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166 Tor Sellström conceito de luta nacionalista feita pelo movimento de solidariedade sueco, como levou Cabral, nessa altura, a retirar algum destaque a várias iniciativas, levadas a cabo na cena internacional, em prol do PAIGC. Isso mesmo fica claramente demonstrado antes da Assembleia Geral das Nações Unidas em Novembro de 1972 quando, por deferência estratégica para com a Suécia e os outros países nórdicos, recusou a possibilidade que lhe foi dada de se dirigir ao pleno da assembleia, como primeiro representante de um movimento de libertação. O pano de fundo para essa recusa foi o seguinte: O Comité das Nações Unidas para a Descolonização 162 (também chamado Grupo dos 24) organizou uma visita única de apuramento de factos à Guiné em Abril de 1972 ”com o objectivo de desmistificar as afirmações portuguesas segundo as quais não existiam quaisquer zonas libertadas e dar legitimidade aos movimentos africanos de libertação”. 163 A delegação era composta por três jovens diplomatas das Nações Unidas, um dos quais (de nome Folke Löfgren, o primeiro secretário da missão permanente em Nova Iorque) representava a Suécia, 164 país que, na altura, era o único membro ocidental do Comité para a Descolonização. 165 Uma vez que o governo sueco tinha alargado bilateralmente, e de forma considerável, a ajuda humanitária ao PAIGC, a iniciativa foi seguida com todo o interesse pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em Estocolmo. Organizada ”de forma clandestina” 166 , a missão das Nações Unidas provocou indignação em Portugal. 167 Durante a visita, os portugueses intensificaram os bombardeamentos aéreos e a actividade militar em geral contra as zonas libertadas. Löfgren diria depois que ”fomos ingénuos, ao ponto de não acreditar que Portugal poderia tratar as Nações Unidas desta forma”. 168 As Nações Unidas ficaram ”impressionadas com o entusiasmo e a cooperação abnegada que o PAIGC recebe das populações nas zonas libertadas e o grau de participação dessa mesma população na maquinaria administrativa criada pelo movimento de liberta- 162. Ou seja, o Comité Especial das Nações Unidas sobre a situação relacionada com a Aplicação da Declaração de concessão de independência aos países e povos coloniais, ou o Comité das Nações Unidas para o acompanhamento dos acontecimentos relativos à Declaração de Descolonização de 1960. 163. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. Na altura, Salim era o presidente do Comité das Nações Unidas para a Descolonização. Pessoa próxima dos movimentos africanos de libertação, foi depois nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros (1980–84) e primeiro ministro (1984–85) da Tanzânia. Em 1989, Salim foi eleito secretário geral da OUA. 164. A missão das Nações Unidas foi chefiada por Horacio Sevilla-Borja, do Equador. O terceiro membro era Kamel Belkhiria da Tunísia. Acompanhados por uma numerosa escolta militar do PAIGC, os três diplomatas fizeram-se acompanhar de uma secretária e de um fotógrafo. A visita realizou-se entre 2 e 8 de Abril de 1972. 165. Carte de Brita Åhman ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 7 de Março de 1972 (MFA). A participação da Suécia no Comité das Nações Unidas para a Descolonização foi da maior importância, devido aos contactos que tinha e às políticas que desenvolvia com os movimentos africanos de libertação. Em Abril de 1972, por exemplo, o representante sueco, Brita Åhman, participou nos debates deste comité com um total de quinze movimentos, em Conacri (Guiné), Lusaca (Zâmbia) e Addis Ababa (Etiópia). Num extenso relatório das ”audições”, enviado ao Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, fez uma avaliação das políticas e da força de cada um dos movimentos de libertação, dando uma orientação preciosa ao governo sueco (Brita Åhman: Memorando (”Kolonialkommitténs session i Afrika 1972”/”A sessão do Comité para a Descolonização em África, 1972”), Nova Iorque, 19 de Junho de 1972) (MFA). 166. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. 167. De forma notável, o embaixador sueco em Portugal, Karl Fredrik Almqvist, também repudiou a iniciativa. Enquanto o secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, felicitava os membros da missão pela visita difícil, mas bem-sucedida, Almqvist descrevia-a como ”uma violação da soberania de outro país”, dizendo que a missão tinha ”violado a legislação internacional” e que a participação da Suécia poderia prejudicar a ”boa-vontade internacional” para com a Suécia (Carta de Karl Fredrik Almqvist ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 14 de Abril de 1972) (MFA). 168. Citado em Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/ ”Conversa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (SDA).

