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religião e pragmatismo em william james - Universidade Federal de ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA<br />

CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA<br />

RELIGIÃO E PRAGMATISMO EM WILLIAM JAMES<br />

SÃO CARLOS<br />

2003<br />

MAURO JUNJI ARAKI


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA<br />

CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA<br />

RELIGIÃO E PRAGMATISMO EM WILLIAM JAMES<br />

SÃO CARLOS<br />

2003<br />

MAURO JUNJI ARAKI<br />

Monografia apresentada ao<br />

Departamento <strong>de</strong> Psicologia da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>Fe<strong>de</strong>ral</strong> <strong>de</strong> São Carlos<br />

para a conclusão do Curso <strong>de</strong><br />

Bacharelado <strong>em</strong> Psicologia.


_______________________________<br />

Orientador<br />

Prof. Dr. Bento Prado <strong>de</strong> Almeida<br />

Ferraz Junior


Dedico esse trabalho a todas as pessoas<br />

religiosas. Que a crença <strong>de</strong> vocês<br />

nunca morra.


AGRADECIMENTOS<br />

A minha família, por me dar apoio não só durante o período <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>ste<br />

trabalho, mas durante toda a minha vida.<br />

A turma <strong>de</strong> Psicologia do ano 2000 da UFSCar, por ter<strong>em</strong> me acompanhado no meu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento acadêmico e compartilhado comigo um pouco <strong>de</strong> seu aprendizado. Todos<br />

foram muito mais do que simples colegas <strong>de</strong> turma e espero po<strong>de</strong>r levar essa amiza<strong>de</strong> para<br />

além dos anos <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>.<br />

Aos meus companheiros <strong>de</strong> república, Zidane, Sá, Fábio, Picachú e Dadinho, e<br />

aqueles que moraram comigo, Raul, Rodrigo, Danka, Thiago e Luiz, por não ser<strong>em</strong> apenas<br />

pessoas com qu<strong>em</strong> eu dividia o aluguel e as contas. Mas por ser<strong>em</strong> amigos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> nos<br />

momentos fáceis e nos difíceis.<br />

Ao corpo docente do Departamento <strong>de</strong> Psicologia e do Departamento <strong>de</strong> Filosofia.<br />

Por me transmitir<strong>em</strong> um pouco do seu saber e possibilitar<strong>em</strong> que eu esteja on<strong>de</strong> estou.<br />

Ao Rogério do Fast Copy pelos serviços prestados. Gran<strong>de</strong> parte do meu saber<br />

passou pelas suas mãos.<br />

A todos os meus amigos, que me ajudaram não só na minha vida acadêmica, mas na<br />

minha vida pessoal também. Agra<strong>de</strong>ço pelas risadas, pelos momentos <strong>de</strong> divertimento e<br />

pelos momentos <strong>de</strong> apoio.<br />

A Camila, por me ajudar a crer que era possível. Nessa reta final ela me ajudou a<br />

não per<strong>de</strong>r as esperanças e a continuar lutando mesmo quando a batalha parecia vã.<br />

A Aninha, por estar s<strong>em</strong>pre ao meu lado e me ajudar a atravessar os momentos<br />

difíceis. Ela foi minha estrela guia por muito t<strong>em</strong>po, se não fosse por ela talvez eu não<br />

tivesse conseguido muitas coisas que consegui <strong>em</strong> minha vida acadêmica aqui na<br />

faculda<strong>de</strong>.<br />

E finalmente, ao Prof. Dr. Bento Prado <strong>de</strong> Almeida Ferraz Junior, por me orientar<br />

nesse trabalho e me dar um norte quando estava à <strong>de</strong>riva <strong>em</strong> um mar <strong>de</strong> in<strong>de</strong>cisão.


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1<br />

1 – O PRAGMATISMO ........................................................................................................ 4<br />

1.1 – O que é o <strong>pragmatismo</strong> ............................................................................................. 4<br />

1.2 – Concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> no <strong>pragmatismo</strong>.................................................................... 7<br />

2 – RELIGIÃO..................................................................................................................... 15<br />

2.1 – Conceituando a <strong>religião</strong>........................................................................................... 15<br />

2.1.1 – Delimitação do assunto .................................................................................... 15<br />

2.1.2 – O objeto <strong>de</strong> estudo............................................................................................ 17<br />

2.2 – Religião e neurologia .............................................................................................. 18<br />

2.3 – A realida<strong>de</strong> do invisível .......................................................................................... 20<br />

2.4 – Nascidos uma vez e duas vezes (o equilíbrio mental e a alma enferma) ................ 22<br />

2.5 – Conversão e a unificação do eu............................................................................... 29<br />

2.6 – A santida<strong>de</strong> e seu valor ........................................................................................... 35<br />

2.7 – O misticismo ........................................................................................................... 44<br />

3 – RELIGIÃO E PRAGMATISMO (conclusão) ............................................................... 50<br />

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 61


RESUMO<br />

O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi estudar a <strong>religião</strong> à luz do <strong>pragmatismo</strong>. William James,<br />

psicólogo, filósofo e um dos principais representantes do <strong>pragmatismo</strong>, escreveu um livro<br />

exatamente com essa proposta. Explorando o que seria o <strong>pragmatismo</strong>, esse trabalho<br />

procura enten<strong>de</strong>r melhor a posição adotada por James <strong>em</strong> sua exposição acerca da <strong>religião</strong><br />

feita <strong>em</strong> seu livro intitulado “As Varieda<strong>de</strong>s da Experiência Religiosa”. Nele, James<br />

explora as experiências religiosas individuais, <strong>em</strong> oposição à <strong>religião</strong> como instituição, pois<br />

ele crê que é nelas que está contida a verda<strong>de</strong>ira essência da <strong>religião</strong>. Esse trabalho<br />

acompanha a obra <strong>em</strong> sua exposição do t<strong>em</strong>a da <strong>religião</strong> tendo <strong>em</strong> vista não só a<br />

conceituação teórica, mas também a aplicação prática das características religiosas<br />

presentes nas experiências <strong>de</strong> cada indivíduo. A argumentação do texto leva-nos a<br />

consi<strong>de</strong>rar o fenômeno religioso como sendo real e autêntico, tendo gran<strong>de</strong> influência sobre<br />

as nossas vidas. As conclusões tiradas acerca da natureza <strong>de</strong>ssa experiência, são que<br />

exist<strong>em</strong> diversos mundos da consciência e que essa natureza é caracterizada exatamente<br />

pelo contato da nossa consciência ordinária com estados <strong>de</strong> consciência mais elevados.


INTRODUÇÃO<br />

A <strong>religião</strong> é algo que permeia a natureza humana e está presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

primórdios da humanida<strong>de</strong>. Ela já foi analisada e comentada por praticamente todas as<br />

abordagens possíveis, tanto a ciência quanto a filosofia já se aventuraram nesse terreno.<br />

Milhares, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> milhares, talvez centenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> livros já foram escritos com<br />

esse assunto, William James com seu livro As Varieda<strong>de</strong>s da Experiência Religiosa<br />

também está nessa lista.<br />

Poucos livros sobre <strong>religião</strong> escritos neste século tiveram um primeiro impacto<br />

e uma contínua influência como o Varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> James. A sua linguag<strong>em</strong> simples e a<br />

precisão dos seus argumentos fizeram com que o livro tivesse alcance mundial, chamando a<br />

atenção <strong>de</strong> várias gerações <strong>de</strong> leitores <strong>em</strong> todo o mundo. O ano passado foi o ano do<br />

centenário do livro, e ele ainda continua sendo um livro atual com o qual todos pod<strong>em</strong>os<br />

contar.<br />

O livro As Varieda<strong>de</strong>s da Experiência Religiosa foi lançado pela primeira vez<br />

<strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 1902. A expectativa que o livro ven<strong>de</strong>sse b<strong>em</strong> foi justificada e James fez mais<br />

algumas revisões para a versão <strong>de</strong>finitiva que apareceu <strong>em</strong> agosto do mesmo ano. Ele foi<br />

reimpresso <strong>em</strong> outubro, nov<strong>em</strong>bro e <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1902 e <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903. Durante a<br />

primeira meta<strong>de</strong> do século, o livro já tinha quarenta edições, e até 1985 elas já<br />

ultrapassavam cinqüenta e seis edições só nos Estados Unidos.<br />

Nesse livro, James utiliza o <strong>pragmatismo</strong> para explorar o terreno da <strong>religião</strong>.<br />

Por esse motivo, esse trabalho t<strong>em</strong> uma primeira parte que é uma breve exposição sobre o<br />

que é o <strong>pragmatismo</strong> e algumas <strong>de</strong> suas aplicações teóricas. Isso foi feito para que o leitor<br />

se situe melhor <strong>de</strong>ntro das argumentações utilizadas nas explicações sobre a <strong>religião</strong>.<br />

Durante todo o texto do Varieda<strong>de</strong>s é possível verificar essa influência pragmática e a<br />

análise do método <strong>em</strong>pírico.<br />

O texto base para a exposição do <strong>pragmatismo</strong> foram as conferências sobre o<br />

<strong>pragmatismo</strong> proferidas por James nos anos <strong>de</strong> 1906 e 1907, ou seja, <strong>de</strong>pois da publicação<br />

do Varieda<strong>de</strong>s. Mas o método <strong>de</strong> análise utilizado neste último não difere<br />

1


significativamente da sua apresentação alguns anos <strong>de</strong>pois nas conferências sobre o<br />

<strong>pragmatismo</strong>. Esse método é o <strong>em</strong>pirismo. Foram utilizados também os “Ensaios <strong>em</strong><br />

Empirismo Radical”, publicado <strong>em</strong> 1912, para justificar o termo “radical” sobre o método<br />

<strong>em</strong>pírico.<br />

Depois <strong>de</strong> feita a exposição sobre o método pragmático, inicia-se a exposição<br />

sobre a <strong>religião</strong> que t<strong>em</strong> como base o livro “As Varieda<strong>de</strong>s da Experiência Religiosa”. O<br />

corpo do texto acompanha basicamente a mesma estrutura utilizada por James <strong>em</strong> seu livro.<br />

Inicialmente é feita a conceituação da <strong>religião</strong>, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>limita o assunto e se <strong>de</strong>fine o<br />

objeto <strong>de</strong> estudo. Consi<strong>de</strong>rando o fato <strong>de</strong> que o campo da <strong>religião</strong> é extr<strong>em</strong>amente vasto, o<br />

assunto que James se propõe a estudar é apenas a experiência religiosa. Assim, o seu objeto<br />

<strong>de</strong> estudo foi a experiência religiosa individual, não foi estudado a <strong>religião</strong> como<br />

instituição. E no final, o estudo da <strong>religião</strong> pessoal se mostrará <strong>de</strong> todo mais útil do que o<br />

estudo da <strong>religião</strong> como instituição por constituir a experiência religiosa <strong>em</strong> primeira mão.<br />

Por causa da influência do paradigma Newtoniano-Cartesiano, James começa a<br />

sua exposição sobre a <strong>religião</strong> com a visão do materialismo médico, colocando a<br />

experiência religiosa como uma mera loucura ou fantasia. Ele explora a limitação <strong>de</strong>sse<br />

pensamento para, a partir daí, começar a expor o que realmente significa a experiência<br />

religiosa.<br />

Os três próximos tópicos são mais <strong>de</strong> exploração sobre o assunto. A realida<strong>de</strong><br />

do invisível vai tratar da influência que os objetos religiosos exerc<strong>em</strong> sobre o<br />

comportamento dos indivíduos, e como esses objetos tocam o sentido <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> das<br />

pessoas, são cridas como constituintes <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> que está além do mundo material.<br />

O tópico seguinte trata <strong>de</strong> duas varieda<strong>de</strong>s distintas e praticamente opostas da<br />

experiência religiosa, o otimismo e o pessimismo. O primeiro é caracterizado não por<br />

apenas consi<strong>de</strong>rar o lado positivo das coisas, mas por apenas admitir a existência do lado<br />

positivo. Para esse tipo <strong>de</strong> pessoa, os equilibrados mentalmente, o mal é apenas uma ilusão,<br />

não t<strong>em</strong> existência real, e por esse motivo <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado. Em oposição a esse tipo<br />

<strong>de</strong> vista, o nascido duas vezes (alma enferma) sobreestima o mal, consi<strong>de</strong>ra que o mal é<br />

parte constituinte da própria essência do mundo.<br />

2


A conversão vai tratar <strong>de</strong> expor como essas duas maneiras <strong>de</strong> ver o mundo<br />

estão geralmente entrelaçadas nos homens (eu dividido) e como, através da conversão, o<br />

hom<strong>em</strong> se torna unificado e conscient<strong>em</strong>ente certo, superior e feliz.<br />

No tópico sobre a santida<strong>de</strong>, serão expostos os frutos práticos da vida religiosa<br />

e eles serão julgados. Exist<strong>em</strong> características fundamentais presentes na santida<strong>de</strong>s, a<br />

primeira diz respeito à sensação <strong>de</strong> que existe algo maior, um Po<strong>de</strong>r I<strong>de</strong>al; o segundo diz<br />

respeito ao sentimento <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r com a nossa vida e a entrega total ao<br />

seu controle; o terceiro é uma alegria e uma liberda<strong>de</strong> imensas que aparec<strong>em</strong> na medida <strong>em</strong><br />

que esse abandono da individualida<strong>de</strong> vai acontecendo; e finalmente, uma transferência do<br />

centro <strong>em</strong>ocional na direção positiva e longe das pretensões do não-ego. Essas<br />

características serão analisadas e serão tiradas as conseqüências práticas <strong>de</strong>las, o ascetismo,<br />

a força da alma, a pureza e a carida<strong>de</strong>. Cada uma <strong>de</strong>las vai ser julgada sob a luz do<br />

<strong>pragmatismo</strong>, que as consi<strong>de</strong>rará úteis ou não.<br />

O último tópico da segunda parte do trabalho, o misticismo, serve para explorar<br />

o que seria a chamada “consciência mística”. E serve também para uma preparação para as<br />

conclusões que serão tomadas na terceira parte do trabalho ao discutir a questão da verda<strong>de</strong><br />

na <strong>religião</strong>.<br />

Finalmente, a terceira parte do trabalho faz uma relação um pouco mais<br />

profunda entre o <strong>pragmatismo</strong> e a <strong>religião</strong>. Através disso, são tiradas conclusões a respeito<br />

do que seria os el<strong>em</strong>entos essenciais na <strong>religião</strong>, e a explicação pessoal <strong>de</strong> James para os<br />

fenômenos religiosos. Ele procura conceituar o que seria o “algo superior” ao qual os<br />

homens religiosos se sent<strong>em</strong> ligados, <strong>de</strong> maneira a satisfazer tanto aos religiosos quanto aos<br />

cientistas. Por fim, coloca a sua própria crença <strong>de</strong> que exist<strong>em</strong> inúmeros mundos <strong>de</strong><br />

consciência que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> conter experiências providas <strong>de</strong> significado para a nossa vida, e que<br />

o mundo vai muito além do que é postulado pela ciência física.<br />

3


1 – O PRAGMATISMO<br />

1.1 – O que é o <strong>pragmatismo</strong><br />

Pragmatismo é caracterizado principalmente por <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<br />

ter como critério sua eficácia ou utilida<strong>de</strong>. Um conhecimento é verda<strong>de</strong>iro não só quando<br />

explica alguma coisa ou um fato, mas sobretudo quando permite retirar conseqüências<br />

práticas e aplicáveis.<br />

William James (1842-1910) foi um dos principais representantes <strong>de</strong>ssa corrente<br />

filosófica, e <strong>em</strong> uma série <strong>de</strong> oito conferências proferidas entre 1906 e 1907 ele caracteriza<br />

o que é o <strong>pragmatismo</strong> e algumas aplicações <strong>de</strong>ssa teoria.<br />

O termo <strong>de</strong>riva da mesma palavra grega prágma, que significa ação, do qual<br />

vêm as nossas palavras “prática” e “prático”. Em filosofia foi introduzida pela primeira vez<br />

por Charles Peirce, <strong>em</strong> 1878. Porém, não há nada <strong>de</strong> novo no método pragmático. Vários<br />

filósofos utilizaram-no <strong>de</strong> forma fragmentária preludindo o que viria a se tornar o<br />

<strong>pragmatismo</strong>, como Sócrates, Aristóteles, Locke, Berkley, Hume, Hodgson, entre outros.<br />

Mas foi só no século XIX que ele se generalizou.<br />

O <strong>pragmatismo</strong> representa o <strong>em</strong>pirismo, uma corrente muito conhecida <strong>em</strong><br />

filosofia, mas o representa <strong>de</strong> uma maneira radical, não contraditória como já foi assumida<br />

alguma vez. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões<br />

a priori, dos princípios firmados, dos sist<strong>em</strong>as fechados, com pretensões ao absoluto e às<br />

origens. Volta-se para o concreto e o a<strong>de</strong>quado, para os fatos, a ação e o po<strong>de</strong>r.<br />

Em sua segunda conferência intitulada “O que significa <strong>pragmatismo</strong>”, ele<br />

começa com um ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> uma discussão ocorrida alguns anos antes da conferência.<br />

“O corpus da disputa era um esquilo – um esquilo vivo que se<br />

supunha estar agarrado a um lado <strong>de</strong> uma árvore; enquanto do outro<br />

lado, oposto da árvore, imaginava-se estar um ser humano. Essa<br />

test<strong>em</strong>unha humana tenta ver o esquilo movendo-se rapidamente <strong>em</strong><br />

4


torno da árvore, mas, não importa quão rápida se mova, o esquilo se<br />

movimenta também rapidamente na direção oposta, e s<strong>em</strong>pre mantém<br />

a árvore entre si e o hom<strong>em</strong>, <strong>de</strong> maneira que jamais o t<strong>em</strong> <strong>em</strong> vista. O<br />

probl<strong>em</strong>a metafísico resultante agora é este: O hom<strong>em</strong> anda <strong>em</strong> torno<br />

do esquilo ou não? (...) Atento ao adágio escolástico <strong>de</strong> que s<strong>em</strong>pre<br />

que se encontra uma contradição <strong>de</strong>ve-se fazer uma distinção,<br />

imediatamente procurei e encontrei uma, como se segue. ‘O lado que<br />

está certo’, disse, ‘vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do que se enten<strong>de</strong> praticamente por ir<br />

<strong>em</strong> torno do esquilo. Se se enten<strong>de</strong> passar do norte <strong>de</strong>le para o leste,<br />

então para o sul, então para o oeste, e então para o norte <strong>de</strong>le <strong>de</strong> novo,<br />

é óbvio que o hom<strong>em</strong> vai <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>le, pois ocupa essas posições<br />

sucessivas. Se, porém, ao contrário, enten<strong>de</strong>-se que primeiro está <strong>em</strong><br />

frente a ele, então, à sua direita, então atrás, então à esquerda, e<br />

finalmente, <strong>de</strong> novo <strong>em</strong> frente <strong>de</strong>le, é óbvio que o hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ir<br />

<strong>em</strong> torno do esquilo, pois pelos movimentos compensadores que o<br />

esquilo faz, mantém o seu ventre voltado para o hom<strong>em</strong> todo o t<strong>em</strong>po,<br />

e as suas costas voltadas para o lado oposto. Faça-se a distinção, e não<br />

haverá ocasião para qualquer disputa posterior. Os dois lados estão ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po certos e errados, <strong>de</strong> acordo com o que se conceba <strong>em</strong><br />

relação à locução ir <strong>em</strong> torno, <strong>em</strong> um sentido prático ou <strong>em</strong> outro’”<br />

(James, 1906).<br />

Introduzindo este probl<strong>em</strong>a, James tenta dar um ex<strong>em</strong>plo do cotidiano para<br />

explicar o que é <strong>pragmatismo</strong>. Ele mesmo admite ser um ex<strong>em</strong>plo “banal” por ser muito<br />

simples, mas é <strong>de</strong> acordo com a sua resolução ele tenta introduzir o que seria o método<br />

pragmático. Que no fundo visa resolver disputas metafísicas que tend<strong>em</strong> a se esten<strong>de</strong>r ao<br />

infinito. Questões do tipo: é o mundo um ou muitos (monismo ou pluralismo)?<br />

Pre<strong>de</strong>stinado ou livre (<strong>de</strong>terminismo e livre-arbítrio)? Material ou espiritual? Nesses casos,<br />

o método pragmático “é tentar interpretar cada noção traçando as suas conseqüências<br />

5


práticas respectivas. (...) Se não po<strong>de</strong> ser traçada nenhuma diferença prática qualquer, então<br />

as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda disputa é vã” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Em palavras usadas na metafísica como “Deus”, “Matéria”, “Razão”,<br />

“Absoluto”, “Energia”, etc., a aplicação do <strong>pragmatismo</strong> se dá não as consi<strong>de</strong>rando como<br />

<strong>de</strong>finitivas como princípio do Universo. “T<strong>em</strong>-se <strong>de</strong> extrair <strong>de</strong> cada palavra o seu valor <strong>de</strong><br />

compra prático, pô-lo a trabalhar <strong>de</strong>ntro da corrente <strong>de</strong> nossa experiência. Desdobra-se,<br />

então menos como uma solução do que como um programa para mais trabalho, e mais<br />

particularmente como uma indicação dos caminhos pelos quais as realida<strong>de</strong>s existentes<br />

pod<strong>em</strong> ser modificadas”. Sendo assim, o método pragmático significa a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> “olhar<br />

além das primeiras coisas, dos princípios, das ‘categorias’ das supostas necessida<strong>de</strong>s; e <strong>de</strong><br />

procurar pelas últimas coisas, frutos, conseqüência, fatos” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O que torna as<br />

teorias instrumentos <strong>de</strong> investigação, e não respostas aos enigmas on<strong>de</strong> pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong>scansar.<br />

Em princípio, o método pragmático não visa resultados particulares, não t<strong>em</strong> dogmas ou<br />

doutrinas, com exceção exclusiva <strong>de</strong> seu método.<br />

Nas ciências, que se envolveram com o ramo da lógica indutiva, os<br />

pesquisadores começaram a mostrar certa unanimida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação ao que significam leis<br />

da natureza e os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> fato quando formulados por mat<strong>em</strong>áticos, físicos e químicos.<br />

Nas palavras <strong>de</strong> James, “quando as primeiras uniformida<strong>de</strong>s mat<strong>em</strong>áticas, lógicas e<br />

naturais, as primeiras leis, foram <strong>de</strong>scobertas, os homens ficaram tão arrebatados pela<br />

clareza, beleza e simplicida<strong>de</strong> daí resultantes, que acreditaram ter <strong>de</strong>cifrado autenticamente<br />

os pensamentos eternos do Todo-Po<strong>de</strong>roso. (...) À medida, porém, que as ciências se<br />

<strong>de</strong>senvolveram, ganhou corpo a noção <strong>de</strong> que muitas, talvez todas, <strong>de</strong> nossas leis são<br />

somente aproximações. As próprias leis, mais ainda, tornaram-se tão numerosas, que não há<br />

como contá-las; e tantas formulações rivais foram propostas <strong>em</strong> todos os ramos da ciência,<br />

que os investigadores acostumaram-se à noção <strong>de</strong> que nenhuma teoria é absolutamente uma<br />

transcrição da realida<strong>de</strong>, mas que qualquer <strong>de</strong>las po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certo ponto <strong>de</strong> vista, ser útil”.<br />

Elas funcionam como nossa maneira <strong>de</strong> ver o mundo, nossos informes sobre a natureza; e<br />

“a língua, como é b<strong>em</strong> conhecido, toleram muita escolha <strong>de</strong> expressão e muitos dialetos”<br />

(Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

6


Assim, também na ciência está presente o <strong>pragmatismo</strong> na medida <strong>em</strong> que as<br />

leis formuladas por ela não são exatamente um retrato da realida<strong>de</strong>, não são explicações ou<br />

<strong>de</strong>scrições perfeitas da realida<strong>de</strong>, mas apenas uma aproximação. Isso, porém, não tira seu<br />

valor prático. Basta observar o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas científicas tecnológicas para<br />

comprovar que essas “aproximações” têm gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> prática.<br />

A palavra “<strong>pragmatismo</strong>” é utilizada também <strong>em</strong> um sentido mais amplo, como<br />

sendo uma certa “teoria da verda<strong>de</strong>”. Schiller e Dewey diz<strong>em</strong> que as idéias “tornam-se<br />

verda<strong>de</strong>iras na medida <strong>em</strong> que nos ajudam a manter relações satisfatórias com outras partes<br />

<strong>de</strong> nossa experiência, para sumariá-las e <strong>de</strong>stacá-las por meio <strong>de</strong> instantâneos conceptuais,<br />

ao invés <strong>de</strong> seguir a sucessão interminável <strong>de</strong> um fenômeno particular” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Isso<br />

nos leva ao próximo tópico, que abordará o que significa o conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo<br />

com o <strong>pragmatismo</strong>.<br />

1.2 – Concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> no <strong>pragmatismo</strong><br />

A sexta conferência <strong>de</strong> William James sobre o <strong>pragmatismo</strong> é <strong>de</strong>dicada à<br />

concepção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> no <strong>pragmatismo</strong>. Nela, James discute não só o conceito <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>,<br />

mas o que a torna verda<strong>de</strong>, suas características, etc.<br />

A <strong>de</strong>finição encontrada <strong>em</strong> qualquer dicionário é que a verda<strong>de</strong> é uma<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas idéias, que significa estar <strong>de</strong> “acordo” com a realida<strong>de</strong>. Porém, <strong>em</strong><br />

um <strong>de</strong>bate entre o <strong>pragmatismo</strong> e o intelectualismo, começa uma discordância sobre o que<br />

significa o termo “acordo” e “realida<strong>de</strong>”, quando realida<strong>de</strong> é tomada como algo com o qual<br />

nossas idéias <strong>de</strong>v<strong>em</strong> concordar.<br />

Os pragmatistas são mais analíticos e meticulosos nessa análise, enquanto os<br />

intelectualistas mais imediatos e irreflexivos. James coloca essa diferença dando o ex<strong>em</strong>plo<br />

<strong>de</strong> um relógio na pare<strong>de</strong>, se fecharmos os olhos e pensarmos no relógio na pare<strong>de</strong> t<strong>em</strong>-se<br />

um quadro verda<strong>de</strong>iro, é uma cópia <strong>de</strong> seu mostrador. Porém a idéia que nós t<strong>em</strong>os das<br />

peças do relógio não é exatamente uma cópia (a não ser que tenhamos conhecimento<br />

profundo <strong>de</strong> todas as partes do relógio), contudo ela não coli<strong>de</strong> com a realida<strong>de</strong>, assim a<br />

7


palavra “peças” é consi<strong>de</strong>rada verda<strong>de</strong>iramente. E quando se fala <strong>de</strong> “função <strong>de</strong> marcar o<br />

t<strong>em</strong>po” do relógio, ou da “elasticida<strong>de</strong>” <strong>de</strong> suas molas, é difícil ver exatamente o que sua<br />

idéias pod<strong>em</strong> copiar.<br />

Claramente existe um probl<strong>em</strong>a com isso, quando nossas idéias não pod<strong>em</strong><br />

copiar exatamente o objeto, que significa a concordância com aquele objeto? A suposição<br />

dos intelectualistas é que “a verda<strong>de</strong> significa essencialmente uma relação estática inerte.<br />

Quando se chega à idéia verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> alguma coisa, chega-se ao fim da questão”. O<br />

<strong>pragmatismo</strong>, por outro lado, diz que “as idéias verda<strong>de</strong>iras são aquelas que pod<strong>em</strong>os<br />

assimilar, validar, corroborar e verificar. As idéias falsas são aquelas com as quais não<br />

pod<strong>em</strong>os agir assim”. Sendo que a posse <strong>de</strong> pensamentos verda<strong>de</strong>iros significa a posse <strong>de</strong><br />

valiosos instrumentos <strong>de</strong> ação. É <strong>de</strong>ver primário do ser humano buscar essas idéias através<br />

<strong>de</strong> dois processos básicos na formação da verda<strong>de</strong>: a verificação e a validação.<br />

A posse <strong>de</strong>ssas idéias verda<strong>de</strong>iras não é um fim <strong>em</strong> si, mas um meio para a<br />

satisfação <strong>de</strong> outras necessida<strong>de</strong>s vitais. O pensamento verda<strong>de</strong>iro é útil, pois <strong>de</strong>riva<br />

primariamente da importância prática <strong>de</strong> seus objetos para nós, porém não <strong>em</strong> todos os<br />

t<strong>em</strong>pos. James usa um ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> alguém que fica perdido na floresta, faminto e <strong>de</strong>para-se<br />

com o que parece ser uma trilha <strong>de</strong> gado, é <strong>de</strong> suma importância que se pense <strong>em</strong> uma<br />

habitação humana ao fim da mesma, se assim fizer a pessoa se salva. Nesse caso, a casa é<br />

um objeto útil para nós, por isso o pensamento verda<strong>de</strong>iro se torna importante. Em outra<br />

ocasião, a casa po<strong>de</strong> não ser útil, então a idéia sobre ela po<strong>de</strong>ria permanecer latente. Porém,<br />

quase todo objeto po<strong>de</strong> vir a ser útil <strong>em</strong> alguma ocasião, assim, é importante que se tenha<br />

um estoque geral <strong>em</strong> nossa m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s “extras”, que po<strong>de</strong>rão ser utilizadas <strong>em</strong><br />

algum momento. S<strong>em</strong>pre que necessária, uma <strong>de</strong>ssas verda<strong>de</strong>s extras torna-se ativa para<br />

solucionar um caso <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência. Po<strong>de</strong>ndo dizer então que as frases “é útil porque é<br />

verda<strong>de</strong>ira” e “é verda<strong>de</strong>ira porque é útil” significam a mesma coisa.<br />

Voltando no ex<strong>em</strong>plo do relógio na pare<strong>de</strong>, duas pessoas pod<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo<br />

como sendo um relógio mesmo s<strong>em</strong> ter acesso às peças que faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>le um relógio. T<strong>em</strong>-se<br />

a noção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> verificá-la. Se consi<strong>de</strong>rarmos a verda<strong>de</strong> como processo <strong>de</strong><br />

verificação, verda<strong>de</strong>s como essas po<strong>de</strong>riam ser contestadas. Porém, elas formam um<br />

número imensamente gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas verda<strong>de</strong>s do dia-a-dia das quais viv<strong>em</strong>os. Como o<br />

8


próprio James afirma, “tanto as verificações indiretas quanto as diretas passam pelo exame”<br />

(Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Então, quando as evidências circunstanciais for<strong>em</strong> suficientes, pod<strong>em</strong>os<br />

confiar s<strong>em</strong> test<strong>em</strong>unho visual. Assim como pod<strong>em</strong>os afirmar que existe a Europa s<strong>em</strong><br />

nunca termos estado lá, pod<strong>em</strong>os afirmar que o objeto na pare<strong>de</strong> é um relógio, e até<br />

utilizamos como relógio. O caráter verificável do objeto é tão eficaz quanto a própria<br />

verificação, “se estamos b<strong>em</strong> certos <strong>de</strong> que a verificação é possível, omitimo-la, e ficamos<br />

normalmente justificados por tudo que aconteça” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Um outro argumento para não se fazer a verificação integral todas as vezes<br />

(além da economia <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po), é que as coisas exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> certas espécies, e não apenas<br />

singularmente. De modo que, “quando t<strong>em</strong>os verificado <strong>de</strong> uma vez nossas idéias a respeito<br />

<strong>de</strong> um espécime <strong>de</strong> certa espécie, consi<strong>de</strong>ramo-nos livres para aplicá-las a outros espécimes<br />

s<strong>em</strong> verificação”. Concluindo então que “indiretamente ou somente potencialmente, os<br />

processos <strong>de</strong> verificação pod<strong>em</strong>, pois, ser verda<strong>de</strong>iros tanto quanto os processos <strong>de</strong><br />

verificação integrais” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Há ainda outra esfera <strong>de</strong> idéias, as relações entre idéias puramente mentais,<br />

on<strong>de</strong> as crenças verda<strong>de</strong>iras e falsas prevalec<strong>em</strong>, e on<strong>de</strong> as regras são absolutas,<br />

incondicionais. Quando as idéias são verda<strong>de</strong>iras, elas pod<strong>em</strong> ser chamadas <strong>de</strong> princípio ou<br />

<strong>de</strong>finição. Uma vez verda<strong>de</strong>iro, s<strong>em</strong>pre verda<strong>de</strong>iro. Exist<strong>em</strong> princípios como 1 mais 1<br />

faz<strong>em</strong> 2, o branco difere menos do cinza que do preto, se iniciada a causa também se inicia<br />

o efeito, etc. Se encontrarmos um objeto concreto que seja “um” ou “branco” ou “cinza” ou<br />

um “efeito”, então nossos princípios se aplicarão s<strong>em</strong>pre.<br />

Relacionando uma idéia abstrata a outra, estruturamos gran<strong>de</strong>s sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>s lógica e mat<strong>em</strong>ática, “sob cujos respectivos termos os fatos sensíveis da<br />

experiência arranjam-se por fim, <strong>de</strong> modo que nossas verda<strong>de</strong>s eternas são tão verda<strong>de</strong>iras<br />

quanto às realida<strong>de</strong>s” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Se tivermos consi<strong>de</strong>rado nossos objetos corretamente,<br />

o enunciado citado acima é verda<strong>de</strong>iro. As relações abstratas nos coag<strong>em</strong> a tratá-las<br />

coerent<strong>em</strong>ente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do que achamos ou quer<strong>em</strong>os. Aliás, essa coerção se dá<br />

para toda a realida<strong>de</strong>, seja ela abstrata ou concreta, fatos ou princípios, po<strong>de</strong>ndo estar<br />

sujeito à <strong>de</strong>sarmonia e frustração.<br />

9


As realida<strong>de</strong>s então, significam “fatos concretos ou espécies abstratas <strong>de</strong> coisas<br />

e relações percebidas intuitivamente entre elas. Mais ainda, significam, como coisas que<br />

novas idéias nossas não menos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> conta, o corpo inteiro <strong>de</strong> outras verda<strong>de</strong>s já<br />

possuídas por nós” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Iniciar<strong>em</strong>os agora o que significa “concordância”.<br />

Nesse ponto o <strong>pragmatismo</strong> e o intelectualismo começam a se aproximar.<br />

Inicialmente, concordar seria copiar, porém como d<strong>em</strong>onstrada acima, essa <strong>de</strong>finição t<strong>em</strong><br />

alguns probl<strong>em</strong>as. “Concordar” <strong>em</strong> um mais amplo sentido com a realida<strong>de</strong> “só po<strong>de</strong><br />

significar ser guiado diretamente a ela ou aos seus arredores, ou ser colocado <strong>em</strong> tal relação<br />

<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>r operá-la ou a alguma coisa que lhe esteja ligada, melhor do<br />

que se tivesse concordado”. E “freqüent<strong>em</strong>ente a concordância significará apenas o fato<br />

negativo que nada contraditório da área daquela realida<strong>de</strong> venha a interferir com a maneira<br />

pela qual nossas idéias guiam-nos a outras partes” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O essencial então, não é<br />

apenas copiar uma realida<strong>de</strong> (que é uma maneira muito importante <strong>de</strong> concordar com a<br />

realida<strong>de</strong>), mas ser guiado até ela. “Qualquer idéia que nos aju<strong>de</strong> a lidar, prática ou<br />

intelectualmente, com a realida<strong>de</strong> ou seus pertences, que não perturba nosso progresso com<br />

frustrações, que ajusta, <strong>de</strong> fato, e adapta nossa vida ao cenário geral da realida<strong>de</strong>,<br />

concordará suficient<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> satisfazer o requisito. Manterá a verda<strong>de</strong> daquela realida<strong>de</strong>”<br />

(Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

A gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> nossas idéias verda<strong>de</strong>iras não admite verificação direta,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, o passado, “a corrente do t<strong>em</strong>po só po<strong>de</strong> ser r<strong>em</strong>ontada apenas verbalmente,<br />

ou verificada indiretamente pelos prolongamentos ou efeitos presentes do que o passado<br />

abrigou” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Assim como o presente é verda<strong>de</strong>iro, o passado foi verda<strong>de</strong>iro, o<br />

passado é garantido por sua coerência com tudo o que é presente.<br />

“A concordância, assim, acontece ser essencialmente um caso<br />

<strong>de</strong> conduzir. (...) As idéias verda<strong>de</strong>iras levam-nos a áreas verbais e<br />

conceituais úteis, tanto quanto diretamente a termos sensíveis úteis.<br />

(...) e no fim e por fim, todos os processos verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>v<strong>em</strong> levar à<br />

face <strong>de</strong> experiências perceptíveis diretamente verificáveis <strong>em</strong> alguma<br />

parte, que as idéias <strong>de</strong> alguém copiaram” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

10


Esse é basicamente o processo pelo qual o pragmatista interpreta a<br />

concordância verbal. E ao seu ver, é somente assim que as idéias científicas pod<strong>em</strong> dizer<br />

que concordam com suas realida<strong>de</strong>s. Termos como “energia” n<strong>em</strong> mesmo visam traduzir<br />

algo objetivo, “é somente uma maneira <strong>de</strong> medir a superfície dos fenômenos, <strong>de</strong> modo que<br />

suas mudanças ou variações possam ser <strong>de</strong>finidas por uma fórmula simples” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

A escolha <strong>de</strong>ssas fórmulas humanas está atrelada ao seu funcionamento, <strong>de</strong>ve<br />

ser uma teoria que funcione. Isso é extr<strong>em</strong>amente difícil, pois a teoria precisa mediar entre<br />

todas as verda<strong>de</strong>s prévias e certas experiências novas. “Deve perturbar o menos possível o<br />

senso comum e a crença anterior, e <strong>de</strong>ve levar a algum término perceptível ou a outro que<br />

possa ser verificado exatamente”. E <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> alternativas igualmente compatíveis,<br />

“escolh<strong>em</strong>os o tipo <strong>de</strong> teoria à qual nos mostramos parciais seguimos ‘elegância’ ou<br />

‘economia’” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

a verda<strong>de</strong>:<br />

No trecho que se segue, James aponta para uma argumentação racionalista para<br />

“A verda<strong>de</strong> não é feita, ela prevalece absolutamente, sendo<br />

uma relação única que não espera por qualquer processo, mas passa<br />

dita por cima da experiência, e atinge sua realida<strong>de</strong> a cada hora. Nossa<br />

crença <strong>em</strong> que aquela coisa ali na pare<strong>de</strong> é um relógio, já é verda<strong>de</strong>ira,<br />

<strong>em</strong>bora ninguém na história inteira do mundo verificasse isso. A<br />

simples qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecer naquela relação transcen<strong>de</strong>nte é o<br />

que torna verda<strong>de</strong>iro qualquer pensamento que a possua, haja ou não<br />

verificação. O pragmatista põe o carro adiante dos bois ao fazer que o<br />

ser da verda<strong>de</strong> resida nos processos-verificação. Esses são meramente<br />

sinais <strong>de</strong> seu ser, meramente maneiras trôpegas <strong>de</strong> averiguação<br />

perante o fato, que <strong>de</strong> nossas idéias já receberam a maravilhosa<br />

qualida<strong>de</strong>. A qualida<strong>de</strong> <strong>em</strong> si é s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po, como todas as essências e<br />

naturezas. Os pensamentos participam <strong>de</strong>la diretamente, como<br />

11


participam da falsida<strong>de</strong> ou da irrelevância. Não po<strong>de</strong> ser analisada por<br />

suas conseqüências pragmáticas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Porém, como dito anteriormente, para o pragmatista muitas idéias trabalham<br />

melhor por meio <strong>de</strong> sua verificação indireta ou possível, do que por meio <strong>de</strong> sua verificação<br />

direta e positiva. O racionalismo coloca o nome <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> fenomenal concreta como<br />

uma entida<strong>de</strong> prévia in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e coloca-a atrás da realida<strong>de</strong> como sua explicação. Para<br />

retratar o que isso significa, James usa o ex<strong>em</strong>plo da saú<strong>de</strong>, da força o do dinheiro. Os<br />

racionalistas utilizam esses nomes como explicação para os fenômenos, como, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, quando diz<strong>em</strong> que um hom<strong>em</strong> dorme b<strong>em</strong> e faz uma boa digestão porque é<br />

saudável, consegue levantar muito peso porque é forte e t<strong>em</strong> muito dinheiro porque é rico.<br />

Saú<strong>de</strong>, força e riqueza são apenas os nomes dos fenômenos, por ter o hom<strong>em</strong> um bom sono<br />

e uma boa digestão é que chamamo-lo <strong>de</strong> saudável, etc. Além disso, seguindo Aristóteles<br />

na diferenciação entre hábito e ato, “o verda<strong>de</strong>iro, expondo o assunto com brevida<strong>de</strong>, é<br />

somente o expediente no processo <strong>de</strong> nosso pensamento, do mesmo modo que o direito é<br />

somente o expediente no processo <strong>de</strong> nosso comportamento” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Com esse pensamento, o “absolutamente” verda<strong>de</strong>iro, significando algo que<br />

jamais se alterará, ou seja, que nenhuma experiência jamais alterará, é algo muito obscuro,<br />

é aquele ponto i<strong>de</strong>al on<strong>de</strong> imaginamos que todas as nossas verda<strong>de</strong>s t<strong>em</strong>porárias algum dia<br />

convergirão. Porém, até que se tenha um sábio com a experiência absolutamente completa,<br />

t<strong>em</strong>os que viver hoje com a verda<strong>de</strong> que pod<strong>em</strong>os ter hoje e estarmos prontos amanhã para<br />

tachá-la <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong>. Assim como aconteceu com inúmeras <strong>de</strong>scobertas da ciência, como o<br />

próprio James afirma:<br />

“A astronomia ptol<strong>em</strong>aica, o espaço euclidiano, a lógica<br />

aristotélica, a metafísica escolástica foram a solução por séculos, mas<br />

a experiência humana t<strong>em</strong> superado esses limites, e nós agora<br />

chamamos essas coisas somente <strong>de</strong> relativamente verda<strong>de</strong>iras, ou<br />

verda<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>ntro daqueles limites <strong>de</strong> experiência. Em termos<br />

absolutamente, eram falsos; pois sab<strong>em</strong>os que esses limites eram<br />

12


casuais, e podiam ter sido transcendidos pelos teóricos passados do<br />

mesmo modo como o são pelos pensadores mo<strong>de</strong>rnos” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Assim, a verda<strong>de</strong> absoluta terá que ser construída com a contribuição das<br />

meias-verda<strong>de</strong>s, “será feita como uma relação inci<strong>de</strong>ntal para o crescimento <strong>de</strong> uma massa<br />

<strong>de</strong> experiência-verificação, para a qual as meias-verda<strong>de</strong>s contribu<strong>em</strong> com sua cota” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

A verda<strong>de</strong> é constituída <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte por verda<strong>de</strong>s prévias, a crença dos<br />

homens t<strong>em</strong> seu alicerce na experiência passada. Mas as próprias crenças faz<strong>em</strong> parte da<br />

experiência do mundo e contribu<strong>em</strong> para a formação <strong>de</strong> novas crenças futuras, sendo um<br />

processo <strong>de</strong> dupla influência. As verda<strong>de</strong>s estão <strong>em</strong> constante mutação, “as verda<strong>de</strong>s<br />

<strong>em</strong>erg<strong>em</strong> dos fatos; elas, porém, mergulham <strong>de</strong> novo nos fatos e traz<strong>em</strong> acréscimos a estes;<br />

os fatos criam <strong>de</strong> novo ou revelam nova verda<strong>de</strong> (a palavra é indiferente) e assim<br />

in<strong>de</strong>finidamente” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Os fatos não são verda<strong>de</strong>iros <strong>em</strong> si mesmos, eles apenas<br />

são, a verda<strong>de</strong> é função das crenças que começam e terminam entre eles.<br />

Esse é o ponto crucial na diferença entre o pragmatista e o racionalista, o<br />

racionalista nunca vai admitir que a verda<strong>de</strong> <strong>em</strong> si ou a realida<strong>de</strong> <strong>em</strong> si é mutável. O<br />

racionalista po<strong>de</strong> permitir que a experiência esteja na mutação, e que nossas certezas<br />

psicológicas da verda<strong>de</strong> acham-se <strong>em</strong> constante mutação, mas nunca que a verda<strong>de</strong> <strong>em</strong> si<br />

está <strong>em</strong> mutação. Para o racionalista, a realida<strong>de</strong> mostra-se completa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a eternida<strong>de</strong> e a<br />

verda<strong>de</strong> não t<strong>em</strong> relação alguma com nossa experiência, não faz diferença alguma para a<br />

realida<strong>de</strong> <strong>em</strong> si. O pragmatista olha o futuro, o racionalista olha para o passado, busca os<br />

princípios, e pensa que uma vez adquiridos, virá uma solução oracular.<br />

Em poucas palavras, a verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada benéfica, que cresce<br />

absolutamente preciosa, e a falsida<strong>de</strong> maléfica, que é absolutamente con<strong>de</strong>nável. Porém, a<br />

obrigação <strong>de</strong> reconhecer a verda<strong>de</strong> é muito condicional. A verda<strong>de</strong>, no singular, clama por<br />

ser reconhecida, mas as verda<strong>de</strong>s, no plural, apenas necessitam ser reconhecidas quando<br />

necessárias. Em uma mesma situação, a verda<strong>de</strong> é s<strong>em</strong>pre preferível do que a falsida<strong>de</strong>,<br />

mas quando não, a verda<strong>de</strong> é tão pouco necessária quanto a falsida<strong>de</strong>. Como por ex<strong>em</strong>plo,<br />

não precisamos ficar repetindo que dois mais dois são quatro in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da<br />

13


situação apenas porque essa verda<strong>de</strong> clama por reconhecimento, mas precisamos saber<br />

apenas quando ela se faz necessária, ou quando faz<strong>em</strong>-nos uma pergunta e respond<strong>em</strong>os<br />

outra coisa, a resposta dada po<strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>ira, mas não satisfaz a necessida<strong>de</strong> da situação.<br />

Admitindo que a verda<strong>de</strong> é condicional, a verda<strong>de</strong> pragmatista aparece <strong>em</strong> toda sua<br />

plenitu<strong>de</strong>.<br />

14


2 – RELIGIÃO<br />

2.1 – Conceituando a <strong>religião</strong><br />

2.1.1 – Delimitação do assunto<br />

Exist<strong>em</strong> diversas formas <strong>de</strong> se conceituar “<strong>religião</strong>”, e é pelo próprio fato <strong>de</strong><br />

ser<strong>em</strong> elas tão numerosas e tão diferentes uma da outra que a palavra “<strong>religião</strong>” significa<br />

antes um nome coletivo do que um princípio ou essência singular. Assim, nesse estudo não<br />

encontrar<strong>em</strong>os uma essência única, mas muitas características que pod<strong>em</strong> fazer parte da<br />

<strong>religião</strong>.<br />

Além do conceito <strong>de</strong> <strong>religião</strong> propriamente dito, é preciso também consi<strong>de</strong>rar o<br />

