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156 Tor Sellström altamente política. Caso não fosse realizada a contento da população, toda a credibilidade do PAIGC sairia diminuída aos olhos do povo”. 99 O sistema que consistia em regatear a aquisição de produtos só poderia funcionar devidamente se as lojas do PAIGC dispusessem de stocks suficientes de produtos. 100 Beneficiando de um amplo apoio político, com necessidades quase ilimitadas e dando provas de uma boa capacidade administrativa, o PAIGC conseguiria tornar-se numa força dominante entre os movimentos de libertação africanos durante a década de setenta, recebendo ajuda oficial sueca. O valor inicialmente concedido foi de um milhão de coroas suecas, depois aumentado para 1,75 milhões em 1970–71, 4,5 em 1971–72, 10 em 1972–73, 15 em 1973–74 e 22 milhões em 1974–75. 101 Tal como foi dito acima, dos 67,5 milhões de coroas suecas realmente gastos pela Suécia como ajuda humanitária directa aos movimentos de libertação na África Austral e ao PAIGC entre 1969–70 e 1974–75, 64,5 milhões (ou seja, 96 por cento do valor total) foi pago ao MPLA de Angola, à FRELIMO de Moçambique e ao PAIGC da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, o que indica uma clara concentração nas colónias portuguesas. Desse total, uns surpreendentes 45,2 milhões foram pagos ao PAIGC. Durante os primeiros seis anos da ajuda oficial aos movimentos de libertação, o PAIGC recebeu dois terços dos fundos pagos, daí que não surpreenda que os movimentos de libertação da África Austral com os quais a Suécia tinha relações estreitas há já mais tempo, se sentissem prejudicados. Entrevistado em 1996, o líder do MPLA Lúcio Lara declarou que o apoio ao PAIGC ”até nos deixou com algum ciúme”, acrescentando que ”comparámos os valores e constatámos a diferença”. 102 Relativamente à ajuda não-militar, o governo sueco tornou-se muito provavelmente no maior doador ao PAIGC. 103 A liderança guineense reconheceu isso mesmo muitas vezes ao longo dos anos, nomeadamente ao comparar a postura da Suécia com a de outros países ocidentais. 104 Constatando que os Estados Unidos tinham aumentado a ajuda a Portugal em quase 500 milhões de dólares, Cabral escreveu, por exemplo, em 1972 que ”o belo exemplo do povo sueco e do seu governo influencia e influenciará cada vez mais, a atitude de outros povos e de outros Governos, em prol da luta contra o domínio, o colonialismo e o racismo estrangeiros no nosso continente”. 105 No caso do PAIGC era, contudo, bastante fácil para o governo sueco tomar uma posição. A luta de libertação não constituía uma ameaça à segurança nacional do país e a afinidade com os objectivos do PAIGC era forte. Além disso, não existiam conflitos de interesses relativamente à opor- 99. Rudebeck op. cit., p. 179. 100. Sobre os armazéns do povo, ver Rudebeck op. cit., pp. 178–86 e Chabal op. cit., pp. 112–14. 101. SIDA: ”Stöd till PAIGC”/ ASDI: ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 25 de Junho de 1974 (SDA). 102. Entrevista com Lúcio Lara, p. 19. O apoio sueco ao MPLA durante esse mesmo período não ultrapassava os 2,3 milhões de coroas suecas, ou seja, 5 por cento do apoio dado ao PAIGC. Lara atribuía a diferença às qualidades do secretário geral do PAIGC: ”A razão era a presença de Amílcar Cabral. Ele era muito dinâmico e estava sempre ”em cima” dos acontecimentos” (ibid.). 103. À falta de contabilidade global no PAIGC, esta questão fica por provar com base documental. A conclusão retirada baseia-se em declarações do PAIGC, da ASDI e das Nações Unidas. 104. Lövgren comentaria depois que a ajuda em mercadorias dada pela Suécia era, de acordo com Cabral ”a melhor forma de ajuda que a Suécia nos poderia dar. [...] Não precisavam de dinheiro naquela altura. Aquilo de que precisavam para a guerra era-lhes fornecido pelo bloco socialista, mas não tinham quaisquer recursos no que diz respeito a alimentação, medicamentos e equipamento escolar, etc. para a parte civil da luta. Dependiam totalmente de países como a Suécia para conseguir esses bens, porque não os adquiriam no mercado internacional” (Entrevista com Stig Lövgren, p. 310) 105. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Sobre a ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, Maio de 1972 (SDA).

