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154 Tor Sellström artigos a fornecer. Quanto a bens de primeira necessidade, figuravam da lista alimentos como leite em pó e conservas de carne e de peixe, além de bens de consumo, como têxteis, cobertores, utensílios domésticos e ferramentas agrícolas. A mercadoria destinava-se aos ”armazéns do povo”, criados pelo PAIGC nas zonas libertadas. Ficou desde o início patente que a maior parte dos artigos a fornecer pela proposta ajuda humanitária sueca se destinava às actividades civis do movimento de libertação no território da Guiné- -Bissau. Apesar dos problemas encontrados junto das autoridades de Conacri, no relatório de Ström ao director geral da ASDI recomendava-se, em Junho de 1969 que, no seguimento de uma declaração de esclarecimento feita pelo parlamento sueco, fosse atribuído ao PAIGC um milhão de coroas suecas para aquisição de vários artigos nas áreas indicadas, durante o ano fiscal de 1969–70. 86 Com o apoio do Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária, 87 Michanek enviou em Julho de 1969, uma recomendação ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Nilsson, que lhe pôs o seu selo de aprovação. A primeira remessa no âmbito do programa global oficial sueco de ajuda a um movimento de libertação africano saiu de Roterdão, na Holanda, com destino ao PAIGC, a 29 de Setembro de 1969. 88 Amílcar Cabral estava nessa altura a realizar mais uma visita à Suécia, desta feita com o objectivo de marcar presença no congresso do Partido Social Democrata. 89 Dez meses após a sua primeira visita à Suécia, pôde constatar no terreno os frutos dos seus esforços diplomáticos. 90 Necessidades civis e respostas suecas O PAIGC deu, desde a primeira hora, mostras de uma grande eficácia relativamente à administração, distribuição e listagem dos bens recebidos da Suécia. Depois de uma visita de uma delegação da ASDI a Conacri no final de 1971, concluía-se num memorando destinado ao Comité Consultivo para a Ajuda Humanitária que, por exemplo, ”o apoio sob a forma de bens, dado pela Suécia, está a ser utilizado de forma ideal. O PAIGC é 86. Curt Ström: ”Reserapport” (”Relatório de viagem”), ASDI, Estocolmo, 13 de Junho de 1969 (SDA). 87. CCAH: ”Protokoll” (”Actas”), Estocolmo, 5 de Junho de 1969 (SDA). Nesta ocasião, Curt Ström fez uma exposição oral das conclusões a que chegou durante as visitas ao Senegal e à República da Guiné. 88. ASDI: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde” (”Continuação do apoio sueco ao PAIGC”), Estocolmo, 19 de Novembro de 1970 (SDA). Como se verá nas tabelas em anexo, as contas da ASDI não reflectem quaisquer pagamentos ao PAIGC durante o ano fiscal de 1969–70. As entregas feitas em 1969–70 foram debitadas pela primeira vez em 1970–71. Num relatório exaustivo, datado de Maio de 1970, Cabral acusava, contudo, recepção e registava a distribuição de ajuda sueca durante o ano fiscal de 1969–70 (PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Informações sobre a ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, 19 de Maio de 1970) (SDA). 89. O Congresso elegeu Olof Palme como líder do partido e primeiro ministro. Menos de um mês antes, a ASEA retirara-se do controverso projecto de Cahora Bassa em Moçambique. O Partido Social Democrata no poder tinha agora a possibilidade de assumir verdadeiros compromissos com a causa da libertação de África, tanto junto do líder convidado da FRELIMO, Marcelino dos Santos, quanto do secretário geral do PAIGC, Amílcar Cabral. Para Palme, tratava-se de algo de enorme significado. Deu início ao seu mandato como primeiro ministro sueco, sem grandes complicações económicas relativas à África Austral, pois dispunha de uma declaração do parlamento a favor da ajuda oficial directa aos movimentos de libertação em África, e dispondo já dos primeiros exemplos concretos dessa ajuda. Com este pano de fundo não surpreende que, enquanto indivíduo, se tenha identificado muito com a ajuda dada pela Suécia aos movimentos de libertação em África. 90. Cabral voltou a Estocolmo em Junho de 1970 para discutir o pedido do PAIGC no sentido de a ajuda sueca se prolongar para 1970–71 (SIDA: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”/ASDI: ”Continuação do apoio sueca para o PAIGC”, Estocolmo, 19 de Novembro de 1970) (SDA).