“sentimento religioso”. Consi<strong>de</strong>rado amiú<strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> única, exist<strong>em</strong> muitas relações<br />

que os autores faz<strong>em</strong> para especificar que tipo <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> ela é. “Uma pessoa a liga ao<br />

sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência; outra, a <strong>de</strong>riva do medo; outras a ligam à vida sexual; outras<br />

ainda a i<strong>de</strong>ntificam com o sentimento do infinito; e assim por diante” (James, 1995). Essas<br />

divergências mostram como o sentimento religioso também não po<strong>de</strong> ser tomado como<br />

algo específico, mas um conjunto <strong>de</strong> sentimentos que pod<strong>em</strong> estar presentes nos indivíduos<br />

<strong>de</strong> modo alternado. “Existe o medo religioso, o amor religioso, o terror religioso, a alegria<br />

religiosa, etc” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>), e esses sentimentos são os mesmos que as pessoas<br />

manifestam <strong>em</strong> outras ocasiões. Contudo, as <strong>em</strong>oções religiosas são, naturalmente,<br />

distinguíveis das outras <strong>em</strong>oções concretas. Mas não há motivos para pensar o sentimento<br />

religioso como uma entida<strong>de</strong> isolada dos outros sentimentos. Pensando que não existe uma<br />

<strong>em</strong>oção religiosa específica, é possível afirmar também que não existe nenhum tipo<br />

específico e essencial <strong>de</strong> objeto da <strong>religião</strong>.<br />

Sendo tão vasto o campo da <strong>religião</strong>, não é possível cobri-lo por inteiro nesse<br />

estudo, que terá que se limitar a uma parcela do assunto. A primeira distinção que po<strong>de</strong> ser<br />

feita é a distinção entre <strong>religião</strong> individual e <strong>religião</strong> institucional. James propõe <strong>em</strong> seu<br />

15


livro se preocupar apenas com a <strong>religião</strong> pessoal e <strong>de</strong>ixar à parte o ramo institucional. De<br />

certa forma, essa é uma posição surpreen<strong>de</strong>nte, pois a <strong>religião</strong> é mais comumente<br />

relacionada à instituição religiosa do que à <strong>de</strong>voção individual <strong>de</strong> cada um.<br />

Porém, pelo menos <strong>em</strong> um sentido a <strong>religião</strong> pessoal se mostrará mais<br />

importante do que a <strong>religião</strong> institucional, pois <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estabelecidas, as igrejas passam a<br />

viver uma tradição “<strong>de</strong> segunda mão”, pois são os seus fundadores que originalmente<br />

mantiveram a comunhão direta e pessoal com o divino.<br />

“A <strong>religião</strong>, por conseguinte, (...) significará para nós os<br />

sentimentos, atos e experiências <strong>de</strong> indivíduos <strong>em</strong> sua solidão, na<br />

medida <strong>em</strong> que se sintam relacionados com o que quer que possam<br />

consi<strong>de</strong>rar o divino. Uma vez que a relação tanto po<strong>de</strong> ser moral<br />

quanto física ou ritual, é evi<strong>de</strong>nte que da <strong>religião</strong> (...) pod<strong>em</strong> brotar<br />

secundariamente teologias, filosofias e organizações eclesiásticas.<br />

Nestas conferências, no entanto, como eu já disse, as experiências<br />

pessoais imediatas encherão mantos que farte o nosso t<strong>em</strong>po, e<br />

escassamente tratar<strong>em</strong>os <strong>de</strong> teologia ou eclesiasticismo” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

Mas apesar <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>finição, existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controvérsia no termo<br />

“divino” se esse for <strong>de</strong>finido num sentimento d<strong>em</strong>asiado restrito. Pois exist<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong><br />

pensamento que costumamos chamar <strong>de</strong> religiosos e que, na verda<strong>de</strong>, não postulam <strong>de</strong><br />

forma positiva um Deus, como no caso do Budismo. Diante <strong>de</strong> religiões como esta, James<br />

adota a posição <strong>de</strong> “quando <strong>em</strong> nossa <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>religião</strong> falamos da relação do indivíduo<br />

com ‘o que ele consi<strong>de</strong>ra divino’, faz-se mister interpretarmos o termo ‘divino’ <strong>de</strong> modo<br />

muito lato, como se <strong>de</strong>notasse qualquer objeto s<strong>em</strong>elhante à divinda<strong>de</strong>, seja ele uma<br />

divinda<strong>de</strong> concreta ou não” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

16


2.1.2 – O objeto <strong>de</strong> estudo<br />

Iniciando-se a indagação sobre o que é <strong>religião</strong>, nos <strong>de</strong>paramos com duas<br />

perguntas diferentes: Que são as propensões religiosas? E qual é a sua significação<br />

filosófica? Do ponto <strong>de</strong> vista lógico, essas duas questões são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns totalmente<br />

diferentes. A lógica faz distinção entre duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> indagação tocantes a alguma coisa, a<br />

primeira são questões do tipo, qual é a sua natureza? Como veio a existir? Qual é a sua<br />

constituição, sua orig<strong>em</strong>, sua história? E a segunda, qual é sua importância, sua<br />

significação, seu valor? A resposta à primeira pergunta é dada num juízo ou proposição<br />

existencial. Enquanto que a resposta à segunda pergunta é dada numa proposição <strong>de</strong> valor.<br />

Segundo as palavras <strong>de</strong> James, <strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> religiões é particularmente fácil<br />

<strong>de</strong> distinguir as duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> perguntas. Todo fenômeno religioso t<strong>em</strong> sua história e sua<br />

<strong>de</strong>rivação <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes naturais. A crítica superior da Bíblia não passa <strong>de</strong> um estudo da<br />

Bíblia do ponto <strong>de</strong> visa existencial, <strong>de</strong>scurado por muito t<strong>em</strong>po pela igreja primitiva.<br />

Contudo, não há como ver como as respostas dadas a todas essas perguntas históricas possa<br />

<strong>de</strong>cidir a pergunta subseqüente, “que utilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter para nós como guia <strong>de</strong> vida e como<br />

revelação um volume como esse, nascido e maneira acima <strong>de</strong>scrita? Para respon<strong>de</strong>r a essa<br />

pergunta precisamos ter <strong>em</strong> mente alguma teoria geral sobre quais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser as<br />

peculiarida<strong>de</strong> que dão a uma coisa valor <strong>de</strong> revelação, e essa mesma coisa seria o que acabo<br />

<strong>de</strong> chamar juízo espiritual”. O próprio James afirma que combinando com o nosso juízo<br />

existencial, pod<strong>em</strong>os, <strong>de</strong>duzir outro juízo espiritual sobre o valor da bíblia, mas se a teoria<br />

do valor <strong>de</strong> revelação afirmasse que qualquer livro, para possuí-la, não po<strong>de</strong> conter nenhum<br />

erro científico ou histórico n<strong>em</strong> expressar nenhuma paixão local ou pessoal, a Bíblia,<br />

provavelmente, não estaria <strong>em</strong> boa situação. “Mas se, por outro lado, nossa teoria permitir<br />

que um livro seja uma revelação, <strong>em</strong> que pese aos erros e paixões e à <strong>de</strong>liberada<br />

composição humana, bastando que seja um registro verda<strong>de</strong>iro das experiências íntimas <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s almas <strong>em</strong> lua com as crises do seu <strong>de</strong>stino, o veredicto será muito mais favorável”<br />

(James, 1995). Assim, os fatos existenciais, por si mesmos, são insuficientes para<br />

<strong>de</strong>terminar o valor, não po<strong>de</strong>ndo confundir então o valor existencial com o espiritual.<br />

17


James introduz essa distinção para justificar o uso das experiências religiosas<br />

como objeto principal para o estudo da <strong>religião</strong>. Essa experiência se dará naqueles<br />

indivíduos para os quais a <strong>religião</strong> existe não como hábito aborrecido, mas como uma febre<br />

ar<strong>de</strong>nte. Esses indivíduos são consi<strong>de</strong>rados gênios na esfera religiosa. O estudo se dará no<br />

relato <strong>de</strong> gênios porque “a insanida<strong>de</strong> fronteiriça, a excentricida<strong>de</strong>, o t<strong>em</strong>peramento insano,<br />

a perda do equilíbrio mental, a <strong>de</strong>generação psicopática, t<strong>em</strong> certas peculiarida<strong>de</strong>s e<br />

suscetibilida<strong>de</strong>s que, ao se combinar com uma qualida<strong>de</strong> superior do intelecto num<br />

indivíduo, torna mais provável que ele venha a <strong>de</strong>ixar a própria marca na sua época e influa<br />

nela...” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

2.2 – Religião e neurologia<br />

Esses gênios religiosos citados acima, muitas vezes têm sintomas <strong>de</strong><br />

instabilida<strong>de</strong> nervosa. Mais até do que outros tipos <strong>de</strong> gênios, os lí<strong>de</strong>res religiosos têm sido<br />

passíveis <strong>de</strong> manifestações psíquicas anormais. “Não conheceram medida, sujeitos como<br />

estavam a obsessões e idéias fixas; e, muitas vezes, caíram <strong>em</strong> transes, ouviram vozes,<br />

tiveram visões e apresentaram toda sorte <strong>de</strong> peculiarida<strong>de</strong>s, classificadas, <strong>de</strong> ordinário,<br />

como patológicas. Com freqüência, além disso, esses fatos patológicos <strong>em</strong> sua carreira têm<br />

concorrido para conferir-lhes autorida<strong>de</strong> e influência religiosas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Se esses<br />

aspectos psicológicos foss<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rados <strong>em</strong> pessoas não religiosas, não seria possível<br />

<strong>de</strong>sprezar os aspectos patológicos do assunto.<br />

Porém, nas ciências naturais e nas artes industriais jamais ocorre a alguém<br />

tentar refutar opiniões duvidando da condição neurológica do autor. Isso não <strong>de</strong>veria ser<br />

diferente também quando se trata <strong>de</strong> opiniões religiosas. O valor <strong>de</strong>ssas experiências<br />

religiosas só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminado por juízos espirituais que lhes digam diretamente<br />

respeito, baseados <strong>em</strong> nosso sentimento imediato e <strong>em</strong> segundo lugar <strong>em</strong> nossas relações<br />

com as nossas necessida<strong>de</strong>s morais e com o resto do que julgamos verda<strong>de</strong>iro.<br />

O materialismo médico amiú<strong>de</strong> apela para um pensamento d<strong>em</strong>asiado simplista<br />

para os fenômenos religiosos.<br />

18


“O materialismo médico dá cabo <strong>de</strong> São Paulo explicando sua<br />

visão na estrada <strong>de</strong> Damasco como uma <strong>de</strong>scarga violenta do córtex<br />

occipital, visto ter sido epiléptico. Tacha Santa Teresa <strong>de</strong> histérica,<br />

São Francisco <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> vítima <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>generescência hereditária.<br />

O <strong>de</strong>scontentamento <strong>de</strong> George Fox com as imposturas do seu t<strong>em</strong>po<br />

e o seu anseio <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> espiritual são conseqüência <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>sarranjo no cólon. Os tons graves <strong>de</strong> tristeza <strong>de</strong> Carlyle <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> do<br />

seu catarro gastroduo<strong>de</strong>nal. Todas essas hipertensões mentais<br />

afiançam o materialismo médico, revelam-se-nos, quando chegamos<br />

ao âmago da questão, meras questões <strong>de</strong> diátese (mais provavelmente<br />

intoxicações), <strong>de</strong>vida à ação viciosa <strong>de</strong> várias glândulas que a<br />

fisiologia ainda <strong>de</strong>scobrirá” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Com essas explicações, o materialismo médico procura tirar a autorida<strong>de</strong><br />

espiritual <strong>de</strong> todos esses personagens.<br />

Adotando essas suposições, <strong>de</strong>ve-se aceitar s<strong>em</strong> dúvida os acontecimentos nas<br />

vidas <strong>de</strong>sses personagens citados acima. Porém, a indagação que permanece é a <strong>de</strong> que,<br />

po<strong>de</strong> um relato existencial <strong>de</strong> fatos da história mental <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong> um modo ou <strong>de</strong> outro<br />

acerca da sua significação espiritual? “De acordo com o postulado geral da psicologia (...),<br />

não existe um só dos nossos estados <strong>de</strong> espírito, baixo ou alto, saudável ou mórbido, que<br />

não tenha por condição algum processo orgânico. As teorias científicas estão condicionadas<br />

organicamente tanto quanto as <strong>em</strong>oções religiosas (...). Eles são igualmente <strong>de</strong> fundo<br />

orgânico, seja o seu conteúdo religioso ou não” (Id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>). Além disso, o materialismo<br />

médico não t<strong>em</strong> nenhuma teoria fisiológica que explique a produção <strong>de</strong>sses estados <strong>de</strong><br />

espírito. Seguindo esse pensamento, argumentar contra o valor espiritual através da<br />

causação orgânica <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> espírito religioso é totalmente ilógico e arbitrário.<br />

19


2.3 – A realida<strong>de</strong> do invisível<br />

Caracterizando a vida religiosa no sentido mais amplo e mais geral possível,<br />

po<strong>de</strong>ríamos dizer que ela consiste na crença <strong>de</strong> que existe uma ord<strong>em</strong> invisível, e que o<br />

nosso b<strong>em</strong> consiste <strong>em</strong> nos ajustarmos harmoniosamente a ela. Conforme o próprio James<br />

diz, “todas as nossas atitu<strong>de</strong>s, morais, práticas ou <strong>em</strong>ocionais, b<strong>em</strong> como as religiosas,<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>-se aos ‘objetos’ da nossa consciência, às coisas que acreditamos existir<strong>em</strong>, seja real,<br />

seja i<strong>de</strong>almente, junto <strong>de</strong> nós. Tais objetos pod<strong>em</strong> estar presentes aos nossos sentidos, ou<br />

pod<strong>em</strong> estar presentes apenas ao nosso pensamento” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). No caso da <strong>religião</strong>, os<br />

objetos mais concretos são as divinda<strong>de</strong>s. Mas além <strong>de</strong>sses objetos mais concretos, exist<strong>em</strong><br />

outros objetos mais abstratos que mostram um po<strong>de</strong>r s<strong>em</strong>elhante, como por ex<strong>em</strong>plo as<br />

qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Deus (santida<strong>de</strong>, justiça, misericórdia, infinida<strong>de</strong>, etc.) que também<br />

<strong>de</strong>spertam inspiração para as meditações dos cristãos.<br />

Para ilustrar essa característica dos seres humanos, James cita Kant e sua visão<br />

a respeito dos objetos <strong>de</strong> crença como Deus, alma, etc. Segundo Kant, essas coisas não são<br />

propriamente objetos <strong>de</strong> nenhum conhecimento, pois para po<strong>de</strong>rmos trabalhar com as<br />

concepções que t<strong>em</strong>os, elas precisam ter conteúdo sensorial, o que esses conceitos não<br />

possu<strong>em</strong>. Assim, teoricamente falando, essas palavras são <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> qualquer<br />

significação. E James compl<strong>em</strong>enta, “no entanto, por estranho que pareça, elas têm um<br />

significado <strong>de</strong>finido para a nossa prática. Pod<strong>em</strong>os agir como se existisse Deus; sentir como<br />

se fôss<strong>em</strong>os livres; consi<strong>de</strong>rar a Natureza como se ela andasse cheia <strong>de</strong> propósitos<br />

especiais; fazer planos como se <strong>de</strong>vêss<strong>em</strong>os ser imortais; e verificamos então que essas<br />

palavras <strong>de</strong>terminam uma genuína diferença na nossa vida moral” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Assim,<br />

do ponto <strong>de</strong> vista prático (ou pragmático), esses objetos possu<strong>em</strong> uma existência real,<br />

constituindo um estranho fenômeno, segundo Kant, <strong>de</strong> uma mente que acredita com toda a<br />

sua força na presença real <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> coisas das quais não pod<strong>em</strong>os <strong>de</strong> modo algum<br />

formar qualquer noção.<br />

Mas a citação <strong>de</strong> James a Kant se esten<strong>de</strong> um pouco mais. Ele também fala<br />

sobre as abstrações superiores que traz<strong>em</strong> consigo a mesma característica.<br />

20


“Todo o universo <strong>de</strong> objetos concretos, tais como os<br />

conhec<strong>em</strong>os (...), navega num universo mais amplo e mais alto <strong>de</strong><br />

idéias abstratas, que lhe <strong>em</strong>prestam sua significação. (...)<br />

“Tais idéias, e outras igualmente abstratas, formam o substrato<br />

<strong>de</strong> todos os nossos fatos, o manancial <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s que<br />

conceb<strong>em</strong>os. Elas <strong>em</strong>prestam sua ‘natureza’, como lhe chamamos, a<br />

cada coisa especial. Tudo o que conhec<strong>em</strong>os é o ‘que é’ porque<br />

partilha da natureza <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas abstrações. Nunca po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os<br />

olhar diretamente para elas, pois não têm corpo, n<strong>em</strong> trações, n<strong>em</strong><br />

pés, mas captamos todas as outras cosas por meio <strong>de</strong>las e, no trato<br />

com o mundo real, nós nos veríamos impotentes na exata medida <strong>em</strong><br />

que perdêss<strong>em</strong>os esses objetos mentais, esses adjetivos, advérbios,<br />

predicados e chaves <strong>de</strong> classificação e concepção.<br />

“A <strong>de</strong>terminabilida<strong>de</strong> absoluta da nossa mente por abstrações é<br />

um dos fatos car<strong>de</strong>ais da nossa constituição humana. Embora nos<br />

polariz<strong>em</strong> e magnetiz<strong>em</strong>, voltamos-nos para elas, apartamo-nos <strong>de</strong>las,<br />

procuramos-las, agarramo-las, odiamo-las, abençoamo-las,<br />

exatamente como se foss<strong>em</strong> outros tantos seres concretos. E seres elas<br />

são, seres tão reais no reino que habitam quanto as coisas mutáveis<br />

dos sentidos o são no reino do espaço.” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>)<br />

Em seguida James faz uma comparação entre Platão e sua teoria das idéias e<br />

Emerson, escritor <strong>de</strong> uma corrente religiosa. Um escritor como Emerson po<strong>de</strong> tratar a<br />

divinda<strong>de</strong> abstrata das coisas, a estrutura moral do universo, como fato digno <strong>de</strong> adoração.<br />

Assim como acontece <strong>em</strong> várias igrejas s<strong>em</strong> Deus, há um culto similar do divino abstrato,<br />

da lei moral consi<strong>de</strong>rada como objeto final.<br />

Todas essas citações levam James à seguinte conclusão: “É como se houvesse<br />

na consciência humana um sentido <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, um sentimento <strong>de</strong> presença objetiva, uma<br />

percepção do que pod<strong>em</strong>os chamar ‘alguma coisa ali’, mais profunda e mais geral do que<br />

qualquer um dos ‘sentidos’ especiais e particulares pelos quais a psicologia atual supõe que<br />

21


as realida<strong>de</strong>s existentes são originalmente reveladas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Na medida então que<br />

as concepções religiosas possam tocar esse sentimento <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, elas seriam cridas<br />

como reais.<br />

Com a citação <strong>de</strong> diversos casos, James tenta provar que existe <strong>em</strong> nosso<br />

mecanismo mental um sentido da realida<strong>de</strong> presente mais difundido e geral do que aquele<br />

que os nossos sentido especiais nos fornec<strong>em</strong>. Na esfera puramente religiosa da<br />

experiência, muitas pessoas possu<strong>em</strong> os objetos <strong>de</strong> sua crença na forma <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s quase<br />

sensíveis, diretamente apreendidas. Chegam a ser quase tão intensas quanto as alucinações.<br />

Elas são tão convincentes para aqueles que a experimentam, que pod<strong>em</strong> se passar por<br />

qualquer experiência sensível direta, e <strong>em</strong> regra geral, são muito mais convincentes que os<br />

resultados estabelecidos pela lógica simples.<br />

2.4 – Nascidos uma vez e duas vezes (o equilíbrio mental e a alma enferma)<br />

Se fôss<strong>em</strong>os procurar a preocupação principal da vida humana, uma das<br />

possíveis respostas seria “a busca pela felicida<strong>de</strong>”.<br />

“A escola hedonística <strong>de</strong> ética <strong>de</strong>duz a vida moral inteiramente das<br />

experiências <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e infelicida<strong>de</strong> produzidas pelos diferentes gêneros <strong>de</strong><br />

conduta; e, ainda mais na vida religiosa do que na vida moral, a felicida<strong>de</strong> e a<br />

infelicida<strong>de</strong> parec<strong>em</strong> ser os pólos ao redor dos quais gira o interesse. Não<br />

precisamos ir tão longe a ponto <strong>de</strong> dizer, com o autor recent<strong>em</strong>ente citado, que<br />

todo entusiasmo persistente é, como tal, <strong>religião</strong>, n<strong>em</strong> precisamos qualificar o<br />

mero riso <strong>de</strong> exercício religioso; mas somo obrigados a admitir que qualquer<br />

gozo persistente po<strong>de</strong> produzir o tipo <strong>de</strong> <strong>religião</strong> que consiste na admiração<br />

agra<strong>de</strong>cida do dom <strong>de</strong> uma existência tão feliz; e precisamos também<br />

reconhecer que as maneiras mais complexas <strong>de</strong> experimentar a <strong>religião</strong> são<br />

novas maneiras <strong>de</strong> produzir felicida<strong>de</strong>, maravilhosos caminhos interiores para<br />

22


uma categoria sobrenatural <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>, quando o primeiro dom da existência<br />

natural é infeliz, como tantas vezes acontece” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Com essas relações entre a <strong>religião</strong> e a felicida<strong>de</strong>, talvez não seja tão<br />

surpreen<strong>de</strong>nte que os homens venham a consi<strong>de</strong>rar a felicida<strong>de</strong> proporcionada por uma<br />

crença religiosa como prova <strong>de</strong> sua verda<strong>de</strong>. Para o hom<strong>em</strong> comum, se uma crença o faz<br />

sentir-se feliz ele a adota quase que inevitavelmente, t<strong>em</strong> que ser verda<strong>de</strong>ira, então para ele<br />

será verda<strong>de</strong>ira.<br />

As espécies mais singelas da felicida<strong>de</strong> religiosa, <strong>em</strong> muitas pessoas, são<br />

congênitas e irrevogáveis. “Não me refiro apenas aos animalmente felizes. Refiro-me aos<br />

que, quando a infelicida<strong>de</strong> lhes é oferecida ou proposta, se recusam positivamente a senti-<br />

la, como se fosse alguma coisa mesquinha e errada” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Para essas pessoas,<br />

Deus é aquele que oferece liberda<strong>de</strong>, assim como diz a máxima <strong>de</strong> Santo Agostinho, ama a<br />

Deus e faze o que <strong>de</strong>sejas. Em uma citação a Francis W. Newman, James coloca a<br />

diferença entre dois tipos <strong>de</strong> pessoas, os nascidos uma vez e os nascidos duas vezes, essa<br />

<strong>de</strong>nominação será por ele adotada no <strong>de</strong>correr do livro. Nas palavras <strong>de</strong> Newman:<br />

“Deus t<strong>em</strong> duas famílias <strong>de</strong> filhos nesta terra, os nascidos uma vez e os<br />

nascidos duas vezes”. E <strong>de</strong>screve os nascidos uma vez da seguinte forma: “Eles<br />

vê<strong>em</strong> Deus, não como Juiz rigoroso, n<strong>em</strong> como Glorioso Potentado; senão<br />

como Espírito animador <strong>de</strong> um belo mundo harmonioso, Benfazejo e Bondoso,<br />

