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Gramática do Crioulo da ilha de Santiago (Cabo Verde) - Opus

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<strong>Gramática</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Crioulo</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong><br />

(<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>)<br />

elabora<strong>da</strong> por<br />

Jürgen Lang<br />

com a colaboração <strong>de</strong><br />

Liliana Inverno<br />

André <strong>do</strong>s Reis Santos e<br />

Andreas Blum<br />

© Jürgen Lang


Aviso importante<br />

A publicação <strong>de</strong>sta <strong>Gramática</strong> <strong>do</strong> <strong>Crioulo</strong> <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong><br />

(<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>) em formato eletrónico é uma obra em curso.<br />

Existe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, uma versão manuscrita completa em alemão<br />

que vai sen<strong>do</strong> revista e traduzi<strong>da</strong> para português. Assim, a<br />

sua publicação na internet avançará ao ritmo a que avançarem<br />

a revisão e tradução para português <strong>do</strong> texto original em<br />

alemão.<br />

O leitor dispõe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, <strong>de</strong> um Índice Geral, pormenoriza<strong>do</strong><br />

para as partes publica<strong>da</strong>s e reduzi<strong>do</strong> aos títulos para os ca-<br />

pítulos que aguar<strong>da</strong>m publicação. Para maior clareza, as par-<br />

tes publica<strong>da</strong>s aparecerão sempre, no Índice Geral, sobre<br />

fun<strong>do</strong> cinzento. O leitor dispõe também <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já <strong>de</strong> uma In-<br />

trodução, on<strong>de</strong> informamos sobre a finali<strong>da</strong><strong>de</strong>, as caracterís-<br />

ticas, as fontes, as bases teóricas e os pre<strong>de</strong>cessores <strong>de</strong>sta<br />

obra. E dispõe também <strong>de</strong> listas <strong>de</strong> abreviaturas para fontes,<br />

línguas e termos gramaticais. A bibliografia crescerá junta-<br />

mente com a gramática, em função <strong>da</strong>s novas entregas.<br />

É inevitável que a paginação <strong>da</strong> obra sofra algumas modifica-<br />

ções ao longo <strong>da</strong> publicação. Assim, aos que quiserem citar<br />

ou mencionar alguma passagem <strong>de</strong>sta gramática recomen<strong>da</strong>-se,<br />

que remetam não para páginas mas para parágrafos, tal como<br />

faz o seu autor nas suas remissões internas.


Prefácio<br />

Quase um <strong>de</strong>cénio <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> lançamento <strong>de</strong> Dicionário <strong>do</strong><br />

<strong>Crioulo</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> (<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>) com equivalências <strong>de</strong> tradução<br />

em alemão e português, elabora<strong>do</strong> por Martina Brüser e André<br />

<strong>do</strong>s Reis Santos, com a contribuição <strong>de</strong> Ekkehard Dengler e An-<br />

dreas Blum, sob a direcção <strong>de</strong> Jürgen Lang (Tübingen: Narr<br />

2002), iniciamos hoje, em versão eletrónica, a publicação <strong>da</strong><br />

gramática <strong>de</strong>ste crioulo anuncia<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o prefácio <strong>do</strong> Dicioná-<br />

rio.<br />

Motivos vários nos obrigaram a adiar o início <strong>da</strong> publica-<br />

ção <strong>de</strong> um manuscrito que, à época, estava já quase concluí<strong>do</strong>.<br />

O principal motivo foi ter-se revela<strong>do</strong> infrutífera a busca por<br />

uma pessoa <strong>de</strong> língua materna portuguesa com uma boa formação<br />

linguística, capaz e disposta a levar a cabo a revisão <strong>do</strong> por-<br />

tuguês. Encontrámo-la finalmente na recém-<strong>do</strong>utora<strong>da</strong> linguista<br />

<strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Liliana Inverno, que já nos tinha<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> provas <strong>do</strong>s seus excelentes <strong>do</strong>tes noutra ocasião. Saben<strong>do</strong><br />

por experiência que uma revisora <strong>de</strong> tais <strong>do</strong>tes não po<strong>de</strong> senão<br />

<strong>de</strong>scobrir inúmeros erros e incoerências no nosso texto, con-<br />

tribuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta forma po<strong>de</strong>rosamente para a melhoria <strong>do</strong> mesmo,<br />

consi<strong>de</strong>ramo-la não apenas revisora, mas colabora<strong>do</strong>ra. Tal tí-<br />

tulo convém ain<strong>da</strong> a duas outras pessoas: ao nosso colabora<strong>do</strong>r<br />

alemão <strong>de</strong> longos anos, Andreas Blum, que leu boa parte <strong>do</strong> ma-<br />

nuscrito alemão, chaman<strong>do</strong> a nossa atenção para tu<strong>do</strong> o que lhe<br />

parecia ambíguo e duvi<strong>do</strong>so, e ao nosso colabora<strong>do</strong>r cabover-<br />

diano, André <strong>do</strong>s Reis Santos, que forneceu m<strong>ilha</strong>res <strong>de</strong> frases<br />

exemplificativas para o nosso Dicionário, as quais aprovei-<br />

tamos <strong>de</strong> novo nesta gramática. André <strong>do</strong>s Reis Santos serviu-<br />

nos sempre <strong>de</strong> informante, a tal ponto que se po<strong>de</strong> dizer que é<br />

antes <strong>de</strong> mais o seu crioulo que nesta gramática se <strong>de</strong>screve.<br />

Esta gramática é, pois, o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma cooperação ger-<br />

mano-caboverdiano-portuguesa. Que to<strong>da</strong>s as pessoas menciona<strong>da</strong>s<br />

e as inúmeras outras que contribuíram <strong>de</strong> forma mais indireta<br />

para tornar esta obra possível, e entre as quais mencionamos<br />

apenas a nossa companheira Beate Gresser, encontrem aqui a<br />

expressão <strong>da</strong> nossa mais profun<strong>da</strong> gratidão.


0. Introdução<br />

0.1 Finali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

0.2 Características<br />

Indice geral<br />

0.2.1 Esta<strong>do</strong> atual <strong>da</strong> língua<br />

0.2.2 Que varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>?<br />

0.2.3 Fontes <strong>de</strong> informação<br />

0.2.4 Uma gramática abrangente<br />

0.2.5 Bases teóricas<br />

0.3 Pre<strong>de</strong>cessores<br />

0.3.1 Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho (1880-1886)<br />

0.3.2 Joaquim Vieira Botelho <strong>da</strong> Costa e Custódio José Duarte<br />

(1886)<br />

0.3.3 António <strong>de</strong> Paula Brito (1887)<br />

0.3.4 Arman<strong>do</strong> Napoleão Rodrigues Fernan<strong>de</strong>s (anterior a 1938)<br />

0.3.5 Baltasar Lopes <strong>da</strong> Silva (1957) e Maria Dulce <strong>de</strong><br />

Oliveira Alma<strong>da</strong> (1961)<br />

0.3.6 José G. Herculano <strong>de</strong> Carvalho e Mary Louise Nunes<br />

(1962)<br />

0.3.7 Donal<strong>do</strong> Pereira Mace<strong>do</strong> (1979)<br />

0.3.8 Izione S. Silva (1985)<br />

0.3.9 Os nossos contemporâneos<br />

0.4 Abreviaturas<br />

0.4.1 Abreviaturas <strong>da</strong>s fontes<br />

0.4.2 Abreviaturas <strong>da</strong>s classes <strong>de</strong> palavras<br />

0.4.3 Outras abreviaturas<br />

0.4.4 Símbolos<br />

0.5 Bibliografia<br />

I. SONS E ESCRITA<br />

1. Fonética e fonologia<br />

1.1. Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fónicas<br />

1.1.0 Observações preliminares<br />

1.1.1 Frase<br />

1.1.2 Palavra fónica<br />

1.1.3 Grupo tónico ('pé')<br />

1.1.4 Sílaba<br />

1.1.5 Fonema<br />

1.1.6 Texto exemplificativo com transcrição


1.2 Fonemas<br />

1.2.0 Observação preliminar a respeito <strong>da</strong><br />

nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

1.2.1 Fonemas vocálicos<br />

1.2.1.1 Inventário<br />

1.2.1.2 Traços distintivos<br />

1.2.1.3 Pares mínimos<br />

1.2.1.4 Emprego <strong>da</strong>s oposições semiaberto/<br />

aberto para diferenciar categorias<br />

gramaticais<br />

1.2.1.5 Traços não distintivos<br />

1.2.1.5.1 Lábios<br />

1.2.1.5.2 Cor<strong>da</strong>s vocais<br />

1.2.1.5.3 Altura<br />

1.2.1.5.4 Duração<br />

1.2.1.5.5 Tipos <strong>de</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

1.2.1.5.6 Texto exemplificativo com<br />

transcrição<br />

1.2.1.6 Neutralizações<br />

1.2.1.6.1 Neutralizações <strong>do</strong> grau <strong>de</strong><br />

abertura<br />

1.2.1.6.2 Neutralizações <strong>da</strong> oposição oral<br />

/ nasal<br />

1.2.1.7 Realização <strong>do</strong>s (arqui)fonemas<br />

1.2.1.7.1 Nas sílabas livres<br />

1.2.1.7.2 Nas sílabas trava<strong>da</strong>s<br />

1.2.1.8 Combinatória <strong>do</strong>s fonemas vocálicos<br />

1.2.1.8.1 Hiatos<br />

1.2.1.8.2 Ditongos<br />

1.2.2 Fonemas consonânticos<br />

1.2.2.1 Inventário<br />

1.2.2.1.1 O fonema /ŋ/<br />

1.2.2.1.2 Os fonemas consonânticos<br />

nasaliza<strong>do</strong>s<br />

1.2.2.1.3 O estatuto <strong>de</strong> /v/, /z/, /ʒ/, /ʎ/<br />

(/v/, /z/, /ʒ/, /ʎ/)<br />

1.2.2.2 Traços distintivos<br />

1.2.2.3 Pares mínimos<br />

1.2.2.4 Realizações<br />

1.2.2.4.1 Ponto <strong>de</strong> articulação<br />

1.2.2.4.2 /c/ e /ǯ/<br />

1.2.2.4.3 /s/, /z/, /ʒ/ e /ʃ/<br />

1.2.2.4.4 /r/<br />

1.2.2.4.5 Nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

1.2.2.5 Neutralizações<br />

1.2.2.6 Combinatória<br />

1.2.2.6.1 Generali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

1.2.2.6.2 Final <strong>da</strong> palavra<br />

1.2.2.6.3 Início <strong>da</strong> palavra<br />

1.2.2.6.4 Interior <strong>da</strong> palavra<br />

1.2.2.7 Mu<strong>da</strong>nça fónica no <strong>do</strong>mínio<br />

consonântico<br />

1.2.2.7.1 Que<strong>da</strong> <strong>do</strong> /b/ intervocálico<br />

1.2.2.7.2 Vocalização <strong>do</strong> /l/ diante <strong>de</strong><br />

consoante<br />

1.2.2.8 A fala <strong>de</strong> Nhu Lobu


1.3 Fenómenos fónicos suprasegmentais<br />

1.3.1 Estrutura fónica <strong>da</strong> sílaba<br />

1.3.2 Estrutura fónica <strong>da</strong> palavra<br />

1.3.2.1 Estrutura mais usual<br />

1.3.2.2 Tonici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

1.3.2.2.1 Natureza <strong>do</strong> acento fónico<br />

1.3.2.2.2 Palavras tónicas e átonas<br />

1.3.2.2.3 Lugar <strong>da</strong> sílaba tónica <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> palavra<br />

1.3.3 Grupo tónico<br />

1.3.3.1 Próclise e ênclise<br />

1.3.3.2 Elisões<br />

1.3.4 Entoação<br />

2. Escrita<br />

II. ANÁLISE DO DISCURSO<br />

3. Conversa, texto, frase, sintagma, palavra<br />

III. ESPÉCIES DE PALAVRAS: PALAVRAS LEXEMÁTICAS<br />

4. Sintagma verbal e verbo<br />

5. Sintagma adverbial e advérbio<br />

6. Sintagma substantival e substantivo<br />

7. Sintagma adjetival e adjetivo<br />

IV. ESPÉCIES DE PALAVRAS: PALAVRAS CATEGOREMÁTICAS<br />

8. Quantifica<strong>do</strong>res<br />

9. Seletores<br />

10. Situa<strong>do</strong>res<br />

V. ESPÉCIES DE PALAVRAS: PALAVRAS MORFEMÁTICAS


12. Subordina<strong>do</strong>res <strong>de</strong> orações<br />

13. Conjunções coor<strong>de</strong>nativas<br />

14. Preposições<br />

15. Conjunções subordinativas<br />

VI. ESPÉCIES DE PALAVRAS: INTERJEIÇÕES<br />

16. Interjeições<br />

VII. SINTAXE<br />

17. Negação e palavras <strong>de</strong> negação<br />

18. Interrogação e palavras interrogativas<br />

19. Or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s elementos <strong>da</strong> frase<br />

VIII. FORMAÇÃO DE PALAVRAS<br />

20. Formação <strong>de</strong> palavras


0. Introdução<br />

0.1 Finali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

À semelhança <strong>do</strong> nosso Dicionário <strong>do</strong> crioulo <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong> (<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>) (Brüser et al. 2002), esta gramática<br />

visa <strong>do</strong>is grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatários.<br />

Visa, por um la<strong>do</strong>, os próprios caboverdianos, especialmente<br />

os habitantes <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, que, nos âmbitos <strong>da</strong> litera-<br />

tura, <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> comunicação, <strong>da</strong> administração e <strong>da</strong> educação,<br />

li<strong>da</strong>m diariamente com o crioulo. Esperamos, por exemplo, que<br />

esta gramática possa servir <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> à elaboração <strong>de</strong><br />

materiais didáticos para o ensino <strong>da</strong> e na língua materna.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, esta gramática visa também os linguistas<br />

que, um pouco por to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, se ocupam <strong>da</strong>s línguas que<br />

<strong>de</strong>vem a sua existência a um processo <strong>de</strong> crioulização, com <strong>de</strong>s-<br />

taque para aqueles que estu<strong>da</strong>m os crioulos <strong>de</strong> base portugue-<br />

sa.<br />

Ambos os grupos necessitam <strong>de</strong> uma informação abrangente<br />

e fi<strong>de</strong>digna. No entanto, têm conhecimentos e dúvi<strong>da</strong>s espe-<br />

cíficas e precisam, por conseguinte, <strong>de</strong> informações em parte<br />

diferentes. Pedimos ao utiliza<strong>do</strong>r <strong>da</strong> gramática que tome este<br />

aspeto em consi<strong>de</strong>ração, caso se impaciente ao ver-se confron-<br />

ta<strong>do</strong> com informações aparentemente supérfluas.<br />

0.2 Características<br />

0.2.1 Esta<strong>do</strong> atual <strong>da</strong> língua<br />

O autor <strong>de</strong>sta gramática interessa-se vivamente pela criou-<br />

lização <strong>do</strong> português em <strong>Santiago</strong> e pela história <strong>do</strong> crioulo<br />

santiaguense. Contu<strong>do</strong>, o que aqui propõe é uma gramática es-<br />

tritamente sincrónica <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> atual <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>,<br />

ignoran<strong>do</strong> proposita<strong>da</strong>mente a sua história. A razão para este<br />

facto é a seguinte: uma interpretação <strong>do</strong> funcionamento atual<br />

<strong>da</strong> língua a partir <strong>da</strong> sua história facilmente nos levaria a<br />

<strong>de</strong>ixarmos passar <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong>s factos <strong>do</strong> crioulo atual e/ou


não facilmente explicáveis a partir <strong>de</strong>sses antece<strong>de</strong>ntes histó-<br />

ricos. Tais omissões mutilariam a própria história que se pre-<br />

ten<strong>de</strong> honrar, pelo que é melhor seguir a or<strong>de</strong>m contrária: um<br />

bom conhecimento <strong>do</strong> funcionamento atual <strong>da</strong> língua, não distor-<br />

ci<strong>do</strong> por preconceitos inspira<strong>do</strong>s pela história, é uma <strong>da</strong>s con-<br />

dições prévias para, no futuro, se po<strong>de</strong>r enfrentar com possi-<br />

bili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> êxito a reconstrução <strong>da</strong> história <strong>da</strong> língua. Apenas<br />

falaremos <strong>de</strong> formas mo<strong>de</strong>rnas e formas mais antigas <strong>de</strong> uma ex-<br />

pressão, quan<strong>do</strong> a sua convivência no crioulo santiaguense<br />

atual o justificar.<br />

0.2.2 Que varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>?<br />

A <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem apenas 55 Km <strong>de</strong> comprimento, 29 Km<br />

<strong>de</strong> largura, e uma superfície <strong>de</strong> 991 km 2 . Apesar disso, apresenta<br />

uma consi<strong>de</strong>rável variação linguística interna. Tivemos,<br />

pois, <strong>de</strong> escolher uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> particularmente representati-<br />

va. Tentámos fazer <strong>da</strong>s fraquezas forças, ao escolher como pon-<br />

to <strong>de</strong> referência o crioulo <strong>de</strong> André <strong>do</strong>s Reis Santos, que duran-<br />

te seis anos colaborou, em Erlangen, na elaboração <strong>do</strong> nosso<br />

Dicionário. Tu<strong>do</strong> aquilo que lhe era familiar foi aceite sem re-<br />

serva; o que lhe era pouco familiar ou <strong>de</strong>sconhecia por completo<br />

apenas foi aceite após confirmação por um número suficiente <strong>de</strong><br />

outras fontes.<br />

Nasci<strong>do</strong> em 1964 em João Teves <strong>do</strong>s Órgãos (Concelho <strong>de</strong> Santa<br />

Cruz), André <strong>do</strong>s Reis Santos viveu nessa locali<strong>da</strong><strong>de</strong> até à i<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> treze anos. Em 1977 entrou para o seminário, na Praia, c i -<br />

d a d e on<strong>de</strong> também frequentou o liceu. Mais tar<strong>de</strong>, obteve na<br />

Escola <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Professores uma licenciatura em Estu<strong>do</strong>s<br />

<strong>Cabo</strong>verdianos e Portugueses, apadrinha<strong>da</strong> pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Lisboa, antes <strong>de</strong> se juntar, em fevereiro <strong>de</strong> 1994, ao grupo <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong> Erlangen (Alemanha), ci<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> atualmente conti-<br />

nua a residir.<br />

A locali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> João Teves está situa<strong>da</strong> junto à estra<strong>da</strong><br />

principal que atravessa a <strong>ilha</strong> <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> su<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong><br />

está a capital, Praia, até à extremi<strong>da</strong><strong>de</strong> noroeste, on<strong>de</strong> se<br />

encontra a estação balnear <strong>do</strong> Tarrafal. Se começarmos na Praia<br />

a viagem pela <strong>ilha</strong> montanhosa, chegamos a João Teves após cerca


<strong>de</strong> 25 Km. Aproxima<strong>da</strong>mente 15 Km mais adiante encontramos a As-<br />

soma<strong>da</strong>, uma importante vila comercial no planalto central <strong>da</strong><br />

<strong>ilha</strong>. Contan<strong>do</strong> com, sensivelmente, <strong>do</strong>is mil habitantes, João<br />

Teves, embora niti<strong>da</strong>mente rural, não é <strong>de</strong> forma alguma remota<br />

ou provinciana. Em consequência, o crioulo que André <strong>do</strong>s Reis<br />

Santos fala é um crioulo que não chamará a atenção nem na<br />

capital, nem no interior <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>. Há povoações mais remotas<br />

(por exemplo, no Concelho <strong>de</strong> Santa Catarina) on<strong>de</strong> se fala um<br />

crioulo m u i t o mais ”fun<strong>do</strong>“, arcaico e regionalmente circun-<br />

scrito, enquanto que na Praia existe uma burguesia urbana que<br />

fala um crioulo ”leve“, muito mais influencia<strong>do</strong> pelo portu-<br />

guês <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> pública. Entre estes <strong>do</strong>is extremos, o crioulo <strong>de</strong><br />

André <strong>do</strong>s Reis Santos ocupa uma posição intermédia, neutra.<br />

0.2.3 Fontes <strong>de</strong> informação<br />

As fontes <strong>de</strong> informação nas quais se baseia esta gramática<br />

continuam a ser as utiliza<strong>da</strong>s na elaboração <strong>do</strong> nosso Dicio-<br />

nário, complementa<strong>da</strong>s por algumas publicações mais recentes. De<br />

facto, nenhum falante conhece to<strong>da</strong> a sua língua. Esta afirmação<br />

vale não só em relação ao conjunto <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> língua<br />

histórica que fala, mas até mesmo relativamente à varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

sa língua que mais usa. Para além disso, nenhum informante con-<br />

segue, mesmo sen<strong>do</strong> bom linguista, sentar-se simplesmente a uma me-<br />

sa e <strong>de</strong>screver a própria língua. Como tal, foi forçoso compilar<br />

um corpus linguístico tematicamente diferencia<strong>do</strong> e completá-lo,<br />

posteriormente, com a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> André <strong>do</strong>s Reis Santos.<br />

As fontes que foram sistematicamente analisa<strong>da</strong>s pertencem,<br />

sem exceção, ao discurso oral e divi<strong>de</strong>m-se em três tipos: gra-<br />

vações (31 entrevistas efetua<strong>da</strong>s pelo autor e colabora<strong>do</strong>res<br />

<strong>de</strong>sta gramática, nomea<strong>da</strong>mente André <strong>do</strong>s Reis Santos e Maria <strong>do</strong><br />

Carmo Massoni), transcrições leva<strong>da</strong>s a cabo por André <strong>do</strong>s Reis<br />

Santos (44 <strong>da</strong>s ane<strong>do</strong>tas <strong>de</strong> Nastási Lópi disponíveis em cas-<br />

sete), e material já transcrito e publica<strong>do</strong> por outros auto-<br />

res (os mais <strong>de</strong> 100 contos tradicionais transcritos na sua<br />

maioria por professores e edita<strong>do</strong>s por Tomé Varela <strong>da</strong> Silva sob<br />

o título Na bóka noti, Vulumi-I, Sigundu Idison, Instituto <strong>da</strong><br />

Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro, Praia 2004, e os contos <strong>de</strong> Un<br />

bes tinha Nhu Lobu ku Xibinhu… e <strong>de</strong> Karlus Magnu di Pasaji pa<br />

Kabu Verdi, organiza<strong>do</strong>s e coordina<strong>do</strong>s por Humberto Lima e


publica<strong>do</strong>s, nos anos 2000 e 2005 respetivamente, pelo Institu-<br />

to Nacional <strong>de</strong> Investigação Cultural, na Praia, que em 2005<br />

tinha passa<strong>do</strong> a Instituto <strong>da</strong> Investigação e Património Cultu-<br />

rais). Apenas esporadicamente foram consulta<strong>da</strong>s outras fontes.<br />

É o caso <strong>de</strong> quatro longos contos populares assentes por Luzia<br />

Seme<strong>do</strong> e <strong>de</strong> alguns textos literários, como por exemplo as mais<br />

<strong>de</strong> duzentas páginas <strong>do</strong> romance Odju d'agu, <strong>de</strong> Manuel Veiga (2a<br />

edição, Praia: Instituto <strong>da</strong> Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro<br />

2009, primeira ed. <strong>de</strong> 1986), os contos <strong>de</strong> Natal y kontus, <strong>de</strong><br />

Tomé Varela <strong>da</strong> Silva (Praia: Instituto <strong>Cabo</strong>verdiano <strong>do</strong> Livro<br />

1986) e os <strong>de</strong> Lagoa Gémia, <strong>de</strong> Danny Spínola, publica<strong>do</strong>s pela<br />

primeira vez em 2004.<br />

Cientes <strong>de</strong> que, no seu esta<strong>do</strong> atual, esta gramática está<br />

ain<strong>da</strong> longe <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a to<strong>da</strong>s as perguntas que lhe po<strong>de</strong>m di-<br />

rigir os intelectuais caboverdianos e os crioulistas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

convi<strong>da</strong>mos to<strong>do</strong>s os falantes e investiga<strong>do</strong>res <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong> a contribuírem para o seu aperfeiçoamento advertin<strong>do</strong>-<br />

nos sobre possíveis erros ou lacunas. Esforçar-nos-emos por le-<br />

var em conta tais advertências numa eventual revisão.<br />

0.2.4 Uma gramática abrangente<br />

Como já dissemos no prefácio ao nosso Dicionário, no que<br />

diz respeito à extensão <strong>do</strong> seu vocabulário e <strong>da</strong> sua gramática,<br />

não há ”línguas pequenas“. Como tal, não é correto continuar a<br />

tratar as línguas que são “pequenas” em termos <strong>do</strong> número <strong>de</strong><br />

falantes, como é o caso <strong>da</strong> generali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s línguas crioulas,<br />

como sen<strong>do</strong> línguas inferiores em termos lexicográficos ou gra-<br />

maticais. Eis uma <strong>da</strong>s razões pela qual <strong>de</strong>sejámos que esta<br />

gramática fosse muito mais abrangente que qualquer <strong>da</strong>s suas<br />

antecessoras. Outro aspecto que a distingue <strong>de</strong>stas é a vasta<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> frases exemplificativas (forneci<strong>da</strong>s, sem exce-<br />

ção, por falantes <strong>de</strong> crioulo) <strong>da</strong>s afirmações que contém. A re-<br />

flexão que nos levou a proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sta forma foi a seguinte:<br />

por vezes, os exemplos, quan<strong>do</strong> suficientemente numerosos, po-<br />

<strong>de</strong>m compensar, até certo ponto, lacunas ou <strong>de</strong>ficiências na<br />

<strong>de</strong>scrição.


0.2.5 Bases teóricas<br />

As bases teóricas subjacentes à nossa gramática são, além,<br />

evi<strong>de</strong>ntemente, <strong>da</strong> multissecular tradição gramatográfica oci-<br />

<strong>de</strong>ntal, um estruturalismo esclareci<strong>do</strong> <strong>de</strong> cunho europeu e a re-<br />

cente corrente <strong>de</strong> pragmática linguística, que inclui a teoria<br />

<strong>do</strong>s atos <strong>de</strong> fala.<br />

Quanto ao estruturalismo, isto significa, em primeiro lu-<br />

gar, elevar a função comunicativa a critério para a distinção<br />

entre o que são meras variantes (por ex. alofones, alomorfes,<br />

etc.) <strong>da</strong>quilo que são uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s linguísticas (por ex. fonemas,<br />

morfemas) distintas. Significa também admitir que as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

linguísticas formam oposições diretas ou indiretas e que as<br />

diretas são muitas vezes <strong>de</strong> carácter inclusivo, isto é, opõem<br />

um membro marca<strong>do</strong> a outro não marca<strong>do</strong> que po<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>termina-<br />

<strong>da</strong>s circunstâncias, aparecer em lugar <strong>do</strong> marca<strong>do</strong>. Assim, por<br />

exemplo, não nos surpreen<strong>de</strong>rá observar que, em muitos <strong>do</strong>s con-<br />

textos on<strong>de</strong> a 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' <strong>do</strong> processo não interessa ou<br />

resulta claramente <strong>do</strong> contexto, a partícula verbal ta <strong>do</strong> san-<br />

tiaguense, que indica precisamente 'imperfectivi<strong>da</strong><strong>de</strong>', não<br />

apareça (cf. 4.3.3). De facto, a oposição entre kánta e ta<br />

kánta não é entre 'perfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' e 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>', mas uma<br />

oposição inclusiva entre uma forma verbal morfológica e seman-<br />

ticamente não marca<strong>da</strong> e outra marca<strong>da</strong> para a 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A 'perfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' não é mais <strong>do</strong> que a leitura à revelia <strong>da</strong><br />

forma não marca<strong>da</strong>:<br />

kánta ta kánta<br />

A oposição inclusiva faz parte <strong>da</strong>queles princípios econó-<br />

micos <strong>da</strong> organização linguística que nos permitem, em muitos<br />

casos, não especificar mais <strong>do</strong> estritamente necessário.<br />

Em conformi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a nossa opção teórica, a perspetiva<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> será geralmente semasiológica e não onomasiológica.<br />

Quer dizer que partiremos <strong>do</strong>s morfemas gramaticais <strong>da</strong> língua,<br />

aclaran<strong>do</strong> qual a sua função (o seu 'significa<strong>do</strong>'), quais os


seus usos mais comuns e os correspon<strong>de</strong>ntes 'efeitos <strong>de</strong> senti-<br />

<strong>do</strong>'. A razão que nos leva a proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sta forma é que o núme-<br />

ro <strong>de</strong>stes morfemas e os limites entre os seus significa<strong>do</strong>s va-<br />

riam <strong>de</strong> uma língua para outra, pelo que a<strong>do</strong>tar a perspetiva<br />

inversa, a onomasiológica, implicaria partir não <strong>de</strong> significa-<br />

<strong>do</strong>s lingüísticos, mas <strong>de</strong> efeitos semânticos contextuais. Ora<br />

bem, o número <strong>de</strong>stes efeitos contextuais é, em princípio, in-<br />

finito.<br />

Na secção 4.3.3, diremos, por exemplo, que a partícula<br />

verbal ta significa ou marca 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' e que tal si-<br />

gnifica<strong>do</strong> a habilita para a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> processos futuros,<br />

presentes e passa<strong>do</strong>s, processos em progresso, processos habi-<br />

tuais e hipotéticos, etc., segun<strong>do</strong> os contextos linguísticos e<br />

situacionais on<strong>de</strong> o verbo precedi<strong>do</strong> <strong>da</strong> marca ta se insira.<br />

Isto é, ta não apresenta um caso <strong>de</strong> homonímia. 'Futuro', 'pro-<br />

gressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>', 'habituali<strong>da</strong><strong>de</strong>' etc. são apenas efeitos semân-<br />

ticos contextuais <strong>da</strong>s formas verbais imperfetiva<strong>da</strong>s.<br />

Se, pelo contrário, incluíssemos um capítulo intitula<strong>do</strong><br />

'futuro' para nele dizer que o futuro se forma antepon<strong>do</strong> a<br />

partícula ta ao verbo, <strong>da</strong>ríamos azo a uma dupla confusão. O<br />

leitor po<strong>de</strong>ria pensar que o crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem um futuro<br />

morfológico à imagem <strong>da</strong>s línguas europeias, sen<strong>do</strong> precisamente<br />

a ausência <strong>de</strong> tal futuro uma <strong>da</strong>s características mais notáveis<br />

<strong>do</strong> crioulo santiaguense. Para além disso, o leitor ficaria<br />

<strong>de</strong>sorienta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> noutro capítulo, intitula<strong>do</strong> Habitualis,<br />

apren<strong>de</strong>sse que o habitualis se forma <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que o 'fu-<br />

turo'. Outro exemplo: aju<strong>da</strong> realmente apren<strong>de</strong>r que o<br />

santiaguense oferece quatro possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para 'realizar' o<br />

'condicional': ta + verbo, verbo + ba, ta + verbo + ba e ál +<br />

verbo + ba (cf. Thiele 1991: 62)? Se não aju<strong>da</strong>, será porque no<br />

santiaguense não há condicional e os seus falantes não 'formam<br />

o condicional'. Regra geral, a inutili<strong>da</strong><strong>de</strong> didática <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> funcionamento sincrónico <strong>de</strong> uma língua é indício<br />

<strong>da</strong> sua <strong>de</strong>sa<strong>de</strong>quação teórica.<br />

A nossa posição não exclui a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ou até<br />

mais significa<strong>do</strong>s diferentes correspon<strong>de</strong>rem a um significante,<br />

isto é, não nega que existam casos <strong>de</strong> homonímia. À forma pro-<br />

clítica <strong>do</strong> pronome pessoal átono <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>do</strong> singu-<br />

lar e à forma não marca<strong>da</strong> <strong>do</strong> verbo cópula, por exemplo, cor-


espon<strong>de</strong> em santiaguense o mesmo significante e e não há moti-<br />

vos para pensar que, na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, se trata <strong>de</strong> uma forma com<br />

um único significa<strong>do</strong>. O mesmo vale para o significante kántu<br />

ao qual correspon<strong>de</strong>m <strong>do</strong>is significa<strong>do</strong>s completamente diferen-<br />

tes, aproxima<strong>da</strong>mente 'quan<strong>do</strong>' e 'quaqnto', etc. Mas no caso <strong>de</strong><br />

ta não há motivos para supor a existência <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ta, um ta <strong>de</strong><br />

'futuro' e outro <strong>de</strong> 'habitual', pois é evi<strong>de</strong>nte que o que ain-<br />

<strong>da</strong> não começou, a fortiori ain<strong>da</strong> não acabou, sen<strong>do</strong>, portanto,<br />

'imperfeito' no senti<strong>do</strong> etimológico <strong>da</strong> palavra. E é evi<strong>de</strong>nte<br />

que o que se faz habitualmente ain<strong>da</strong> não acabou <strong>de</strong> se fazer,<br />

sob pena <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser hábito. Resulta, pois, que, no<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, 'futuro' e 'habitualis' são apenas leitu-<br />

ras <strong>da</strong> 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' em contextos on<strong>de</strong> se fala <strong>do</strong> futuro<br />

ou <strong>do</strong> que é habitual. Sem tal contexto, E ta kánta expressa<br />

