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O vale da estranheza, notas sobre o realismo das criaturas - ReCiL

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ARTECH 2008, 4th International Conference on Digital Arts, 7- 8 November, Portuguese Catholic University, Porto<br />

chegar a um estado onde pequenas mu<strong>da</strong>nÁas numa<br />

vari·vel (uma pequena parte do sistema) podem produzir<br />

mu<strong>da</strong>nÁas extraordin·rias no todo. Os sistemas podem ser<br />

imprevisÌveis mas padronizados. A ˙nica forma de fazer<br />

previsıes e planificaÁıes <strong>sobre</strong> aquilo que pode acontecer<br />

È a partir de um programa que gera o acontecimento. Por<br />

um lado, os significantes a<strong>da</strong>ptativos e l˙dicos (Piaget)<br />

dizem-nos que È a repetiÁ„o <strong>da</strong> experiÍncia do mundo<br />

sensorial que fornece a fun<strong>da</strong>Á„o para a compreens„o. Por<br />

outro lado, as repetiÁıes que acontecem ao nÌvel <strong>da</strong><br />

aprendizagem cessam quando o estÌmulo envolvido È<br />

apreendido. Este factor n„o acontece no jogo. No espaÁo<br />

l˙dico as repetiÁıes continuam pelo prazer de excitaÁ„o<br />

associa<strong>da</strong> ao desenrolar dos acontecimentos no tabuleiro e<br />

normalmente n„o desaparecem com o h·bito. Como<br />

afirma Brian Sutton-Smith: ìo jogo n„o È [apenas]<br />

repetitivo È obsessivoî (Sutton-Smith, 1997: 27). A<br />

repetiÁ„o È tudo e o espaÁo onde ela ocorre fornece um<br />

bom teste para examinar a relaÁ„o entre os computadores<br />

e o real:<br />

ìOs discursos que advogam que os computadores<br />

est„o a alterar a nossa concepÁ„o do espaÁo e <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de e atÈ a alterar a prÛpria reali<strong>da</strong>de s„o<br />

mantidos pela proposiÁ„o prosaica que os<br />

computadores, desenhos e modelos s„o<br />

representaÁıes compreendi<strong>da</strong>s como<br />

correspondÍncias entre cÛdigos, palavras e imagens<br />

e alguma reali<strong>da</strong>de para l· dessas representaÁıes<br />

[referenciali<strong>da</strong>de]. Se os computadores nos<br />

permitem modelar, imitar e representar a reali<strong>da</strong>de<br />

ent„o permitem-nos alterar os campos perceptivos,<br />

mu<strong>da</strong>r e distorcer a reali<strong>da</strong>de e criar outras<br />

reali<strong>da</strong>des alternativas. Se o mundo È<br />

essencialmente um conjunto de padrıes, mesmo<br />

que padrıes infinitamente recursivos de caos e<br />

ordem, ent„o estes podem ser substituÌdos ou<br />

animados em sistemas de computadores<br />

interconectados para a criaÁ„o de uma uni<strong>da</strong>de<br />

electrÛnica reconstituÌ<strong>da</strong>. Assim, em vez de se<br />

contrariarem as narrativas rom‚nticas ou do<br />

empirismo fornecem-se as condiÁıes para que as<br />

narrativas tecnorom‚nticas promovam o potencial<br />

transcendente do espaÁo computacionalî (Coyne,<br />

2001: 106).<br />

As frases performativas e as acÁıes sequenciais n„o<br />

podem ser to<strong>da</strong>s formata<strong>da</strong>s pelo positivismo mas antes<br />

apelam ‡ interpretaÁ„o e aos statements <strong>da</strong> criaÁ„o e <strong>da</strong><br />

imaginaÁ„o. O positivismo formatou o pensamento de<br />

muitos dos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> inteligÍncia artificial, <strong>da</strong>s<br />

ciÍncias cognitivas e <strong>da</strong> teoria dos sistemas. O teste de<br />

Page 155<br />

inteligÍncia de Turing 5 , ou o ìjogo <strong>da</strong> imitaÁ„oî, parte do<br />

