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168 Tor Sellström vez na história das Nações Unidas, foi possível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse directamente à Assembleia Geral das Nações Unidas, honra essa que teria cabido a Amílcar Cabral mas que, devido às reservas da Suécia e dos países nórdicos, não se veio a verificar. Numa entrevista datada de 1995, o presidente do Comité de Descolonização das Nações Unidas, Salim Ahmed Salim da Tanzânia, relembra: Amílcar Cabral veio a Nova Iorque e nós tentámos que ele falasse na Assembleia Geral das Nações Unidas. Nessa época era inconcebível que um representante de um movimento de libertação se dirigisse à Assembleia Geral, mas nós dispúnhamos dos apoios necessários para tal. Contudo, os países nórdicos tinham reservas. Lembro-me do embaixador da Suécia e os outros embaixadores nórdicos me dizerem: ”Olhe que não estamos satisfeitos com isto. Em termos legais, teremos problemas se representantes dos movimentos de libertação se dirigirem à Assembleia Geral. É algo sem precedentes e que vai provocar imensos problemas.” 175 Fui então ter com Amílcar Cabral e disse-lhe: ”Sr. Secretário Geral, se quiser dirigir-se à Assembleia Geral, nós dispomos de votos para tal. Temos o apoio necessário dos países africanos e asiáticos, bem como de um conjunto de países sul-americanos. Mas quero que saiba que os países nórdicos estão muito descontentes com isso. O que fazemos?” Cabral então disse: ”Olhe, os países nórdicos são nossos amigos. Ajudaram-nos nas alturas mais difíceis e não queremos criar-lhes dificuldades. Não me dirigirei à Assembleia Geral”. Havia imenso respeito pela posição dos países nórdicos. Nem se punha a possibilidade de duvidar da sua integridade ou da sua sinceridade relativamente aos movimentos de libertação. Se qualquer outro país ou conjunto de países tivesse dito que não, nós teríamos trazido a questão ao conhecimento da Assembleia Geral e recebido os votos necessários. [...] Nós sabíamos que a posição dos países nórdicos era de apoiar os movimentos de libertação de uma forma prática. Essa era, também, a única maneira de entender a posição de Cabral, pois ele era um desses visionários, um gigante entre as pessoas, que não hesita. Ele mostrou o respeito que nutria pelos países nórdicos e, como é óbvio, esse respeito foi partilhado por aqueles que o apoiavam e que apoiavam a luta. 176 A independência e para além dela A diplomacia do PAIGC era em grande medida norteada pelo objectivo de obter o máximo de apoio internacional possível para a vindoura declaração de independência, prevista para o início de 1973. Confiante na vitória, num futuro não muito remoto, Cabral usava nesse campo de todo o seu pragmatismo. 177 No caso da Suécia e dos outros países nórdicos, a sua disponibilidade para o compromisso não teve, contudo, contrapartida, que teria sido o reconhecimento antecipado da independência da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral acabaria por não assistir à independência do seu país, nem ao fim 175. De acordo com a delegação sueca às Nações Unidas, foi transmitido a Cabral que ”a Suécia votaria, naturalmente, a favor na questão da sua proposta alocução perante a Assembleia Geral, mas [...] chamava a sua atenção para o facto de parecer evidente que a própria causa de Cabral não vir a sair beneficiada, se uma tal proposta der azo a divisões de opinião e a uma votação” (Telegrama da representação sueca nas Nações Unidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 24 de Outubro de 1972) (MFA). 176. Entrevista com Salim Ahmed Salim, pp. 244–45. 177. Cabral participou em 1972, em representação dos movimentos africanos de libertação, nos preparativos da Conferência Internacional Nações Unidas/ OUA de Peritos para Apoio às Vítimas do Colonialismo e do Apartheid na África Austral, que se realizou em Oslo, na Noruega, em Abril de 1973. Ao debater a ordem de trabalhos e com o ”objectivo de sermos ’realistas’ em vez de perdermos tempo em polémicas acesas”, disse que a conferência, para além da questão da ajuda humanitária, devia concentrar-se nas questões de índole política e diplomática, deixando ao cuidado dos governos, cada um por si, decidir quando à questão da ajuda militar (Eriksen em Eriksen (ed.) op. cit., p. 59).

