resenha crítica do livro Mal Comportadas Línguas - Universidade ...
resenha crítica do livro Mal Comportadas Línguas - Universidade ...
resenha crítica do livro Mal Comportadas Línguas - Universidade ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
306<br />
<strong>Mal</strong>comportadas crônicas<br />
propósito de oralidade, percebe-se que o autor vai<br />
deixan<strong>do</strong> seu texto fluir, nem sempre preocupa<strong>do</strong> com<br />
a precisão gramatical. Assim, na página 87, pode-se<br />
ler: “Gostaria ∅<br />
que o problema fosse meu, mas desconfio<br />
que não seja”. Seria de esperar a preposição<br />
DE em ambos os conjuntos vazios. Na página 23,<br />
questões de raciocínio e gramática são ignoradas ao<br />
usar uma oração subordinada independentemente da<br />
sua principal: “Que (sic) esse não é um ‘problema’ de<br />
línguas faladas por povos considera<strong>do</strong>s inferiores.” Na<br />
página 81, atropela a regência <strong>do</strong> verbo lembrar-se:<br />
“Lembro de <strong>crítica</strong> feroz contra...” (por: Lembro-me<br />
de <strong>crítica</strong> feroz contra... Ou: Lembro <strong>crítica</strong> feroz contra...)<br />
A presença de expressões populares empresta a<br />
seus textos uma graça especial, como nas passagens:<br />
Tostão “...deu umas bicadas em psicanálise” (pág. 24);<br />
“A Globo dança feio, como sempre dançou...” (pág.<br />
88); “Outra mancada” (ibidem); “Levan<strong>do</strong> no bico”<br />
(pág. 92); “A idéia [...] continua vivinha da silva” (pág.<br />
94). Poderíamos dizer: o autor é mesmo um abusa<strong>do</strong>.<br />
Sírio tem frases curtas, lapidares, às vezes nominais,<br />
algumas só entendíveis no contexto: “... a escola<br />
gosta de enxugar gelo” (pág. 28); “Na verdade, condenaram-se.<br />
Ou, pelo menos, confessaram. O Ministro<br />
da Educação, por exemplo” (pág. 35); “O jovem,<br />
por exemplo” (81); “Coisa que, aliás, to<strong>do</strong>s fazemos”<br />
(120). Mas também se dá a perío<strong>do</strong>s longos e com-<br />
plexos, que exigem leitura acurada: “É evidente que<br />
crianças que mal podem comprar comida e em cujas<br />
casas a dedicação a alguma atividade de tipo intelectual<br />
é no mínimo precária só podem ter desempenho<br />
medíocre em provas que avaliam exatamente o que<br />
elas não têm” (pág. 54).<br />
O vocabulário em <strong>Mal</strong> <strong>Comportadas</strong> <strong>Línguas</strong> aproxima,<br />
com freqüência, o autor da oralidade, o que o<br />
torna certamente mais leve e mais próximo <strong>do</strong> dia-adia,<br />
conseqüentemente, sem o rigor gramatical. Assim:<br />
“Mas, quan<strong>do</strong> se trata da língua viva, a coisa não<br />
é tão fácil como parece e pode se complicar ainda<br />
mais se se leva em conta o processo de mudança”<br />
(pág. 64). Temos coisa (palavra polivalente no uso popular)<br />
e leva, por levar, que comprovam isso. Mais: “Às<br />
vezes, você discorda <strong>do</strong> que alguém escreveu ou disse.<br />
Pode ouvir, como resposta, que você não entendeu<br />
direito” (58). O você também pode ser marca de<br />
oralidade. Nem por isso se pode descurar de uma<br />
revisão acurada; como justificar a redundância em: “...<br />
pequenas questiúnculas gramaticais”? (pág. 55). Com a<br />
formação latina que tem, ele esqueceu que questiúncula<br />
já significa pequena questão, não me parecen<strong>do</strong> que a<br />
diacronia tenha afeta<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> original. É bem verdade<br />
que o Prof. Possenti reza em outra cartilha, o que<br />
ele deixa entrever no texto Uma Redação (p.114), onde<br />
diz: Meus leitores sabem que penso que não basta escrever corre-<br />
Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 28, FCHLA 04, p. 301-307 Curitiba, mar. 2002