Quem não ama não mata / Claudio Simões - Ciaateliedasartes.com.br
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QUEM NÃO AMA NÃO MATA.<<strong>br</strong> />
por <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong>
PERSONAGENS (por ordem alfabética)<<strong>br</strong> />
BETH - psicóloga<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - advogada<<strong>br</strong> />
JÚLIA - decoradora<<strong>br</strong> />
JULIANO - advogado<<strong>br</strong> />
LUCINHA - secretária<<strong>br</strong> />
ZÉ - operário<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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Cena 1 - CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
BETH - O que é que está acontecendo aqui?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Isto, eu pergunto.<<strong>br</strong> />
BETH - Essa chácara <strong>não</strong> é sua?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não. Pensei que fosse sua.<<strong>br</strong> />
BETH - Peraí. Nós recebemos um fax seu.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu <strong>não</strong> mandei nada.<<strong>br</strong> />
BETH - Tá aqui: "Reunião, sem falta, hoje, doze de junho"... Ainda especificou a data!<<strong>br</strong> />
Doze de junho.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dia dos namorados.<<strong>br</strong> />
BETH - ... "quatro horas da tarde, na Chácara Felicidade." E um mapa, pra achar o<<strong>br</strong> />
caminho.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Recebi um fax igual. (Mostra.) Alguém queria nos reunir aqui.<<strong>br</strong> />
BETH - <strong>Quem</strong>?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Alguém que desco<strong>br</strong>iu nossas intenções.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Será?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O tubo... Ficou aberto...<<strong>br</strong> />
BETH - Então, foi isso! Alguém ouviu tudo e resolveu nos reunir numa chácara<<strong>br</strong> />
abandonada, longe de tudo, perfeita para...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Uma cilada! Alguém quer nos <strong>mata</strong>r, é isso?<<strong>br</strong> />
BETH - Eu vou embora.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu acho melhor a gente ficar.<<strong>br</strong> />
BETH - E esperar seo Lobo chegar e <strong>com</strong>er Chapeuzinho Vermelho? Não mesmo!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nós <strong>não</strong> sabemos quem tramou tudo isso, mas temos fortes suspeitas, <strong>não</strong><<strong>br</strong> />
temos? Se for mesmo uma cilada, poderemos nos defender melhor juntos.<<strong>br</strong> />
BETH - Não sei se eu concordo muito <strong>com</strong> isso <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu, por mim, prefiro esperar e ver o que vai acontecer. Que horas são?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Já são quatro e vinte.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Quatro e vinte. <strong>Quem</strong> quer que seja, já deve estar chegando...<<strong>br</strong> />
BETH - Não sei <strong>não</strong>. Eu estou <strong>com</strong> medo.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Então?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu espero.<<strong>br</strong> />
BETH - E se for só um susto? Se ninguém aparecer?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Esperamos até as cinco, certo?<<strong>br</strong> />
BETH - Tudo bem.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dia dos namorados.<<strong>br</strong> />
BETH - Chácara Felicidade... Que nome <strong>br</strong>ega!<<strong>br</strong> />
Cena 2 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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GONZAGA - "Gonzaga Dutra e a notícia!" Dia dos namorados sangrento! Foi<<strong>br</strong> />
descoberto, agora, no <strong>com</strong>eço da noite, um corpo crivado de balas na Chácara<<strong>br</strong> />
Felicidade, na Estrada do Coco. Do local, fala Marilene Gonçalves.<<strong>br</strong> />
MARILENE - Pois é, Gonzaga, temos ainda poucas informações. A polícia está tendo<<strong>br</strong> />
dificuldades para trabalhar porque a Chácara Felicidade está sem luz. As únicas<<strong>br</strong> />
informações que temos, até agora, são de que a vítima foi morta a tiros,<<strong>br</strong> />
aparentemente nada foi roubado, e que, junto ao corpo, foi encontrado um cartão <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a seguinte mensagem: “Te amo para sempre.” Sem assinatura! A polícia pensa em<<strong>br</strong> />
crime passional. Gonzaga!<<strong>br</strong> />
GONZAGA - É!... Dia dos namorados! Um belo dia para um crime passional. E, agora,<<strong>br</strong> />
para você que está aí, agarradinho, agarradinha, <strong>com</strong> seu amor, aquela canção: ...<<strong>br</strong> />
Cena 3 - TRÊS AMBIENTES DISTINTOS<<strong>br</strong> />
BETH (bêbada) - Pena de morte para os coelhinhos da páscoa!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Um crime.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu <strong>não</strong> sei, ...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Quando Pablo chegou em casa e encontrou sua mulher <strong>com</strong> outro, nem pensou<<strong>br</strong> />
duas vezes.<<strong>br</strong> />
BETH (cantando) - Coelhinho da páscoa, que trazes pra mim?...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Meu marido e eu sempre vivemos bem mas... Não era amor...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sacou da furadeira, que era seu instrumento de trabalho, e investiu contra o<<strong>br</strong> />
<strong>ama</strong>nte da mulher.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Pelo menos, <strong>não</strong> o que eu imaginava que seria amor...<<strong>br</strong> />
BETH (cantando) - ... Um ovo, dois ovos, ... (Ri.) Dois ovos!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Só o bastante para assustar o outro.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O que eu imaginava quando era adolescente.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Fugiu. Com as calças na mão. O outro.<<strong>br</strong> />
BETH (cantando) - Eu sou a outra que o mundo dif<strong>ama</strong>... Três ovos assim.<<strong>br</strong> />
JULIANO - A mulher ficou.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu queria mais.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Enquanto ela pedia desculpas e tentava se justificar, Pablo pegava as malas.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Um dia, eu <strong>não</strong> aguentei mais e falei: Eu quero mais, Zé.<<strong>br</strong> />
BETH(cantando) - Existe a outra, existe a outra...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ele riu.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ele riu e foi pra cozinha. Beber água, ele disse. Ela ficou na c<strong>ama</strong>, nua,<<strong>br</strong> />
chorando.<<strong>br</strong> />
BETH (cantando) - Coelhinho...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ele voltou <strong>com</strong> uma faca e matou a mulher. Depois, <strong>com</strong> a serra, que também<<strong>br</strong> />
era seu instrumento de trabalho, cortou a mulher em pedacinhos, embalou em sacos<<strong>br</strong> />
de lixo que tinha trazido da cozinha, botou nas malas e jogou no rio.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Riu. Aí, eu lavei os pratos e fui dormir.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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BETH - Eu... preciso mijar... (Sai.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Nem vi a novela.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Logo <strong>com</strong> a faca que, afinal de contas, era o instrumento de trabalho dela.<<strong>br</strong> />
Cena 4 - RESIDÊNCIA DE JÚLIA E JULIANO<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Nossa! Você viu, no jornal, que crime horrível que teve nesta quinta?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Vi.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Plena quinta feira santa! A quinta feira já é santa, <strong>não</strong> é?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Desde segunda é considerada santa, o povo é que <strong>não</strong> fala.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Plena quinta feira santa, o tal do Pablo chegou em casa e encontrou a mulher...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Júlia, eu já li.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não é aterrorizante?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Trivial.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Vai dizer que você faria melhor?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Se fosse o caso...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Duvida?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Você <strong>não</strong> seria capaz de <strong>mata</strong>r uma mosca!<<strong>br</strong> />
JULIANO - E seu cachorro?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Modo de dizer!...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Voltemos às moscas.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Pois <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Moscas <strong>não</strong> têm culpa do que fazem; agem por instinto.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Essa mulher também agiu por instinto.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ele também.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Ele <strong>não</strong>. Ele foi frio o suficiente pra pegar as malas, a faca, os sacos plásticos.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ele a <strong>ama</strong>va.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - <strong>Quem</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong>.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Será?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Você me <strong>ama</strong>?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Por que isso agora?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Responde. Ama?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Amo.<<strong>br</strong> />
JULIANO - E <strong>não</strong> tem vontade, às vezes, de me <strong>mata</strong>r?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nunca?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Nunca.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nem quando eu atropelei seu cachorro sem querer?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não foi sem querer. Você <strong>ama</strong>rrou o cachorro e passou por cima <strong>com</strong> o carro. Mas<<strong>br</strong> />
nem ali eu pensei em te <strong>mata</strong>r. Fiquei <strong>com</strong> raiva, é claro. Mas, <strong>mata</strong>r?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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JULIANO - Nem quando você desco<strong>br</strong>iu que eu gravava suas conversas ao telefone?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Se fosse que nem essa história aí do jornal? Se você me pegasse <strong>com</strong> outra?<<strong>br</strong> />
Me <strong>mata</strong>ria?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Júlia!<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Ai, Juliano, que papo besta! Pleno domingo de páscoa! Nunca tive vontade de lhe<<strong>br</strong> />
<strong>mata</strong>r. Aliás, nunca tive vontade de <strong>mata</strong>r ninguém. Só meus pais. Mas eu era<<strong>br</strong> />
adolescente; acho que isso é normal.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Júlia!<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Qual é, Juliano? Vai dizer que você nunca teve vontade de <strong>mata</strong>r seus pais quando<<strong>br</strong> />
era adolescente?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não é disso que eu estou falando. É... Francamente. (Sai.)<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu, héin!<<strong>br</strong> />
Cena 5 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Vem, Zé! Deixa de cochilar neste sofá, homem! Zé!<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Já vou!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Desliga a tv! (Para si mesma.) Isso é vida, meu Deus? Eu <strong>não</strong> devia ter ouvido<<strong>br</strong> />
minha mãe: “Vai, minha filha, o rapaz é de bem, trabalha no Pólo.” Hum! Peão! Taí,<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> me deu nem um ovo de páscoa. Também, ia dar pra quê? Nem lem<strong>br</strong>a que eu<<strong>br</strong> />
existo.<<strong>br</strong> />
ZÉ (entrando) - Falando sozinha?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu tô é cansada.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Essa semana, eu vou <strong>com</strong>prar um videocassete novo. (Boceja.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Esse <strong>não</strong> tá bom?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tá uma merda!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Pra mim, tá ótimo.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu quero o melhor.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ai, Zé. Nem bem acabou de <strong>com</strong>prar aqueles aparelhos de som todos, vai<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar videocassete?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Mas é justamente por isso, Lucinha. Tem que ser da mesma marca para usar o mesmo<<strong>br</strong> />
controle. Compro o vídeo, depois, a tv.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tv também?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Claro.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu, por mim, tinha ficado <strong>com</strong> aquele som antigo...<<strong>br</strong> />
