Edição 145, Ano XIII, Maio 2009. - Arquidiocese de Florianópolis
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6 Bíblia<br />
Salmo <strong>de</strong> súplica individual. O<br />
orante, injustamente acusado, se<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> Deus, pedindo,<br />
logo <strong>de</strong> início, que lhe “faça<br />
justiça”, evi<strong>de</strong>ntemente contra<br />
seus adversários. Ele não ousa<br />
dizer que não cometeu nenhum<br />
pecado, mas só protesta que não<br />
é réu dos crimes que lhe imputam,<br />
e confirma esse protesto<br />
com o ritual simbólico <strong>de</strong> “lavar<br />
as mãos” em sinal <strong>de</strong> inocência.<br />
Esse pedido do salmista remetenos<br />
à passagem do evangelho<br />
segundo Lucas, capítulo 18, em<br />
que Jesus, para mostrar aos discípulos<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orar<br />
sem jamais <strong>de</strong>sistir (Lc 18,1),<br />
contou-lhes a parábola da viúva<br />
insistente, que não se cansava <strong>de</strong><br />
suplicar ao juiz que lhe “fizesse<br />
justiça contra seus adversários”.<br />
O juiz, diz Jesus, “não temia a<br />
Deus nem respeitava pessoa alguma”.<br />
Mas, dada a persistência<br />
da viúva, acabou por atendê-la.<br />
E Deus, pergunta Jesus, não fará<br />
justiça aos seus escolhidos, que<br />
dia e noite clamam por Ele? E respon<strong>de</strong>:<br />
Sim, lhes fará justiça bem<br />
<strong>de</strong>pressa (Lc 18,7). Termina seu<br />
ensinamento, porém, com grave<br />
pergunta: Mas o Filho do Homem,<br />
quando vier, será que vai encontrar<br />
fé sobre a terra? (Lc 18,9)<br />
De que “justiça”<br />
se trata?<br />
1. Faze-me justiça, Senhor,<br />
/ pois tenho caminhado na retidão.<br />
Confio no Senhor, / não<br />
hei <strong>de</strong> vacilar.<br />
Quanto à “justiça”, é um dos<br />
termos mais importantes da Bíblia.<br />
Tanto assim, que Jesus <strong>de</strong>clara<br />
bem-aventurados os que<br />
têm fome e se<strong>de</strong> da Justiça, e<br />
bem-aventurados também os<br />
perseguidos por causa da Justiça<br />
(Mt 5,6.10). Mais ainda: “todas<br />
as coisas nos serão dadas<br />
por acréscimo” se procurarmos,<br />
antes <strong>de</strong> tudo, o Reino <strong>de</strong> Deus e<br />
a sua justiça (Mt 6,33). Mais ainda:<br />
Na Campanha da Fraternida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ste ano, o lema, extraído<br />
do livro <strong>de</strong> Isaías, proclama<br />
que “a Paz é fruto da Justiça” (Is<br />
32,17). E o Livro “da Sabedoria”,<br />
escrito no final do Antigo Testamento,<br />
começa com esta grave<br />
interpelação aos que <strong>de</strong>têm o<br />
po<strong>de</strong>r: Amai a Justiça, vós todos<br />
que governais a terra! (Sb 1,1).<br />
Nesse sentido, agradou a Deus<br />
o pedido do jovem rei Salomão,<br />
que suplicou por Sabedoria, para<br />
Conhecendo Conhecendo o o livro livro dos dos Salmos Salmos (15)<br />
(15)<br />
Salmos 26(25): Faze-me Justiça!<br />
praticar a Justiça (1Rs 3,10; cf a<br />
“oração <strong>de</strong> Salomão” no capítulo<br />
9º do já mencionado Livro da<br />
Sabedoria). Afinal, segundo o profeta<br />
Jeremias (Jr 22,16), o que é<br />
“conhecer a Deus”, senão “praticar<br />
a Justiça”? Aqui, no salmo, a<br />
“justiça” que o salmista pe<strong>de</strong> é a<br />
preservação do seu próprio direito,<br />
o reconhecimento da sua integrida<strong>de</strong><br />
e, afinal, a proteção divina,<br />
pois ele “caminhou”, isto é,<br />
agiu, com retidão e, por isso mesmo,<br />
“confia no Senhor” (v.1)<br />
Examina-me, Senhor!<br />