'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' sem precisar se se trata <strong>de</strong> uma ação futura<br />

ou habitual.<br />

Quem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que os significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s instrumentos gramati-<br />

cais <strong>de</strong> uma língua são imprecisos ou que é o número <strong>do</strong>s seus<br />

significa<strong>do</strong>s que é infinito, e não o número <strong>do</strong>s seus possíveis<br />

efeitos <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>, terá <strong>de</strong> nos explicar como os locutores<br />

conseguem <strong>de</strong>sambiguar as suas mensagens usan<strong>do</strong> tais significa-<br />

<strong>do</strong>s.<br />

Por sua vez, a pragmática ensina-nos, por exemplo, que as<br />

frases servem para realizar atos <strong>de</strong> fala e que elas próprias<br />

constituem textos (que, muitas vezes, fazem parte <strong>de</strong> outros<br />

textos mais vastos). Ao construir frases não aten<strong>de</strong>mos pois<br />

apenas à sua função <strong>de</strong>scritiva (<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes uma 'estrutura re-<br />

presentativa'), mas também à sua função interpessoal e textual<br />

(<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-lhes uma 'estrutura mo<strong>da</strong>l', que aponta para o ato <strong>de</strong><br />

fala que preten<strong>de</strong>mos realizar, e uma 'estrututa temática' ou<br />

'textual', <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a facilitar a sua receção pelo interlocu-<br />

tor). Isto faz com que tenhamos <strong>de</strong> contar, numa frase, não só<br />

com os elementos conheci<strong>do</strong>s <strong>da</strong> gramática tradicional, isto é,<br />

com expressões nominais (os chama<strong>do</strong>s 'complementos actan-<br />

ciais') que <strong>de</strong>signam as 'coisas' implica<strong>da</strong>s, com uma expressão<br />

que <strong>de</strong>signa o comportamento <strong>de</strong>stas 'coisas' ou a relação entre<br />

elas (o chama<strong>do</strong> 'sintagma verbal') e com expressões que situam<br />

to<strong>do</strong> o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas no espaço, no tempo e em relação às<br />

mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s para ele concebíveis (os chama<strong>do</strong>s 'complementos


circunstancias'). Temos <strong>de</strong> contar ain<strong>da</strong> com estratégias (in-<br />

versões, <strong>de</strong>slocações, etc.) e expressões (partículas, pala-<br />

vras, grupos <strong>de</strong> palavras) que precisam o tipo <strong>de</strong> ato que pre-<br />

ten<strong>de</strong>mos executar (pergunta, pedi<strong>do</strong>, or<strong>de</strong>m, suposição, afirma-<br />

ção, juramento, oferta, etc.), o seu tema ou tópico e a sua<br />

relação com os atos prece<strong>de</strong>ntes (objeção, rectificação, resu-<br />

mo, etc.) ou subsequentes (introdução, antecipação, etc.).<br />

Não <strong>de</strong>svalorizamos fatos <strong>de</strong>scobertos por <strong>de</strong>fensores <strong>da</strong><br />

chama<strong>da</strong> gramática gerativa, mas rejeitamos as bases teóricas<br />

<strong>de</strong>ssa corrente por consi<strong>de</strong>rá-las ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s ao objeto <strong>da</strong> lin-<br />

guística. Contamos, evi<strong>de</strong>ntemente, como os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong>ssa<br />

corrente, com a existência <strong>de</strong> princípios universais <strong>de</strong> estru-<br />

turação <strong>do</strong> discurso, mas os nossos não são os <strong>da</strong> gramática ge-<br />

rativa. Alguns exemplos aju<strong>da</strong>rão a compreen<strong>de</strong>r a nossa posi-<br />

ção.<br />

No <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> uma palestra a que assistimos sobre aquisi-<br />

ção <strong>de</strong> primeira língua por crianças, a conferencista confron-<br />

tou os ouvintes com a gravação <strong>de</strong> um texto numa língua exótica<br />

que ninguém <strong>do</strong>s presentes <strong>do</strong>minava, pedin<strong>do</strong>-lhes que tentassem<br />

acertar no número <strong>de</strong> frases conti<strong>do</strong> pelo texto. Após várias<br />

audições, uns disseram três, outros quatro. A ninguém ocorrera<br />

perguntar se os textos <strong>da</strong> língua em questão continham ou não<br />

frases. Ora bem, os linguistas continuam a procurar uma <strong>de</strong>fi-<br />

nição universalmente aceite <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> 'frase' e muitas<br />

vezes nem concor<strong>da</strong>m na <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> frases em textos concre-<br />

tos. Apesar disto, não po<strong>de</strong>mos imaginar um falar numa língua<br />

qualquer que não consistisse, pelo menos em parte, em toma<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> posição ante 'proposições', isto é, em afirmar, negar, exi-<br />

gir, prometer, pôr em dúvi<strong>da</strong>, etc. a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina-<br />

<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s, eventos, ações. E sabemos que esta necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

tem qualquer coisa que ver com o conceito intuitivo <strong>de</strong> 'fra-<br />

se'. A frase, no senti<strong>do</strong> que acabamos <strong>de</strong> precisar é, pois, um<br />

universal linguístico.<br />

É ain<strong>da</strong> um universal linguístico o que nos permite atri-<br />

buir a uma frase <strong>do</strong> tipo O João pinta a mulher diante <strong>da</strong> jane-<br />

la pelo menos três significa<strong>do</strong>s, segun<strong>do</strong> os contextos em que<br />

ocorrer. De facto, o que se situa diante <strong>da</strong> janela po<strong>de</strong> ser o<br />

João, a mulher ou o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas 'O João pinta a mulher'.<br />

Isto porque o homem comum sabe <strong>de</strong> forma intuitiva que um sin-


tagma com possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> situar algo po<strong>de</strong> situar, pelo me-<br />

nos, uma <strong>da</strong>s várias 'coisas' (aqui pessoas) que participam no<br />

'esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas' ou to<strong>do</strong> o 'esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas'.<br />

O nosso saber linguístico universal é pois fun<strong>da</strong>mental pa-<br />

ra o funcionamento <strong>da</strong>s línguas: se não procurássemos frases no<br />

que ouvimos, não po<strong>de</strong>riamos i<strong>de</strong>ntificar os atos <strong>de</strong> fala que o<br />

falante preten<strong>de</strong> executar. E se não soubéssemos que existem as<br />

referi<strong>da</strong>s alternativas <strong>de</strong> interpretação, não seríamos capaz <strong>de</strong><br />

elegir a que concor<strong>da</strong> com o respetivo contexto situacional e/<br />

ou linguístico. Seríamos, portanto, incapazes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r.<br />

Pelo contrário, não há, por exemplo, nenhuma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> admitir que to<strong>da</strong>s as línguas tenham <strong>de</strong> ser basicamente 'pro<br />

-drop' ou não. Porque não usaria uma língua pronomes <strong>de</strong> sujei-<br />

to átonos nuns contextos e noutros não? E porque se trataria<br />

<strong>de</strong> um 'dropping' nos contextos on<strong>de</strong> não usa os pronomes? Tra-<br />

ta-se <strong>de</strong> duas generalizações gratuitas: primeiro porque eleva<br />

in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente a protótipos <strong>da</strong>s restantes as línguas que os<br />

usam quase sempre ou as línguas que quase nunca os usam.; se-<br />

gun<strong>do</strong> porque postula um 'dropping' on<strong>de</strong> não há necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

o fazer. Quanta bibliografia sobre a questão <strong>de</strong> saber por que<br />

razão esta ou aquela língua neste ou naquele momento <strong>da</strong> sua<br />

história não se encaixa perfeitamente num <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is protótipos<br />

ou passa, supostamente, <strong>de</strong> um a para o outro! Isto não equiva-<br />

le a negar que muitos <strong>de</strong>stes trabalhos têm o mérito <strong>de</strong> enume-<br />

rarem <strong>de</strong> forma bastante exaustiva os casos on<strong>de</strong> aparece o<br />

pronome sujeito e os casos on<strong>de</strong> este não aparece.<br />

0.3 Pre<strong>de</strong>cessores<br />

Não queremos encerrar esta introdução sem passar revista<br />

às <strong>de</strong>scrições mais ou menos abrangentes <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong><br />

que apareceram durante os primeiros cem anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o trabalho<br />

pioneiro <strong>de</strong> Fransisco A<strong>do</strong>lfo Coelho (1880). Temos <strong>do</strong>is motivos<br />

para o fazer. Por um la<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s estes trabalhos contribuíram<br />

para uma crescente valorização <strong>do</strong> crioulo caboverdiano (cf.<br />

Veiga 2006) sem a qual a nossa gramática não encontraria lei-<br />

tores. Por outro la<strong>do</strong>, não teremos mais ocasião, salvo conta-<br />

<strong>da</strong>s exceções, <strong>de</strong> voltar a estas obras meritórias porque a qua-


li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> informação que fornecem costuma ser inferior à <strong>da</strong>s<br />

obras que apareceram <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1980.<br />

Na nossa sucinta história <strong>da</strong> gramatogafia <strong>do</strong> santiaguense,<br />

notaremos a incidência <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s movimentos intelectuais,<br />

sociais e políticos que marcaram aqueles cem anos, movimentos<br />

para os quais as obras em questão contribuíram elas mesmas,<br />

ain<strong>da</strong> que mo<strong>de</strong>stamente: sonhos <strong>de</strong> imperialismo colonial, toma-<br />

<strong>da</strong> <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> uma individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> cabo-verdiana, <strong>de</strong>sco-<br />

lonização, in<strong>de</strong>pendência. Mencionemos <strong>de</strong> passagem que as mais<br />

antigas <strong>de</strong>stas obras fornecem por vezes informações sobre es-<br />

ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> língua ultrapassa<strong>do</strong>s, possibilitan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta forma uma<br />

reconstrução pelo menos parcial <strong>da</strong> história <strong>do</strong> santiaguense, e<br />

que noutros casos, <strong>de</strong>scobertas mais recentes reabilitam obser-<br />

vações <strong>do</strong>s nossos pre<strong>de</strong>cessores que tiveram <strong>de</strong> resultar mais<br />

ou menos incompreensíveis aos seus contemporâneos.<br />

0.3.1 Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho (1880)<br />

Com o seu ensaio Os Dialectos Românicos ou Neo-Latinos na<br />

África, Ásia e América, publica<strong>do</strong> no Boletim <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Geografia <strong>de</strong> Lisboa, em volume que correspon<strong>de</strong> ao ano <strong>de</strong> 1880,<br />

Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho (1847-1919) abriu, para Portugal, um<br />

<strong>de</strong>cénio <strong>de</strong> intenso estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s coloniais e crioulos<br />

românicos, com <strong>de</strong>staque para os crioulos <strong>de</strong> base portuguesa.<br />

Ao ensaio <strong>de</strong> 1880 seguir-se-ão ain<strong>da</strong>, na mesma revista, umas<br />

Notas Complementares e Novas Notas Complementares, em volumes<br />

que correspon<strong>de</strong>m aos anos <strong>de</strong> 1882 e <strong>de</strong> 1886. Na introdução ao<br />

ensaio <strong>de</strong> 1880, Coelho menciona um "estu<strong>do</strong> que publicamos" <strong>do</strong><br />

dialecto crioulo <strong>de</strong> Santo Antão, basea<strong>do</strong> em materiais forneci-<br />

<strong>do</strong>s por um falante nativo <strong>da</strong>quela <strong>ilha</strong>, Cesár Augusto <strong>de</strong> Sá<br />

Nogueira, e anuncia uma "<strong>Gramática</strong> e vocabulário <strong>do</strong> in<strong>do</strong>-por-<br />

tuguês", basea<strong>da</strong> em materiais forneci<strong>do</strong>s pelo seu amigo, o<br />

rev. R. H. Moreton (cf. 1880, 1967: 3/4). Não conseguimos ob-<br />

ter mais informações respeitantes a estes <strong>do</strong>is trabalhos.<br />

É sabi<strong>do</strong> que arrancam <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 1881 as publicações <strong>de</strong> Hu-<br />

go Schuchardt sobre os crioulos, e precisamente com uma rese-<br />

nha, na Zeitschrift für romanische Philologie, <strong>da</strong> Étu<strong>de</strong> sur le<br />

patois créole mauricien <strong>de</strong> C. Baissac e <strong>do</strong>s Dialectos Români-


cos ou Neo-Latinos <strong>de</strong> Coelho. Coelho, que <strong>do</strong>minava o alemão,<br />

trocou cartas com Schuchardt e leu artigos <strong>do</strong> linguista <strong>de</strong><br />

Graz. As motivações <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is linguistas para se <strong>de</strong>bruçarem so-<br />

bre os crioulos não foram, porém, exatamente as mesmas. Não há<br />

dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que Coelho estava vivamente interessa<strong>do</strong> nos possí-<br />

veis contributos <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s crioulos para a linguística ge-<br />

ral. As suas Consi<strong>de</strong>rações Gerais no final <strong>do</strong> ensaio <strong>de</strong> 1880<br />

dão ampla prova <strong>de</strong>ssas preocupações (cf. 1880, 1967: 94-108 e<br />

Andra<strong>de</strong>/Kihm 1997). Mas se tal foi o interesse quase exclusivo<br />

<strong>de</strong> Schuchardt, o mesmo não vale para Coelho.<br />

Convém lembrar que foi no <strong>de</strong>cénio <strong>do</strong>s anos oitenta <strong>do</strong> sé-<br />

culo XIX que os sonhos coloniais <strong>de</strong> Portugal <strong>de</strong> compensar a<br />

per<strong>da</strong> <strong>do</strong> Brasil com novas aquisições na Ásia e na África atin-<br />

giram o seu apogeu - para logo cair em ruínas com o ultimatum<br />

inglês <strong>de</strong> 1890. Coelho queria contribuir, como linguista, para<br />

a realização <strong>de</strong>stes sonhos. Em 1887 assinou, junto com outros,<br />

um projecto <strong>de</strong> Curso Colonial Português, reedita<strong>do</strong> em 1890,<br />

junto com o projeto ain<strong>da</strong> mais ambicioso para a criação <strong>de</strong> um<br />

Instituto Oriental e Ultramarino Português <strong>de</strong> Guilherme <strong>de</strong><br />

Vasconcelos-Abreu (cf. Morais-Barbosa 1967: XIII-XVII). Estes<br />

projetos previam o ensino <strong>de</strong> línguas fala<strong>da</strong>s nas colónias por-<br />

tuguesas, nas respetivas instituições, e o segun<strong>do</strong> até o <strong>do</strong>s<br />

crioulos portugueses fala<strong>do</strong>s na África e na Índia. Coelho<br />

contava certamente com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um dia ensinar numa<br />

instituição <strong>de</strong>ste tipo. Parece sintomática a sua insistência,<br />

em 1887/1888, ao apresentar os trabalhos <strong>de</strong> Botelho <strong>da</strong> Costa/<br />

Duarte e <strong>de</strong> Paula Brito no Boletim, no seu papel <strong>de</strong> pioneiro<br />

no <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s crioulos. E não nos parece menos sinto-<br />

mática a sua <strong>de</strong>sistência <strong>de</strong>stes estu<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> 1890.<br />

Os complementos <strong>de</strong> 1882 e 1886 não ampliam as importantes<br />

informações acerca <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> que abrem o artigo<br />

<strong>de</strong> 1880. Naquele artigo, Coelho dá primeiro três cartas redi-<br />

gi<strong>da</strong>s por "pessoas instruí<strong>da</strong>s que falam bem o português, mas<br />

conhecem bem o crioulo racha<strong>do</strong>" (1880/1967: 5). Seguem Frases<br />

diversas (que terminam também com recortes <strong>de</strong> cartas), Adivi-<br />

nhações, Observações fonéticas, Observações morfológicas,<br />

Observações lexicológicas, uma lista <strong>de</strong> Nomes hipocorísticos<br />

ou nomes <strong>de</strong> casa e, finalmente, outra carta, dita<strong>da</strong> "por uma<br />

negra <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>" (1880/1967: 32).


Não sabemos até que ponto os três tipos <strong>de</strong> Observações são<br />

efetivamente <strong>da</strong> autoria <strong>de</strong> Coelho, pois ele mesmo fala <strong>do</strong> "pa-<br />

radigma [verbal] que nos enviou o nosso informa<strong>do</strong>r"<br />

(1880,1967: 15). Este paradigma (cf. 1880, 1967: 18/19) está<br />

cheio <strong>de</strong> erros. Cf. por ex.<br />

Perfeito composto<br />

Eu ten si<strong>do</strong> Eu tenho si<strong>do</strong><br />

Bu ten si<strong>do</strong> Tu tens si<strong>do</strong><br />

Êl, ê ten si<strong>do</strong> Ele tem si<strong>do</strong><br />

Nos, nu ten si<strong>do</strong> Nós temos si<strong>do</strong><br />

Ês tên si<strong>do</strong> Eles têm si<strong>do</strong><br />

em vez <strong>de</strong><br />

In ten si<strong>do</strong> (ou: Mi in ten si<strong>do</strong>)<br />

Bu ten si<strong>do</strong> (ou: Bo bu ten si<strong>do</strong>)<br />

Ê ten si<strong>do</strong> (ou: Êl ê ten si<strong>do</strong>)<br />

etc.<br />

… tu<strong>do</strong> isto admitin<strong>do</strong> que formas em ten si<strong>do</strong> fossem efeti-<br />

vamente crioulas. As Observações não servem, pois, para uma<br />

<strong>de</strong>scrição fi<strong>de</strong>digna <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> atual, e nem sequer<br />

para uma <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> em que se encontrava este crioulo cerca <strong>de</strong><br />

1880. Devi<strong>da</strong>mente interpreta<strong>da</strong>s, as frasas soltas e os textos<br />

forneci<strong>do</strong>s por Coelho po<strong>de</strong>m, pelo contrário, ser aproveita<strong>do</strong>s,<br />

em combinação com as informações <strong>de</strong> Paula Brito, para a recon-<br />

strução <strong>de</strong> traços linguísticos ultrapassa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> santiaguense.<br />

0.3.2 Joaquim Vieira Botelho <strong>da</strong> Costa e Custódio José Duarte<br />

(1886)<br />

No mesmo ano 1886 <strong>do</strong> Boletim em cujo nº 12 apareceriam as<br />

Novas Notas Complementares <strong>de</strong> Coelho, aparecera anteriormente,<br />

no nº 6, O <strong>Crioulo</strong> <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>. Breves estu<strong>do</strong>s sobre o<br />

crioulo <strong>da</strong>s <strong>ilha</strong>s <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> ofereci<strong>do</strong>s ao Dr. Hugo Schu-<br />

chardt, <strong>da</strong> autoria <strong>de</strong> Joaquim Vieira Botelho <strong>da</strong> Costa (1824-<br />

1898) e Custódio José Duarte (1841-1893). Uma versão manuscri-<br />

ta <strong>de</strong>stes estu<strong>do</strong>s já chegara às mãos <strong>de</strong> Schuchardt no mês <strong>de</strong>


Julho <strong>de</strong> 1884 (cf. Schuchardt 1887: 134), o qual só <strong>de</strong>pois <strong>da</strong><br />

impressão <strong>do</strong>s Breves estu<strong>do</strong>s se <strong>de</strong>cidiu a publicar a sua rese-<br />

nha no Literaturblatt für germanische und romanische Philolo-<br />

gie 8 (1887), 131-142. Ambos os autores eram nativos <strong>de</strong> Portu-<br />

gal, mas morreriam em São Vicente, <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> longa<br />

estadia no arquipélago, o primeiro como director <strong>da</strong> alfân<strong>de</strong>ga<br />

e como médico-poeta o segun<strong>do</strong>. Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-los cabo-ver-<br />

dianos por opção. Ambos eram homens <strong>de</strong> pluma. Botelho <strong>de</strong> Costa<br />

escreveu relatórios ao que parece altamente aprecia<strong>do</strong>s pelos<br />

seus superiores e publicara já um ensaio intitula<strong>do</strong> A <strong>ilha</strong> <strong>do</strong><br />

Fogo <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> e o seu Vulcão. Duarte, além <strong>de</strong> poesias pu-<br />

blicara já um trata<strong>do</strong> sobre a Responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> Médico-Cirúrgi-<br />

ca (1865). As suas funções terão leva<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is homens a co-<br />

nhecer muitas <strong>da</strong>s <strong>ilha</strong>s habita<strong>da</strong>s <strong>do</strong> arquipélago. Botelho <strong>da</strong><br />

Costa vivera alguns anos no Fogo, terra natal <strong>da</strong> sua mulher,<br />

Ana Barbosa. É muito provável que Botelho <strong>da</strong> Costa e Duarte<br />

sejam aqueles amigos <strong>de</strong> António <strong>de</strong> Paula Brito, a quem, segun-<br />

<strong>do</strong> Brito, Schuchardt e outros tinham pedi<strong>do</strong> elementos para a<br />

composição <strong>de</strong> uma gramática <strong>do</strong> crioulo (ver mais adiante).<br />

Po<strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> um pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> Schuchardt, que já dispunha <strong>de</strong><br />

bastantes informações sobre a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, que levou<br />

os <strong>do</strong>is autores a quererem abarcar simultaneamente as varie<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong>s <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>ilha</strong>s, para satisfazer a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> lin-<br />

guista <strong>de</strong> Graz. Isto apesar <strong>de</strong> terem consciência <strong>da</strong>s "diferen-<br />

ças que se notam – embora o tronco seja comum – nos dialectos<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las" (1886/1967: 237). Convém, porém, lembrar<br />

que o trabalho <strong>de</strong> Botelho <strong>da</strong> Costa e <strong>de</strong> Duarte é anterior à<br />

toma <strong>de</strong> consciência <strong>do</strong> público em geral (e <strong>de</strong> muitos linguis-<br />

tas) <strong>do</strong> facto que não só os significantes, mas também os<br />

significa<strong>do</strong>s variam <strong>de</strong> um idioma para outro, razão pela qual o<br />

tratamento <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentes no mesmo<br />

aparta<strong>do</strong>, como se fossem equivalentes, leva necessariamente a<br />

confusão. Coelho intuíra-o e, consequentemente, informara se-<br />

para<strong>da</strong>mente sobre as diferentes varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s insulares nos seus<br />

Dialectos Românicos ou Neo-Latinos e elogiaria <strong>de</strong>pois Paula<br />

Brito por se ter concentra<strong>do</strong> na varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. De fac-<br />

to, a infeliz <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is ci<strong>da</strong>dãos <strong>do</strong> Min<strong>de</strong>lo torna o seu<br />

trabalho muito problemático.<br />

O sistema a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para tratar simultaneamente <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as


varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s foi o seguinte: "Para facilitar este estu<strong>do</strong>, e evi-<br />

tar repetições enfa<strong>do</strong>nhas, usaremos, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar o gru-<br />

po, ou as <strong>ilha</strong>s a que pertencem os exemplos apresenta<strong>do</strong>s, <strong>da</strong>s<br />

seguintes abreviaturas: Grupo <strong>de</strong> Sotavento … Sot., Grupo <strong>de</strong><br />

Barlavento … Barl., Ilha <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> … St., Ilha <strong>do</strong> Fogo … F.,<br />

Ilha Brava … B., Ilha <strong>de</strong> Santo Antão … S.A., Ilha <strong>de</strong> S.<br />

Nicolau … S.N., Ilha <strong>da</strong> Boa Vista … B.V. Os exemplos on<strong>de</strong> as<br />

mesmas não figuram são gerais a to<strong>do</strong> o arquipélago" (1886/<br />

1967: 239). Uma primeira son<strong>da</strong>gem limita<strong>da</strong> aos exemplos atri-<br />

buí<strong>do</strong>s ao Fogo e a <strong>Santiago</strong> nos leva a supor que estes refle-<br />

tem bastante fielmente as características <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>-<br />

quelas <strong>ilha</strong>s na época em questão.<br />

Interessantíssima, para nós, a seguinte observação justi-<br />

ficativa <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong> quatro <strong>ilha</strong>s habita<strong>da</strong>s, <strong>da</strong> lista <strong>de</strong><br />

abreviaturas: "Nas <strong>ilha</strong>s <strong>do</strong> Maio, S. Vicente, Santa Lucia e<br />

Sal não há crioulo próprio. Na primeira fala-se, com ligeiras<br />

alterações, o <strong>da</strong> <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>; na segun<strong>da</strong> o <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

<strong>ilha</strong>s; na terceira o <strong>de</strong> S. Nicolau, na quarta e última o <strong>da</strong><br />

Boa Vista" (1886/1967: 239). Não temos motivos para duvi<strong>da</strong>r <strong>de</strong><br />

que, ten<strong>de</strong>ncialmente, fosse efetivamente assim, naquela época.<br />

Note-se que os <strong>do</strong>is autores, ao contrário <strong>do</strong> que acontece<br />

com Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho, estão realmente familiariza<strong>do</strong>s<br />

com o uso <strong>da</strong>s formas. Será suficiente, para o <strong>de</strong>monstrar, a<br />

contraposição <strong>do</strong> que dizem este e aqueles sobre o uso <strong>de</strong> tên e<br />

tênê:<br />

Coelho 1880/1967: 20: "Ten (ter). No presente <strong>de</strong> indicati-<br />

vo tên para to<strong>da</strong>s as pessoas no paradigma escrito pelo nosso<br />

informa<strong>do</strong>r; mas nas cartas 2. a e 3. a há tênê como forma fun<strong>da</strong>-<br />

mental, …". Botelho <strong>da</strong> Costa/Duarte 1886/1967: 272: "O verbo<br />

ter, quan<strong>do</strong> se refere a coisa alheia, ou que esteja em lugar<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, diz-se tênê e não tên; exemplos: El é qui tênê<br />

brinco di nha … 'ela é que tem os seus brincos', El tênê di-<br />

nhêro rib'al meza (F.) 'ele tem o dinheiro em cima <strong>da</strong> mesa.'"<br />

É provável que informações tira<strong>da</strong>s <strong>de</strong> outras fontes venham a<br />

aumentar a nossa admiração pelo acervo <strong>de</strong> informações corretas<br />

reuni<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>is portugueses naturaliza<strong>do</strong>s cabo-verdianos.<br />

O trabalho <strong>de</strong> Botelho <strong>da</strong> Costa e Duarte termina com uma<br />

coleção <strong>de</strong> textos: a inclusão <strong>da</strong>s utilíssimas versões <strong>da</strong> Pará-<br />

bola <strong>do</strong> filho pródigo em to<strong>da</strong>s as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s insulares ti<strong>da</strong>s


em conta respon<strong>de</strong> a um pedi<strong>do</strong> explícito <strong>de</strong> Schuchardt (cf.<br />

Schuchardt 1887: 134); as listas <strong>de</strong> Diversos anexins usa<strong>do</strong>s em<br />

<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> e <strong>de</strong> Idiotismos são menos úteis para o linguista<br />

por ficar sem indicação <strong>da</strong> sua proveniência geográfica.<br />

0.3.3 António <strong>de</strong> Paula Brito (1887)<br />

No mesmo <strong>de</strong>cénio apareceram ain<strong>da</strong>, também no Boletim <strong>da</strong><br />

Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Geografia <strong>de</strong> Lisboa, em volume que correspon<strong>de</strong> ao<br />

ano <strong>de</strong> 1887, mas que apenas saiu em 1888, os Apontamentos para<br />

a <strong>Gramática</strong> <strong>do</strong> <strong>Crioulo</strong> que se Fala na Ilha <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong><br />

Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong> António <strong>de</strong> Paula Brito. No seu Prefácio a esta obra,<br />

Coelho apresenta-nos o seu autor como sen<strong>do</strong> falante <strong>de</strong>ste<br />

crioulo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua infância (1887/1967: 333). Em 1890, Paula<br />

Brito, naquela altura 'director <strong>do</strong> correio e recebe<strong>do</strong>r parti-<br />

cular <strong>do</strong> Concelho <strong>da</strong> Praia', publicou ain<strong>da</strong> uns Subsídios para<br />

a corografia <strong>da</strong> Ilha <strong>de</strong> São Tiago <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> (Lisboa: Im-<br />

prensa Nacional), nos quais se mostra cabo-verdiano muito com-<br />

prometi<strong>do</strong> com o progresso <strong>da</strong> colónia e anuncia um Album cabo-<br />

verdiano, <strong>de</strong> características similares às <strong>do</strong>s Subsídios, que<br />

<strong>de</strong>via abranger to<strong>do</strong> o arquipélago, mas que nunca apareceu.<br />

Em missão <strong>de</strong> serviço em Lisboa, Paula Brito ain<strong>da</strong> introdu-<br />

ziu, na sua gramática, importantes modificações que lhe foram<br />

sugeri<strong>da</strong>s por <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s mais afama<strong>do</strong>s linguistas portugueses <strong>do</strong><br />

momento, Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho e A. R. Gonçalves Viana. En-<br />

tretanto, Brito tinha também toma<strong>do</strong> conhecimento <strong>da</strong>s contri-<br />

buições publica<strong>da</strong>s por Coelho (em 1880 e 1882) e por Botelo <strong>da</strong><br />

Costa e Duarte (em 1886) no Boletim. Parece que estas modifi-<br />

cações consistissem fun<strong>da</strong>mentalmente no acréscimo <strong>de</strong> um con-<br />

junto <strong>de</strong> textos sob o título <strong>de</strong> Varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s crioulas ao final<br />

<strong>da</strong> gramática e <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>pé que a acompanham. Concor<strong>da</strong><br />

com esta observação o facto <strong>de</strong> os comentários às Varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

Crioulas e to<strong>da</strong>s as notas acrescenta<strong>da</strong>s ao pé <strong>da</strong>s páginas<br />

terem fica<strong>do</strong> sem versão crioula (cf. os prarágrafos seguin-<br />

tes).<br />

O crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> não fica reduzi<strong>do</strong>, nesta gramática,<br />

ao papel <strong>de</strong> língua <strong>de</strong>scrita, funciona ain<strong>da</strong> como língua <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scrição, pois a gramática propriamente dita (com exceção <strong>da</strong>s


notas e <strong>do</strong>s comentários às Varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s Crioulas redigi<strong>do</strong>s ex-<br />

clusivamente em português) aparece em versão bilingue, crioula<br />

na coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> e portuguesa na <strong>da</strong> direita.<br />

Falta, nesta gramática, uma parte sintáctica que o autor<br />

se propunha acrescentar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recolher textos <strong>de</strong> falantes<br />

monolingues <strong>do</strong> crioulo em diferentes pontos <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>. Por outro<br />

la<strong>do</strong>, fornece, além <strong>da</strong> gramática propriamente dita, as mencio-<br />

na<strong>da</strong>s Varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s Crioulas que consistem numa lista <strong>de</strong> nomes <strong>de</strong><br />

casa, uma coleção <strong>de</strong> ditos populares, uma poesia <strong>de</strong> E.A. Vi<strong>da</strong>l<br />

e outra <strong>de</strong> Bruno <strong>de</strong> Seabra em versão original e com tradução<br />

para o crioulo feita por Paula Brito, alguns fragmentos <strong>de</strong><br />

textos <strong>de</strong> batuque, uma coleção <strong>de</strong> adivinhações, uma centena <strong>de</strong><br />

frases soltas, e um vocabulário <strong>de</strong> algumas páginas. Parece<br />

provável que parte <strong>de</strong>stas rubricas se inspire n’Os dialectos<br />

Românicos ... <strong>de</strong> Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho, que, como já vimos,<br />

também trazem Frases diversas, Adivinhações e Nomes hiporísti-<br />

cos ou nomes <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>.<br />

Ficam por extrair informações muito valiosas <strong>de</strong>ssa primei-<br />

ra gramática <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, apesar <strong>da</strong>s incoerências<br />

<strong>do</strong> texto e apesar <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> que já lhe consagrou Nicolas Quint<br />

(Quint 2008). Derivam, em primeiro lugar, <strong>da</strong> originalíssima<br />

escrita que Paula Brito inventou para o seu crioulo. Refletin-<br />

<strong>do</strong> uma ótima intuição fonológica, não <strong>de</strong>turpa<strong>da</strong> por preconcei-<br />

tos teóricos à mo<strong>da</strong>, fornece argumentos <strong>de</strong> peso para as con-<br />

trovérsias acerca <strong>da</strong> fonologia <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Invocá-<br />

la-emos com este fim em 10.1.3.2. Em segun<strong>do</strong> lugar, encontra-<br />

mos no crioulo escrito e/ou <strong>de</strong>scrito por Paula Brito <strong>de</strong>svios<br />

sistemáticos em relação ao santiaguense atual que informam<br />

sobre o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste crioulo há quase século e meio (cf.<br />

1.2.2.7.1).<br />

0.3.4 Arman<strong>do</strong> Napoleão Rodrigues Fernan<strong>de</strong>s (anterior a 1938)<br />

Depois <strong>do</strong>s trabalhos pioneiros <strong>do</strong>s anos oitenta <strong>do</strong> século<br />

XIX, tanto internacionais (Francisco A<strong>do</strong>lfo Coelho, Hugo Schu-<br />

chardt, Lucien A<strong>da</strong>m, etc.) como cabo-verdianos (Joaquim Vieira<br />

Botelho <strong>da</strong> Costa e Custódio José Duarte, António <strong>de</strong> Paula<br />