ZÉ - O três em um?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - É. Era ótimo. Ficava <strong>com</strong> ele, <strong>com</strong> o vídeo, a tv; pegava esse dinheiro e<<strong>br</strong> />
viajava.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Você tá viajando é agora, Lucinha. Que tempo eu tenho pra viagem?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você <strong>não</strong> tem duas férias vencidas?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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ZÉ - Ter, tenho. Mas, do jeito que as coisas estão, se eu saio de férias agora, quando voltar,<<strong>br</strong> />
já tô sem emprego.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Pior vai ser ficar sem emprego e sem férias.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Ah! Vamos dormir.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zéé.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Uhm.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ô, Zé!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Foi, Lucinha?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Que tal...<<strong>br</strong> />
ZÉ - Hum?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - <strong>Quem</strong> sabe se a gente...<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não adianta. Eu vou <strong>com</strong>prar o vídeo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não é disso que eu tô falando.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Falando do que, então?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Sexo! Tem mais de uma semana que a gente <strong>não</strong> faz.<<strong>br</strong> />
(Zé ri. Dorme.)<<strong>br</strong> />
Cena 6 - BAR<<strong>br</strong> />
BETH (solitária, bebendo) - Os homens são todos iguais. Uns sacanas! Sacanas!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (aparecendo) - Você <strong>não</strong> está bebendo demais?<<strong>br</strong> />
BETH - Não é da sua conta.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Desculpe. Pelo visto, você deve ter suas razões.<<strong>br</strong> />
BETH - Homem nenhum presta, tá me entendendo? Nenhum.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (sorri) - Posso me sentar <strong>com</strong> você?<<strong>br</strong> />
BETH - Por favor.<<strong>br</strong> />
(Cândida se senta.)<<strong>br</strong> />
BETH - Garçom! (Para Cândida.) O que você vai beber?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Depois.<<strong>br</strong> />
BETH (pro garçom) - Depois! (Para Cândida.) Ele também <strong>não</strong> presta. Homem nenhum...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você já disse. Por que tanta revolta contra os homens?<<strong>br</strong> />
BETH (canta) - Ele é casado... (Ri.) Conhece a música? (Canta.) Eu sou a outra na vida<<strong>br</strong> />
dele... Bethânia gravou.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Duas vezes.<<strong>br</strong> />
BETH - É. Gosta de Bethânia?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Amo.<<strong>br</strong> />
BETH (ri) - A Carmem também gravou. Carmem Silva... Não! Carmem Costa. Ih! Tô<<strong>br</strong> />
trocando as Carmens...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você é a outra na vida dele?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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BETH - Sou. Ou era. A minha vida inteira, eu tenho sido a outra. É sim. Nunca peguei<<strong>br</strong> />
nenhum homem que <strong>não</strong> fosse casado. Ou que morasse junto <strong>com</strong> outra mulher. Quer<<strong>br</strong> />
dizer, teve um: Marcos. Me jurou que <strong>não</strong> tinha mulher. É a primeira coisa que eu<<strong>br</strong> />
pergunto. Não tinha mulher. Mas tinha marido. Era viado, tava querendo<<strong>br</strong> />
experimentar novas sensações.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não é o que te deixou assim...<<strong>br</strong> />
BETH - Todos me deixaram assim. Arrasada. Sei lá, eu devo ter algum problema...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Talvez o problema esteja neles.<<strong>br</strong> />
BETH - Essas datas, <strong>com</strong>o hoje, páscoa, são as piores. Natal também. Odeio natal,<<strong>br</strong> />
reveillon... Eles ficam <strong>com</strong> a oficial, <strong>com</strong> os filhos...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Enquanto você...<<strong>br</strong> />
BETH (canta) - Arrasada, acabada, desprezada, torturada...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Ângela Rô Rô.<<strong>br</strong> />
BETH - Gosta de Rô Rô?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Amo.<<strong>br</strong> />
BETH - Eu... admiro a coragem dela. A<strong>br</strong>iu logo o jogo, disse que era... sapatão. (Ri.) Acho<<strong>br</strong> />
que eu devia fazer que nem ela: desistir dos homens.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você já teve alguma coisa...?<<strong>br</strong> />
BETH - Com mulher? Nunca, nunca! Nunca pensei...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (em tom de <strong>br</strong>incadeira) - Nunca é tarde para <strong>com</strong>eçar.<<strong>br</strong> />
BETH (rindo) - É. (Bebe.) Acabou. Garçom! (Para Cândida.) Você quer alguma coisa?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você.<<strong>br</strong> />
BETH (pro garçom) - Depois! (Para Cândida.) Ahn?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Se você acha que homem nenhum presta, devia experimentar uma mulher.<<strong>br</strong> />
BETH - ...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Qual o seu nome, gata?<<strong>br</strong> />
BETH - Beth.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - De Elizabeth?<<strong>br</strong> />
BETH - Não. De Bethânia.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu amo Bethânia. Eu sou Cândida. Você quer ir pro meu apartamento,<<strong>br</strong> />
Bethânia?<<strong>br</strong> />
BETH - Garçom! A conta!<<strong>br</strong> />
Cena 7 - CONSULTÓRIO DE BETH<<strong>br</strong> />
BETH (de óculos escuros) - Bom dia, Juliano; desculpe meu atraso. A atendente vai lhe<<strong>br</strong> />
marcar um horário extra durante a semana.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tudo bem, Drª. Beth.<<strong>br</strong> />
BETH - Como foi de páscoa?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Quase tudo bem...<<strong>br</strong> />
BETH - Nós ainda temos alguns minutos. Se você quiser ... De graça.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sim. (Deita-se no divã.)<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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(Silêncio.)<<strong>br</strong> />
JULIANO - Acho que minha mulher <strong>não</strong> me <strong>ama</strong> mais. Desco<strong>br</strong>i isso ontem. Lemos so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
um crime. Um crime. Um homem que. Pegou a mulher <strong>com</strong> o <strong>ama</strong>nte. Matou a<<strong>br</strong> />
mulher, cortou em pedaços, colocou na mala e jogou no rio. Por amor. Não suportou<<strong>br</strong> />
ver a mulher <strong>ama</strong>da nos <strong>br</strong>aços de outro. Tinha que <strong>mata</strong>r, <strong>não</strong> tinha? A mulher, o ser<<strong>br</strong> />
<strong>ama</strong>do, <strong>não</strong> pode ser dividido. Se<strong>não</strong>, é o fim do amor. E é horrível o fim do amor.<<strong>br</strong> />
Foi por isso que ele matou a mulher. Pra <strong>não</strong> acabar o amor que ele sentia por ela,<<strong>br</strong> />
entende? Isso é lindo! Júlia <strong>não</strong> entendeu isso. Pior. Ela me disse, Drª. Beth. Ela me<<strong>br</strong> />
disse que <strong>não</strong> me <strong>mata</strong>ria nunca. Nunca. Nem se eu arranjasse outra.<<strong>br</strong> />
BETH (na sua dor) - Outra?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nem se eu transasse <strong>com</strong> outra na nossa própria c<strong>ama</strong>, ela me <strong>mata</strong>ria. Por<<strong>br</strong> />
quê? Porque ela <strong>não</strong> me <strong>ama</strong>. <strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong>. Porque <strong>não</strong> se importa. Não<<strong>br</strong> />
se importa. Júlia <strong>não</strong> se importa <strong>com</strong>igo. E, todos esses anos, eu me sentindo culpado<<strong>br</strong> />
de ter outras mulheres. Me sentindo culpado por trair. Mas por que eu traía? Por ela.<<strong>br</strong> />
Pra provar que ela, Júlia, era a melhor. Por que o homem é assim. Ele só trai quando<<strong>br</strong> />
<strong>ama</strong>. O homem só tem outra quando <strong>ama</strong> a esposa.<<strong>br</strong> />
BETH (nervosa) - Seu tempo acabou, Juliano. Marque sessão extra <strong>com</strong> Júlia, desculpe,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Lúcia.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tá bom. Até a próxima. (Sai.)<<strong>br</strong> />
BETH (sozinha) - Meu Deus! Que loucura, que loucura! Beth! Que noite! (Arrepiada.) Ah!<<strong>br</strong> />
(Desperta. Para a secretária, no interfone.) Lúcia, mande entrar o próximo. (Ajeitase.)<<strong>br</strong> />
(Entra Cândida.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Olá, Drª. Beth.<<strong>br</strong> />
BETH - Você!? Mas, esse horário era do rapaz...Como é mesmo o nome dele?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Ele já foi.<<strong>br</strong> />
BETH - Como?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu implorei que ele me cedesse o horário. Disse que estava desesperada, a<<strong>br</strong> />
ponto de <strong>com</strong>eter uma loucura.<<strong>br</strong> />
BETH - E ele cedeu?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não antes de eu lhe oferecer algum dinheiro.<<strong>br</strong> />
BETH - Você está subornando meus clientes, digo, pacientes?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Foi por uma boa causa. Estou desesperada.<<strong>br</strong> />
BETH - Desculpe?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Desesperadamente apaixonada por você. (Tenta beijá-la.)<<strong>br</strong> />
BETH - Por favor! Eu <strong>não</strong> tenho essas tendências.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não foi o que me pareceu essa noite. Você foi maravilhosa.<<strong>br</strong> />
BETH - Eu estava bêbada!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Um vulcão! (Beija-lhe as costas e o pescoço.)<<strong>br</strong> />
BETH - Não. Por favor. Eu <strong>não</strong>. Eu sou uma psicanalista freudiana!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vamos pro divã!<<strong>br</strong> />
BETH - Eu... Eu sou católica! Minha religião...<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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CÂNDIDA - Ajoelha e reza!<<strong>br</strong> />
BETH - Que vulgar!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Já sei que você gosta de uma baixaria...<<strong>br</strong> />
BETH - Eu sou <strong>com</strong>unista! Do PC do B! O partido <strong>não</strong> permite.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Comunista freudiana católica? Sem essa!<<strong>br</strong> />
BETH - É verdade! Eu participei do MR-8, fui guerrilheira e tudo!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você <strong>não</strong> tem idade pra isso.<<strong>br</strong> />
BETH - Não...<<strong>br</strong> />
(Beijam-se. Beth quase desfalece.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Acho que você vai ter que trocar a calcinha, gata. (Vai até a porta.) Hoje à<<strong>br</strong> />
noite, às oito, em minha casa. Não ouse faltar.<<strong>br</strong> />
BETH (indefesa) - Não...<<strong>br</strong> />
(Cândida sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Deus! Que mulher baixa! Estou <strong>com</strong>pletamente apaixonada!! Não, Beth. Você é<<strong>br</strong> />
uma psicanalista freudiana! Dê-se ao respeito! Que horas ela falou? Oito? Preciso<<strong>br</strong> />
botar uma roupa bem bonita. Um perfume... Beth!<<strong>br</strong> />
(Entra Lucinha.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Drª. Beth, o próximo paciente chegou mais cedo. Mando entrar?<<strong>br</strong> />
BETH - Ahn?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Mando entrar?<<strong>br</strong> />
BETH - Não. Cancele. Cancele todos. Eu vou pra casa. Não estou bem.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E o que é que eu faço?<<strong>br</strong> />
BETH (gritando) - Cancele, já disse!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Desculpe. Eu queria saber depois.<<strong>br</strong> />
BETH - Ah. Desculpe também. Depois... Depois, vá pra casa, tá bom?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tá certo. Com licença. (Sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Preciso <strong>com</strong>prar calcinhas novas.<<strong>br</strong> />
Cena 8 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
GONZAGA - "Gonzaga Dutra e a notícia!" E vamos voltar à Chácara Felicidade, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
Marilene Gonçalves!<<strong>br</strong> />
MARILENE - O<strong>br</strong>igada, Gonzaga! Vamos tentar falar aqui <strong>com</strong> o investigador Josué<<strong>br</strong> />
Batista, encarregado do caso. Senhor investigador, <strong>com</strong>o está o trabalho da polícia?<<strong>br</strong> />
INVESTIGADOR - Nosso trabalho está sendo dificultado pela falta de luz na chácara. A<<strong>br</strong> />
noite está escura, é quase lua nova e isso dificulta nosso trabalho.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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MARILENE - Correto. Mas o que já se tem até agora?<<strong>br</strong> />
