O vale da estranheza, notas sobre o realismo das criaturas - ReCiL
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ARTECH 2008, 4th International Conference on Digital Arts, 7- 8 November, Portuguese Catholic University, Porto<br />
2006: 78). O jogador joga com perfeito conhecimento que<br />
se envolve numa simulaÁ„o e que a vi<strong>da</strong> n„o È t„o<br />
convincentemente organiza<strong>da</strong> como os princÌpios <strong>da</strong><br />
narrativa. No entanto, apenas o real est· aberto a<br />
ver<strong>da</strong>deiras possibili<strong>da</strong>des de acÁ„o e se pode endereÁar ao<br />
nosso aparelho sensorial (Atkins, 2003). … a experiÍncia<br />
do jogador no tabuleiro de jogo que define o ver<strong>da</strong>deiro<br />
grau de <strong>realismo</strong> e este remete-nos para a forma como a<br />
recepÁ„o <strong>da</strong> obra È compreendi<strong>da</strong> pelo participante do<br />
sistema <strong>da</strong> simulaÁ„o. Citando Frederic Jameson em ìThe<br />
Existence of Italyî Alexander Galloway sublinha:<br />
ìîRealismoî È, no entanto, um conceito muito<br />
inst·vel que muito deve aos debates simult‚neos<br />
mas incompatÌveis <strong>da</strong> epistemologia e <strong>da</strong> estÈtica,<br />
como os dois termos do slogan ìrepresentaÁ„o <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>deî sugerem. Estes dois conceitos parecem<br />
contraditÛrios: a Ínfase neste ou naquele tipo de<br />
conte˙do ver<strong>da</strong>deiro ser· sublinhado pela<br />
consciÍncia intensa dos meios tÈcnicos ou do<br />
artifÌcio tÈcnico do prÛprio trabalho. Ao mesmo<br />
tempo a tentativa de reforÁar a vocaÁ„o<br />
epistemolÛgica do trabalho que geralmente envolve<br />
a supress„o <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des formais do ìtextoî<br />
realista e promove uma concepÁ„o ingÈnua e n„o<br />
media<strong>da</strong> ou reflexiva <strong>da</strong> construÁ„o e <strong>da</strong> recepÁ„o<br />
estÈtica. Ent„o, onde a tentativa epistemolÛgica tem<br />
sucesso tambÈm falha; e se o <strong>realismo</strong> vali<strong>da</strong> a sua<br />
tentativa de ser uma representaÁ„o correcta ou<br />
ver<strong>da</strong>deira do mundo ent„o deixa de ser um modo<br />
de representaÁ„o estÈtico e sai fora do ‚mbito <strong>da</strong><br />
arte. (Ö) n„o È possÌvel um conceito vi·vel de<br />
<strong>realismo</strong> a menos que estas duas tentativas ou<br />
debates sejam honrados em simult‚neo,<br />
prolongando e preservando ñ em vez de resolver ñ<br />
esta constante tens„o e incomensurabili<strong>da</strong>deî<br />
(Galloway, 2006: 74).<br />
N„o existem culturas exteriores ‡ atitude realista e todo o<br />
coment·rio est· repleto de ideias formais <strong>sobre</strong> o mundo.<br />
O <strong>realismo</strong> È sempre uma quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> representaÁ„o, i.<br />
e., do que precisamente n„o È real. A representaÁ„o<br />
simbÛlica e a manipulaÁ„o de formas abstractas sÛ È<br />
possÌvel em gÈneros de jogos que apelam ‡ configuraÁ„o e<br />
‡ acÁ„o reflexiva. No entanto, o <strong>realismo</strong> no jogo n„o<br />
pressupıe uma relaÁ„o de causa efeito instrumental entre<br />
as acÁıes dos jogadores nos manÌpulos e botıes <strong>da</strong><br />
consola e as suas consequÍncias no mundo real. Este<br />
argumento levar-nos-ia ‡ rasteira <strong>da</strong> histÛria de<br />
Columbine cuja teoria È bastante conheci<strong>da</strong>: os assassinos<br />
estiveram a jogar jogos electrÛnicos logo, em<br />
consequÍncia destes, a violÍncia foi gera<strong>da</strong>. Advoga-se<br />
