de imediato os camiões por outros, aumentando a dotação da FRELIMO para 1973–74 de 5 para 5,1 milhões de coroas suecas 105 , mas esta experiência veio sublinhar a importância de ter rotas de transporte fiáveis. Comentando o incidente, o proprietário do Drammensfjord, a Scandinavian East Africa Line, enviou uma carta à Associação de Armadores Noruegueses 106 , transmitindo a opinião do comandante da embarcação: ”se continuarmos a levar carga para os movimentos de libertação, temos de estar preparados para enfrentar grandes dificuldades nesta zona”. 107 Nessa carta o armador declarava que o incidente ”já era de prever”, acrescentando também que ”é-nos difícil entender que o conceito de ajuda humanitária possa abarcar camiões [...], mas se calhar a ASDI vai mais longe que a NORAD 108 na ajuda que presta aos movimentos de libertação”. 109 A partir daí, a ASDI passou a privilegiar a Besta Line, da União Soviética, para enviar mercadoria para a FRELIMO e para os outros movimentos de libertação em Dar es Salaam. 110 Luta armada e ajuda humanitária Enquanto Amílcar Cabral e a liderança do PAIGC adoptavam uma atitude pragmática quanto a questões potencialmente geradoras de divisões, tais como o relacionamento económico da Suécia com Portugal e a sua oposição à violência como meio de resolver conflitos, os líderes da FRELIMO eram mais críticos. Desde as suas primeiras visitas à Suécia, em meados da década de sessenta, que Eduardo Mondlane levantou, regular e insistentemente, as questões da ajuda militar à luta de Moçambique e da expulsão de Portugal da EFTA. Após a sua morte em Fevereiro de 1969, Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano e outros representantes moçambicanos tomaram essas mesmas posições. 111 103. Consulte a entrevista com Stig Lövgren, pp. 312–13. 104. Carta do comandante do Drammensfjord à Scandinavian East Africa Line, Beira, 30 de Outubro de 1973 (Ministério norueguês dos Negócios Estrangeiros). 105. Carta (”Ang. beslagtagna bilar till FRELIMO”/”Re. veículos para a FRELIMO apreendidos”) de Astrid Bergquist, ASDI, para Olof Milton, Embaixada da Suécia em Dar es Salaam, ASDI, Estocolmo, 26 de Novembro de 1973 (SDA). 106. Em norueguês, Norges Rederforbund. 107. Carta do comandante do Drammensfjord à Scandinavian East Africa Line, Beira, 30 de Outubro de 1973 (Ministério norueguês dos Negócios Estrangeiros). 108. Agência Norueguesa para o Desenvolvimento Internacional. 109. Carta de Arne M. Hansson, Scandinavian East Africa Line, à Associação Norueguesa de Armadores, [sem indicação de local, 5 Novembro de 1973 (Ministério norueguês dos Negócios Estrangeiros)]. 110. Entrevista com Stig Lövgren, p. 314. 111. Por exemplo, por Joaquim Ribeiro de Carvalho, em Setembro de 1973. De visita à Suécia para tratar de assuntos relacionados com a ”Semana da África Austral”, organizada pelos AGIS, de Carvalho, que viria a ser o primeiro Ministro da Agricultura de Moçambique independente e que, na altura, era responsável pelo comércio e produção 191
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e para o Instituto Moçambicano. Visto que a decisão se aplicava a todos os movimentos<br />
de libertação que recebiam ajuda humanitária oficial da Suécia, foi também uma batalha<br />
ganha para esses movimentos. Uma vez incluída a ajuda em espécie no pacote de apoio<br />
aos movimentos, a sua percentagem nos programas de cooperação foi c<strong>on</strong>tinuamente aumentando.<br />
Deve dizer-se que a rotina que a ASDI viria a utilizar para permitir pagamentos<br />
trimestrais adiantados foi sugerida e discutida pela primeira vez entre a Embaixada da<br />
Suécia em Dar es Salaam e a FRELIMO em meados de 1973. 100<br />
A questão do apoio em dinheiro, ou melhor, de uma parte paga em dinheiro dentro<br />
do pacote de ajuda, começou por ocupar uma grande parte do diálogo entre a ASDI e a<br />
FRELIMO, desviando por vezes a atenção de assuntos mais prementes e correndo o risco<br />