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno tunidade económica. 106 Por fim, e do ponto de vista da legitimidade pública, a política oficial tinha uma grande base de apoio popular. Dito isto, e vista de um ponto de vista da Guerra Fria, que vigorava desde os anos setenta, a ajuda sueca ao PAIGC era mais política do que sugeriria uma interpretação pura e simples do termo ”ajuda humanitária”, 107 o que tem a sua importância em termos de cooperação com os movimentos de libertação na África Austral. Para além de levar a cabo a luta militar, o PAIGC tinha entrado, por via do sistema de troca directa centrado nas lojas do povo, numa batalha económica contra Portugal. Cabral estava também determinado em afirmar que ”com hospitais e escolas podemos vencer a guerra”. 108 Longe de constituírem uma reacção defensiva contra o colonialismo e a opressão, os sectores produtivo, de saúde e de educação eram vitais, fazendo parte integrante e muito activa do esforço de libertação. A maior parte da ajuda sueca era exactamente canalizada para estes sectores. Limitada inicialmente a bens puramente humanitários, a lista alargar-se-ia paralelamente ao ”engordar” do pacote de ajuda, por forma a permitir que necessidades de índole política fossem supridas, tendência que se foi acentuando. 109 Os programas foram concebidos em conjunto pelo PAIGC e pela ASDI. O Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária e o governo sueco seguiam, por norma, as recomendações feitas pela ASDI. Definição de ajuda humanitária A ajuda oficial sueca foi, a pedido do PAIGC, e ao longo dos anos, quase exclusivamente prestada sob a forma de ajuda em géneros. Não incluiu componentes importantes de ajuda técnica, actividades de projectos nem dinheiro. 110 Uma vez que não havia uma 106. Ver a entrevista com Bengt Säve-Söderbergh, na qual o antigo subsecretário de estado social democrata dos Negócios Estrangeiros (1985–91) declara que ”Angola tinha interesse para quem procurava dinheiro. Sabíamos que ninguém se preocupava realmente com a Guiné-Bissau e que alguns se preocupavam, mas apenas marginalmente, com Moçambique. Angola era o foco de interesse e, por isso mesmo o país mais ”quente”, em termos da clivagem Leste-Ocidente” (p. 338). 107. Para Cabral, toda a ajuda ao PAIGC era humanitária, ”independentemente da forma e do conteúdo da ajuda, porque é dada em prol do progresso político, económico, social e cultural da humanidade e da paz” (Carta de Amílcar Cabral à ASDI, Conacri, 28 de Julho de 1971) (SDA). 108. Cabral citado em Chabal op. cit., p. 114. 109. No início dos anos setenta, o movimento sueco de solidariedade era essencial para definir os contornos da ajuda oficial aos movimentos de libertação. Num livro publicado pelos Grupos de África dizia-se, em Janeiro de 1972, que ”a contribuição da ASDI não era dada de forma incondicional aos movimentos de libertação, sendo dada para ’fins humanitários’ como, por exemplo, a saúde, a educação e afins, o que significava que os movimentos não eram reconhecidos como representantes dos respectivos povos e que o aspecto militar da actividade dos movimentos de libertação não recebia qualquer apoio” (AGIS op. cit., p. 194). Mais ou menos na mesma altura, num documento elaborado pelos Grupos de África em Inglaterra para uma conferência sobre solidariedade internacional para com a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC, realizada em Lund no início de 1972, dizia-se que ”ao recusar-se a ver o aspecto militar como parte integrante da luta, o governo sueco está a dar uma imagem deturpada da situação. Outra das limitações é que a ajuda prestada pela ASDI é dada em géneros, seleccionados de uma lista e comprados (na Suécia) por funcionários da ASDI. Trata-se de uma forma grave de paternalismo, o que se poderá talvez explicar apenas pelo desejo de manter vínculos económicos importantes com Portugal durante o máximo de tempo possível e também pelo desejo de encontrar uma solução neo-colonialista para as colónias portuguesas” (Versão preliminar: ”Imperialismo sueco em Portugal e em África”, Conferência da Páscoa, Lund, 1972) (AGA). Deve notar-se que a ajuda oficial não estava vinculada à obtenção dos produtos na Suécia, nem a ASDI tentava obter mercadorias em Portugal para os movimentos de libertação nas colónias portuguesas (Entrevista com Stig Lövgren, p. 314). 110. A questão da ajuda em dinheiro viria a ser levantada em particular pela FRELIMO de Moçambique. Em Novembro de 1972, a ASDI decidiu que 5 por cento das verbas anualmente afectadas aos movimentos de libertação poderia ser transferidas, sob a forma de ajuda em numerário, para a aquisição de bens a nível local e para financiar custos de exploração. No caso do PAIGC, essa percentagem correspondia, em 1972–73 a quinhentas mil coroas suecas. 157