Misericordioso e Puro. Esses personagens geralmente não têm tendências<br />

metafísicas: não olham para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si mesmos. Por conseguinte, não se<br />

aflig<strong>em</strong> com as próprias imperfeições; e, todavia, fora absurdo chamar-lhes<br />

presunçosos; pois escassamente pensam <strong>em</strong> si mesmos. Essa qualida<strong>de</strong> infantil<br />

da sua natureza faz o caminho da <strong>religião</strong> muito feliz para eles; pois eles não se<br />

encolh<strong>em</strong> mais diante <strong>de</strong> Deus quanto uma criança diante <strong>de</strong> um imperador,<br />

cuja presença faz tr<strong>em</strong>er seus pais: com efeito, eles não têm qualquer concepção<br />

vívida <strong>de</strong> nenhuma das qualida<strong>de</strong>s da mais severa Majesta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, que é,<br />

para eles, a personificação da Bonda<strong>de</strong> e da Beleza. Eles lê<strong>em</strong>-lhe o caráter, na<br />

23


no mundo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado do hom<strong>em</strong>, mas na natureza romântica e harmoniosa.<br />

Do pecado humano talvez pouco saibam <strong>em</strong> seus corações e não muito no<br />

mundo; e o sofrimento humano mal lhes <strong>de</strong>sperta a ternura. Assim sendo,<br />

quando se aproximam <strong>de</strong> Deus, nada lhes perturba o interior, e, s<strong>em</strong> ser<br />

espirituais, têm certa complacência e talvez um sentido romântico <strong>de</strong><br />

excitamento <strong>em</strong> sua singela adoração” (Newman, 1852 apud James, 1995).<br />

Essas pessoas, os nascidos uma vez, t<strong>em</strong> um t<strong>em</strong>peramento organicamente<br />

voltado para o lado da alegria e s<strong>em</strong> d<strong>em</strong>orar-se nos aspectos mais escuros do universo.<br />

“Em alguns indivíduos o otimismo torna-se quase patológico, como se não foss<strong>em</strong> capazes<br />

n<strong>em</strong> mesmo <strong>de</strong> uma tristeza transitória ou <strong>de</strong> uma humilda<strong>de</strong> momentânea, graças a uma<br />

espécie <strong>de</strong> anestesia congênita” (James, 1995).<br />

Essa tendência <strong>de</strong> encarar as coisas, a qual James se refere amiú<strong>de</strong> como<br />

equilíbrio mental, po<strong>de</strong> ser distinguida <strong>em</strong> dois tipos: um algo mais involuntário e um algo<br />

mais voluntário ou sist<strong>em</strong>ático <strong>de</strong> ser mentalmente equilibrado. No primeiro tipo, o<br />

equilíbrio mental é um modo <strong>de</strong> sentir-se feliz ao contato imediato com as coisas, enquanto<br />

que o segundo é um modo abstrato <strong>de</strong> conceber as coisas como boas. Nessa maneira<br />

abstrata <strong>de</strong> conceber as coisas, o sujeito escolhe um aspecto <strong>de</strong>la como sua essência por<br />

algum t<strong>em</strong>po e <strong>de</strong>spreza os outros aspectos. Assim, concebendo o b<strong>em</strong> como o aspecto<br />

essencial e universal do ser, ele exclui <strong>de</strong>liberadamente o mal do seu campo <strong>de</strong> visão.<br />

Essa é uma posição que, aparent<strong>em</strong>ente, é muito difícil <strong>de</strong> se manter para qu<strong>em</strong><br />

é intelectualmente sincero consigo mesmo e honesto <strong>em</strong> relação aos fatos. Mas se<br />

refletirmos um pouco a respeito, perceb<strong>em</strong>os que não pod<strong>em</strong>os fazer uma crítica tão<br />

simples assim. Primeiramente, a felicida<strong>de</strong>, assim como todos os outros estados<br />

<strong>em</strong>ocionais, é cega e insensível aos fatos contrários dados a ela. Quando a felicida<strong>de</strong> impera<br />

realmente, a idéia do mal po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter o sentido da realida<strong>de</strong>, assim como a idéia do<br />

b<strong>em</strong> não está presente <strong>em</strong> um estado profundo <strong>de</strong> melancolia. Além disso, impor o silêncio<br />

ao mal po<strong>de</strong> ser uma política religiosa. Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar qualquer coisa que se <strong>de</strong>nomine<br />

mal se <strong>de</strong>ve ao modo <strong>de</strong> como os homens encaram o fenômeno.<br />

24


O pensamento a respeito da infelicida<strong>de</strong> também po<strong>de</strong> ajudar a esclarecer as<br />

coisas. “A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong> não é somente penosa, mas também mesquinha e feia.<br />

Que é o que po<strong>de</strong> ser mais baixo e indigno do que o estado <strong>de</strong> espírito choramingas,<br />

lamurioso, mal-humorado, sejam quais for<strong>em</strong> os males externos que o possam ter<br />

engendrado? Que é mais prejudicial aos outros? Que é menos útil como meio <strong>de</strong> livrar-se<br />

da dificulda<strong>de</strong>? Ele apenas fixa e perpetua o probl<strong>em</strong>a que o ocasionou, e aumenta o mal<br />

total da situação” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Então, o cultivo sist<strong>em</strong>ático do equilíbrio mental po<strong>de</strong> ser<br />

quase tudo, mas não é um absurdo.<br />

Um ex<strong>em</strong>plo que James mais utiliza para <strong>de</strong>screver esse tipo <strong>de</strong> pensamento é o<br />

“Movimento da cura psíquica”, ou “Pensamento Novo”. Nela, as pessoas adotam um estilo<br />

<strong>de</strong> vida <strong>de</strong>liberadamente otimista, com um lado ao mesmo t<strong>em</strong>po especulativo e prático.<br />

Esse movimento t<strong>em</strong> como uma se suas fontes “os quatro Evangelhos; outra é o<br />

<strong>em</strong>ersonianismo ou o transcen<strong>de</strong>ntalismo da nova Inglaterra; outra é o i<strong>de</strong>alismo <strong>de</strong><br />

Berkeley; outra é o espiritismo, com suas mensagens <strong>de</strong> ‘lei’, ‘progresso’ e<br />

‘<strong>de</strong>senvolvimento’; outra é o evolucionismo da ciência popular otimista <strong>de</strong> que falei a<br />

pouco; e, finalmente, o estudo do Hinduísmo” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Mas o traço mais<br />

característico <strong>de</strong>sse movimento é que os seus chefes tiveram uma crença intuitiva no po<strong>de</strong>r<br />

salvador das atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> equilíbrio mental como tais, na eficácia conquistadora da corag<strong>em</strong>,<br />

da esperança e da confiança, e num <strong>de</strong>sprezo correlativo da dúvida, do medo, da<br />

preocupação e <strong>de</strong> todos os estados <strong>de</strong> espírito nervosamente repreensivos.<br />

Esse sist<strong>em</strong>a é composto total e exclusivamente <strong>de</strong> otimismo: o pessimismo<br />

leva à fraqueza e o otimismo leva ao po<strong>de</strong>r. Pensamentos são coisas, e “se os seus<br />

pensamentos for<strong>em</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mocida<strong>de</strong>, vigor e sucesso, antes que os senhores dê<strong>em</strong> por<br />

isso, essas coisas serão também a sua porção exterior. (...) O medo, pelo contrário, e todos<br />

os modos limitados e egoístas <strong>de</strong> pensamento são caminhos para a <strong>de</strong>struição” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>). O s<strong>em</strong>elhante atrai o s<strong>em</strong>elhante, o hom<strong>em</strong> atrai para si as coisas condizentes com<br />

o seu tipo <strong>de</strong> pensamento.<br />

O movimento da cura psíquica se propagou enorm<strong>em</strong>ente na América, e essa<br />

propagação se <strong>de</strong>veu <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte “aos seus frutos práticos, e o caráter sumamente<br />

pragmático do povo americano jamais encontrou melhor oportunida<strong>de</strong> para mostrar-se do<br />

25


que esta, sua única contribuição <strong>de</strong>cididamente original à filosofia sist<strong>em</strong>ática da vida, tão<br />

intimamente ligada à terapêutica concreta” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Esse movimento não se espalhou<br />

apenas pela proclamação e pela afirmação, senão pelos resultados palpáveis <strong>de</strong> experimento<br />

prova que a experiência confirma amplamente essas idéias religiosas, citados <strong>em</strong> diversos<br />

casos contidos no livro <strong>de</strong> James.<br />

Em contraste a opiniões como estas, James apresenta uma opinião<br />

completamente oposta, on<strong>de</strong> ao invés <strong>de</strong> subestimar o mal, ele é sobreestimado. Essa visão<br />

é “baseada na persuasão <strong>de</strong> que os maus aspectos da nossa vida são <strong>de</strong> sua própria essência,<br />

e que o sentido do mundo tanto mais nos impressiona quanto mais nos preocupamos com<br />

ele” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Porém, antes <strong>de</strong> explorar mais a fundo essa visão, vale a pena mostrar<br />

um pouco a reflexão que James faz a respeito do mal <strong>de</strong>ntro da <strong>religião</strong>.<br />

O teísmo filosófico s<strong>em</strong>pre revelou uma tendência ao monismo, reluta <strong>em</strong><br />

admitir que Deus seja menos que Tudo-<strong>em</strong>-Tudo, “e isso t<strong>em</strong> estado <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com o<br />

teísmo popular ou prático, que mais recent<strong>em</strong>ente se v<strong>em</strong> mostrando mais ou menos<br />

pluralista, para não dizer politeísta, e perfeitamente satisfeito com um universo composto<br />

<strong>de</strong> muitos princípios originais, bastando que os seja concedido acreditar que o princípio<br />

divino permanece supr<strong>em</strong>o, e os d<strong>em</strong>ais, subordinados” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). No último caso,<br />

Deus não é necessariamente responsável pela existência do mal, mas na visão monista o<br />

mal, assim como tudo mais, é necessariamente fundado <strong>em</strong> Deus, mas como isso é possível<br />

sendo Deus absolutamente bom? Essa é uma questão que não t<strong>em</strong> nenhuma solução muito<br />

fácil ou clara, a solução mais óbvia seria admitir que o mundo existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua orig<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

forma pluralista, assim o mal não precisa ser essencial, po<strong>de</strong> ser uma porção in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo.<br />

O equilíbrio mental é totalmente a favor da visão pluralista. Enquanto que o<br />

filósofo monista “se julga mais ou menos obrigado a dizer, como Hegel dizia, que tudo o<br />

que é real é racional, e que o mal, como el<strong>em</strong>ento dialeticamente necessário, precisa ser<br />

pregado, conservado, consagrado e ter uma função no sist<strong>em</strong>a final da verda<strong>de</strong>” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>). Com essa posição <strong>de</strong> que o equilíbrio mental aceita a noção <strong>de</strong> que exist<strong>em</strong><br />

el<strong>em</strong>entos no universo que pod<strong>em</strong> não fazer parte <strong>de</strong> nenhum todo racional <strong>em</strong> conjunção<br />

26


como os outros el<strong>em</strong>entos, James passa para o outro tipo <strong>de</strong> experiência religiosa, a mente<br />

mórbida.<br />

Essas pessoas não consegu<strong>em</strong> lançar <strong>de</strong> si n<strong>em</strong> por um instante o fardo da<br />

consciência do mal, estando inevitavelmente <strong>de</strong>stinadas a sofrer com a sua presença.<br />

Exist<strong>em</strong> níveis diferentes <strong>de</strong> mente mórbida, para algumas pessoas, “o mal significa apenas<br />

um <strong>de</strong>sajustamento com as coisas, uma correspondência errada entre a vida da pessoa e o<br />

ambiente. Um mal <strong>de</strong>ssa ord<strong>em</strong> é curável, pelo menos <strong>em</strong> princípio, no plano natural, pois<br />

bastará modificar o eu ou as coisas, ou ambos ao mesmo t<strong>em</strong>po, para que os dois termos<br />

sejam levados a ajustar-se e tudo volte a ser alegre como o bimbalhar <strong>de</strong> um sino <strong>de</strong><br />

casamento. Para outros, porém, o mal não é apenas uma relação entre o sujeito e<br />

<strong>de</strong>terminadas coisas externas, senão algo mais radical e geral, um erro ou vício <strong>em</strong> sua<br />

natureza essencial, que nenhuma alteração do ambiente e nenhum rearranjo do eu interior<br />

vingam curar, e que requer um r<strong>em</strong>édio sobrenatural” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

A frustração é um traço freqüent<strong>em</strong>ente presente nesse tipo <strong>de</strong> pensamento, o<br />

hom<strong>em</strong> está s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>stinado ao fracasso, nunca ao sucesso. Mas esse é apenas a primeira<br />

característica, para essas pessoas, “todos os bens naturais perec<strong>em</strong>. As riquezas têm asas; a<br />

fama é um sopro; o amor, uma frau<strong>de</strong>; a mocida<strong>de</strong>, a saú<strong>de</strong> e o prazer <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong>” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>). A vida e sua negação estão s<strong>em</strong>pre juntas, se a vida for boa, a sua negação terá que<br />

ser má. Toda a felicida<strong>de</strong> parece estar contaminada com algum tipo <strong>de</strong> contradição. “O fato<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos morrer, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos ficar doentes, <strong>de</strong>ixa-nos perplexos; o fato <strong>de</strong> estarmos<br />

por ora vivendo e <strong>de</strong> estarmos b<strong>em</strong> é irrelevante para a nossa perplexida<strong>de</strong>. Precisamos <strong>de</strong><br />

uma vida não correlacionada com a morte, uma saú<strong>de</strong> não sujeita à doença, uma espécie <strong>de</strong><br />

b<strong>em</strong> que não pereça, um b<strong>em</strong>, <strong>de</strong> fato, que suba acima dos Bens da natureza” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

Assim como o equilibrado mentalmente não consegue aceitar a existência do<br />

mal, o pessimista extr<strong>em</strong>o também não consegue aceitar a existência do b<strong>em</strong>. Po<strong>de</strong>ndo ele<br />

sofrer <strong>de</strong> melancolia no sentido da incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experienciar um sentimento alegre, ou<br />

uma melancolia que é a angústia positiva, um sentimento negativo on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> predominar a<br />

aversão, a irritação e exasperação, a <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> si próprio e o <strong>de</strong>sespero, ou a suspeita,<br />

a ansieda<strong>de</strong>, a trepidação, o medo.<br />

27


Esse sentimento experienciado pelos melancólicos chega a ser tão profundo que<br />

o mundo parece alterado para eles. “O mundo se apresenta r<strong>em</strong>oto, estranho, sinistro<br />

fantástico. Foi-se-lhe a cor, o seu hálito é frio, não há brilho nos olhos com que ele fita as<br />

coisas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Quando o sentimento chega a esse nível <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,<br />

dificilmente a felicida<strong>de</strong> volta a aparecer para o sujeito. E a felicida<strong>de</strong> que volta, quando<br />

volta, é uma felicida<strong>de</strong> que é muito mais complexa do que a simples ignorância do mal<br />

presentes nos equilibrados mentalmente, é algo que inclui o mal natural como um dos seus<br />

el<strong>em</strong>entos, mas que não acha o mal natural um obstáculo e um terror tamanhos, porque<br />

agora o vê engolido pelo b<strong>em</strong> sobrenatural. Desse modo, quando o sujeito se salva ele o faz<br />

através <strong>de</strong> um segundo nascimento, uma espécie <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção, uma vida mais consciente e<br />

mais profunda que a que ele tinha antes. Essa re<strong>de</strong>nção muitas vezes po<strong>de</strong> ser dar através da<br />

<strong>religião</strong>, e a própria <strong>religião</strong> encontra nesse tipo <strong>de</strong> caso o verda<strong>de</strong>iro âmago <strong>de</strong> seu<br />

probl<strong>em</strong>a, o pedido <strong>de</strong> socorro. A libertação <strong>de</strong>ve expressar-se <strong>de</strong> modo tão intenso quanto<br />

a lamentação para fazer efeito.<br />

A essa altura já é possível perceber claramente o antagonismo entre o<br />

equilibrado mentalmente e a alma enferma. O primeiro vê o segundo como sendo<br />

<strong>de</strong>svirtuado e doentio, enquanto que o segundo vê o primeiro como sendo cego e<br />

superficial. Na opinião <strong>de</strong> James, a morbi<strong>de</strong>z mental caracteriza um tipo <strong>de</strong> experiência<br />

mais ampla, e que seu estudo é o que se sobrepõe, ainda que parcialmente. Pois o mero<br />

<strong>de</strong>svio da atenção do mal se constitui um método eficiente enquanto funciona, mas o seu<br />

<strong>de</strong>sarranjo po<strong>de</strong> levar à melancolia. Além disso, essa não po<strong>de</strong> ser adotado como uma<br />

doutrina filosófica, pois os fatos maus, que se recusa positivamente a levar <strong>em</strong><br />

consi<strong>de</strong>ração, constitu<strong>em</strong> uma porção genuína da realida<strong>de</strong>, e talvez sejam a melhor chave<br />

para o significado da vida, “os únicos abridores dos nossos olhos para os níveis mais<br />

profundos da verda<strong>de</strong>”, e “visto que os fatos maus são partes tão genuínas da natureza<br />

quanto os bons, a presunção filosófica há <strong>de</strong> ser a <strong>de</strong> que eles têm algum significado<br />

racional, e que o equilíbrio mental sist<strong>em</strong>ático, não conce<strong>de</strong>ndo à tristeza, ao sofrimento e à<br />

morte nenhuma atenção positiva e ativa, é formalmente menos completo do que os sist<strong>em</strong>as<br />

que tentam, pelo menos, incluir tais el<strong>em</strong>entos <strong>em</strong> sua esfera <strong>de</strong> ação” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

28


2.5 – Conversão e a unificação do eu<br />

Em termos gerais, conversão diz respeito ao processo, gradual ou repentino,<br />

“por cujo intermédio um eu até então dividido, e conscient<strong>em</strong>ente errado, inferior e infeliz,<br />

se torna unificado e conscient<strong>em</strong>ente certo, superior e feliz, <strong>em</strong> conseqüência do seu<br />

domínio mais firme das realida<strong>de</strong>s religiosas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Então, para enten<strong>de</strong>r o que<br />

ocorre na conversão é preciso enten<strong>de</strong>r o que é o “eu dividido”.<br />

Vimos na sessão anterior dois tipos <strong>de</strong> seres humanos não apenas distintos, mas<br />

opostos. Essas posições são os extr<strong>em</strong>os da experiência do hom<strong>em</strong>, mas a maioria dos<br />

outros homens se encontra <strong>em</strong> uma mistura ou varieda<strong>de</strong> intermediária. Algumas pessoas<br />

nasc<strong>em</strong> com uma constituição interior harmoniosa e b<strong>em</strong> equilibrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio,<br />

enquanto outros são constituídos <strong>de</strong> maneira oposta, há uma heterogeneida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sua<br />

personalida<strong>de</strong>, uma constituição moral e intelectual incompletamente unificada. “O espírito<br />

entra <strong>em</strong> choque com a carne, os <strong>de</strong>sejos são incompatíveis entre si, impulsos caprichosos<br />

lhes interromp<strong>em</strong> os planos mais <strong>de</strong>liberados, e suas vidas são um longo drama <strong>de</strong><br />

arrependimento e esforço para reparar inconveniências e erros” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Os<br />

ex<strong>em</strong>plos extr<strong>em</strong>os <strong>de</strong>ssa personalida<strong>de</strong> heterogênea se encontram nos psicopatas.<br />

A evolução normal do caráter consiste principalmente no endireitamento e na<br />

unificação do eu interior. “Os sentimentos mais altos e os mais baixos, os impulsos úteis e<br />

os <strong>de</strong>sviados, começam criando um caos relativo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós – precisam acabar formando<br />

um sist<strong>em</strong>a estável <strong>de</strong> funções <strong>em</strong> correta subordinação” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O interior do<br />

hom<strong>em</strong> é um campo <strong>de</strong> batalha para dois “eus” hostis um ao outro, sendo um real e outro<br />

i<strong>de</strong>al. Esse período <strong>de</strong> luta se caracteriza pela melancolia, e se o sujeito tiver a <strong>religião</strong> viva,<br />

a infelicida<strong>de</strong> tomará a forma do r<strong>em</strong>orso e da compunção moral, essa é a melancolia<br />

religiosa e a “convicção do pecado” que representaram tão gran<strong>de</strong> papel na história do<br />

Cristianismo protestante. Quando se chega à unida<strong>de</strong> interior, ela é acompanhada <strong>de</strong> uma<br />

característica <strong>de</strong> alívio, uma felicida<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>.<br />

Mas as pessoas que experimentaram esse tipo <strong>de</strong> melancolia nunca chegarão a<br />

ser equilibrados mentalmente. A melancolia se mostra <strong>de</strong> tal forma profunda que não é<br />

possível esquece-la ou negar a sua existência. O que interessa é que eles encontraram algo<br />

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<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu ser que proporcionou a vitória sobre essa melancolia, um estímulo, uma<br />

excitação, uma fé, uma força que inspira novamente a vonta<strong>de</strong> positiva <strong>de</strong> viver.<br />

Voltando agora ao t<strong>em</strong>a da conversão e só para abrir um parênteses, James faz<br />

uma referência à Psicologia dominante da época sobre o conceito <strong>de</strong> Associação. Segundo<br />

ele, “as idéias, metas e objetivos <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> formam diversos grupos e sist<strong>em</strong>as<br />

internos, relativamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes uns dos outros” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Cada meta <strong>de</strong>sperta<br />

um tipo diferente <strong>de</strong> excitação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada um, juntamente com um certo grupo <strong>de</strong> idéias<br />

a ela subordinadas e associadas. Quando um grupo <strong>de</strong> idéias está presente ele domina todo<br />

o interesse do indivíduo para esse grupo, enquanto todos os outros grupos são excluídos do<br />

domínio mental. Ele utiliza o seguinte ex<strong>em</strong>plo, “quando o Presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos,<br />

apetrechado <strong>de</strong> r<strong>em</strong>o, espingarda e vara <strong>de</strong> pescar, vai acampar no mato <strong>em</strong> gozo <strong>de</strong> férias<br />

modifica <strong>de</strong> cabo a rabo seu sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> idéias. As preocupações presi<strong>de</strong>nciais são<br />

inteiramente relegadas a um segundo plano; os hábitos oficiais são substituídos pelos<br />

hábitos <strong>de</strong> um filho da natureza, e os que conheciam o hom<strong>em</strong> apenas como o estrênuo<br />

magistrado não ‘o conheceriam como a mesma pessoa’ se o viss<strong>em</strong> no acampamento’”<br />

(Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Com isso James preten<strong>de</strong> ilustrar que essas mudanças <strong>de</strong> metas são comuns<br />

<strong>em</strong> nossa vida cotidiana, mas não pod<strong>em</strong> ser chamadas <strong>de</strong> transformações porque cada uma<br />

<strong>de</strong>las é rapidamente seguida <strong>de</strong> outra na direção contrária s<strong>em</strong> que nenhuma seja excluída<br />

permanent<strong>em</strong>ente, mas se uma meta se tornasse tão estável que expulsasse <strong>de</strong>finitivamente<br />

suas rivais anteriores, po<strong>de</strong>ríamos chamar esse processo <strong>de</strong> transformação. Essas<br />

alternativas são os mais completos dos modos com que um eu po<strong>de</strong> ser dividido. À<br />

proporção que a vida passa, há uma mudança constante nos interesses e uma conseqüente<br />

mudança <strong>de</strong> lugar <strong>em</strong> nossos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> idéias, <strong>de</strong> partes mais centrais para partes mais<br />

periféricas e vice versa.<br />

T<strong>em</strong>os então o “eu que oscila” e o “eu dividido”, sendo que o ponto <strong>de</strong> vista do<br />

qual se visa a meta po<strong>de</strong> vir a estabelecer-se permanent<strong>em</strong>ente num dado sist<strong>em</strong>a, se essa<br />

mudança for religiosa dá-se o nome <strong>de</strong> “conversão”. “Dizer que um hom<strong>em</strong> está<br />