de minar a c<strong>on</strong>fiança entre as partes. Em retrospectiva, o debate pode ser visto como um<br />
processo de aprendizagem significativo para a Suécia. Depois de explicar repetidamente a<br />
posição do seu movimento, o vice presidente Marcelino dos Santos expressou a opinião,<br />
durante uma visita ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, realizada<br />
em Abril de 1973, que ”a Suécia já começa a c<strong>on</strong>hecer a FRELIMO e a sua situação. A<br />
ajuda, c<strong>on</strong>tudo, deve adaptar-se às necessidades do movimento”. 101 Isso mesmo se viria a<br />
verificar, com uma frequência cada vez maior, à medida que o tempo foi passando. Em<br />
1996, ao fazer uma retrospectiva, Janet M<strong>on</strong>dlane (que foi, Ministra da FRELIMO para<br />
a Cooperação), disse:<br />
Não se pode forçar as pessoas, muito menos no princípio. É preciso ajudá-las a entrar na nova<br />
situação com calma. [...] As c<strong>on</strong>tribuições em géneros são uma excelente ideia, porque nós<br />
precisamos das mercadorias, mas a sua gestão foi difícil. [...] É muito mais fácil apresentar um<br />
relatório de dinheiro gasto do que de coisas recebidas.<br />
Esperava-se de nós que mostrássemos como foi utilizada cada coisinha que recebíamos, o que é<br />
difícil, quando se está a gerir uma grande operação. O Instituto Moçambicano incluía o centro<br />
de refugiados de Tunduru, o Hospital Dr. Américo Boavida e actividades nas z<strong>on</strong>as libertadas<br />
no interior de Moçambique. Como é que podemos jurar a pés juntos coisas como: ”Sei que<br />
esses livros foram enviados para este ou aquele local?” O esquema funci<strong>on</strong>ou, mas foi preciso<br />
avançar paulatinamente. No final, o nosso relaci<strong>on</strong>amento de trabalho assentou em muita<br />
c<strong>on</strong>fiança, a tal p<strong>on</strong>to que acabámos por receber verbas. Mas as coisas tiveram de seguir o seu<br />
curso, porque a Suécia não tinha experiência nisto. 102<br />
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actual quanto ao esquema utilizado pela ASDI para atribuição da c<strong>on</strong>tribuição de 1973–74”), ASDI, Estocolmo,<br />
3 de Setembro de 1973 (SDA).<br />
100. Carta de Göran Hasselmark ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dar es Salaam, 18 de Junho de 1973<br />
(MFA). Os fundos atribuídos aos movimentos de libertação da África Austral para despesas locais eram, por norma,<br />
pagos trimestralmente pelo gabinete da ASDI no país em questão. De acordo com o procedimento definido, os<br />
pagamentos relativos ao terceiro trimestre do exercício eram feitos desde que o relatório sobre as fundos utilizados<br />
durante o primeiro trimestre fosse satisfatório, para o quarto trimestre depois do relatório do segundo, etc. Os pagamentos<br />
trimestrais eram feitos antecipada e sequencialmente, dando aos gabinetes locais dos movimentos de libertação<br />
um prazo de três meses para se preparar e apresentar declarações financeiras, com os devidos comprovativos. No<br />
caso de se tratar de actividades relativas a projectos locais, apoiados pela Suécia, a declaração financeira tinha de ser<br />
acompanhada dum relatório trimestral de avanço da situação. As declarações trimestrais e relatórios de adiantamento<br />
eram, por fim, enviados pelas organizações e pelos gabinetes da ASDI às respectivas capitais, c<strong>on</strong>stituindo a base para<br />
o c<strong>on</strong>trolo financeiro e para a elaboração dos orçamentos nas reuniões anuais oficiais de negociação entre as partes.<br />
Com o passar dos anos, o sistema flexível provou ser instrutivo e eficiente.<br />
101. Anders Möllander: Memorando (”Minnesanteckningar från samtal 1973 04 17 med representanter för FRE-<br />
LIMO”/”Notas a partir das c<strong>on</strong>versas de 17/04/1973 com representantes da FRELIMO”), CCAH, Estocolmo, 26<br />
de Abril de 1973 (MFA).<br />
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