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno sinónimo de rapidez na tomada de decisões, encomenda pormenorizada de mercadorias, bom armazenamento e contabilização”. 91 Os relatórios escritos pelo PAIGC à ASDI eram, também eles, da maior qualidade. Anualmente, o próprio Amílcar Cabral e, depois da sua morte em 1973, Aristides Pereira, apresentavam comentários gerais quanto à ajuda e listas detalhadas de produtos recebidos, apresentadas com uma decomposição da distribuição pelas várias escolas, clínicas e armazéns do povo nas zonas libertadas. 92 De acordo com Stig Lövgren da ASDI, ”o PAIGC era, para nós, uma espécie de organização ideal”. 93 Enquanto isso, o PAIGC estava confrontado com enormes desafios. Em 1971, calcula-se que viviam 400.000 pessoas nas zonas libertadas da Guiné-Bissau, 94 na sua maioria artesãos e camponeses. A taxa de analfabetismo era de cerca de 80 por cento e a situação geral em termos de saúde era complicada. Largos extractos populacionais, nomeadamente as crianças, sofriam de desnutrição. 95 Ao tentar construir uma sociedade nova nas zonas libertadas, pela via da disponibilização de serviços sociais e desenvolvendo a economia, o PAIGC (que, antes de mais, estava empenhado numa guerra generalizada contra Portugal, que era apoiado pela OTAN) assumia o papel de um governo e de uma administração de um estado independente. 96 Em contraste vincado com um estado independente, o movimento de libertação não controlava os recursos nacionais nem podia conduzir operações de comércio internacional. 97 Pelo contrário, num país com um enorme potencial para as pescas, a população que vivia nas zonas libertadas sofria de falta de proteínas o que, paradoxalmente, levou o PAIGC a incluir no pacote de ajuda humanitária sueca pedidos de grandes quantidades de conservas de peixe. Para além disso, o PAIGC não podia cobrar impostos à população residente nas zonas libertadas porque, para já, não havia matéria tributável e também porque, de forma ainda mais clara, a economia de base monetária tinha sido abolida e substituída por um sistema de trocas directas, no qual os bens das pessoas tinham um papel economicamente crucial e politicamente delicado. Os armazéns do povo tinham como função servir de centros de comércio ou depósitos, onde os aldeões podiam trocar os seus produtos agrícolas por outros bens de primeira necessidade e de consumo, como têxteis, óleo de cozinha, sabão, fósforos, utensílios domésticos e agrícolas ou cigarros. 98 Como notou Rudebeck, tratava-se de uma ”função 91. SIDA: ”Fortsatt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/ASDI: ”Continuação do apoio ao PAIGC”, Estocolmo, 5 de Setembro de 1972 (SDA). 92. Os relatórios eram escritos em francês. A ajuda sueca era também enviada ao PAIGC na República da Guiné, nomeadamente para as escolas do PAIGC e, sobretudo, para o Hospital da Solidariedade em Boké, no norte do país. A ajuda incluía, para além disso, veículos e equipamento de escritório para o quartel-general do PAIGC em Conacri. 93. Entrevista com Stig Lövgren, p. 312. 94. SIDA: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”/ASDI: ”Continuação do apoio sueco ao PAIGC”, Estocolmo, 28 de Outubro de 1971 (SDA). 95. Ibid. 96. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et proposition d’aide” (”Ajuda humanitária da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), Conacri, Maio de 1972 (SDA). 97. No âmbito da economia baseada nas lojas do povo, o PAIGC conseguiu, apesar de tudo, organizar uma quantidade limitada de exportações para os países vizinhos, nomeadamente de nozes de cola e arroz, mas também de amendoim, óleo de palma e outros produtos agrícolas. 98. O sistema destinava-se também a conseguir justiça económica, mantendo os preços por troca directa mais baixos do que os preços a dinheiro praticados nas lojas portuguesas das zonas não libertadas. O primeiro armazém do povo foi criado em 1964 e por volta de 1968 já havia quinze lojas desse tipo nas zonas libertadas. Em 1973 já haveria mais do dobro de lojas. 155

O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno<br />

sinónimo de rapidez na tomada de decisões, encomenda pormenorizada de mercadorias,<br />

bom armazenamento e c<strong>on</strong>tabilização”. 91 Os relatórios escritos pelo PAIGC à ASDI<br />

eram, também eles, da maior qualidade. Anualmente, o próprio Amílcar Cabral e, depois<br />

da sua morte em 1973, Aristides Pereira, apresentavam comentários gerais quanto à<br />

ajuda e listas detalhadas de produtos recebidos, apresentadas com uma decomposição da<br />

distribuição pelas várias escolas, clínicas e armazéns do povo nas z<strong>on</strong>as libertadas. 92 De<br />

acordo com Stig Lövgren da ASDI, ”o PAIGC era, para nós, uma espécie de organização<br />

ideal”. 93<br />

Enquanto isso, o PAIGC estava c<strong>on</strong>fr<strong>on</strong>tado com enormes desafios. Em 1971, calcula-se<br />

