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Sobre o humor: um diálogo entre Freud e Possenti - Programa de ...

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SOBRE O HUMOR: UM DIÁLOGO ENTRE FREUD E POSSENTI<br />

1<br />

Mauricio Eugênio MALISKA¹<br />

Silvana Colares Lúcio <strong>de</strong> SOUZA²<br />

RESUMO: O presente trabalho visa i<strong>de</strong>ntificar e analisar os pontos concordantes presentes na articulação do<br />

texto <strong>de</strong> Sigmund <strong>Freud</strong> (1905) Os chistes e sua relação com o inconsciente, com a obra <strong>de</strong> Sírio <strong>Possenti</strong><br />

(1998) Os <strong>h<strong>um</strong>or</strong>es da língua: análises linguísticas <strong>de</strong> piadas, em relação ao riso e ao <strong>h<strong>um</strong>or</strong>. Para tanto, são<br />

verificadas nas abordagens dos textos as relações estabelecidas <strong>entre</strong> o campo linguístico e o psicanalítico. Ao<br />

refletir sobre as possíveis articulações <strong>entre</strong> os dois campos, Maliska (2003, p.17) ressalta que as possíveis<br />

articulações teóricas <strong>entre</strong> Linguística e Psicanálise já percorreram diversos e diferentes caminhos. E que não é<br />

nenh<strong>um</strong>a novida<strong>de</strong> dizer que Psicanálise e Linguística são campos do saber passíveis <strong>de</strong> cruzamentos,<br />

convergências e também <strong>de</strong> divergências. O discurso <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico como expressão <strong>de</strong> linguagem não po<strong>de</strong> ser<br />

caracterizado como <strong>um</strong>a composição com o intuito apenas <strong>de</strong> nos fazer rir, evi<strong>de</strong>ntemente tem seus propósitos,<br />

porém não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar, é claro, o aspecto jocoso das piadas, pois, quem conta tem como objetivo<br />

principal divertir o sujeito que as ouve. Portanto, busca-se compreen<strong>de</strong>r o funcionamento do discurso <strong>de</strong> <strong>h<strong>um</strong>or</strong><br />

pensando-o como espaço que torna visível dois movimentos distintos do sujeito em relação à língua e ao<br />

inconsciente. Embora <strong>Possenti</strong> (1998) volte-se para a análise dos traços linguísticos das piadas e <strong>Freud</strong> (1905),<br />

por intermédio do chiste, mostre o funcionamento do inconsciente, no estudo verificou-se o <strong>diálogo</strong> possível<br />

<strong>entre</strong> as duas teorias e a semelhança presente na intersecção do pensamento <strong>de</strong>sses estudiosos. As articulações<br />

<strong>de</strong>monstraram que o linguista se espelha no gesto freudiano.<br />

PALAVRAS-CHAVE: H<strong>um</strong>or. Língua. Inconsciente. Psicanálise. Linguística.<br />

1. Introdução<br />

O <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, presente na socieda<strong>de</strong>, através das piadas, chistes, crônicas e outros gêneros,<br />

normalmente, apresenta <strong>um</strong> teor relaxado, sendo muitas vezes, consi<strong>de</strong>rado como <strong>um</strong> gênero<br />

inferior, não reconhecido. Porém, o riso, manifestação oriunda do discurso <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico e tem<br />

como característica a sua vivacida<strong>de</strong> é capaz <strong>de</strong> eclodir “verda<strong>de</strong>s” e po<strong>de</strong> ser usado como<br />

<strong>um</strong>a arma para <strong>de</strong>smascarar.<br />

Bergson (1983, p.19) afirma que o riso é sempre grupal, sendo <strong>de</strong>terminado por <strong>um</strong><br />

conjunto <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s que são discriminadas e colocadas como <strong>de</strong>svios perante <strong>um</strong>a<br />

comunida<strong>de</strong>. A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> <strong>um</strong> ato cômico ou <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico, através <strong>de</strong> <strong>um</strong> chiste ou piada,<br />

aponta para a afirmação <strong>de</strong> gestos sociais que violam com <strong>um</strong>a conduta i<strong>de</strong>al. <strong>Freud</strong> (1977) já<br />

assegurava que esses atos têm <strong>um</strong>a “intencionalida<strong>de</strong>” inconsciente, ou seja, o sujeito<br />

efetivamente não tem nenh<strong>um</strong> domínio sobre aquilo que diz. Em relação à linguagem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

<strong>Freud</strong>, sabemos que a psicanálise caracterizou-se como o modo <strong>de</strong> processamento do<br />

inconsciente. Lacan (1978) a revive na afirmação <strong>de</strong> que “o inconsciente é estruturado como<br />

<strong>um</strong>a linguagem”. Diferentemente, no que se refere ao ato chistoso ou cômico, <strong>Possenti</strong> (1998)<br />

vê a piada como <strong>um</strong> fenômeno da linguagem dotado <strong>de</strong> técnica e <strong>de</strong> forma, ele acredita que as<br />

piadas po<strong>de</strong>m ser encaradas como “peças linguísticas”.<br />

Diante do exposto e para melhor compreensão, este trabalho parte do estudo teórico<br />

das teorias <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1905) e <strong>Possenti</strong> (1998) em relação aos chistes e ao <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, com a<br />

tentativa <strong>de</strong> enquadrar as possíveis conformida<strong>de</strong>s presentes no cruzamento do pensamento<br />

<strong>de</strong>sses estudiosos.<br />

_________________<br />

¹ Professor no <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universida<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina<br />

(UNISUL).


