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cores e páginas cortadas e montadas de Colares com idéias que se aproximam da<br />
proposta de um não-livro. Os Gibis eram brochuras feitas por camadas de páginas de<br />
cores diferentes, cuja idéia fez Hélio primeiro os aproximarem em um parentesco<br />
“sadio-longínquo” ao “NÃO OBJETO LIVRO DA CRIAÇÃO (GULLAR PAPE)”.<br />
Hélio enxerga em um dos trabalhos de Colares, o “Livro-Modrian”, as “skylines de<br />
não-livro” e seus “eixos multidirecionais no fio-corte”. O não-livro, portanto, já era<br />
uma possibilidade desde 1972. Era pensado como um livro que no fundo, para<br />
usarmos novamente a máxima de Mallarmé, no máximo simula. Simula ser um<br />
objeto, simula ser um livro, simula ser algo que poderia ter um fim material.<br />
Partindo do artista homenageado por Colares, aprofundo mais um pouco essa<br />
dimensão negativa do “livro”. Se Mondrian limpa o quadro e o reduz até a harmonia<br />
silenciosa das retas horizontais e verticais, Oiticica, em uma analogia a esse<br />
movimento fundador do seu pintor preferido, limpa o livro de todos os seus<br />
ornamentos, de todas as suas lógicas e todas as suas necessidades. Ao limpar o livro<br />
disso tudo, o que fica são apenas os textos e as palavras em sua solidão plena,<br />
articulados uns aos outros apenas por um sopro definidor de seu autor. O objeto<br />
editado, materialização do desejo desse autor, esse permanecerá como livro por vir,<br />
obra aberta e, até hoje, em progresso para seus novos leitores.<br />
Retomando a expressão que utilizo como título para a tese, Oiticica livrou-se<br />
de seu projeto mesmo sem um livro. 167 O Conglomerado garantiria para a<br />
posteridade que, mesmo sem o livro, “nunca tanta coisa foi feita”. Livre ou leave me,<br />
em seu preciso jogo de palavras, elas não formam uma contradição, mas sim um<br />
complemento: seu autor se viu livre através da elaboração de um livro infinito e<br />
planejou um interminável livro por ser livre. Quanto maior o rigor, maior a liberdade.<br />
Ao contrário do que pode se pensar, esse não-livro como resultado de sua longa<br />
empreitada não foi desperdício de energia ou de tempo. Planejá-lo foi, isso sim, a<br />
forma que ele encontrou para “manter teso o arco da promessa”. Uma prova de que,<br />
167 Essa frase encontra-se em carta para Carlos Vergara, Projeto HO # 1071.73<br />
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