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Se as idéias nele são o que interessa, por que não<br />
teria querido expô-las com toda a clareza, por exemplo,<br />
eliminando as discordâncias e contradições? Uma das<br />
razões possivelmente seria porque as idéias não fossem<br />
tão importantes para ele quanto o processo que as<br />
engendrara, vale dizer, a passagem da forma mental para<br />
o estágio do seu posterior desenvolvimento. (...) Se o<br />
processo de fazer arte (ou pensar) tinha mais peso que o<br />
resultado, então o observador encorajado a juntar-se ao<br />
processo, seria mais um participante ativo do que um<br />
observador passivo. Essa noção, que está presente em<br />
Mallarmé e nos simbolistas, é uma das chaves para a<br />
influência sempre crescente de Duchamp nos tempos<br />
atuais, quando a arte, cada vez mais, é considerada um<br />
processo que abrange o artista, o objeto artístico e o<br />
observador num jogo mútuo e espontâneo de criação e<br />
interpretação. 136<br />
Esse trecho de Tomkins sinaliza uma ponte Mallarmé-Duchamp-Oiticica,<br />
pois me permite reunir os três no apego ao processo de criação e no adiamento do<br />
produto final. A obra, com já disse, é a própria criação – mental e manual – do<br />
objeto. Seu resultado é uma variável possível, um acaso no jogo de dados. Mallarmé<br />
desejava o Livro e passava seus dias a consumir esse desejo através de cartas e<br />
projetos, fragmentos cuidadosamente guardados; Duchamp, por sua vez, cortava pela<br />
raiz todas as etapas do campo artístico de sua época, fazendo da Obra algo que já está<br />
dado nas coisas do mundo ou em movimentos mínimos de esforço do artista, sem<br />
começo ou fim, sem gênese para além da idéia de apropriação, deslocamento e<br />
reversão dos sentidos. Os ready-made sublinham essa prática artística em que o<br />
“fazer arte tinha mais peso que o resultado” por estancar a esperança da inspiração<br />
das musas, por secar de vez o glamour de fazer parte da Arte, por sepultar o talento<br />
como elemento quase divino no artista; já Oiticica propaga o work in progress e a<br />
136 TOMKINS, C, op. cit., p.328.<br />
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