pressuposto que existe uma forma empÌrica de verificaÁ„o<br />

se a m·quina È inteligente (Coyne, 2001). O sentimento<br />

de <strong>estranheza</strong> (uncanny) È inerente ao conceito de<br />

repetiÁ„o e lembra-nos a nossa compuls„o para a<br />

repetiÁ„o enquanto crianÁas. O que nos desperta tantas<br />

suspeiÁıes em relaÁ„o ao computador È precisamente este<br />

movimento autom·tico que nos forÁa a repetir acÁıes e<br />

nos torna autÛmatos mec‚nicos.<br />

O sentimento de <strong>estranheza</strong>, potenciado atravÈs <strong>da</strong><br />

repetiÁ„o, È tambÈm acompanhado, nas experiÍncias ‡<br />

volta <strong>da</strong> mediÁ„o emocional dos seres humanos em relaÁ„o<br />

aos robots, por uma certa avers„o ‡ total semelhanÁa<br />

destes com os humanos. Estas experiÍncias s„o apeli<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

de ìVale <strong>da</strong> Estranhezaî (Uncanny Valley) e foram<br />

introduzi<strong>da</strong>s pelo cientista em robÛtica, Masahiro Mori.<br />

Ao que parece os humanos reagem bem a bonecos<br />

semelhantes a eles prÛprios mas n„o reagem t„o bem<br />

quando a semelhanÁa È demasiado prÛxima. O <strong>realismo</strong> <strong>da</strong><br />

representaÁ„o figurativa È acentuado por uma relaÁ„o<br />

paradoxal na cultura digital. Tendo a cultura numÈrica a<br />

possibili<strong>da</strong>de de prescindir do referente real, ao contr·rio<br />

do cinema e <strong>da</strong> fotografia, vive obceca<strong>da</strong> pela reproduÁ„o<br />

de <strong>da</strong>dos provenientes do mundo fÌsico. A simulaÁ„o<br />

analÛgica onde situamos, por exemplo, a captaÁ„o do tipo<br />

motion capture (mocap) È desta natureza e tenta capturar<br />

as coordena<strong>da</strong>s matem·ticas do corpo fÌsico do figurante<br />

em movimento. No caso dos processos generativos ou <strong>da</strong><br />

simulaÁ„o experiencial o que se pretende capturar È o<br />

processo biolÛgico inerente ‡ produÁ„o de determinado<br />

efeito, e. g., a forma como uma criatura digital interage<br />

com o ambiente onde est· inseri<strong>da</strong>. Ambas as estratÈgias<br />

s„o muitas vezes concerta<strong>da</strong>s e trabalha<strong>da</strong>s em simult‚neo.<br />

De acordo com Mark Stephen Meadows: ìos avatares v„o<br />

tornar-se mais realistas pois instintivamente as pessoas<br />

querem que estes sejam mais realistas e os produtores<br />

envolvidos no desenvolvimento destas personagens<br />

(programadores, designers e construtores de sistemas de<br />

avatares) est„o a tentar fundir reali<strong>da</strong>de e ficÁ„oî<br />

(Meadows, 2008: 112).<br />

Avaliar o movimento e a aparÍncia e perceber porque È<br />

que as personagens antropomÛrficas s„o t„o horrÌveis<br />

quando s„o representa<strong>da</strong>s de forma realista È o fito de<br />

alguns trabalhos na ·rea <strong>da</strong> an·lise <strong>da</strong>s representaÁıes que<br />

se centram na convicÁ„o de que os avatares est„o hoje<br />

5 Os sistemas artÌsticos l˙dicos inteligentes n„o tÍm qualquer<br />

intenÁ„o de convencer o jogador que a m·quina È inteligente e<br />

que pensa ‡ la Turing mas antes tentam traduzir processos<br />

inteligentes que, de acordo com respostas e comportamentos na<br />

interacÁ„o com o computador, se explicitem em artefactos que<br />

geram contextos emergentes (Seaman, 1999).

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