Brito), as publicações sobre os crioulos passaram a escassear


à escala mundial e cessaram quase por completo em relação ao<br />

santiaguense até <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial. Mas falta<br />

<strong>de</strong> publicações não equivale a falta <strong>de</strong> interesse. Pelo menos<br />

um cabo-verdiano, Arman<strong>do</strong> Napoleão Rodrigues Fernan<strong>de</strong>s, nasci-<br />

<strong>do</strong> na Brava, cuja vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>correu precisamente nesta época (1889<br />

-1969), passou boa parte <strong>do</strong> seu tempo livre (trabalhou - como<br />

Botelo <strong>da</strong> Costa - na alfân<strong>de</strong>ga) a reunir materiais para um di-<br />

cionário e uma gramática <strong>do</strong> cabo-verdiano. Quem escreve conhe-<br />

ce relativamente bem o seu Léxico <strong>do</strong> dialecto crioulo <strong>do</strong> Ar-<br />

quipélago <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>, publica<strong>da</strong> pela f<strong>ilha</strong> Ivone Ai<strong>da</strong> Lopes<br />

Rodrigues Fernan<strong>de</strong>s Ramos (Gráfica <strong>do</strong> Min<strong>de</strong>lo, s.a., mas em<br />

1971), mas <strong>de</strong>ve to<strong>da</strong>s as informações a respeito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong><br />

gramática (até hoje sem publicar) <strong>de</strong> Napoleão Fernan<strong>de</strong>s a uma<br />

contribuição, também sem publicar, <strong>de</strong> Dominika Swolkien (cf.<br />

Bibliografia).<br />

Segun<strong>do</strong> as informações forneci<strong>da</strong>s por Dominika Swolkien, o<br />

manuscrito <strong>da</strong> <strong>Gramática</strong> <strong>de</strong> Arman<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>s consiste em 105<br />

páginas redigi<strong>da</strong>s e retoca<strong>da</strong>s pelo própio autor até 1938. O<br />

manuscrito está dividi<strong>do</strong> em três partes: fonologia (1-11),<br />

morfologia (12-78) e sintaxe (79-105). Se, como afirma Domini-<br />

ka Swolkien, a maior parte <strong>da</strong>s informações <strong>de</strong>sta gramática diz<br />

respeito à varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, Arman<strong>do</strong> Fernan<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>ria<br />

ser o último autor a testemunhar, para esta varie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a acen-<br />

tuação <strong>do</strong>s verbos na última sílaba (por exemplo: m brincâ<br />

cheu, na p. 68). As grafias arguem, farso, etc., em vez <strong>da</strong>s<br />

expectáveis alguem, falso, etc. sugerem, porém, que se po<strong>de</strong>ria<br />

tratar <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> Fogo, on<strong>de</strong> tal acentuação se conserva<br />

até hoje. De qualquer forma, esta <strong>Gramática</strong> merece um estu<strong>do</strong><br />

pormenoriza<strong>do</strong>, tanto pelas informações que nos po<strong>de</strong> fornecer<br />

como pelo seu alto valor simbólico.<br />

0.3.5 Baltasar Lopes <strong>da</strong> Silva (1957) e Maria Dulce <strong>de</strong> Oliveira<br />

Alma<strong>da</strong> (1961)<br />

Os títulos <strong>da</strong>s obras em muitos aspetos gémeas <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>is<br />

autores, O Dialecto <strong>Crioulo</strong> <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> Baltasar Lopes <strong>da</strong><br />

Silva e <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>. Contribuição para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> dialecto fa-<br />

la<strong>do</strong> no seu arquipélago, <strong>de</strong> Maria Dulce <strong>de</strong> Oliveira Alma<strong>da</strong>,


po<strong>de</strong>riam levar a pensar que constituem, entre outras coisas,<br />

importantes achegas ao conhecimento <strong>da</strong> gramática <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong>. Limitamo-nos aqui a explicar, para quem nunca as<br />

consultou, porque não é assim.<br />

Apesar <strong>de</strong> ambos os títulos se referirem a to<strong>do</strong> o arquipé-<br />

lago e ambas as obras mencionarem frequentemente particulari-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> Sotavento e <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às<br />

biografias <strong>de</strong> seus autores, ambas partem <strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> Bar-<br />

lavento. Trata-se <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Nicolau, no caso <strong>de</strong> Bal-<br />

tasar Lopes <strong>da</strong> Silva (cf. 1957/1984: 37) e <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />

Vicente, no <strong>de</strong> Maria Dulce <strong>de</strong> Oliveira Alma<strong>da</strong> (cf. 1961: 12 e<br />

14).<br />

Além disso, não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições sincrónicas. Ambos<br />

os autores, aluno <strong>de</strong> Rodrigo <strong>de</strong> Sá Nogueira na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Lisboa o primeiro e <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong> Paiva Boléo na <strong>de</strong> Coimbra a<br />

segun<strong>da</strong>, esforçam-se sobretu<strong>do</strong> por <strong>de</strong>rivar as palavras e<br />

formas crioulas <strong>de</strong> palavras e formas <strong>do</strong> português. Em ambas as<br />

obras há m<strong>ilha</strong>res <strong>de</strong> ocorrências <strong>do</strong> símbolo < usa<strong>do</strong> em linguí-<br />

stica histórica para indicar a relação <strong>de</strong> um som ou <strong>de</strong> uma<br />

forma com o seu antecessor num esta<strong>do</strong> anterior <strong>da</strong> mesma língua<br />

ou numa 'língua mãe' <strong>de</strong>sta. Trata-se pois <strong>de</strong> gramáticas histó-<br />

ricas <strong>do</strong> cabo-verdiano. Mas como tais são forçosamente muito<br />

incompletas, precisamente por quererem abarcar também, mesmo<br />

que só <strong>de</strong> forma secundária, as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as outras<br />

<strong>ilha</strong>s.<br />

É impossível, nestas circunstâncias, formar-se uma i<strong>de</strong>ia<br />

clara, a partir <strong>de</strong>stas obras, sobre o funcionamento <strong>de</strong> um se-<br />

tor <strong>da</strong> gramática <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Baste um exemplo para<br />

aclarar o que queremos dizer: nos <strong>do</strong>is parágrafos consagra<strong>do</strong>s<br />

aos pronomes pessoais Baltasar Lopes <strong>da</strong> Silva distingue entre<br />

'pronomes sujeito' (§ 203) e 'pronomes complementos' (§ 204),<br />

mas não entre pronomes tónicos e átonos, nem, para os átonos,<br />

entre proclíticos e enclíticos. Não menciona, para <strong>Santiago</strong> ou<br />

Sotavento a série tónica com o a- anteposto (ami, abo, ...) e<br />

apresenta, supomos que por simples erro, as formas nho e nha<br />

<strong>do</strong> Sotavento, junto com nhos e nhas, como formas <strong>de</strong> plural.<br />

Maria Dulce Alma<strong>da</strong> estava consciente <strong>de</strong> que, pelos <strong>do</strong>is<br />

motivos menciona<strong>do</strong>s, a sua obra não podia aspirar ao título <strong>de</strong><br />

'gramática': "Longe <strong>de</strong> nós a pretensão <strong>de</strong> fazer uma gramática


<strong>do</strong> crioulo, como a subdivisão acima referi<strong>da</strong> [em três partes:<br />

Fonética, Morfologia e Sintaxe, J.L.] po<strong>de</strong>rá fazer pensar.<br />

Quisemos apenas ren<strong>de</strong>r uma mo<strong>de</strong>sta homenagem às <strong>ilha</strong>s que são<br />

nossa terra natal ..." (1961: 29). Mas não há dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que,<br />

sob outros pontos <strong>de</strong> vista, a re<strong>da</strong>ção e publicação <strong>de</strong>stas duas<br />

obras, num momento em que praticamente to<strong>da</strong>s as colónias euro-<br />

peias salvo as portuguesas iam ace<strong>de</strong>r à in<strong>de</strong>pendência, foi al-<br />

tamente significativa.<br />

0.3.6 José G. Herculano <strong>de</strong> Carvalho e Mary Louise Nunes (1961-<br />

1963)<br />

Entre 1961 e 1963 apareceram três artigos <strong>de</strong> temática e<br />

orientação teórica afins. Trata-se, por um la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> uma 'ho-<br />

nours thesis' apresenta<strong>da</strong> em 1961 no Radcliffe College and<br />

Harvard University e reproduzi<strong>da</strong> sob o título <strong>de</strong> The phonolo-<br />

gies of Cape Ver<strong>de</strong>an dialects of Portuguese (1962/1963), <strong>da</strong><br />

autoria <strong>de</strong> Mary Louise Nunes, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência cabo-verdiana,<br />

e, por outro la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ensaios intitula<strong>do</strong>s, respetivamen-<br />

te, Sincronia e diacronia nos sistemas vocálicos <strong>do</strong> crioulo<br />

caboverdiano (1962) e Le vocalisme atone <strong>de</strong>s parlers créoles<br />

du Cap Vert (1961), redigi<strong>do</strong>s por um <strong>do</strong>s melhores linguistas<br />

portugueses <strong>do</strong> momento, José G. Herculano <strong>de</strong> Carvalho, <strong>da</strong> Uni-<br />

versi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra.<br />

O trabalho <strong>de</strong> Mary Louise Nunes surgiu em parte por insa-<br />

tisfação com a obra <strong>de</strong> Baltasar Lopes: "I found, however, that<br />

Mr. <strong>da</strong> Silva's lack of training in mo<strong>de</strong>rn <strong>de</strong>scriptive methods<br />

constituted an obstacle to his achieving the aim of a scienti-<br />

fic <strong>de</strong>scription of these dialects. His system of transcribing<br />

phonetic features was extremely complex, and, from the point<br />

of view of a phonematic analysis, could have been simplified<br />

consi<strong>de</strong>rably. In addition, his presentation of the <strong>da</strong>ta would<br />

have been more efficient had it been organized as a series of<br />

parallel studies indicating the individual speech characteris-<br />

tics of each dialect" (1962/1963: 5).<br />

Consequentemente, a autora limitou-se a uma <strong>de</strong>scrição ri-<br />

gorosamente sincrónica e separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> fonologia <strong>de</strong> apenas qua-<br />

tro varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s: a <strong>de</strong> Santo Antão, a <strong>da</strong> Boa Vista, a <strong>do</strong> Fogo e


a <strong>da</strong> Brava. Nas suas <strong>de</strong>scrições, que se baseiam em entrevistas<br />

grava<strong>da</strong>s com falantes nativos, segue um plano rigoroso, que<br />

inclui informações sobre o papel fonológico <strong>do</strong> acento, a es-<br />

trutura silábica e a distribuição <strong>do</strong>s fonemas (inclusive uma<br />

enumeração <strong>do</strong>s grupos consonânticos e vocálicos encontra<strong>do</strong>s).<br />

Nem to<strong>da</strong>s as quatro <strong>de</strong>scrições parecem ter a mesma quali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

mas lamentamos muito que falte uma <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> santiaguense<br />

porque visto o rigor meto<strong>do</strong>lógico <strong>da</strong> autora po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong><br />

facilmente melhora<strong>da</strong> caso apresentasse alguns erros <strong>de</strong> porme-<br />

nor. O trabalho <strong>de</strong> Mary Luise Nunes tem si<strong>do</strong> injustamente cri-<br />

tica<strong>do</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma posição generativista, por Donal<strong>do</strong> Pereira<br />

Mace<strong>do</strong> como "not extensive enough to provi<strong>de</strong> a global view of<br />

Capever<strong>de</strong>an phonological structures and the rules that govern<br />

them" (cf. Mace<strong>do</strong> 1979: 87 e abaixo secção 0.3.7).<br />

José G. Herculano <strong>de</strong> Carvalho aproveita os trabalhos <strong>de</strong><br />

Baltasar Lopes <strong>da</strong> Silva e Maria Dulce <strong>de</strong> Oliveira Alma<strong>da</strong> e<br />

dispõe <strong>de</strong> <strong>do</strong>is informantes <strong>de</strong> Santo Antão que estu<strong>da</strong>vam naque-<br />

la altura na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Ao contrário <strong>de</strong> Mary<br />

Luise Nunes, trata apenas <strong>do</strong> vocalismo, mas fá-lo em ambos os<br />

aspetos, sincrónico e diacrónico. Preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a filia-<br />

ção <strong>do</strong>s sistemas vocálicos <strong>do</strong> Sotavento, São Nicolau e São Vi-<br />

cente/Santo Antão. Apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as suas fontes informarem<br />

melhor sobre as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> Barlavento, para o Sotavento<br />

chega ao mesmo sistema <strong>de</strong> fonemas vocálicos tónicos orais que<br />

propomos para <strong>Santiago</strong> (ver mais adiante 1.2.1.1). Apresenta-o<br />

sob a forma seguinte (cf. Carvalho 1962a: 46):<br />

á <br />

Ǡʴ <br />

í ú<br />

A salientar a disposição retangular <strong>do</strong> sistema segun<strong>do</strong> a<br />

qual os ∣ǫ∣ e ∣Ǥ∣ abertos ostentam o mesmo grau <strong>de</strong> abertura<br />

que o ∣a∣ aberto, e os ∣e∣ e ∣o∣ fecha<strong>do</strong>s o mesmo que o<br />

∣Ǡ∣ fecha<strong>do</strong>. Quanto à oposição a/Ǡ afirma: "O fonema /Ǡʴ/ apa-<br />

rece apenas na terminação <strong>do</strong>s verbos correspon<strong>de</strong>ntes à primei-<br />

ra conjugação portuguesa - /saRbǠʴ/ 'salvar', /ĉamǠʴ/ 'chamar'.


etc." (1962a: 46). Esta afirmação não <strong>de</strong>ve ser interpreta<strong>da</strong><br />

como indício <strong>de</strong> que a sílaba tónica <strong>do</strong>s verbos em –a fosse<br />

ain<strong>da</strong> a última, em <strong>Santiago</strong>, nos tempos <strong>de</strong> Herculano <strong>de</strong><br />

Carvalho. Mostra, pelo contrário, que as suas informações em<br />

relação ao Sotavento provêm <strong>de</strong> facto, não <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> (on<strong>de</strong><br />

'salvar' e 'chamar' se dizem ∣'salbǠ∣ e ∣'comǠ∣, mas <strong>da</strong>s<br />

outras <strong>ilha</strong>s <strong>do</strong> Sotavento on<strong>de</strong> tal padrão <strong>de</strong> acentuação se<br />

mantém até hoje. Quanto a fonemas vocálicos nasais, o linguis-<br />

ta <strong>de</strong> Coimbra só admite a sua existência em posição final ab-<br />

soluta <strong>de</strong> palavra (cf. mais adiante 1.2.0). No interior <strong>da</strong>s<br />

palavras interpreta to<strong>da</strong> a vogal foneticamente nasal a nível<br />

fonológico como uma sequência <strong>de</strong> vogal oral segui<strong>da</strong> <strong>de</strong> um ar-<br />

quifonema consonântico nasal homossilábico ou <strong>de</strong> um fonema<br />

consonântico heterossilábico (cf. 1962a: 45). A primeira parte<br />

<strong>de</strong>sta interpretação teria muito sucesso. Os que a a<strong>do</strong>taram<br />

esten<strong>de</strong>ram-na aliás às vogais foneticamente nasais em final <strong>de</strong><br />

palavra (cf. <strong>de</strong> novo mais adiante 1.2.0).<br />

Em relação ao vocalismo <strong>da</strong>s sílabas átonas será suficiente<br />

reproduzir a seguinte passagem: "Dans les syllabes atones le<br />

nombre <strong>de</strong>s unités phonématiques se trouve assez réduit. Dans<br />

toutes les positions, la finale exceptée, on ne trouve que<br />

cinq phonèmes /I e a o u/, /e/ et /o/ étant réalisés comme <strong>de</strong>s<br />

voyelles fermés [ ], /a/ comme la voyelle centrale fermée [Ǡ]<br />

à São Nicolau, mais, comme nous verrons ensuite, comportant<br />

diverses réalisations <strong>da</strong>ns le parler <strong>de</strong> Santo Antão. Dans la<br />

finale, le nombre <strong>de</strong>s phonèmes vocaliques est encore réduit à<br />

trois /i a u/ <strong>da</strong>ns les îles dites <strong>de</strong> Sotavento (<strong>Santiago</strong>,<br />

surtout), où /i u/ ont à ce qu'il paraît une réalisation gé-<br />

néralement assourdie" (1962b: 4). Apesar <strong>da</strong> referência a São<br />

Nicolau e a Santo Antão, tu<strong>do</strong> o que se diz aqui vale para<br />

<strong>Santiago</strong>. De facto, não se po<strong>de</strong> resumir melhor a fonologia <strong>do</strong><br />

vocalismo átono <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Contentar-nos-emos<br />

mais adiante em matizar ligeiramente a afirmação <strong>de</strong> Carvalho<br />

relativamente ao ensur<strong>de</strong>cimento <strong>do</strong>s [-i] e [-u] finais (cf.<br />

1.2.1.5.2).


0.3.7 Donal<strong>do</strong> Pereira Mace<strong>do</strong> (1979)<br />

Em 1979, Donal<strong>do</strong> Pereira Mace<strong>do</strong> obteve um <strong>do</strong>utoramento na<br />

Boston University School of Education apresentan<strong>do</strong> uma tese<br />

intitula<strong>da</strong> A linguistic approach to the Capever<strong>de</strong>an language,<br />

reproduzi<strong>da</strong>, em 1980, em Ann Arbor pela University Microfilms<br />

International. Depois <strong>de</strong> uma introdução teórica sobre a génese<br />

<strong>do</strong>s crioulos, <strong>de</strong>dica a maior parte <strong>do</strong> seu trabalho à análise<br />

fonológica <strong>da</strong> 'língua cabover<strong>de</strong>ana'. Termina reproduzin<strong>do</strong> qua-<br />

tro textos crioulos.<br />

Baltasar Lopes <strong>da</strong> Silva, Maria Dulce <strong>de</strong> Oliveira Alma<strong>da</strong> e<br />

Mary Louise Nunes haviam consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o crioulo <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong><br />

como um dialeto ou conjunto <strong>de</strong> dialetos <strong>do</strong> português. Pelo<br />

contrário, Donal<strong>do</strong> Mace<strong>do</strong>, que escreve numa altura em que <strong>Cabo</strong><br />

Ver<strong>de</strong> acabava <strong>de</strong> ace<strong>de</strong>r à in<strong>de</strong>pendência, insiste sobretu<strong>do</strong> no<br />

estatuto <strong>de</strong> língua in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Talvez fosse também a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> nacional que levou o nosso autor a cometer novamen-<br />

te a imprudência <strong>de</strong> querer abranger to<strong>do</strong> o cabo-verdiano numa<br />

só <strong>de</strong>scrição (distinguin<strong>do</strong> apenas nalgumas partes <strong>da</strong> sua obra<br />

entre Barlavento e Sotavento).<br />

Começa o parágrafo 2.2.1 Vowels com estas palavras: "There<br />

are a total of six basic oral vowels and a series of allopho-<br />

nic variations in the Capever<strong>de</strong>an language. All of these vo-<br />

wels have a nasal counterpart" (88). Se a primeira <strong>de</strong>stas<br />

afirmações fosse correta, a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> não faria<br />

parte <strong>do</strong> caboverdiano, pois tem oito 'basic oral vowels', <strong>da</strong>s<br />

quais só três po<strong>de</strong>m ser ten<strong>de</strong>ncialmente equipara<strong>da</strong>s com os<br />

/i/, /u/ e /a/ <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>. É certo que o autor tenta, até certo<br />

ponto, levar em conta a variação <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> arquipélago, opon-<br />

<strong>do</strong>, especialmente no capítulo Phonological Rules, Barlavento<br />

a Sotavento. O capítulo trata <strong>de</strong> regras <strong>do</strong> tipo: "/kume/ 'to<br />

eat' in Sotavento is realized as /kme/ in Barlavento" (1979:<br />

130).<br />

Não vamos entrar na problemática <strong>de</strong> tais regras. Bastará<br />

dizer que Mace<strong>do</strong>, nasci<strong>do</strong> na <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> Brava mas ce<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> pa-<br />

ra Boston pelos pais, não tinha uma i<strong>de</strong>ia clara <strong>da</strong> variação<br />

entre <strong>ilha</strong>s. Chega a apresentar um texto em crioulo <strong>de</strong> Santo<br />

Antão, extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> Negrume, <strong>de</strong> Luís Romano, como representati-<br />

vo <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> São Vicente (cf. 1979: 183). Esta falta <strong>de</strong>


clareza em Mace<strong>do</strong> talvez provenha <strong>do</strong> facto <strong>de</strong> as diferenças<br />

entre as diferentes varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s insulares ten<strong>de</strong>rem a per<strong>de</strong>r-se<br />

na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> cabo-verdiana <strong>de</strong> Boston. Em caso <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>, Ma-<br />

ce<strong>do</strong> terá opta<strong>do</strong> pelo seu próprio crioulo (cf. p. 88: "Being,<br />

myself, <strong>do</strong>minant in the Capever<strong>de</strong>an language, I used my speech<br />

as a sample, as well.").<br />

O mesmo autor publicaria ain<strong>da</strong> em 1989 Aspects of Capever-<br />

<strong>de</strong>an phonology. Aqui se tratava simplesmente <strong>de</strong> mostrar que,<br />

apesar <strong>do</strong> seu título abrangente, o trabalho <strong>de</strong> 1979 não serve<br />

como fonte <strong>de</strong> informação para a nossa gramática <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong>.<br />

0.3.8 Izione S. Silva (1985)<br />

Encerramos este resumo <strong>de</strong> 100 anos <strong>de</strong> gramatografia refe-<br />

rente ao crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> aludin<strong>do</strong> brevemente a um autor<br />

cujas contribuições já não entram no marco temporal que tínha-<br />

mos traça<strong>do</strong>. Seis anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Donal<strong>do</strong> Pereira Mace<strong>do</strong>, outro<br />

cabo-verdiano resi<strong>de</strong>nte nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s obtém um <strong>do</strong>utora-<br />

mento pela Georgetown University. A sua dissertação intitula-<br />

se Variation and change in the verbal system of Capever<strong>de</strong>an<br />

crioulo. Dispomos apenas <strong>de</strong> um resumo <strong>de</strong>ste trabalho que in-<br />

clui o seu índice <strong>de</strong> matérias (cf. Dissertation abstracts in-<br />

ternational, 1986, 47 (1): 168A). O resumo não indica o lugar<br />

<strong>de</strong> nascimento <strong>do</strong> autor, mas po<strong>de</strong>ria ser também <strong>da</strong> Brava. Apro-<br />

veita fontes <strong>de</strong> informação semelhantes às <strong>de</strong> Donal<strong>do</strong> Pereira<br />

Mace<strong>do</strong>: 40 falantes nativos "now living in Massachusetts and<br />

Rho<strong>de</strong> Island", os contos conti<strong>do</strong>s em Folk-lore from the Cape<br />

Ver<strong>de</strong>an Islands <strong>de</strong> Elsie Clews Parsons, e "my native speakers<br />

intuition". Tal como Donal<strong>do</strong> Pereira Mace<strong>do</strong> mostra-se influen-<br />

cia<strong>do</strong> por Derek Bickerton ("Capever<strong>de</strong>ans <strong>Crioulo</strong>'s tense/as-<br />

pect system is <strong>de</strong>scribed in terms of Bickerton's paradigm") e<br />

distingue apenas entre <strong>do</strong>is "major regional dialects", Barla-<br />

vento e Sotavento. Porém, interessa-se mais pela variação (cf.<br />

o título <strong>da</strong> sua dissertação), tanto entre <strong>ilha</strong>s, como intra-<br />

<strong>ilha</strong>s (consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> diferentes faixas etárias) e diacrónica<br />

(comparan<strong>do</strong> com textos recolhi<strong>do</strong>s nos primeiros <strong>de</strong>cénios <strong>do</strong><br />

século). Estu<strong>da</strong> com particular atenção a concorrência <strong>de</strong> for-


mas <strong>de</strong> passa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s verbos ten e tene (tenba, teneba, tinha,<br />

tenha, tive, teve). Explica a variação encontra<strong>da</strong> basicamente<br />

como refletin<strong>do</strong> diferentes graus <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrioulização.<br />

Em 1990, Izione S. Silva publicaria ain<strong>da</strong> um interessante<br />

artigo intitula<strong>do</strong> Tense and aspect in Capever<strong>de</strong>an <strong>Crioulo</strong>, na<br />

coletânea Pidgin and creole tense-mood-aspect systems, edita<strong>da</strong><br />

por John Victor Singler.<br />

0.3.9 Os nossos contemporâneos<br />

Acabamos <strong>de</strong> passar revista às obras mais importantes que,<br />

entre 1880 e 1980, aproxima<strong>da</strong>mente, tentaram fornecer <strong>de</strong>scri-<br />

ções completas ou parciais <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> caboverdiano fala<strong>da</strong><br />

na <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Fizemo-lo, repetimos, porque to<strong>da</strong>s con-<br />

tribuíram para o valorizar e porque não teremos muitas oca-<br />

siões <strong>de</strong> voltar a falar <strong>de</strong>las nesta gramática.<br />

Pelo contrário, não po<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>scurar nesta publicação as<br />

obras mais recentes, publica<strong>da</strong>s por autores nossos contemporâ-<br />

neos, to<strong>do</strong>s cientes <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> insu-<br />

lar (se não mesmo <strong>de</strong> uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> particular <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

<strong>ilha</strong>) <strong>de</strong>ve forçosamente prece<strong>de</strong>r a sua comparação com outras<br />

varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Aliás, falamos <strong>de</strong> obras cujos autores perseveram<br />

atualmente nos seus esforços por contribuir para a <strong>de</strong>scrição<br />

<strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> santiaguense. Tê-las-emos em conta, principalmen-<br />

te nos casos on<strong>de</strong> a nossa <strong>de</strong>scrição ou interpretação difere<br />

<strong>da</strong>s suas. Trata-se, fun<strong>da</strong>mentalmente, <strong>de</strong> obras publica<strong>da</strong>s por<br />

Petra Thiele (sobretu<strong>do</strong> 1991), Manuel Veiga (sobretu<strong>do</strong> 1982 e<br />

1996), Nicolas Quint (nomea<strong>da</strong>mente 2000), Malyse Baptista (so-<br />

bretu<strong>do</strong> 2002) e Fernan<strong>da</strong> Pratas (sobretu<strong>do</strong> 2004) (cf. Biblio-<br />

grafia).


0.4 Abreviaturas<br />

0.4.1 Abreviaturas <strong>da</strong>s fontes<br />

(231/25) = página 231, linha 25; quan<strong>do</strong> os números não vêm<br />

precedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> nenhuma abreviatura referem-se<br />

invariavelmente a Tomé Varela <strong>da</strong> Silva (ed.),<br />

Na bóka noti, Volumi I, Un libru di stórias<br />

tradisional organizádu y prizentádu pa T.V. <strong>da</strong><br />

S., Praia: Instituto <strong>da</strong> Biblioteca Nacional e<br />

<strong>do</strong> Livro 2004.<br />

BB = Badiu Branco, Kunba, Praia: Instituto <strong>Cabo</strong>ver-<br />

diano <strong>do</strong> Livro e <strong>do</strong> Disco 1993.<br />

inf. = exemplo/informação forneci<strong>do</strong>s por informantes<br />

caboverdianos<br />

LS = transcrição <strong>de</strong> quatro contos populares feita<br />

por Luzia Seme<strong>do</strong>, manuscrito.<br />

NL = transcrição feita por André <strong>do</strong>s Reis Santos <strong>de</strong><br />

44 ane<strong>do</strong>tas em cassete, <strong>de</strong> Nastási Lópi, manus-<br />

crito.<br />

NyK = Tomé Varela <strong>da</strong> Silva, Natal y kontus, Praia:<br />

Instituto <strong>Cabo</strong>verdiano <strong>do</strong> Livro 1986.<br />

O<strong>da</strong> = Manuel Veiga, Odju d'agu, Praia: Instituto <strong>da</strong><br />

Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro 2009.<br />

RS = exemplo/informação forneci<strong>do</strong>s por André <strong>do</strong>s<br />

Reis Santos.<br />

Spínola = Danny Spínola, Lagoa Gémia, Kontus 2004.


0.4.2 Abreviaturas <strong>da</strong>s classes <strong>de</strong> palavras<br />

adj. adjetivo<br />

adv. advérbio, adverbial<br />

art. <strong>de</strong>f. artigo <strong>de</strong>fini<strong>do</strong><br />

art. in<strong>de</strong>f. artigo in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong><br />

conj. conjunção<br />

conj. coord. conjunção coor<strong>de</strong>nativa<br />

conj. subord. conjunção subordinativa<br />

interj. interjeição<br />

loc. locução<br />

loc. adv. locução adverbial<br />

loc. conj. locução conjuntiva<br />

loc. prep. locução prepositiva<br />

num. numeral<br />

part. partícula<br />

prep. preposição, prepositivo<br />

pron. pronome<br />

pron. <strong>de</strong>m. pronome <strong>de</strong>monstrativo<br />

pron. in<strong>de</strong>f. pronome in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong><br />

pron. interr. pronome interrogativo<br />

pron. pess. pronome pessoal<br />

pron. poss. pronome possessivo<br />

pron. rel. pronome relativo<br />

s. substantivo<br />

v. verbo, verbal


0.4.3 Outras abreviaturas<br />

abrev. abreviatura, abrevia<strong>do</strong><br />

ACBLPE Associação <strong>de</strong> <strong>Crioulo</strong>s <strong>de</strong> Base Lexical<br />

Portuguesa e Espanhola<br />

al. alemão<br />

ant. antigo, antiqua<strong>do</strong><br />

antón. antónimo<br />

aum. aumentativo<br />

bras. brasileiro<br />

cf. confer (lat.), confronte<br />

cr. crioulo<br />

cr. f. crioulo fun<strong>do</strong><br />

cr. l. crioulo leve<br />

<strong>de</strong>riv. <strong>de</strong>rivação<br />

dim. diminutivo<br />

ed. edição, edita<strong>do</strong>, editor<br />

eds. editores<br />

esp. espanhol<br />

et al. et alii (lat.) 'e outros autores'<br />

expr. expressão<br />

expr. idiom. expressão idiomática<br />

fam. familiar<br />

fig. figura<strong>do</strong><br />

fr. francês<br />

gram. gramatical<br />

ib. ibi<strong>de</strong>m (lat.) 'no mesmo lugar'<br />

idiom. idiomático<br />

ingl. inglês<br />

ital. italiano<br />

lat. latim<br />

onom. onomatopaico<br />

ort. ortográfico<br />

p. página<br />

pej. pejorativo<br />

p. ex. por exemplo<br />

p. ext. por extensão<br />

pg. português<br />

pl. plural<br />

prov. provérbio<br />

s.v. sub verbo (lat.) 'no artigo'<br />

sin. sinónimo<br />

sg. singular<br />

SPCL Society of Pidgin and Creole Linguistics<br />

tb. também<br />

var. variante, varie<strong>da</strong><strong>de</strong>


0.4.4 Símbolos<br />

/.../ transcrição fonológica<br />

[...] transcrição fonética<br />

nos exemplos e nas citações: omissão ou<br />

comentário explicativo<br />

♀ forma específica para seres <strong>do</strong> sexo feminino<br />

♂ forma específica para seres <strong>do</strong> sexo masculino<br />

# introduz um exemplo<br />

... > ... ... converte-se em ...<br />

... < ... ... provém <strong>de</strong> ...<br />

0.5 Bibliografia<br />

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Praia: Institutu Kabuverdianu di Livru.<br />

Veiga, Manuel (1996), O crioulo <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>. Introduçao à<br />

<strong>Gramática</strong>, 2a ed., Min<strong>de</strong>lo, São Vicente: Instituto <strong>Cabo</strong>verdiano<br />

<strong>do</strong> Livro e <strong>do</strong> Disco/Instituto Nacional <strong>da</strong> Cultura.<br />

Veiga, Manuel (2006), "O crioulo <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>: Afirmação e<br />

visão prospectiva", em: Lang et al., p. 27-41.<br />

Veiga, Manuel (2009), Odju d'agu, Praia: Instituto <strong>da</strong> Biblioteca<br />

Nacional e <strong>do</strong> Livro (primeira ed. <strong>de</strong> 1987).<br />

Wright, Roger (1989), Latín tardío y romance temprano en España<br />

y la Francia carolingia, versión española <strong>de</strong> Rosa<br />

Lalor, Madrid: Gre<strong>do</strong>s (original inglês 1982).