² Doutoranda no <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universida<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina (UNISUL).<br />

2. <strong>Freud</strong> e os chistes<br />

“Aquele que <strong>de</strong>ixa, <strong>de</strong>ssa forma, escapar inopinadamente a<br />

verda<strong>de</strong> na realida<strong>de</strong> está feliz em tirar a máscara”.<br />

Sigmund <strong>Freud</strong><br />

No texto Os chistes e sua relação com o inconsciente, <strong>Freud</strong> (1905) aborda os chistes<br />

em seus vários mecanismos, associando-os àqueles presentes no sonho ─ con<strong>de</strong>nsação e<br />

<strong>de</strong>slocamento ─ e à própria neurose. Esses mecanismos procuram inibir ou enganar a censura,<br />

<strong>de</strong>slocando a energia psíquica e representando-a <strong>de</strong> forma indireta. Sua expressão é o<br />

exercício da função lúdica da linguagem, ao contrário do sonho, que é o pensamento em<br />

imagens.<br />

A técnica <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação se refere à economia. Enten<strong>de</strong>-se o resultado <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

processo particular que <strong>de</strong>ixa <strong>um</strong> segundo vestígio na verbalização do chiste – a formação <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> substituto responsável pelo efeito <strong>de</strong> <strong>h<strong>um</strong>or</strong>. <strong>Freud</strong> (1916) reporta-se à con<strong>de</strong>nsação como<br />

o “mecanismo que vai impedir a clara correlação <strong>entre</strong> o conteúdo manifesto e o conteúdo<br />

latente”.<br />

Ao falar sobre o mecanismo da con<strong>de</strong>nsação, reporta-se <strong>Freud</strong> (1916):<br />

Enten<strong>de</strong>mos, com isso, que o sonho manifesto possui <strong>um</strong> conteúdo menor do que o<br />

latente, e é <strong>de</strong>ste <strong>um</strong>a tradução abreviada, portanto. Às vezes a con<strong>de</strong>nsação po<strong>de</strong><br />

estar ausente; via <strong>de</strong> regra se faz presente e, muitíssimas vezes, é enorme. Jamais<br />

ocorre <strong>um</strong>a mudança em sentido inverso; ou seja, nunca encontramos <strong>um</strong> sonho<br />

manifesto com extensão ou com conteúdo maior do que o sonho latente. A<br />

con<strong>de</strong>nsação se realiza das seguintes maneiras: (1) <strong>de</strong>terminados elementos latentes<br />

são totalmente omitidos, (2) apenas <strong>um</strong> fragmento <strong>de</strong> alguns complexos do sonho<br />

latente transparece no sonho manifesto e (3) <strong>de</strong>terminados elementos latentes, que<br />

tem algo em com<strong>um</strong>, se combinam e se fun<strong>de</strong>m em <strong>um</strong>a só unida<strong>de</strong> no sonho<br />

manifesto. (...) a elaboração onírica, (...) procura con<strong>de</strong>nsar dois pensamentos<br />

diferentes buscando (como <strong>um</strong> chiste) <strong>um</strong>a palavra ambígua, na qual dois<br />

pensamentos se possam juntar (p.172-173).<br />

Já no caso do <strong>de</strong>slocamento, <strong>Freud</strong> (1916) postula:<br />

Manifesta-se <strong>de</strong> duas maneiras: na primeira, <strong>um</strong> elemento latente é substituído não<br />

por <strong>um</strong>a parte componente <strong>de</strong> si mesmo, mas por alg<strong>um</strong>a coisa mais remota, isto é,<br />

por <strong>um</strong>a alusão; e, na segunda, o acento psíquico é mudado <strong>de</strong> <strong>um</strong> elemento<br />

importante para outros sem importância. (p.174-175).<br />

O autor ainda arg<strong>um</strong>enta que <strong>um</strong> chiste <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito mais do curso<br />

do pensamento do que da expressão verbal. Reconhecia, assim, no chiste a “textura” própria<br />

da formação do inconsciente. Ele ainda chamou a atenção acerca da importância da<br />

linguagem, mas, basicamente, fundamentou, como condição essencial, seguir o fio da palavra.<br />

A <strong>de</strong>speito dos neurologistas, para os quais interessava a afânise da palavra, déficit indicador<br />

<strong>de</strong> alg<strong>um</strong> distúrbio ou fenômeno, para <strong>Freud</strong>, em oposição, o interesse estava na referência<br />

interna da palavra. É o sentido, o valor da palavra, que representa o sujeito do inconsciente<br />

para outra representação. <strong>Freud</strong> (1977) afirma que <strong>um</strong> chiste é algo cômico do ponto <strong>de</strong> vista<br />

inteiramente subjetivo, porque se liga à subjetivida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana. Mostra que a característica<br />

distintiva do chiste é o ato do sujeito, portanto o cômico surge <strong>de</strong> algo que é realizado pelo<br />