INVESTIGADOR - De concreto, só a identidade da vítima e um cartão que foi encontrado<<strong>br</strong> />
ao lado do corpo.<<strong>br</strong> />
MARILENE - O cartão que estava escrito “Te amo para sempre.”?<<strong>br</strong> />
INVESTIGADOR - Sim. Agora, estamos vasculhando toda área à procura da arma do<<strong>br</strong> />
crime e estamos tentando localizar também os proprietários da chácara.<<strong>br</strong> />
MARILENE - O<strong>br</strong>igada. Marilene Gonçalves para o progr<strong>ama</strong> "Gonzaga Dutra e a<<strong>br</strong> />
notícia!" Gonzaga!<<strong>br</strong> />
Cena 9 - PADARIA<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Moça, quanto é esse doce aqui, héin? Ei, moç... (Dá um muxoxo.) Idiota! Ei,<<strong>br</strong> />
moço, quanto é...? (Tempo.) Por fa... Droga!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Oh, <strong>com</strong>panheiro, me dê dez cacetinhos! Comp... Que merda esse<<strong>br</strong> />
atendimento!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Péss... Oi, seo Juliano!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ah, oi, Lúcia! Hora de folga?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não. É que Drª. Beth <strong>não</strong> tá muito bem hoje e cancelou todos os pacientes. Só<<strong>br</strong> />
teve mesmo o senhor e uma paciente nova que apareceu desesperada.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Acho que eu vi. Ela estava esperando quando eu saí. Oh, <strong>com</strong>panheiro! Eu<<strong>br</strong> />
pedi dez cacetinhos!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E o doce!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ahn?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O doce. Eu tô querendo saber o preço há horas e ninguém me diz. Taí, sumiu<<strong>br</strong> />
de novo!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Um absurdo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Quando acontece de eu voltar mais cedo pra casa, eu gosto de levar uma coisa<<strong>br</strong> />
assim, bem gostosa, pro meu marido.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Você é casada? Tão nova!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Nova mesmo eu era quando me casei. Não tinha nem 16 anos.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tem filhos?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tive um.<<strong>br</strong> />
JULIANO - De que idade?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Morreu. Não chegou a <strong>com</strong>pletar nem uma semana.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Desculpe.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tudo bem, já superei. Meu marido é que. Moça, esse doce... Mas será<<strong>br</strong> />
possível!? Meu marido é que nunca mais quis ter filhos.<<strong>br</strong> />
JULIANO - E você?<<strong>br</strong> />
(Lucinha suspira.)<<strong>br</strong> />
JULIANO - Você <strong>ama</strong> seu marido?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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LUCINHA - ...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não me diga! Só me responda uma coisa: você já teve vontade de <strong>mata</strong>r seu<<strong>br</strong> />
marido?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Matar o Zé?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Minha senhora, eu já pedi dez cacetinhos mais de mil vezes! Ninguém vai me<<strong>br</strong> />
atender nessa merda?!... Você viu? Ainda me olhou de cima abaixo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Seo Juliano, <strong>com</strong>o assim, <strong>mata</strong>r o meu marido?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Matar. Não importa a razão. O importante é: você <strong>mata</strong>ria seu marido? Ah,<<strong>br</strong> />
agora sim! Tá vendo? A gente tem que fazer escândalo pra ser atendido. São só dez!<<strong>br</strong> />
E, depois, veja o doce da moça.<<strong>br</strong> />
Cena 10 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zé! Zéé!...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Tô na sentina!<<strong>br</strong> />
(Lucinha suspira. Tira o doce da bolsa. Pensa na conversa que teve <strong>com</strong> Juliano.)<<strong>br</strong> />
ZÉ - Que aconteceu? A essa hora, em casa?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Drª. Beth passou mal e cancelou os pacientes.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Mesmo assim, você <strong>não</strong> tinha que ficar lá pra atender telefone, essas coisas?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não. Se alguém ligar, cai no telefone do Centro Médico e a menina marca.<<strong>br</strong> />
Você?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Vou pegar o turno das onze.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Então, vamos sair, Zé! Aproveitar a tarde.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tarde demais, Lucinha. Já <strong>com</strong>binei outra coisa. Vou pra praia bater um baba <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
coligados.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Puxa, Zé! Desmarca o baba, vamos sair! Vamos pro cinema? A gente nunca<<strong>br</strong> />
mais foi pro cinema.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Pra que cinema, Lucinha, <strong>com</strong> videocassete em casa? Dois videocassetes!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dois?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu <strong>não</strong> disse que ia <strong>com</strong>prar outro?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ah <strong>não</strong>, Zé!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Som estéreo e as porra!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E o outro? Vai vender, né?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu ia. Mas desisti.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Pra que é que você quer dois vídeos, Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Pra passar de fita pra fita, Lucinha. Não tem esses filmes que você gosta mesmo? Em<<strong>br</strong> />
vez de ficar alugando, alugando, alugando, a gente passa de fita pra fita e morreu.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tá bom. Mas fica <strong>com</strong>igo hoje, fica.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não dá. Já tem três dias que eu <strong>não</strong> jogo uma bola <strong>com</strong> o pessoal.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
12
LUCINHA - E tem quanto tempo que a gente <strong>não</strong> sai junto, Zé? Nem me lem<strong>br</strong>o mais.<<strong>br</strong> />
Nem sexo. Foi caindo, caindo, até ser uma vez por semana. Agora, é de era em era!<<strong>br</strong> />
Eu tô carente, Zé!<<strong>br</strong> />
(Zé ri. Sai.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Merda! Tinha que me casar <strong>com</strong> um... banana! Nem homem direito é, esse...<<strong>br</strong> />
Viado! É isso! Bichona. Só pensa nos machos da fá<strong>br</strong>ica. “Meus coligados, meus<<strong>br</strong> />
coligados.” Não era isso, meu Deus! Não era isso que eu queria pra minha vida. (Pega<<strong>br</strong> />
uma faca. ) Mas um dia, Zé, um dia... (Segura a faca de forma ameaçadora. Olha para<<strong>br</strong> />
a faca por um tempo. Corta o doce.)<<strong>br</strong> />
Cena 11 - RESIDÊNCIA DE JÚLIA E JULIANO<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Comprei champagne, mandei a empregada preparar um jantar especialíssimo e<<strong>br</strong> />
também aquela mousse de pinha, que você adora, pra so<strong>br</strong>emesa.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Pra que tudo isso? Por que essa animação toda? Morreu alguém?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano! Você me desconcerta <strong>com</strong> esse seu humor...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Isso <strong>não</strong> responde à minha pergunta, Júlia.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Isso tudo é pra <strong>com</strong>emorar, <strong>não</strong> adivinha o quê?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não é o seu aniversário nem o meu e o aniversário de casamento foi o mês<<strong>br</strong> />
passado. Não sei.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Esqueceu que hoje era o dia da audiência de divulgação do resultado do concurso<<strong>br</strong> />
para juiz do trabalho?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ah, tá.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu fui à Justiça do Trabalho e assisti à audiência. Você foi aprovado, meu amor!<<strong>br</strong> />
Você, agora, é juiz! Vai dizer que <strong>não</strong> ficou contente?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Fiquei. Muito.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Com essa cara? Nem parece.<<strong>br</strong> />
JULIANO - É que <strong>não</strong> é surpresa, eu já esperava a aprovação.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Deixa de ser convencido, Juliano. Vai dizer que <strong>não</strong> ficou nem um pouquinho<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> medo de perder?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nessa última prova <strong>não</strong>. As primeiras são uma peneira, mas, depois que a<<strong>br</strong> />
gente passa da terceira, é difícil perder. Ficaram só dez candidatos para dezessete<<strong>br</strong> />
vagas.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Só passaram nove. E se você fosse justamente o décimo que perdeu?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Júlia, eu passei em primeiro lugar em todos os concursos que prestei. Não ia<<strong>br</strong> />
perder nesse.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Quase todos. Dessa vez, o primeiro lugar <strong>não</strong> foi seu. A maior nota foi de uma<<strong>br</strong> />
mulher.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Uma mulher? Com a nota melhor do que a minha?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Lhe in<strong>com</strong>oda?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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JULIANO - Não, <strong>não</strong>, nem um pouco. (Tempo.) Lhe in<strong>com</strong>oda?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - O quê? Uma mulher receber nota melhor que a sua?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não. Isso de eu ser aprovado no concurso.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu fico contente. Você é meu marido, eu te amo, era seu sonho, eu só posso ficar<<strong>br</strong> />
contente. Não?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Mas <strong>não</strong> lhe in<strong>com</strong>oda mesmo nem um pouco isso de eu me tornar um juiz?<<strong>br</strong> />
Um juiz é uma pessoa que tem... poderes.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Olhe, Juliano. Se eu fosse advogada, tivesse feito o mesmo concurso e tivesse sido<<strong>br</strong> />
reprovada, aí sim, eu poderia me sentir in<strong>com</strong>odada. Mas eu sou uma decoradora, <strong>não</strong><<strong>br</strong> />
entendo patavina de Direito... Eu estou muito orgulhosa, pôxa! Estou muito orgulhosa<<strong>br</strong> />
de você. (Beija o marido.) Eu vou tomar um banho bem gostoso, vou botar aquele<<strong>br</strong> />
perfume que você gosta e colocar uma roupa bem bonita pra gente <strong>com</strong>emorar. (Sai.)<<strong>br</strong> />
(Juliano pensa.)<<strong>br</strong> />
Cena 12 - RESIDÊNCIA DE CÂNDIDA<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você está atrasada, gata. São oito e quinze.<<strong>br</strong> />
BETH - Desculpe. O trânsito.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Bonito vestido. Bem sexy.<<strong>br</strong> />
BETH - O<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - E o perfume...Hum!<<strong>br</strong> />
(Beth se afasta.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Fico contente que você tenha vindo, Bethânia.<<strong>br</strong> />
BETH - Beth, por favor.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Como quiser,... Beth. É muito bom contar <strong>com</strong> sua <strong>com</strong>panhia para<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>emorar.<<strong>br</strong> />
BETH - Comemorar o quê?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Fui aprovada no concurso para juiz de trabalho. Serei juíza.<<strong>br</strong> />
BETH - Parabéns!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Que tal um champagne?<<strong>br</strong> />
BETH - Não, <strong>não</strong>. Eu ... tenho que passar uns meses sem tocar em álcool.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - A posse deve ser daqui a uns dois meses. Gostaria que você fosse.<<strong>br</strong> />
BETH - Dois meses só? Pensei que essas coisas demorassem mais.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - O judiciário está carente. Há muito mais vagas do que gente disposta a ocupálas.<<strong>br</strong> />
BETH - Eh, vamos objetivar, Cândida. Eu vim aqui só pra dizer que <strong>não</strong> posso, <strong>não</strong> quero<<strong>br</strong> />
nem vou ter mais nada contigo!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Que agressividade!<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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BETH - Você se aproveitou de um momento de fraqueza meu e conseguiu me levar pra<<strong>br</strong> />
c<strong>ama</strong>. Mas eu estava bêbada, <strong>não</strong> tinha consciência do que fazia.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você, <strong>com</strong>o psicanalista, deveria saber que, às vezes, o inconsciente nos<<strong>br</strong> />