‘convertido’ significa, nesses termos, que as idéias religiosas, anteriormente periféricas <strong>em</strong><br />

sua consciência, assum<strong>em</strong> agora um lugar central, e que metas religiosas formam o centro<br />

habitual da sua energia” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

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Exist<strong>em</strong>, no entanto, algumas pessoas que jamais serão convertidas. Em alguns<br />

casos, a inaptidão para a fé religiosa é <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> intelectual. Suas faculda<strong>de</strong>s religiosas são<br />

inibidas por outras crenças a respeito do mundo, crenças pessimistas ou materialistas, por<br />

ex<strong>em</strong>plo. Muitas pessoas nunca superam tais inibições, outras ainda se mostram insensíveis<br />

aos aspectos religiosos, nunca chegando a ser<strong>em</strong> convertidas.<br />

Deixando essas pessoas que nunca po<strong>de</strong>riam atingir a conversão, vamos voltar<br />

àqueles que pod<strong>em</strong> e o faz<strong>em</strong>. Exist<strong>em</strong> duas formas distintas <strong>de</strong> se alcançar a conversão.<br />

Fazendo uma analogia ao processo da l<strong>em</strong>brança, algumas vezes, quando esquec<strong>em</strong>os um<br />

nome, por ex<strong>em</strong>plo, ficamos trabalhando com a l<strong>em</strong>brança, percorrendo mentalmente com<br />

ela os lugares, as pessoas e as coisas a que a palavra estava ligada. Mas às vezes esse<br />

esforço não resulta <strong>em</strong> nada. Ficamos nos esforçando para l<strong>em</strong>brar o nome e não importa o<br />

que faz<strong>em</strong>os que ele não v<strong>em</strong> à m<strong>em</strong>ória, então quando <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong> ficar nos esforçando<br />

ele aparece s<strong>em</strong> mais n<strong>em</strong> menos. Algum processo oculto iniciado pelo esforço continua<br />

quando o esforço cessa, e o resultado aparece espontaneamente.<br />

Assim como na m<strong>em</strong>ória, exist<strong>em</strong> dois tipos <strong>de</strong> conversão, uma consciente e<br />

voluntária e uma maneira involuntária e inconsciente com que se pod<strong>em</strong> obter resultados<br />

mentais. James cita Starbuck para se referir a esses dois tipos <strong>de</strong> conversão como sendo do<br />

tipo volitivo e do tipo da renúncia <strong>de</strong> si, respectivamente. “No tipo volitivo a mudança<br />

regenerativa, geralmente gradual na edificação, peça por peça, <strong>de</strong> um novo conjunto <strong>de</strong><br />

hábitos morais e espirituais” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Existindo s<strong>em</strong>pre alguns pontos on<strong>de</strong> o<br />

movimento se dá um pouco mais rápido. Mas mesmo nessas mudanças volitivas, há<br />

passagens on<strong>de</strong> existe uma renúncia parcial, e na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, <strong>de</strong>pois da<br />

vonta<strong>de</strong> fazer o máximo possível, o último passo t<strong>em</strong> que ser dado s<strong>em</strong> essa ajuda, tendo<br />

que ser entregue a outras forças.<br />

Nesses termos, renunciar as forças conscientes <strong>em</strong> favor das inconscientes seria<br />

segundo Starbuck, “entregar-se a pessoa à uma nova vida, fazendo <strong>de</strong>la o centro <strong>de</strong> uma<br />

nova personalida<strong>de</strong>, e viver, interiormente, a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, antes visada objetivamente”<br />

(apud James, 1995). Isso seria como entregar o processo <strong>de</strong> conversão a uma força maior,<br />

um eu melhor que po<strong>de</strong> fazer essa operação muito melhor que o eu consciente.<br />

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Pod<strong>em</strong>os assim, da mesma maneira, diferenciar entre dois tipos diferentes <strong>de</strong><br />

conversão, ou melhor, dois ritmos diferentes <strong>de</strong> conversão: um gradual e outro súbito. O<br />

tipo gradual é geralmente relacionado com o tipo volitivo <strong>de</strong> conversão, ela se dá, <strong>de</strong> um<br />

modo geral, conscient<strong>em</strong>ente. Enquanto que a conversão súbita está mais relacionada com<br />

o tipo da renúncia, ou seja, o processo se dá, <strong>de</strong> um modo geral, inconscient<strong>em</strong>ente.<br />

Será priorizada aqui a conversão <strong>de</strong>sse último tipo, o instantâneo. Aquele que<br />

<strong>em</strong> um instante se estabelece uma completa divisão entre a vida antiga e a vida nova. A<br />

conversão <strong>de</strong>sse tipo é uma fase muito importante da experiência religiosa, <strong>em</strong> razão do<br />

papel que ela representou na teologia protestante, e por isso ela será estudada mais<br />

atenciosamente.<br />

A primeira característica que <strong>de</strong>ve ser notada é que para aqueles que<br />

experienciam essa conversão súbita, o evento parece indubitavelmente real, <strong>de</strong>finido e<br />

m<strong>em</strong>orável. E ao mesmo t<strong>em</strong>po que eles passam por uma experiência <strong>de</strong>ssa, quase s<strong>em</strong>pre<br />

ela v<strong>em</strong> acompanhada <strong>de</strong> um sentimento <strong>de</strong> que isso foi um milagre, e não um<br />

acontecimento natural. Freqüent<strong>em</strong>ente ouv<strong>em</strong>-se vozes, vê<strong>em</strong>-se luzes, presenciam-se<br />

visões, ocorr<strong>em</strong> fenômenos motores automáticos, e <strong>de</strong>pois da renúncia pessoal t<strong>em</strong>-se<br />

s<strong>em</strong>pre a impressão <strong>de</strong> que um po<strong>de</strong>r estranho, mais elevado, inundou o íntimo do<br />

indivíduo e tomou posse <strong>de</strong>le. Além disso, o sentido <strong>de</strong> renovação, segurança, limpeza,<br />

retidão, po<strong>de</strong> ser tão maravilhoso que justifica a crença <strong>em</strong> tal substância totalmente nova.<br />

James faz uma relação entre esse tipo <strong>de</strong> fenômeno e a noção <strong>de</strong> que existe uma<br />

consciência além dos limites da nossa própria consciência, uma consciência ultramarginal.<br />

A importância <strong>de</strong>la se dá porque “os campos ordinários <strong>de</strong> consciência estão sujeitos a<br />

incursões <strong>de</strong>la, <strong>de</strong> cuja orig<strong>em</strong> o sujeito não t<strong>em</strong> a menor idéia e que, portanto, assum<strong>em</strong><br />

para ele a forma <strong>de</strong> inexplicáveis impulsos para agir, inibições, idéias obsessivas e até<br />

alucinações da vista ou da audição” (James, 1995). Seria o chamado automatismo, que seria<br />

a fala ou a escrita automática, cujo significado o próprio sujeito talvez não entenda<br />

enquanto a pronuncia.<br />

Desse ponto <strong>de</strong> vista, as características da conversão súbita não passariam <strong>de</strong><br />

meros automatismos. Sendo que a diferenciação da conversão súbita e a conversão gradual<br />

não seria necessariamente a presença do milagre divino <strong>em</strong> uma e algo menos divino na<br />

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outra, mas apenas uma peculiarida<strong>de</strong> psicológica, “o fato <strong>de</strong> que no recebedor da graça<br />

mais instantânea t<strong>em</strong>os um <strong>de</strong>sses Sujeitos que estão <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> ampla região <strong>em</strong> que o<br />

trabalho mental prossegue subliminalmente, e do qual pod<strong>em</strong> irromper experiências<br />

invasivas, que perturbam <strong>de</strong> repente o equilíbrio da consciência primária” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Enquanto que na conversão gradual o processo, <strong>em</strong> sua maioria, é consciente.<br />

Contudo, o próprio James diz que não vê por que alguém possa objetar a esse<br />

modo <strong>de</strong> ver. De acordo com ele, “se os frutos para a vida do estado <strong>de</strong> conversão são<br />

bons, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os i<strong>de</strong>alizá-lo e venerá-lo, ainda que seja uma peça <strong>de</strong> psicologia natural; <strong>em</strong><br />

caso contrário, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os livrar-nos <strong>de</strong>le o mais <strong>de</strong>pressa possível, seja qual for o ser<br />

sobrenatural que possa tê-lo inspirado” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Mas mesmo tendo esses “frutos para<br />

a vida”, aqueles que passaram por uma conversão súbita, com exceção dos santos mais<br />

notáveis, não irradiam nenhum esplendor digno <strong>de</strong> uma criatura totalmente sobrenatural,<br />

eles não se diferenciam dos outros homens. Como classe, os homens convertidos não se<br />

distingu<strong>em</strong> dos naturais.<br />

A “escala <strong>de</strong> excelência espiritual” mostra diferenças contínuas entre os<br />

homens. Além disso, esse estado <strong>de</strong> excelência espiritual se mostra relativo <strong>de</strong> pessoa para<br />

pessoa, “quando tocamos nosso próprio limite superior e viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> nosso mais alto<br />

centro <strong>de</strong> energia, pod<strong>em</strong>os dizermo-nos salvos, por mais alto que esteja, <strong>em</strong> relação ao<br />

nosso, o centro <strong>de</strong> outra pessoa. A salvação <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> pequeno será s<strong>em</strong>pre uma<br />

gran<strong>de</strong> salvação e o maior <strong>de</strong> todos os fatos para ele (...). Se arrumarmos mais ou menos os<br />

seres humanos <strong>em</strong> classes, cada uma das quais representando um grau <strong>de</strong> excelência<br />

espiritual, acredito que encontrar<strong>em</strong>os homens naturais e convertidos, tanto repentina como<br />

gradualmente, <strong>em</strong> todas as classes. As formas que a mudança regenerativa produz não têm,<br />

portanto, nenhuma significação espiritual, mas apenas significação psicológica” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

Inevitavelmente surge uma pergunta a essa altura, essa posição diminui a<br />

importância da conversão súbita quando ela ocorre? O próprio James respon<strong>de</strong> a essa<br />

pergunta do seguinte modo, <strong>de</strong> maneira nenhuma. E cita o professor Coe para<br />

compl<strong>em</strong>entar o que ele quer dizer, “o critéiro final dos valores religiosos não é<br />

psicológico, n<strong>em</strong> <strong>de</strong>finível <strong>em</strong> função do como isso acontece, senão algo ético, <strong>de</strong>finível<br />

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apenas <strong>em</strong> função do quê se consegue”. Além disso, ele afirma que a r<strong>em</strong>issão do<br />

fenômeno a um eu subliminal não exclui <strong>de</strong> todo a noção da presença direta da Divinda<strong>de</strong>.<br />

Pois, “assim como nossa consciência primária plenamente <strong>de</strong>sperta nos abre os sentidos<br />

para o toque das coisas materiais, assim também é lógico supor que, se houver agentes<br />

espirituais superiores capazes <strong>de</strong> tocar-nos diretamente, a condição psicológica para que o<br />

façam po<strong>de</strong> ser a nossa posse <strong>de</strong> uma região subconsciente apta a dar-lhes acesso” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>). Por isso a noção <strong>de</strong> subconsciente por certo não <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada exclu<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> toda e qualquer noção <strong>de</strong> um contato superior.<br />

Para encerrar o t<strong>em</strong>a da conversão, serão colocados os sentimentos que estão<br />

presentes no momento <strong>em</strong> que ocorre a conversão. O primeiro a ser notado é justamente o<br />

sentimento <strong>de</strong> controle superior. Esse sentimento seria caracterizado basicamente pela fé<br />

<strong>em</strong> algo superior, a confiança e a entrega total a essa entida<strong>de</strong>. A característica principal<br />

<strong>de</strong>sse sentimento é a perda <strong>de</strong> todas as preocupações, o sentimento <strong>de</strong> que tudo está b<strong>em</strong>, a<br />

paz, a harmonia, a disposição <strong>de</strong> ser. Nos cristãos, a certeza da “graça” <strong>de</strong> Deus, da<br />

“salvação”. Outra característica é o sentimento <strong>de</strong> perceber verda<strong>de</strong>s que antes não eram<br />

conhecidas.<br />

Mas o mais característico <strong>de</strong> todos os el<strong>em</strong>entos da crise <strong>de</strong> conversão é o<br />

êxtase da felicida<strong>de</strong> produzida. Essa felicida<strong>de</strong> é um estado tão profundo <strong>de</strong> graça que os<br />

sujeitos que a experienciam dificilmente consegu<strong>em</strong> retratar o que sent<strong>em</strong>. Apenas para<br />

ilustrar esse sentimento vou transcrever um trecho do relato do Presi<strong>de</strong>nte Finney contido<br />

no livro “As varieda<strong>de</strong>s da experiência religiosa” <strong>de</strong> James: “Todos os meus sentimentos<br />

pareciam elevar-se e transbordar; e o meu coração dizia, ‘Quero <strong>de</strong>rramar toda a minha<br />

alma aos pés <strong>de</strong> Deus’. A elevação da minha alma era tão gran<strong>de</strong> que me precipitei para a<br />

sala dos fundos do escritório, a fim <strong>de</strong> rezar” (apud James, 1995). O relato continua<br />

mostrando a experiência que o Presi<strong>de</strong>nte Finney teve.<br />

A última consi<strong>de</strong>ração a ser feita diz respeito à questão da transitorieda<strong>de</strong> ou<br />

permanência das conversões repentinas. Mesmo que essas conversões repentinas não sejam<br />

duradouras, o que importa é a natureza e a qualida<strong>de</strong> das mudanças <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> caráter<br />

para níveis mais altos. James faz uma analogia com o amor que, mesmo inconstante, revela<br />

novos vôos e arrancadas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alismo enquanto dura. O que constitui a importância da<br />

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conversão “é o fato <strong>de</strong> mostrar a um ser humano, n<strong>em</strong> que seja por um breve lapso <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>po, o ponto culminante da sua capacida<strong>de</strong> espiritual – uma importância que<br />

reincidências o erro não pod<strong>em</strong> diminuir, mas que a persistência po<strong>de</strong> aumentar” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

2.6 – A santida<strong>de</strong> e seu valor<br />

Depois <strong>de</strong> ter passado pela conversão, chegamos ao ponto on<strong>de</strong> é preciso<br />

mostrar quais são os frutos práticos das conversões para a vida. Isso po<strong>de</strong> ser dividido <strong>em</strong><br />

duas etapas distintas, uma é <strong>de</strong>screver os frutos da vida religiosa, a outra é julgá-los.<br />

Pass<strong>em</strong>os então para a primeira tarefa.<br />

Inicialmente, seria útil fazer uma reflexão a respeito das diferenças entre os<br />

homens. Quais são as condições internas que pod<strong>em</strong> fazer um caráter humano diferir tanto<br />

<strong>de</strong> outro? A resposta que James oferece é a <strong>de</strong> que “as causas da diversida<strong>de</strong> humana<br />

resid<strong>em</strong> sobretudo <strong>em</strong> nossas diferentes suscetibilida<strong>de</strong>s para a excitação <strong>em</strong>ocional e nos<br />

diferentes impulsos e inibições que elas traz<strong>em</strong> <strong>em</strong> seu cortejo” (id<strong>em</strong>, ibid<strong>em</strong>). De um<br />

modo geral, a nossa atitu<strong>de</strong> moral e prática é s<strong>em</strong>pre resultante <strong>de</strong> dois conjuntos <strong>de</strong> forças<br />

que atuam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, os impulsos e as inibições. Os impulsos são aqueles que nos<br />

impel<strong>em</strong> a fazer algo, nos <strong>em</strong>purram para uma direção, nos impulsionam para algum lugar.<br />

Enquanto que as inibições são aquelas que nos retêm.<br />

Mas uma gran<strong>de</strong> excitação <strong>em</strong>ocional po<strong>de</strong> romper com todas as inibições.<br />

Quando uma <strong>em</strong>oção se torna muito forte a ponto <strong>de</strong> quase explodir ela é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrubar<br />

as inibições que vão contra ela, esse sentimento dominante sufoca todos os outros<br />

sentimentos que pod<strong>em</strong> surgir. Nos homens é muito freqüente esse tipo <strong>de</strong> episódio e são<br />

fáceis <strong>de</strong> se l<strong>em</strong>brar muitos ex<strong>em</strong>plos, mas James cita um ex<strong>em</strong>plo com animais<br />

particularmente interessante que citarei na íntegra:<br />

“Num dos seus discursos, Henry Drummond fala <strong>de</strong> uma inundação na<br />

Índia, on<strong>de</strong> uma <strong>em</strong>inência encimada por um bangalô permaneceu in-submersa<br />

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e passou a ser o refúgio <strong>de</strong> certo número <strong>de</strong> animais selvagens e répteis <strong>em</strong><br />

adição aos seres humanos que lá se achavam. Em certo momento, um tigre real<br />

<strong>de</strong> Bengala veio nadando para o bangalô, alcançou-o e <strong>de</strong>ixou-se ficar no chão,<br />

no meio das pessoas, ofegando como um cachorro, presa ainda <strong>de</strong> tamanha<br />

agonia <strong>de</strong> terror que um dos ingleses teve t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> aproximar-se calmamente<br />

com uma carabina e estourar-lhe os miolos. A ferocida<strong>de</strong> habitual do tigre fora<br />

t<strong>em</strong>porariamente sufocada pela <strong>em</strong>oção do medo, que se tornou soberana e<br />

formou um novo centro para o seu caráter” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Muitas vezes, nenhum estado <strong>em</strong>ocional é soberano, muitos estados se<br />

misturam uns aos outros on<strong>de</strong> impulsos e inibições se anulam. Nesse caso o sujeito vacila<br />

<strong>em</strong> que <strong>de</strong>cisão tomar. Mas existe um limite <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> que a <strong>em</strong>oção po<strong>de</strong> atingir que<br />

ela se sobrepõe sobre todas as outras e afugenta todas as antagonistas e as inibições. Dentro<br />

<strong>de</strong>sses sentimentos, o mais efetivo para anular as inibições é a raiva, o ódio. Nada aniquila<br />

uma inibição <strong>de</strong> maneira tão irresistível quanto a raiva.<br />

Até então estamos apenas nas alterações t<strong>em</strong>porárias produzidas por gran<strong>de</strong>s<br />

excitações <strong>em</strong> cada pessoa. Mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da pessoa, essas alterações pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong><br />

modo <strong>de</strong>finitivo. Em algumas pessoas o que parece ser apenas transitório po<strong>de</strong> ser, para<br />

outras, permanente. Depen<strong>de</strong> apenas da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimento supressor das inibições.<br />

Pass<strong>em</strong>os agora para o hom<strong>em</strong> religioso. O hom<strong>em</strong> religioso age <strong>de</strong> acordo com<br />

seu entusiasmo espiritual, não por seu eu carnal <strong>de</strong> anteriormente. “O novo ardor que lhe<br />

inflama o peito consome <strong>em</strong> seu brilho os ‘nãos’ que dantes o sitiavam, e mantêm-no imune<br />

à infecção <strong>de</strong> toda a porção rastejante da sua natureza” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Sendo que essas<br />

conversões, como mostrado na sessão anterior, se mostram até certo ponto permanentes. O<br />

que implica numa mudança total no sujeito que a experiencia. Nesses casos é difícil não<br />

crer que as influências subliminais <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel <strong>de</strong>cisivo nessas mudanças, <strong>em</strong><br />

muitos indivíduos, essas influências são prerrogativas para uma mudança estável.<br />

O nome que James dá aos frutos religiosos sobre um caráter é Santida<strong>de</strong>. O<br />

caráter santo é aquele que t<strong>em</strong> como seu centro <strong>de</strong> energia pessoal as <strong>em</strong>oções espirituais.<br />

As características fundamentais da santida<strong>de</strong> são:<br />

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“1. Uma sensação <strong>de</strong> achar-se numa vida mais ampla do que a dos<br />

interessezinho egoístas <strong>de</strong>ste mundo; e uma convicção, não meramente<br />

intelectual, mas por assim dizer, sensível, da existência <strong>de</strong> um Po<strong>de</strong>r I<strong>de</strong>al. Na<br />

santida<strong>de</strong> cristã, esse po<strong>de</strong>r é s<strong>em</strong>pre personificado pro Deus; mas i<strong>de</strong>ais morais<br />

abstratos, utopias cívicas ou patrióticas ou visões internas <strong>de</strong> santida<strong>de</strong> ou<br />

direito também se pod<strong>em</strong> sentir como os verda<strong>de</strong>iros senhores e ampliadores da<br />

nossa vida, segundo as maneiras que <strong>de</strong>screvi na conferência sobre a Realida<strong>de</strong><br />

do Invisível.<br />

“2. Um sentido da continuida<strong>de</strong> amistosa do po<strong>de</strong>r i<strong>de</strong>al com a nossa<br />

vida, e um abandono solícito ao seu controle.<br />

“3. Uma alegria e uma liberda<strong>de</strong> imensas, à proporção que os contornos<br />

da individualida<strong>de</strong> limitadora se <strong>de</strong>rret<strong>em</strong>.<br />

“4. Uma transferência do centro <strong>em</strong>ocional pra afeições amantes e<br />

harmoniosas, na direção do ‘sim, sim’, e para longe do ‘não’, no que diz<br />

respeito às pretensões do não-ego” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Essas condições internas têm conseqüências práticas muito características:<br />

a – Ascetismo: quando a renúncia <strong>de</strong> si mesmo se torna tão extr<strong>em</strong>a que se<br />

transforma <strong>em</strong> um auto sacrifício, as inibições da carne são <strong>de</strong> tal forma dominadas que o<br />

santo encontra o prazer positivo no sacrifício e no ascetismo, que expressam o grau <strong>de</strong> sua<br />

lealda<strong>de</strong> ao po<strong>de</strong>r superior. Exist<strong>em</strong> três ramos menores <strong>de</strong> mortificação, a castida<strong>de</strong>, a<br />

obediência e a pobreza.<br />

b – Força da alma: o sentido do alargamento da vida se eleva tanto que os<br />

motivos e inibições pessoais se tornam insignificantes, os t<strong>em</strong>ores e as ansieda<strong>de</strong>s são<br />

substituídos pela equanimida<strong>de</strong> b<strong>em</strong>-aventurada.<br />

c – Pureza: aumenta a sensibilida<strong>de</strong> às discórdias espirituais e torna-se<br />

imperativo limpar a existência <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos brutais e sensuais.<br />

d – Carida<strong>de</strong>: o santo ama os inimigos e trata como irmãos a todos.<br />

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Posto isso, pass<strong>em</strong>os agora à tarefa <strong>de</strong> julgar esses fenômenos, os frutos da<br />

religiosida<strong>de</strong>. Em poucas palavras, o que James se propõe a fazer é “experimentar a<br />

santida<strong>de</strong> à luz do bom senso, usar critérios humanos para ajudar-nos a <strong>de</strong>cidir até on<strong>de</strong> a<br />

vida religiosa se recomenda como tipo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> humana. Se ela se recomendar,<br />

quaisquer crenças teológicas que possam inspirá-la, na medida <strong>em</strong> que o fizer<strong>em</strong>, serão<br />

acreditadas. Se não, serão <strong>de</strong>sacreditadas, e tudo isso com referência apenas a princípios<br />

humanos <strong>de</strong> trabalho” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Uma das coisas mais importantes, é que a <strong>religião</strong> não está livre da acusação <strong>de</strong><br />

que o excesso <strong>de</strong> zelo ou o fanatismo são um dos seus riscos. A <strong>religião</strong> está sujeita à<br />

corrupção pelo excesso. Ele po<strong>de</strong> ser entendido como sendo unilateralida<strong>de</strong> e falta <strong>de</strong><br />

equilíbrio. Para que exista equilíbrio, nenhuma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser d<strong>em</strong>asiado forte, pois se<br />

houver, haverá predominância <strong>de</strong>ssa característica mais forte. Na vida dos santos, as<br />

faculda<strong>de</strong>s espirituais são fortes, mas examinando b<strong>em</strong>, o excesso costuma aparecer quando<br />

há uma <strong>de</strong>ficiência relativa do intelecto. Isso po<strong>de</strong> ser encontrado <strong>em</strong> todos os atributos dos<br />

santos, <strong>de</strong>voto amor a Deus, pureza, carida<strong>de</strong>, ascetismo, todos pod<strong>em</strong> <strong>de</strong>sencaminhar.<br />