que viviam 400.000 pessoas nas z<strong>on</strong>as libertadas da Guiné-Bissau, 94 na sua maioria<br />

artesãos e camp<strong>on</strong>eses.<br />

A taxa de analfabetismo era de cerca de 80 por cento e a situação geral em termos<br />

de saúde era complicada. Largos extractos populaci<strong>on</strong>ais, nomeadamente as crianças,<br />

sofriam de desnutrição. 95 Ao tentar c<strong>on</strong>struir uma sociedade nova nas z<strong>on</strong>as libertadas,<br />

pela via da disp<strong>on</strong>ibilização de serviços sociais e desenvolvendo a ec<strong>on</strong>omia, o PAIGC<br />

(que, antes de mais, estava empenhado numa guerra generalizada c<strong>on</strong>tra Portugal, que<br />

era apoiado pela OTAN) assumia o papel de um governo e de uma administração de um<br />

estado independente. 96 Em c<strong>on</strong>traste vincado com um estado independente, o movimento<br />

de libertação não c<strong>on</strong>trolava os recursos naci<strong>on</strong>ais nem podia c<strong>on</strong>duzir operações<br />

de comércio internaci<strong>on</strong>al. 97 Pelo c<strong>on</strong>trário, num país com um enorme potencial para as<br />

pescas, a população que vivia nas z<strong>on</strong>as libertadas sofria de falta de proteínas o que, paradoxalmente,<br />

levou o PAIGC a incluir no pacote de ajuda humanitária sueca pedidos de<br />

grandes quantidades de c<strong>on</strong>servas de peixe. Para além disso, o PAIGC não podia cobrar<br />

impostos à população residente nas z<strong>on</strong>as libertadas porque, para já, não havia matéria<br />

tributável e também porque, de forma ainda mais clara, a ec<strong>on</strong>omia de base m<strong>on</strong>etária<br />

tinha sido abolida e substituída por um sistema de trocas directas, no qual os bens das<br />

pessoas tinham um papel ec<strong>on</strong>omicamente crucial e politicamente delicado.<br />

Os armazéns do povo tinham como função servir de centros de comércio ou depósitos,<br />

<strong>on</strong>de os aldeões podiam trocar os seus produtos agrícolas por outros bens de primeira<br />

necessidade e de c<strong>on</strong>sumo, como têxteis, óleo de cozinha, sabão, fósforos, utensílios domésticos<br />

e agrícolas ou cigarros. 98 Como notou Rudebeck, tratava-se de uma ”função<br />

91. SIDA: ”Fortsatt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)”/ASDI: ”C<strong>on</strong>tinuação<br />

do apoio ao PAIGC”, Estocolmo, 5 de Setembro de 1972 (SDA).<br />

92. Os relatórios eram escritos em francês. A ajuda sueca era também enviada ao PAIGC na República da Guiné,<br />

nomeadamente para as escolas do PAIGC e, sobretudo, para o Hospital da Solidariedade em Boké, no norte do<br />

país. A ajuda incluía, para além disso, veículos e equipamento de escritório para o quartel-general do PAIGC em<br />

C<strong>on</strong>acri.<br />

93. Entrevista com Stig Lövgren, p. 312.<br />

94. SIDA: ”Fortsatt svenskt stöd till Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde”/ASDI: ”C<strong>on</strong>tinuação<br />

do apoio sueco ao PAIGC”, Estocolmo, 28 de Outubro de 1971 (SDA).<br />

95. Ibid.<br />

96. PAIGC: ”Sur l’aide humanitaire de la Suède à notre parti: Rapport bref et propositi<strong>on</strong> d’aide” (”Ajuda humanitária<br />

da Suécia ao nosso partido: Breve relatório e proposta de ajuda”), C<strong>on</strong>acri, Maio de 1972 (SDA).<br />

97. No âmbito da ec<strong>on</strong>omia baseada nas lojas do povo, o PAIGC c<strong>on</strong>seguiu, apesar de tudo, organizar uma quantidade<br />

limitada de exportações para os países vizinhos, nomeadamente de nozes de cola e arroz, mas também de<br />

amendoim, óleo de palma e outros produtos agrícolas.<br />

98. O sistema destinava-se também a c<strong>on</strong>seguir justiça ec<strong>on</strong>ómica, mantendo os preços por troca directa mais baixos<br />

do que os preços a dinheiro praticados nas lojas portuguesas das z<strong>on</strong>as não libertadas. O primeiro armazém do povo<br />

foi criado em 1964 e por volta de 1968 já havia quinze lojas desse tipo nas z<strong>on</strong>as libertadas. Em 1973 já haveria mais<br />

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