prega peças e, nos faz <strong>com</strong>eter as “loucuras” que nunca tivemos coragem...<<strong>br</strong> />
BETH - Eu nunca tive vontade de me relacionar <strong>com</strong> mulheres. Não sei o que houve ontem<<strong>br</strong> />
mas eu <strong>não</strong> me encaixo no padrão lésbico.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - E que padrão é esse, Drª. Beth? Eu gostaria de saber.<<strong>br</strong> />
BETH - A lésbica... ela...<<strong>br</strong> />
(Cândida acaricia Beth, que quase desfalece.)<<strong>br</strong> />
BETH - Ela...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Ela quase desmaia quando é tocada por outra mulher.<<strong>br</strong> />
BETH (tentando se re<strong>com</strong>por) - Eu... eu estou carente. É só isso! Eu já disse, eu <strong>não</strong> me<<strong>br</strong> />
encaixo...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vocês, psicólogos, passam a vida tentando encaixar as pessoas em padrões,<<strong>br</strong> />
esquemas... (Beija-lhe as mãos.)<<strong>br</strong> />
BETH - Mas... Freud... Jung...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vê <strong>com</strong>o você fica confusa só porque eu estou lhe beijando as mãos? Você<<strong>br</strong> />
gosta disso, Beth!<<strong>br</strong> />
BETH - Cândida, eu nunca desejei uma mulher antes.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não mesmo?<<strong>br</strong> />
BETH - Não duvide!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não! Mas você <strong>não</strong> acha significativo você só se relacionar <strong>com</strong> homens<<strong>br</strong> />
casados? Será que você, na verdade, <strong>não</strong> usava esses homens <strong>com</strong>o uma forma de se<<strong>br</strong> />
relacionar, indiretamente, <strong>com</strong> outras mulheres?<<strong>br</strong> />
BETH - Agora, é você que ataca de psicanálise selvagem.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Dei um semestre de Psicologia em Direito.<<strong>br</strong> />
BETH - Não é o suficiente. E essa sua “teoria” é furada. Esqueceu do Marcos?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Claro, Marcos, o entendido. Mas é tão óbvio! No nosso imaginário, todo gay<<strong>br</strong> />
tem algo de feminino. Você se interessou pela mulher que havia nele.<<strong>br</strong> />
BETH - Não me faça rir. (Olha nos olhos da outra.) Não me faça sofrer.<<strong>br</strong> />
Cena 13 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
ZÉ - Lucinha! Tô indo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Jantou?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tava uma merda, mas jantei.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você bebeu de novo, Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Só uma cervejinha na praia <strong>com</strong> os coligados.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Aposto que nenhum deles ia pegar o turno da madrugada.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
15
(Zé ri.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Sua mãe ligou.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Queria o quê?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Nada. Conversar. Ela disse que tem uma prima sua aí que virou juíza, sei lá.<<strong>br</strong> />
Ela disse o nome... (Tenta se lem<strong>br</strong>ar.)<<strong>br</strong> />
ZÉ - Juíza? Ah, deve ser Cândida, que é advogada.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - É essa mesma. <strong>Quem</strong> é, que eu nunca vi?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Prima de terceiro grau. Ela tava no nosso casamento, tava <strong>não</strong>?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E eu vou lem<strong>br</strong>ar, Zé? Oito anos.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Depois, nunca mais vi. Dizem que é sapatão.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Essa sua família, héin?<<strong>br</strong> />
(Zé ri. Vai embora.)<<strong>br</strong> />
Cena 14 - CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
BETH - Eu vou embora. Essa história <strong>não</strong> está cheirando nada bem.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu acho que ele tá certo. É melhor esperar.<<strong>br</strong> />
BETH - A culpa é dele. A culpa é toda dele. De quem foi a idéia?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Foi dele?<<strong>br</strong> />
BETH - Não foi?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Todo mundo queria, <strong>não</strong> queria?<<strong>br</strong> />
BETH - Sim.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Então?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Até agora, nada?<<strong>br</strong> />
BETH - Nada.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Que horas já são?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dez pras cinco. Daqui a pouco, escurece.<<strong>br</strong> />
Cena 15 - SALA DE ESPERA DO CONSULTÓRIO DE BETH<<strong>br</strong> />
JULIANO - Que horas já são?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Oito e vinte.<<strong>br</strong> />
JULIANO - O que está acontecendo <strong>com</strong> Drª. Beth? Ontem, se atrasou. Hoje, de novo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - É. Drª. Beth nunca foi de se atrasar.<<strong>br</strong> />
(Silêncio.)<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
16
LUCINHA - Seo Juliano, ...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sim?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ontem à tarde, eu tive vontade...<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O senhor sabe. De <strong>mata</strong>r meu marido.<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E eu acho que essa <strong>não</strong> foi a primeira vez <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Seu marido é um homem de sorte.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - ...?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Por ter uma mulher <strong>com</strong>o você.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O senhor acha?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não tenho dúvida.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - ...!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu agora vou ser juiz, sabia?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Juiz?<<strong>br</strong> />
JULIANO (feliz) - Sim!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Que bom!<<strong>br</strong> />
(Entra Beth.)<<strong>br</strong> />
BETH - Bom dia, bom dia, bom dia! Me desculpe, outra vez, pelo atraso, Juliano. Eu...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tudo bem. Vamos <strong>com</strong>eçar logo a sessão?<<strong>br</strong> />
BETH - Vamos. Lúcia, o próximo paciente...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Seo Mário Augusto.<<strong>br</strong> />
BETH - Certo. Diga a ele que vou atrasar uns dez minutos.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Está bem.<<strong>br</strong> />
BETH - Vamos?<<strong>br</strong> />
(Saem Beth e Juliano. Lucinha espera os dois saírem e vai para o banheiro.)<<strong>br</strong> />
Cena 16 - CONSULTÓRIO DE BETH<<strong>br</strong> />
JULIANO - Desde que Júlia disse que <strong>não</strong> me <strong>mata</strong>ria, eu <strong>não</strong> consigo pensar em outra<<strong>br</strong> />
coisa. Ontem, ela fez um jantar especial, passei no concurso pra juiz do trabalho...<<strong>br</strong> />
BETH ( arrepiada) - Juiz do trabalho?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ela... me pareceu tão.. exagerada. Toda feliz <strong>com</strong> minha classificação. Não é<<strong>br</strong> />
possível, depois de tantos anos de casados, uma mulher ficar tão feliz assim pelo<<strong>br</strong> />
marido. Ela está disfarçando. Às vezes, eu. Eu chego a pensar que. Não! Eu mato. Tá<<strong>br</strong> />
certo, eu já tive outras mulheres. Mas, ela, ter outros? Não. Eu, eu sou homem. O<<strong>br</strong> />
homem, quando trai... Eu já falei isso, <strong>não</strong>? Pois é. Mas a mulher, a mulher é<<strong>br</strong> />
diferente. Mulher é <strong>com</strong>pletamente diferente de homem.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
17
BETH (molhada) - Muito diferente!...<<strong>br</strong> />
JULIANO - Júlia <strong>não</strong> me <strong>ama</strong> mais.<<strong>br</strong> />
Cena 17 - AO TELEFONE<<strong>br</strong> />
BETH - Não me procure mais, Cândida.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Sinceramente, <strong>não</strong> lhe entendo, Beth. Você saiu daqui cantando, feliz,<<strong>br</strong> />
radiante...<<strong>br</strong> />
BETH - Eu <strong>não</strong> estou preparada pra isso.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Pra ficar <strong>com</strong> mulher? De novo essa história?<<strong>br</strong> />
BETH - Não é só isso. Eu <strong>não</strong> estou acostumada a dormir junto <strong>com</strong> ninguém. Eu nunca<<strong>br</strong> />
tinha dormido a<strong>com</strong>panhada antes.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Nunca?<<strong>br</strong> />
BETH - Maridos só dormem <strong>com</strong> as esposas. Esquece que eu sempre fui a outra?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Agora, você é a única e nós dormimos juntas. Não é bom?<<strong>br</strong> />
BETH - Não, <strong>não</strong> é. Está <strong>com</strong>prometendo meu trabalho. Hoje, eu cheguei atrasada de novo.<<strong>br</strong> />
Foram cinco dias seguidos chegando atrasada.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - <strong>Quem</strong> fica pedindo mais e mais a noite inteira é você, minha querida. Eu até<<strong>br</strong> />
que tento parar mais cedo mas você...<<strong>br</strong> />
(Um tempo.)<<strong>br</strong> />
BETH - Complete a frase!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você é insaciável! Parece que está desco<strong>br</strong>indo o prazer agora. O que eu <strong>não</strong><<strong>br</strong> />
duvido.<<strong>br</strong> />
BETH - Pois duvide. Eu sempre tive muito prazer <strong>com</strong> os homens...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não tanto quanto <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />
BETH - E quem disse que eu tenho prazer <strong>com</strong> você?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você se desmancha em minha boca, Beth. Dá até pra beber você.<<strong>br</strong> />
BETH - Não sou eu! Eu <strong>não</strong> quero isso pra mim. Eu <strong>não</strong> gosto disso.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Realmente, você <strong>não</strong> gosta, você adora!<<strong>br</strong> />
BETH - Eu detesto! <strong>Quem</strong> gosta é a outra. Tem uma outra pessoa dentro de mim, entende?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Outra?<<strong>br</strong> />
BETH - Outra. É a outra que gosta de você, Cândida, <strong>não</strong> eu.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Quer dizer que eu dormi todas essas noites <strong>com</strong> a outra?<<strong>br</strong> />
BETH - Foi...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você tem certeza de que você podia estar atendendo pacientes?<<strong>br</strong> />
BETH - O que você quer dizer <strong>com</strong> isso?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Porra, Beth! Mania que você tem de querer ser sempre a outra! Você é<<strong>br</strong> />
maluca! Sabe do que mais? Cansei! Cinco dias foram o suficiente! Eu já passei da<<strong>br</strong> />
idade. Quando eu tinha essas crisezinhas por causa de minha sexualidade, eu ainda<<strong>br</strong> />
era debutante. Não tô aqui pra isso <strong>não</strong>!<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
18
BETH - Cândida!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Sua vontade será feita, Drª. Bethânia! Não vou mais lhe procurar. E a senhora,<<strong>br</strong> />
por favor, esqueça que eu existo. (Desliga o telefone.)<<strong>br</strong> />
(Beth pensa. Pega o telefone e disca. Cândida atende.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Alô!<<strong>br</strong> />
BETH - Desculpa.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não adianta, Beth. Acabou.<<strong>br</strong> />
BETH - Cândida...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Adeus.<<strong>br</strong> />
(Cândida desliga o telefone. Beth continua <strong>com</strong> o fone no ouvido, aturdida. Um<<strong>br</strong> />
tempo. Cândida pega o telefone. Escuta.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Beth! Desliga o telefone!<<strong>br</strong> />
BETH (despertando) - Ahn? Ah! (Desliga o telefone.)<<strong>br</strong> />
(Cândida tira o telefone da tomada e sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Então, é assim? Você me desestrutura, me leva a fazer coisas que eu nunca. E<<strong>br</strong> />
agora é tchau, acabou? Não, Cândida, isso <strong>não</strong> vai ficar assim <strong>não</strong>. Você <strong>não</strong> vai se<<strong>br</strong> />
ver livre de mim tão facilmente. (Pega o telefone e disca. Espera.) Atende. Atende.<<strong>br</strong> />
Atende, sua vaca! Atende. Covarde. Atende, por favor. Atende. Atende. Atende.<<strong>br</strong> />
Atende. Atende...<<strong>br</strong> />
Cena 18 - CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O senhor, que andou por aí, viu onde fica o sanitário?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Entrando aqui, você vai dar no corredor. O banheiro é lá.<<strong>br</strong> />
BETH - Deve estar um horror, <strong>com</strong>o tudo isso aqui.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu... vou lá e volto. (Sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Bela idéia a sua!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Minha? Pensei que tivesse sido sua.<<strong>br</strong> />