Começando pela Devoção. Quando <strong>em</strong> excesso po<strong>de</strong> receber o nome <strong>de</strong><br />

Fanatismo, que não passa <strong>de</strong> uma lealda<strong>de</strong> levada a um extr<strong>em</strong>o convulsivo. Quando uma<br />

mente se vê presa a um sentimento <strong>de</strong> que certa pessoa sobre-humana merece a sua<br />

<strong>de</strong>voção exclusiva, uma das coisas que po<strong>de</strong> acontecer é a pessoa i<strong>de</strong>alizar a própria<br />

<strong>de</strong>voção, a compreensão dos méritos do ídolo passa a ser consi<strong>de</strong>rada o único gran<strong>de</strong><br />

mérito do adorador. A conseqüência principal disso é que o fanático começa a lutar pela<br />

honra <strong>de</strong> sua divinda<strong>de</strong>, e os inimigos da divinda<strong>de</strong> começam a ser confundidos. Ex<strong>em</strong>plos<br />

disso são as cruzadas quando são pregadas, chacinas instigadas pelo simples motivo <strong>de</strong> uma<br />

ligeira <strong>de</strong>satenção para com o Deus.<br />

Isso é o que acontece quando se encontra a <strong>de</strong>voção no caráter dominador e<br />

agressivo. Em caráter <strong>de</strong>licado, a <strong>de</strong>voção intensa e o intelecto fraco tend<strong>em</strong> a fazer uma<br />

absorção imaginativa no amor <strong>de</strong> Deus com a exclusão <strong>de</strong> todos os interesses humanos<br />

práticos. “Uma mente excessivamente estreita só t<strong>em</strong> espaço para uma espécie <strong>de</strong> afeição.<br />

Quando o amor <strong>de</strong> Deus toma posse <strong>de</strong> uma mente assim, expulsa dali todos os amores e<br />

usos humanos” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). James chama essa condição <strong>de</strong> teopática. Esse é um tipo <strong>de</strong><br />

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santida<strong>de</strong> que se mostra <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medida inútil, pois o santo nesse caso se abstém <strong>de</strong><br />

todas as suas tarefas terrenas e não consegue mais viver <strong>em</strong> socieda<strong>de</strong>. Passa a ser um fardo<br />

para aqueles que estão à sua volta, por se mostrar superficial e pouco edificante.<br />

A próxima virtu<strong>de</strong> <strong>em</strong> excesso a ser tratada é a Pureza. Em personagens<br />

teopáticos, o amor <strong>de</strong> Deus não po<strong>de</strong> se misturar com nenhum outro. Mesmo parentes ou<br />

amigos são consi<strong>de</strong>rados distrações que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser eliminadas, pois a sensibilida<strong>de</strong> e a<br />

estreiteza, quando juntas, requer<strong>em</strong> um mundo simplificado on<strong>de</strong> possam morar. Essa<br />

mente extr<strong>em</strong>amente sensível a discórdias íntimas, abrirá mão <strong>de</strong> todas as relações<br />

exteriores por interferir<strong>em</strong> com a absorção da consciência nas coisas espirituais. “Os<br />

divertimentos vão primeiro, <strong>de</strong>pois a ‘socieda<strong>de</strong>’ convencional, <strong>de</strong>pois os negócios, <strong>de</strong>pois<br />

as obrigações familiares, até chegar, por fim, à reclusão, com uma subdivisão do dia <strong>em</strong><br />

horas para <strong>de</strong>terminados atos religiosos, a única coisa que po<strong>de</strong> ser tolerada. As vidas dos<br />

santos constitu<strong>em</strong> uma história <strong>de</strong> sucessivas renúncias <strong>de</strong> complicações, <strong>em</strong> que são postas<br />

<strong>de</strong> lado, uma <strong>de</strong>pois da outra, todas as formas <strong>de</strong> contacto com a vida externa, para salvar a<br />

pureza do tom interior” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Chegamos agora aos excessos <strong>de</strong> ternura e carida<strong>de</strong>. A santida<strong>de</strong> é acusada <strong>de</strong><br />

preservar os inaptos e alimentar os parasitos e mendigos. A questão é se o santo t<strong>em</strong> razão<br />

quando diz “ame seus inimigos” e realmente é possuidor <strong>de</strong> um grau mais profundo da<br />

verda<strong>de</strong>, ou são os homens que olham para essa atitu<strong>de</strong> com um certo grau <strong>de</strong> impaciência é<br />

que t<strong>em</strong> razão para isso. Não é possível <strong>de</strong> se obter uma resposta simples, a vida moral é<br />

complexa e o modo como os fatos e i<strong>de</strong>ais se entrelaçam é um mistério.<br />

A conduta perfeita é uma relação <strong>de</strong> três termos: aquele que age, os objetivos<br />

que o mov<strong>em</strong> a agir e os recipientes da ação. Para que a ação seja consi<strong>de</strong>rada perfeita, os<br />

três termos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser apropriados um ao outro. Portanto, a conduta do hom<strong>em</strong> perfeito só<br />

parecerá perfeita se o ambiente foi perfeito, ela não se adaptará convenient<strong>em</strong>ente a<br />

nenhum ambiente inferior. Consi<strong>de</strong>rando o mundo real tal como ele é, a ternura e a<br />

carida<strong>de</strong> pod<strong>em</strong> muito b<strong>em</strong> ser manifestadas <strong>em</strong> excesso. Porém, há <strong>de</strong> convir que se o<br />

mundo não possuísse pessoas que manifestass<strong>em</strong> esse tipo <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>, ele seria um mundo<br />

b<strong>em</strong> pior. Existindo da maneira como exist<strong>em</strong>, os santos pod<strong>em</strong> ser inspiradores das<br />

pessoas, eles pod<strong>em</strong> manifestar nas pessoas o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> dignos.<br />

39


Então, mesmo que o santo possa momentaneamente <strong>de</strong>sperdiçar a própria<br />

ternura e ser vítima da febre caritativa que o consome, a função geral da sua carida<strong>de</strong> na<br />

evolução social é vital e essencial. Se as coisas têm <strong>de</strong> se mover s<strong>em</strong>pre para cima, alguém<br />

<strong>de</strong>ve estar disposto a dar o primeiro passo e assumir o risco. Qu<strong>em</strong> não estiver disposto a<br />

assumir esse risco não po<strong>de</strong>rá dizer se esses métodos serão ou não b<strong>em</strong> sucedidos. E<br />

quando esses métodos são b<strong>em</strong> sucedidos, eles são muito mais b<strong>em</strong> sucedidos que a força<br />

ou a prudência mundanas.<br />

“A força <strong>de</strong>strói os inimigos; e a melhor coisa que se po<strong>de</strong> dizer da<br />

prudência é que conserva o que já t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> segurança. Mas a não-resistência<br />

b<strong>em</strong>-sucedida transforma inimigos <strong>em</strong> amigos; e a carida<strong>de</strong> regenera seus<br />

objetivos. Esses métodos santos, como eu já disse, são energias criativas; e os<br />

santos genuínos encontram na excitação elevada <strong>de</strong> que a fé os dota uma<br />

autorida<strong>de</strong> e uma impressionabilida<strong>de</strong> que os tornam irresistíveis <strong>em</strong> situações<br />

que homens <strong>de</strong> natureza mais superficial não consegu<strong>em</strong> resolver s<strong>em</strong> o<br />

<strong>em</strong>prego da prudência mundana. Essa prova prática <strong>de</strong> que a sabedoria<br />

mundana po<strong>de</strong> ser transcendida com segurança é o presente mágico do santo<br />

para o mundo” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

O próximo tópico a ser discutido é o Ascetismo. Essa é uma virtu<strong>de</strong> que s<strong>em</strong><br />

sombra <strong>de</strong> dúvida está sujeita ao excesso. A primeira consi<strong>de</strong>ração a ser feita a respeito<br />

<strong>de</strong>ssa virtu<strong>de</strong>, é que ela é pregada como uma forma <strong>de</strong> se mostrar <strong>em</strong>ancipado da carne,<br />

mas aquele que estiver genuinamente <strong>em</strong>ancipado da carne, os prazeres e as dores, a<br />

abundância e a privação serão igualmente irrelevantes e indiferentes. Po<strong>de</strong>-se experimentar<br />

prazeres s<strong>em</strong> o receio da corrupção. Nesse sentido, a mortificação do corpo praticada pelos<br />

ascetas se mostra <strong>de</strong> todo s<strong>em</strong> sentido.<br />

Mas fazendo uma análise mais cuidadosa, pod<strong>em</strong>os verificar que essa conduta<br />

do ascetismo po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada com a i<strong>de</strong>ologia dos nascidos duas vezes. Simboliza a<br />

crença <strong>de</strong> que existe um el<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> mal verda<strong>de</strong>iro neste mundo, mal que não <strong>de</strong>ve ser<br />

<strong>de</strong>sprezado n<strong>em</strong> evitado, senão enfrentado frontalmente e superado por um apelo aos<br />

40


ecursos heróicos da alma e neutralizado e purificado pelo sofrimento. O ascetismo t<strong>em</strong> o<br />

mesmo princípio, acompanhando a maneira mais profunda <strong>de</strong> lidar com a dádiva da<br />

existência. Então parece justo que ele não seja simplesmente ignorado, mas t<strong>em</strong> que ser<br />

trabalhado a fim <strong>de</strong> transformar os seus frutos <strong>em</strong> algo útil. “O culto do luxo e da riqueza<br />

materiais, que constitui tão gran<strong>de</strong> porção do ‘espírito’ da nossa época, por ex<strong>em</strong>plo, não<br />

explica, até certo ponto a ef<strong>em</strong>inação e a <strong>de</strong>svirilização? O modo exclusivamente simpático<br />

e faceto com que se educa a maioria das crianças nos dias que corr<strong>em</strong> – tão diferente da<br />

educação <strong>de</strong> centena <strong>de</strong> anos atrás, sobretudo nos centros evangélicos – não terá por<br />

conseqüência, <strong>em</strong> que pese às suas muitas vantagens, certa ausência <strong>de</strong> fibra? Não haverá<br />

por certo alguns pontos <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> uma disciplina ascética renovada?” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>)<br />

Primeiramente, talvez po<strong>de</strong>riam haver alternativas além do ascetismo, como o<br />

militarismo, o atletismo, etc. De fato, a guerra e a aventura imped<strong>em</strong> que os seus<br />

participantes se comport<strong>em</strong> com d<strong>em</strong>asiada <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za. Nessas situações os esforços e as<br />

ações são tão vigorosos que qualquer <strong>de</strong>sconforto, a fome, a dor, o frio, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ter<br />

qualquer função dissuasiva, seja ela qual for.<br />

Mas quando comparados, os santos e os militares, são encontradas diferenças<br />

muito acentuadas <strong>em</strong> todos os concomitantes espirituais. Enquanto o militar se mostra<br />

bárbaro d<strong>em</strong>ais, selvag<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ais, cruel d<strong>em</strong>ais; o santo se mostra diametralmente o<br />

oposto. O soldado t<strong>em</strong> sua vida voltada somente para a <strong>de</strong>struição e nada mais que isso.<br />

Mas será que essa organização complexa <strong>de</strong> irracionalida<strong>de</strong> e crime é a única saída contra a<br />

ausência <strong>de</strong> fibra? Quando feita essa pergunta, o ascetismo passa a ser visto <strong>de</strong> uma<br />

maneira mais con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte. É preciso <strong>de</strong>scobrir um equivalente social à guerra, algo que<br />

caracterize a vida estrênua, algo que possa ser heróico, que seja tão universal quanto a<br />

guerra e que no entanto seja compatível com o eu espiritual. Uma alternativa é a pobreza.<br />

“A pobreza, <strong>de</strong> feito, é a vida estrênua – s<strong>em</strong> charangas, n<strong>em</strong> uniformes,<br />

n<strong>em</strong> aplausos populares histéricos, n<strong>em</strong> mentiras, n<strong>em</strong> circunlóquios; e quando<br />

v<strong>em</strong>os o modo com que a acumulação <strong>de</strong> riquezas entra como i<strong>de</strong>al nos<br />

próprios ossos e tutanos da nossa geração, perguntamos a nós mesmos se uma<br />

revivescência da crença <strong>de</strong> que a pobreza é uma digna vocação religiosa não<br />

41


po<strong>de</strong> ser ‘a transformação da corag<strong>em</strong> militar’ e a reforma espiritual <strong>de</strong> que<br />

tanto precisa o nosso t<strong>em</strong>po” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

O medo à pobreza é uma característica marcante na socieda<strong>de</strong> capitalista, on<strong>de</strong><br />

se pensa somente <strong>em</strong> dinheiro, acumular bens e somos julgados pelo que t<strong>em</strong>os e não pelo<br />

que somos. Esse <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> acumular bens e o medo <strong>de</strong> perdê-los são os maiores geradores<br />

<strong>de</strong> covardia e corrupção. Pensando nisso, o <strong>de</strong>sapego aos bens materiais serviria para<br />

<strong>de</strong>dicarmo-nos a causas impopulares, a causa ficaria com o fundo <strong>de</strong> que necessita, mas nós<br />

seríamos po<strong>de</strong>rosos na proporção <strong>em</strong> que nos contentáss<strong>em</strong>os com a pobreza. Essa posição<br />

<strong>de</strong>ve ser levada <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração pois o medo da pobreza é a pior doença moral entre as<br />

classes cultas da socieda<strong>de</strong> capitalista.<br />

Dito tudo isso, chegou o momento <strong>de</strong> fazer as conclusões gerais sobre o assunto<br />

da santida<strong>de</strong>, l<strong>em</strong>brando que ela seria julgada pelos seus frutos. O conjunto dos atributos<br />

dos santos é combinado <strong>de</strong> tal forma que ele se caracteriza inevitavelmente é religioso, pois<br />

parece fluir do sentido do divino como seu centro psicológico. Isso proporciona com que<br />

ele extraia uma significação infinita da sua relação com uma ord<strong>em</strong> divina invisível,<br />

conferindo uma <strong>de</strong>nominação superior <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e uma firmeza <strong>de</strong> alma com a qual<br />

nenhuma outra po<strong>de</strong> comparar-se. James caracteriza os frutos da santida<strong>de</strong> da seguinte<br />

forma:<br />

“Nas relações sociais sua utilida<strong>de</strong> é ex<strong>em</strong>plar; ele é fértil <strong>em</strong> impulsos<br />

para ajudar; sua ajuda é tanto interna quanto externa, pois sua simpatia alcança<br />

não somente almas mas também corpos, e neles acen<strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s inesperadas.<br />

Em vez <strong>de</strong> colocar a felicida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> os homens comuns costumam colocá-la,<br />

no conforto, ele a coloca num tipo mais alto <strong>de</strong> excitação interior, que converte<br />

os <strong>de</strong>sconfortos <strong>em</strong> fontes <strong>de</strong> alegria e anula a infelicida<strong>de</strong>. Por isso, não vira as<br />

costas a nenhuma tarefa, por ingrata que seja. E quando estamos precisados <strong>de</strong><br />

assistência, pod<strong>em</strong>os ter certeza <strong>de</strong> que, mais do que qualquer outra pessoa, o<br />

santo nos esten<strong>de</strong>rá a mão. Finalmente, sua humilda<strong>de</strong> e suas tendências<br />

ascéticas salvam-no das mesquinhas pretensões pessoais que tanto obstru<strong>em</strong> o<br />

42


nosso intercâmbio social ordinário, e sua pureza nos dá um hom<strong>em</strong> limpo por<br />

companheiro. Felicida<strong>de</strong>, pureza, carida<strong>de</strong>, paciência, severida<strong>de</strong> consigo<br />

mesmo – todas são esplêndidas excelências, e o santo, entre todos os homens, é<br />

o que as manifesta na medida mais completa possível” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Mas n<strong>em</strong> todas essas coisas juntas tornam os santos infalíveis, quando<br />

relacionados com a estreiteza da mente, eles pod<strong>em</strong> cair nos excessos como visto<br />

anteriormente. Certamente, não é apenas aos padrões intelectuais que se <strong>de</strong>v<strong>em</strong> esses erros.<br />

Muito se <strong>de</strong>ve ao contexto histórico <strong>em</strong> que o santo está inserido. Todo ato santo é santo <strong>em</strong><br />

apenas um <strong>de</strong>terminado período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>pois disso, os atos que serão valorizados não<br />

serão mais os mesmos, e eles t<strong>em</strong> que viver sua santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordo com o comportamento<br />

vigente da época.<br />

Existe também a questão <strong>de</strong> que tipo <strong>de</strong> pessoa seria a i<strong>de</strong>al, o hom<strong>em</strong> forte ou<br />

o santo. O hom<strong>em</strong> forte teve sua importância histórica representada nos chefes <strong>de</strong> tribo, os<br />

quais são os tiranos <strong>em</strong> potencial (ou reais). Nas guerras intermináveis daquele t<strong>em</strong>po, os<br />

chefes eram absolutamente indispensáveis à sobrevivência da tribo. Na visão <strong>de</strong>sse hom<strong>em</strong><br />

forte, o santo pareceria apenas um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> vitalida<strong>de</strong> insuficiente, e sua prepon<strong>de</strong>rância<br />

colocaria <strong>em</strong> risco o tipo humano. Qual então é o tipo mais i<strong>de</strong>al, o santo ou o hom<strong>em</strong><br />

forte?<br />

Há muito t<strong>em</strong>po t<strong>em</strong>-se julgado que po<strong>de</strong> haver um tipo intrinsecamente i<strong>de</strong>al<br />

<strong>de</strong> caráter humano. Imagina-se que um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> hom<strong>em</strong> seja o melhor <strong>de</strong><br />

maneira absoluta, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer situação. “De acordo com a filosofia <strong>em</strong>pírica,<br />

no entanto, todos os i<strong>de</strong>ais são relativos. Seria absurdo, por ex<strong>em</strong>plo, pedir uma <strong>de</strong>finição<br />

do ‘cavalo i<strong>de</strong>al’ enquanto os cavalos <strong>de</strong> carroça e os cavalos <strong>de</strong> corrida, os animais que<br />

transportam crianças e os que carregam os fardos dos comerciantes <strong>de</strong> um lado para outro<br />

for<strong>em</strong> todos diferenciações indispensáveis da função eqüina. Os senhores po<strong>de</strong>rão tomar<br />

por meio-termo um animal para todo serviço, mas ele será inferior a qualquer outro <strong>de</strong> um<br />

tipo mais especializado, numa direção particular” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O mesmo ocorre com<br />

relação à discussão do hom<strong>em</strong> i<strong>de</strong>al, é preciso levar <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o contexto <strong>em</strong> que<br />

essa i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> é analisada.<br />

43


Pensando no i<strong>de</strong>alismo como sendo uma questão <strong>de</strong> adaptação, <strong>em</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> dita “i<strong>de</strong>al”, os santos teriam vantag<strong>em</strong>. Pois uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> todos foss<strong>em</strong><br />

agressivos acabaria por se auto<strong>de</strong>struir pelos atritos internos. Para que haja uma socieda<strong>de</strong><br />

que possa haver pessoas agressivas, é preciso que haja igualmente pessoas não agressivas e<br />

não resistentes. Isso se aproximaria da socieda<strong>de</strong> atual, que não é o que se costuma-se<br />

chamar <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al. Agora, é completamente possível que se conceba uma socieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> não houvesse agressivida<strong>de</strong>, apenas simpatia e justiça. Essa po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rada<br />

uma socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al na medida <strong>em</strong> que todas as coisas boas po<strong>de</strong>riam ser ali realizadas s<strong>em</strong><br />

que haja nenhum atrito. Nessa socieda<strong>de</strong> o santo estaria inteiramente adaptado. Por<br />

conseqüência, o santo po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um hom<strong>em</strong> mais “elevado” que o hom<strong>em</strong> forte,<br />

pois se adaptaria melhor no mais elevado tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> concebível, seja ela possível ou<br />

não.<br />

Portanto, <strong>de</strong> um modo geral o santo t<strong>em</strong> um lugar privilegiado na história pela<br />

análise do método <strong>em</strong>pírico. O grupo piedoso <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s é indispensável para o b<strong>em</strong><br />

estar do mundo. James fecha o assunto com a seguinte mensag<strong>em</strong>: “Sejamos santos,<br />

portanto, se o pu<strong>de</strong>rmos, quer tenhamos êxito, quer não, visível e t<strong>em</strong>poralmente. Mas na<br />

casa <strong>de</strong> nosso Pai há muitas mansões, e cada um <strong>de</strong> nós precisa <strong>de</strong>scobrir por si mesmo o<br />

tipo <strong>de</strong> <strong>religião</strong> e a dose <strong>de</strong> santida<strong>de</strong> que melhor se harmoniza com o que acredita ser<strong>em</strong><br />

seus po<strong>de</strong>res e sente ser<strong>em</strong> sua missão e vocação mais verda<strong>de</strong>iras. Não há garantir triunfos<br />

e não há dar or<strong>de</strong>ns rígidas a indivíduos enquanto seguirmos os métodos da filosofia<br />

<strong>em</strong>pírica” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

2.7 – O misticismo<br />

A experiência religiosa pessoal t<strong>em</strong> sua raiz e seu centro <strong>em</strong> estados místicos <strong>de</strong><br />

consciência. E a primeira pergunta que t<strong>em</strong> que ser feita é: O que significa a expressão<br />

“estados místicos <strong>de</strong> consciência”?<br />

44


Para o uso <strong>em</strong> suas conferências, James propõe simplesmente quatro marcas<br />

que, encontradas numa experiência, permit<strong>em</strong> sejam chamadas <strong>de</strong> místicas. São elas:<br />

inefabilida<strong>de</strong>, qualida<strong>de</strong> noética, transitorieda<strong>de</strong> e passivida<strong>de</strong>.<br />

Um aspecto negativo, a inefabilida<strong>de</strong>, é uma das marcas mais características<br />

que caracteriza um estado místico. “Qu<strong>em</strong> a experimenta diz incontinenti que ela <strong>de</strong>safia a<br />

expressão, que não se po<strong>de</strong> fazer com palavras nenhum relato a<strong>de</strong>quado do seu conteúdo.<br />

Disso se segue que a sua qualida<strong>de</strong> precisa ser experimentada diretamente; não po<strong>de</strong> ser<br />

comunicada n<strong>em</strong> transferida a outros” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Por essa característica, pod<strong>em</strong>os<br />

dizer que os estados místicos se ass<strong>em</strong>elham muito mais com estados <strong>de</strong> sentimento do que<br />

com estados do intelecto.<br />

Mesmo sendo mais parecidos com estados <strong>de</strong> sentimento, os estados místicos<br />

parec<strong>em</strong> ser também “estados <strong>de</strong> conhecimento, estados <strong>de</strong> visão interior dirigida a<br />

profun<strong>de</strong>zas da verda<strong>de</strong> não sondadas pelo intelecto discursivo. São iluminações,<br />

revelações, cheias <strong>de</strong> significado e importância, por mais inarticuladas que continu<strong>em</strong><br />

sendo; e via <strong>de</strong> regra, carregam consigo um senso curioso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> pelo t<strong>em</strong>po<br />

sucessivo” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Apenas esses dois aspectos já permit<strong>em</strong> que um estado seja chamado <strong>de</strong><br />

místico, mas exist<strong>em</strong> ainda duas outras características menos nítidas.<br />