2


sujeito. O pai da psicanálise evi<strong>de</strong>ncia que a comicida<strong>de</strong> surge através do feio, do pouco<br />

observado, do que gera graça, nascendo assim, a caricatura.<br />

Nos chistes é sublinhado o jogo <strong>de</strong> palavras, o aparente nonsense, a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong><br />

sentido remetendo, a posteriori, a <strong>um</strong>a nova representação, a <strong>um</strong> outro significante para o<br />

sujeito. <strong>Freud</strong> (1977) ressalta a “necessida<strong>de</strong> psicológica” do sujeito no processo formador<br />

do chiste, tendência a <strong>um</strong>a significância. Assim, a atribuição <strong>de</strong> <strong>um</strong> sentido a <strong>um</strong> comentário<br />

e a <strong>de</strong>scoberta nele <strong>de</strong> <strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>, até então inconsciente, são aspectos do chiste em seu<br />

caráter revelador do “impossível”, do inacessível pelas vias comuns do pensamento. O chiste<br />

promove <strong>um</strong> <strong>de</strong>sconcerto, no entanto, é sucedido por <strong>um</strong> esclarecimento. Ultrapassa seu<br />

próprio conteúdo, ensejando <strong>um</strong> passo a mais, passo <strong>de</strong> sentido ─ que na versão francesa<br />

aparece <strong>um</strong>a homofonia: pas <strong>de</strong> sens, que significa <strong>um</strong> passo <strong>de</strong> sentido, mas ao mesmo<br />

tempo <strong>um</strong> não sentido ─ sustentado pela própria ca<strong>de</strong>ia significante. Mas a compreensão dos<br />

chistes estaria vinculada ao conhecimento dos <strong>de</strong>terminantes “subjetivos” <strong>de</strong> seu autor?<br />

Comparando o <strong>de</strong>terminante da neurose ao do chiste, <strong>Freud</strong> (1977) salientou a<br />

importância em “compreen<strong>de</strong>r” a condição da pessoa envolvida nessa formação do<br />

inconsciente, a quem ocorre o chiste. Em alguns tipos <strong>de</strong> chistes, <strong>um</strong> <strong>de</strong> seus motores, é a<br />

dificulda<strong>de</strong> do sujeito em criticar ou criticar com a agressivida<strong>de</strong> direta etc.<br />

É possível apenas através <strong>de</strong> <strong>um</strong> projeto tortuoso a liberação da energia psíquica<br />

advinda do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>. Enquanto, no que <strong>de</strong>nominamos cômico, não há necessida<strong>de</strong> da<br />

interlocução, no chiste há <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contá-lo a alguém, necessida<strong>de</strong> ligada,<br />

imprescindivelmente, à elaboração do próprio chiste a partir dos obstáculos da razão. O<br />

chiste não se realiza sozinho e só se conclui com a transmissão da i<strong>de</strong>ia a alguém. Na própria<br />

estruturação do chiste encontraríamos três pessoas: o autor, aquele a quem o chiste vem; a<br />

segunda pessoa sobre quem o chiste versa ou seu objeto e a terceira pessoa, aquela que o<br />

escuta. Apesar do prazer envolvido em sua elaboração, a própria pessoa a quem ocorre o<br />

chiste não consegue rir <strong>de</strong>le, ela dispensa da pessoa que foi objeto do chiste, mas não<br />

dispensa <strong>de</strong> alguém para escutá-lo. É exatamente a terceira pessoa a quem é comunicado o<br />

resultado do chiste. A terceira pessoa avalia a “tarefa da elaboração do chiste”, incidindo em<br />

<strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> julgamento dos propósitos <strong>de</strong>le, portanto, é preciso que exista nela<br />

“benevolência” e neutralida<strong>de</strong>, “ausência <strong>de</strong> qualquer fator” que possa inibir sua<br />

comunicação. O chiste exige <strong>um</strong>a plateia própria; e, neste sentido, é necessário <strong>um</strong> “acordo<br />

psíquico” <strong>entre</strong> o autor e aquele que o escuta, as mesmas inibições internas só superadas com<br />

a conclusão do chiste. O ouvinte quando escuta <strong>de</strong>ve ter o hábito <strong>de</strong> criar semelhante inibição<br />

a que a primeira pessoa superou para elaborá-lo, é isto que provoca o riso. A colaboração da<br />

terceira pessoa, do ouvinte, faz parte da realização do chiste. Presenteada com o chiste, ela<br />

constitui a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emergir o prazer. O processo se passa então <strong>entre</strong> a primeira e a<br />

terceira pessoa. A atenção apanhada <strong>de</strong>sprevenida somada à <strong>de</strong>scarga inibitória liberada se<br />