I.<br />

SONS E ESCRITA


1. Fonética e fonologia<br />

1.1 Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fónicas<br />

1.1.0 Observações preliminares<br />

Diferentes critérios permitem distinguir, na intervenção<br />

<strong>de</strong> um interlocutor (ingl. 'turn') diferentes tipos <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

fónicas que serão sempre, ao mesmo tempo, uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s funcionais.<br />

Estes tipos <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s formam uma hierarquia. Começan<strong>do</strong> pelas<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> mais alto nível, temos, em linha <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, pelo<br />

menos, os seguintes tipos <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s: frases (cf. 1.1.1), pa-<br />

lavras fónicas (cf. 1.1.2), grupos tónicos ou 'pés' (cf.<br />

1.1.3), sílabas (cf. 1.1.4) e fonemas (cf. 1.1.5). Na secção<br />

1.1.6 ilustramos ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s através <strong>de</strong> um curto<br />

texto.<br />

Uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nível abrange uma ou várias<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> nível imediatamente inferior. Uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> nível po<strong>de</strong>, assim, funcionar, por si só, como uma<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> nível imediatamente superior. Segun<strong>do</strong> este princí-<br />

pio, po<strong>de</strong>m <strong>da</strong>r-se casos em que uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> mais alto nível,<br />

isto é, to<strong>da</strong> a intervenção <strong>de</strong> um interlocutor, consta <strong>de</strong> uma<br />

só uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> nível mais baixo, isto é, <strong>de</strong> um só fonema: cf.<br />

pg. É! como resposta a uma pergunta <strong>do</strong> tipo É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que o<br />

João e a Maria se separaram?<br />

1.1.1 Frase<br />

A frase é um ato <strong>de</strong> fala mínimo, mas nem to<strong>do</strong> o ato <strong>de</strong> fa-<br />

la mínimo é uma frase, pois qualquer sequência fónica mínima<br />

proferi<strong>da</strong> com a intenção reconhecível <strong>de</strong> atuar sobre o inter-<br />

locutor constitui já um ato <strong>de</strong> fala mínimo.<br />

Assim, existem pelo menos <strong>do</strong>is outros tipos <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> fa-<br />

la mínimos, além <strong>da</strong>s frases: a exclamação (por ex. Avé! 'Cre-<br />

<strong>do</strong>!') a e o vocativo (por ex. Nhu Rumáldu! 'Senhor Rumáldu!').<br />

a Neste capítulo <strong>de</strong> fonética e fonologia indicamos para ca<strong>da</strong> expressão<br />

crioula apenas um <strong>do</strong>s seus significa<strong>do</strong>s contextuais.


Por meio <strong>da</strong>s exclamações, que constam <strong>de</strong> uma interjeição<br />

ou <strong>de</strong> uma locução interjetiva, os falantes<br />

- manifestam sentimentos, como a alegria, a surpresa, o<br />

horror, etc. (cf. Avé! 'Cre<strong>do</strong>!', Oi nha mai! 'Meu<br />

Deus!', etc.),<br />

- incitam a ações (cf. Xó! 'Xô!', Paxénxa! 'Paciência!'),<br />

ou<br />

- imitam ruí<strong>do</strong>s (cf. Póu! 'Zás!', Flupu! 'Chape!')<br />

sem <strong>de</strong>screverem tais sentimentos, ações ou ruí<strong>do</strong>s.<br />

Através <strong>do</strong>s vocativos (cf. Nhu Rumáldu! 'Senhor Rumál-<br />

du!'), os falantes visam atrair a atenção <strong>de</strong> outros para si e,<br />

<strong>de</strong> forma indireta, para aquilo que lhes querem dizer, mostrar,<br />

etc.<br />

São frases os atos <strong>de</strong> fala mínimos on<strong>de</strong> um falante se re-<br />

fere a um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas ou a uma relação entre esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

coisas para os afirmar, para exigir a sua existência, para<br />

perguntar pela sua existência, etc. (cf. Bu átxa livro 'Encon-<br />

traste o livro', Átxa livro! 'Encontra o livro!', Bu átxa liv-<br />

ro? 'Encontraste o livro?', etc.). Tais atos <strong>de</strong> fala mínimos<br />

chamam-se também atos ilocutórios. A nível fónico, confia-se a<br />

um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contorno entoacional a tarefa <strong>de</strong> garantir a<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> frase.<br />

Uma frase po<strong>de</strong> ser muito longa e apresentar uma estrutura<br />

interna complexa. Impõe-se, portanto, distinguir nela uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> nível inferior.<br />

1.1.2 Palavra fónica<br />

Por analogia com os textos escritos, on<strong>de</strong> as palavras sur-<br />

gem separa<strong>da</strong>s por espaços, chamamos palavra fónica (fr. mot<br />

phonétique) a qualquer sequência fónica contínua que, na fala<br />

pausa<strong>da</strong>, po<strong>de</strong> ficar entre duas pausas. Também a uma palavra<br />

fónica correspon<strong>de</strong> um contorno entoacional próprio. E por ser<br />

a palavra fónica a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> mais pequena que dispõe <strong>de</strong> um con-<br />

torno entoacional próprio, há autores que preferem chamá-la <strong>de</strong>


'uni<strong>da</strong><strong>de</strong> entoacional' (ingl. intonation unit, cf. Fox 2000:<br />

338). Quan<strong>do</strong> uma frase contém várias palavras fónicas, os seus<br />

contornos entoacionais subordinam-se ao contorno entoacional<br />

<strong>da</strong> frase que as engloba.<br />

Entre as enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s que costumam constituir palavras fóni-<br />

cas próprias mencionaremos apenas, a título <strong>de</strong> exemplo, as pa-<br />

rentéticas, os 'tópicos' ou 'temas' <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>s à esquer<strong>da</strong> ou à<br />

direita, as orações relativas explicativas, as aposições e os<br />

aditamentos que <strong>de</strong>terminam o ato <strong>de</strong> fala enquanto tal (cf.<br />

3.3.1.3). Eis um exemplo para ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>stes cinco casos:<br />

Parentética:<br />

..., kuándu el txiga la kel kánpu (ain<strong>da</strong> boi k'odja-l),<br />

dj'el odjâ boi la lonji ta kumê (233/22) '..., quan<strong>do</strong><br />

chegou àquele campo (o boi ain<strong>da</strong> não o avistara), já<br />

viu o boi lá longe a comer.'<br />

Tópico <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong>:<br />

Abô, rapasinhu?!... E'fla-l: - Amí, nha mai <strong>de</strong>xa-m pa N po<br />

panéla riba, agóra fós dja per<strong>de</strong>-m, ... (147/4). 'Você<br />

[aqui], rapaz? – [O rapaz] Respon<strong>de</strong>u: Eu, a minha mãe<br />

permitiu-me que começasse a cozinhar, só que já perdi<br />

os fósforos, ... .'<br />

Oração relativa explicativa:<br />

Pasarinha, ki ê ávi más bunitu di Káuberdi, ten biku bur-<br />

medju ku ása azul. 'A passarinha, que é a ave mais bo-<br />

nita <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>, tem o bico vermelho e as asas<br />

azuis.'<br />

Aposição:<br />

Pasarinha, ávi más bunitu di Káuberdi, ten biku burmedju<br />

ku ása azul. 'A passarinha, a ave mais bonita <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong><br />

Ver<strong>de</strong>, tem o bico vermelho e as asas azuis.'<br />

Aditamentos que <strong>de</strong>terminam o acto <strong>de</strong> fala enquanto tal:<br />

Na fundu, bu disizon foi dretu. (RS) 'Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a tua<br />

<strong>de</strong>cisão foi acerta<strong>da</strong>.


Pela presença <strong>de</strong> tais elementos, muitas frases constam <strong>de</strong><br />

várias palavras fónicas.<br />

1.1.3 Grupo tónico ('pé')<br />

O critério utiliza<strong>do</strong> para <strong>de</strong>limitar os grupos tónicos, que<br />

em poética recebem o nome <strong>de</strong> 'pés', é o acento fónico. Quan<strong>do</strong><br />

falamos, <strong>de</strong>stacamos <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s sílabas por meio <strong>da</strong> intensi-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> ('acento dinâmico'), <strong>da</strong> altura ('acento musical') ou <strong>da</strong><br />

duração ('acento quantitativo'). Regra geral, estas sílabas<br />

acentua<strong>da</strong>s ou 'tónicas' reúnem to<strong>da</strong>s estas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, embora<br />

uma <strong>de</strong>las seja normalmente pre<strong>do</strong>minante (em francês pre<strong>do</strong>mina<br />

a altura, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> a intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>).<br />

Um grupo tónico é constituí<strong>do</strong> por uma sílaba acentua<strong>da</strong> e<br />

por to<strong>da</strong>s as sílabas não acentua<strong>da</strong>s ou 'átonas' que eventual-<br />

mente a acompanhem. Po<strong>de</strong>, portanto, ser constituí<strong>do</strong> por uma ou<br />

várias sílabas.<br />

As palavras plurissilábicas costumam apresentar apenas uma<br />

sílaba tónica (cf. cs. dispénsa '<strong>de</strong>spensa', kontribuison 'con-<br />

tribuição', bóbra 'abóbora', etc.), pelo que constituem um só<br />

grupo tónico. São exceções a esta regra, no português e no<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, alguns compostos (cf. por ex. pg. quebra-<br />

cabeça, cs. kebra-kabésa) e os advérbios termina<strong>do</strong>s em –mente,<br />

–menti (cf. pg. diretamente, cs. dirétamenti, etc.).<br />

As palavras átonas, isto é, as palavras <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

acento fónico próprio, apoiam-se sempre em alguma palavra tó-<br />

nica subsequente ou prece<strong>de</strong>nte. To<strong>da</strong>s as palavras átonas que<br />

se apoiam na mesma palavra tónica formam com ela um só grupo<br />

tónico. As que se encostam a uma palavra tónica subsequente<br />

encontram-se em posição 'proclítica' ou em 'próclise'; as que<br />

se apoiam numa palavra tónica prece<strong>de</strong>nte estão em posição 'en-<br />

clítica' ou em 'ênclise'. Uma palavra fónica po<strong>de</strong> ser consti-<br />

tuí<strong>da</strong> por um ou vários grupos tónicos consecutivos.<br />

O número <strong>de</strong> grupos tónicos numa palavra fónica correspon<strong>de</strong><br />

ao número <strong>de</strong> sílabas acentua<strong>da</strong>s que a compõem. Contu<strong>do</strong>, nem<br />

sempre é fácil i<strong>de</strong>ntificar com precisão os limites <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um<br />

<strong>do</strong>s grupos tónicos. Por isso, dispensamo-nos <strong>de</strong> o fazer nas<br />

transcrições <strong>do</strong> texto exemplificativo sob 1.1.6 O problema é


que, muitas vezes, faltam critérios fónicos infalíveis para se<br />

<strong>de</strong>cidir se uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> palavra átona <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong><br />

enclítica relativamente a uma palavra tónica prece<strong>de</strong>nte ou<br />

proclítica relativamente a uma palavra tónica subsequente. Os<br />

linguistas socorrem-se nestes casos <strong>de</strong> critérios sintáticos,<br />

agrupan<strong>do</strong> a palavra átona em questão com a palavra tónica que<br />

ela <strong>de</strong>termina. Se aplicarmos este critério a uma <strong>da</strong>s palavras<br />

fónicas <strong>do</strong> parágrafo anterior, po<strong>de</strong>mos segmentá-la <strong>da</strong> seguinte<br />

forma:<br />

..., ki ê ávi │ más │ bunitu │ di Káu │ berdi, ...<br />

Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m obter-se limites ligeiramente diferentes<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> se a segmentação se faz apoian<strong>do</strong>-se em critérios<br />

fonéticos ou em critérios fonológicos (cf. 1.1.4).<br />

1.1.4 Sílaba<br />

Sob 1.1.3 já falámos <strong>da</strong>s sílabas. O critério para a conta-<br />

gem <strong>de</strong> sílabas numa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> fónica <strong>de</strong> nível superior é <strong>da</strong><strong>do</strong><br />

pelas alternâncias <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> sonori<strong>da</strong><strong>de</strong> ou percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na<br />

fala. O termo 'percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong>' indica que não se trata <strong>de</strong> um<br />

valor objetivamente mensurável. São os ouvintes (e os falantes<br />

são, geralmente, ao mesmo tempo também ouvintes) que percebem<br />

a ca<strong>de</strong>ia fónica como sen<strong>do</strong> uma sequência <strong>de</strong> picos e vales <strong>de</strong><br />

percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Fatores vários contribuem para esta perceção.<br />

Além <strong>da</strong>s variações <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>, trata-se sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong> va-<br />

riações ao nível <strong>do</strong>s obstáculos que a corrente <strong>de</strong> ar tem <strong>de</strong><br />

ultrapassar durante o seu percurso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a laringe até ao ex-<br />

terior. Assim, são mais percetíveis os sons sonoros <strong>do</strong> que os<br />

sur<strong>do</strong>s, os sons fricativos mais <strong>do</strong> que os oclusivos, as vogais<br />

abertas mais <strong>do</strong> que as fecha<strong>da</strong>s, e, sobretu<strong>do</strong>, as vogais mais<br />

<strong>do</strong> que as consoantes (pelas razões indica<strong>da</strong>s a em 1.1.5).<br />

Ca<strong>da</strong> pico <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> constitui o centro <strong>de</strong> uma sí-<br />

laba. Consequentemente, contam-se num grupo tónico e numa pa-<br />

lavra fónica tantas sílabas quantos picos <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

for possível distinguir neles. Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas sílabas esten-<br />

<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> um ponto mais baixo <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> até ao próxi-<br />

mo. Chama-se parte explosiva <strong>de</strong> uma sílaba à parte em que a<br />

percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> vai em crescen<strong>do</strong> e parte implosiva àquele em


que vai diminuin<strong>do</strong>. Como as vogais são, por <strong>de</strong>finição, mais<br />

percetíveis <strong>do</strong> que as consoantes, po<strong>de</strong> dizer-se que o centro<br />

<strong>de</strong> uma sílaba é sempre mais vocálico, ao passo que o seu iní-<br />

cio e o seu fim são sempre mais consonânticos.<br />

Por conseguinte, numa consoante intervocálica po<strong>de</strong>mos dis-<br />

tinguir duas fases. Uma primeira, implosiva, que faz parte <strong>da</strong><br />

sílaba prece<strong>de</strong>nte, e uma segun<strong>da</strong>, explosiva, que pertence à<br />

sílaba seguinte.<br />

Só a nível fonológico, quer dizer, após a análise <strong>da</strong> ca-<br />

<strong>de</strong>ia fónica em fonemas (cf. 1.1.5) e <strong>da</strong> classificação <strong>de</strong>stes<br />

em fonemas consonânticos e vocálicos, faz senti<strong>do</strong> falar em sí-<br />

labas que começam ou terminam por vogal ou que começam ou<br />

terminam por uma ou várias consoantes. A uma consoante inter-<br />

vocálica que, a nível fonético, tem uma parte que pertence à<br />

sílaba prece<strong>de</strong>nte e outra que pertence à sílaba seguinte, cos-<br />

tuma correspon<strong>de</strong>r, portanto, a nível fonológico, uma consoante<br />

que pertence a apenas uma <strong>da</strong>s duas sílabas (geralmente à sí-<br />

laba seguinte).<br />

As sílabas que terminam em vogal chamam-se livres ou aber-<br />

tas, as que terminam em consoante, chamam-se trava<strong>da</strong>s. Sequên-<br />

cias <strong>de</strong> duas ou três vogais no interior <strong>de</strong> uma sílaba formam<br />

'ditongos' e 'tritongos' (para estes, cf. 1.2.1.8.2).<br />

1.1.5 Fonema<br />

No interior <strong>de</strong> uma palavra fónica e no interior <strong>de</strong> um gru-<br />

po tónico há poucos limites claramente percetíveis (oclusões,<br />

golpes <strong>de</strong> glote, etc.). A impressão que se tem é a <strong>de</strong> um con-<br />

tínuo com transições graduais. Esta afirmação vale ain<strong>da</strong> mais<br />

para as sílabas, visto os poucos limites claros no interior<br />

<strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> nível mais alto coincidirem com os limites en-<br />

tre sílabas. A nível fonológico, ca<strong>da</strong> sílaba consta, porém, <strong>de</strong><br />

um, <strong>do</strong>is, três, quatro ou cinco fonemas (raramente mais).<br />

A análise <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> mais alto nível em fonemas não é<br />

possível sem recorrer aos significa<strong>do</strong>s, visto os fonemas serem<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fónicas mínimas com capaci<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir significa<strong>do</strong>s. Esta capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra-se<br />

através <strong>de</strong> provas <strong>de</strong> comutação e <strong>de</strong> permutação. As provas <strong>de</strong>


comutação po<strong>de</strong>m levar à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> 'pares mínimos' (cf.<br />

1.2.1.3 e 1.2.2.3), que tornam particularmente evi<strong>de</strong>nte que<br />

<strong>do</strong>is sons <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como realizações <strong>de</strong> fonemas<br />

diferentes. As provas <strong>de</strong> permutação po<strong>de</strong>m impor uma análise<br />

mono ou bifonemática <strong>de</strong> uma sequência <strong>de</strong> sons (em cs. há [dʒ]<br />

em midju s. 'milho', etc., mas não há *[ʒd], <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>, por isso,<br />

a sequência [dʒ] ser analisa<strong>da</strong> como realização <strong>de</strong> um único fo-<br />

nema /ǯ/; pelo contrário, há [rk] em bárku s. 'barco', etc.,<br />

mas há também [kr] em sukri s. 'açúcar', etc., impon<strong>do</strong>-se,<br />

portanto, uma análise bifonemática /rk/ <strong>da</strong> sequência [rk]).<br />

Uma 'língua funcional', isto é, a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma língua<br />

histórica como o português, o alemão, etc. que uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

cama<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> utiliza, numa <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> locali<strong>da</strong><strong>de</strong> e num<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> interação verbal, dispõe <strong>de</strong> um número <strong>de</strong>-<br />

termina<strong>do</strong> <strong>de</strong> fonemas. Nas línguas europeias, este número cos-<br />

tuma situar-se entre 20 e 40 (atualmente 24 no espanhol euro-<br />

peu padrão, 33 no francês padrão, etc.).<br />

Muitos autores exigem a existência <strong>de</strong> pelo menos um par<br />

mínimo, isto é, um par <strong>de</strong> palavras cuja pronúncia só difere<br />

num único ponto (ex. cs. parti [ᛌpǠrti] v. 'quebrar' vs. párti<br />

[ᛌparti] s. 'parte'), para reconhecer valor distintivo a uma<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> diferença fónica (no exemplo anterior à diferença<br />

entre [Ǡ] e [a]) e, portanto, para aceitar a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

termina<strong>do</strong>s fonemas (aqui a existência <strong>de</strong> /Ǡ/ e <strong>de</strong> /a/). Não<br />

part<strong>ilha</strong>mos <strong>de</strong>sta opinião. O critério <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong>ve ser o sen-<br />

tir <strong>do</strong>s falantes. Se estes consi<strong>de</strong>ram que um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> con-<br />

traste fónico contribui para distinguir significa<strong>do</strong>s noutros<br />

casos, por exemplo em pares como parti [ᛌpǠrti] v. 'quebrar'<br />

vs. pártu [ᛌpartu] s. 'parto', então os sons correspon<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como sen<strong>do</strong> representantes <strong>de</strong> fonemas<br />

diferentes <strong>da</strong> sua língua, mesmo não existin<strong>do</strong> nenhum par 'mí-<br />

nimo' <strong>do</strong> tipo [ᛌpǠrti] / [ᛌparti].<br />

Há ain<strong>da</strong> um outro mal-entendi<strong>do</strong> amplamente difundi<strong>do</strong>. Con-<br />

siste em pensar que qualquer introdução, eliminação ou modifi-<br />

cação <strong>de</strong> um traço distintivo num fonema <strong>de</strong> uma palavra a


transforma noutra palavra ou então numa palavra que não existe<br />

na língua ou varie<strong>da</strong><strong>de</strong> em questão. Na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não há razões<br />

para que a realização <strong>de</strong> uma palavra varie só <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s es-<br />

treitos limites <strong>de</strong> uma série invariável <strong>de</strong> fonemas que a com-<br />

põem. Ocorre frequentemente, especialmente nas línguas sem<br />

tradição escrita, que um mesmo falante realize uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><br />

palavra nas mesmas circunstâncias <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> tão diferente – di-<br />

zen<strong>do</strong>, por exemplo, umas vezes rakonhesedu 'grato, reconheci-<br />

<strong>do</strong>', mas outras rekonhesedu, rakonhesidu, rekonhesidu, rako-<br />

nhisedu, rekonhisedu, rakonhisidu ou rekonhisidu - que é pre-<br />

ciso admitir variantes fonologicamente distintas para esta. Ao<br />

que parece, a palavra em questão dispõe <strong>de</strong> um contorno fónico<br />

global que a mantém reconhecível apesar <strong>de</strong> tais variações.<br />

Em resumo: Postulamos fonemas com base na sua função po-<br />

tencial <strong>de</strong> distinguir significa<strong>do</strong>s, o que não implica que<br />

exerçam sempre esta função em to<strong>do</strong>s os contextos. Não obstan-<br />

te, parece não haver dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> que os pares mínimos são par-<br />

ticularmente úteis para ilustrar essa função distintiva, e,<br />

portanto, para ilustrar a existência <strong>de</strong> oposições fonológicas<br />

entre fonemas – justamente porque constituem casos on<strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />

significantes diferem apenas num único ponto. Por isso, nas<br />

seções 1.2.1.3 e 1.2.2.3, recorreremos aos pares mínimos para<br />

ilustrar o máximo <strong>de</strong> oposições entre fonemas. On<strong>de</strong> tal não for<br />

possível, utilizaremos pares 'quase mínimos' (na medi<strong>da</strong> em que<br />

diferem em mais <strong>de</strong> um ponto <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ia fónica).<br />

O critério para a distinção entre fonemas vocálicos e con-<br />

sonânticos é fonético: as vogais mais fecha<strong>da</strong>s <strong>do</strong> sistema fo-<br />

nológico <strong>de</strong> uma língua são ain<strong>da</strong> assim mais abertas <strong>do</strong> que to-<br />

<strong>da</strong>s as suas consoantes, isto é, o ângulo que formam os maxila-<br />

res superior e inferior é maior quan<strong>do</strong> pronunciamos uma vogal<br />

<strong>do</strong> que quan<strong>do</strong> pronunciamos uma consoante, e o falante não cria<br />

obstáculos que dificultem a passagem <strong>do</strong> ar como faz quan<strong>do</strong><br />

pronuncia uma consoante. Do caráter aberto e geralmente sonoro<br />

<strong>da</strong>s vogais resulta um alto grau <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que as pre-<br />

<strong>de</strong>stina a assumir a função <strong>de</strong> picos silábicos. As consoantes,<br />

por seu la<strong>do</strong>, com o seu menor grau <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, encon-<br />

tram-se preferencialmente nas margens <strong>da</strong>s sílabas.<br />

Os fonemas consonânticos são 'sonoros' ou 'sur<strong>do</strong>s' conso-<br />

ante a corrente <strong>de</strong> ar faça ou não vibrar as cor<strong>da</strong>s vogais à


sua passagem pela laringe. Na maior parte <strong>do</strong>s sistemas fonoló-<br />

gicos há séries inteiras <strong>de</strong> fonemas que se distinguem apenas<br />

pela presença ou ausência <strong>de</strong>ssa sonori<strong>da</strong><strong>de</strong> (cf. 1.2.2.1). Os<br />

fonemas vocálicos, por seu la<strong>do</strong>, costumam ser sonoros. Apenas<br />

em sílabas extremamente átonas se encontram realizações sur<strong>da</strong>s<br />

<strong>de</strong> vogais (cf. 1.2.1.5.2).<br />

1.1.6 Texto exemplificativo com transcrição<br />

Encerramos este secção 1.1 sobre as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fónicas ilus-<br />

tran<strong>do</strong> as nossas explicações através <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> um texto<br />

crioulo. No conto no. 3 <strong>da</strong> coletânea Na bóka noti (2 a edição <strong>de</strong><br />

2004, p. 38, linhas 20-21), uma mulher fica escan<strong>da</strong>liza<strong>da</strong><br />

quan<strong>do</strong> o curan<strong>de</strong>iro lhe diz que o seu mari<strong>do</strong> não está <strong>do</strong>ente,<br />

mas é simplesmente preguiçoso.<br />

- Si nhu ka kre nxina-m ramédi, ka nhu nxina ... Má fla-m<br />

ma nha maridu ka sta duenti e fase trósa-l mi y txoma-m nha<br />

maridu di <strong>do</strong>du! ...<br />

- 'Se não quer recomen<strong>da</strong>r-me nenhum remédio, não recomen<strong>de</strong><br />

… Mas dizer-me que o meu mari<strong>do</strong> não está <strong>do</strong>ente é fazer troça<br />

<strong>de</strong> mim e chamar o meu mari<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>i<strong>do</strong>. ...' b<br />

Esta intervenção é constituí<strong>da</strong> por duas frases, separa<strong>da</strong>s<br />

na escrita por três reticências. À primeira palavra fónica se-<br />

gue-se uma vírgula. A terceira palavra fónica começa <strong>de</strong>pois<br />

<strong>da</strong>s reticências. Os limites entre a terceira, quarta e quinta<br />

palavras fónicas situam-se em ... duenti / e fase ... e em ...<br />

trósa-l mi / y txoma-m ... . A última pausa po<strong>de</strong>ria ser omiti-<br />

<strong>da</strong>. Neste caso, a intervenção <strong>da</strong> mulher seria constituí<strong>da</strong> ape-<br />

nas por quatro palavras fónicas.<br />

Seguem-se duas transcrições <strong>de</strong>sta intervenção. A primeira<br />

dá o texto na transcrição fonética relativamente larga que<br />

utilizaremos ao longo <strong>de</strong>sta gramática. As frases estão separa-<br />

<strong>da</strong>s por barras duplas, as palavras fónicas por barras simples.<br />

b Na 2 a edição <strong>de</strong> 2004 lê-se kré, na 1 a <strong>de</strong> 1987 kre. Tanto o nosso colabora<strong>do</strong>r<br />

caboverdiano André <strong>do</strong>s Reis Santos como Emanuel <strong>de</strong> Pina, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>, pronunciam o verbo com [e] fecha<strong>do</strong>. Por isso substituímos<br />

kré por kre.


As sílabas tónicas vão precedi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> apóstrofo, apesar <strong>da</strong> im-<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> indicar o seu início com precisão numa trans-<br />

crição fonética (cf. 1.1.4). É evi<strong>de</strong>nte que diferentes falan-<br />

tes po<strong>de</strong>riam preferir realizar como tónicas <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s síla-<br />

bas que, na nossa transcrição, não surgem acentua<strong>da</strong>s, ou rea-<br />

lizar como não acentua<strong>da</strong>s <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s sílabas que apresenta-<br />

mos como tónicas. Os símbolos são os <strong>da</strong> Association Phonétique<br />

Internationale (API). Representam sons, mais precisamente ti-<br />

pos <strong>de</strong> sons reais.<br />

Transcrição fonética:<br />

[ᛌsiȂukǠkrẽʃiᛌnǠrǠᛌmǫdi│<br />

ᛌkǠȂũᛌʃinǠ││<br />

ᛌmaᛌflǠmǠȂǠmǠᛌridukǠstǠᛌdwenti│<br />

eᛌfǠsiᛌtrǤsǠlᛌmi│<br />

icoᛌmǠȂǠmǠᛌridudiᛌ<strong>do</strong>du]<br />

Na transcrição quase fonológica que se segue, o uso <strong>da</strong>s<br />

barras e <strong>do</strong> apóstrofo continua a ser o mesmo que na transcri-<br />

ção fonética prece<strong>de</strong>nte. Os símbolos continuam a ser os <strong>de</strong> As-<br />

sociation Phonétique Internationale (API), mas <strong>de</strong>sta vez re-<br />

presentam fonemas e não alofones. Com uma exceção: os 'arqui-<br />

fonemas', <strong>do</strong>s quais falaremos sob 1.2.1.6 e 1.2.2.5, não se<br />

transcrevem como tais (como às vezes se faz, usan<strong>do</strong> maiúscu-<br />

las). O símbolo que aparece em seu lugar representa o alofone,<br />

quer dizer a realização normal <strong>do</strong> arquifonema no contexto fo-<br />

nológico em questão. Os limites entre as sílabas fonologica-<br />

mente <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>s indicam-se por meio <strong>de</strong> pontos. O número <strong>do</strong>s<br />

grupos tónicos ('pés') é o mesmo que o <strong>da</strong>s sílabas tónicas.<br />

Pelas razões expostas em 1.1.3 não se indicam os limites entre<br />

os grupos tónicos. O uso <strong>do</strong> til para a indicação <strong>do</strong> traço <strong>de</strong><br />

nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> em vogais e consoantes ficará justifica<strong>do</strong> em 1.2.0.