Uma é a transitorieda<strong>de</strong>, os estados místicos não pod<strong>em</strong> ser sustentados por<br />

muito t<strong>em</strong>po. Muitas vezes a sua qualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser apenas imperfeitamente reproduzida<br />

na m<strong>em</strong>ória, mas quando se repet<strong>em</strong> são reconhecidos. E <strong>de</strong> uma ocorrência a outra po<strong>de</strong><br />

ocorrer um contínuo enriquecimento.<br />

A última das características é a passivida<strong>de</strong>. Ela é caracterizada por um<br />

sentimento <strong>em</strong> que a própria vonta<strong>de</strong> está adormecida, e que ele está sendo agarrado e<br />

seguro por uma força superior. Essa última característica liga os estados místicos com o<br />

discurso profético, a escrita automática, o transe mediúnico ou qualquer outro fenômeno<br />

<strong>de</strong>ssa natureza.<br />

Essas quatro características são suficientes para caracterizar um grupo peculiar<br />

<strong>de</strong> estados <strong>de</strong> consciência chamado <strong>de</strong> estados místicos.<br />

45


O rudimento mais simples da experiência mística é o aprofundamento da<br />

significação <strong>de</strong> uma máxima ou fórmula que <strong>de</strong> vez <strong>em</strong> quando nos ocorre. É quando<br />

ouvimos uma frase durante muito t<strong>em</strong>po e apenas entend<strong>em</strong>os o seu verda<strong>de</strong>iro significado<br />

um t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pois, como se a frase passasse a ter um significado mais profundo, mais<br />

tocante. Isso po<strong>de</strong> acontecer não apenas com frases, mas também com palavras, odores,<br />

efeitos da luz sobre algo, entre outras coisas. Um <strong>de</strong>grau mais alto na escala mística se<br />

encontra naquela sensação <strong>de</strong> ter “estado aqui antes” ou <strong>de</strong> ter “visto isso antes”.<br />

Exist<strong>em</strong> também um tipo <strong>de</strong> consciência produzido por intoxicantes e<br />

anestésicos, especialmente pelo álcool. “O po<strong>de</strong>r do álcool sobre o gênero humano <strong>de</strong>ve-se,<br />

por certo, à sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estimular as faculda<strong>de</strong>s místicas da natureza humana,<br />

geralmente pregadas ao solo pelos fatos frios e críticas secas da hora sóbria. A sobrieda<strong>de</strong><br />

diminui, discrimina e diz não; a <strong>em</strong>briaguez expan<strong>de</strong>, une e diz sim. É, com efeito, a gran<strong>de</strong><br />

excitadora da função do Sim no hom<strong>em</strong>” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O mesmo po<strong>de</strong>-se dizer sobre o<br />

éter e o óxido nitroso, principalmente esse último, quando suficient<strong>em</strong>ente diluído no ar,<br />

estimula a consciência mística <strong>de</strong> uma maneira extraordinária. O próprio James relata ter<br />

realizado algumas observações sobre esse aspecto da intoxicação pelo óxido nitroso, e<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então ele permanece com uma conclusão que se tornou inabalável, nas palavras <strong>de</strong>le:<br />

“A nossa consciência <strong>de</strong>sperta normal, a consciência racional como lhe<br />

chamamos, não passa <strong>de</strong> um tipo especial <strong>de</strong> consciência, enquanto que <strong>em</strong> toda<br />

a sua volta, separadas <strong>de</strong>la pela mais fina das telas, se encontram formas<br />

potenciais <strong>de</strong> consciência inteiramente diferentes. Pod<strong>em</strong>os passar a vida inteira<br />

s<strong>em</strong> suspeitar-lhes da existência; basta, porém, que se aplique o estímulo certo<br />

para que, a um simples toque, elas ali se apresent<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua plenitu<strong>de</strong>, tipos<br />

<strong>de</strong>finidos <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong> que têm provavelmente <strong>em</strong> algum lugar o seu campo<br />

<strong>de</strong> aplicação e adaptação” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

E conclui que não se po<strong>de</strong> dar as costas para esse tipo <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> consciência.<br />

E citando vários relatos, mostra como esses estados artificiais da mente se caracterizam<br />

como legítimos estados místicos. Dentro <strong>de</strong>sses relatos, surge a seguinte questão: “Será<br />

46


possível que, naquele momento, eu tenha sentido o que alguns santos disseram ter sentido<br />

s<strong>em</strong>pre, a ind<strong>em</strong>onstrável mas irrefragável certeza <strong>de</strong> Deus?” (Symonds apud James, 1995).<br />

Essa questão traz <strong>de</strong> volta a discussão sobre a súbita compreensão da presença imediata <strong>de</strong><br />

Deus, já discutida na sessão sobre a Realida<strong>de</strong> do Invisível. E é um traço bastante<br />

característico da consciência mística e da chamada “consciência cósmica”.<br />

Exist<strong>em</strong> também aqueles que cultivam metodicamente essa consciência<br />

cósmica ou mística. Hindus, budistas, maometanos e cristãos, todos eles cultivaram<br />

metodicamente. Na Índia, por ex<strong>em</strong>plo, o treinamento da visão mística é conhecido como<br />

Ioga, que significa a união experimental do indivíduo com o divino. James <strong>de</strong>fine a Ioga da<br />

seguinte maneira, “Baseia-se no exercício perseverante; e a dieta, a postura, a respiração, a<br />

concentração intelectual e a disciplina moral variam ligeiramente nos diferentes sist<strong>em</strong>as<br />

que a ensinam. O iogue, ou discípulo, entra na condição <strong>de</strong>nominada Samadhi, e ‘se vê face<br />

a face com fotos que nenhum instinto ou razão o<strong>de</strong> jamais conhecer’” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Os<br />

vedantistas diz<strong>em</strong> que pod<strong>em</strong>os entrar <strong>em</strong> contato esporadicamente com a superconsciência<br />

s<strong>em</strong> a disciplina prévia, mas ela seria impura. A prova <strong>de</strong> pureza acontece <strong>de</strong> forma<br />

<strong>em</strong>pírica, quando os seus frutos são bons para toda a vida.<br />

No cristianismo também encontramos místicos. A base do sist<strong>em</strong>a é a “oração”<br />

ou meditação, a metódica elevação da alma a Deus. A primeira coisa a ser feita na oração é<br />

o <strong>de</strong>sapegar-se da mente <strong>de</strong> sensações externas, pois estas interfer<strong>em</strong> na sua concentração<br />

<strong>em</strong> coisas i<strong>de</strong>ais. Mas não cabe colocar todos os estádios da vida mística cristã, pois essas<br />

experiências po<strong>de</strong>ria ser infinitamente variadas. E o que interessa é o seu valor com relação<br />

à revelação.<br />

Os estados místicos <strong>em</strong> geral apontam para uma direção teórica b<strong>em</strong><br />

perceptível, uma <strong>de</strong>las é o otimismo e a outra é o monismo. A passag<strong>em</strong> da consciência<br />

normal para a consciência mística é como se fosse uma passag<strong>em</strong> do menos para o mais, <strong>de</strong><br />

uma pequenez para uma vastidão, <strong>de</strong> uma agitação para um repouso. E <strong>em</strong>bora esses<br />

estados se dirijam muito mais para o sim do que para o não, é com uma série <strong>de</strong> negativas<br />

que ele é geralmente retratado. Dionísio o Areopagita <strong>de</strong>screve a verda<strong>de</strong> absoluta<br />

exclusivamente por meio <strong>de</strong> negativas.<br />

47


“A causa <strong>de</strong> todas as coisas não é a alma n<strong>em</strong> o intelecto; n<strong>em</strong> t<strong>em</strong><br />

imaginação, opinião, ou razão, ou inteligência; n<strong>em</strong> é razão ou inteligência; não<br />

é falado n<strong>em</strong> pensado. Não é número, n<strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, n<strong>em</strong> magnitu<strong>de</strong>, n<strong>em</strong><br />

pequenez, n<strong>em</strong> igualda<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> similarida<strong>de</strong>, n<strong>em</strong><br />

dissimilarida<strong>de</strong>. Não está <strong>de</strong> pé, n<strong>em</strong> se move, n<strong>em</strong> <strong>de</strong>scansa. ... Não é essência,<br />

n<strong>em</strong> eternida<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po. N<strong>em</strong> o contato intelectual lhe pertence. Não é<br />

ciência n<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>. Não é n<strong>em</strong> mesmo realeza ou sabedoria; não um; não<br />

unida<strong>de</strong>; não divinda<strong>de</strong> ou bonda<strong>de</strong>; n<strong>em</strong> sequer espírito qual o conhec<strong>em</strong>os,”<br />

(tradução <strong>de</strong> T. Davidson, <strong>em</strong> Journal of Speculative Philosophy apud James,<br />

1995)<br />

Mas essa <strong>de</strong>finição feita por negativas não ocorre por a verda<strong>de</strong> ser menor do<br />

que elas, mas por ela ser infinitamente maior. Por isso muitas vezes surg<strong>em</strong> expressões<br />

paradoxais como quando Boehme escreve sobre o Amor Primevo:<br />

“po<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quadamente comparar-se ao Nada, pois é mais profundo do<br />

que qualquer Coisa, e é como nada <strong>em</strong> relação a todas as coisas, visto que não é<br />

compreensível por nenhuma <strong>de</strong>las. E por ser nada respectivamente, está,<br />

portanto, livre <strong>de</strong> todas as coisas e é aquele único b<strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong> não po<strong>de</strong><br />

expressar n<strong>em</strong> pronunciar o que é, não havendo nada a que se possa comparar,<br />

para expressá-lo” (Boehme, 1901 apud James 1995).<br />

A gran<strong>de</strong> consecução mística é a superação <strong>de</strong> todas as barreiras entre o eu e o<br />

divino. No Hinduísmo, no Neoplatonismo, no misticismo cristão, entre outras, todas elas<br />

t<strong>em</strong> como discurso a total unida<strong>de</strong> do hom<strong>em</strong> com Deus, eles se tornam um com o<br />

Absoluto. Em resumo, James caracteriza a os traços gerais da consciência mística da<br />

seguinte maneira: “Ela é, <strong>em</strong> conjunto, panteísta e otimista, ou pelo menos o oposto do<br />

pessimismo. É antinaturalista e se harmoniza melhor com as almas nascidas duas vezes e<br />

com os estados <strong>de</strong> espírito chamados do outros mundo” (James, 1995)<br />

E encerra a conferência sobre o misticismo com a resposta da pergunta:<br />

48


“Fornece ele alguma garantia da verda<strong>de</strong> do renascimento, da<br />

sobrenaturalida<strong>de</strong> e do panteísmo que favorece? (...)<br />

“Em suma, minha resposta é esta, e eu a dividirei <strong>em</strong> três partes:<br />

“1. Estados místicos, quando b<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvidos, geralmente são, e têm<br />

o direito <strong>de</strong> sê-lo, autorida<strong>de</strong>s absolutas sobre os indivíduos que os<br />

experimentam.<br />

“2. Delas não <strong>em</strong>ana autorida<strong>de</strong> alguma que obrigue os que estão fora<br />

lhes aceitar<strong>em</strong> as revelações s<strong>em</strong> nenhuma crítica.<br />

“3. Eles quebram a autorida<strong>de</strong> da consciência não-mística ou<br />

racionalista, que se baseia apenas no intelecto e nos sentidos. Mostram que esta<br />

não passa <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> consciência. Abr<strong>em</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras<br />

or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, nas quais, na medida <strong>em</strong> que alguma coisa <strong>em</strong> nós responda<br />

vitalmente a elas, possamos continuar livr<strong>em</strong>ente a ter fé” (James, 1995).<br />

49


3 – RELIGIÃO E PRAGMATISMO (conclusão)<br />

Depois da exposição sobre o <strong>pragmatismo</strong> e sobre a <strong>religião</strong>, chegou o<br />

momento <strong>de</strong> relacionar esses dois tópicos a fim <strong>de</strong> tirar as conclusões finais <strong>de</strong>sse trabalho.<br />

A exposição da <strong>religião</strong> feita, já apresenta muitos traços da aplicação do <strong>pragmatismo</strong>, na<br />

verda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> quase toda a sua extensão. Mais do que a simples presença do pensamento<br />

pragmático, este <strong>de</strong>termina <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte a posição sustentada diante da <strong>religião</strong>.<br />

A primeira gran<strong>de</strong> implicação do pensamento pragmático sobre a <strong>religião</strong> diz<br />

respeito ao método utilizado por James <strong>em</strong> sua análise, o método <strong>em</strong>pírico. O <strong>em</strong>pirismo é<br />

conhecido como sendo o oposto do racionalismo, e muitas <strong>de</strong>ssas diferenças foram<br />

expostas na primeira parte do trabalho. Mas basicamente, “o racionalismo ten<strong>de</strong> a enfatizar<br />

os universais e a construir os todos anteriormente às partes tanto na ord<strong>em</strong> da lógica como<br />

na do ser. O <strong>em</strong>pirismo, ao contrário, fundamenta a ênfase explanatória na parte, no<br />

el<strong>em</strong>ento, no indivíduo, e trata o todo como uma coleção e o universal como uma<br />

abstração” (James, 1912). A <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> James, então, começa com as partes e faz do todo<br />

um ser <strong>de</strong> segunda ord<strong>em</strong>. É uma filosofia <strong>de</strong> mosaicos, <strong>de</strong> fatos plurais, e não se refer<strong>em</strong> a<br />

estes fatos n<strong>em</strong> a Substâncias às quais eles seriam inerentes, n<strong>em</strong> a uma Mente Absoluta<br />

que os criaria como objetos seus. Mas esse <strong>em</strong>pirismo <strong>de</strong> James difere do <strong>em</strong>pirismo<br />

anterior como o <strong>de</strong> Hume, por isso ele coloca o epíteto radical.<br />

James <strong>de</strong>fine o seu tipo <strong>de</strong> <strong>em</strong>pirismo da seguinte maneira:<br />

“Para ser radical, um <strong>em</strong>pirismo não <strong>de</strong>ve n<strong>em</strong> admitir <strong>em</strong> suas<br />

construções qualquer el<strong>em</strong>ento que não seja diretamente experienciado. Para<br />

esta filosofia, as relações que ligam experiências <strong>de</strong>v<strong>em</strong> elas mesmas ser<br />

relações experienciadas, e qualquer espécie <strong>de</strong> relação experienciada <strong>de</strong>ve ser<br />

consi<strong>de</strong>rada tão ‘real’ quanto qualquer outra coisa no sist<strong>em</strong>a. Os el<strong>em</strong>entos<br />

pod<strong>em</strong>, entretanto, ser redistribuídos, ficando corrigida a colocação original das<br />

coisas, mas na organização filosófica final <strong>de</strong>ve ser encontrado um lugar real<br />

50


para cada espécie <strong>de</strong> coisa experienciada, seja ela termo ou relação” (Id<strong>em</strong><br />

ibid<strong>em</strong>).<br />

Com relação à <strong>religião</strong>, o método <strong>em</strong>pírico se aplicou no sentido <strong>de</strong> estar<br />

avaliando a <strong>religião</strong> através <strong>de</strong> seus frutos. O julgamento sobre a <strong>religião</strong> foi feito s<strong>em</strong><br />

nenhum sist<strong>em</strong>a teológico a priori, e a partir <strong>de</strong> um agregado e juízos fragmentários sobre o<br />

valor <strong>de</strong> algumas experiências, foi <strong>de</strong>cidido que um tipo <strong>de</strong> <strong>religião</strong> foi aprovado ou não<br />

pelos seus frutos.<br />

Abstratamente, pareceria ilógico tentar medir o valor dos frutos <strong>de</strong> uma <strong>religião</strong><br />

<strong>em</strong> termos meramente humanos <strong>de</strong> valor. De que maneira se po<strong>de</strong> medir o valor s<strong>em</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar se existe realmente o Deus que os inspira? Se existe o Deus, a conduta dos<br />

homens para a sua satisfação seria razoável, ela só não seria se Deus não existisse. Mas essa<br />

crença <strong>em</strong> Deus é fruto <strong>de</strong> uma evolução <strong>em</strong>pírica, as divinda<strong>de</strong>s <strong>em</strong> geral eram cultuadas<br />

porque os frutos eram apreciados.<br />

Além da própria existência <strong>de</strong> Deus, também é aplicado o <strong>pragmatismo</strong> aos<br />

atributos <strong>de</strong> Deus. Eles pod<strong>em</strong> ser diferenciados <strong>em</strong> dois tipos diferentes, atributos<br />

metafísicos e atributos morais. Os atributos metafísicos diz<strong>em</strong> respeito a qualida<strong>de</strong>s como a<br />

existência a se <strong>de</strong> Deus, por ex<strong>em</strong>plo; seu repúdio à inclusão num gênero; sua infinida<strong>de</strong><br />

realizada; sua auto-suficiência, seu amor <strong>de</strong> si próprio e sua absoluta felicida<strong>de</strong> <strong>em</strong> si<br />

mesmo; entre outras. Com relação a esses atributos metafísicos, James se pergunta qual<br />

seria a utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas qualida<strong>de</strong>s ser<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>iras para a nossa vida. E conclui que não<br />

t<strong>em</strong> importância nenhuma se eles for<strong>em</strong> verda<strong>de</strong>iros ou não. Nas palavras <strong>de</strong>le, “<strong>de</strong>vo<br />

confessar com franqueza que (...) não posso conceber que tenha a menos importância para<br />

nós, sob o aspecto religioso, que qualquer um <strong>de</strong>les seja verda<strong>de</strong>iro” (James, 1995).<br />

Já os atributos morais estão <strong>em</strong> uma situação totalmente diferente, eles são o<br />

alicerce da vida santa, <strong>de</strong>terminam <strong>de</strong> um modo positivo o medo, a esperança, a<br />

expectativa, etc.<br />

“A santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, por ex<strong>em</strong>plo: sendo santo, Deus só po<strong>de</strong> querer o<br />

b<strong>em</strong>. Sendo onipotente, po<strong>de</strong> assegurar-lhe o triunfo. Sendo onisciente, po<strong>de</strong><br />

51


ver-nos no escuro. Sendo justo, po<strong>de</strong> punir-nos pelo que vê. Sendo amante,<br />

também po<strong>de</strong> perdoar. Sendo inalterável, contamos com ele seguramente. Essas<br />

qualida<strong>de</strong>s entram <strong>em</strong> conexão com a nossa vida e é importantíssimo que<br />

sejamos informados a seu respeito. Que o propósito <strong>de</strong> Deus na criação <strong>de</strong>va ser<br />

a manifestação da sua glória é também um atributo que t<strong>em</strong> relações <strong>de</strong>finidas<br />

com a nossa vida prática. Entre outras coisas, imprimiu um caráter <strong>de</strong>finido ao<br />

culto <strong>em</strong> todos os países cristãos. Se a teologia dogmática realmente prova, s<strong>em</strong><br />

sombra <strong>de</strong> dúvida, que existe um Deus com caracteres como esses, ela po<strong>de</strong><br />

perfeitamente afirmar que fornece uma base sólida ao sentimento religioso”<br />

(Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

A santida<strong>de</strong> também foi avaliada à luz do bom senso, foram utilizados critérios<br />

humanos para ajudar-nos a <strong>de</strong>cidir até on<strong>de</strong> a vida religiosa se recomenda como tipo i<strong>de</strong>al<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> humana. E como foi visto, esse exame <strong>de</strong>ixou a <strong>religião</strong> como um todo <strong>em</strong> um<br />

lugar privilegiado na história.<br />

Usualmente, três el<strong>em</strong>entos são tidos como sendo essenciais na <strong>religião</strong>: o<br />

Sacrifício, a Confissão e a Oração. Comentarei cada um <strong>de</strong>les brev<strong>em</strong>ente.<br />

Os sacrifícios aos <strong>de</strong>uses estão onipresentes no culto primevo, e com o passar<br />

do t<strong>em</strong>po os cultos foram se requintando e os holocaustos e o sangue <strong>de</strong> bo<strong>de</strong>s foram sendo<br />

substituídos por sacrifícios <strong>de</strong> natureza mais espiritual. Na sessão 2.5 <strong>de</strong>sse trabalho, ao<br />

dissertar sobre o ascetismo, mencionei a importância <strong>de</strong>ste como símbolo dos sacrifícios<br />

que a vida exige, todas as vezes que é levada com vigor. Mas como já falei o suficiente<br />

sobre isso anteriormente, não vou me alongar mais.<br />

A exposição sobre a Confissão também será breve, James a <strong>de</strong>fine como<br />

fazendo parte “do sist<strong>em</strong>a geral <strong>de</strong> purgação e limpeza <strong>de</strong> que nos sentimos necessitados<br />

<strong>em</strong> ord<strong>em</strong> a manter relações corretas com a nossa divinda<strong>de</strong>” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). Aquele que se<br />

confessa exterioriza todo o seu lado ruim, não precisando mais manter as aparências e<br />

po<strong>de</strong>ndo viver <strong>em</strong> uma base <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong>.<br />

Finalmente a oração, esse tópico será comentado com menos brevida<strong>de</strong>.<br />

Exist<strong>em</strong> opiniões muito diversas sobre a oração, principalmente com relação à oração para<br />

52


a reabilitação <strong>de</strong> enfermos e para a melhoria do t<strong>em</strong>po. Com relação aos enfermos, quando<br />

um fato médico po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se inabalável, a oração contribui para o restabelecimento e<br />

po<strong>de</strong> até ser estimulada como medida terapêutica, sendo que sua omissão po<strong>de</strong> ser até<br />

<strong>de</strong>letéria. No caso do t<strong>em</strong>po é diferente, sabe-se que os eventos climáticos são antecedidos<br />

<strong>de</strong> eventos físicos e que não se po<strong>de</strong> ir contra eles. Mas a oração peticional é apenas um<br />

<strong>de</strong>partamento da oração, e se a consi<strong>de</strong>rarmos <strong>em</strong> uma concepção mais ampla, significando<br />

todo tipo <strong>de</strong> comunhão ou conversação interior com o po<strong>de</strong>r reconhecido por divino,<br />

ver<strong>em</strong>os facilmente que a crítica científica a <strong>de</strong>ixou intocada.<br />

A oração nessa concepção mais ampla é a própria alma e essência da <strong>religião</strong>.<br />

James cita um francês, Auguste Sabatier, para ilustrara essa posição.<br />

“A <strong>religião</strong> é um intercâmbio, uma relação consciente e voluntária, na<br />

qual ingressou uma alma aflita, com o misterioso po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> e ao<br />

qual o seu <strong>de</strong>stino é contingente. O intercâmbio com Deus realiza-se pela<br />

oração. A oração é a <strong>religião</strong> <strong>em</strong> ato; ou melhor, a oração é a verda<strong>de</strong>ira<br />