completa a partir da surpresa do chiste.<br />

Referindo-se a <strong>Freud</strong>, Posssenti (2000, p.145) observa quanto o prazer que os chistes<br />

provocam e afirmando que “talvez nos rimos mais francamente daqueles [chistes] que ora<br />

nos são <strong>de</strong> difícil uso, porque requerem comentários mais extensos e, mesmo com tal ajuda,<br />

não produziriam o efeito original”.<br />

A explicação <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1977) parece claramente apropriada. De outro modo, é como<br />

se afirmasse que os chistes que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da atualida<strong>de</strong>, quando são repetidos em outros<br />

momentos que não aquelas em que são produzidos, precisam ser explicados para serem<br />

compreendidos e produzirem, assim, alg<strong>um</strong> efeito <strong>de</strong> prazer, <strong>de</strong> que o riso é <strong>um</strong>a testemunha.<br />

Além disso, quando preciso explicá-los os chistes automaticamente per<strong>de</strong>m a força, ou<br />

seja, o riso, pois <strong>um</strong>a das suas características fundamentais é a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> seu “sentido”<br />

3


pelo ouvinte. Essa <strong>de</strong>scoberta se dá por <strong>um</strong> efeito <strong>de</strong> sentido e esse efeito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das<br />

condições <strong>de</strong> produção e da cena enunciativa que irão produzir o efeito <strong>de</strong> sentido.<br />

Consi<strong>de</strong>rado como elemento fundamental, que mesmo autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo que a piada<br />

se trata <strong>de</strong> <strong>um</strong> gênero oral, não implica necessariamente que a reprodução esteja excluída.<br />

Porém, é incontestável que, escrita, a piada distancia-se <strong>de</strong> seu momento e <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

condições relevantes <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentido.<br />

3. <strong>Possenti</strong> e os <strong>h<strong>um</strong>or</strong>es da língua<br />

Na obra Os <strong>h<strong>um</strong>or</strong>es da língua: análises linguísticas <strong>de</strong> piadas, <strong>Possenti</strong> (1998) voltase<br />

para a análise linguística <strong>de</strong> textos <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ísticos, na busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar como se processa<br />

o <strong>h<strong>um</strong>or</strong> em <strong>um</strong> texto. Nesse livro, ele propõe analisar os traços linguísticos das piadas, pois<br />

acredita que os linguistas po<strong>de</strong>riam ver nos chistes e nas piadas as proprieda<strong>de</strong>s essenciais das<br />

línguas naturais, tanto <strong>de</strong> sua estrutura quanto <strong>de</strong> seu funcionamento. O autor ainda alerta para<br />

o fato <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> ignorar que o <strong>h<strong>um</strong>or</strong> é produzido a partir <strong>de</strong> mecanismos<br />

linguísticos.<br />

<strong>Possenti</strong> (1998, p.13) <strong>de</strong>ixa claro, já na introdução, que consi<strong>de</strong>ra interessantes "as<br />

explicações linguísticas, isto é, a <strong>de</strong>scrição do que é especificamente linguístico na piada". O<br />

linguista introduz alg<strong>um</strong>as observações <strong>de</strong> Delia Chiaro (The language of jokes, 1992) a<br />

respeito <strong>de</strong> obras que tratam do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, tais como: são muitas as obras que versam sobre o<br />

assunto; existem várias razões que levam as pessoas a rir (os aspectos fisiológicos,<br />

sociológicos, psicológicos do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>), e que, atualmente já existe <strong>um</strong> número razoável <strong>de</strong><br />

autores que se <strong>de</strong>dicam aos estudos dos aspectos linguísticos do discurso <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico. Além<br />

disso, o autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que se a linguística for boa, ela servirá para analisar diversas<br />

manifestações da linguagem, e ocasionalmente do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>. Pois, não existe <strong>um</strong>a linguística do<br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong>, e sim linguistas que trabalham sobre ou a partir <strong>de</strong> dados colhidos em textos <strong>de</strong><br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong>, que po<strong>de</strong>m ser sintáticos, morfológicos, fonológicos, regras <strong>de</strong> conversação,<br />

inferências, pressuposição, etc.<br />

Inicialmente o autor também revela que os discursos explorados nas piadas são<br />

geralmente temas controversos e que pontuam visões estereotipadas sobre <strong>um</strong> problema.<br />

Também é ressaltado por <strong>Possenti</strong> (2000) que as piadas são interessantes <strong>de</strong> serem estudadas<br />

porque elas apresentam os problemas n<strong>um</strong>a visão sintetizada, sendo mais facilmente<br />

compreendidas por interlocutores não-especializados. Além <strong>de</strong>ssas razões, para o autor, “as<br />

piadas interessam como peças textuais, pois mostram com clareza <strong>um</strong> domínio da língua<br />

complexo, geralmente acionam mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> mecanismo linguístico”. Ele ainda acrescenta<br />

“O fato é que o discurso <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico consegue dizer o que não po<strong>de</strong>/<strong>de</strong>ve ser dito,<br />

provavelmente porque não há <strong>um</strong> juízo <strong>de</strong> valor sobre quem conta ou quem ouve piadas.”<br />