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno do colonialismo português em África. Exercendo de facto o controlo sobre a maior parte da Guiné-Bissau, o PAIGC vinha, desde o início de 1970, a discutir a forma como esta situação se deveria traduzir num reconhecimento internacional de jure da independência nacional. Aliás, a questão tinha sido levantada, por exemplo, por Cabral, durante uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, já em Julho de 1971. 178 O reconhecimento da Guiné-Bissau como estado independente tinha sido recomendado aquando da missão de apuramento de factos das Nações Unidas, em Abril de 1972. O PAIGC organizou eleições populares nas zonas libertadas em Agosto–Outubro de 1972. Um ano mais tarde, a 24 de Setembro de 1973, reuniu-se a primeira Assembleia Nacional do Povo da Guiné, na região leste do Boé, na qual se proclamou o Estado da Guiné-Bissau como um ”Estado soberano, republicano, democrático, anti-colonialista e anti-imperialista”. As fronteiras do país coincidiam com as da Guiné continental ”portuguesa”. 179 Luís Cabral foi eleito presidente. Como únicos jornalistas ocidentais presentes 180 , a cerimónia solene foi documentada pelos cineastas suecos Lennart Malmer e Ingela Romare. 181 O seu filme exclusivo, com uma hora de duração, ”O Nascimento de uma Nação” 182 , foi transmitido via televisão pela empresa oficial sueca de televisão. 183 Apesar dos portugueses continuarem a deter o controlo da capital Bissau e dos principais centros do país, o novo Estado foi imediatamente reconhecido por um grande número de nações. Por volta do mês de Outubro de 1973, o reconhecimento diplomático tinha-se alargado a mais seis governos e, a 19 de Novembro de 1973, a República independente da Guiné-Bissau foi formalmente aceite como o quadragésimo segundo membro da Organização de Unidade Africana. 184 Aplicando, designadamente, o princípio do controlo integral do território 185 , o governo sueco teve, contudo, dúvidas em reconhecer o novo Estado, o que provocou fortes reacções dos Grupos de África e do Partido de Esquerda Comunista 186 , mas também no seio do próprio partido no poder. Em Dezembro de 1973, a deputada Social Democrata Birgitta Dahl que, em finais de 1970 visitara as zonas libertadas da Guiné-Bissau, confrontou o Ministro dos Negócios Estrangeiros Sven Andersson 187 no Parlamento, exigin- 178. Ethel Ringborg: Memorando, Estocolmo, 6 de Julho de 1971 (MFA). Na altura, os altos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros concluíram que ”já se justifica, nesta altura, analisar a forma como uma tal proclamação de independência deve ser formulada, do ponto de vista do Direito Internacional. Esta questão tem tanto mais interesse quando a Suécia é membro da Comissão das Nações Unidas para a Descolonização” (ibid.). 179. A proclamação de independência não incluiu as ilhas de Cabo Verde. 180. Conversa telefónica com Lennart Malmer, 7 de Outubro de 1999. 181. Malmer e Romare haviam apresentado, em 1971–72 a luta moçambicana de libertação aos telespectadores suecos (ver capítulo seguinte). 182. Lennart Malmer e Ingela Romare: ”En nations födelse”, Sveriges Television (SVT). 183. Na altura não havia redes comerciais de televisão na Suécia. Em 1973, Malmer e Romare produziram também um documentário sobre as crianças e a luta de libertação na Guiné-Bissau, para a estação pública de televisão, com o título ”Guiné-Bissau är vårt land” (”A Guiné-Bissau é o nosso país”), Sveriges Television (SVT). A seguir à independência, produziram, entre outros, os documentários para televisão ”Guiné-Bissau: Ett exempel” (”Guiné-Bissau: Um exemplo”) e ”Guiné-Bissau efter självständigheten” (”Guiné-Bissau a seguir à Independência”), Sveriges Television (SVT), 1976. 184. Rudebeck op. cit., p. 55. 185. As outras considerações do governo sueco tinham a ver com o relacionamento com Portugal e a situação em Cabo Verde. 186. Cf. ”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma pergunta do Sr. Måbrink no parlamento”, 25 de Outubro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents on Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo, 1976, p. 155. 187. Sucedendo a Krister Wickman (1971–73), Sven Andersson foi Ministro dos Negócios Estrangeiros no período crítico entre 1973 e 1976. 169

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno<br />

do col<strong>on</strong>ialismo português em África. Exercendo de facto o c<strong>on</strong>trolo sobre a maior parte<br />

da Guiné-Bissau, o PAIGC vinha, desde o início de 1970, a discutir a forma como esta<br />

situação se deveria traduzir num rec<strong>on</strong>hecimento internaci<strong>on</strong>al de jure da independência<br />

naci<strong>on</strong>al. Aliás, a questão tinha sido levantada, por exemplo, por Cabral, durante uma<br />

reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo, já em Julho de 1971. 178<br />

O rec<strong>on</strong>hecimento da Guiné-Bissau como estado independente tinha sido recomendado<br />

aquando da missão de apuramento de factos das Nações Unidas, em Abril de 1972.<br />

O PAIGC organizou eleições populares nas z<strong>on</strong>as libertadas em Agosto–Outubro de<br />