<strong>religião</strong>. A oração distingue o fenômeno religiosos dos fenômenos similares ou<br />

vizinhos, como sentimento puramente moral e estético. A <strong>religião</strong> não será nada<br />

se não for o ato vital pelo qual a mente inteira procura salvar-se agarrada ao<br />

princípio do qual tira a sua vida. Esse ato é oração, termo pelo qual não entendo<br />

o vão exercício <strong>de</strong> palavras, n<strong>em</strong> a mera repetição <strong>de</strong> fórmulas sagradas, senão<br />

o próprio movimento da alma, que se coloca numa relação pessoa <strong>de</strong> contato<br />

com o misterioso po<strong>de</strong>r cuja presença sente – po<strong>de</strong> ser até antes que ele tenha<br />

um nome pelo qual possa ser chamado. On<strong>de</strong> quer que falte a oração interior,<br />

não há <strong>religião</strong>; por outro lado, on<strong>de</strong> quer que a oração se eleve e faça fr<strong>em</strong>ir a<br />

alma, mesmo na ausência <strong>de</strong> formas ou doutrinas, t<strong>em</strong>os a <strong>religião</strong> viva”<br />

(Sabatier, 1897 apud James, 1995).<br />

Como um todo, James parece concordar com essa posição adotada por Sabatier.<br />

Estudado como fato interior, o fenômeno religioso mostrou consistir, <strong>em</strong> toda parte e <strong>em</strong><br />

todos os estádios, na consciência que têm os indivíduos <strong>de</strong> um intercâmbio entre eles e<br />

53


po<strong>de</strong>res mais altos com os quais se sent<strong>em</strong> relacionados. Essa relação é compreendida<br />

como ativa e mútua ao mesmo t<strong>em</strong>po. Se ele não for <strong>de</strong> fato efetivo, se não for uma relação<br />

<strong>de</strong> permuta, então a oração, tomada no significado amplo <strong>de</strong> uma sensação <strong>de</strong> que alguma<br />

transação está acontecendo, é um sentimento ilusório. Mas mesmo assim, “na melhor das<br />

hipóteses, quando as experiências diretas <strong>de</strong> oração for<strong>em</strong> excluídas como falsos<br />

test<strong>em</strong>unhos, po<strong>de</strong>rá sobrar uma crença inferencial <strong>em</strong> que toda a ord<strong>em</strong> da existência <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>ter uma causa divina” (James, 1995).<br />

A autenticida<strong>de</strong> da <strong>religião</strong> está, portanto, ligada à questão <strong>de</strong> saber se a<br />

consciência <strong>de</strong>vota é ou não é enganosa. A convicção <strong>de</strong> que algo está genuinamente sendo<br />

transacionada nessa consciência é o verda<strong>de</strong>iro âmago da <strong>religião</strong>. “Através da oração,<br />

insiste a <strong>religião</strong>, realizam-se as coisas que não pod<strong>em</strong> ser realizadas <strong>de</strong> nenhum outro<br />

modo: a energia que, não fora a oração, estaria atada, é <strong>de</strong>satada pela oração e opera <strong>em</strong><br />

alguma parte, objetiva ou subjetiva, do mundo dos fatos” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Tendo exposto todo esse material, pod<strong>em</strong>os agora fazer as conclusões finais do<br />

trabalho. Resumindo da maneira mais ampla possível, James caracteriza as seguintes<br />

crenças:<br />

“1. Que o mundo visível é parte <strong>de</strong> um universo mais espiritual do qual<br />

ele tira sua principal significação;<br />

“2. Que a união ou a relação harmoniosa com esse universo mais<br />

elevado é a nossa verda<strong>de</strong>ira finalida<strong>de</strong>;<br />

“3. Que a oração ou a comunhão interior com o espírito <strong>de</strong>sse universo<br />

mais elevado – seja ele ‘Deus’ ou a ‘lei’ – é um processo <strong>em</strong> que se faz<br />

realmente um trabalho, e <strong>em</strong> que a energia espiritual flui e produz efeitos,<br />

psicológicos ou materiais, <strong>de</strong>ntro do mundo fenomênico.<br />

“A <strong>religião</strong> inclui também as seguintes características psicológicas:<br />

“4. Um novo sabor que se adiciona como dádiva à vida, e que assume a<br />

forma <strong>de</strong> encantamento lírico ou apelo à ve<strong>em</strong>ência e ao heroísmo.<br />

“5. Uma certeza <strong>de</strong> segurança e uma mistura <strong>de</strong> paz e, <strong>em</strong> relação aos<br />

outros, uma prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong> afeições extr<strong>em</strong>osas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

54


Essas características foram retratadas no livro através <strong>de</strong> muitos relatos, que<br />

fizeram com que o livro se enchesse <strong>de</strong> sentimentalismo. Isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que ele<br />

procurou esses relatos no meio <strong>de</strong> extravagâncias do assunto, são ex<strong>em</strong>plos extr<strong>em</strong>os que<br />

foram escolhidos justamente por eles fornecer<strong>em</strong> uma informação mais profunda.<br />

Pensando na varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses relatos, surge a pergunta se <strong>em</strong> todos os homens<br />

estão presentes os mesmos el<strong>em</strong>entos religiosos. Será que a existência <strong>de</strong> tantos tipos, seitas<br />

e credos religiosos é algo lamentável? James respon<strong>de</strong> a essa pergunta com um enfático<br />

“não”. E argumenta que não é possível que criaturas tão diferentes e com po<strong>de</strong>res tão<br />

diferentes como são os seres humanos, ter<strong>em</strong> exatamente as mesmas funções e as mesmas<br />

obrigações. Não há duas pessoas com dificulda<strong>de</strong>s idênticas, cada um vê os fatos e os<br />

probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> um ângulo diferente. Sendo assim, “o divino não po<strong>de</strong> significar uma<br />

qualida<strong>de</strong> única, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> significar um grupo e qualida<strong>de</strong>s, e se diferentes homens for<strong>em</strong><br />

paladinos <strong>de</strong>las alternadamente, po<strong>de</strong>rão todos encontrar missões dignas” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Uma questão que po<strong>de</strong> ser feita a esse respeito é, po<strong>de</strong>ria uma ciência da<br />

<strong>religião</strong> tomar lugar <strong>de</strong> todas as outras religiões como sendo a única <strong>religião</strong> para todos?<br />

Para respon<strong>de</strong>r essa pergunta é preciso explorar alguns pontos.<br />

O primeiro <strong>de</strong>les, é com relação ao conhecimento <strong>de</strong> uma coisa não po<strong>de</strong>r ser a<br />

própria coisa. Essa distinção já foi feita antes <strong>em</strong> outra parte <strong>de</strong>sse texto, mas só para<br />

retomar alguns pontos, “se a <strong>religião</strong> for uma função pela qual a causa <strong>de</strong> Deus ou a causa<br />

do hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>va ser realmente promovida, então aquele que vive a vida <strong>de</strong>la, por mais<br />

estreitamente que a viva, e será um servo melhor do que aquele que apenas sabe a respeito<br />

<strong>de</strong>la, por mais que saiba. O conhecimento da vida é uma coisa; a ocupação efetiva <strong>de</strong> um<br />

lugar na vida, com suas correntes dinâmicas passando através do nosso ser, é outra” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

Por esse motivo, a ciência da <strong>religião</strong> nunca po<strong>de</strong>rá ser um equivalente da<br />

<strong>religião</strong> viva. Além do mais, as ciências da natureza mantém uma distancia tr<strong>em</strong>enda da<br />

<strong>religião</strong>, elas nada sab<strong>em</strong> <strong>de</strong> presenças espirituais. No geral, essas ciências são tão<br />

materialistas que pod<strong>em</strong>os dizer que a sua influência contraria a noção <strong>de</strong> que a <strong>religião</strong><br />

<strong>de</strong>ve ser reconhecida <strong>de</strong> algum modo. E esse pensamento ecoa <strong>de</strong>ntro da própria ciência da<br />

55


eligião, cujo cultivador precisa familiarizar-se com tantas superstições abjetas e horríveis,<br />

que lhe aco<strong>de</strong> facilmente à cabeça a presunção <strong>de</strong> que qualquer crença religiosa é<br />

provavelmente falsa. A conseqüência disso é que as conclusões da ciência das religiões têm<br />

tantas probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> contrárias quantas têm <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> favoráveis à afirmação <strong>de</strong><br />

que a essência da <strong>religião</strong> é verda<strong>de</strong>ira.<br />

Uma característica marcante é que a vida religiosa gira <strong>em</strong> torno do indivíduo, é<br />

o interesse do indivíduo pelo seu <strong>de</strong>stino pessoal. Os <strong>de</strong>uses <strong>em</strong> que as pessoas acreditam<br />

concordam entre si no reconhecimento <strong>de</strong> chamados pessoais. O indivíduo religioso diz que<br />

o divino v<strong>em</strong> ao seu encontro no terreno dos seus interesses pessoais.<br />

Em oposição a isso, a ciência rejeita inteiramente o ponto <strong>de</strong> vista pessoal. “Ela<br />

cataloga os seus el<strong>em</strong>entos e registra as suas leis indiferente ao propósito que possam<br />

manifestar, e constrói suas teorias s<strong>em</strong> curar da relação <strong>de</strong>las com as ansieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>stinos<br />

humanos” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). O Deus que a<strong>de</strong>quava as maiores coisas da natureza aos<br />

caprichos insignificantes das necessida<strong>de</strong>s particulares dos homens não é mais reconhecido,<br />

o único Deus que a ciência po<strong>de</strong>ria reconhecer há <strong>de</strong> ser um Deus exclusivamente <strong>de</strong> leis<br />

naturais. Ele não po<strong>de</strong> acomodar os seus processos à conveniência dos indivíduos.<br />

Mas apesar <strong>de</strong>sse apelo à impessoalida<strong>de</strong> da atitu<strong>de</strong> científica para dar um certo<br />

ar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> espírito, James afirma que a ciência é superficial.<br />

“A razão é que, enquanto lidarmos com o cósmico e o geral, lidar<strong>em</strong>os<br />

apenas com os símbolos da realida<strong>de</strong>, mas logo que lidarmos com fenômenos<br />

privados e pessoais como tais, estar<strong>em</strong>os lidando com realida<strong>de</strong>s no sentido<br />

mais completo do termo”. E continua a explicação. “O mundo da experiência<br />

consiste s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> duas partes, uma objetiva e outra subjetiva; a primeira po<strong>de</strong><br />

ser incalculavelmente mais extensa que a última, mas a última não po<strong>de</strong> ser<br />

omitida n<strong>em</strong> suprimida. (...) os objetos cósmicos, na medida <strong>em</strong> que a<br />

experiência os oferece, são apenas imagens i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> alguma coisa cuja<br />

existência não possuímos interiormente, mas apenas miramos exteriormente, ao<br />

passo que o estado interior é a nossa própria experiência; sua realida<strong>de</strong> e a da<br />

nossa experiência são uma só. (...) Esse sentimento, que não po<strong>de</strong> ser<br />

56


partilhado, e que cada um <strong>de</strong> nós t<strong>em</strong> do valor do seu <strong>de</strong>stino individual,<br />

quando o sente rolando sobre a roda da fortuna, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sacreditado pelo seu<br />

egotismo, ou chasqueado por não ser científico, mas é a única coisa que enche a<br />

medida da nossa realida<strong>de</strong> concreta, e qualquer existência presumida que<br />

carecesse <strong>de</strong>sse sentimento, ou do seu análogo, seria uma peça <strong>de</strong> realida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvida apenas pela meta<strong>de</strong>” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

Se isso for verda<strong>de</strong>, então é um absurdo a ciência dizer que os el<strong>em</strong>entos<br />

individuais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser suprimidos. Toda a realida<strong>de</strong> gira <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>sses el<strong>em</strong>entos,<br />

<strong>de</strong>screver o mundo s<strong>em</strong> eles seria como oferecer um cardápio no lugar <strong>de</strong> uma refeição. A<br />

<strong>religião</strong> jamais comete esse erro, ela po<strong>de</strong> ser egotista e as realida<strong>de</strong>s privadas as quais ela<br />

t<strong>em</strong> contato estreitas, mas ela se mostra infinitamente menos vazia e abstrata, no seu<br />

campo, do que uma ciência que se envai<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> não tomar conhecimento <strong>de</strong> nada<br />

particular. Por esse motivo James t<strong>em</strong> se voltado a reabilitar o el<strong>em</strong>ento sentimental na<br />

<strong>religião</strong>. A individualida<strong>de</strong> funda-se no sentimento, e comparado com esse mundo <strong>de</strong><br />

sentimentos vivos individualizados, o mundo dos objetos generalizados que o intelecto<br />

cont<strong>em</strong>pla não t<strong>em</strong> soli<strong>de</strong>z n<strong>em</strong> vida. Sendo que a <strong>religião</strong> se ocupa com as únicas<br />

realida<strong>de</strong>s absolutas, ela <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar um papel fundamental na história humana.<br />

A conduta humana po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminada tanto pelo pensamento quanto pelo<br />

sentimento. Mas quando se trata da <strong>religião</strong>, os sentimentos têm uma importância<br />

prioritária. E se quisermos apreen<strong>de</strong>r a essência da <strong>religião</strong>, é para os sentimentos que<br />

<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os olhar. O estado <strong>de</strong> fé, do qual os homens religiosos são guiados, contém um<br />

mínimo <strong>de</strong> conteúdo intelectual. E quando um conteúdo intelectual positivo se associa a<br />

esse estado, ele é impregnado na crença, explicando a lealda<strong>de</strong> apaixonada das pessoas<br />

religiosas.<br />

A influência dos estados religiosos subjetivos é tão intensa que eles pod<strong>em</strong> ser<br />

classificados entre as mais importantes funções biológicas humanas. Seu efeito é tão<br />

gran<strong>de</strong>, que não ocorre aos homens indagar o que Deus é, e n<strong>em</strong> mesmo se ele é. Como o<br />

professor Leuba diz, “Deus não é conhecido n<strong>em</strong>, n<strong>em</strong> compreendido; Deus é usado” (apud<br />

57


James, 1995). Se Deus se revela útil, seja como fornecedor <strong>de</strong> alimentos, suporte moral,<br />

amigo ou qualquer outra coisa, a consciência religiosa não pe<strong>de</strong> mais do que isso.<br />

Mas além do ponto <strong>de</strong> vista da mera utilida<strong>de</strong> subjetiva, também cabe indagar<br />

sobre o próprio conteúdo intelectual. Para essa tarefa são feitas duas perguntas: Debaixo <strong>de</strong><br />

toda a varieda<strong>de</strong> e discrepância <strong>de</strong> credos, existe um núcleo comum <strong>de</strong> que eles possam dar<br />

test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> maneira unânime? E <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os consi<strong>de</strong>rar esse test<strong>em</strong>unho como verda<strong>de</strong>iro?<br />

James respon<strong>de</strong> a primeira pergunta afirmativamente e ressalta um certo<br />

julgamento que está presente <strong>em</strong> todas as religiões, esse julgamento se divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> duas<br />

partes: uma inquietu<strong>de</strong>; e sua solução.<br />

A inquietu<strong>de</strong> r<strong>em</strong>ete a um sentimento <strong>de</strong> que existe algo errado a nosso respeito<br />

tal como estamos naturalmente. Enquanto que a sua solução acontece se fizermos uma<br />

conexão apropriada com os po<strong>de</strong>res superiores. Nas mentes mais <strong>de</strong>senvolvidas, o erro<br />

assume um caráter moral e a salvação um toque místico. Na medida <strong>em</strong> que o indivíduo<br />

sofre a conseqüência do seu erro e o critica, ele está consciente da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que<br />

exista além <strong>de</strong>le algo mais elevado e num contato com esse algo. Existe nele, juntamente<br />

com a parte errada, uma parte mais elevada <strong>de</strong> si mesmo. Quando chega na fase da<br />

salvação, o hom<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntifica o seu verda<strong>de</strong>iro eu com essa parte mais elevada <strong>de</strong> si. James<br />

<strong>de</strong>screve esse processo da seguinte maneira: “Torna-se consciente <strong>de</strong> que essa parte mais<br />

elevada é contínua e vizinha <strong>de</strong> um MAIS da mesma qualida<strong>de</strong>, operativo no universo fora<br />

<strong>de</strong>le, e com qu<strong>em</strong> ele po<strong>de</strong> manter um contato ativo e, <strong>de</strong> certo modo, subir a bordo e<br />

salvar-se quando todo o seu ser inferior se houver estraçalhado no naufrágio” (Id<strong>em</strong><br />

Ibid<strong>em</strong>).<br />

A segunda pergunta vai se relacionar com a verda<strong>de</strong> daquele “MAIS da mesma<br />

qualida<strong>de</strong>”. Será que esse “mais” realmente existe ou será apenas a nossa própria noção? Se<br />

existir, <strong>em</strong> que forma existe? Age, além <strong>de</strong> existir? Todas as teologias concordam que esse<br />

“mais” realmente existe, que ele tanto age como existe, e que alguma coisa realmente se<br />

opera para melhor quando atiramos nossa vida <strong>em</strong> suas mãos.<br />

Por fim, James procura conceituar esse “mais” <strong>de</strong> forma a se ajustar com tanta<br />

facilida<strong>de</strong> aos fatos que a lógica científica não encontraria nenhum pretexto para não<br />

reconhecê-lo como verda<strong>de</strong>iro.<br />

58


Para isso, ele i<strong>de</strong>ntifica o “mais” com o “eu subconsciente”. A idéia <strong>de</strong> que<br />

exista algo inconsciente ou subconsciente influindo nos fenômenos religiosos foi exposta<br />

brev<strong>em</strong>ente na sessão sobre conversão. Agora James propõe que o “mais” ao qual na<br />

experiência religiosa nos sentimos ligados é, <strong>em</strong> seu lado mais próximo, a continuação<br />

subconsciente da nossa vida consciente. Desse modo ele explica o fenômeno religioso<br />

através <strong>de</strong> uma base reconhecida pela ciência, e ao mesmo t<strong>em</strong>po justifica a afirmação <strong>de</strong><br />

que o hom<strong>em</strong> religioso é movido por uma força externa. Na vida religiosa sente-se um<br />

controle “superior”, e através <strong>de</strong>ssa hipótese, esse controle v<strong>em</strong> <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s superiores<br />

ocultas <strong>de</strong> nossa própria mente. Assim, o sentido <strong>de</strong> união com o po<strong>de</strong>r além <strong>de</strong> nós é o<br />

sentido <strong>de</strong> alguma coisa que se diria concretamente verda<strong>de</strong>ira.<br />

Mas essa posição é apenas uma porta para a ciência das religiões, e as<br />

dificulda<strong>de</strong>s aparec<strong>em</strong> logo <strong>de</strong>pois que ela é atravessada. Cada <strong>religião</strong> interpretará essa<br />

posição <strong>de</strong> uma maneira diferente, e seguir qualquer uma <strong>de</strong>las seria pelo puro exercício da<br />

própria liberda<strong>de</strong> pessoal. Cada um constrói a sua própria <strong>religião</strong> da maneira mais<br />

congruente com as suas suscetibilida<strong>de</strong>s pessoais, entre as quais as intelectuais representam<br />

um papel <strong>de</strong>cisivo. E conclui, “a pessoa consciente é contínua com um eu mais amplo<br />

através do qual sobrevém a experiência salvadora, um conteúdo positivo <strong>de</strong> experiência<br />

religiosa que, segundo me parece, é literal e objetivamente verda<strong>de</strong>iro <strong>em</strong> toda a sua<br />

extensão” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>).<br />

James <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> ainda a posição <strong>de</strong> que os limites mais distantes do nosso ser<br />

mergulham numa dimensão inteiramente outra do mundo sensível e meramente<br />

“compreensível”. E na medida <strong>em</strong> que os nossos impulsos i<strong>de</strong>ais se originam <strong>de</strong>la, estamos<br />

conectados e ela <strong>em</strong> um sentido muito íntimo. Sendo que essa região produz efeitos nesse<br />

mundo, então ela não é meramente i<strong>de</strong>al. E “como aquilo que produz efeitos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

outra realida<strong>de</strong> precisa ser chamado <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> também, a mim me parece não haver uma<br />

<strong>de</strong>sculpa filosófica para qualificar <strong>de</strong> irreal o mundo invisível ou místico”. A noção <strong>de</strong><br />

Deus segue o mesmo princípio, “Deus é real porque produz efeitos reais” (Id<strong>em</strong> Ibid<strong>em</strong>). E<br />

a maioria dos homens religiosos crê<strong>em</strong> que não só eles, mas todo o universo está a salvo<br />

nas mãos <strong>de</strong> Deus. Deus seria a garantia <strong>de</strong> uma ord<strong>em</strong> i<strong>de</strong>al, que será permanent<strong>em</strong>ente<br />

preservada.<br />

59


As conclusões finais <strong>de</strong> James sobre a exploração religiosa, vista sob a ótica do<br />

<strong>pragmatismo</strong>, estão contidas nos últimos parágrafos <strong>de</strong> seu livro, e tomo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazê-las as minhas próprias conclusões também a respeito <strong>de</strong>sse trabalho.<br />

“Segundo a minha maneira <strong>de</strong> ver, o modo pragmático <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a<br />

<strong>religião</strong> é o mais profundo. Dá-lhe corpo assim como lhe dá alma, fá-lo<br />

reivindicar para si, como tudo o que é real precisa reivindicar, algum reino<br />

característico <strong>de</strong> fatos. O que são os fatos mais caracteristicamente divinos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do influxo real <strong>de</strong> energia no estado <strong>de</strong> fé e no <strong>de</strong> oração,<br />

não sei. Mas a supercrença à qual estou pronto para aventurar-me pessoalmente<br />

é que eles exist<strong>em</strong>. Toda a corrente da minha educação ten<strong>de</strong> a persuadir-me <strong>de</strong><br />

que o mundo da nossa consciência presente é apenas um <strong>de</strong>ntre os inúmeros<br />

mundos <strong>de</strong> consciência que exist<strong>em</strong>, e que esses outros mundos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> conter<br />

experiências providas também <strong>de</strong> um significado para a nossa vida; e que<br />

<strong>em</strong>bora tais experiências e as experiências <strong>de</strong>ste mundo sejam discretas, <strong>em</strong><br />

certos pontos se tornam contínuas, e energias mais elevadas filtram-se até nós.<br />

“Sendo fiel, na medida das minhas pobres forças, a esta supercrença,<br />

dou a impressão a mim mesmo <strong>de</strong> que me mantenho mais são e mais<br />

verda<strong>de</strong>iro. Está visto que posso colocar-me na atitu<strong>de</strong> do cientista sectário e<br />

imaginar vividamente que o mundo das sensações, das leis e dos objetos<br />

científicos po<strong>de</strong> ser tudo. Entretanto, (...) o mundo real t<strong>em</strong>, seguramente, um<br />

t<strong>em</strong>peramento diferente – mais intricadamente construído do que o permite a<br />

ciência física. Nestas circunstâncias, tanto a minha consciência objetiva quanto<br />

a subjetiva me faz<strong>em</strong> abraçar, ambas, estreitamente, a supercrença que<br />

expresso.<br />

“Qu<strong>em</strong> sabe se a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> dos indivíduos aqui <strong>em</strong>baixo às suas<br />

miseráveis supercrenças não seja para ajudar a Deus, na realida<strong>de</strong>, a ser, por seu<br />

turno, mais efetivamente fiel às suas próprias tarefas mais excelsas?” (James,<br />

1995)<br />

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REFERÊNCIAS<br />

JAMES, W. As Varieda<strong>de</strong>s da Experiência Religiosa. São Paulo: Cultrix, 1995.<br />

JAMES, W. Ensaios <strong>em</strong> Empirismo Radical, 1912 In: Coleção Os Pensadores: William<br />

James. São Paulo: Abril Cultural, 1979.<br />

JAMES, W. Pragmatismo, 1907 In: Coleção Os Pensadores: William James. São Paulo:<br />

Abril Cultural, 1979.<br />

JAMES, W. The Varieties of Religious Experience. Cambrige: Harvard, 1985.<br />

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