Transcrição fonológica:<br />

/ᛌsi·Ȃu·kǠ·krẽ·ʃi·ᛌnǠ·rǠ·ᛌmǫ·di│<br />

ᛌkǠ·Ȃu·ᛌʃ i·nǠ││<br />

ᛌma·ᛌflǠ·mǠ·ȂǠ·mǠ·ᛌri·du·kǠ·stǠ·ᛌduẽ·ti│<br />

e·ᛌfǠ·si·ᛌtrǤ·sǠl·ᛌmi│<br />

i·co·ᛌmǠ·ȂǠ·mǠ·ᛌri·du·di·ᛌ<strong>do</strong>·du/<br />

1.2 Fonemas<br />

1.2.0 Observação preliminar a respeito <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

O problema mais árduo na <strong>de</strong>scrição fonológica <strong>do</strong> crioulo<br />

<strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> é, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, avaliar o papel <strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong><br />

pela nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> no sistema fonológico <strong>de</strong>ste crioulo. Propomo-<br />

nos justificar nesta secção as <strong>de</strong>cisões que levaram ao estabe-<br />

lecimento <strong>do</strong>s inventários vocálico e consonântico nas secções<br />

1.2.1 e 1.2.2 <strong>de</strong>sta gramática. Leitores interessa<strong>do</strong>s apenas em<br />

conhecerem os resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong>s nossas reflexões po<strong>de</strong>m, por isso,<br />

saltar a leitura <strong>da</strong> presente secção.<br />

Ninguém po<strong>de</strong> negar, e ninguém nunca negou, que o crioulo<br />

<strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem, a nível fonético, vogais nasaliza<strong>da</strong>s, conso-<br />

antes nasais e consoantes nasaliza<strong>da</strong>s. A este nível, as conso-<br />

antes nasaliza<strong>da</strong>s como [mp], [mb], [ɱf], etc. são constituí<strong>da</strong>s<br />

por uma consoante oral precedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma consoante nasal homor-<br />

gânica; <strong>da</strong>í a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> 'pré-nasaliza<strong>da</strong>s'. c Trata-se <strong>de</strong> sa-<br />

c "In such a sequence the nasal portion is terminated and the stop initiated<br />

simply by raising the velum. […] It is often been argued that similar<br />

gestural sequences in some languages should be treated as unitary segments,<br />

particularly if they occur in syllable-initial position." (La<strong>de</strong>foged/ Maddieson<br />

1996: 119). Os complexos fonéticos em questão respon<strong>de</strong>m, portanto, a<br />

um 'movimento articulatório unitário' (Trubetzkoy: 'einheitliche Artikulationsbewegung')<br />

durante o qual um obstáculo articulatório complexo se dissipa<br />

gradualmente. Efetivamente, se consi<strong>de</strong>rarmos apenas a cavi<strong>da</strong><strong>de</strong> oral,<br />

as consoantes nasaliza<strong>da</strong>s começam com um duplo constrangimento: o primeiro,<br />

comum a to<strong>da</strong>s estas consoantes, causa<strong>do</strong> pelo abaixar <strong>do</strong> velum, e o segun<strong>do</strong><br />

instaura<strong>do</strong> no ponto <strong>de</strong> articulação que correspon<strong>de</strong> à consoante pré-nasaliza<strong>da</strong><br />

que se trata <strong>de</strong> produzir. Posteriormente, <strong>de</strong>sfaz-se primeiro o con-


er se o crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, para além <strong>do</strong>s seus três ou qua-<br />

tro fonemas consonânticos nasais (│m│, │n│, │Ȃ│ e, em certos<br />

falantes, │ŋ│), tem também fonemas vocálicos nasaliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

tipo │i│, │e│, │ǫ│, │Ǡ│, │a│, etc. e/ou fonemas consonânticos<br />

pré-nasaliza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tipo │p│, │b│, │f│, etc. Da resposta a esta<br />

pergunta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá também o estatuto fonológico a atribuir ao<br />

pronome átono <strong>da</strong> primeira pessoa <strong>do</strong> singular, que o Alfabeto<br />

Unifica<strong>do</strong> Para a Escrita <strong>do</strong> <strong>Cabo</strong>verdiano (ALUPEC) representa<br />

por N antes <strong>de</strong> verbos e partículas verbais e por -m em posição<br />

enclítica ao verbo (cf. 10.1.4.3 e 10.1.4.4).<br />

Expusemos pela primeira vez a nossa solução para este pro-<br />

blema em 1999. E <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mo-la <strong>de</strong> novo em 2007, respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à<br />

contraproposta publica<strong>da</strong> em 2006 por Hil<strong>do</strong> Honório <strong>do</strong> Couto e<br />

Ulis<strong>de</strong>te Rodrigues <strong>de</strong> Souza.<br />

A intuição <strong>do</strong>s próprios falantes <strong>do</strong> crioulo foi e continua<br />

a ser, para nós, o critério <strong>de</strong>cisivo, segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> perto pelo<br />

critério <strong>da</strong> simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição. Noutras palavras: pre-<br />

ferimos a interpretação que faça jus, <strong>da</strong> forma mais simples, à<br />

intuição <strong>do</strong>s próprios falantes. E situamo-nos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />

teoria fonológica <strong>de</strong> cunho europeu, não generativa.<br />

Os factos fonéticos <strong>de</strong> cuja análise fonológica tratamos<br />

são os seguintes:<br />

As três consoantes nasais [m], [n] e [Ȃ] (ex. már [ᛌmar] s.<br />

'mar'; ná<strong>da</strong> [ᛌnadǠ] v. 'na<strong>da</strong>r'; nheme [ᛌȂemi] v. 'mastigar')<br />

ocorrem em posição inicial <strong>de</strong> palavras fónicas e <strong>de</strong> sílabas.<br />

Nos mesmos contextos fónicos, as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais arcaicas <strong>do</strong><br />

crioulo santiaguense distinguem ain<strong>da</strong> um [ŋ] (ex. ŋánha [ᛌŋaȂǠ]<br />

s. 'o que fica <strong>de</strong> uma maçaroca <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> lhe terem si<strong>do</strong> reti-<br />

ra<strong>do</strong>s os grãos'). As restantes varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> crioulo santia-<br />

guense usam o complexo [ŋg], comum a to<strong>da</strong>s as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, ou<br />

[Ȃ], em vez <strong>de</strong>sse [ŋ] (ex. ngánha [ᛌŋgaȂǠ]). Não há dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

que a estes três ou quatro sons correspon<strong>de</strong>m, quan<strong>do</strong> ocorrem<br />

strangimento posterior, levantan<strong>do</strong> o velum, pelo que começa a escoar-se<br />

mais ar pela cavi<strong>da</strong><strong>de</strong> oral, manten<strong>do</strong>-se durante algum tempo o outro. O conjunto<br />

produz a impressão <strong>de</strong> uma consoante com fase implosiva nasal e fase<br />

explosiva oral (cf. Trubetzkoy 1958: I, B e 1971: II, 3 e também Creissels<br />

1994: 44-48 e 105-107).


antes <strong>de</strong> vogal, outros tantos fonemas consonânticos nasais.<br />

As vogais fonéticas claramente nasaliza<strong>da</strong>s ocorrem em po-<br />

sição final absoluta (ex. fin [ᛌfĩ(ŋ)] s. 'fim', xeren<br />

[ʃeᛌre(ŋ)] s. 'sêmola <strong>de</strong> milho', manhan [mǠᛌȂǠ(ŋ)] s. 'manhã',<br />

ndjudjun [Ȃǯuᛌǯu(ŋ)] adj. 'em jejum', pon [ᛌpo(ŋ)] s. 'pão'). Na<br />

fala <strong>da</strong> maioria <strong>do</strong>s falantes, mas não na <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, as vogais<br />

nasaliza<strong>da</strong>s em posição final absoluta vão segui<strong>da</strong>s <strong>de</strong> um [ŋ]<br />

(oclusão nasal velar).<br />

Vogais fonéticas claramente nasaliza<strong>da</strong>s ocorrem ain<strong>da</strong> no<br />

interior <strong>da</strong>s palavras fónicas antes <strong>de</strong> consoantes orais que<br />

não são oclusivas nem laterais (ex. tingi [ᛌtĩʒi] v. 'tingir',<br />

ánsia [ᛌãsjǠ] s. 'ânsia'; kánsa [ᛌkãsǠ] v. 'cansar(-se)'; ránja<br />

[ᛌrãʒǠ] v. 'arranjar'; ónra [ᛌǤrǠ] s. 'honra'). No mesmo contex-<br />

to po<strong>de</strong>m ocorrer vogais orais (ex. kánsa v. 'cansar' / kása v.<br />

'casar(-se)', etc.).<br />

Os complexos consonânticos <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> consti-<br />

tuí<strong>do</strong>s por uma consoante oral precedi<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma consoante nasal<br />

homorgânica (cf. mpára [ᛌmparǠ] v. 'apanhar', etc.) estão ex-<br />

cluí<strong>do</strong>s <strong>da</strong> posição final. Ocorrem só no início e no interior<br />

<strong>da</strong>s palavras fónicas. Exemplos com o complexo em posição ini-<br />

cial são nton [ᛌntõ(ŋ)] adv. 'então', nliona [ᛌnlionǠ] v. 'irri-<br />

tar-se'. Quan<strong>do</strong> ocorrem no interior <strong>da</strong> palavra fónica, como em<br />

kánta [ᛌkantǠ] v. 'cantar', konloiu [konᛌloju] s. 'conluio', a<br />

vogal que prece<strong>de</strong> o complexo não mostra apenas nasalização e o<br />

segun<strong>do</strong> elemento <strong>do</strong> complexo só po<strong>de</strong> ser uma consoante oclusi-<br />

va ou lateral. Temos que admitir que até agora ain<strong>da</strong> não en-<br />

contrámos nenhum exemplo com [Ȃʎ], nem em posição inicial, nem<br />

em posição interior.<br />

No início e no interior <strong>do</strong>s grupos fónicos, po<strong>de</strong> seguir-se<br />

um [r] a complexos consonânticos <strong>de</strong>ste tipo (ex. nprista v.<br />

'emprestar, tomar empresta<strong>do</strong>'; nfrakise v. 'enfraquecer';<br />

sénpri adv. 'sempre'; ingri adj. 'íngreme'), mas os complexos<br />

em questão não po<strong>de</strong>m ser precedi<strong>do</strong>s por nenhuma consoante.


A nossa interpretação fonológica <strong>de</strong>ste conjunto <strong>de</strong> factos<br />

fonéticos parte <strong>da</strong> observação seguinte:<br />

No interior <strong>da</strong>s palavras fónicas só ocorrem antes <strong>de</strong> con-<br />

soantes foneticamente orais que iniciam sílabas fonéticas:<br />

- vogais foneticamente orais ou<br />

- vogais fortemente nasaliza<strong>da</strong>s a nível fonético ou<br />

- sequências <strong>de</strong> vogais foneticamente orais (ou minimamente<br />

nasaliza<strong>da</strong>s) mais consoante nasal.<br />

Acresce que as duas últimas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s se encontram em<br />

distribuição complementar: A sequência fonética 'vogal (quase)<br />

oral + consoante nasal' dá-se antes <strong>de</strong> consoante foneticamente<br />

oclusiva ou lateral. Assim por ex. em linpu [ᛌlimpu] adj. 'lim-<br />

po', lenbe [ᛌlembi] v. 'lamber', kánta [ᛌkantǠ] v. 'cantar',<br />

lén<strong>da</strong> [ᛌlendǠ] s. 'len<strong>da</strong>', sántxu [ᛌsaȂcu] s. 'macaco (gran<strong>de</strong>)',<br />

djondjo [ᛌǯonǯu] v. 'atar', funku [ᛌfuŋku] s. 'cubata constante<br />

só <strong>do</strong> teto cónico', tánga [ᛌtaŋgǠ] s. 'tanga', konloia<br />

[konᛌlojǠ] v. 'conluiar'. A vogal foneticamente nasaliza<strong>da</strong>, por<br />

seu la<strong>do</strong>, só ocorre antes <strong>de</strong> consoante fricativa ou vibrante.<br />

Assim por ex. em diskunfia [disᛌkũfjǠ] v. '<strong>de</strong>sconfiar', konvér-<br />

sa [kõᛌvǫrsǠ] s. 'conversa', parénsa [pǠᛌrǫsǠ] s. 'aparência',<br />

ónzi [ᛌǤzi] adj./s. num. 'onze', konxe [ᛌkõʃi] v. 'conhecer',<br />

lonji [ᛌlõʒi] adv. 'longe', ónra [ᛌǤrǠ] s. 'honra'.<br />

A distribuição estritamente complementar <strong>da</strong>s duas alterna-<br />

tivas 'vogal foneticamente nasaliza<strong>da</strong> + consoante foneticamen-<br />

te oral' e 'vogal foneticamente oral + consoante foneticamente<br />

nasal + consoante foneticamente oral' parece colocar perante<br />

duas alternativas os linguistas <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> chegarem a uma<br />

<strong>de</strong>scrição fonologicamente o mais simples possível. Po<strong>de</strong>m con-<br />

si<strong>de</strong>rar que antes <strong>de</strong> uma consoante foneticamente oral to<strong>da</strong>s as<br />

vogais nasaliza<strong>da</strong>s são constituí<strong>da</strong>s, ao nível fonológico, por<br />

sequências <strong>de</strong> um fonema vocálico oral segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> um fonema<br />

consonântico nasal. Ou po<strong>de</strong>m consi<strong>de</strong>rar que antes <strong>de</strong> uma con-<br />

soante foneticamente oral to<strong>da</strong>s as sequências 'vogal oral mais<br />

consoante nasal' são compostas, ao nível fonológico, por ape-


nas um fonema vocálico nasaliza<strong>do</strong>.<br />

No que diz respeito às vogais foneticamente nasaliza<strong>da</strong>s,<br />

tanto o locutor nativo Manuel Veiga como o francês Nicolas<br />

Quint a<strong>do</strong>taram, nas suas primeiras publicações, a segun<strong>da</strong> so-<br />

lução, bifonemática, para a trocarem em publicações posterio-<br />

res pela primeira, monofonemática.<br />

Manuel Veiga escreveu em 1982: ".. sílabas nazal ki e ka<br />

otu kusa sinon rializason di un vogal mas un konsuanti nasal<br />

(n)" (Veiga 1982: 63; com (n), o autor alu<strong>de</strong> à representação<br />

<strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vogais e consoantes, segun<strong>do</strong> a proposta <strong>de</strong><br />

Min<strong>de</strong>lo e posteriormente o ALUPEC, pela letra n). Por seu la-<br />

<strong>do</strong>, Nicolas Quint, ain<strong>da</strong> em 2000, escreveu: "D'un strict point<br />

<strong>de</strong> vue phonologique, le badiais ne connaît pas <strong>de</strong> voyelle na-<br />

sale, mais seulement <strong>de</strong>s suites /Vn/" (Quint 2000: 25/26). É a<br />

interpretação bifonemática <strong>da</strong>s vogais foneticamente nasaliza-<br />

<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. d<br />

Mas partin<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma observação para nós incorrecta, segun-<br />

<strong>do</strong> a qual não haveria oposição entre semiabertas e abertas nas<br />

vogais nasaliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> Santigo, Nicolas Quint acres-<br />

centou em 2000 o seguinte: "quoique la nasalisation <strong>de</strong>s voyel-<br />

les nasales badiaise n'ait pas <strong>de</strong> valeur absolument phonologi-<br />

que, elle a <strong>de</strong>s conséquences sur les oppositions distinctives<br />

observées" (Quint 2000: ib.), frase para nós difícil <strong>de</strong> enten-<br />

<strong>de</strong>r.<br />

Facto é que ambos os autores admitiram em publicações pos-<br />

teriores a existência <strong>de</strong> fonemas vocálicos nasaliza<strong>do</strong>s em san-<br />

tiaguense. Manuel Veiga (1996: 79; 2000: 85) postula ao la<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>s vogais orais outras tantas vogais nasaliza<strong>da</strong>s: "i<strong>de</strong>m +<br />

traço nasal (n)". Nicolas Quint também revisa em 2006 a sua<br />

interpretação <strong>de</strong> 2000: "Les voyelles nasalisées du créole et<br />

du portugais sont ici considérées comme <strong>de</strong>s phonèmes vocali-<br />

ques /V/ et non comme <strong>de</strong>s suites /VC/: ainsi, les séquences<br />

{an} <strong>de</strong> espantar et {án} <strong>de</strong> pánta sont-elles comptabilisées<br />

comme /V/" (Quint 2006: 81, nota 13). É a interpretação mono-<br />

fonemática <strong>da</strong>s vogais foneticamente nasaliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong>.<br />

Será possível harmonizar to<strong>da</strong>s estas afirmações?


O que suce<strong>de</strong> no interior <strong>da</strong>s palavras fónicas não <strong>de</strong>ve ser<br />

encara<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> que suce<strong>de</strong> no seu início e<br />

no seu fim. Mas ao passo que o que ocorre no final absoluto<br />

<strong>da</strong>s palavras fónicas advoga a favor <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> fonemas<br />

vocálicos nasaliza<strong>do</strong>s no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, aquilo que suce-<br />

<strong>de</strong> no seu início advoga a favor <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> fonemas con-<br />

sonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s.<br />

Efetivamente, no final absoluto <strong>de</strong> palavra, para além <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s consoantes e vogais orais, encontramos também vo-<br />

gais fortemente nasaliza<strong>da</strong>s. É certo que estas palavras termi-<br />

nam foneticamente, para a maioria <strong>do</strong>s falantes, em [ŋ] (Ex.<br />

Sin! [ᛌsĩŋ] 'Sim!'), mas é evi<strong>de</strong>nte que a presença <strong>de</strong>ste som<br />

não é fonologicamente distintiva, pois nem to<strong>do</strong>s os falantes<br />

acrescentam este [ŋ] e, mais importante ain<strong>da</strong>, nem por acres-<br />

centá-lo mu<strong>da</strong>m a vogal <strong>de</strong> nasaliza<strong>da</strong> em oral. Neste senti<strong>do</strong>,<br />

parece-nos equivoca<strong>da</strong> a afirmação <strong>de</strong> Rosine Santos segun<strong>do</strong> a<br />

qual "... les voyelles nasales peuvent se conserver en syllabe<br />

finale ou se réaliser suivies d'un segment vélaire, conformé-<br />

ment à ce qui est fréquent en manding" (Santos 1979: 75). Isto<br />

insinua que os falantes que <strong>de</strong>ixam que a vogal termine em [ŋ]<br />

a realizam então como vogal oral - o que não é o caso. Para<br />

além disso, ninguém consi<strong>de</strong>ra incompleta a realização <strong>da</strong> pala-<br />

vra quan<strong>do</strong> o falante omite este [ŋ], dizen<strong>do</strong> simplesmente Sin!<br />

[ᛌsĩ], etc. Para o nosso colabora<strong>do</strong>r caboverdiano, o adjetivo<br />

bon [ᛌbõ(ŋ)] 'bom' distingue-se <strong>do</strong> pronome pessoal tónico <strong>da</strong><br />

segun<strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong> singular bo [ᛌbo], não por ter três fonemas<br />

em vez <strong>de</strong> <strong>do</strong>is, mas sim pelo caráter nasaliza<strong>do</strong> <strong>da</strong> vogal. A<br />

sua 'imagem acústica' (Saussure) <strong>do</strong> adj. bon consta <strong>de</strong> <strong>do</strong>is<br />

fonemas e aquela <strong>do</strong> substantivo pilon [piᛌlõ(ŋ)] 'pilão' <strong>de</strong><br />

quatro fonemas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> se ouvir um [ŋ] no final<br />

ou não.<br />

Resumin<strong>do</strong>: No crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, é frequente as vogais<br />

nasaliza<strong>da</strong>s finais terminarem por uma fase implosiva, em que o<br />

velum <strong>de</strong>sce até encontrar a raiz <strong>da</strong> língua, resultan<strong>do</strong> um [ŋ]<br />

d Em 1979, Rosine Santos tinha proposto uma análise análoga para as vogais<br />

nasaliza<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s linguas ancestrais <strong>do</strong>s criouliza<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong> e <strong>do</strong><br />

crioulo caboverdiano (cf. Santos 1979: 75 e 76).


final. Isto não altera o facto <strong>de</strong> estarmos, no plano fonológi-<br />

co, na presença <strong>de</strong> um único fonema vocálico nasaliza<strong>do</strong>.<br />

Acresce que, em nosso enten<strong>de</strong>r, não é legítimo supor a<br />

existência <strong>de</strong> um fonema consonântico numa suposta 'estrutura<br />

profun<strong>da</strong>', on<strong>de</strong> foneticamente não há necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir<br />

tal consoante. Na nossa opinião, chega-se ao fonema a partir<br />

<strong>de</strong> certas caraterísticas <strong>de</strong> sons reais. Supor a existência <strong>de</strong><br />

fonemas sem base fonética é incompatível com a nossa conceção<br />

<strong>de</strong> fonema.<br />

Ao passo que a situação no final <strong>da</strong>s palavras mostra que o<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem fonemas vocálicos nasaliza<strong>do</strong>s, a si-<br />

tuação no seu início <strong>de</strong>monstra, em nosso enten<strong>de</strong>r, que também<br />

dispõe <strong>de</strong> fonemas consonânticos (pré)nasaliza<strong>do</strong>s. Manuel Veiga<br />

não menciona tais consoantes, o que nos leva a pensar que ana-<br />

lisa as sequências fonéticas <strong>de</strong> consoante nasal mais consoante<br />

oral, também a nível fonológico, como sequência <strong>de</strong> consoante<br />

nasal mais consoante oral', tal como faz Nicolas Quint <strong>de</strong><br />

forma mais explícita em 2000 (cf. Quint 2000: 32-33). É a<br />

interpretação bifonemática <strong>da</strong>s consoantes foneticamente pré-<br />

nasaliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>.<br />

Porém, em 2006, Nicolas Quint escreve o seguinte a propó-<br />

sito <strong>de</strong>stas consoantes foneticamente pré-nasaliza<strong>da</strong>s: "De<br />

plus, il semble bien que les prénasales en capverdien, à l'in-<br />

star <strong>de</strong> ce qui se passe en wolof ou en bambara, <strong>do</strong>ivent être<br />

interprétées (au moins à l'initiale) comme <strong>de</strong>s phonèmes à part<br />

entière (hypothèse monophonématique) et non comme une suite<br />

/(i)N.C/ avec une coupe syllabique passant entre l'élément na-<br />

sal et l'articulation consonantique qui suit (hypothèse bipho-<br />

nématique)" (Quint 2006: 81). É a interpretação monofonemática<br />

<strong>da</strong>s consoantes foneticamente pré-nasaliza<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong> - pelo menos <strong>da</strong>quelas que se encontram em posição<br />

inicial.<br />

Para nós, a existência monofonemática <strong>da</strong>s consoantes fone-<br />

ticamente pré-nasaliza<strong>de</strong>s não resulta automaticamente <strong>da</strong> exis-<br />

tência <strong>de</strong> numerosas palavras que começam, tanto na pronúncia<br />

como na escrita ALUPEC, por sequências fonéticas <strong>do</strong> tipo 'con-<br />

soante nasal + consoante oral' (npára [ᛌmparǠ] v. 'apanhar',<br />

nton [ᛌntõ(ŋ)] adv. 'então', nkontra [ᛌŋkontrǠ] v. 'encontrar',


nburdia [ᛌmburdjǠ] v.'embrulhar', ndjudjun [Ȃǯuᛌǯũ(ŋ)] adj. 'em<br />

jejum', nguli [ᛌŋguli] v. 'engolir', nforka [ᛌɱforkǠ] v.<br />

'enforcar', nxina [ᛌȂʃinǠ] v. 'ensinar', nzámi [ᛌnzami] s. 'exa-<br />

me', njuria [ᛌȂʒurjǠ] s. 'injúria', etc.). E também não resulta<br />

automaticamente <strong>do</strong> facto <strong>de</strong>, em 1979, ter si<strong>do</strong> toma<strong>da</strong> a <strong>de</strong>ci-<br />

são <strong>de</strong> representar to<strong>da</strong>s as consoantes foneticamente pré-<br />

nasaliza<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong> letra n segui<strong>da</strong> <strong>de</strong> mais um ou <strong>do</strong>is<br />

grafemas consonânticos. Tal <strong>de</strong>cisão seria também compatível<br />

com uma interpretação segun<strong>do</strong> a qual a letra n representaria,<br />

nestes casos, um arquifonema consonântico nasal.<br />

Em última instância, a nossa <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> supor a existência<br />

<strong>de</strong> fonemas consonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s no crioulo <strong>de</strong> Santia-<br />

go e <strong>de</strong> ver neste n, não a representação <strong>de</strong> um arquifonema,<br />

mas <strong>de</strong> um traço distintivo, isto é, <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste fonema<br />

consonântico pré-nasaliza<strong>do</strong>, baseia-se na intuição <strong>do</strong>s pró-<br />

prios falantes. De facto, até agora, a proposta <strong>de</strong> fonemas<br />

consonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s como │p│, │b│,│f│ no crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong> nunca motivou protestos por parte <strong>do</strong>s falantes nati-<br />

vos <strong>de</strong>sta varie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para além disso, o nosso colabora<strong>do</strong>r An-<br />

dré <strong>do</strong>s Reis Santos sempre susteve - a intervalos <strong>de</strong> anos e<br />

certamente sem se recor<strong>da</strong>r <strong>do</strong> que tinha dito <strong>da</strong> última vez -<br />

que a palavra nxina /ᛌ ʃinǠ/ v. 'ensinar' tinha quatro 'sons'.<br />

Isto significa que a sua imagem acústica <strong>de</strong>sta palavra é com-<br />

posta por quatro fonemas e não cinco.<br />

O reconhecimento <strong>da</strong> existência tanto <strong>de</strong> fonemas vocálicos<br />

nasaliza<strong>do</strong>s como <strong>de</strong> fonemas consonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s no<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> traz nova nova luz sobre o problema <strong>da</strong>s<br />

transições silábicas no interior <strong>da</strong>s palavras pelo qual come-<br />

çámos. A suposição segun<strong>do</strong> a qual em kánta [ᛌkantǠ] v. 'cantar'<br />

teríamos uma sequência 'fonema vocálico oral + fonema conso-<br />

nântico pré-nasaliza<strong>do</strong>' (│ᛌkatǠ│), ao passo que em lánxa [ᛌlaʃǠ]<br />

v. 'lanchar' teríamos uma sequência 'fonema vocálico nasaliza-<br />

<strong>do</strong> + fonema consonântico oral' (│ᛌlaʃǠ│), não é muito convin-<br />

cente, visto não existirem, neste crioulo, nem sequências fo-<br />

néticas <strong>de</strong> 'vogal nasaliza<strong>da</strong> + consoante oral oclusiva o late-


al' (tipo *[ᛌkatǠ]), nem - antes <strong>de</strong> consoantes fricativas ou<br />

vibrantes - sequências fonéticas <strong>do</strong> tipo 'vogal oral + con-<br />

soante nasal' (tipo *[ᛌlanʃǠ]). Este facto já tinha induzi<strong>do</strong> os<br />

nossos pre<strong>de</strong>cessores a propor, para o nível fonológico, idên-<br />

tica análise para ambos os tipos, mesmo que ain<strong>da</strong> sem admiti-<br />

rem a existência <strong>de</strong> fonemas consonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s.<br />

Parece mais razoável supor que o falante não toma duas <strong>de</strong>-<br />

cisões a favor ou contra a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong>, primeiro para a vogal<br />

final <strong>de</strong> uma sílaba e <strong>de</strong>pois para a consoante inicial <strong>da</strong> síla-<br />

ba seguinte, mas que há uma <strong>de</strong>cisão global para to<strong>da</strong> a transi-<br />

ção silábica. Se isto for assim, então a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> (o [n] em<br />

[ᛌkantǠ] e o [ ] em [ᛌlaʃǠ]) pertence, fonologicamente falan<strong>do</strong>,<br />

tanto ao fonema vocálico prece<strong>de</strong>nte como ao fonema consonânti-<br />

co subsequente. Logo, já não tem senti<strong>do</strong> discutir se, numa<br />

transição silábica nasaliza<strong>da</strong>, é a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> fonema conso-<br />

nântico que <strong>de</strong>termina a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> fonema vocálico prece-<br />

<strong>de</strong>nte (<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se, portanto, uma neutralização <strong>da</strong> oposição<br />

oral/nasaliza<strong>do</strong> na vogal) ou se é a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste fonema<br />

vocálico que <strong>de</strong>termina a <strong>do</strong> fonema consonântico subsequente<br />

(<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se, portanto, uma neutralização <strong>de</strong>sta oposição na con-<br />

soante). É to<strong>da</strong> a transição silábica que será ou nasaliza<strong>da</strong> ou<br />

oral.<br />

A fonologia <strong>de</strong> cunho tradicional não parece prever tal<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Porém, ten<strong>de</strong>mos a ver neste facto uma lacuna na<br />

teoria tradicional e não uma falha na nossa interpretação. De<br />

acor<strong>do</strong> com esta interpretação <strong>de</strong>veríamos em princípio pôr, na<br />

transcrição fonológica, um único til em cima <strong>da</strong> vogal e <strong>da</strong><br />

consoante que, juntas, formam a transição silábica. e Visto isto<br />

ser tecnicamente impossível, pomos um em ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

símbolos, o vocálico e o consonântico, escreven<strong>do</strong> kánta<br />

/ᛌkãtǠ/, lánxa /ᛌlaʃǠ/, etc. Ou seja, transcrevemos as transi-<br />

ções globalmente nasaliza<strong>da</strong>s segun<strong>do</strong> o esquema /-V/C-/, supon-<br />

<strong>do</strong> que se trata <strong>de</strong> sequências <strong>do</strong> tipo 'fonema vocálico nasali-<br />

e Em 1536, Fernão <strong>de</strong> Oliveira observa, em relação aos ditongos ão, ãe, õe e<br />

ão: "Por on<strong>de</strong> me parece teremos necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma letra que esteja sobre<br />

aquelas duas vogais juntamente: a qual seja til" (Oliveira 1536, 1974: Capítulo<br />

IX).


za<strong>do</strong> + fonema consonântico nasaliza<strong>do</strong>'. f Fazemo-lo <strong>de</strong> novo <strong>de</strong><br />

acor<strong>do</strong> com o sentir <strong>do</strong>s próprios falantes, visto o nosso cola-<br />

bora<strong>do</strong>r caboverdiano estar convenci<strong>do</strong> <strong>de</strong> que as palavras kánta<br />

v. e lánxa v. consistem ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong> quatro 'sons' e consi<strong>de</strong>rar<br />

que as consoantes intervocálicas <strong>de</strong> kánta e <strong>de</strong> lánxa são as<br />

mesmas que as iniciais <strong>do</strong> adv. nton 'então' e <strong>do</strong> v. nxina<br />

'ensinar'.<br />

Esta análise traz consi<strong>de</strong>ráveis consequências para a <strong>de</strong>s-<br />

crição fonológica <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> nos parágrafos que se<br />

seguem. Ela faz <strong>de</strong>ste crioulo uma língua com um número relati-<br />

vamente eleva<strong>do</strong> <strong>de</strong> fonemas, em que a ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s oito fonemas<br />

vocálicos orais correspon<strong>de</strong> um fonema vocálico nasaliza<strong>do</strong> e a<br />

ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s <strong>de</strong>zassete fonemas consonânticos orais um fonema<br />

consonântico nasaliza<strong>do</strong>. Em contraparti<strong>da</strong>, esta interpretação<br />

fornece palavras fonologicamente 'curtas', com poucos grupos<br />

consonânticos, e constituí<strong>da</strong>s pre<strong>do</strong>minantemente por sílabas <strong>do</strong><br />

tipo /CV/. Sempre <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com esta interpretação, varia con-<br />

si<strong>de</strong>ravelmente tanto a realização <strong>do</strong>s fonemas vocálicos nasa-<br />

liza<strong>do</strong>s como a <strong>do</strong>s fonemas consonânticos nasaliza<strong>do</strong>s em função<br />

<strong>do</strong> contexto fónico (cf. 1.2.1.5.5 para as vogais e 1.2.2.4.5<br />

para as consoantes).<br />

Resumin<strong>do</strong>: em nosso enten<strong>de</strong>r, existem no crioulo santia-<br />

guense tanto fonemas vocálicos orais como fonemas vocálicos<br />

nasaliza<strong>do</strong>s, tanto fonemas consonânticos orais e nasais como<br />

fonemas consonânticos pré-nasaliza<strong>do</strong>s. No que se refere à<br />

nasali<strong>da</strong><strong>de</strong>, as transições <strong>de</strong> uma sílaba para outra <strong>do</strong> tipo<br />

/-V/C-/ no interior <strong>de</strong> uma palavra só po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> três tipos:<br />

1. fonema vocálico oral/fonema consonântico nasal,<br />

2. fonema vocálico oral/fonema consonântico oral,<br />

3. fonema vocálico nasaliza<strong>do</strong>/fonema consonântico pré-na-<br />

saliza<strong>do</strong>.<br />

Excetuan<strong>do</strong> as sílabas <strong>do</strong> primeiro tipo (1.), as transições<br />

silábicas só po<strong>de</strong>m ser globalmente orais (2.) ou globalmente<br />

nasaliza<strong>da</strong>s (3.).<br />

f Esta representação ortográfica é menos revolucionária <strong>do</strong> que parece. Nas<br />

<strong>de</strong>scrições <strong>da</strong> fonética e fonologia portuguesas põe-se, por ex., muitas<br />

vezes um til em ambas as vogais que formam un ditongo nasal (cf. Mira<br />

Mateus et al. 2003: Parte VI).


1.2.1 Fonemas vocálicos<br />

1.2.1.1 Inventário<br />

O inventário <strong>do</strong>s fonemas vocálicos <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong><br />

contém oito vogais orais e oito vogais nasaliza<strong>da</strong>s. Estas úl-<br />

timas diferem <strong>da</strong>s primeiras apenas pela presença <strong>do</strong> traço <strong>da</strong><br />

nasali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao to<strong>do</strong>, temos pois 16 uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s (o espanhol padrão<br />

tem cinco, o alemão e o francês padrão têm 15-16):<br />

vogais orais vogais<br />

nasaliza<strong>da</strong>s<br />

a. c. p. a. c. p.<br />

fecha<strong>da</strong>s i u i u<br />

semiabertas e<br />

abertas<br />

ǫ<br />

Ǡ<br />

a<br />

o e Ǡ o<br />

Ǥ ǫ a Ǥ<br />

a. = anteriores (palatais), c. = centrais, p. = posteriores<br />

(velares)<br />

(Carvalho 1962a: 46 já dá este quadro para as vogais<br />

orais; para os argumentos a favor <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> fonemas vo-<br />

cálicos nasaliza<strong>do</strong>s, cf. 1.2.0).<br />

Sirvam, para exemplificar estas 16 vogais, as vogais tóni-<br />

cas <strong>da</strong>s 16 palavras seguintes: pidi /ᛌpidi/ v. 'pedir', leti<br />

/ᛌleti/ s. 'leite', kabésa /kǠᛌbǫsǠ/ s. 'cabeça', sabe /ᛌsǠbi/ v.<br />

'saber', sábi /ᛌsabi/ adj. 'agradável', pupa /ᛌpupǠ/ v. 'gri-<br />

tar', noti /ᛌnoti/ s. 'noite', pórta /ᛌpǤrtǠ/ s. 'porta', fin<br />

/ᛌfi/ s. 'fim', xeren /ʃeᛌre/ s. 'sêmola <strong>de</strong> milho', paxénxa<br />

/pǠᛌʃǫʃǠ/ s. 'paciência', manhan /mǠᛌȂǠ/ s. 'manhã', lánxi /ᛌlaʃi/<br />

s. 'meren<strong>da</strong>', ndjudjun /ǯuǯu/ adj. 'em jejum', pon /ᛌpo/ s.<br />

'pão', kónxa /ᛌkǤʃǠ/ s. 'concha' (nas nossas transcrições fo-<br />

nológicas, transcrevemos sempre, em vez <strong>do</strong>s arquifonemas – cf.<br />

1.2.1.6 e 1.2.2.5 – os alofones que os representam).