que a teoria de Columbine defende o reverso, ou seja, que<br />
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os jogos podem gerar efeitos realistas. Ora, o facto do<br />
jogador ganhar pontaria e competÍncias de jogo atravÈs<br />
do dispositivo n„o prova que este treino seja usado como<br />
fonte de inspiraÁ„o criminosa.<br />
… necess·rio existir congruÍncia e fideli<strong>da</strong>de de contexto,<br />
que se transfere atravÈs dos sentidos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social<br />
do jogador para o ambiente de jogo. E, finalmente, depois<br />
do jogo, o regresso ‡ reali<strong>da</strong>de do jogador. A congruÍncia<br />
entre a reali<strong>da</strong>de social vivi<strong>da</strong> no jogo e a reali<strong>da</strong>de social<br />
vivi<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> real pelo jogador È fun<strong>da</strong>mental. Neste<br />
sentido, um jogo realista tem de o ser na acÁ„o e n„o tanto<br />
na representaÁ„o. Os jogadores de jogos de acÁ„o por<br />
vezes diminuem o detalhe <strong>da</strong> representaÁ„o para aumentar<br />
a veloci<strong>da</strong>de de resposta. A fideli<strong>da</strong>de ao contexto È a<br />
chave para entendermos o <strong>realismo</strong> nos videojogos pois<br />
estes: ìoferecem o terceiro momento de <strong>realismo</strong>, ou seja,<br />
o <strong>realismo</strong> <strong>da</strong> acÁ„o. Os dois primeiros foram o <strong>realismo</strong><br />
na narrativa (literatura) e o <strong>realismo</strong> <strong>da</strong>s imagens (pintura,<br />
fotografia, filme)î (Galloway, 2006: 72-84).<br />
O <strong>realismo</strong> presente nos videojogos È sensorial. Os<br />
jogadores ficam no mundo do jogo porque a irreali<strong>da</strong>de È<br />
atractiva e forra de forma rechea<strong>da</strong> a imaginaÁ„o destes.<br />
As casas suburbanas dos Sims s„o imunes ao racismo, ao<br />
sexismo e ‡ intoler‚ncia religiosa. Sofrem uma<br />
simplificaÁ„o, abreviaÁ„o e reduÁ„o do mundo em que<br />
tudo È generalizaÁ„o. A naÁ„o Sims È modela<strong>da</strong> a partir do<br />
mundo em que vivemos mas o capitalismo È o ˙nico<br />
modelo que podemos jogar (Atkins, 2003: 129-33).<br />
TambÈm em Second Life a socie<strong>da</strong>de de consumo impera<br />
atravÈs de uma matriz que privilegia essencialmente a<br />
aquisiÁ„o de bens materiais. Em ìRobber, Sailboat, Atom,<br />
Bookî, Shelley Jackson afirma que o virtual se tornou<br />
parte <strong>da</strong> nossa experiÍncia real e <strong>da</strong> nossa experiÍncia<br />
mental ao incorporar as paisagens dos jogos de<br />
computador remisturando-as na forma como sintetizamos<br />
a nossa vi<strong>da</strong>. Os Sims n„o substituÌram a nossa vi<strong>da</strong> mas<br />
alteraram-na: ìO mundo onde vivemos È um mundo que<br />
construÌmos para nÛs mesmos nas nossas cabeÁas a partir<br />
dos nossos sentidos. O mundo real È j· um mundo<br />
imagin·rio. Para ca<strong>da</strong> ·rvore existe uma ·rvore dentro de<br />
nÛs, esquem·tica ou complica<strong>da</strong>. Ent„o aqueles que vivem<br />
melhor s„o aqueles que tÍm uma maior imaginaÁ„oî<br />
(Jackson, 2004: 200).<br />
A ficÁ„o no jogo È ambÌgua, opcional e imagina<strong>da</strong> pelo<br />
jogador de forma incontrol·vel e imprevisÌvel. A Ínfase<br />
nos mundos de ficÁ„o pode ser uma <strong>da</strong>s mais fortes<br />
inovaÁıes dos videojogos. A ficÁ„o aju<strong>da</strong> o jogador a<br />
compreender as regras de jogo. As regras separam o jogo<br />
do resto do mundo ao construÌrem uma ·rea onde s„o<br />
aplica<strong>da</strong>s; a ficÁ„o projecta um mundo diferente do mundo