(POSSENTI, 2000).<br />

As piadas funcionam como o lugar on<strong>de</strong> as leis morais e éticas, que regem a socieda<strong>de</strong><br />

são suspensas. Dentro <strong>de</strong>ssa abordagem, <strong>Possenti</strong> (1998), ao tratar sobre alg<strong>um</strong>as “falácias” a<br />

respeito do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, rebate a afirmativa <strong>de</strong> que o <strong>h<strong>um</strong>or</strong> teria <strong>um</strong>a função crítica. Não nega,<br />

porém, a existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> certo tipo específico <strong>de</strong> <strong>h<strong>um</strong>or</strong> crítico. Segundo o autor, o <strong>h<strong>um</strong>or</strong><br />

parece estar muito mais ligado ao fato <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r dizer, através <strong>de</strong>le, algo que é mais ou<br />

menos proibido do que, necessariamente, a <strong>um</strong> propósito crítico, revolucionário ou contrário a<br />

certos cost<strong>um</strong>es arraigados.<br />

Ao refletir sobre a função do texto e do leitor no processo <strong>de</strong> leitura e interpretação,<br />

<strong>Possenti</strong> (1998, p.52) explica que os textos <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ísticos supõem <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

sua interpretação, isto é, se não acontecer a compreensão necessária do efeito <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico,<br />

4


eles per<strong>de</strong>rão sua função principal: serem percebidos como textos <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ísticos. O texto<br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico <strong>de</strong>sautoriza outra leitura por requerer <strong>um</strong>a técnica que conduz ao <strong>h<strong>um</strong>or</strong>? Não se<br />

nega, com isso, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras interpretações, mas a arg<strong>um</strong>entação <strong>de</strong> <strong>Possenti</strong><br />

(1998) afirma que há <strong>um</strong>a técnica. Não há como ignorar o papel do texto e do leitor no<br />

processo <strong>de</strong> leitura e interpretação. Parece certo dizer que nenh<strong>um</strong> texto é unívoco e que<br />

nenh<strong>um</strong> leitor po<strong>de</strong> “impor a qualquer texto qualquer interpretação”. Dessa forma, <strong>de</strong> acordo<br />

com <strong>Possenti</strong> (1998, p.17), o meio que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia o riso são chaves linguísticas, po<strong>de</strong>ríamos,<br />

portanto, pensar em <strong>um</strong> contraste diante da Análise do Discurso, para quem o sentido é<br />

polissêmico e aberto a vários <strong>de</strong>sdobramentos. Pois, quanto ao chiste e as piadas, o efeito <strong>de</strong><br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong> requereria realmente apenas <strong>um</strong> sentido? Não po<strong>de</strong>ríamos pensar em mais <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

sentido? Isso invalida o efeito <strong>de</strong> <strong>h<strong>um</strong>or</strong>? É <strong>um</strong>a técnica ou não?<br />

<strong>Possenti</strong> (1998) também evi<strong>de</strong>ncia a duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentidos <strong>de</strong> palavras ou <strong>de</strong> outro<br />

tipo qualquer <strong>de</strong> expressão, pois, segundo ele, essas não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m jamais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ação<br />

interpretativa livre do leitor. Segundo o autor, po<strong>de</strong>-se mostrar que o duplo sentido <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

sempre <strong>de</strong> <strong>um</strong> princípio, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a regra ou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a teoria, às vezes parecendo agir apenas<br />

localmente, mas que é sempre a mesma. Portanto, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma ou <strong>de</strong> outra, segue-se <strong>um</strong><br />

princípio, <strong>um</strong>a regra ou <strong>um</strong>a teoria também nos procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta que revelam<br />

sentidos inesperados no material linguístico. A conclusão óbvia é que <strong>um</strong>a língua não é como<br />

nos ensinaram: clara e relacionada diretamente a <strong>um</strong> fato ou situação que ela representa como<br />

<strong>um</strong> espelho. Praticamente cada segmento da língua <strong>de</strong>riva para outro sentido, presta-se a outra<br />

interpretação, por razões variadas. Pelo menos, é o que as piadas mostram. E elas não são<br />

poucas. Ou, no mínimo, nós as ouvimos muitas vezes. (POSSENTI, 2000, p. 93-94).<br />

4. Consi<strong>de</strong>rações sobre o método<br />

Para fins <strong>de</strong> análise, primeiramente foi necessário realizar <strong>um</strong>a pesquisa bibliográfica<br />

pontual das abordagens teóricas do texto <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1905) Os chistes e sua relação com o<br />

inconsciente, com as consi<strong>de</strong>rações teóricas apontadas por Sírio <strong>Possenti</strong> (1998) em Os<br />

H<strong>um</strong>ores da língua – análise linguística <strong>de</strong> piadas. As leituras, portanto, permitiram<br />

selecionar, recolher, analisar as i<strong>de</strong>ias mais relevantes e convergentes <strong>entre</strong> os autores, bem<br />

como contemplar reflexões dos mesmos.<br />

5. Convergências<br />

<strong>Freud</strong> (1905) é <strong>um</strong> dos teóricos que formou a base do pensamento dos estudos sobre o <strong>h<strong>um</strong>or</strong>.<br />

