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Após esse breve exemplo de “dedicação” à obra de Mallarmé, isto é, de sua<br />
atenção e apropriação desse pensamento poético, faço um alerta: qualquer<br />
abordagem aproximando os livros de Oiticica e Mallarmé deve ser feita com<br />
ressalvas. A mais importante de todas: os Livros dialogam não como realização<br />
artística, mas como impossibilidades. Além disso, eles são projetos de naturezas<br />
distintas. Mallarmé era um artista que escrevia e tinha intenso trânsito no interior de<br />
uma das culturas letradas mais especializadas, a francesa. Poeta simbolista admirado,<br />
personagem de destaque no campo literário de seu país durante o século XIX, sua<br />
obsessão pela linguagem pura e absoluta, seu empenho em excluir qualquer traço da<br />
personalidade e qualquer interferência das circunstâncias (dois obstáculos para se<br />
pensar a literatura em sua concepção), resultaram em – ou eram fruto de – um projeto<br />
incompleto pela (pre?)potência de uma tarefa definitiva e, ao mesmo tempo, infinita.<br />
Já Oiticica não funda seu Livro nos abismos, armadilhas e desafios da linguagem<br />
literária ou na busca da perfeição estética, mas sim no desejo de explorar os limites<br />
de um novo espaço criativo, de costurar seus textos escritos para além de qualquer<br />
projeto prévio, de dar vazão em novas frentes aos seus programas em progresso.<br />
Apesar de ambos projetarem suas empreitadas a partir de crises – da língua<br />
escrita, do espaço dessa escrita, do papel do poético nas artes – era na questão da<br />
tarefa de seus Livros que as principais semelhanças podem ser apontadas. Em<br />
ambos, essa tarefa demandava uma forma inovadora e radical para dar conta de um<br />
processo de criação em que tudo desemboca na feitura de sua grande obra.<br />
“Arquitetura” e “estrutura” são duas palavras utilizadas com freqüência pelo poeta<br />
em suas cartas quando ele se referia ao seu projeto. 109 A composição formal dos dois<br />
Livros passa ao longo do tempo por uma série de mudanças, abarcando novas idéias,<br />
propondo reinvenções da própria concepção de Livro e de como ele era visto pela<br />
tradição editorial de suas épocas. Ao expor brevemente o percurso do Livro de<br />
109 SCHERER, J., op. cit., p.20.<br />
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