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144 Primeiros contactos Tor Sellström A Suécia tinha variadas ligações históricas, económicas e eclesiásticas com os cinco países da África Austral que constituem o objecto deste estudo mas só quando foi criado um programa de ajuda humanitária com o PAIGC passou a haver relações com a Guiné- Bissau, até aí inexistentes. Sendo certo que a Suécia e Portugal entraram para a EFTA em 1960 e que as trocas comerciais entre os dois países aumentaram rapidamente durante essa década, isso não se traduziu em grandes transacções económicas com as colónias portuguesas em África. No caso da Guiné-Bissau, não houve investimento sueco e as trocas comerciais eram incipientes. Antes da década de setenta, a Guiné-Bissau não entrava como parcela independente nas estatísticas comerciais suecas, sendo os dados desse país registados juntamente com os de Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, sob a epígrafe ”África Ocidental portuguesa”. Dentro desse grupo, pode-se, sem receios, partir do princípio que a maior parte do comércio externo se realizava com a economia angolana, a mais importante desse grupo de países. Contudo, os valores eram extremamente baixos. O valor das exportações suecas para a ”África Ocidental portuguesa” era, em 1950, de 1,8 milhões de coroas suecas, o que representava 0,03 por cento das vendas totais suecas para o exterior. O valor das importações era, nessa mesma altura, de 2,3 milhões de coroas suecas, o que correspondia a 0,04 por cento das importações da Suécia. Dez anos volvidos, as trocas continuavam a ter um nível irrelevante. As importações suecas da ”África Ocidental portuguesa” em 1960 atingiam os 3,8 milhões de coroas suecas, uma parte estável de um total de 0,03 por cento, enquanto o valor das exportações suecas tinha aumentado para 10,7 milhões, o que correspondia a 0,08 por cento do total. 25 Com este panorama, o comércio entre a Suécia e a Guiné-Bissau deverá ter sido praticamente inexistente, o que é confirmado pelas estatísticas feitas a seguir à independência. Entre 1975 e 1980, os valores anuais das exportações da Guiné-Bissau para a Suécia variaram entre as 2.000 e as 270.000 coroas suecas. Estes valores são demasiados baixos para terem qualquer expressão em termos da quota total de importações suecas. As exportações anuais suecas, por seu lado, aumentaram durante este período de 3,2 para 20 milhões de coroas suecas. 26 Contudo, estes valores não espelham as transacções comerciais normais, mas remessas suecas como ajuda humanitária. 27 Não havendo ligações históricas, comerciais ou outras, não admira que o encontro entre o PAIGC e a Suécia só tenha acontecido no final da década de sessenta, numa altura em que o apoio popular às lutas nacionalistas em África desfrutava de um amplo reconhecimento e em que o movimento de libertação da Guiné-Bissau já estava criado e era uma força decisiva. A velocidade com que tanto o governo social democrata sueco como o movimento organizado de solidariedade, que ultrapassava as barreiras culturais e linguísticas, abraçou a causa do PAIGC é, contudo, notável, não sendo menos notável 25. Para 1950: Kommerskollegium: Handel: Berättelse för år 1950, Volume I, Sveriges Officiella Statistik, Norstedt & Söner, Estocolmo, 1952. Para 1960: Statistiska Centralbyrån: Handel: Berättelse för år 1960, Volume II, Estocolmo, 1963. 26. Citação de Lars Rudebeck: ”Alguns factos e observações sobre as relações entre os países nórdicos e os países africanos de língua oficial portuguesa”, palestra apresentada numa conferência sobre os países de língua oficial portuguesa em África, organizada pelo Stiftung Wissenschaft und Politik (Fundação Ebenhausen para a Ciência e Política), Ebenhausen, República Federal da Alemanha, Fevereiro de 1986. 27. As exportações financiadas com doações da Suécia representavam, durante este período, entre 5 por cento e 10 por cento do total das importações da Guiné-Bissau (Rudebeck op. cit.).