O autor já atribuía valor aos chistes muito antes <strong>de</strong> publicar o texto Os chistes e sua relação com o<br />

inconsciente. Na obra a relação da linguagem com as formações do inconsciente são indiretamente<br />

abordadas. <strong>Possenti</strong> (1998) é também <strong>um</strong> teórico do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, porém contemporâneo e sua discussão<br />

gira em torno do funcionamento da língua e os aspectos especificamente linguísticos dos discursos<br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong>ísticos. Porém, frequentemente recorre a <strong>Freud</strong> (1905), <strong>de</strong>bruça-se na obra do psicanalista e o<br />

coloca como interlocutor em vários momentos do seu livro, Os H<strong>um</strong>ores da língua. Como po<strong>de</strong>mos<br />

perceber na seguinte fala <strong>de</strong> <strong>Possenti</strong> (2000):<br />

“<strong>Freud</strong> me ajudou mais do que Lacan e sua soberania do significante, porque este<br />

ten<strong>de</strong> a esquecer da história que aquele faz funcionar a todo o instante. Por isso,<br />

meus poucos trabalhos no campo põem em primeiro plano o linguístico/textual”.<br />

5


Inicialmente <strong>um</strong> dos pontos mais significativos da intersecção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias <strong>entre</strong> os<br />

autores parte da teoria <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1977) sobre os mecanismos do prazer que o chiste provoca.<br />

<strong>Freud</strong> (1977) já observara que o chiste consiste, essencialmente, n<strong>um</strong>a certa técnica. Não é o<br />

assunto que <strong>de</strong>termina o efeito do <strong>h<strong>um</strong>or</strong> ─ o sentido <strong>de</strong> <strong>um</strong> texto é engraçado porque há <strong>um</strong>a<br />

certa maneira como ele, linguisticamente, é construído. <strong>Freud</strong> (1977) cita alg<strong>um</strong>as técnicas <strong>de</strong><br />

chiste como a abreviação, o uso múltiplo do mesmo material e o jogo <strong>de</strong> palavras ou duplo<br />

sentido. Conclui, explicando que jogo <strong>de</strong> palavras é <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação sem formação<br />

<strong>de</strong> substituto e o uso múltiplo <strong>de</strong> <strong>um</strong> mesmo material é <strong>um</strong> caso especial <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação.<br />

Logo, a con<strong>de</strong>nsação é a categoria mais ampla. Assim, todas essas técnicas ten<strong>de</strong>m obe<strong>de</strong>cem<br />

ao princípio da economia, “economizamos na expressão da crítica ou na formalização do<br />

juízo” (<strong>Freud</strong>, 1977). O autor também apresenta alg<strong>um</strong>as outras formas utilizadas na<br />

elaboração dos chistes, como o nonsense, raciocínios falhos (silogismo), a estupi<strong>de</strong>z, o<br />

automatismo, a unificação, o trocadilho a resposta pelo contrário, o cinismo e a analogia.<br />

<strong>Freud</strong> (1977) diz que os chistes po<strong>de</strong>m explicar os mecanismos da mente e as organizações<br />

psíquicas, revelando o inconsciente h<strong>um</strong>ano, caracterizando-os por sua comicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sconcerto e<br />

brevida<strong>de</strong>. Para ele, o prazer psíquico era proporcionado pela brevida<strong>de</strong> da piada, <strong>um</strong>a<br />

brevida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipo especial.<br />

Nessa direção, <strong>Possenti</strong> (1998) se espelha no gesto freudiano, assinalando que os<br />

textos <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ísticos po<strong>de</strong>m ser explicados a partir <strong>de</strong> técnicas. O autor utiliza-se <strong>de</strong><br />

mecanismos linguísticos, d<strong>entre</strong> os quais se <strong>de</strong>stacam os clássicos níveis linguísticos, como<br />

fonologia, morfologia, léxico, dêixis e sintaxe, e procedimentos como pressuposição e<br />

inferência, além do conhecimento prévio, da variação linguística da tradução e das chaves<br />

linguísticas para a explicação <strong>de</strong>sse gênero. Ele quer fazer na linguística o mesmo que <strong>Freud</strong><br />

(1905) fez na Psicanálise, ou seja, analisar as piadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista técnico,<br />

repudiando análises sociológicas, psicológicas e outras.<br />

Tomaremos como exemplo <strong>um</strong>a anedota que foi registrada por <strong>Freud</strong> (1977), mas<br />

analisada pelos dois autores, <strong>Freud</strong> (1977) e <strong>Possenti</strong> (1998), a fim <strong>de</strong> visualizar<br />

comparativamente como <strong>um</strong> e outro a analisa.<br />

Ex: Um conhecido especulador da bolsa, também banqueiro, caminhava com <strong>um</strong><br />

amigo na principal avenida <strong>de</strong> Viena.<br />

Quando passaram por <strong>um</strong> café, disse: - Vamos entrar e tomar alg<strong>um</strong>a coisa? Seu<br />

amigo o conteve: Mas, Herr Hofrat, o lugar está cheio <strong>de</strong> gente!<br />