BETH - Agora, estamos aqui nesta chácara, esperando Deus sabe quem.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nós também já vamos saber. Tá chegando um carro ali.<<strong>br</strong> />
Cena 19 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
19
MARILENE - A polícia já localizou os donos da Chácara Felicidade, palco deste terrível<<strong>br</strong> />
crime em pleno dia dos namorados. O mais intrigante, Gonzaga, é que o casal<<strong>br</strong> />
proprietário da chácara afirma <strong>não</strong> conhecer a vítima. Olha eles ali! Vamos tentar<<strong>br</strong> />
uma entrevista! Boa noite! Por favor, qual o nome do senhor?<<strong>br</strong> />
ARNALDO - Arnaldo.<<strong>br</strong> />
MARILENE - Seo Arnaldo, é verdade que o senhor <strong>não</strong> reconheceu a vítima?<<strong>br</strong> />
ARNALDO - Nunca vi.<<strong>br</strong> />
MARILENE - E <strong>com</strong>o o senhor explica esse crime em sua propriedade?<<strong>br</strong> />
ARNALDO - Vocês vão me dar licença mas minha mulher tá passando mal.<<strong>br</strong> />
MARILENE - Mas seo Arnaldo... Gonzaga, é <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
GONZAGA - O<strong>br</strong>igado, Marilene. Fique ligado! Daqui a pouco, mais notícias so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />
crime na Chácara Felicidade.<<strong>br</strong> />
Cena 20 - BAR<<strong>br</strong> />
(Beth bêbada canta “Florentina”. Ri.)<<strong>br</strong> />
BETH - Dois meses! Sabe que dia é hoje? Sete de junho. Faz dois meses que a gente se<<strong>br</strong> />
conheceu, Cân-di-da. Dois meses que você transformou minha vida num. Homem<<strong>br</strong> />
nenhum me deixou assim, sua... Droga! Nem te xingar eu consigo. Hoje, foi a posse<<strong>br</strong> />
dela. Eu devia ter ido. Juíza! Todo mundo lá. Eu devia ter feito um escândalo:<<strong>br</strong> />
(cantando) Pare! Agora! Senhor Juiz!... Pare <strong>com</strong> esta merda! Essa mulher é uma<<strong>br</strong> />
assassina! Ela tirou minha vida! Florentina, Florentina... Me seduziu. Me deixou. E<<strong>br</strong> />
agora... Se você <strong>não</strong> me quer, porque continua sozinha? Não vi você <strong>com</strong> ninguém,<<strong>br</strong> />
Cândida. Ninguém. (Pega um cartãozinho da bolsa.) Ninguém. (Fica olhando o<<strong>br</strong> />
cartão.) Lem<strong>br</strong>a, Cândida, do presente que você me deu no nosso terceiro dia? E o<<strong>br</strong> />
cartãozinho? Tão lindinho, sem assinatura... Estética! Dois meses!<<strong>br</strong> />
Cena 21 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zé! Que caixas são aquelas lá na sala?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não leu <strong>não</strong>? É a televisão nova. E as caixas de som.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Televisão, daquele t<strong>ama</strong>nho?<<strong>br</strong> />
ZÉ - De lenhar, Lucinha! Instala ela no som, bota as caixas, vai parecer até cinema!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Quanto custou isso, Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ - É segredo! É meu presente de aniversário pra você! (Dá um cartãozinho pra ela.) Eu<<strong>br</strong> />
sei que ainda é no mês que vem, mas...<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
20
LUCINHA (a<strong>br</strong>indo o cartão) - Deve ter custado os olhos da cara!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Comprei a prestação. Quinze vezes. Sai bem mais caro, mas era assim ou nada.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você <strong>não</strong> pára de gastar, Zé. Parece que só eu me preocupo <strong>com</strong> as coisas<<strong>br</strong> />
dessa casa.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu acho que você se preocupa demais.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tô preocupada mesmo é <strong>com</strong> o consultório, Drª. Beth <strong>não</strong> está bem.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Outra fossa?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Parece. Mas tem alguma coisa a mais que eu <strong>não</strong> sei. Nunca foi assim. Ela<<strong>br</strong> />
ficava arrasada e tudo, mas só eu percebia; ela nunca deixava transparecer nada para<<strong>br</strong> />
os pacientes. Agora, volta e meia, desmarca horário. Tá um mangue! Já perdeu<<strong>br</strong> />
vários pacientes. Se continuar assim... Pior que meu salário tá atrasado.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Por que você <strong>não</strong> sai de lá?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não! Sair <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Você que sabe. Tem cerveja na geladeira?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Vai beber, Zé? Não pega o turno hoje à noite?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Só umazinha para <strong>com</strong>emorar a televisão nova, Lucinha. Além do mais é sexta-feira.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você também <strong>com</strong>emora tudo! Parece um retardado.<<strong>br</strong> />
(Zé ri. Sai.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não sei pra que aquela monstrenga! Por mim, até aquela de 14 polegadas tava<<strong>br</strong> />
ótima. A imagem era tão boa... (Olha pro cartão.) Humpf! Nem assinou!...<<strong>br</strong> />
Cena 22 - RESIDÊNCIA DE JÚLIA E JULIANO<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Adorei a posse. É engraçado, né? Todo mundo cumprimentando os novos juizes<<strong>br</strong> />
no final. Parece fim de casamento, todo mundo beijando a noiva.<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Olha só que coincidência: encontrei uma ex-colega de ginásio, Cândida. Tomando<<strong>br</strong> />
posse também!<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Combinei de ir na casa dela na segunda. A gente era muito amiga; carne e unha.<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano, que é que você tem?<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Vai dizer que tá chateado por causa do carro? Não tenho culpa do carro pifar logo<<strong>br</strong> />
no dia da sua posse. Mas deu pra chegar a tempo, <strong>não</strong> deu?<<strong>br</strong> />
JULIANO - ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Você que <strong>não</strong> quis ir <strong>com</strong> seu carro. Eu disse, o meu <strong>não</strong> tá bom ... Segunda, eu<<strong>br</strong> />
levo na oficina.<<strong>br</strong> />
JULIANO ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Pra você. (Entrega um presente.)<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
21
(Juliano a<strong>br</strong>e o presente. Lê o cartão.)<<strong>br</strong> />
JÚLIA - E então?<<strong>br</strong> />
JULIANO - O<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Ah, então, você fala!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sem assinatura?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Já tem os nomes no envelope; estética!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ah. (Sai.)<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano anda muito estranho. Segunda, vou falar <strong>com</strong> a psicóloga dele. Engraçado.<<strong>br</strong> />
Há anos que ele faz análise <strong>com</strong> ela e eu <strong>não</strong> a conheço.<<strong>br</strong> />
Cena 23 - SALA DE ESPERA DO CONSULTÓRIO DE BETH<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Drª. Beth <strong>não</strong> está.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Demora?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ela <strong>não</strong> vem hoje.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Tsk. Eu devia ter telefonado antes.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Sem dúvida. Mas a senhora deixa seu telefone...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não. Melhor <strong>não</strong>. Meu marido pode atender... É so<strong>br</strong>e ele que eu quero falar. Ele é<<strong>br</strong> />
paciente dela.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Qual o nome?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Juliano Ferraz.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Sei.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Ele anda tão estranho... Você <strong>não</strong> poderia me dar o telefone da casa dela?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - É impor...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não insista, <strong>não</strong> tenho permissão.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Minha filha, deixe de bobagem. Se eu quiser, eu posso encontrar o telefone da<<strong>br</strong> />
casa dela na lista, posso perguntar a meu marido, eu só estou querendo ganhar<<strong>br</strong> />
tempo, tenho muita coisa pra fazer hoje, tenho que levar o carro na oficina, tenho<<strong>br</strong> />
que... Ah! Não vou ficar aqui lhe dando satisfação da minha vida.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Nem eu quero. A senhora vá e procure na lista ou pergunte a seu marido.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - O<strong>br</strong>igada pela ajuda! (Sai.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - De nada. Imagina se eu.<<strong>br</strong> />
ZÉ (entrando) - Oi. Te atrapalho?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zé?! Que é que você tá fazendo aqui a essa hora? Você <strong>não</strong> trabalhava de<<strong>br</strong> />
manhã hoje?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Fui despedido.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Quê? Ha! Eu sabia. Eu sempre te disse: Pólo <strong>não</strong> dá segurança!<<strong>br</strong> />
ZÉ - O que é que a gente vai fazer agora?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
22
LUCINHA - Também <strong>não</strong> é o fim do mundo. Você deve receber uma bolada agora.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Como <strong>não</strong>? Com o tempo de serviço que você tem?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Foi justa causa.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O que?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Foi justa causa. De sexta pra sábado. Eu tinha tomado umas cervejas, você lem<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />
Pôxa, eu tava alegre. Mas aí, o Benedito, o chefe da área , veio falar <strong>com</strong>igo e sentiu<<strong>br</strong> />
o cheiro. Aí ele <strong>com</strong>eçou <strong>com</strong> aquela lengalenga, bêbado no trabalho <strong>não</strong> pode, pêpê-pê<<strong>br</strong> />
caixa de fósforo, <strong>com</strong>eçou a me esculhambar na frente de todo mundo dizendo<<strong>br</strong> />
que podia me botar pra fora, que eu era in<strong>com</strong>petente, e aí...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E aí, Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ - E aí eu estourei, dei logo dois póca-ôi nele.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Isso, na madrugada de sábado?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Foi.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E você só me conta hoje?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu pensei que, <strong>com</strong> o tempo, o Benedito reconsiderasse. Eu fui lá, pedi desculpas, mas<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> teve jeito.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Justa causa. E você <strong>não</strong> tem direito a nada?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tenho. Mas é pouca coisa. Como é que eu vou pagar as prestações da tv? E o<<strong>br</strong> />
apartamento?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não. Deve ter um jeito. Vou perguntar pra Seo... Um paciente de Drª. Beth,<<strong>br</strong> />
juiz do trabalho. Ele pode informar direito.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Pra isso, eu <strong>não</strong> preciso de nenhum paciente daqui. Também tenho minha prima juíza.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Que você nunca mais viu. Mas é bom. Se informe direito so<strong>br</strong>e o que você<<strong>br</strong> />
tem direito de ganhar. Não aceita tudo assim fácil <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
ZÉ - É. Minha mãe deve saber onde ela mora. Vou lá hoje mesmo.<<strong>br</strong> />
Cena 24 - RESIDÊNCIA DE CÂNDIDA<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Cândida! Quer dizer que você teve um caso <strong>com</strong> a psicóloga de meu marido?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Drª. Bethânia Guimarães.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Se o Juliano fica sabendo disso, é capaz de largar a análise.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - E você? Supresa?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Com sua homossexualidade? Imagina! Todo mundo desconfiava no colégio.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - É?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Vai dizer que você <strong>não</strong> percebia o zum-zum-zum?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Perceber, percebia. Mas nunca achei que você ...<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu <strong>não</strong>, eu era sua amiga. Mas tinha um grupinho que só se referia a você <strong>com</strong>o.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Falando em grupinho, e o teatro? Nunca mais?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Nunca. Foi só naquela época mesmo...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu jurava que você ia ser atriz.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
23
(Toca a campanhia)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Deixa eu ver quem é.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - À vontade.<<strong>br</strong> />