O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno o facto de, apesar de ambos interpretarem de forma diferente a luta do PAIGC (de formas quase antagónicas, por vezes) 28 , terem conseguido mobilizar as suas esferas de acção para a mesma causa. A capacidade diplomática de Amílcar Cabral foi, nesta área, muito importante. O primeiro contacto de que há conhecimento entre o PAIGC e a Suécia teve lugar antes do início da luta armada, em Janeiro de 1963, tendo como pano de fundo a Conferência das Organizações Nacionalistas nas Colónias Portuguesas (CONCP) 29 , que se realizou em Junho de 1961, e onde se lançou um apelo ao jornal sueco Expressen para que fosse dada ajuda aos refugiados angolanos que, em condições abjectas, atravessavam a fronteira com o Congo (Zaire). 30 Respondendo a esse apelo, o Expressen realizou uma importante campanha, chamada ”Ajuda a Angola” 31 , que decorreu entre Julho e Setembro de 1961. Durante a campanha, o jornal, de tendência liberal, conseguiu obter cerca de 4,5 toneladas de medicamentos, sobretudo penicilina, para os refugiados na região do Baixo Congo. A ajuda foi canalizada através do MPLA. Na sua capacidade de vice secretário geral da CONCP, Amílcar Cabral estava bem ciente da campanha e dirigiu-se ao Expressen, apresentando um pedido semelhante para o PAIGC. Estando a preparar o lançamento da luta armada, Cabral enviou um telegrama ao jornalista e escritor sueco Anders Ehnmark, solicitando ajuda, sob a forma de medicamentos 32 , e acrescentando que ”também nós nos estamos a libertar”. 33 Nessa altura, o PAIGC e a situação da Guiné-Bissau eram, em geral, pouco conhecidos. Ehnmark viria mais tarde a comentar que ”eu sabia quem era Amílcar, mas nada mais aconteceu. Afinal de contas era ainda um pouco cedo”. 34 O ”muro de silêncio” 35 levantado pelos portugueses à volta das suas colónias em 28. Para os Grupos de África e para a esquerda socialista sueca em geral, a luta armada do PAIGC fazia parte da batalha global contra o imperialismo e o capitalismo. A luta contra o colonialismo na Guiné-Bissau e a luta contra o capitalismo na Suécia, na qual participava o governo social democrata, eram vistas como fazendo parte integrante da mesma causa. Num relatório apresentado numa conferência internacional de solidariedade realizada em Oxford em Inglaterra, os AGIS apresentaram em Abril de 1974 a sua perspectiva, que era a seguinte: ”nos Grupos de África suecos centramos o nosso trabalho sobre o facto de a Suécia ser um estado imperialista, no qual os trabalhadores são oprimidos pelo mesmo sistema que oprime os povos de África. Daí que não apelemos prioritariamente a um sentimento de pena pelos povos oprimidos, mas destaquemos a justiça da luta armada e a construção, nas zonas libertadas, de uma nova sociedade, não baseada na exploração. Destacamos também o interesse comum que existe à volta da luta contra o sistema imperialista” (AGIS: ”Relatório sobre os Grupos de África suecos”, Conferência de Solidariedade com África, Oxford, Páscoa de 1974) (AGA). 