No inventário <strong>do</strong>s fonemas atribuímos aos fonemas /e/, /Ǡ/,<br />

/o/, por um la<strong>do</strong>, e aos fonemas /ǫ/, /a/, /Ǥ/, por outro, o<br />

mesmo grau <strong>de</strong> abertura, resultan<strong>do</strong> um sistema 'retangular' e<br />

não 'triangular'. Esta disposição justifica-se duplamente: fo-<br />

neticamente pela realização extremamente aberta <strong>do</strong> /ǫ/ e <strong>do</strong> /Ǥ/<br />

e a realização relativamente aberta <strong>do</strong> /e/ e <strong>do</strong> /o/, que leva<br />

os linguistas facilmente a consi<strong>de</strong>rar abertas vogais que para<br />

os falantes <strong>do</strong> crioulo são semiabertas; funcionalmente pelo<br />

facto <strong>de</strong>, até certo ponto, a oposição a/Ǡ servir também para<br />

distinguir categorias gramaticais, como é o caso <strong>da</strong>s oposições<br />

ǫ/e e Ǥ/o (cf. 1.2.1.4). Ambos os argumentos valem ain<strong>da</strong> para o<br />

arranjo <strong>do</strong>s fonemas vogais nasaliza<strong>do</strong>s.<br />

O rendimento <strong>da</strong> oposição a/Ǡ não é muito alto. Como as<br />

restantes oposições <strong>da</strong> correlação aberto/semiaberto, só fun-<br />

ciona nas sílabas tónicas (cf. 1.2.1.6.1), embora mesmo neste<br />

contexto se observem claras afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is membros <strong>da</strong><br />

oposição com contextos mais específicos:<br />

Em posição tónica final, encontramos quase exclusivamente<br />

/Ǡ/ nos ditongos termina<strong>do</strong>s em []; nos ditongos termina<strong>do</strong>s em<br />

[ ] encontramos exclusivamente /a/. Cf. por um la<strong>do</strong>, bai v.<br />

'ir', kai v. 'cair', mai s. 'mãe', mamai s. 'mamã', pai s.<br />

'pai', papai s. 'papá', sai v. 'sair', to<strong>do</strong>s com [Ǡ] e, por<br />

outro la<strong>do</strong>, káu s. 'lugar', máu adj. 'mau', etc., to<strong>do</strong>s com<br />

[a ] (o acento gráfico indica o caráter aberto <strong>da</strong> vogal, cf.<br />

2.2.1). É particularmente ilustrativa neste senti<strong>do</strong> a copre-<br />

sença <strong>de</strong> variantes como bá [ᛌba] e bai [ᛌbǠ] v. 'ir', o <strong>de</strong> pa-<br />

lavras como máiu [ᛌmaju] s. '(mês <strong>de</strong>) maio' e mai [ᛌmǠ] s.<br />

'mãe'.<br />

Em sílabas tónicas finais trava<strong>da</strong>s por /s/ só ocorre /a/<br />

(cf. aliás adv. 'além disso', bagás s. 'bagaço', patrás s.<br />

'traseiro', etc.). Consequentemente, aparece ain<strong>da</strong> -á /a/ em<br />

vez <strong>do</strong> -a /Ǡ/ átono <strong>do</strong>s verbos quan<strong>do</strong> estes ocorrem com o pro-<br />

nome pessoal enclítico <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>de</strong> plural –s: cf. E


odja [eᛌoǯǠ] 'Viu' vs. E odjá-s [eoᛌǯas] 'Viu-os' (veremos sob<br />

10.1.4.4 que os pronomes pessoais enclíticos atraem o acento<br />

para a vogal final <strong>do</strong> verbo).<br />

Nas sílabas tónicas finais trava<strong>da</strong>s por /l/ o fonema /Ǡ/ é<br />

muito mais frequente <strong>do</strong> que o fonema /a/ (cf. por ex. kintal<br />

s. 'espaço por <strong>de</strong>trás <strong>da</strong>s casas tradicionais', kural s. 'cur-<br />

ral', poial s. 'muro que ro<strong>de</strong>ia o espaço à frente <strong>da</strong> entra<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s casas tradicionais', sal s. 'sal', pedregal s. 'pedregal',<br />

Tarrafal topónimo, etc., to<strong>do</strong>s com /-Ǡl/. Por isso, não sur-<br />

preen<strong>de</strong> que o -a /Ǡ/ final <strong>do</strong>s verbos não se transforme em -á<br />

/a/ quan<strong>do</strong> segue o pronome pessoal <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>do</strong> sin-<br />

gular –l, apesar <strong>de</strong> ele também atrair o acento para a vogal<br />

final <strong>do</strong> verbo: cf. E odja-l [eoᛌǯǠl] 'Viu-o' (cf. <strong>de</strong> novo<br />

10.1.4.4.). No entanto, têm /al/ e não /Ǡl/ o interrogativo<br />

kál 'Qual?' e a partícula verbal ál, que exprime mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Finalmente, aparece /Ǡ/, mas nunca /a/, nas palavras mo-<br />

nossilábicas começa<strong>da</strong>s por um grupo consonântico cujo último<br />

elemento é uma líqui<strong>da</strong>: vejam-se, por ex., os verbos fla [ᛌflǠ]<br />

'dizer', fra [ᛌfrǠ] 'furar' e tra [ᛌtrǠ] 'tirar'.<br />

Apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s estas afini<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s duas vo-<br />

gais centrais com <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s contextos fónicos, a distribui-<br />

ção <strong>de</strong>stas vogais está longe <strong>de</strong> ser absolutamente complemen-<br />

tar. Há autênticos pares mínimos como parti /ᛌpǠrti/ v. 'que-<br />

brar' vs. párti /ᛌparti/ s. 'parte' ou sabe /ᛌsǠbi/ v. 'saber'<br />

vs. sábi /ᛌsabi/ adj. 'agradável'. A afirmação segun<strong>do</strong> a qual<br />

só haveria /Ǡ/ tónico nas formas básicas <strong>de</strong> verbos (cf. Quint<br />

2000: 19) não é correta. Os exemplos contrários acima mencio-<br />

na<strong>do</strong>s (mamai, poial, sal, etc.) têm [Ǡ] até nos dicionários <strong>do</strong><br />

autor <strong>de</strong> tal afirmação.


1.2.1.2 Traços distintivos<br />

Este sistema vocálico retangular distingue, pois, três zo-<br />

nas <strong>de</strong> articulação (anterior, central, posterior), três <strong>de</strong>-<br />

graus <strong>de</strong> abertura (aberto, semiaberto, fecha<strong>do</strong>) e <strong>do</strong>is tipos<br />

<strong>de</strong> ressonância (oral e nasaliza<strong>da</strong>). Em contraparti<strong>da</strong>, ficam<br />

sem relevância fonológica a posição <strong>do</strong>s lábios (cf.<br />

1.2.1.5.1), os movimentos <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s vocais (cf. 1.2.1.5.2), a<br />

altura (cf. 1.2.1.5.3), a duração (cf. 1.2.1.5.4) e os dife-<br />

rentes tipos <strong>de</strong> realização <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> vocálica (cf.<br />

1.2.1.5.5).<br />

1.2.1.3 Pares mínimos<br />

Procuramos agora ilustrar, na medi<strong>da</strong> <strong>do</strong> possível, a rele-<br />

vância fonológica <strong>do</strong>s traços distintivos menciona<strong>do</strong>s através<br />

<strong>de</strong> pares mínimos (para a <strong>de</strong>finição e utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stes, cf.<br />

1.1.5).<br />

Oral/nasaliza<strong>do</strong>:<br />

i/i ri v. 'rir' / rin s. 'rim'<br />

e/e le v. 'ler' / len s. 'la<strong>do</strong>'<br />

ǫ/ǫ cf., em vez <strong>de</strong> um par mínimo, tétu s. 'tecto' / fas-<br />

téntu adj. 'importuno'<br />

Ǡ/Ǡ la adv. 'lá' / lan s. 'lã'<br />

a/a káta v. 'apanhar <strong>do</strong> chão' / kánta v. 'cantar' (nos pa-<br />

res mínimos oral/nasaliza<strong>do</strong> on<strong>de</strong> a vogal em questão<br />

não se encontra em posição final absoluta, trata-se<br />

mais concretamente <strong>de</strong> oposições entre transições silá-<br />

bicas globalmente orais e globalmente nasaliza<strong>da</strong>s, cf.<br />

1.2.0)<br />

u/u kru adj. 'cru' / Krun! interj. 'Pumba!'<br />

o/o po v. 'pôr' / pon s. 'pão'<br />

Ǥ/Ǥ sóbra s. 'sobra, resto' / sónbra s. 'sombra'


Anterior/central:<br />

e/Ǡ le v. 'ler' / la adv. 'lá'<br />

e/Ǡ sen s./adj. num. 'cem' / san adj. 'são'<br />

ǫ/a séku adj. 'seco' / sáku s. 'saco'<br />

ǫ/a bén<strong>da</strong> s. 'ven<strong>da</strong>' / bán<strong>da</strong> s. 'la<strong>do</strong>, meta<strong>de</strong>'<br />

Central/posterior:<br />

Ǡ/o ma conj. subord. 'que' / mo s. 'mão'<br />

Ǡ/o Pan! interj. 'Pumba!' / pon s. 'pão'<br />

a/Ǥ báka s. 'vaca' / bóka s. 'boca'<br />

a/Ǥ kánta v. 'cantar' / kónta s. 'conta'<br />

Anterior/posterior:<br />

i/u liga v. 'prestar atenção' / luga v. 'alugar'<br />

i/u cf., em vez <strong>de</strong> um par mínimo, Sin! adv. 'Sim!' / bun<br />

em ti ka bun más 'até não po<strong>de</strong>r mais'<br />

e/o mes s. 'mês' / mos s. 'rapaz'<br />

e/o ben adv. 'bem' / bon adj. 'bom'<br />

ǫ/Ǥ réstu s. 'resto' / róstu s. 'rosto'<br />

ǫ/Ǥ rén<strong>da</strong> s. 'croché, ren<strong>da</strong>' / rón<strong>da</strong> s. 'ron<strong>da</strong>, volta'<br />

Fecha<strong>do</strong>/semiaberto:<br />

i/e li adv. 'aqui' / le v. 'ler'<br />

i/e Sin! adv. 'Sim!' / sen s./.adj. num. 'cem'<br />

u/o buli v. 'preocupar' / boli s. 'cabaça que, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> lhe ter si<strong>do</strong> retira<strong>do</strong> o interior, serve para trans-<br />

portar ou conservar líqui<strong>do</strong>s'<br />

u/o Pun! interj. 'Pum!' / pon s. 'pão'<br />

Semiaberto/aberto:<br />

e/ǫ seta v. 'aceitar' / séta s. 'seta'<br />

e/ǫ sprimenta v. 'experimentar' / spriménta s. 'tenta-<br />

tiva'


Ǡ/a parti v. 'quebrar' / párti s. 'parte'<br />

Ǡ/a cf., em vez <strong>de</strong> um par mínimo, mante v. 'manter' /<br />

amánti s. 'amante'<br />

o/Ǥ koba v. 'cavar' / kóba s. 'buraco no chão'<br />

o/Ǥ fronta v. 'sofrer uma <strong>de</strong>sgraça' / frónta s. '<strong>de</strong>s-<br />

graça'<br />

1.2.1.4 Emprego <strong>da</strong>s oposições semiaberto/aberto para<br />

diferenciar categorias gramaticais<br />

Surpreen<strong>de</strong> observar que, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, o con-<br />

traste verbo/substantivo~adjetivo é frequentemente acompanha<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> um contraste semiaberto/aberto na vogal tónica. Visto este<br />

emprego <strong>da</strong>s oposições semiaberto/aberto (a abertura marcan<strong>do</strong>-<br />

se por acento gráfico, na escrita, cf. 2.2.1-2) constituir um<br />

<strong>do</strong>s traços estruturais mais espetaculares <strong>de</strong>ste crioulo, enu-<br />

meramos aqui to<strong>do</strong>s os pares mínimos <strong>de</strong>ste tipo que encontrámos<br />

até à <strong>da</strong>ta.<br />

Vogais anteriores:<br />

Orais (e/ǫ):<br />

ferese v. 'oferecer' - ferési adj. 'prestes'<br />

feria v. 'interrompir (por ex. o trabalho)' – féria s.<br />

'férias'<br />

freska v. 'refrescar(-se)' - fréska s. 'pequena janela na<br />

casa <strong>de</strong> banho'<br />

kalseta v. 'calcetar' - kalséta s. 'pedra <strong>de</strong> calça<strong>da</strong>'<br />

kareka v. 'ficar careca' - karéka s./adj. 'careca'<br />

kolega v. 'acompanhar com alguém' - koléga s. 'colega,<br />

companheiro'<br />

molestia v. 'a<strong>do</strong>ecer' - moléstia s. 'moléstia'<br />

nebua v. 'estar nevoeiro' - nébua s. 'nevoeiro'<br />

pena v. '<strong>de</strong>penar' - péna s. 'pluma'<br />

ramesa v. 'arremessar' - ramésa s. 'remessa'<br />

rega v. 'regar' -réga s. 'rega'<br />

regra v. 'pôr em or<strong>de</strong>m' - régra s. 'regra'<br />

rizerva v. 'reservar' - rizérva s. 'reserva'


sela v. 'selar' - séla s. 'sela'<br />

serka v. 'cercar' - sérka s. 'cerca'<br />

soberba v. 'ser (<strong>de</strong>masia<strong>do</strong>) soberbo' - sobérba s. 'sober-<br />

ba'<br />

tema v. 'teimar' - téma s. 'teima'<br />

trabesa v. 'atravessar' - trabésa s. 'travessa, beco'<br />

Nasaliza<strong>da</strong>s (e/ǫ ):<br />

arenga v. 'quezilar' - arénga s. 'quezília'<br />

dispensa v. 'dispensar' - dispénsa s. 'dispensa, <strong>de</strong>spen-<br />

sa'<br />

nkrenka v. 'causar problemas' - nkrénka s. 'situação difí-<br />

cil'<br />

nkumen<strong>da</strong> v. 'encomen<strong>da</strong>r' - nkumén<strong>da</strong> s. 'presente'<br />

pruvi<strong>de</strong>nsia v. 'provi<strong>de</strong>nciar' - pruvidénsia s. 'providên-<br />

cia'<br />

rakonpensa v. 'recompensar' - rakonpénsa s. 'recompensa'<br />

rabenta v. 'rebentar'– rabénta s. 'rebento'<br />

ren<strong>da</strong> v. 'tomar/<strong>da</strong>r <strong>de</strong> arren<strong>da</strong>mento' - rén<strong>da</strong> s. 'arren<strong>da</strong>-<br />

mento'<br />

sensia v. 'ficar à espera que lhe seja ofereci<strong>da</strong> uma parte<br />

<strong>da</strong> comi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s outros' - sénsia s. '<strong>de</strong>sejo'<br />

sprimenta v. 'experimentar' - spriménta s. 'tentativa'<br />

tenpra v. 'temperar' - ténpra s. 'tempero'<br />

tromenta v. ' preocupar-se' - troménta s. 'aflição'<br />

Vogais posteriores:<br />

Orais (o/Ǥ):<br />

boia v. 'boiar' - bóia s. 'bóia'<br />

dirota v. '<strong>de</strong>rrotar' - diróta s. '<strong>de</strong>rrota'<br />

fatiota v. 'gastar dinheiro em guloseimas' - fatióta s.<br />

'guloseima'<br />

foga v. 'afogar(-se)' - fóga s. 'afogamento'<br />

folga v. '<strong>de</strong>scansar' - fólga s. 'folga'<br />

(n)forka v. 'enforcar(-se)' - (n)fórka s. 'forca'<br />

forma v. 'formar(-se)' - fórma s. 'mo<strong>do</strong>, forma'<br />

koba v. 'cavar' - kóba s. 'buraco no chão'<br />

kola v. 'colar' - kóla s. 'cola'<br />

kopia v. 'copiar' - kópia s. 'cópia'


kor<strong>da</strong> v. 'acor<strong>da</strong>r' – kór<strong>da</strong> s. 'cor<strong>da</strong>, magia negra'<br />

korta v. 'cortar' - kórta s. 'colheita'<br />

midjora v. 'melhorar' - midjóra s. 'melhoras'<br />

morna v. 'amornar' - mórna s. 'música tradicional lenta e<br />

geralmente melancólica, ao som <strong>da</strong> qual se <strong>da</strong>nça aos<br />

pares'<br />

mostra v. 'mostrar' - móstra s. 'amostra, prova'<br />

no<strong>da</strong> v. 'ficar com nó<strong>do</strong>as' - nó<strong>da</strong> s. 'nó<strong>do</strong>a'<br />

nota v. 'notar' - nóta s. 'nota'<br />

nsol<strong>da</strong> v. 'sol<strong>da</strong>r' - nsól<strong>da</strong> s. 'sol<strong>da</strong>dura'<br />

parodia v. 'encontrar-se com amigos para conversar, comer,<br />

beber, etc.' - paródia s. 'encontro com amigos para<br />

...'<br />

piora v. 'piorar' - pióra v. 'piora'<br />

ravolta v. 'revoltar-se' - ravólta s. 'revolta'<br />

rosa v. 'roçar' - rósa s. 'roça'<br />

sobra v. 'sobrar' - sóbra s. 'sobra, resto'<br />

soma v. 'somar' - sóma s. 'soma'<br />

tapona v. '<strong>da</strong>r uma palma<strong>da</strong> na cabeça <strong>de</strong> alguém' - tapóna<br />

s. 'palma<strong>da</strong> na cabeça'<br />

tose /ᛌtosi/ v. 'tossir' - tósi s. 'tosse'<br />

trosa v. 'troçar' - trósa s. 'troça'<br />

txakota v. 'gozar' - txakóta s. 'escárnio'<br />

txoka v. 'chocar' - txóka s. 'choco, incubação'<br />

volta v. 'regressar' - vólta s. 'regresso'<br />

Nasaliza<strong>da</strong>s (o/Ǥ ):<br />

fronta v. 'sofrer uma <strong>de</strong>sgraça' - frónta s. '<strong>de</strong>sgraça'<br />

konta v. 'contar' - kónta s. 'conta'<br />

lixonxa v. 'lisonjear' - lixónxa s. 'lisonja'<br />

mon<strong>da</strong> v. 'mon<strong>da</strong>r' - món<strong>da</strong> s. 'mon<strong>da</strong>'<br />

onra v. 'honrar' - ónra s. 'honra'<br />

ponta v. 'apontar' - pónta s. 'ponta'<br />

ramon<strong>da</strong> v. 'remon<strong>da</strong>r' - ramón<strong>da</strong> s. 'remon<strong>da</strong>'<br />

ron<strong>da</strong> v. 'ron<strong>da</strong>r' - rón<strong>da</strong> s. 'ron<strong>da</strong>'<br />

sonbra v. 'ficar à sombra, ensombrar' - sónbra s. 'sombra'<br />

Vogais centrais:


Orais (Ǡ/a):<br />

astia v. 'hastear (a ban<strong>de</strong>ira)' - ástia s. 'bastão, vara'<br />

karapati v. 'segurar(-se)' - karapáti s. 'carrapato'<br />

parti v. 'quebrar' - párti s. 'parte'<br />

raiba v. 'ficar com raiva' - ráiba s. 'raiva'<br />

sabe /ᛌsǠbi/ v. 'saber' - sábi adj. 'agradável'<br />

nasaliza<strong>da</strong>s (Ǡ/a):<br />

ganansia v. 'ser ganancioso, cobiçar' - ganánsia s. 'ga-<br />

nância, cobiça'<br />

Nem sempre se reduz o contraste fónico entre o verbo e o<br />

substantivo/adjetivo ao contraste semiaberto/aberto na vogal<br />

tónica. Nos casos seguintes não temos pares mínimos, mas o<br />

contraste entre as vogais tónicas continua a ser o espera<strong>do</strong>:<br />

Vogais anteriores:<br />

Orais (e/ǫ):<br />

dispreza v. '<strong>de</strong>sprezar' - disprézu s. '<strong>de</strong>sprezo'<br />

era v. 'cometer um erro' - éru s. 'erro'<br />

keta v. 'estar quieto' - kétu adj. 'quieto'<br />

konbersa v. 'conversar' - konbérsu s. 'conversa'<br />

me<strong>da</strong> v. 'ter me<strong>do</strong>' - médu s. 'me<strong>do</strong>'<br />

nobega v. 'usar, manter uma relação <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>' - nobégu<br />

s. 'trabalho <strong>do</strong>méstico, amiza<strong>de</strong>'<br />

per<strong>de</strong> v. 'per<strong>de</strong>r' - pér<strong>da</strong> s. 'per<strong>da</strong>'<br />

prega v. 'pregar' - prégu s. 'prego'<br />

ramedia v. 'remediar-se' - ramédi s. 'remédio'<br />

regresa v. 'regressar' - regrésu s. 'regresso'<br />

rema v. 'remar' - rému s. 'remo'<br />

resta v. 'restar' - réstu s. 'resto'<br />

rod(i)a v. 'ro<strong>de</strong>ar' - ró<strong>da</strong> s. 'ro<strong>da</strong>'<br />

sega v. 'cegar' - ségu adj. 'cego'<br />

seka v. 'secar' - séku adj. 'seco'<br />

serta v. 'acertar' - sértu adj. 'certo'<br />

sesta v. '(no basquetebol) meter a bola no cesto' - séstu<br />

s. 'cesto'<br />

speta v. 'espetar' - spétu s. 'espeto'


trofega v. 'tratar com alguém, tratar <strong>do</strong>s afazeres<br />

<strong>do</strong>mésticos' - trofégu s. 'trato, afazeres <strong>de</strong> casa'<br />

Nasaliza<strong>da</strong>s (e/ǫ):<br />

ben<strong>de</strong> v. 'ven<strong>de</strong>r' - bén<strong>da</strong> s. 'ven<strong>da</strong>'<br />

bense v. 'benzer(-se)' - bénsu s. 'bênção'<br />

bentia v. 'abanar com um leque' - béntu s. 'vento'<br />

dismenbra v. 'per<strong>de</strong>r a força nos membros' - ménbru s.<br />

'membro'<br />

duense v. 'a<strong>do</strong>ecer' - duénsa s. '<strong>do</strong>ença'<br />

fastenta v. 'chatear' – fasténtu adj. 'maça<strong>do</strong>r'<br />

fen<strong>de</strong> v. 'fen<strong>de</strong>r' – fén<strong>da</strong> s. 'fen<strong>da</strong>'<br />

renkia v. 'pôr(-se) em fila' - rénki s. 'fila'<br />

sustenta v. 'sustentar' - susténtu s. 'sustento'<br />

Vogais posteriores:<br />

Orais (o/Ǥ):<br />

divorsia v. 'divorciar-se' - divórsiu s. 'divórcio'<br />

golpia v. 'golpear' - gólpi s. 'golpe'<br />

motxoka v. '<strong>de</strong>spe<strong>da</strong>çar(-se)' - motxóku adj. 'quebra<strong>do</strong>'<br />

nagosia v. 'negociar' - nagósi(u) s. 'negócio'<br />

raboka v. 'rebocar' - rabóki s. 'reboco, reboque'<br />

rakodje v. 'recolher' - rakódja s. 'recolha'<br />

skodje v. 'escolher' - skódja s. 'escolha'<br />

sporia v. 'esporear' - spóra s. 'esporas'<br />

tilifona s. 'telefonar' - tilifóni s. 'telefone'<br />

toka v. 'tocar' - tóki s. 'música executa<strong>da</strong> por instrumen-<br />

tos <strong>de</strong> cor<strong>da</strong>'<br />

transporta v. 'transportar' - transpórti s. 'transporte'<br />

Nasaliza<strong>da</strong>s (o/Ǥ): não encontrámos exemplos.<br />

Vogais centrais:<br />

Orais (Ǡ/a):<br />

bazia v. 'basear-se' - bázi s. 'base'<br />

kontajia v. 'contagiar, ficar contagia<strong>do</strong>' - kontáji(u) s.<br />

'contágio'<br />

skasia v. 'escassear' - skásu adj. 'escasso'


Nasaliza<strong>da</strong>s (Ǡ/a): não encontrámos exemplos.<br />

Contu<strong>do</strong>, na área <strong>da</strong>s vogais centrais há também muitos pa-<br />

res em que tanto o verbo como o substantivo têm a vogal aber-<br />

ta. Lembramos mais uma vez que o rendimento <strong>da</strong> oposição Ǡ/a<br />

não é muito eleva<strong>do</strong> (cf. 1.2.1.1). Apresentamos os casos que<br />

chegaram ao nosso conhecimento sem distinguir entre pares mí-<br />

nimos e outros, nem entre vogais orais e nasaliza<strong>da</strong>s:<br />

água v. 'borrifar, aguar' - águ(a) s. 'água'<br />

árma v. 'armar(-se)' - árma s. 'arma'<br />

asáita v. 'assaltar' - asáitu s. 'assalto'<br />

atráza v. 'atrasar(-se)' - atrázu s. 'atraso'<br />

bába v. 'babar(-se)' - bába s. 'baba'<br />

bádja v. '<strong>da</strong>nçar, bailar' - bádju s. '<strong>da</strong>nça, baile'<br />

brása v. 'abraçar' - brásu s. 'braço'<br />

dánsa v. '<strong>da</strong>nçar' – dánsa s. '<strong>da</strong>nça'<br />

disfársa v. 'disfarçar-se' - disfársu s. 'disfarce'<br />

djánta v. 'jantar' – djánta s. 'jantar'<br />

fiánsa v. 'confiar' – fiánsa s. '(con)fiança'<br />

gála v. 'galar' - gálu s. 'galo'<br />

gánha v. 'ganhar' - gánhu s. 'ganho'<br />

gráxa v. 'engraxar' - gráxa s. 'graxa'<br />

guár<strong>da</strong> v. 'guar<strong>da</strong>r' - guár<strong>da</strong> s. 'guar<strong>da</strong>'<br />

kánga v. 'cangar' – kánga s. 'canga'<br />

káska v. '<strong>de</strong>scascar' - káska s. 'casca'<br />

lánxa v. 'lanchar, meren<strong>da</strong>r' - lánxi, lánxu s. 'lanche,<br />

meren<strong>da</strong>'<br />

lára v. 'ralar' - lára s. 'rala<strong>do</strong>r'<br />

mágua v. 'magoar(-se)' - mágua s. 'mágoa'<br />

máma v. 'mamar' - máma s. 'mama'<br />

mángra v. 'ser infecta<strong>do</strong> pelo míldio' - mángra s. 'míldio'<br />

mántxa v. 'manchar(-se)' - mántxa s. 'mancha'<br />

miása v. 'ameaçar' - miása s. 'ameaça'<br />

ná<strong>da</strong> v. 'na<strong>da</strong>r' - nádu s. 'natação'<br />

plánta v. 'plantar' – plánta s. 'planta'<br />

ráspa v. 'raspar' - ráspa s. 'resto, rasto'<br />

sirán<strong>da</strong> v. 'peneirar, crivar' - sirán<strong>da</strong> s. 'peneira, cri-


vo'<br />

skáma v. 'escamar' - skáma s. 'escama'<br />

stáfa v. 'estafar(-se)' - stáfa s. 'estafa'<br />

tába v. 'entabuar' - táb(u)a s. 'tábua'<br />

tánpa v. 'cobrir com a tampa' - tánpa/tánpu s. 'tampa'<br />

taránta v. 'atarantar-se, atrapalhar-se' - taránta s.<br />

'atarantação, atrapalhação'<br />

tránka v. 'trancar' – tránka/tránku s. 'tanca'<br />

tránsa (ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> transia) v. 'entrançar' - tránsa s.<br />

'trança'<br />

txápa v. 'remen<strong>da</strong>r' - txápa s. 'remen<strong>do</strong>'<br />

Sabemos <strong>de</strong> um único caso em que ambos os membros <strong>do</strong> par<br />

têm a vogal semiaberta:<br />

manxe v. 'amanhecer' - manxe s. 'amanhecer'<br />

Acontece o contrário no <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong>s vogais anteriores e<br />

posteriores. Aqui existem, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pares em que o verbo<br />

tem a vogal semiaberta e o substantivo a vogal aberta, outros<br />

pares em que ambos os membros têm a vogal semiaberta:<br />

Vogais anteriores:<br />

beja v. 'beijar' - beju s. 'beijo'<br />

duedja v. 'ajoelhar-se' - duedju s. 'joelho'<br />

firmenta v. 'fermentar' – firmentu s. 'fermento'<br />

kenta v. 'aquecer' – kenti adj. 'quente'<br />

kontenta v. 'ficar contente' – kontenti adj. 'contente'<br />

nosenta v. 'tornar-se tolo' – nosenti adj. 'tolo'<br />

omenta v. 'aumentar' – omentu s. 'aumento'<br />

prizenta v. 'apresentar' – prizenti s. 'presente'<br />

raseta v. 'receitar' - raseta s. 'receita'<br />

Vogais posteriores:<br />

bonba v. 'bombear' - bonba s. 'bomba'<br />

forsa v. 'forçar' - forsa s. 'força'<br />

fora v. 'revestir' - foru s. 'cobertura, forro'


koima v. 'apanhar um animal <strong>do</strong>méstico que an<strong>da</strong> perdi<strong>do</strong> em<br />

terreno alheio e <strong>de</strong>volvê-lo ao <strong>do</strong>no <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> pagamen-<br />

to <strong>de</strong> uma coima' - koima s. 'in<strong>de</strong>mnização por <strong>da</strong>nos<br />

causa<strong>do</strong>s por animais <strong>do</strong>mésticos em terreno alheio,<br />

coima'<br />

posa v. 'formar poças' - posa s. 'poço'<br />

skoba v. 'escovar' - skoba s. 'escova'<br />

O par géra v. 'brigar' - géra s. 'guerra, briga' consti-<br />

tui, neste aspeto, uma exceção.<br />

Não é <strong>de</strong> excluir a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s grupos <strong>de</strong><br />

falantes já terem ajusta<strong>do</strong> ao padrão geral (verbo com vogal<br />

tónica semiaberta / substantivo e adjetivo com vogal tónica<br />

aberta) alguns <strong>do</strong>s pares que até hoje, na maioria <strong>do</strong>s falan-<br />

tes, não seguem este padrão. Nicolas Quint já dá gera v. 'bri-<br />

gar' – géra s. 'guerra', forsa v. 'forçar' – fórsa s. 'força'<br />

e (sem verbo) kóima s. 'in<strong>de</strong>mnização por <strong>da</strong>nos causa<strong>do</strong>s por<br />

animais <strong>do</strong>mésticos em terreno alheio', em 1999, e acrescenta<br />

ain<strong>da</strong> magua v. 'magoar(-se)' – mágua s. 'mágoa', em 2001.<br />

1.2.1.5 Traços não distintivos<br />

Traços fónicos que uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> língua não aproveita<br />

para distinguir significa<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m, porém, caraterizar nela a<br />

realização habitual <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s fonemas – em geral ou,<br />

pelo menos, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s contextos fónicos. Desta forma,<br />

tais traços não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> contribuir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> substancial para<br />

a aparência fónica <strong>de</strong>ssa língua. Por esta razão, falaremos<br />

aqui muito resumi<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> posição <strong>do</strong>s lábios (1.2.1.5.1), <strong>da</strong><br />

participação <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s vocais (1.2.1.5.2), <strong>da</strong> altura<br />

(1.2.1.5.3) e um pouco mais extensivamente <strong>da</strong> duração<br />

(1.2.1.5.4) e <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> (1.2.1.5.5) na realização <strong>da</strong>s vo-<br />

gais <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>.<br />

1.2.1.5.1 Lábios<br />

As vogais posteriores pronunciam-se normalmente com os lá-<br />

bios arre<strong>do</strong>n<strong>da</strong><strong>do</strong>s.


1.2.1.5.2 Cor<strong>da</strong>s vocais<br />

Regra geral, os fonemas vocálicos <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong><br />

são 'sonoros', isto é, pronunciam-se com vibração <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s<br />

vocais. Só no final absoluto <strong>de</strong> uma palavra fónica e após con-<br />

soante 'sur<strong>da</strong>' ocorrem frequentemente realizações 'sur<strong>da</strong>s',<br />

isto é, sem vibração <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s vocais, <strong>da</strong>s vogais átonas [i],<br />

[u] e, mais raramente, <strong>da</strong> vogal átona [Ǡ]. Na transcrição em<br />

1.2.1.5.6 marcamos excecionalmente estas realizações sur<strong>da</strong>s<br />

pon<strong>do</strong> um pequeno círculo <strong>de</strong>baixo <strong>da</strong> letra correspon<strong>de</strong>nte ([],<br />

[]).<br />

1.2.1.5.3 Altura<br />

Depen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>do</strong> sexo, a altura absoluta <strong>da</strong> voz<br />

humana não po<strong>de</strong> constituir traço distintivo nas línguas <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>. Não sen<strong>do</strong> o crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> uma língua tonal, a<br />

simples altura relativa <strong>do</strong>s núcleos vocálicos (alto, baixo,<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, ascen<strong>de</strong>nte, etc.) não tem a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> distin-<br />

guir lexemas. O acento fónico <strong>de</strong>ste crioulo é fun<strong>da</strong>mentalmente<br />

'dinâmico', isto é, marca<strong>do</strong> pela intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> e não pela altura<br />

<strong>da</strong> voz (cf. 1.1.3). A altura relativa <strong>da</strong> voz na pronúncia <strong>da</strong>s<br />

vogais (especialmente <strong>da</strong>s vogais tónicas) resulta pois, quase<br />

exclusivamente, <strong>da</strong> seleção <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contorno entoa-<br />

cional para uma frase ou uma palavra fónica. A transcrição em<br />

1.2.1.5.6 prescin<strong>de</strong> <strong>da</strong> indicação <strong>do</strong>s contornos entoacionais.<br />

1.2.1.5.4 Duração<br />

No crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, a duração não constitui traço dis-<br />

tintivo, nem nas vogais, nem nas consoantes (não há vogais<br />

fonologicamente longas, nem consoantes fonologicamente <strong>do</strong>bra-<br />

<strong>da</strong>s). Os falantes gostam, porém, <strong>de</strong> empregar o alongamento <strong>da</strong>s<br />

vogais tónicas para <strong>da</strong>r ênfase: Mudjeeer!!! 'Mulher!!!',<br />

Mááás!!! 'Mais!!!', etc. Ao nível fonético, po<strong>de</strong>mos distinguir<br />

entre vogais curtas e vogais algo mais longas. São fonetica-


mente curtas to<strong>da</strong>s as vogais em sílabas átonas, ao passo que<br />

as vogais <strong>da</strong>s sílabas tónicas são curtas ou algo mais longas<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> contexto fónico.<br />

As vogais <strong>da</strong>s sílabas tónicas são curtas quan<strong>do</strong> se encon-<br />

tram em posição final absoluta ou em sílaba trava<strong>da</strong> (exemplos:<br />

<strong>da</strong> v. '<strong>da</strong>r', le v. 'ler', mo s. 'mão', pé s. 'pé', pó s. 'ár-<br />

vore', ri v. 'rir', xá s. 'chá', san adj. 'são', sen s./adj.<br />

num. '100', sin adv. 'sim', son s. 'som', ál part. verbal <strong>de</strong><br />

valor mo<strong>da</strong>l, bes s. 'vez', <strong>do</strong>s s./adj. num. '<strong>do</strong>is', mal adv.<br />

'mal', már s. 'mar', mel s. 'melaço (<strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar)', mes<br />

s. 'mês', sal s. 'sal', tres s./adj. num. 'três', bapor s.<br />

'vapor', buska v. 'buscar', fórti adj. 'forte', korpu s. 'cor-<br />

po', lansól s. 'lençol', mudjer s. mulher'). Devem ser consi-<br />

<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s sílabas trava<strong>da</strong>s, nesse aspeto, as que terminam em di-<br />

tongos <strong>de</strong>crescentes (exemplos: bai v. 'ir', káu s. 'lugar',<br />

rei s. 'rei', etc.). Nelas é pois curta não só a semivogal,<br />

mas também a primeira vogal <strong>do</strong> ditongo.<br />

Po<strong>de</strong>m ser foneticamente algo mais longas as vogais tónicas<br />

que se encontram em sílaba livre não final (exemplos: lápa s.<br />

'lapa', papia v. 'falar', máta v. 'matar', séti s./adj. num.<br />

'sete', xatia v. 'irritar-se', mátxu s./adj. 'macho', kotxi v.<br />

'<strong>de</strong>sfarelar o milho no pilão', sáku s. 'saco', fortifika v.<br />

'recuperar as forças', gostába anterio <strong>do</strong> v. gosta 'gostar',<br />

lobu s. 'lobo', pédra s. 'pedra', masá<strong>da</strong> s. 'maça<strong>da</strong>', maridu<br />

s. 'mari<strong>do</strong>', duedju s. 'joelho', bádju s. 'baile', fidju s.<br />

'filho', ségu adj. 'cego', báfa v. 'abafar-se', kása s. 'ca-<br />

sa', pasia v. 'passear', fáxi adv. 'rapi<strong>da</strong>mente', koxa s. 'an-<br />

ca', xuxu adj. 'sujo', frakéza s. 'fraqueza', faze v. fazer',<br />

beju s. 'beijo', káru s. 'carro', éra anterior <strong>do</strong> v. ê 'ser',<br />

kóre v. 'correr', sála s. 'sala', vélhu adj. 'velho', káma s.<br />

'cama', stima v. 'amar, gostar', ómi s. 'homem', ánu s. 'ano',<br />

rapasinhu s. 'menino, rapaz(inho)', pánha v. 'pegar, apanhar',<br />

etc.).<br />

A ortografia po<strong>de</strong>ria induzir a consi<strong>de</strong>rar trava<strong>da</strong>s as sílabas<br />

tónicas <strong>de</strong> bindi s. 'vaso <strong>de</strong> barro para fazer o cuscus',<br />

kenti adj. 'quente', bén<strong>da</strong> s. 'ven<strong>da</strong>', kánta v. 'cantar', kó-<br />

nta s. 'conta', konta v. 'contar', mundu s. 'mun<strong>do</strong>', lénsu s.<br />

'lenço', duénsa s. '<strong>do</strong>ença', ránja v. 'arranjar', kánsa v.<br />

cansar', manxe v. 'amanhecer', konxe v. 'conhecer', etc.