Em representação das Nações Unidas nas zonas detidas pelo PAIGC: Folke Löfgren com alunos da escola de mato Areolino Lopes Cruz, consultando o livro escolar O Nosso Livro de Uppsala, Abril de 1972 (Foto gentilmente cedida por Folke Löfgren) O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno ção” 169 , concluindo que o PAIGC não apenas controlava militarmente, mas governava de facto os territórios libertados. Löfgren teve oportunidade de registar in loco que a ajuda humanitária sueca (nomeadamente em termos de material escolar, mormente na forma do livro escolar O Nosso Livro) chegava às populações no interior do país. 170 Em geral, a missão confirmou o apoio popular de que gozava o PAIGC nas zonas visitadas, tendo recomendado o reconhecimento da declaração planeada de independência da Guiné- Bissau. 171 Com base nas suas conclusões, o Comité das Nações Unidas para a Descolonização aprovou, numa reunião em Conacri a 10 de Abril de 1972, na qual participou Amílcar Cabral, uma resolução, em que reconhecia o PAIGC como o único e autêntico representante do território da Guiné-Bissau, solicitando a todos os estados e agências especializadas, bem como outras organizações do sistema das Nações Unidas, que tomassem esse facto em consideração ao tratar de questões que se relacionassem com a Guiné- Bissau e Cabo Verde. 172 Tratou-se de um grande êxito politico e diplomático para o PAIGC e, de uma forma mais geral, de ”um enorme avanço em termos da compreensão internacional para a maior legitimidade dos movimentos africanos de libertação junto das Nações Unidas”. 173 Com base no relatório da missão, o Comité das Nações Unidas para a Descolonização pôde então instar ao reconhecimento dos movimentos de libertação enquanto observadores, e não apenas como peticionários. 174 Ainda mais importante do que isso foi que, pela primeira 169. Nações Unidas: ”Relatório da Missão Especial das Nações Unidas à Guiné-Bissau”, Reimpresso de Objective: Justice, Vol. 4, Nº 3, Nova Iorque, Setembro de 1972, p. 12. 170. Johnny Flodman: ”Svensk FN-diplomat jagades av portugiser i Guinea” (”Diplomata sueco das Nações Unidas foi perseguido pelos portugueses na Guiné”), em Svenska Dagbladet, 17 de Abril de 1972. 171. A missão visitou a Guiné-Bissau numa altura em que o PAIGC estava a conduzir os preparativos para as primeiras eleições nacionais no país, nas zonas libertadas. As eleições para os conselhos regionais realizaram-se em Agosto de 1972. Os conselheiros elegeram, por sua vez, os membros de uma Assembleia Nacional. 172. Nações Unidas: Secretariat News, Vol. XXVII, No. 10, Nova Iorque, 31 de Maio de 1972, p. 9. 173. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. 174. Ibid. 167

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Tor Sellström<br />

c<strong>on</strong>ceito de luta naci<strong>on</strong>alista feita pelo movimento de solidariedade sueco, como levou<br />

Cabral, nessa altura, a retirar algum destaque a várias iniciativas, levadas a cabo na cena<br />

internaci<strong>on</strong>al, em prol do PAIGC. Isso mesmo fica claramente dem<strong>on</strong>strado antes da<br />

Assembleia Geral das Nações Unidas em Novembro de 1972 quando, por deferência<br />

estratégica para com a Suécia e os outros países nórdicos, recusou a possibilidade que<br />

lhe foi dada de se dirigir ao pleno da assembleia, como primeiro representante de um<br />

movimento de libertação.<br />

O pano de fundo para essa recusa foi o seguinte: O Comité das Nações Unidas para<br />

a Descol<strong>on</strong>ização 162 (também chamado Grupo dos 24) organizou uma visita única de<br />

apuramento de factos à Guiné em Abril de 1972 ”com o objectivo de desmistificar as<br />

afirmações portuguesas segundo as quais não existiam quaisquer z<strong>on</strong>as libertadas e dar<br />

legitimidade aos movimentos africanos de libertação”. 163 A delegação era composta por<br />

três jovens diplomatas das Nações Unidas, um dos quais (de nome Folke Löfgren, o<br />

primeiro secretário da missão permanente em Nova Iorque) representava a Suécia, 164 país<br />

que, na altura, era o único membro ocidental do Comité para a Descol<strong>on</strong>ização. 165 Uma<br />

vez que o governo sueco tinha alargado bilateralmente, e de forma c<strong>on</strong>siderável, a ajuda<br />

humanitária ao PAIGC, a iniciativa foi seguida com todo o interesse pelo Ministério dos<br />