29. A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) foi uma espécie de organização catalisadora, que representava os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas, sobretudo os de África, mas também, por exemplo, de Goa, na Índia. Os agentes mais activos para a constituição da CONCP foram o MPLA e o PAIGC. Com origens que remontam ao MAC (e, antes disso, ao Centro de Estudos Africanos de Lisboa), o CONCP foi formado numa conferência em Marrocos, realizada em Casablanca em Abril de 1961, ou seja, pouco depois do início da guerra de libertação em Angola. Mário de Andrade do MPLA foi o presidente do Comité Consultivo. O Secretariado da CONCP foi criado em Rabat, em Marrocos, tendo Marcelino dos Santos de Moçambique como secretário geral e Amílcar Cabral (que tinha a sua base de operações em Conacri, na República da Guiné) como vice secretário geral. Em 1968, sete anos depois da campanha do Expressen em prol de Angola, o Partido de Esquerda Comunista apresentou uma das primeiras moções ao parlamento sueco, para que fosse concedido apoio oficial aos movimentos de libertação na África Austral, visando a CONCP. 30. O antigo Congo Belga alterou a sua denominação, passando a chamar-se Zaire em 1965. Em 1997, passou a chamar-se República Democrática do Congo. 31. Em língua sueca, Angola-Hjälpen. 32. Anders Ehnmark: Resan till Kilimanjaro: En essä om Afrika efter befrielsen (”A viagem ao Kilimanjaro: Um estudo sobre África depois da libertação”), Norstedts, Estocolmo, 1993, p. 8 e Anders Ehnmark, carta ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997. 33. Carta de Anders Ehnmark ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997. 34. Ibid. 35. Prefácio por Amílcar Cabral para Davidson op. cit., p. 9. 145
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O PAIGC da Guiné-Bissau: Desbravar terreno<br />
o facto de, apesar de ambos interpretarem de forma diferente a luta do PAIGC (de formas<br />
quase antagónicas, por vezes) 28 , terem c<strong>on</strong>seguido mobilizar as suas esferas de acção<br />
para a mesma causa. A capacidade diplomática de Amílcar Cabral foi, nesta área, muito<br />
importante.<br />
O primeiro c<strong>on</strong>tacto de que há c<strong>on</strong>hecimento entre o PAIGC e a Suécia teve lugar<br />
antes do início da luta armada, em Janeiro de 1963, tendo como pano de fundo a C<strong>on</strong>ferência<br />
das Organizações Naci<strong>on</strong>alistas nas Colónias Portuguesas (CONCP) 29 , que se<br />
realizou em Junho de 1961, e <strong>on</strong>de se lançou um apelo ao jornal sueco Expressen para<br />
que fosse dada ajuda aos refugiados angolanos que, em c<strong>on</strong>dições abjectas, atravessavam<br />
a fr<strong>on</strong>teira com o C<strong>on</strong>go (Zaire). 30 Resp<strong>on</strong>dendo a esse apelo, o Expressen realizou uma<br />
importante campanha, chamada ”Ajuda a Angola” 31 , que decorreu entre Julho e Setembro<br />
de 1961. Durante a campanha, o jornal, de tendência liberal, c<strong>on</strong>seguiu obter cerca<br />
de 4,5 t<strong>on</strong>eladas de medicamentos, sobretudo penicilina, para os refugiados na região<br />
do Baixo C<strong>on</strong>go. A ajuda foi canalizada através do MPLA. Na sua capacidade de vice<br />
secretário geral da CONCP, Amílcar Cabral estava bem ciente da campanha e dirigiu-se<br />
ao Expressen, apresentando um pedido semelhante para o PAIGC. Estando a preparar o<br />
lançamento da luta armada, Cabral enviou um telegrama ao jornalista e escritor sueco<br />
Anders Ehnmark, solicitando ajuda, sob a forma de medicamentos 32 , e acrescentando<br />
que ”também nós nos estamos a libertar”. 33 Nessa altura, o PAIGC e a situação da Guiné-Bissau<br />
eram, em geral, pouco c<strong>on</strong>hecidos. Ehnmark viria mais tarde a comentar que<br />
”eu sabia quem era Amílcar, mas nada mais ac<strong>on</strong>teceu. Afinal de c<strong>on</strong>tas era ainda um<br />
pouco cedo”. 34<br />
O ”muro de silêncio” 35 levantado pelos portugueses à volta das suas colónias em<br />