Trata-se, porém, segun<strong>do</strong> a nossa interpretação, <strong>de</strong> sílabas fo-<br />

nologicamente livres (cf. 1.2.0). O facto <strong>de</strong> as vogais tónicas<br />

<strong>de</strong>stas sílabas po<strong>de</strong>rem ser algo mais longas apoia esta inter-<br />

pretação.<br />

Para ilustração <strong>de</strong>stas observações acerca <strong>da</strong> existência <strong>de</strong><br />

vogais curtas e vogais algo mais longas indicamos, excecional-<br />

mente, na nossa transcrição sob 1.2.1.5.6, o alongamento <strong>da</strong>s<br />

últimas pelo sinal [.].<br />

A duração <strong>de</strong>stas vogais algo mais longas varia ain<strong>da</strong> sen-<br />

sivelmente em função <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> vogal e <strong>da</strong> consoante sub-<br />

sequente. É mais percetível ante consoantes sonoras <strong>do</strong> que ante<br />

consoantes sur<strong>da</strong>s. E o [i] tónico <strong>de</strong> kusinha s. 'cozinha'<br />

é, por exemplo, sensivelmente mais curto <strong>do</strong> que o [Ǥ] em ómi<br />

s. 'homem'. Na transcrição ilustrativa que apresentamos em<br />

1.2.1.5.6 prescindimos <strong>de</strong>stas diferenças menores.<br />

Deixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> o caso <strong>do</strong> alongamento enfático, po<strong>de</strong>mos<br />

dizer que a diferença entre vogais curtas e longas não é tão<br />

gran<strong>de</strong>, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, como nas línguas on<strong>de</strong> é fono-<br />

logicamente relevante (alemão, árabe, finlandês, etc.). E vis-<br />

to não ser nem fonologicamente relevante, nem foneticamente<br />

muito gran<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidimos não a indicar nas transcrições no nos-<br />

so dicionário e nesta gramática, exceção feita à transcrição<br />

ilustrativa <strong>do</strong> parágrafo 1.2.1.5.6.<br />

1.2.1.5.5 Nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Conforme a nossa interpretação, a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> constitui um<br />

traço distintivo no sistema vocálico e consonântico <strong>do</strong> crioulo<br />

<strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Mas como já <strong>de</strong>mos a enten<strong>de</strong>r em 1.2.0, a realiza-<br />

ção <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> vocálica varia consi<strong>de</strong>ravelmente em função<br />

<strong>do</strong>s contextos fónicos. É muito forte no final absoluto <strong>de</strong> uma<br />

palavra fónica, pois o véu palatino baixa muito. Nas pessoas<br />

que falam um crioulo pouco influencia<strong>do</strong> pelo português, as vo-<br />

gais nasaliza<strong>da</strong>s terminam mesmo, nesta posição, com uma eleva-<br />

ção <strong>da</strong> parte posterior <strong>da</strong> língua até ao véu palatino. A partí-<br />

cula <strong>de</strong> afirmação, Sin!, por exemplo, não soa então simples-<br />

mente [ᛌsi], mas [ᛌsiŋ]. Formas verbais que, em vez <strong>de</strong> termina-<br />

rem numa consoante átona oral, terminam numa vogal tónica for-


temente nasaliza<strong>da</strong> indicam <strong>de</strong>sta forma a presença <strong>do</strong> pronome<br />

pessoal enclítico <strong>da</strong> primeira pessoa <strong>do</strong> singular, representa<strong>do</strong><br />

na escrita por -m (cf. para as diferentes pronúncias <strong>de</strong>ste<br />

pronome 10.1.3.2): Dja bu fronta-m! [ᛌǯǠbufronᛌtǠ(ŋ)] 'Já me<br />

ofen<strong>de</strong>u!'.<br />

A mesma realização <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> vocálica se observa quan-<br />

<strong>do</strong> se segue uma vogal no interior <strong>de</strong> uma palavra fónica. Cf.,<br />

por exemplo, sen amor [ᛌse(ŋ)Ǡᛌmor] 'sem amor'.<br />

No interior <strong>da</strong>s palavras lexicais não ocorrem vogais nasa-<br />

liza<strong>da</strong>s antes <strong>do</strong>s fonemas consonânticos nasais /m/, /n/ e /Ȃ/.<br />

Caso ocorram antes <strong>de</strong> outros fonemas consonânticos, estamos em<br />

presença <strong>de</strong> uma transição silábica globalmente nasaliza<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

tipo /-V/C-/ (cf. 1.2.0). A realização <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tais<br />

transições difere em função <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> consoante.<br />

Se se tratar <strong>de</strong> uma consoante oclusiva ou lateral, a nasa-<br />

li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transição silábica manifesta-se foneticamente na<br />

presença <strong>de</strong> uma consoante nasal entre a vogal e a consoante.<br />

Cf. por ex. kanpia [ᛌkǠmpjǠ] v. 'vadiar', kánta [ᛌkantǠ] v.<br />

'cantar', ramántxa [rǠᛌmaȂcǠ] v. 'acometer com palavras agres-<br />

sivas', konko [ᛌkoŋku] v. 'bater', kánba [ᛌkambǠ] v. 'entrar,<br />

<strong>de</strong>saparecer', rón<strong>da</strong> [ᛌrǤndǠ] s. 'ron<strong>da</strong>', djondjo [ᛌǯonǯu] v.<br />

'atar', dis<strong>do</strong>ngu [dizᛌ<strong>do</strong>ŋgu] v. 'fingir-se <strong>de</strong> sur<strong>do</strong>', konloia<br />

[konᛌlojǠ] v. 'conluiar'. A própria vogal não mostra apenas na-<br />

sali<strong>da</strong><strong>de</strong>, nestes casos. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> outra consoante, a na-<br />

sali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transição silábica manifesta-se através <strong>da</strong> nasali-<br />

zação <strong>da</strong> vogal. Cf. por ex. kunfia [ᛌkufjǠ] v. 'confiar', pensa<br />

[ᛌpesǠ] v. 'pensar', kónxa [ᛌkǤʃǠ] s. 'concha', dizenvolve<br />

[dizeᛌvolvi] v. '<strong>de</strong>senvolver(-se)', ónzi [ᛌǤzi] s./adj. num.<br />

'onze', lonji [ᛌloʒi] adv. 'longe', ónra [ᛌǤrǠ] s. 'honra'.<br />

O que vale para o interior <strong>da</strong>s palavras lexicais aplica-se<br />

também ao interior <strong>da</strong>s palavras fónicas quan<strong>do</strong> ocorre uma pa-<br />

lavra que termina por um fonema vocálico segui<strong>da</strong> <strong>de</strong> outra que<br />

começa por um fonema consonântico. Cf., por um la<strong>do</strong>, sen kása


[ᛌseŋᛌkasǠ] 'sem casa' e, por outro la<strong>do</strong>, sen xánsi [ᛌseᛌʃasi]<br />

'sem chance'.<br />

1.2.1.5.6 Texto exemplificativo com transcrição<br />

Para exemplificar a pronúncia <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, <strong>da</strong>-<br />

mos em segui<strong>da</strong> o início <strong>do</strong> conto nº 3 <strong>de</strong> Na bóka noti, volumi<br />

I, ed. por Tomé Varela <strong>da</strong> Silva, 2a edição, Praia: Instituto<br />

<strong>da</strong> Biblioteca Nacional e <strong>do</strong> Livro 2004, p. 38.<br />

Éra un bes un ómi ku si mudjer. Ténpu éra di nisisidádi,<br />

trabádju éra so pisádu y ómi éra rei di pirgisós, sobrutudu<br />

purki e'ta gostába di stima si korpu.<br />

Nton, p'el sálba si korpu di masá<strong>da</strong>, e'kai duenti na<br />

káma, ta móre. Mudjer ki kreba si maridu rei di txeu, <strong>da</strong> pa<br />

pó y pa pédra na buska y fase ramédi. Maridu <strong>da</strong> kónta sédu<br />

ma mudjer sa ta <strong>da</strong>-l más ramédi ki kumi<strong>da</strong>.<br />

Nton, e'fla mudjer, ma parse-l ma si duénsa e frakéza.<br />

Mudjer, nton, po tudu ramédi di ládu. E'pega na máta tudu<br />

si limária p'el <strong>da</strong> maridu so liméntus fórti pa maridu po<strong>de</strong><br />

fortifika fáxi, pa duénsa <strong>de</strong>xa-l.<br />

[ᛌǫ.rǠumbes│uᛌǤ.mikusimuᛌǯer││ᛌtǫ.mpwǫrǠdinisisiᛌ<strong>da</strong>.di││<br />

trǠᛌba.ǯwǫrǠᛌsopiᛌsa.du││ᛌjǤ.mjǫrǠᛌredipirgiᛌsǤs│sobruᛌtu.du│<br />

purkjetǠgosᛌta.bǠdisᛌti.mǠsiᛌkorp││<br />

ᛌnto││pelᛌsalbǠsiᛌkorpudimǠᛌsa.dǠ│eᛌkǠᛌdwe.ntinǠ<br />

ᛌka.mǠ│tǠᛌmǤ.ri││muᛌǯerkiᛌkre.bǠsimǠᛌri.duᛌrediᛌce ││dǠpǠ<br />

ᛌpǤpǠᛌpǫ.drǠnǠᛌbuskǠᛌfǠ.sirǠᛌmǫ.di││mǠᛌri.dudǠᛌkǤ.ntǠᛌsǫ.du│<br />

mǠmuᛌǯersǠtǠᛌdǠlᛌmasrǠᛌmǫ.dikikuᛌmi.dǠ││<br />

ᛌntoŋ│eᛌflǠmuᛌǯer│mǠpǠrᛌsel│mǠsiᛌdwǫ.sǠefrǠᛌkǫ.zǠ││<br />

muᛌǯernᛌto│poᛌtu.durǠᛌmǫ.didiᛌla.du││eᛌpe.gǠnǠᛌma.tǠᛌtu.du<br />

siliᛌma.rjǠ│pelᛌdǠmǠᛌri.duᛌsoliᛌmǫntusᛌfǤrt│pǠmǠᛌri.duᛌpo.di


fortiᛌfi.kǠᛌfa.ʃ│pǠᛌdwǫ. sǠ<strong>de</strong>ᛌʃǠl]<br />

1.2.1.6 Neutralizações<br />

Fala-se em neutralização <strong>de</strong> oposições quan<strong>do</strong> o traço que<br />

distingue <strong>do</strong>is ou mais fonemas per<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contexto<br />

fónico, a sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir significa<strong>do</strong>s. O espaço<br />

para a realização <strong>do</strong>(s) aquifonema(s) resultante(s) correspon-<br />

<strong>de</strong> então, em princípio, à soma <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> realização <strong>do</strong>s<br />

fonemas cuja oposição ficou neutraliza<strong>da</strong>, e po<strong>de</strong> ser, even-<br />

tualmente, aproveita<strong>do</strong> para a realização <strong>de</strong> variantes indi-<br />

viduais ou contextuais ('alofónicas').<br />

As neutralizações que se observam no sistema vocálico <strong>do</strong><br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> afetam, por um la<strong>do</strong>, o grau <strong>de</strong> abertura<br />

<strong>da</strong>s vogais (abertas/semiabertas/fecha<strong>da</strong>s) e, por outro la<strong>do</strong>,<br />

as suas caraterísticas <strong>de</strong> ressonância (orais/nasaliza<strong>da</strong>s).<br />

1.2.1.6.1 Neutralizações <strong>do</strong> grau <strong>de</strong> abertura<br />

Neutralizações relaciona<strong>da</strong>s com o grau <strong>de</strong> abertura dão-se<br />

sobretu<strong>do</strong> no <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong>s vogais átonas. Porém, antes <strong>de</strong> nos<br />

ocuparmos <strong>de</strong>las, convém mencionar que ocorrem também algumas<br />

neutralizações no <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong>s vogais tónicas.<br />

Assim, é neutraliza<strong>da</strong> a oposição entre vogais nasaliza<strong>da</strong>s<br />

semiabertas e abertas na posição final absoluta, on<strong>de</strong> quase só<br />

ocorrem vogais nasaliza<strong>da</strong>s tónicas. Os arquifonemas que resul-<br />

tam <strong>de</strong>ssa neutralização realizam-se como semiabertas. Cf. por<br />

ex. ningen [niŋᛌge(ŋ)] pron. in<strong>de</strong>f. 'ninguém', masan [mǠᛌsa(ŋ)]<br />

s. 'maçã' e ladron [lǠᛌdro(ŋ)] s. 'ladrão'.<br />

Certas grafias com acento gráfico agu<strong>do</strong> em publicações <strong>do</strong><br />

Instituto <strong>Cabo</strong>verdiano <strong>do</strong> Livro po<strong>de</strong>m, a esse respeito, indu-<br />

zir em erro. Ocorre isto, por exemplo, quan<strong>do</strong> o numeral sen<br />

s./adj. num. '100' aparece escrito com acento agu<strong>do</strong>. A opção<br />

pelo uso <strong>de</strong>ste acento gráfico justifica-se, provavelmente, pe-<br />

la vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir o numeral ‘100’, que é uma palavra<br />

tónica, <strong>da</strong> preposição sen 'sem', que é uma palavra átona. Con-


tu<strong>do</strong>, a função primária <strong>do</strong> acento não é a <strong>de</strong> marcar o caráter<br />

tónico <strong>da</strong> sílaba ou <strong>da</strong> vogal. Se assim fosse, teria <strong>de</strong> utili-<br />

zar-se também na palavra len s. 'ban<strong>da</strong>, la<strong>do</strong>'. A função primá-<br />

ria <strong>do</strong> acento gráfico agu<strong>do</strong> é a <strong>de</strong> marcar o caráter aberto <strong>da</strong><br />

vogal. Ora bem, ambas as palavras, o numeral sen e a preposi-<br />

ção sem, têm a vogal semiaberta.<br />

É nossa impressão que, em certos falantes, ocorre uma neu-<br />

tralização análoga entre vogais orais abertas e semiabertas,<br />

só que <strong>de</strong>sta vez limita<strong>da</strong> às vogais anteriores e posteriores.<br />

Os falantes em questão parecem realizar palavras como fé s.<br />

'fé', pé s. 'pé', mé adv. 'mesmo', le v. 'ler', kodê s. 'filho<br />

mais novo', kafé s. 'café', pó s. 'árvore', mo s. 'mão', bara-<br />

pó s. 'varapau', pamô pron. interr. 'porquê?' com uma vogal<br />

tónica que fica a meio caminho entre semiaberta ([e] ou [o]) e<br />

aberta ([ǫ] ou [Ǥ]) (cf. Quint 2000: 21). Não se vê muito bem<br />

como o ALUPEC po<strong>de</strong>ria refletir a pronúncia <strong>de</strong>stes falantes,<br />

visto que os acentos gráficos, além <strong>de</strong> servirem para indicar o<br />

grau <strong>de</strong> abertura <strong>da</strong> vogal, servem também para marcar como tó-<br />

nica a sílaba quan<strong>do</strong> esta não é a penúltima nem uma última que<br />

termine em /-l/ ou em /-r/.<br />

As grafias <strong>do</strong> Instituto <strong>Cabo</strong>verdiano <strong>do</strong> Livro com acentos<br />

gráficos numa vogal final refletem a pronúncia <strong>da</strong>s pessoas que<br />

distinguem também em posição final entre [e] e [ǫ], [o] e [Ǥ].<br />

Mantêmo-las, escreven<strong>do</strong> portanto fé [ᛌfǫ], pó [ᛌpǤ]], pamô<br />

[pǠᛌmo], etc. g<br />

g Não po<strong>de</strong>mos confirmar a neutralização generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> oposição entre as<br />

vogais orais tónicas semiabertas e abertas nas sílabas trava<strong>da</strong>s por [•],<br />

[r], [l], [s], [] e [] que sugere Nicolas Quint (cf. Quint 2000: 22/23).<br />

De facto, os nossos informantes dizem séu [ᛌsǫ] s. 'céu', mudjer [muᛌǯer]<br />

s. 'mulher', ben<strong>de</strong><strong>do</strong>r [ben<strong>de</strong>ᛌ<strong>do</strong>r] s. 'ven<strong>de</strong><strong>do</strong>r', mel [ᛌmel] s. 'mel', e não<br />

[ᛌse], [muᛌǯǫr] , [ben<strong>de</strong>ᛌdǤr] e [ᛌmǫl] como os seus. Mas conce<strong>de</strong>mos, em<br />

1.2.1.1, a existência <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> afini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s vogais tónicas [Ǡ] e [a],<br />

respetivamente, com alguns <strong>de</strong>stes contextos. Gran<strong>de</strong> porque, ao contrário<br />

<strong>do</strong>s informantes <strong>de</strong> Nicolas Quint, os nossos pronunciam também más [ᛌmas]<br />

quant., E kapá-s [ekǠᛌpas] 'Capou-os'. Mas afini<strong>da</strong><strong>de</strong> com tais contextos e<br />

não neutralização neles porque, <strong>de</strong> novo contrariamente aos informantes <strong>de</strong><br />

Quint, os nossos pronunciam kál [ᛌkal] pron. interr. 'Qual?' e ál part. verbal<br />

mo<strong>da</strong>l (cf. Quint 2000: 23, nota 14).


O <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong>s neutralizações generaliza<strong>da</strong>s, em relação aos<br />

graus <strong>de</strong> abertura, é, como já dissemos, o <strong>da</strong>s sílabas átonas.<br />

Dos três graus que é preciso distinguir para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s vo-<br />

gais que ocorrem em sílaba tónica, apenas <strong>do</strong>is subsistem nas<br />

átonas. Nelas só há vogais semiabertas ou fecha<strong>da</strong>s, nunca vo-<br />

gais abertas. A tão caraterística impressão fónica que o<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> produz aos estrangeiros <strong>de</strong>riva, em boa<br />

parte, <strong>de</strong>ssa marcação adicional <strong>do</strong> relevo acentual pela res-<br />

trição <strong>da</strong>s vogais abertas às sílabas tónicas.<br />

Uma consequência particularmente visível <strong>de</strong> tal princípio<br />

é o facto <strong>de</strong> qualquer vogal aberta se tornar semiaberta quan<strong>do</strong><br />

a sílaba correspon<strong>de</strong>nte se torna átona na sequência <strong>de</strong> proces-<br />

sos <strong>de</strong> flexão ou <strong>de</strong>rivação. Eis alguns exemplos:<br />

kabésa [kǠᛌbǫsǠ] 'cabeça' kabesóna [kǠbeᛌsǤnǠ] 'cabeça gran<strong>de</strong>'<br />

ténpu [ᛌtǫmpu] 'tempo' tenpurá<strong>da</strong> [tempuᛌradǠ] 'temporal'<br />

lába [ᛌlabǠ] 'lavar' labádu [lǠᛌbadu] 'lava<strong>do</strong>'<br />

kánta [ᛌkantǠ] 'cantar' kantába [kǠnᛌtabǠ] 'tinha canta<strong>do</strong>'<br />

xikóti [ʃiᛌkǤti] 'chicote' xikotá<strong>da</strong> [ʃikoᛌtadǠ] 'chicota<strong>da</strong>'<br />

pónta [ᛌpǤntǠ] 'ponta' pontinha [ponᛌtiȂǠ] 'pontinha'<br />

etc. etc.<br />

Os advérbios termina<strong>do</strong>s em –mente constituem uma exceção<br />

aparente a este princípio. Se o adjetivo <strong>de</strong> base tem a vogal<br />

tónica aberta, esta mantém-se aberta também no advérbio cor-<br />

respon<strong>de</strong>nte, como aliás acontece também em português. Temos<br />

assim dimaziá<strong>da</strong>menti [dimǠzjadǠᛌmenti] '<strong>de</strong>mais', dirétamenti<br />

[dirǫtǠᛌmenti] 'diretamente', imidiátamenti [imidjatǠᛌmenti]<br />

'imediatamente', etc. Contu<strong>do</strong>, esta exceção é mais aparente <strong>do</strong><br />

que real. Ao que parece, estes advérbios são trata<strong>do</strong>s em ambas<br />

as línguas como compostos (cf. rátxa-kanéla [ᛌracǠkǠᛌǫlǠ] s. no-<br />

me <strong>de</strong> uma erva, bága-bága [ᛌbagǠᛌbagǠ] s. 'formiga branca', sé-<br />

tiséntus [ᛌsǫtiᛌsǫntus] s./adj. '700', etc.). Ao que parece, os<br />

advérbios conservam um acento - pelo menos secundário - na vo-


gal que no adjetivo <strong>de</strong> base era a vogal tónica.<br />

Também quan<strong>do</strong> a vogal tónica <strong>de</strong> uma palavra se torna átona<br />

por razões prosódicas no interior <strong>de</strong> uma frase, a vogal se<br />

mantém aberta. Cf. Ténpu éra di nisisidádi, trabádju éra so<br />

pisádu ... [ᛌtǫmpwǫrǠdinisisiᛌ<strong>da</strong>di│trǠᛌbaǯwǫrǠᛌsopiᛌsadu...].<br />

Nas vogais átonas finais, as neutralizações entre vogais<br />

que se distinguem apenas pelo grau <strong>de</strong> abertura vão ain<strong>da</strong> mais<br />

longe. De facto, quase não ocorrem vogais nasaliza<strong>da</strong>s nesta<br />

posição. E paralelamente às poucas palavras em que ocorrem<br />

costuma haver já variantes que correspon<strong>de</strong>m melhor aos padrões<br />

fónicos <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Comparem-se, por exemplo,<br />

abénson [Ǡᛌbǫso(ŋ)] s. 'bênção' e vírjen [ᛌvirʒe(ŋ)] s./adj.<br />

'virgem, virginal' com as suas variantes no crioulo fun<strong>do</strong> ben-<br />

son [beᛌso(ŋ)] (a vogal final conserva a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas tor-<br />

nou-se tónica) e virji [ᛌvirʒi] (a vogal final se mantém átona,<br />

mas tornou-se oral). E está claro que as raras vogais átonas<br />

nasaliza<strong>da</strong>s finais não são nunca vogais abertas.<br />

Para as vogais orais átonas não subsiste, em posição final<br />

absoluta, nenhuma oposição <strong>de</strong> abertura. Fica um só arquifonema<br />

para ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s três or<strong>de</strong>ns: anterior, central e posterior.<br />

Estes arquifonemas realizam-se no crioulo fun<strong>do</strong> como [-i], [-<br />

Ǡ] e [-u], respetivamente. Cf. a pronúncia <strong>do</strong>s verbos skrebe<br />

[ᛌskrebi] 'escrever', kánta [ᛌkantǠ] 'cantar' e konko [ᛌkonku]<br />

'bater'. O timbre exato <strong>de</strong>stes [-i] e [-u] é, porém, difícil<br />

<strong>de</strong> perceber, visto serem frequentemente pronuncia<strong>da</strong>s como vo-<br />

gais sur<strong>da</strong>s nesta posição, sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> consoante sur<strong>da</strong><br />

(cf. 1.2.1.5.2 e já Carvalho 1962b: 4).<br />

Em to<strong>do</strong> o caso, parece que certos falantes mais influen-<br />

cia<strong>do</strong>s pelo português preferem, nos verbos, realizar como [e]<br />

e [o] os arquifonemas que resultam <strong>da</strong> menciona<strong>da</strong> neutralização<br />

sempre e quan<strong>do</strong> estas vogais soam [e] e [o] quan<strong>do</strong> acentua<strong>da</strong>s.<br />

Dizem, portanto, E parti [-i] 'Partiu' e E busu [-u] kartera<br />

'Tirou a carteira', mas E kume [-e] 'Comeu' e E konko [-o]<br />

'Abanou' por analogia com E kumeba [ekuᛌmebǠ] 'Tinha comi<strong>do</strong>' e<br />

E konkoba [ekoŋᛌkobǠ] 'Tinha abana<strong>do</strong>'. Provêm <strong>de</strong>sta forma ver-


os como kume, konko, etc. <strong>de</strong> uma maior constância fónica<br />

através <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a sua conjugação. Obe<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> a idêntica moti-<br />

vação, a ortografia oficial, o ALUPEC, segue-os neste ponto<br />

(cf. 4.2.1.5). Os falantes em questão ten<strong>de</strong>m também a pronun-<br />

ciar tanbe [ᛌtǠmbe] a palavra crioula que correspon<strong>de</strong> ao advér-<br />

bio português também, pronúncia que fica a meio caminho entre<br />

a <strong>do</strong> étimo português e a <strong>de</strong> tánbi [ᛌtambi] 'também' <strong>do</strong> crioulo<br />

fun<strong>do</strong>.<br />

Sublinhemos mais uma vez que as pronúncias concorrentes<br />

que acabamos <strong>de</strong> mencionar constituem simplesmente alternativas<br />

na realização <strong>de</strong> arquifonemas. O contraste entre [-i] e [-e]<br />

ou [-u] e [-o] átonos em posição final absoluta não serve<br />

nunca para distinguir significa<strong>do</strong>s, nem mesmo nos falantes em<br />

cuja fala <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s verbos terminam sempre em [-e] (ou [-<br />

o]), ao passo que outros terminam sempre em [-i] (ou [-u]). E<br />

mesmo na sua fala, a gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong>s palavras que terminam<br />

em vogal anterior ou posterior átona terminam sistematicamente<br />

em [-i] ou [-u] e nunca em [-e] ou [-o]. Facto que o ALUPEC<br />

reflete fielmente.<br />

1.2.1.6.2 Neutralizações <strong>da</strong> oposição oral / nasaliza<strong>do</strong><br />

Como vimos em 1.2.0, não faz muito senti<strong>do</strong> falar, a res-<br />

peito <strong>da</strong>s transições silábicas <strong>do</strong> tipo /-V/K-/, <strong>de</strong> uma neutra-<br />

lização <strong>da</strong> oposição oral/nasaliza<strong>do</strong> na vogal (ou na consoan-<br />

te). O falante não opta, nestes casos, por uma consoante (ou<br />

uma vogal) nasaliza<strong>da</strong>, <strong>de</strong>cisão que então arrastaria a nasali-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vogal prece<strong>de</strong>nte (ou <strong>da</strong> consoante subsequente). Opta<br />

por uma transição silábica globalmente nasaliza<strong>da</strong>. E esta<br />

opõe-se diretamente à transição oral correspon<strong>de</strong>nte.<br />

Por conseguinte, há pares mínimos cujos membros diferem<br />

apenas em relação à presença ou ausência <strong>do</strong> traço <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> numa transição silábica:<br />

bráku s. 'buraco' / bránku adj. 'branco'<br />

fika v. 'ficar' / finka v. 'fincar'<br />

keta v. 'estar quieto' / kenta v. 'esquentar'


kába v. 'acabar' / kánba v. 'entrar, <strong>de</strong>saparecer'<br />

káta v. 'apanhar no chão' / kánta v. 'cantar'<br />

koku s. '(noz <strong>de</strong>)coco' / konko v. 'abanar'<br />

mudu adj. 'mu<strong>do</strong>' / mundu s. 'mun<strong>do</strong>'<br />

pesa v. 'pesar' / pensa v. 'pensar'<br />

ró<strong>da</strong> s. 'ro<strong>da</strong>' / rón<strong>da</strong> s. 'ron<strong>da</strong><br />

Como também já vimos em 1.2.0, o crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem<br />

ain<strong>da</strong>, além <strong>da</strong>s transições silábicas globalmente orais ou glo-<br />

balmente nasaliza<strong>da</strong>s', transições <strong>do</strong> tipo /-V/N-/. Nesta fór-<br />

mula, a maiúscula N representa uma <strong>da</strong>s três consoantes /m/,<br />

/n/ ou /Ȃ/. Nestas transições há <strong>de</strong> facto neutralização <strong>da</strong><br />

oposição oral/nasaliza<strong>do</strong> na vogal. O arquifonema que resulta<br />

<strong>de</strong> tal neutralização realiza-se invariavelmente como vogal<br />

oral: cf. palavras como linha [ᛌliȂǠ] s. fio, linha', treme<br />

[ᛌtremi] v. 'tremer', péna [ᛌpǫnǠ] s. 'pena', pánha [ᛌpaȂǠ] v.<br />

'apanhar', dóna [ᛌdǤnǠ] s. '<strong>do</strong>na, avô', toma [ᛌtomǠ] v. 'tomar'<br />

e runhu [ᛌruȂu] adj. 'mau, agressivo', etc.<br />

Desta neutralização não resultam, porém, oito arquifone-<br />

mas, mas apenas sete, porque, aparentemente, antes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>s-<br />

tes fonemas consonânticos nasais só po<strong>de</strong> ocorrer [a], mas não<br />

[Ǡ].<br />

Nas fórmulas que se seguem, representamos este arquifonema<br />

resultante <strong>da</strong> neutralização <strong>de</strong> duas oposições (oral/nasaliza-<br />

<strong>do</strong>, Ǡ/a) pela maiúscula A. Os arquifonemas <strong>de</strong> realização oral<br />

ante consoante nasal opõem-se entre si:<br />

Fecha<strong>do</strong>/semiaberto:<br />

i/e linha s. 'fio, linha' / lenha s. 'lenha'<br />

u/o suma adv. (var. <strong>de</strong> sima) 'como'/ soma v. '(as)somar'<br />

Semiaberto/aberto:<br />

e/ǫ pena v. '<strong>de</strong>penar' / péna s. 'pena'<br />

o/Ǥ soma v. '(as)somar' / sóma s. 'soma'


Anterior/posterior:<br />

i/u sima / suma adv. 'como' (duas variantes fonologi-<br />

camente distintas <strong>do</strong> mesmo advérbio)<br />

e/o tema s. 'tema' / toma v. 'tomar'<br />

ǫ/Ǥ Léna s. nome <strong>de</strong> mulher / lóna s. 'teci<strong>do</strong> grosso'<br />

Anterior/central:<br />

e/A kema v. 'queimar' / káma s. 'cama'<br />

ǫ/A rému 'remo' / rámu s. 'ramo'<br />

Posterior/central:<br />

o/A tronu s. 'trono' / E trá-nu (di mizéria) 'Sacou-nos<br />

(<strong>da</strong> miséria).'<br />

Ǥ/A kóma s. 'crina' / káma s. 'cama'<br />

No interior <strong>de</strong> uma palavra fónica po<strong>de</strong> acontecer que uma<br />

palavra que termine numa vogal nasaliza<strong>da</strong> prece<strong>da</strong> outra come-<br />

ça<strong>da</strong> por uma <strong>da</strong>s três consoantes nasais. Neste caso, mantém-se<br />

a nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vogal, pronuncian<strong>do</strong>-se, por exemplo, sen médu<br />

[ᛌseᛌmǫdu] 'sem me<strong>do</strong>'. Não há, portanto, neutralização <strong>da</strong> oposi-<br />

ção oral/nasaliza<strong>do</strong> nas vogais que prece<strong>de</strong>m uma consoante na-<br />

sal em início <strong>de</strong> palavra.<br />

1.2.1.7 Realização <strong>do</strong>s (arqui)fonemas<br />

Quanto à realização <strong>do</strong>s (arqui)fonemas, as explicações que<br />

prece<strong>de</strong>m po<strong>de</strong>m ser resumi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> seguinte forma.<br />

1.2.1.7.1 Nas sílabas livres<br />

Sílaba tónica não-final:<br />

Nesta posição, ocorrem to<strong>do</strong>s os 16 fonemas vocálicos, ex-<br />

ceto antes <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s três consoantes nasais /m/, /n/ e /Ȃ/. O<br />

inventário <strong>da</strong>s suas realizações antes <strong>de</strong> consoantes fricativas<br />

e vibrantes fornece um inventário máximo <strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> realiza-<br />

ção vocálica <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Este inventário corres-


pon<strong>de</strong> ao inventário <strong>do</strong>s fonemas vocálicos apresenta<strong>do</strong> sob<br />

1.2.1.1:<br />

vogais orais vogais nasaliza<strong>da</strong>s<br />

ant. centr. post. ant. centr. post.<br />

fecha<strong>da</strong>s i u i u<br />

semiabertas e<br />

abertas<br />

ǫ<br />

Ǡ<br />

a<br />

o e Ǡ o<br />

Ǥ ǫ a Ǥ<br />

Para a meta<strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>de</strong>ste inventário po<strong>de</strong>m pois compa-<br />

rar-se as realizações <strong>do</strong>s fonemas vocálicos orais nas sílabas<br />

tónicas <strong>de</strong> iziji v. 'exigir', komesa v. 'começar', komésu s.<br />

'começo', fase v. 'fazer', báfa v. 'tapar-se, petiscar', xuxu<br />

s./adj. 'diabo, sujo', kosa v. 'coçar(-se)', óra s. 'hora';<br />

para a meta<strong>de</strong> direita po<strong>de</strong>m comparar-se as realizações nasali-<br />

za<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s fonemas vocálicos nasaliza<strong>do</strong>s nas sílabas tónicas <strong>de</strong><br />

finji v. 'fingir', pensa v. 'pensar', lisénsa s. 'licença',<br />

manxe v. 'amanhecer', kánsa v. 'cansar(-se), kunsa verbo auxi-<br />

liar, lonji adv. 'longe', ónra s. 'honra'.<br />

Antes <strong>de</strong> consoante oclusiva ou lateral, os fonemas vocáli-<br />

cos orais realizam-se como antes <strong>de</strong> fricativa e vibrante (cf.<br />

meta<strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>do</strong> inventário máximo). Vejam-se, por exemplo,<br />

as sílabas tónicas <strong>de</strong> tipu s. 'tipo', persebi s. 'perceba',<br />

spétu s. 'espeto', invadi v. 'invadir', káku s. 'cabeça', luga<br />

v. 'tomar/<strong>da</strong>r <strong>de</strong> arren<strong>da</strong>mento', mopi v. 'amolgar', móla s.<br />

'mola'. Na mesma posição, os fonemas vocálicos nasaliza<strong>da</strong>s<br />

realizam-se como sequências <strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>nte tipo <strong>de</strong> realiza-<br />

ção oral (cf. meta<strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>do</strong> inventário máximo) segui<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

uma consoante nasal homorgânica com a consoante subsequente.<br />

Vejam-se, por exemplo, as sílabas tónicas <strong>de</strong> pinga [ᛌpiŋgǠ] v.<br />

'pingar', ben<strong>de</strong> [ᛌbendi] v. 'ven<strong>de</strong>r', bén<strong>da</strong> [ᛌbǫndǠ] s. 'ven<strong>da</strong>',<br />

mante [ᛌmanti] v. 'manter', kánta [ᛌkantǠ] v. 'cantar], funku<br />

[ᛌfuŋku] s. 'cubata constante só <strong>do</strong> teto cónico', ponta [ᛌpontǠ]<br />

v. 'apontar', pónta [ᛌpǤntǠ] s. 'ponta'.