1972. Um ano mais tarde, a 24 de Setembro de 1973, reuniu-se a primeira Assembleia<br />

Naci<strong>on</strong>al do Povo da Guiné, na região leste do Boé, na qual se proclamou o Estado<br />

da Guiné-Bissau como um ”Estado soberano, republicano, democrático, anti-col<strong>on</strong>ialista<br />

e anti-imperialista”. As fr<strong>on</strong>teiras do país coincidiam com as da Guiné c<strong>on</strong>tinental<br />

”portuguesa”. 179 Luís Cabral foi eleito presidente. Como únicos jornalistas ocidentais<br />

presentes 180 , a cerimónia solene foi documentada pelos cineastas suecos Lennart Malmer<br />

e Ingela Romare. 181 O seu filme exclusivo, com uma hora de duração, ”O Nascimento<br />

de uma Nação” 182 , foi transmitido via televisão pela empresa oficial sueca de televisão. 183<br />

Apesar dos portugueses c<strong>on</strong>tinuarem a deter o c<strong>on</strong>trolo da capital Bissau e dos principais<br />

centros do país, o novo Estado foi imediatamente rec<strong>on</strong>hecido por um grande número de<br />

nações. Por volta do mês de Outubro de 1973, o rec<strong>on</strong>hecimento diplomático tinha-se<br />

alargado a mais seis governos e, a 19 de Novembro de 1973, a República independente<br />

da Guiné-Bissau foi formalmente aceite como o quadragésimo segundo membro da Organização<br />

de Unidade Africana. 184<br />

Aplicando, designadamente, o princípio do c<strong>on</strong>trolo integral do território 185 , o governo<br />

sueco teve, c<strong>on</strong>tudo, dúvidas em rec<strong>on</strong>hecer o novo Estado, o que provocou fortes<br />

reacções dos Grupos de África e do Partido de Esquerda Comunista 186 , mas também no<br />

seio do próprio partido no poder. Em Dezembro de 1973, a deputada Social Democrata<br />

Birgitta Dahl que, em finais de 1970 visitara as z<strong>on</strong>as libertadas da Guiné-Bissau, c<strong>on</strong>fr<strong>on</strong>tou<br />

o Ministro dos Negócios Estrangeiros Sven Anderss<strong>on</strong> 187 no Parlamento, exigin-<br />

178. E<strong>the</strong>l Ringborg: Memorando, Estocolmo, 6 de Julho de 1971 (MFA). Na altura, os altos funci<strong>on</strong>ários do<br />

Ministério dos Negócios Estrangeiros c<strong>on</strong>cluíram que ”já se justifica, nesta altura, analisar a forma como uma tal<br />

proclamação de independência deve ser formulada, do p<strong>on</strong>to de vista do Direito Internaci<strong>on</strong>al. Esta questão tem<br />

tanto mais interesse quando a Suécia é membro da Comissão das Nações Unidas para a Descol<strong>on</strong>ização” (ibid.).<br />

179. A proclamação de independência não incluiu as ilhas de Cabo Verde.<br />

180. C<strong>on</strong>versa telefónica com Lennart Malmer, 7 de Outubro de 1999.<br />

181. Malmer e Romare haviam apresentado, em 1971–72 a luta moçambicana de libertação aos telespectadores<br />

suecos (ver capítulo seguinte).<br />

182. Lennart Malmer e Ingela Romare: ”En nati<strong>on</strong>s födelse”, Sveriges Televisi<strong>on</strong> (SVT).<br />

183. Na altura não havia redes comerciais de televisão na Suécia. Em 1973, Malmer e Romare produziram também<br />

um documentário sobre as crianças e a luta de libertação na Guiné-Bissau, para a estação pública de televisão, com o<br />

título ”Guiné-Bissau är vårt land” (”A Guiné-Bissau é o nosso país”), Sveriges Televisi<strong>on</strong> (SVT). A seguir à independência,<br />

produziram, entre outros, os documentários para televisão ”Guiné-Bissau: Ett exempel” (”Guiné-Bissau: Um<br />

exemplo”) e ”Guiné-Bissau efter självständigheten” (”Guiné-Bissau a seguir à Independência”), Sveriges Televisi<strong>on</strong><br />

(SVT), 1976.<br />

184. Rudebeck op. cit., p. 55.<br />

185. As outras c<strong>on</strong>siderações do governo sueco tinham a ver com o relaci<strong>on</strong>amento com Portugal e a situação em<br />

Cabo Verde.<br />

186. Cf. ”Resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros a uma pergunta do Sr. Måbrink no parlamento”, 25 de<br />

Outubro de 1973, em Ministério dos Negócios Estrangeiros: Documents <strong>on</strong> Swedish Foreign Policy: 1973, Estocolmo,<br />

1976, p. 155.<br />

187. Sucedendo a Krister Wickman (1971–73), Sven Anderss<strong>on</strong> foi Ministro dos Negócios Estrangeiros no período<br />

crítico entre 1973 e 1976.<br />

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