Negócios Estrangeiros em Estocolmo. Organizada ”de forma clandestina” 166 , a missão<br />

das Nações Unidas provocou indignação em Portugal. 167 Durante a visita, os portugueses<br />

intensificaram os bombardeamentos aéreos e a actividade militar em geral c<strong>on</strong>tra as z<strong>on</strong>as<br />

libertadas. Löfgren diria depois que ”fomos ingénuos, ao p<strong>on</strong>to de não acreditar que<br />

Portugal poderia tratar as Nações Unidas desta forma”. 168<br />

As Nações Unidas ficaram ”impressi<strong>on</strong>adas com o entusiasmo e a cooperação abnegada<br />

que o PAIGC recebe das populações nas z<strong>on</strong>as libertadas e o grau de participação<br />

dessa mesma população na maquinaria administrativa criada pelo movimento de liberta-<br />

162. Ou seja, o Comité Especial das Nações Unidas sobre a situação relaci<strong>on</strong>ada com a Aplicação da Declaração de<br />

c<strong>on</strong>cessão de independência aos países e povos col<strong>on</strong>iais, ou o Comité das Nações Unidas para o acompanhamento<br />

dos ac<strong>on</strong>tecimentos relativos à Declaração de Descol<strong>on</strong>ização de 1960.<br />

163. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244. Na altura, Salim era o presidente do Comité das Nações Unidas<br />

para a Descol<strong>on</strong>ização. Pessoa próxima dos movimentos africanos de libertação, foi depois nomeado Ministro dos<br />

Negócios Estrangeiros (1980–84) e primeiro ministro (1984–85) da Tanzânia. Em 1989, Salim foi eleito secretário<br />

geral da OUA.<br />

164. A missão das Nações Unidas foi chefiada por Horacio Sevilla-Borja, do Equador. O terceiro membro era Kamel<br />

Belkhiria da Tunísia. Acompanhados por uma numerosa escolta militar do PAIGC, os três diplomatas fizeram-se<br />

acompanhar de uma secretária e de um fotógrafo. A visita realizou-se entre 2 e 8 de Abril de 1972.<br />

165. Carte de Brita Åhman ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Nova Iorque, 7 de Março de 1972 (MFA). A<br />

participação da Suécia no Comité das Nações Unidas para a Descol<strong>on</strong>ização foi da maior importância, devido aos<br />

c<strong>on</strong>tactos que tinha e às políticas que desenvolvia com os movimentos africanos de libertação. Em Abril de 1972,<br />

por exemplo, o representante sueco, Brita Åhman, participou nos debates deste comité com um total de quinze<br />

movimentos, em C<strong>on</strong>acri (Guiné), Lusaca (Zâmbia) e Addis Ababa (Etiópia). Num extenso relatório das ”audições”,<br />

enviado ao Ministério sueco dos Negócios Estrangeiros, fez uma avaliação das políticas e da força de cada um dos<br />

movimentos de libertação, dando uma orientação preciosa ao governo sueco (Brita Åhman: Memorando (”Kol<strong>on</strong>ialkommitténs<br />

sessi<strong>on</strong> i Afrika 1972”/”A sessão do Comité para a Descol<strong>on</strong>ização em África, 1972”), Nova Iorque,<br />

19 de Junho de 1972) (MFA).<br />

166. Entrevista com Salim Ahmed Salim, p. 244.<br />

167. De forma notável, o embaixador sueco em Portugal, Karl Fredrik Almqvist, também repudiou a iniciativa. Enquanto<br />

o secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, felicitava os membros da missão pela visita difícil, mas<br />

bem-sucedida, Almqvist descrevia-a como ”uma violação da soberania de outro país”, dizendo que a missão tinha<br />

”violado a legislação internaci<strong>on</strong>al” e que a participação da Suécia poderia prejudicar a ”boa-v<strong>on</strong>tade internaci<strong>on</strong>al”<br />

para com a Suécia (Carta de Karl Fredrik Almqvist ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 14 de Abril de<br />

1972) (MFA).<br />

168. Citado em Marianne Rappe: Memorando (”Samtal med Folke Löfgren på SIDA den 21.4.1972: PAIGC”/<br />

”C<strong>on</strong>versa com Folke Löfgren na ASDI 21.4.1972: PAIGC”), ASDI, Estocolmo, 24 de Abril de 1972 (SDA).

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