(Cândida sai. Júlia pensa. Sorri levemente. Perde o sorriso. Suspira, resignada.)<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Cândida?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (de fora) - Sim. Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Lem<strong>br</strong>a de mim?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (de fora) - Claro! Você <strong>não</strong> mudou nada. Vamos entrar. (Entram.) A última vez<<strong>br</strong> />
que te vi foi no seu casamento. Júlia, este é meu primo, Zé. Esta é Júlia, uma amiga.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tô atrapalhando?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não, imagina!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu posso voltar mais tarde.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - E sua mulher, <strong>com</strong>o é mesmo o nome dela?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Lúcia. Lucinha. Vai bem. Trabalha <strong>com</strong>o atendente para uma psicóloga.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - É?<<strong>br</strong> />
ZÉ - É. Drª. Beth. É... Bethânia Guimarães, eu acho.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Já ouvi falar.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Já?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Drª. Beth é famosa.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu... Eu vim te procurar pra te pedir uns conselhos.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Bom, eu acho que eu é que devo ir embora.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não, pode ficar.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Conselhos?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu fui despedido. Queria saber direito quais são os meus ... direitos.<<strong>br</strong> />
Cena 25 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E o que foi que ela disse?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Aquilo mesmo que eu já sabia, Lucinha. Dado às circunstâncias, só as férias e a parte<<strong>br</strong> />
do décimo terceiro. Agora, ela me falou pra tentar negociar lá na fá<strong>br</strong>ica de, ao invés<<strong>br</strong> />
de justa causa, ser <strong>com</strong>o se eu tivesse pedido demissão. Justa causa vai pra carteira,<<strong>br</strong> />
fica mais difícil arranjar emprego depois.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você bebeu de novo! Por que <strong>não</strong> foi pra fá<strong>br</strong>ica ao invés de ficar enchendo a<<strong>br</strong> />
cara?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Eu fui, mas o Benedito tava puto da vida e fez a minha caveira. Vai ser justa causa<<strong>br</strong> />
mesmo.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você também tinha que bancar o machão, Zé?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Um homem tem seu orgulho, Lucinha!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Orgulho? Um bundão <strong>com</strong>o você?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
24
(Zé ri. )<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Como é que a gente vai fazer? Meu emprego também tá indo de mal a pior.<<strong>br</strong> />
Acho melhor você devolver aquela tv monstro.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Isso <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - E o apartamento, vai deixar de pagar? Vai perder o apartamento e ficar <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
televisão de baixo do viaduto?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Seria bom se eu morresse.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ôxe!<<strong>br</strong> />
ZÉ - É. Se eu morrer, o apartamento é seu, <strong>não</strong> precisa pagar mais nada.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Deixa de falar besteira.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Minha prima tava <strong>com</strong> uma amiga. Não sei se era caso. Quando eu fui embora, a outra<<strong>br</strong> />
tava sem carro e eu dei uma carona. Acabei indo pro shopping <strong>com</strong> ela. Gente<<strong>br</strong> />
finíssima! Tomou um chopinho <strong>com</strong>igo e tudo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você tá bêbado, Zé...<<strong>br</strong> />
Cena 26 - EM FRENTE À RESIDÊNCIA DE CÂNDIDA<<strong>br</strong> />
(Beth bêbada.)<<strong>br</strong> />
BETH - Eu estou lúcida! A<strong>br</strong>e esta porta, Cândida! Eu sei que você está aí! Eu vi! Eu vi a<<strong>br</strong> />
outra entrando hoje, sua vaca. Eu vi. Gostosinha ela, bem seu tipo! Até se parece<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>igo. Cândida! A<strong>br</strong>e aí! A<strong>br</strong>e, sua puta! Você <strong>não</strong> podia ficar <strong>com</strong> outra. Não<<strong>br</strong> />
podia. Eu vi. Eu vi.<<strong>br</strong> />
Cena 27 - CONSULTÓRIO DE BETH<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu vi, Drª. Beth. Ela disse que ia na casa de uma amiga. Eu desconfiei. Segui.<<strong>br</strong> />
Ela entrou numa casa. Logo depois, chegou um homem. E os dois saíram juntos.<<strong>br</strong> />
Rindo. Foram ao shopping, tomar chope. Júlia nunca tomou chope <strong>com</strong>igo. Fiquei<<strong>br</strong> />
desnorteado pensando em fazer uma besteira. Tentei falar contigo o dia inteiro, mas<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> te encontrei em lugar nenhum. Pelo amor de Deus, me ajude! Eu amo Júlia! Não<<strong>br</strong> />
suporto vê-la <strong>com</strong> outro. Eu quero <strong>mata</strong>r. Eu quero <strong>mata</strong>r minha mulher! O que é que<<strong>br</strong> />
eu faço?<<strong>br</strong> />
BETH - Mate.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Drª. Beth!<<strong>br</strong> />
BETH - Se você a <strong>ama</strong> de verdade, mate-a.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
25
JULIANO - Eu <strong>não</strong> posso <strong>mata</strong>r Júlia assim, sem mais nem menos. E a minha carreira?<<strong>br</strong> />
BETH - Se você quiser, eu mato.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Quê?<<strong>br</strong> />
BETH - Um acordo. Eu mato a sua mulher e você <strong>mata</strong> a minha.<<strong>br</strong> />
JULIANO - A sua?!<<strong>br</strong> />
BETH - Isso.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Beth, você...!?<<strong>br</strong> />
BETH - Isso <strong>não</strong> vem ao caso agora.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Mas por que você quer...?<<strong>br</strong> />
BETH - Ela está <strong>com</strong> outra. Eu sei exatamente o que você está sentindo, Juliano. Eu<<strong>br</strong> />
também vi.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Então?<<strong>br</strong> />
BETH - Já disse, eu mato a sua e você, a minha. Vi isso uma vez num filme.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu também vi, mas, no filme, um dos caras desistiu.<<strong>br</strong> />
BETH - Por que pensava que era <strong>br</strong>incadeira. Eu <strong>não</strong> estou <strong>br</strong>incando!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nem eu. Acordo feito.<<strong>br</strong> />
BETH - Muito bem.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Precisamos planejar tudo direito.<<strong>br</strong> />
BETH - Claro! Eu também tenho minha carreira, minha vida. Não quero terminar meus<<strong>br</strong> />
dias atrás das grades.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu tenho uma arma, mas é registrada.<<strong>br</strong> />
BETH - Eu tenho uma, ilegal.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ótimo!<<strong>br</strong> />
LUCINHA (entrando) - Eu quero também!<<strong>br</strong> />
BETH e JULIANO - O quê?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu também quero <strong>mata</strong>r meu marido.<<strong>br</strong> />
BETH - Lúcia!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Como é que você...?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu estava ouvindo tudo.<<strong>br</strong> />
BETH - Você estava escutando atrás da porta?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Do banheiro, dá pra ouvir tudo que se fala aqui pelo sistema de ventilação.<<strong>br</strong> />
BETH - Quer dizer que você ouve todas as sessões <strong>com</strong> meus pacientes?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Só as que me interessam.<<strong>br</strong> />
BETH - Lúcia!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Depois, a gente fala so<strong>br</strong>e isso. Vamos ao que interessa. Eu quero <strong>mata</strong>r meu<<strong>br</strong> />
marido, a senhora quer <strong>mata</strong>r a sua mulher e seo Juliano quer <strong>mata</strong>r a mulher dele.<<strong>br</strong> />
Estamos juntos nisso ou <strong>não</strong>?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sim! Não?<<strong>br</strong> />
BETH - Talvez.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu conheci sua mulher. Ela esteve aqui ontem.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu sei. Eu tava seguindo ela.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu adoraria matá-la.<<strong>br</strong> />
BETH - Você deve conhecer a minha, Cândida. Ela tomou posse <strong>com</strong>o juíza junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
você.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Sei. Foi a que passou em primeiro lugar. Pode deixar que eu mato.<<strong>br</strong> />
BETH - Bem, só me resta o seu marido, Lúcia.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
26
LUCINHA - O Zé, a senhora conhece.<<strong>br</strong> />
BETH - Pois bem. Como é que nós vamos fazer isso?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Vamos pensar <strong>com</strong> calma e agir <strong>com</strong> cautela. Eu sugiro uma coisa. A gente vai<<strong>br</strong> />
pra casa; pensa. <strong>Quem</strong> tiver alguma idéia, marca um encontro. De preferência, fora<<strong>br</strong> />
daqui.<<strong>br</strong> />
BETH - Certo.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Mas muito cuidado <strong>com</strong> o telefonemas. Nada de tocar nas palavras plano,<<strong>br</strong> />
morte ou qualquer outra coisa que cause desconfiança. A gente <strong>com</strong>bina, sei lá, uma<<strong>br</strong> />
reunião, uma festinha. Algo bem inocente.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Fechado.<<strong>br</strong> />
BETH - Fechado.<<strong>br</strong> />
Cena 28 - RESIDÊNCIA DE CÂNDIDA<<strong>br</strong> />
JÚLIA - O que você está dizendo, Cândida?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Querem nos <strong>mata</strong>r, Júlia!<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Como?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Ainda <strong>não</strong> sabem. E a nossa vantagem é essa.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Não tô entendendo.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Hoje de manhã, eu fui ao consultório de Beth. Ela fez um escândalo ontem à<<strong>br</strong> />
noite aqui em minha porta. Resolvi ir lá e conversar <strong>com</strong> ela, dar um basta nessa<<strong>br</strong> />
situação. Cheguei lá, a sala de espera estava vazia. Eu tava apertada, fui ao sanitário.<<strong>br</strong> />
Lá, eu <strong>com</strong>ecei a ouvir umas vozes. Achei esquisito aquilo. Procurei e desco<strong>br</strong>i que,<<strong>br</strong> />
pelo tubo de ventilação, dava pra ouvir tudo que se falava no consultório.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Sim. E daí?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Imagine, poder ouvir todas as confissões de um paciente pra sua psicóloga!<<strong>br</strong> />
Fiquei ouvindo. No <strong>com</strong>eço, eu <strong>não</strong> entendi direito. Mas, depois, pude escutar<<strong>br</strong> />
claramente. Estavam lá Beth, a atendente, que é mulher do meu primo, e um homem.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Vai dizer que era meu marido?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Era. Os três <strong>com</strong>binavam de nos <strong>mata</strong>r: eu, você e meu primo. Aliás, o Zé<<strong>br</strong> />
deve estar pra chegar.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu sabia que Juliano <strong>não</strong> estava bem.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Só <strong>não</strong> <strong>com</strong>preendi o motivo, ou os motivos. Bom, Beth é porque é louca.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Precisamos ch<strong>ama</strong>r a polícia!<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vão achar que nós somos as loucas. Até agora, eu mesma <strong>não</strong> acredito.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Eu acredito. Juliano tá muito estranho...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vocês têm alguma arma em casa?<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Um revólver. Mas sou eu que guardo.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Pegue. Leve sempre <strong>com</strong> você. Deixe na bolsa.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
27
Cena 29 - CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
JULIANO (sozinho) - Oh! Tem alguém aí? Alô! Ninguém. Ah! Tão chegando.<<strong>br</strong> />
(Entram Beth e Lucinha.)<<strong>br</strong> />
JULIANO - Oi. Tá meio abandonado isso aqui, <strong>não</strong>?<<strong>br</strong> />
BETH - Um lixo, Juliano.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Perfeito. Longe de tudo. Você soube escolher muito bem, Beth.<<strong>br</strong> />
BETH - Como?<<strong>br</strong> />
JULIANO - O local. Ninguém por perto. É ótimo! Tô doido pra saber o que vocês já<<strong>br</strong> />
pensaram de ontem pra hoje.<<strong>br</strong> />