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Tor Sellström<br />

altamente política. Caso não fosse realizada a c<strong>on</strong>tento da população, toda a credibilidade<br />

do PAIGC sairia diminuída aos olhos do povo”. 99 O sistema que c<strong>on</strong>sistia em regatear<br />

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directa aos movimentos de libertação na África Austral e ao PAIGC entre 1969–70<br />

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Angola, à FRELIMO de Moçambique e ao PAIGC da Guiné-Bissau e de Cabo Verde,<br />

o que indica uma clara c<strong>on</strong>centração nas colónias portuguesas. Desse total, uns surpreendentes<br />

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que não surpreenda que os movimentos de libertação da África Austral com os quais a<br />

Suécia tinha relações estreitas há já mais tempo, se sentissem prejudicados. Entrevistado<br />

em 1996, o líder do MPLA Lúcio Lara declarou que o apoio ao PAIGC ”até nos deixou<br />

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Relativamente à ajuda não-militar, o governo sueco tornou-se muito provavelmente<br />

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países ocidentais. 104 C<strong>on</strong>statando que os Estados Unidos tinham aumentado a ajuda a<br />

Portugal em quase 500 milhões de dólares, Cabral escreveu, por exemplo, em 1972 que<br />

”o belo exemplo do povo sueco e do seu governo influencia e influenciará cada vez mais,<br />

a atitude de outros povos e de outros Governos, em prol da luta c<strong>on</strong>tra o domínio, o<br />

col<strong>on</strong>ialismo e o racismo estrangeiros no nosso c<strong>on</strong>tinente”. 105 No caso do PAIGC era,<br />

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PAIGC era forte. Além disso, não existiam c<strong>on</strong>flitos de interesses relativamente à opor-<br />

99. Rudebeck op. cit., p. 179.<br />

100. Sobre os armazéns do povo, ver Rudebeck op. cit., pp. 178–86 e Chabal op. cit., pp. 112–14.<br />

101. SIDA: ”Stöd till PAIGC”/ ASDI: ”Ajuda ao PAIGC”, Estocolmo, 25 de Junho de 1974 (SDA).<br />

102. Entrevista com Lúcio Lara, p. 19. O apoio sueco ao MPLA durante esse mesmo período não ultrapassava os<br />

2,3 milhões de coroas suecas, ou seja, 5 por cento do apoio dado ao PAIGC. Lara atribuía a diferença às qualidades<br />

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103. À falta de c<strong>on</strong>tabilidade global no PAIGC, esta questão fica por provar com base documental. A c<strong>on</strong>clusão<br />

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104. Lövgren comentaria depois que a ajuda em mercadorias dada pela Suécia era, de acordo com Cabral ”a melhor<br />

forma de ajuda que a Suécia nos poderia dar. [...] Não precisavam de dinheiro naquela altura. Aquilo de que precisavam<br />

para a guerra era-lhes fornecido pelo bloco socialista, mas não tinham quaisquer recursos no que diz respeito<br />

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como a Suécia para c<strong>on</strong>seguir esses bens, porque não os adquiriam no mercado internaci<strong>on</strong>al” (Entrevista com Stig<br />

Lövgren, p. 310)<br />

105. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et propositi<strong>on</strong> d’aide” (”Sobre a ajuda<br />

humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), C<strong>on</strong>acri, Maio de 1972 (SDA).

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