<strong>Freud</strong> (1977) afirmou que o chiste acima foi construído usando o mecanismo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>slocamento, ou seja, mudando a ênfase <strong>de</strong> <strong>um</strong> elemento relevante, que diz respeito ao<br />

<strong>de</strong>sejo inconsciente. Lacan (1978), mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolverá a equivalência do <strong>de</strong>slocamento à<br />

da metonímia. Já, <strong>Possenti</strong> (1998) classificou a piada com base no mecanismo linguístico. A<br />

ambiguida<strong>de</strong> na palavra tomar <strong>de</strong>riva para <strong>um</strong>a piada lexical.<br />

Dentro <strong>de</strong>sse paradigma, percebe-se <strong>um</strong>a incongruência no ponto <strong>de</strong> vista dos autores,<br />

pois <strong>Freud</strong> (1977) não quer mostrar o funcionamento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a piada do ponto <strong>de</strong> vista social,<br />

linguístico, cultural, etc.; mas sim, fazer ver através do chiste, o funcionamento do<br />

inconsciente como fator <strong>de</strong>terminante para esse tipo <strong>de</strong> prazer. Já <strong>Possenti</strong> (1998) <strong>de</strong>dica-se a<br />

analisar os traços linguísticos das piadas; para o autor, o importante é analisar como o riso é<br />

linguisticamente provocado e não por qual motivo ele é <strong>de</strong>flagrado. Ele também acrescenta<br />

que “para admitir a presença do inconsciente não <strong>de</strong>ve excluir qualquer manobra consciente<br />

do sujeito”. (POSSENTI, 2000).<br />

<strong>Freud</strong> (1977) explica que o <strong>h<strong>um</strong>or</strong> abre <strong>um</strong>a brecha na censura social e exprime <strong>um</strong><br />

pensamento que não po<strong>de</strong>ria ser vinculado <strong>de</strong> maneira direta, pois provocaria reação imediata<br />

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<strong>de</strong> quem é alvo do ridículo e, mesmo, também, porque essa liberação direta <strong>de</strong> opinião iria<br />

resultar n<strong>um</strong>a constatação puramente irada e sem graça, apesar <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira (o julgamento<br />

aqui seria apenas <strong>um</strong>a <strong>de</strong>núncia, que po<strong>de</strong>ria provocar a<strong>de</strong>sões e consentimento, mas não o<br />

riso). <strong>Possenti</strong> (1988, p.49) então, ratifica a afirmação acima acrescentando que o que<br />

caracteriza o <strong>h<strong>um</strong>or</strong> é muito provavelmente o fato <strong>de</strong> que ele permite dizer alg<strong>um</strong>a coisa mais ou<br />

menos proibida, mas não necessariamente crítica, no sentido corrente, isto é, revolucionária, contrária<br />

aos cost<strong>um</strong>es arraigados e prejudiciais.<br />

Ao citar a função fundamental do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>, <strong>Possenti</strong> (1998, p.37) não nega, porém, a<br />

existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a voz crítica indireta. Para o autor “as piadas só ocorrem n<strong>um</strong> solo fértil <strong>de</strong><br />

problemas” particularmente naqueles cultivados durante séculos <strong>de</strong> disputas e <strong>de</strong> preconceitos. <strong>Freud</strong><br />

(1977) <strong>de</strong>nomina o chiste como “a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar similarida<strong>de</strong>s <strong>entre</strong> coisas <strong>de</strong>ssemelhantes,<br />

isto é, <strong>de</strong>scobrir similarida<strong>de</strong>s escondidas”. Assim, o chiste po<strong>de</strong> criticar tudo em poucas palavras;<br />

além disso, é consi<strong>de</strong>rado como <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> resposta pronta.<br />

Temos, assim, mais <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia convergente. Para ambos os autores, o que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia o riso é a<br />

linguagem. <strong>Freud</strong> (1977, p.13) ressalta o caráter articulado do efeito <strong>h<strong>um</strong>or</strong>ístico e o situa como<br />

inteiramente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da linguagem e acrescenta que “para enten<strong>de</strong>r <strong>um</strong>a piada é preciso ser da<br />

paróquia”, isto é, ela não tem efeito em todos os lugares, em todos os momentos, nem para todas as<br />

pessoas, sendo indispensável <strong>de</strong>terminado referente, <strong>um</strong> código, <strong>um</strong> acervo com<strong>um</strong> situado no<br />

simbólico, na cultura, para captar o sentido. Nesse aspecto, <strong>Possenti</strong> (1998) explica que são<br />

necessários tanto o conhecimento linguístico como o conhecimento <strong>de</strong> mundo para que se<br />

compreenda <strong>um</strong>a piada.<br />

E por fim, há também que se ressaltar o caráter <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> e reconhecimento que<br />