BETH - Você chamou a gente aqui pra isso?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não. Vocês me ch<strong>ama</strong>ram aqui pra isso.<<strong>br</strong> />
BETH - O que é que está acontecendo aqui?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Isto, eu pergunto.<<strong>br</strong> />
BETH - Essa chácara <strong>não</strong> é sua?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não. Pensei que fosse sua.<<strong>br</strong> />
BETH - Peraí. Nós recebemos um fax seu.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu <strong>não</strong> mandei nada.<<strong>br</strong> />
BETH - Tá aqui: "Reunião, sem falta, hoje, doze de junho"... Ainda especificou a data!<<strong>br</strong> />
Doze de junho.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dia dos namorados.<<strong>br</strong> />
BETH - ..."quatro horas da tarde, na Chácara Felicidade." E um mapa, pra achar o caminho.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Recebi um fax igual. (Mostra.) Alguém queria nos reunir aqui.<<strong>br</strong> />
BETH - <strong>Quem</strong>?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Alguém que desco<strong>br</strong>iu nossas intenções.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Será?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O tubo... Ficou aberto...<<strong>br</strong> />
BETH - Então, foi isso! Alguém ouviu tudo e resolveu nos reunir numa chácara<<strong>br</strong> />
abandonada, longe de tudo, perfeita para...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Uma cilada! Alguém quer nos <strong>mata</strong>r, é isso?<<strong>br</strong> />
BETH - Eu vou embora.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu acho melhor a gente ficar.<<strong>br</strong> />
BETH - E esperar seo Lobo chegar e <strong>com</strong>er Chapeuzinho Vermelho? Não mesmo!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nós <strong>não</strong> sabemos quem tramou tudo isso, mas temos fortes suspeitas, <strong>não</strong><<strong>br</strong> />
temos? Se for mesmo uma cilada, poderemos nos defender melhor juntos.<<strong>br</strong> />
BETH - Não sei se eu concordo muito <strong>com</strong> isso <strong>não</strong>.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu, por mim, prefiro esperar e ver o que vai acontecer. Que horas são?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Já são quatro e vinte.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Quatro e vinte. <strong>Quem</strong> quer que seja, já deve estar chegando...<<strong>br</strong> />
BETH - Não sei <strong>não</strong>. Eu estou <strong>com</strong> medo.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Então?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu espero.<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
28
BETH - E se for só um susto? Se ninguém aparecer?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Esperamos até as cinco, certo?<<strong>br</strong> />
BETH - Tudo bem.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dia dos namorados.<<strong>br</strong> />
BETH - Chácara Felicidade... Que nome <strong>br</strong>ega!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu já dei uma volta por aí. Não tem nenhum sinal de caseiro, nada. A chácara<<strong>br</strong> />
deve estar abandonada há um tempo. Vou dar mais uma olhada lá no fundo. (Sai.)<<strong>br</strong> />
(Tempo.)<<strong>br</strong> />
BETH - Não aguento mais, Lúcia.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Calma, Drª. Beth.<<strong>br</strong> />
BETH - Eu vou embora. Essa história <strong>não</strong> está cheirando nada bem.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu acho que ele tá certo. É melhor esperar.<<strong>br</strong> />
BETH - A culpa é dele. A culpa é toda dele. De quem foi a idéia?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Foi dele?<<strong>br</strong> />
BETH - Não foi?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Todo mundo queria, <strong>não</strong> queria?<<strong>br</strong> />
BETH - Sim.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Então?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Até agora, nada?<<strong>br</strong> />
BETH - Nada.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Que horas já são?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Dez pras cinco. Daqui a pouco, escurece.<<strong>br</strong> />
BETH - Só vou esperar mais cinco minutos.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O senhor, que andou por aí, viu onde fica o sanitário?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Entrando aqui, você vai dar no corredor. O banheiro é lá.<<strong>br</strong> />
BETH - Deve estar um horror, <strong>com</strong>o tudo isso aqui.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu... vou lá e volto. (Sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Bela idéia a sua!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Minha? Pensei que tivesse sido sua.<<strong>br</strong> />
BETH - Agora, estamos aqui nesta chácara, esperando Deus sabe quem.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Nós também já vamos saber. Tá chegando um carro ali.<<strong>br</strong> />
BETH - Eu conheço esse carro. É de Cândida. (Pega a arma na bolsa.)<<strong>br</strong> />
JULIANO - Então... (Vê a arma.) O que é isso?<<strong>br</strong> />
BETH - Eu lhe disse que tinha uma arma, <strong>não</strong> disse?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Mas a gente <strong>com</strong>binou...<<strong>br</strong> />
BETH - Você acha que eu vou ficar dando sopa? E se ela também estiver armada?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tá chegando mais gente.<<strong>br</strong> />
BETH - É o carro do marido de Lúcia. Tem uma mulher <strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />
JULIANO - É Júlia!<<strong>br</strong> />
BETH - Sua mulher? Mas é a <strong>ama</strong>nte de Cândida!<<strong>br</strong> />
JULIANO - E o cara, o marido de Lúcia, é o <strong>ama</strong>nte da minha mulher!<<strong>br</strong> />
BETH - Você trouxe a sua arma?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não.<<strong>br</strong> />
BETH - Que in<strong>com</strong>petência, Juliano!<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
29
JULIANO - Como é que eu ia saber?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (entrando) - Beth.<<strong>br</strong> />
BETH - Parada aí. Se<strong>não</strong>, eu atiro.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Calma, Beth, calma!<<strong>br</strong> />
BETH - O que é isso, uma piadinha?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu quero conversar <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
BETH - Agora, ela quer conversar, Juliano. Olha só, que linda!<<strong>br</strong> />
JULIANO - Por que vocês nos trouxeram até aqui?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Pra conversar. Vocês <strong>não</strong> querem nos <strong>mata</strong>r? Nós queremos saber por quê.<<strong>br</strong> />
BETH - Como vocês desco<strong>br</strong>iram?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Não vem ao caso. Juliano, por que você <strong>não</strong> vai conversar <strong>com</strong> sua mulher e<<strong>br</strong> />
nos deixa sozinhas?<<strong>br</strong> />
BETH - Vá lá, Juliano.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Tudo bem. (Sai.)<<strong>br</strong> />
BETH - Então, eu precisei lhe apontar um revólver pra você conversar <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />
JULIANO (de fora) - Cadê minha mulher?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Me desculpe.<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - <strong>Quem</strong> é sua mulher?<<strong>br</strong> />
JULIANO (de fora) - Júlia.<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Ah!<<strong>br</strong> />
BETH - Você me fez sofrer muito, Cândida.<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Foi andando pra lá.<<strong>br</strong> />
JULIANO ( de fora) - O<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />
BETH - Fiquei dois meses feito louca,...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - E a Lucinha?<<strong>br</strong> />
BETH - ... atrás de você,...<<strong>br</strong> />
JULIANO (de fora) - Foi ao sanitário, lá dentro.<<strong>br</strong> />
BETH - ... implorando pra falar <strong>com</strong> você...<<strong>br</strong> />
ZÉ (entrando) - Lucin... Ôp!...<<strong>br</strong> />
BETH - Pode passar.<<strong>br</strong> />
(Zé vai entrando <strong>com</strong> cautela.)<<strong>br</strong> />
BETH - Passe logo!<<strong>br</strong> />
(Zé passa voando.)<<strong>br</strong> />
BETH - Eu parecia um cachorro seguindo seus passos. ...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Lucinha!<<strong>br</strong> />
BETH - ... Cão sem dono. ...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Lúcia!<<strong>br</strong> />
BETH - ... Dois meses!...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Cadê você?<<strong>br</strong> />
BETH - Sabia que hoje faz exatamente dois meses que você me deixou?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você que <strong>não</strong> deixou...<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
30
BETH - Silêncio! Eu passei dois meses querendo que você me escutasse e você, me<<strong>br</strong> />
evitando! Agora, eu tenho um revólver apontado pra sua cara e você vai ouvir tudo o<<strong>br</strong> />
que eu quiser! Silêncio total!<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Lucinha!<<strong>br</strong> />
BETH - Eu sei que eu...<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Ôxe!!<<strong>br</strong> />
BETH - Eu sei que eu sempre te dizia pra me deixar em paz. Mas era insegurança. Eu só<<strong>br</strong> />
precisava de um tempo. Se você tivesse...<<strong>br</strong> />
ZÉ (aparecendo) - Lucinha <strong>não</strong> tá aqui.<<strong>br</strong> />
BETH - Volte lá pra fora e <strong>não</strong> me atrapalhe mais!<<strong>br</strong> />
(Zé atravessa correndo.)<<strong>br</strong> />
BETH - Onde eu parei? Sim. Você <strong>não</strong> teve paciência.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu tive.<<strong>br</strong> />
BETH - Silêncio! Cinco dias. Parece pouco, <strong>não</strong> é? Pra mim, foi uma vida. Eu sei que<<strong>br</strong> />
quem estragou tudo fui eu. Mas você, depois. Foi pior do qualquer um dos homens<<strong>br</strong> />
que eu... <strong>não</strong> tive. Eu te liguei de volta, te pedi desculpa. Que mais você queria? Eu te<<strong>br</strong> />
amo. Cândida, eu... Você foi cruel... (Baixa a arma.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu <strong>não</strong> sabia que você era tão frágil. Te vi tomando um porre por causa de um<<strong>br</strong> />
homem, arrasada, mas, ao mesmo tempo, <strong>com</strong> um senso de humor...<<strong>br</strong> />
BETH - Defesa...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você se defende demais, Beth. Eu fiquei muito apaixonada por você naqueles<<strong>br</strong> />
cinco dias. Também foram uma vida pra mim. Quando eu desliguei o telefone, eu<<strong>br</strong> />
tava <strong>com</strong> raiva, achava que você precisava se decidir sozinha. Mas, depois, eu fiquei<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> medo de você, Beth! Você ficou agressiva. Ameaçou fazer escândalo no meu<<strong>br</strong> />
trabalho, fez escândalo anteontem na minha rua! Queria me <strong>mata</strong>r. Isso é amor? Eu<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> ch<strong>ama</strong>ria isso de amor.<<strong>br</strong> />
BETH - Você <strong>não</strong> gosta mais de mim?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - É engraçado. Apesar de suas maluquices, apesar de tudo, ontem eu fui te<<strong>br</strong> />
procurar pra dizer que, apesar de tudo isso, eu te queria. Talvez eu seja louca<<strong>br</strong> />
também. Só que aí, eu cheguei no seu consultório e ouvi, do banheiro - você sabe<<strong>br</strong> />
disso? Do banheiro, dá pra ouvir tudo o que se fala no consultório - eu ouvi vocês<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>binando nos <strong>mata</strong>r.<<strong>br</strong> />
BETH (<strong>com</strong> um riso <strong>ama</strong>rgo) - Quer dizer que eu estraguei tudo de novo?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA (<strong>com</strong>ovida) - Beth,...<<strong>br</strong> />
(Cândida avança na direção de Beth. Esta, num reflexo, dá um gritinho de susto e<<strong>br</strong> />
atira na outra. As duas se assustam. Cândida estanca. Mas a arma estava sem bala.)<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Beth!<<strong>br</strong> />
BETH (tremendo) - Eu <strong>não</strong> queria... Foi o susto, você veio e eu pensei... Ainda bem que<<strong>br</strong> />
estava sem bala. Esqueci de botar.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Graças a Deus. A essa hora, eu podia estar morta!<<strong>br</strong> />
BETH (a<strong>br</strong>açando Cândida) - Não! Isso <strong>não</strong>! Me perdoe. Eu te amo, eu te amo, eu te amo.<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você tá tremendo!<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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BETH - Foi sem querer...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Eu sei, eu sei.<<strong>br</strong> />
BETH - Me desculpe...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Vamos. Vou te levar pra casa.<<strong>br</strong> />
BETH - Meu carro...<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Você <strong>não</strong> está em condição de dirigir.<<strong>br</strong> />
BETH - Mas Lucinha, ela veio <strong>com</strong>igo. Como é que...?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - Ela volta <strong>com</strong> o marido.<<strong>br</strong> />