2. Examina-me, Senhor, / e<br />
põe-me à prova, Purifica no fogo<br />
meu íntimo / e meu coração.<br />
Aparece aqui a imagem do<br />
fundidor, que <strong>de</strong>pura os metais<br />
ao fogo. O salmista pe<strong>de</strong> que<br />
Deus, como um fundidor, lhe examine<br />
os “rins”, isto é, na linguagem<br />
bíblica, a intimida<strong>de</strong> do seu<br />
ser, seus afetos ou paixões, e o<br />
“coração”, isto é, seus pensamentos,<br />
enfim, sua consciência.<br />
Tua bonda<strong>de</strong><br />
3. Tua bonda<strong>de</strong> está diante<br />
dos meus olhos, / e na tua<br />
verda<strong>de</strong> tenho caminhado.<br />
Neste versículo, num<br />
paralelismo típico da poesia bíblica,<br />
encontramos os dois atributos<br />
divinos que constituem a essência<br />
<strong>de</strong> Deus, segundo Ex 34,6:<br />
Deus é rico em amor e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>,<br />
ou seja, na tradução grega,<br />
em “misericórdia”/”graça” e<br />
“verda<strong>de</strong>” (cf Jo 1,14: Jesus, a<br />
Palavra do Pai, “cheio <strong>de</strong> graça e<br />
verda<strong>de</strong>”). Ora , essa “bonda<strong>de</strong>”<br />
do Senhor, em hebraico hesed, é<br />
tão importante, que Ele a prefere<br />
a “todos os holocaustos e sacrifícios”,<br />
segundo a sábia interpretação<br />
do escriba que interrogou<br />
Jesus sobre o “primeiro mandamento”<br />
e inspirou-se em Oséias<br />
6,6: É a bonda<strong>de</strong> que eu quero, e<br />
não animais sacrificados... (cf Mc<br />
12,33)<br />
Dize-me com<br />
quem andas<br />
4. Não estou na companhia<br />
dos falsos, / nem ando com<br />
gente mentirosa.<br />
5. O<strong>de</strong>io a aliança dos malvados,<br />
/ não fico no meio dos<br />
ímpios.<br />
Comprovando sua inocência,<br />
o salmista insiste em que nada<br />
tem a ver com os falsos, os mentirosos,<br />
os malvados, os ímpios.<br />
Nesse sentido, ele observa o que<br />
aconselha o primeiro salmo: Feliz<br />
quem não segue o conselho<br />
dos ímpios, não anda pelo caminho<br />
dos pecadores, não toma<br />
parte nas reuniões dos zombadores,<br />
mas na Lei do Senhor encontra<br />
sua alegria, e nela medita<br />
dia e noite (Sl 1,1-2)<br />
Lavo minhas mãos<br />
6. Lavo na inocência as minhas<br />
mãos / e ro<strong>de</strong>io teu altar,<br />
ó Senhor,<br />
7. para fazer ressoar vozes<br />
<strong>de</strong> louvor / e para narrar todas<br />
as tuas maravilhas.<br />
8. Senhor, gosto da casa<br />
on<strong>de</strong> moras / e do lugar on<strong>de</strong><br />
resi<strong>de</strong> a tua glória.<br />
O ju<strong>de</strong>u piedoso, ao lavar as<br />
mãos antes da oração, pronuncia<br />
a “bênção” que se encontra<br />
no ritual da Ceia Pascal: “Bendito<br />
sejas tu, Adonai, nosso Deus,<br />
Rei do universo, que nos santificaste<br />
com os teus mandamentos<br />
e nos ensinaste o ritual <strong>de</strong> lavar<br />
as mãos”. Ainda hoje, o que presi<strong>de</strong><br />
à Eucaristia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apresentar<br />
as ofertas, lava as mãos e<br />
diz: “Lavai-me, Senhor, das minhas<br />
faltas; purificai-me dos<br />
meus pecados”. Evi<strong>de</strong>ntemente,<br />
nem sempre o “lavar as mãos”<br />
garante a inocência, como o comprova<br />
o gesto <strong>de</strong> Pilatos, tentando<br />
<strong>de</strong>scomprometer-se da culpa<br />
da con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Jesus (cf Mt<br />
27,24). Logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>claração<br />
ritual <strong>de</strong> inocência, o<br />