28. Para os Grupos de África e para a esquerda socialista sueca em geral, a luta armada do PAIGC fazia parte da<br />
batalha global c<strong>on</strong>tra o imperialismo e o capitalismo. A luta c<strong>on</strong>tra o col<strong>on</strong>ialismo na Guiné-Bissau e a luta c<strong>on</strong>tra<br />
o capitalismo na Suécia, na qual participava o governo social democrata, eram vistas como fazendo parte integrante<br />
da mesma causa. Num relatório apresentado numa c<strong>on</strong>ferência internaci<strong>on</strong>al de solidariedade realizada em Oxford<br />
em Inglaterra, os AGIS apresentaram em Abril de 1974 a sua perspectiva, que era a seguinte: ”nos Grupos de África<br />
suecos centramos o nosso trabalho sobre o facto de a Suécia ser um estado imperialista, no qual os trabalhadores<br />
são oprimidos pelo mesmo sistema que oprime os povos de África. Daí que não apelemos prioritariamente a um<br />
sentimento de pena pelos povos oprimidos, mas destaquemos a justiça da luta armada e a c<strong>on</strong>strução, nas z<strong>on</strong>as<br />
libertadas, de uma nova sociedade, não baseada na exploração. Destacamos também o interesse comum que existe<br />
à volta da luta c<strong>on</strong>tra o sistema imperialista” (AGIS: ”Relatório sobre os Grupos de África suecos”, C<strong>on</strong>ferência de<br />
Solidariedade com África, Oxford, Páscoa de 1974) (AGA).<br />
29. A C<strong>on</strong>ferência das Organizações Naci<strong>on</strong>alistas das Colónias Portuguesas (CONCP) foi uma espécie de organização<br />
catalisadora, que representava os movimentos naci<strong>on</strong>alistas das colónias portuguesas, sobretudo os de África,<br />
mas também, por exemplo, de Goa, na Índia. Os agentes mais activos para a c<strong>on</strong>stituição da CONCP foram o<br />
MPLA e o PAIGC. Com origens que rem<strong>on</strong>tam ao MAC (e, antes disso, ao Centro de Estudos Africanos de Lisboa),<br />
o CONCP foi formado numa c<strong>on</strong>ferência em Marrocos, realizada em Casablanca em Abril de 1961, ou seja, pouco<br />
depois do início da guerra de libertação em Angola. Mário de Andrade do MPLA foi o presidente do Comité C<strong>on</strong>sultivo.<br />
O Secretariado da CONCP foi criado em Rabat, em Marrocos, tendo Marcelino dos Santos de Moçambique<br />
como secretário geral e Amílcar Cabral (que tinha a sua base de operações em C<strong>on</strong>acri, na República da Guiné)<br />
como vice secretário geral. Em 1968, sete anos depois da campanha do Expressen em prol de Angola, o Partido de<br />
Esquerda Comunista apresentou uma das primeiras moções ao parlamento sueco, para que fosse c<strong>on</strong>cedido apoio<br />
oficial aos movimentos de libertação na África Austral, visando a CONCP.<br />
30. O antigo C<strong>on</strong>go Belga alterou a sua denominação, passando a chamar-se Zaire em 1965. Em 1997, passou a<br />
chamar-se República Democrática do C<strong>on</strong>go.<br />
31. Em língua sueca, Angola-Hjälpen.<br />
32. Anders Ehnmark: Resan till Kilimanjaro: En essä om Afrika efter befrielsen (”A viagem ao Kilimanjaro: Um estudo<br />
sobre África depois da libertação”), Norstedts, Estocolmo, 1993, p. 8 e Anders Ehnmark, carta ao autor, Taxinge,<br />
Janeiro de 1997.<br />
33. Carta de Anders Ehnmark ao autor, Taxinge, Janeiro de 1997.<br />
34. Ibid.<br />
35. Prefácio por Amílcar Cabral para Davids<strong>on</strong> op. cit., p. 9.<br />
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