As miíases no imaginário de uma população rural no ... - Biotemas
As miíases no imaginário de uma população rural no ... - Biotemas
As miíases no imaginário de uma população rural no ... - Biotemas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
250<br />
Revista <strong>Biotemas</strong>, 25 (4), <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012<br />
E. R. Cansi et al.<br />
names for their etiological agents, and they knew many of the steps of their biological cycle. However, this<br />
kind of comprehensive k<strong>no</strong>wledge was <strong>no</strong>t k<strong>no</strong>wn for berne; in some cases even the parasite was unk<strong>no</strong>wn.<br />
This research also highlights the influence of religious syncretism and popular k<strong>no</strong>wledge in the treatment and<br />
management of myiasis in animals and h<strong>uma</strong>ns.<br />
Key words: Cerrado; Cochliomyia hominivorax; Dermatobia hominis; Eth<strong>no</strong>parasitology; Rural tradition<br />
Introdução<br />
A domesticação dos animais iniciou-se há<br />
aproximadamente 12.000 a<strong>no</strong>s a.C., sendo os cães<br />
os primeiros animais domesticados pelo homem<br />
(GUPTA, 2004). Esse processo trouxe <strong>no</strong>vida<strong>de</strong>s que<br />
levariam a mudanças evolutivas tanto <strong>no</strong>s homens<br />
quanto <strong>no</strong>s animais, e em suas relações interespecíficas<br />
(DIAMOND, 2002; 2005). Uma das principais<br />
mudanças foi o incremento das doenças oriundas<br />
dos animais, <strong>de</strong><strong>no</strong>minadas, pelo patologista Rudolph<br />
Virchow, Zoo<strong>no</strong>ses (SWABE, 1999; SIANTO et al.,<br />
2009). Essas moléstias tiveram papel importante para as<br />
alterações drásticas na socieda<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na, preenchendo<br />
o <strong>imaginário</strong> cultural com <strong>no</strong>vos símbolos e mitos.<br />
<strong>As</strong> enfermida<strong>de</strong>s parasitárias são as mais ricas em<br />
construções simbólicas e míticas (WAGUESPACK, 2002;<br />
GURGEL-GONÇALVES, 2009). Essa peculiarida<strong>de</strong><br />
associa-se à dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar os complexos ciclos<br />
dos parasitos, às diferentes formas <strong>de</strong> manifestações<br />
das doenças e ao aspecto macroscópico e microscópico<br />
<strong>de</strong> alguns agentes etiológicos (MELLO et al., 1988).<br />
Entre as formas <strong>de</strong> parasitismo, o ectoparasitismo é<br />
um dos mais ricos em simbologia <strong>de</strong>vido à exposição<br />
da enfermida<strong>de</strong> e até mesmo ao <strong>de</strong>sconhecimento<br />
dos parasitas, compondo um dos mais importantes<br />
temas abordados pela et<strong>no</strong>parasitologia (ARAÚJO et<br />
al., 2000). O ectoparasitismo está presente em vários<br />
contos e preenche o <strong>imaginário</strong>, principalmente, por<br />
ser facilmente verificável a olho <strong>de</strong>sarmado (olho nu) e<br />
possuir distribuição global (LENKO; PAPAVERO, 1996).<br />
A et<strong>no</strong>parasitologia estuda os conhecimentos<br />
tradicionais sobre a biologia dos parasitos e o modo<br />
como as populações h<strong>uma</strong>nas lidam com as doenças<br />
parasitárias. A obtenção e a utilização pelos cientistas<br />
<strong>de</strong>stes saberes populares po<strong>de</strong>m trazer informações<br />
valiosas a respeito do tratamento e controle das<br />
enfermida<strong>de</strong>s (GURGEL-GONÇALVES et al., 2007;<br />
2009). No mesmo contexto, o parasitismo po<strong>de</strong><br />
ser compreendido pela et<strong>no</strong>veterinária que estuda<br />
os conhecimentos populares sobre a saú<strong>de</strong> animal,<br />
<strong>de</strong>screvendo as terapêuticas e agentes (minerais, flora<br />
ou fauna) utilizados na busca da cura <strong>de</strong> moléstias em<br />
animais (MATHIAS-MUNDY; McCORKLE, 1989;<br />
McCORKLE et al., 1996; FAROOQ et al., 2008; LANS<br />
et al., 2009).<br />
Entre as ectoparasitoses <strong>de</strong>stacam-se as <strong>miíases</strong><br />
pelas peculiarida<strong>de</strong>s do ciclo biológico das moscas<br />
adultas e pela importância econômica e sanitária<br />
(LENKO; PAPAVERO, 1996; GUIMARÃES;<br />
PAPAVERO, 1999). <strong>As</strong> <strong>miíases</strong> po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidas<br />
como infestações ectoparasitárias <strong>de</strong> vertebrados vivos<br />
por larvas <strong>de</strong> Diptera que se alimentam, pelo me<strong>no</strong>s<br />
durante parte da sua vida, do tecido vivo ou morto do<br />
seu hospe<strong>de</strong>iro, <strong>de</strong> suas substâncias corporais líquidas,<br />
ou do alimento por ele ingerido (ZUMPT, 1965). No<br />
Brasil são popularmente conhecidas como “bicheiras”<br />
e “bernes”, <strong>de</strong> acordo com a apresentação clínica da<br />
doença e seus agentes etiológicos (GUIMARÃES;<br />
PAPAVERO, 1999), sendo consi<strong>de</strong>radas entre os<br />
principais problemas da pecuária na América Latina,<br />
com perdas econômicas significativas na produção <strong>de</strong><br />
leite, carne e indústria do couro (MOYA BORJA, 2003).<br />
Além disso, as <strong>miíases</strong> po<strong>de</strong>m provocar da<strong>no</strong>s relevantes<br />
em h<strong>uma</strong><strong>no</strong>s, apresentando interesse em saú<strong>de</strong> pública<br />
<strong>no</strong> Brasil (GOMEZ et al., 2003; NASCIMENTO et<br />
al., 2005, FERNANDES et al., 2009). Os dois mais<br />
importantes dípteros parasitas na América do Sul são<br />
Dermatobia hominis L.f. e Cochliomyia hominivorax<br />
Coquerel (GUIMARÃES; PAPAVERO, 1999).<br />
<strong>As</strong> peculiarida<strong>de</strong>s do ciclo biológico das moscas,<br />
assim como a importância econômica e sanitária das<br />
<strong>miíases</strong> po<strong>de</strong>m enriquecer o <strong>imaginário</strong> popular com<br />
diversos enigmas preenchidos por lendas e mitos locais<br />
(LENKO; PAPAVERO, 1996). Dessa forma, este