<strong>Possenti</strong> (1998) dá a explicação <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1977) a respeito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das características para a<br />

produção do prazer <strong>de</strong>rivada do chiste, que é a <strong>de</strong>scoberta do seu sentido pelo ouvinte.<br />

Consi<strong>de</strong>rações Finais<br />

Como <strong>Freud</strong> está discutindo a questão do prazer que os chistes provocam, e não,<br />

propriamente, suas condições <strong>de</strong> produção ou <strong>de</strong> recepção, esten<strong>de</strong>-se <strong>um</strong> pouco<br />

mais sobre o tema, afirmando, por exemplo, que “talvez nos rimos mais francamente<br />

daqueles [chistes] que ora nos são <strong>de</strong> difícil uso, porque requerem comentários mais<br />

extensos e, mesmo com tal ajuda, não produziriam o efeito original”. E ainda<br />

comenta o seu ponto <strong>de</strong> vista e concordância, “o comentário <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> parece<br />

absolutamente pertinente. Posto em outros termos, é como se dissesse que os chistes<br />

que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da atualida<strong>de</strong>, quando são repetidos em outras circunstâncias que não<br />

aquelas em que são produzidos, precisam ser explicados para serem compreendidos<br />

e produzirem, assim, alg<strong>um</strong> efeito <strong>de</strong> prazer, <strong>de</strong> que o riso é <strong>um</strong>a testemunha”<br />

(POSSENTI, 1998).<br />

Com base no comparativo <strong>entre</strong> as abordagens teóricas do texto <strong>de</strong> <strong>Freud</strong> (1905) Os<br />

chistes e sua relação com o inconsciente, com a obra <strong>de</strong> Sírio <strong>Possenti</strong> (1998) Os <strong>h<strong>um</strong>or</strong>es da<br />

Língua: análises linguísticas <strong>de</strong> piadas é possível perceber através das reflexões aqui<br />

estabelecidas, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> articulação e as inúmeras convergências <strong>entre</strong> os estudos<br />

da linguística e da língua com o estudo psicanalítico a respeito do riso e do <strong>h<strong>um</strong>or</strong>.<br />

O <strong>h<strong>um</strong>or</strong> é próprio do ser h<strong>um</strong>ano, ou seja, só o homem po<strong>de</strong> rir e fazer o outro rir. Não há<br />

<strong>h<strong>um</strong>or</strong> fora do ser h<strong>um</strong>ano; o rir é <strong>um</strong>a característica h<strong>um</strong>ana, “é <strong>um</strong> fenômeno <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga da<br />

excitação mental e <strong>um</strong>a prova <strong>de</strong> que o emprego psíquico <strong>de</strong>ssa excitação tropeça<br />

repentinamente contra <strong>um</strong> obstáculo.” (FREUD, 1977, p. 170).<br />

Dentro <strong>de</strong>sse prisma constata-se também que nada o que se diz nas piadas é gratuito e<br />

sem importância. <strong>Possenti</strong> (2000, p.25) <strong>de</strong>staca que as piadas são interessantes para os<br />

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estudiosos, pois só há piadas sobre temas socialmente controversos, ou seja, elas são <strong>um</strong>a<br />

ótima fonte para tentar reconhecer (ou) confirmar diversas manifestações culturais e<br />

i<strong>de</strong>ológicas, valores enraizados.<br />

Embora <strong>Possenti</strong> (1998) volte-se para a análise dos traços linguísticos das piadas e <strong>Freud</strong><br />

(1905), por intermédio do chiste, mostra o funcionamento do inconsciente, consta-se que os dois<br />

campos <strong>de</strong> saber se relacionam com notável flui<strong>de</strong>z. Através das conceituações nas abordagens foi<br />

possível evi<strong>de</strong>nciar o atravessamento na Linguística pela Psicanálise.<br />

Referências<br />

BERGSON, Henri. . O Riso. Ensaio sobre a significação do cômico. 2º Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Zahar, 1983.<br />

CHIARO, Delia. The language of jokes; analyzing verbal play. London: Routledge, 1992.<br />

FREUD, Sigmund. Sonhos (1915-1916). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas<br />

Completas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, v. XV.<br />

FREUD, Sigmund. Os Chistes e sua relação com o Inconsciente. (1905). In Edição Standard<br />

Brasileira das Obras completas <strong>de</strong> Sigmund <strong>Freud</strong> V 8. RJ. Imago Editora, 1977.<br />

LACAN, Jacques. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Perspectiva, 1978.<br />

MALISKA, Maurício Eugênio. Entre Linguística & Psicanálise - O Real Como Causalida<strong>de</strong><br />

da Língua em Saussure. Curitiba, Juruá, 2. Ed, p. 17, 2003.<br />

POSSENTI, Sírio; H<strong>um</strong>or <strong>de</strong> circunstância, 10/2008, Filologia e Linguística Portuguesa, Vol. 9,<br />

pp.333-344, São Paulo, SP, BRASIL, 2000.<br />

______. Os <strong>h<strong>um</strong>or</strong>es da língua: análises linguísticas <strong>de</strong> piadas. Campinas, SP Mercado <strong>de</strong><br />

Letras, p.152, 1998.<br />

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