BETH - Não! Não. Já sei. Eu deixo a chave do meu carro. (Deixa a chave.) Preciso fazer<<strong>br</strong> />
um bilhete. Você tem papel?<<strong>br</strong> />
CÂNDIDA - No carro. Vamos, você deixa o bilhete no para<strong>br</strong>isa.<<strong>br</strong> />
BETH - Vamos.<<strong>br</strong> />
Cena 30 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
GONZAGA - "Gonzaga Dutra e a Notícia!" Vamos voltar à Chácara Felicidade, palco do<<strong>br</strong> />
dia dos namorados sangrento! Marlene Gonçalves!<<strong>br</strong> />
MARILENE - Bom, Gonzaga, está ficando tarde e logo logo a polícia deve suspender os<<strong>br</strong> />
trabalhos. Ainda <strong>não</strong> foi encontrada a arma do crime. Os proprietários do local<<strong>br</strong> />
disseram à polícia que a chácara estava abandonada há algum tempo e que até estava<<strong>br</strong> />
à venda. Não conheciam a vítima.<<strong>br</strong> />
Cena 31 - FUNDOS DA CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
JÚLIA - Você <strong>não</strong> me conhece, Juliano. Tantos anos juntos e. Como você pôde pensar que<<strong>br</strong> />
eu? Eu sempre me dediquei a você, ao nosso casamento. Fiz de tudo. Você odeia<<strong>br</strong> />
crianças, eu j<strong>ama</strong>is pedi pra termos um filho. Eu queria. Você matou meu cachorro?<<strong>br</strong> />
Tudo bem. Ouvia minhas conversas telefônicas, e daí? Eu <strong>não</strong> sou tua mulher? Eu fui<<strong>br</strong> />
uma menina criada pra obedecer o marido. Como minha mãe. E sempre me contentei<<strong>br</strong> />
em estar abaixo de você. Ou melhor, sempre procurei estar. Recusei inúmeras<<strong>br</strong> />
propostas de trabalho irrecusáveis só pra <strong>não</strong> ganhar mais do que você. Porque, no<<strong>br</strong> />
único mês em que isso aconteceu, eu vi <strong>com</strong>o você ficou, triste, humilhado. Não!<<strong>br</strong> />
Meu marido <strong>não</strong> pode se sentir humilhado por mim! Eu que posso ser humilhada por<<strong>br</strong> />
ele! E me orgulho disso. Sei que, se eu falar isso abertamente, vão me execrar. Por<<strong>br</strong> />
isso, eu disfarço um pouco. Mas é só. Eu nunca teria um <strong>ama</strong>nte. Você, eu sei que<<strong>br</strong> />
sempre teve outras, desde nosso primeiro mês de casados. Nunca <strong>com</strong>entei nada pra<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> te aborrecer. Sabe o que é isso, Juliano? Amor. No dia da sua posse, eu te dei um<<strong>br</strong> />
presente <strong>com</strong> um cartãozinho. Você nem ligou. Leu, disse que tava sem assinatura e,<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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depois, eu encontrei o cartãozinho no lixo da cozinha. Peguei. (Entrega o cartão pra<<strong>br</strong> />
ele.) O que está escrito é verdade, Juliano.<<strong>br</strong> />
JULIANO (lê) - Eu <strong>não</strong> acho que isso seja amor, Júlia. É muito pequeno. Amor, pra mim,<<strong>br</strong> />
tem que fazer loucuras, perder a cabeça, cegar. Sabe quando eu me desencantei <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
você? Quando você me disse que nunca me <strong>mata</strong>ria. Ali, eu vi que você <strong>não</strong> me<<strong>br</strong> />
<strong>ama</strong>va. O gesto extremo, Júlia! Só quem <strong>ama</strong> de verdade é capaz do gesto extremo. É<<strong>br</strong> />
a paixão, a entrega. Você nunca seria capaz do gesto extremo por mim. Eu sim.<<strong>br</strong> />
Apesar de tudo, eu continuei a te <strong>ama</strong>r. Quando te vi, rindo lá <strong>com</strong> outro, tomando<<strong>br</strong> />
chope, ah, eu quis te <strong>mata</strong>r! Por amor! Porque eu te amo. Eu te amo. Você <strong>não</strong>. Você<<strong>br</strong> />
<strong>não</strong> me <strong>ama</strong>.<<strong>br</strong> />
JÚLIA - O gesto extremo! É isso que você quer <strong>com</strong>o prova do meu amor?<<strong>br</strong> />
Cena 32 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
MARILENE - Pois é, Gonzaga. Parece que, agora, a polícia vai mesmo suspender os<<strong>br</strong> />
traba... Espere, espere! Parece que encontraram alguma coisa! Foi a arma? Vamos pro<<strong>br</strong> />
fundo da chácara. Encontraram alguma coisa. Deve ser a arma!<<strong>br</strong> />
Cena 33 - CHÁCARA FELICIDADE<<strong>br</strong> />
(Lucinha entra <strong>com</strong> o bilhete na mão.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Onde foi que Drª. Beth botou essa chave?<<strong>br</strong> />
ZÉ (entrando) - Lucinha!<<strong>br</strong> />
(Lucinha toma susto.)<<strong>br</strong> />
ZÉ - Onde é que você estava?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu... Eu... Fugi pela janela. Vi vocês, eu... fiquei <strong>com</strong> medo.<<strong>br</strong> />
(Zé ri.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Que chácara é essa aqui?<<strong>br</strong> />
ZÉ - É de minha tia, mãe de Cândida. Tá a venda. Porreta ter uma chácara, né?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Por que marcaram <strong>com</strong> a gente aqui?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Pra conversar. Vocês tão <strong>com</strong> a idéia maluca de <strong>mata</strong>r a gente, a gente achou melhor<<strong>br</strong> />
conversar antes pra ver se tira essa bobagem da cabeça de vocês.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Só pra conversar?<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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ZÉ - Bom. Eu trouxe o meu revólver...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O quê? Você tá armado?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Claro. Você, querendo me <strong>mata</strong>r, eu vinha pra cá sem arma? Sou menino?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zé!<<strong>br</strong> />
(Ouve-se um tiro.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O que foi isso?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Parece um tiro. Mas, nessa época, também pode ser uma bomba.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Cadê seo Juliano?<<strong>br</strong> />
ZÉ - O outro lá e a mulher? Foram praquele lad.. Ih! Acho que foi tiro mesmo.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Eu vou lá!<<strong>br</strong> />
ZÉ (segurando a mulher) - Tá maluca? Sabe lá quem tá dando tiro? Chega lá, so<strong>br</strong>a um pra<<strong>br</strong> />
você!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Mas, Zé!...<<strong>br</strong> />
ZÉ - Deixa! Eles que são <strong>br</strong>ancos que se entendam. E nós vamos nos entender aqui<<strong>br</strong> />
também. Por que é que você tá querendo me <strong>mata</strong>r?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ih, Zé! Nem sei se queria mesmo isso. Me solta!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Que queria, queria. Se <strong>não</strong> Cândida <strong>não</strong> ia fazer aquele enxame todo. Ela é sapatão<<strong>br</strong> />
mas <strong>não</strong> é maluca!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Sei lá, Zé!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Sei lá, o que?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Me solta! Eu preciso ver o que tá acontecendo lá!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Não enrola <strong>não</strong>, Lucinha! Só te solto quando você...<<strong>br</strong> />
LUCINHA -Aaaahhh!... Tá! O apartamento!<<strong>br</strong> />
(Zé solta a mulher.)<<strong>br</strong> />
ZÉ - O apartamento?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Você morria e eu ficava <strong>com</strong> o apartamento, é isso! Mas <strong>não</strong> é só isso <strong>não</strong>. É<<strong>br</strong> />
tudo. É essa vida, seus aparelhos de som, seus coligados, tudo. E também...<<strong>br</strong> />
ZÉ - Por isso aí era melhor pedir o divórcio do que me <strong>mata</strong>r. Você queria parar na cadeia,<<strong>br</strong> />
é? Puxa, Lucinha, você podia ter conversado <strong>com</strong>igo...<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Quantas vezes eu tentei, Zé? Só que você, ao invés de conversar, fica rindo<<strong>br</strong> />
feito um débil mental!<<strong>br</strong> />
(Zé ri.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ai que ódio! Ódio! Ódio, que eu tenho de você!<<strong>br</strong> />
ZÉ - Tudo bem. Se me odeia, a gente separa, na boa. Mas vivos!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ai, meu Deus! O que será que aconteceu <strong>com</strong> aqueles dois?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Pára de se meter na vida dos outros!<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Tá bom, Zé. A gente se separa na boa.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Olha, eu, por mim, prefiro ficar junto. Você tem tudo o que eu queria numa mulher.<<strong>br</strong> />
Pra mim, só tem duas coisas que a mulher <strong>não</strong> pode fazer: me botar chifre e roubar<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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meu dinheiro. E essa primeira até menos. Se for bem escondido e eu <strong>não</strong> souber de<<strong>br</strong> />
nada, <strong>não</strong> vai doer, <strong>não</strong> é mesmo? Vou embora. Vai <strong>com</strong>igo?<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não. Drª. Beth deixou a chave do carro dela.<<strong>br</strong> />
ZÉ - Vou estar em casa. Aí, é <strong>com</strong> você. Se quiser voltar, a casa é sua... E eu te quero<<strong>br</strong> />
muito. (Acena e sai.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA (sozinha) - Eu <strong>não</strong> vou voltar <strong>não</strong>, Zé. Eu preciso viver. Preciso <strong>ama</strong>r. Amar!<<strong>br</strong> />
Será que você sabe o que é isso? Amar!<<strong>br</strong> />
( Entra Juliano, <strong>com</strong> um revólver nas mãos. Chora.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Seo Juliano! O que...? O senhor...?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ela se matou.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Quê?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ela disse que ia fazer o gesto extremo, pegou o revólver na bolsa e se matou.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não foi o senhor?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Não.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Ai, Seo Juliano! O senhor <strong>não</strong> devia ter pego a arma então. Vão dizer que foi<<strong>br</strong> />
o senhor. (Pega a arma das mãos dele e <strong>com</strong>eça a limpá-la <strong>com</strong> um lenço.)<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ela me <strong>ama</strong>va, Lúcia.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Não. Ela só <strong>ama</strong>va a si mesma.<<strong>br</strong> />
JULIANO - Eu ainda tentei impedir mas ela... (Pega o cartão e mostra a Lucinha.) Olha.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - O que é isso?<<strong>br</strong> />
JULIANO - Ela me deu, no dia da minha posse: “Te amo para sempre”. Vê? Ela me <strong>ama</strong>va.<<strong>br</strong> />
Foi a única mulher que me amou. A única que eu amei. Nunca mais. Nunca mais vou<<strong>br</strong> />
querer outra mulher. (Pro cartão.) Nunca mais, Júlia! Nunca mais, meu amor! Só<<strong>br</strong> />
você me amou, Júlia. Só você!<<strong>br</strong> />
(Lucinha atira seguidas vezes em Juliano até que percebe que acabaram as balas.<<strong>br</strong> />
Juliano morre sem entender direito o que está acontecendo.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA (chorando mansamente) - Só eu te amei, seo Juliano.<<strong>br</strong> />
Cena 34 - RÁDIO<<strong>br</strong> />
MARILENE - É espantoso, Gonzaga! A polícia <strong>não</strong> só desco<strong>br</strong>iu a arma do crime <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
também outro corpo! Desta vez, é de uma mulher e o que tudo indica é que foi<<strong>br</strong> />
suicídio! Vamos falar <strong>com</strong> o investigador. Investigador, e aí?<<strong>br</strong> />
INVESTIGADOR - Com a descoberta do novo corpo já está praticamente tudo esclarecido.<<strong>br</strong> />
Ela é casada <strong>com</strong> a vítima, vimos pelos documentos. Está muito claro. Os dois<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>igaram, ela se descontrolou e deu cinco tiros no marido. Depois, <strong>não</strong> suportou e se<<strong>br</strong> />
matou. Homicídio seguido de suicídio. Não tenho dúvida. Crime passional.<<strong>br</strong> />
MARILENE- Gonzaga!<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
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GONZAGA - Agora, o último sucesso da noite:<<strong>br</strong> />
(Música.)<<strong>br</strong> />
Cena 35 - RESIDÊNCIA DE ZÉ E LUCINHA<<strong>br</strong> />
(Continua a música da cena anterior.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA (sozinha) - Zé! Desliga esse rádio e vem dormir!<<strong>br</strong> />
ZÉ (de fora) - Já vou.<<strong>br</strong> />
(Desliga-se o rádio. Zé entra. Olha, curioso, para a esposa.)<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Zé, você quer mesmo que eu fique, <strong>não</strong> quer?<<strong>br</strong> />
ZÉ - Quero.<<strong>br</strong> />
LUCINHA - Então, sem perguntas.<<strong>br</strong> />
(Zé ri. Deita-se. Dormem.)<<strong>br</strong> />
F I M<<strong>br</strong> />
<strong>Quem</strong> <strong>não</strong> <strong>ama</strong> <strong>não</strong> <strong>mata</strong> / <strong>Claudio</strong> <strong>Simões</strong><<strong>br</strong> />
Salvador, julho/1996<<strong>br</strong> />
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