salmista <strong>de</strong>sdobra-se em exaltar<br />
o “altar do Senhor”, a “casa”<br />
on<strong>de</strong> Ele “mora”, o “lugar” on<strong>de</strong><br />
resi<strong>de</strong> a sua “glória”. Falando em<br />
“glória”, notar que não se trata<br />
apenas <strong>de</strong> algum resplendor divino,<br />
mas da sua presença<br />
salvadora ativa, como a que se<br />
revelou na pessoa <strong>de</strong> Jesus. É por<br />
isso que João, no seu evangelho,<br />
atesta que nele, no Senhor Jesus,<br />
nós vimos, e vemos, a glória do<br />
Pai (cf Jo 1,14).<br />
Não me arrastes<br />
9. Não me arrastes junto<br />
com os pecadores, / não <strong>de</strong>struas<br />
minha vida com os sanguinários.<br />
10. Pois nas mãos <strong>de</strong>les<br />
está a perfídia, / sua mão direita<br />
está cheia <strong>de</strong> subornos.<br />
Faça como Célia Maria Ávila, <strong>de</strong> <strong>Florianópolis</strong>, escreva para o Jornal da <strong>Arquidiocese</strong>, responda<br />
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Centro - <strong>Florianópolis</strong>-SC, 88015-530, ou pelo e-mail: jornal@arquifloripa.org.br<br />
<strong>Maio</strong> 2009 Jornal da <strong>Arquidiocese</strong><br />
Após a reiteração <strong>de</strong> sua inocência,<br />
o salmista recorda-se <strong>de</strong><br />
novo dos que o acusam e perseguem<br />
e suplica que Deus não o<br />
abandone, “não o arraste junto<br />
com os pecadores”, não o entregue<br />
á mercê dos “sanguinários”,<br />
pois nas mãos <strong>de</strong>les está a perfídia,<br />
o perjúrio, a calúnia, e a “mão<br />
direita” <strong>de</strong>les está “cheia <strong>de</strong> subornos”,<br />
com os quais corrompem<br />
os juízes...<br />
Meu caminho é reto<br />
11. Porém, meu caminho é<br />
reto: / resgata-me e tem misericórdia.<br />
12. Meu pé se apoia em<br />
terra plana; / nas assembleias<br />
bendirei o Senhor.<br />
Concluindo sua oração, o<br />
salmista reafirma a “retidão” do<br />
seu “caminho”, isto é, da sua<br />
maneira <strong>de</strong> viver. Pe<strong>de</strong> novamente<br />
que o Senhor o “resgate”, isto<br />
é, o liberte, e <strong>de</strong>le tenha compaixão.<br />
Exprime confiante certeza <strong>de</strong><br />
que é em “terra firme” que ele se<br />
apoia. Por isso também termina,<br />
prometendo: “Nas assembleias<br />
bendirei o Senhor” (v. 12).<br />
Cristo no salmo<br />
Como rezar salmo <strong>de</strong> súplica,<br />
<strong>de</strong> um inocente acusado, se eu<br />
não me encontro nessa circunstância?<br />
Aqui, como em todos os<br />
salmos, <strong>de</strong>vo rezar como Cristo,<br />
e com Cristo, Cabeça e Corpo,<br />
como repetidamente nos adverte<br />
Santo Agostinho. Faço parte<br />
<strong>de</strong>sse Corpo, cuja Cabeça é Cristo,<br />
e cujo Corpo também é Cristo:<br />
todos os seus irmãos e irmãs,<br />
unidos a Ele pelo mesmo Batismo.<br />
Muitos, diariamente, estão<br />
nessa situação. Por eles e com<br />
eles é que <strong>de</strong>vo orar. Também<br />
este salmo.<br />
Pe. e. Ne Ney Ne y Brasil Brasil P PPereira<br />
P Pereira<br />
ereira<br />
Professor <strong>de</strong> Exegese Bíblica no ITESC<br />
email: ney.brasil@itesc.org.br<br />
Para Para Para refletir: refletir:<br />
refletir:<br />
1) 1) De que “justiça” se trata?<br />
2) 2) Que sabe dos dois atributos<br />
essenciais <strong>de</strong><br />
Deus: sua bonda<strong>de</strong> e verda<strong>de</strong>?<br />
3) 3) Sem farisaísmo, quais<br />
são as minhas companhias?<br />
4) 4) Que significa “lavar as<br />
mãos”?<br />
5) Como rezar os salmos?<br />
este salmo?