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Mas, será que o problema era a falta de uma idéia clara ou, ao contrário, a<br />
obsessão de uma idéia precisa e incontornável? Em suas anotações manuscritas<br />
dedicadas ao seu Livro, Mallarmé responde indiretamente a pergunta de Blanchot:<br />
“um livro não começa nem termina: no máximo ele simula”. 107 Não importa o<br />
começo nem o fim (“acabar com o acabado”), importa o esmero na arte dessa<br />
simulação. Será essa a maestria do poeta francês? Mesmo sem o livro, mesmo após a<br />
morte, permanecer durante os anos simulando através de pesquisas e estudos que há<br />
um livro onde só há um vazio sem começo nem fim?<br />
O projeto de Livro de Mallarmé é um dos paradigmas de grande parte do<br />
debate literário acerca do livro, da escrita, enfim, da literatura. Seu projeto de uma<br />
escrita total, estruturado na busca de uma linguagem estética universal, pura e<br />
redentora de toda poesia, tornou-se um marco – mesmo sob o estigma crítico do<br />
fracasso – de invenção e subversão das formas e poéticas presentes em qualquer<br />
empreitada dessa natureza. Assim como o impacto decisivo de Un coupe de dés, o<br />
livro incompleto de Mallarmé é uma referência direta para a literatura de invenção,<br />
pela sua tarefa infinita, pelo seu propósito radical e definitivo.<br />
Mallarmé é uma presença constante na produção de Oiticica. Além de leitor<br />
dos textos inaugurais dos irmãos Campos (e de Mario Faustino, publicados nas<br />
colunas do Suplemento Dominical Jornal do Brasil), ele permanece explorando a<br />
obra do poeta francês ao longo de muitos anos. É justamente esse Mallarmé<br />
“concreto”, ou seja, o último Mallarmé, aquele que rompe com as bases formais e<br />
estéticas do fazer poético de sua época e almeja o Livro total, que Oiticica se ocupa e<br />
se interessa. Para Oiticica, o poema mallarmaico é mais do que uma referência. É a<br />
partir dele que ver e ler tornam-se ações simultâneas, em que o espaço da folha em<br />
branco pode ser trabalhado como espaço visual aliado ao espaço literário. Para um<br />
pintor que mergulha na aventura das letras, não há referência mais importante que<br />
essa.<br />
Apesar de não ser um dos escritores teorizados por Oiticica – como Gertrude<br />
Stein ou Waly Salomão, por exemplo – Mallarmé está muitas e muitas vezes<br />
107 FONTES, J. B. Os Anos de Exílio do Jovem Mallarmé. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007, p. 34<br />
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