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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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Inventar o infinito<br />

Stéphane Mallarmé (1842-1898) passou boa parte de sua vida artística<br />

aspirando a realização de um Livro. Não um livro, como os vários que ele publicou<br />

ao longo de sua bem sucedida carreira, mas o Livro. A invenção permanente e<br />

interminável presente no projeto desse Livro é um marco para a arte ocidental,<br />

devido a seu desafio sem limites em busca da pureza e perfeição da linguagem<br />

poética. Ele era tão potente que fazia com que o próprio autor desqualificasse seus<br />

trabalhos editados. Todos eram álbuns. Apenas um seria o Livro. Para além de sua<br />

árdua missão, porém, o Livro de Mallarmé não é feito. Sobraram apenas algumas<br />

anotações esparsas, fragmentos dispersos, papéis com números soltos indicando<br />

cálculos para paginações. 105 Assim como o livro de Oiticica, ele só existe nos<br />

documentos e arquivos, isto é, na sua propaganda por parte do autor e na crença por<br />

parte dos pesquisadores de que seu autor estava fazendo algo durante o processo de<br />

planejamento. Mais: ele só existe na crença de que esse planejamento é o próprio<br />

livro. A invenção dessa Obra é movida pelo desejo quase místico da escrita e pela<br />

necessidade de intervir na linguagem literária através de seu mais sagrado objeto: o<br />

livro. Não bastava escrevê-lo. Era preciso intuí-lo, inventá-lo, deslocá-lo em sua<br />

própria objetividade. Mallarmé e Oiticica, cada um a sua maneira, tinham esse desejo<br />

em comum.<br />

Em um de seus notebooks de 1973, Oiticica redige uma brevíssima nota para<br />

ser acrescida a um dos seus Blocos-seções de Newyorkaises. Tendo como referência<br />

o cineasta Julio Bressane – não fica claro se foi sugestão dele ou se o trecho é<br />

dedicado a ele – Oiticica cita uma linha solitária do famoso poema de Mallarmé Un<br />

coupe de dés jamais n’abolira le hasard. O verso “Un borne à l’infini” ocupa a<br />

última linha da página quatorze do poema original (versão da editora Perspectiva,<br />

105 Para se aprofundar nesse tema do Livro em Mallarmé, conferir o clássico trabalho de Jacques<br />

Scherer, Le “Livre” de Mallarmé – premieres recherches sur des documents inédits. Paris: Gallimard,<br />

1957. Vale também conferir o debate que Blanchot encaminha sobre o livro de Scherer em seu artigo<br />

“O livro por vir” (1959)<br />

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