Antes <strong>do</strong>s três fonemas consonânticos /m/, /n/ e /Ȃ/, fica<br />

neutraliza<strong>da</strong> a oposição oral/nasaliza<strong>do</strong>. Os arquifonemas re-<br />

sultantes realizam-se como orais (cf. meta<strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>do</strong> in-<br />

ventário máximo). Assim acontece nas sílabas tónicas <strong>de</strong> sima<br />

adv. 'como', tene v. 'ter', péna s. 'pena', nfanhi v. 'fazer<br />

uma careta <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo', pánha v. 'apanhar', sumu s. 'sumo',<br />

komu conj. subord. 'como', sóma s. 'soma'.<br />

Sílaba tónica final:<br />

Nesta posição, a oposição semiaberto/aberto está neutrali-<br />

za<strong>da</strong> nas vogais orais anteriores e posteriores, pelo menos na<br />

fala <strong>de</strong> boa parte <strong>do</strong>s falantes. Nas vogais nasaliza<strong>da</strong>s há uma<br />

neutralização generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> mesma oposição em to<strong>do</strong>s os fa-<br />

lantes. Os arquifonemas resultantes realizam-se entre semi-<br />

aberto e aberto nas orais e como semiabertas nas nasaliza<strong>da</strong>s.<br />

Segue um exemplo para ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s onze tipos <strong>de</strong> realização<br />

resultantes: mi pron. pess. 'eu', pé s. 'pé', fla v. 'dizer',<br />

xá s. 'chá', ku s. 'traseiro', pó s. 'árvore, ma<strong>de</strong>ira, pau',<br />

fin s. 'fim', sen s./adj. num. '100', gran s. 'grão', nun adj.<br />

'nenhum', pon s. 'pão'.<br />

Sílaba átona não-final:<br />

Nesta posição, a situação é a mesma que nas sílabas tóni-<br />

cas não-finais, salvo que a oposição semiaberto/aberto se en-<br />

contra <strong>de</strong> novo neutraliza<strong>da</strong>. Os arquifonemas resultantes rea-<br />

lizam-se como vogais semiabertas. Por conseguinte, só apare-<br />

cem, antes <strong>de</strong> consoantes fricativas e vibrantes, os tipos <strong>de</strong><br />

realização <strong>da</strong>s duas linhas superiores <strong>do</strong> inventário máximo.<br />

Po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> exemplo para as orais as primeiras vogais<br />

<strong>de</strong> pisádu adj. 'pesa<strong>do</strong>', refujiádu adj. 'refugia<strong>do</strong>', raféga s.<br />

'brisa, raja<strong>da</strong>', puxa<strong>do</strong>r s. 'puxa<strong>do</strong>r', korenta v. 'mu<strong>da</strong>r para<br />

melhor' e para as nasaliza<strong>da</strong>s as primeiras vogais <strong>de</strong> prinséza<br />

[priᛌsǫzǠ] s. 'princesa', benson [beᛌso(ŋ)] s. 'bênção', kansádu<br />

[kaᛌsadu] adj. 'cansa<strong>do</strong>', kunfiánsa [kuᛌfjasǠ] s. 'confiança',<br />

onrádu [ᛌoradu] adj. 'honra<strong>do</strong>'.<br />

Antes <strong>de</strong> consoantes oclusivas e laterais, as vogais átonas<br />

orais realizam-se como antes <strong>de</strong> consoantes fricativas e vi-<br />

brantes (as duas linhas superiores <strong>da</strong> meta<strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> <strong>do</strong> in-<br />

ventário máximo). Assim ocorre, por exemplo, nas primeiras sí-


labas <strong>de</strong> pikinóti adj. 'pequeno', metádi s. 'meta<strong>de</strong>', katxupa<br />

s. prato nacional caboverdiano, kutélu s. 'colina', kolabora<br />

v. 'colaborar'. As vogais nasaliza<strong>da</strong>s realizam-se nesta posi-<br />

ção <strong>de</strong> novo como sequências <strong>de</strong> orais mais consoante nasal ho-<br />

morgânica com a consoante subsequente. Assim acontece nas pri-<br />

meiras sílabas <strong>de</strong> kintal [kinᛌtǠl] s. 'espaço por <strong>de</strong>trás <strong>da</strong>s<br />

casas tradicionais', bengála [beŋᛌgalǠ] s. 'bengala', ban<strong>do</strong>ba<br />

[banᛌ<strong>do</strong>bǠ] s. 'estômago, pança', kunpridu [kumᛌpridu] adj. 'com-<br />

pri<strong>do</strong>' e konloia [konᛌlojǠ] v. 'conluiar'.<br />

Antes <strong>da</strong>s três consoantes nasais /m/, /n/ e /Ȃ/, além <strong>da</strong><br />

oposição semiaberta/aberta fica ain<strong>da</strong> neutraliza<strong>da</strong> a oposição<br />

oral/nasaliza<strong>do</strong>. Os arquifonemas realizam-se como orais (as<br />

duas linhas superiores <strong>do</strong> inventário máximo). Comparem-se as<br />

vogais <strong>da</strong>s primeiras sílabas <strong>de</strong> simenti s. 'semente', kemádu<br />

adj. 'queima<strong>do</strong>', banána s. 'banana', sumána s. 'semana', so-<br />

menti adv. 'só'.<br />

Sílaba átona final:<br />

Nesta posição são neutraliza<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as oposições no grau<br />

<strong>de</strong> abertura e, além disso, a oposição oral/nasaliza<strong>do</strong>. Dos<br />

três arquifonemas resultantes, realizam-se como vogais fecha-<br />

<strong>da</strong>s o anterior e o posterior, e como vogal semiaberta a vogal<br />

central. É o caso <strong>da</strong>s vogais nas sílabas finais <strong>de</strong> kudi [ᛌkudi]<br />

v. 'respon<strong>de</strong>r', fase [ᛌfǠsi] v. 'fazer', kánta [ᛌkantǠ] v. 'can-<br />

tar', rixu [ᛌriʃu] adj. 'rijo', konko [ᛌkoŋku] v. 'abanar'.<br />

1.2.1.7.2 Nas sílabas trava<strong>da</strong>s<br />

Chamam-se trava<strong>da</strong>s as sílabas que terminam em consoante.<br />

No crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> só po<strong>de</strong>m aparecer, nesta posição, /r/,<br />

/l/ ou /s/. Nas sílabas trava<strong>da</strong>s é neutraliza<strong>da</strong> a oposição<br />

oral/nasaliza<strong>do</strong>. Os arquifonemas resultantes realizam-se como<br />

orais.<br />

Sílaba tónica:<br />

Antes <strong>de</strong> /r/ e /l/ a fechar sílaba, não há mais neutrali-


zações. Eis um exemplo para a realização oral <strong>do</strong>s oito arqui-<br />

fonemas: filtru [ᛌfiltru] s. 'filtro', perta [ᛌpertǠ] v. 'aper-<br />

tar', pértu [ᛌpǫrtu] adv. 'perto', sal [ᛌsǠl] s. 'sal', már<br />

[ᛌmar] s. 'mar', purga [ᛌpurgǠ] s. 'fruto <strong>da</strong> purgueira', korta<br />

[ᛌkortǠ] v. 'cortar', kórta [ᛌkǤrtǠ] s. 'colheita'.<br />

Antes <strong>de</strong> /s/, há, além <strong>da</strong> neutralização <strong>da</strong> oposição oral/<br />

nasaliza<strong>do</strong>, neutralização <strong>da</strong> oposição semiaberto/aberto nas<br />

vogais centrais. O arquifonema resultante realiza-se como vo-<br />

gal aberta. Ocorrem, portanto, os sete tipos seguintes <strong>de</strong> rea-<br />

lização: lista [ᛌlistǠ] s. 'lista', presta [ᛌprestǠ] v. 'pres-<br />

tar', fésta [ᛌfǫstǠ] s. 'festa', gásta [ᛌgastǠ] v. 'gastar(-<br />

se)', kusta [ᛌkustǠ] v. 'custar', mostra [ᛌmostrǠ] v. 'mostrar',<br />

kósta [ᛌkǤstǠ] s. 'costa(s)'.<br />

Sílaba átona:<br />

Nesta posição, dá-se uma neutralização generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

oposição semiaberto/aberto (como em to<strong>da</strong>s as sílabas átonas) e<br />

uma neutralização generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> oposição oral/nasaliza<strong>do</strong><br />

(como em to<strong>da</strong>s as sílabas trava<strong>da</strong>s). Os cinco arquifonemas re-<br />

sultantes realizam-se como orais. Sirvam <strong>de</strong> exemplos as pri-<br />

meiras sílabas, átonas e trava<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> bistidu [bisᛌtidu] s.<br />

'vesti<strong>do</strong>', gestiba [gesᛌtibǠ] s. nome <strong>de</strong> uma planta, maskádja<br />

[mǠsᛌkaǯǠ] v. 'aproveitar-se <strong>de</strong> alguém', kustumu [kusᛌtumu] s.<br />

'costume', kostéla [kosᛌtǫlǠ] s. 'costela'.<br />

1.2.1.8 Combinatória<br />

Quan<strong>do</strong> numa palavra fónica há duas vogais contíguas, for-<br />

mam quer um hiato quer um ditongo. Temos um hiato quan<strong>do</strong> as<br />

duas vogais pertencem a duas sílabas, ca<strong>da</strong> uma constituin<strong>do</strong>,<br />

portanto, um pico <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Pelo contrário, temos um<br />

ditongo quan<strong>do</strong> as duas vogais pertencem à mesma sílaba, cor-<br />

respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> à sequência <strong>de</strong> ambas apenas um pico <strong>de</strong> percetibi-


li<strong>da</strong><strong>de</strong> (cf. 1.1.4).<br />

Quan<strong>do</strong> numa palavra fónica há três vogais contíguas po<strong>de</strong><br />

tratar-se <strong>de</strong> um hiato (por ex. <strong>de</strong> um ditongo que pertence a<br />

uma sílaba e <strong>de</strong> uma vogal que pertence à sílaba seguinte) ou<br />

<strong>de</strong> um tritongo, isto é, uma sequência <strong>de</strong> três vogais à qual<br />

correspon<strong>de</strong> apenas um pico <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na segun<strong>da</strong> vo-<br />

gal.<br />

Devi<strong>do</strong> ao encontro <strong>de</strong> duas palavras, uma primeira que ter-<br />

mina em vogal e uma segun<strong>da</strong> que começa por vogal, po<strong>de</strong>m sur-<br />

gir, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, sequências vocálicas varia<strong>da</strong>s.<br />

Descontan<strong>do</strong> estes casos, constatamos que no interior <strong>da</strong>s pala-<br />

vras <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> propriamente ditas só há hiatos<br />

que constam <strong>de</strong> duas vogais simples e ditongos, mas nenhuns<br />

tritongos.<br />

1.2.1.8.1 Hiatos<br />

No crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> só há hiatos nos quais uma <strong>da</strong>s duas<br />

vogais forma o núcleo <strong>da</strong> sílaba acentua<strong>da</strong> <strong>da</strong> palavra em ques-<br />

tão. O único hiato que ocorre com alguma frequência é o tipo<br />

[ᛌeǠ] (cf. bea s. 'veia', fea s./adj. 'feia', mea s. 'meias',<br />

nlea v. 'aplicar penso em (feri<strong>da</strong>)', rea s. 'areia', (lua) xea<br />

s. '(lua) cheia', aldêa s. 'al<strong>de</strong>ia', bulêa s. 'boleia', idêa<br />

s. 'i<strong>de</strong>ia', morêa s. 'moreia'). Em dia s. 'dia' e kria v.<br />

'criar(-se)' ocorre o hiato [ᛌiǠ], e nos <strong>do</strong>is pronomes pesso-<br />

ais ael 'ele, ela', aes 'eles, elas' o hiato [Ǡᛌe]. O substan-<br />

tivo saúdi 'saú<strong>de</strong>' e o verbo raúni 'reunir' têm [Ǡᛌu], o sub-<br />

stantivo raínha tem [Ǡᛌi]. Para o uso e não uso <strong>do</strong> acento grá-<br />

fico nos hiatos remetemos o leitor para 2.2.2.<br />

1.2.1.8.2 Ditongos<br />

Na<strong>da</strong> se opõe a uma análise bifonemática <strong>do</strong>s ditongos <strong>do</strong><br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Quer dizer que to<strong>do</strong>s os seus ditongos po-<br />

<strong>de</strong>m ser interpreta<strong>do</strong>s como sequências <strong>de</strong> <strong>do</strong>is fonemas vocáli-


cos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma só sílaba <strong>do</strong>s quais ca<strong>da</strong> um ocorre também,<br />

noutras palavras, sem vir acompanha<strong>do</strong> pelo outro.<br />

Dos <strong>do</strong>is fonemas vocálicos que juntos formam um ditongo, a<br />

vogal on<strong>de</strong> se atinge o pico <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> chama-se cen-<br />

tral, e a outra marginal. Se as duas vogais diferem no grau <strong>de</strong><br />

abertura, a central costuma ser a mais aberta.<br />

Caso a vogal central ocupe o primeiro lugar na ca<strong>de</strong>ia fó-<br />

nica, os estudiosos <strong>da</strong>s línguas românicas falam em ditongo<br />

'<strong>de</strong>crescente'. Nos ditongos <strong>de</strong>crescentes, a segun<strong>da</strong> vogal é<br />

inteiramente 'implosiva', quer dizer que a sua percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

vai diminuin<strong>do</strong> ao longo <strong>da</strong> sua realização. Assim, por exemplo,<br />

em rei [ᛌre] s. 'rei'.<br />

Caso a vogal central <strong>do</strong> ditongo ocupe o segun<strong>do</strong> lugar na<br />

ca<strong>de</strong>ia fónica, os estudiosos <strong>da</strong>s línguas românicas falam em<br />

ditongo 'crescente'. Nestes ditongos, é a primeira vogal que é<br />

a marginal. E esta é inteiramente 'explosiva', quer dizer que<br />

a sua percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> vai aumentan<strong>do</strong> ao longo <strong>da</strong> sua realiza-<br />

ção. Assim acontece, por exemplo, em disviâ [dizᛌvjǠ] v. '<strong>de</strong>s-<br />

viar'.<br />

A<strong>do</strong>tamos o uso amplamente difundi<strong>do</strong> <strong>de</strong> chamar as vogais<br />

inteiramente implosivas <strong>do</strong>s ditongos 'semivogais' e as intei-<br />

ramente explosivas 'semiconsoantes'. Nas vogais centrais, há<br />

uma fase explosiva que prece<strong>de</strong> o pico <strong>de</strong> percetibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e uma<br />

fase implosiva que o segue.<br />

O crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> tem muitos ditongos orais e poucos<br />

ditongos nasaliza<strong>do</strong>s. Nos ditongos orais a relação numérica<br />

entre ditongos crescentes e ditongos <strong>de</strong>crescentes está mais ou<br />

menos equilibra<strong>da</strong>. Os poucos ditongos nasaliza<strong>do</strong>s são to<strong>do</strong>s<br />

ditongos crescentes. Só as vogais mais fecha<strong>da</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong>, /i/ e /u/, po<strong>de</strong>m funcionar como vogais marginais nos<br />

seus ditongos. Quan<strong>do</strong> funcionam como semiconsoantes, transcre-<br />

vemo-las – em transcrição fonética - como [j] e [w], quan<strong>do</strong><br />

funcionam como semivogais, como [] e [ ].<br />

Quase to<strong>do</strong>s os ditongos teoricamente possíveis, ten<strong>do</strong> em<br />

conta o que acabamos <strong>de</strong> constatar, ocorrem efetivamente no<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. E os poucos que não se encontram no seu<br />

léxico 'normal' aparecem em interjeições expressivas ou onoma-<br />

topaicas.


Ditongos orais <strong>de</strong>crescentes com [] implosivo:<br />

[e] lei s., mei s., rei s., etc.<br />

[ǫ] réiba s. (variante <strong>de</strong> ráiba)<br />

[a] fáita s. e v. (variante <strong>de</strong> fálta), káika v. (varian-<br />

te <strong>de</strong> kálka), káisa s. (variante <strong>de</strong> kálsa), ráiba s.,<br />

sáibu s., etc.<br />

[Ǡ] bai v., mai s., kai v., rai s. (variante <strong>de</strong> rei)<br />

s., sai v., balai s., distrai v., papai s., raiba<br />

v., sais s./adj. num., etc.<br />

[Ǥ] molói adj., bóina s., bóisa s. (variante <strong>de</strong> bólsa),<br />

bóita s. (variante <strong>de</strong> bólta), dizóitu s./adj. num.,<br />

etc.<br />

[o] boi s., foi v., poi v., noibu s., oiténta s./adj.<br />

num., etc.<br />

[u] diskui<strong>da</strong> v., muitu adv., ku(i)dádu s., etc.<br />

Ditongos orais <strong>de</strong>crescentes com [ ] implosivo:<br />

[i ] fiu s., briu s., etc.<br />

[e ] djeu s., freu s., meu (em di meu poss.), txeu adj.,<br />

ju<strong>de</strong>u s./adj., liseu s., muzeu s., pineu s., piteu s.,<br />

txapeu s., etc.<br />

[ǫ ] Déus s., séu s., etc.<br />

[Ǡ ] só em sílaba átona: kautéla s., etc.<br />

[a ] gráu s., káu s., náu adv., máu adj., áula s., fláuta<br />

s., Káuberdi s., etc.<br />

[o ] não <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong><br />

[Ǥ ] não <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>, cf. porém o onomatopaico Póu!<br />

Ditongos orais crescentes com [j] explosivo:<br />

[je] fiel adj. 'fiel', etc.


[jǫ] f(i)él s. 'fel', etc.<br />

[jǠ] alegriâ s., barbariâ s., falsiâ s., kadiâ s., pasia<br />

v., simia v., stória s., idial adj., E kiria-l, etc.<br />

[ja] Diábu s., kiriádu s./adj., Santiágu s., viáji s.,<br />

etc.<br />

[ju] palásiu s., sériu adj., sitiu s., etc.<br />

[jo] kriolu s., piodju s., piora v., tioxi adv., nasional<br />

adj., etc.<br />

[jǤ] Diós s., mandióka s., pióra s., vióla s., etc.<br />

Ditongos orais crescentes com [w] explosivo:<br />

[wi] juis s., etc.<br />

[we] duedju s., kueru s., E due-l, etc.<br />

[wǫ] guéla s., kuéka s., mué<strong>da</strong> s., etc.<br />

[wǠ] kontinua v., lingua s., pazigua v., ku el (cf.<br />

10.1.4.2), etc.<br />

[wa] bua v., rua s., guár<strong>da</strong> s., kuártu s., kuátu s./adj.<br />

num., etc.<br />

[wo] suor s. (variante <strong>de</strong> soris s.)<br />

[wǤ] não <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong><br />

Nos registos mais influencia<strong>do</strong>s pelo português, ocorre um<br />

número relativamente alto <strong>de</strong> ditongos nasaliza<strong>do</strong>s. No crioulo<br />

mais fun<strong>do</strong> são muito menos frequentes e sempre crescentes:<br />

[jǠ] fian-fian v., pian-pian v., kunfiánsa s., etc.<br />

[jo] avion s., okazion s., pion s., etc.<br />

[we] duense v.<br />

[wǫ] duénsa s.<br />

Nasalizam-se ambas as vogais <strong>de</strong> um ditongo nasaliza<strong>do</strong>, mas<br />

visto esta nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> ser muito menos percetível na vogal mar-<br />

ginal, não a marcamos nas nossas transcrições fonéticas.<br />

Como se vê pelos exemplos forneci<strong>do</strong>s sob 1.2.1.8.2, também<br />

nos ditongos só ocorrem vogais abertas em sílaba tónica.


1.2.2 Fonemas consonânticos<br />

1.2.2.1 Inventário<br />

A varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> <strong>de</strong>scrita nesta gramáti-<br />

ca dispõe <strong>de</strong> 17 fonemas consonânticos orais, aos quais corres-<br />

pon<strong>de</strong>m outros tantos fonemas consonânticos (pré-) nasaliza<strong>do</strong>s,<br />

chama<strong>do</strong>s também <strong>de</strong> 'seminasais' ('Halbnasale', cf. Trubetzkoy<br />

1971: 164/165). Justificaremos a hipótese <strong>da</strong> existência <strong>de</strong>stas<br />

consoantes nasaliza<strong>da</strong>s em 1.2.2.1.2 (porém, compare-se já<br />

1.2.0).<br />

Acrescem a estes os três fonemas consonânticos nasais /m/,<br />

/n/ e /Ȃ/ e um /j/ ('i consonântico') mal integra<strong>do</strong> no sistema<br />

cuja realização usual como fricativa palatal sem sibilo trans-<br />

crevemos (por ex. em móia [ᛌmǤjǠ] s. 'promoção comercial')<br />

usan<strong>do</strong> o mesmo [j] que utilizamos para a transcrição <strong>da</strong> va-<br />

riante semiconsoante <strong>do</strong> fonema vocálico /i/ (por ex. em pueziâ<br />

[pweᛌzjǠ] s. 'poesia'). Não há, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, uma<br />

contraparti<strong>da</strong> velar /w/ para este /j/ consonântico, pois não<br />

se encontra, nem no início, nem em posição intervocálica <strong>da</strong>s<br />

palavras <strong>do</strong> santiaguense, nenhum [w]. Para além disso, em po-<br />

sição inicial <strong>de</strong> palavra este som só se encontra em algumas<br />

interjeições onomatopaicas <strong>do</strong> tipo Uin! [ᛌwi(ŋ)] 'Pum!', Uis!<br />

[ᛌwis] 'Zás!' e em alguns estrangeirismos ain<strong>da</strong> mal integra<strong>do</strong>s,<br />

como uiski [ᛌwiski] s. 'whisky'.<br />

O número total <strong>de</strong> fonemas consonânticos <strong>da</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> que estamos a <strong>de</strong>screver ascen<strong>de</strong> assim a 38<br />

(cf. espanhol europeu 19, alemão 19-20 e francês 18). Devi<strong>do</strong> à<br />

sua posição isola<strong>da</strong> no sistema, prescindimos <strong>do</strong> /j/ no inven-<br />

tário <strong>do</strong>s fonemas consonânticos que em segui<strong>da</strong> se apresenta.


(lb. = labial, dt. = <strong>de</strong>ntal, pl. = palatal, vl. = velar, ocl.<br />

= oclusivo, fric. = fricativo, l. = líqui<strong>do</strong>, sd. = sur<strong>do</strong>, vz.<br />

= vozea<strong>do</strong>, int. = interrompi<strong>do</strong>, con. = contínuo)<br />

Os exemplos que se seguem apresentam ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>stes fone-<br />

mas consonânticos em posição inicial.<br />

orais nasaliza<strong>da</strong>s<br />

lb. dt. pl. vl. lb. dt. pl. vl.<br />

oclusivas p t c k sd. p t c k<br />

b d<br />

fricativas f s<br />

Fonemas consonânticos orais: pai /ᛌpǠi/ s. 'pai', totis<br />

/ᛌtotis/ s. 'nuca, toutiço', txá<strong>da</strong> /ᛌcadǠ/ s. 'planície', kása<br />

/ᛌkasǠ/ s. 'casa', bárba /ᛌbarbǠ/ s. 'barba', dia /ᛌdiǠ/ s.<br />

'dia', djunta /ᛌǯutǠ/ v. 'reunir(-se)', gálu /ᛌgalu/ s. 'galo',<br />

fase /ᛌfǠsi/ v. 'fazer', sála /ᛌsalǠ/ s. 'sala', xá /ᛌʃa/ s.<br />

'chá', viáji /ᛌviaʒi/ s. 'viagem', zóna /ᛌzǤnǠ/ s. 'zona', juis<br />

/ᛌʒuis/ s. 'juiz, juízo', ráiba /ᛌraibǠ/ s. 'raiva', lárga<br />

/ᛌlargǠ/ v. 'largar'. Nos <strong>da</strong><strong>do</strong>s que recolhemos até ao momento,<br />

o fonema /ʎ/ apenas ocorre em posição medial, i.e. no interior<br />

<strong>de</strong> palavra (cf. por ex. <strong>ilha</strong> /ᛌiʎǠ/ s. '<strong>ilha</strong>').<br />

ǯ<br />

ʃ<br />

g vz. b d ǯ g<br />

sd. f s ʃ<br />

v z ʒ vz. v z ʒ<br />

líqui<strong>da</strong>s r int. r<br />

nasais m n<br />

l ʎ con. l (ʎ)<br />

Ȃ<br />

Fonemas consonânticos nasaliza<strong>do</strong>s: npára /ᛌparǠ/ v. 'apa-<br />

nhar, amparar', nton /ᛌtõ/ adv. 'então', ntxádu /ᛌcadu/ adj.


(variante <strong>de</strong> intxádu) 'incha<strong>do</strong>', nkontra /ᛌkotrǠ/ v. 'encon-<br />

trar(-se)', nburdia /ᛌburdiǠ/ v. 'embrulhar(-se)', n<strong>do</strong>xa /ᛌ<strong>do</strong>ʃǠ/<br />

v. 'ficar <strong>do</strong>ce', ndjudjun /ᛌǯuǯũ/ adj. 'em jejum', nguli /ᛌguli/<br />

v. 'engolir', nforka /ᛌforkǠ/ v. 'enforcar(-se)', nso<strong>da</strong> /ᛌsodǠ/<br />

v. 'distrair(-se)', nxina /ᛌʃinǠ/ v. 'ensinar', nvira /ᛌvirǠ/ v.<br />

'ter-se raiva <strong>de</strong> alguém', nzámi /ᛌzami/ s. 'exame', Njenhu<br />

/ᛌǯeȂu/ s. Ortsname, nliona /ᛌlionǠ/ v. 'irritar-se'. Para / /<br />

não encontrámos até agora nenhum exemplo; para /r/ apenas en-<br />

contrámos exemplos <strong>de</strong> ocorrência no interior <strong>da</strong> palavra (cf.<br />

ónra /ᛌǤrǠ/ s. 'honra').<br />

Fonemas consonânticos nasais: mai /ᛌmǠi/ s. 'mãe', ná<strong>da</strong><br />

/ᛌnadǠ/ v. 'na<strong>da</strong>r', nho /ᛌȂo/ pron. pess. 'o senhor'.<br />

'iate'.<br />

/j/: ian<strong>do</strong>n /jǠnᛌdõ(ŋ)/ adj. 'silencioso', iáti /ᛌjati/ s.<br />

1.2.2.1.1 O fonema /ŋ/<br />

Tanto Manuel Veiga (cf. 1996: 78/79 e 86) como Nicolas<br />

Quint (cf. 2000: 27/28) admitem, mesmo que com restrições, a<br />

existência, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, <strong>de</strong> um fonema consonântico<br />

velar /ŋ/. Elevam, assim, o número <strong>do</strong>s fonemas consonânticos<br />

nasais a quatro (/m/, /n/, /Ȃ/ e /ŋ/). Para tal, não invocam<br />

os [ŋ] que ocorrem em transições silábicas nasais antes <strong>de</strong><br />

consoantes oclusivas (cf. 1.2.0), nem os que se ouvem, na ma-<br />

ioria <strong>do</strong>s falantes, após as vogais nasais antes <strong>de</strong> uma pausa<br />

ou <strong>de</strong> uma palavra começa<strong>da</strong> por vogal (cf. 1.2.1.1). De facto,<br />

to<strong>do</strong>s estes [ŋ] po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s reflexos <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fonemas nasais adjacentes (cf. <strong>de</strong> novo 1.2.0). Os autores<br />

alegam palavras que começam por [ŋ] segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> vogal. Uma vez<br />

que, nesta posição, este som se opõe às outras três consoantes<br />

nasais, a existência <strong>de</strong> tais palavras prova efetivamente a<br />

existência <strong>do</strong> fonema /ŋ/.


O dicionário mais abrangente <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> entre<br />

os publica<strong>do</strong>s por Nicolas Quint regista oito palavras <strong>de</strong>ste<br />

tipo: ŋánha s. 'trognon d'épis <strong>de</strong> maïs', ŋanhi v. 'ronger'<br />

(cf. wolof ŋaaŋ 'mordre'), ŋanhóma s. 'plante urticante', ŋápu<br />

interj. 'miam, gnarp', ŋás-ŋás interj. imitant le bruit que<br />

font les mâchoires 'miam-miam', ŋrámu-ŋrámu s. 'fait <strong>de</strong> bou-<br />

gonner, <strong>de</strong> maugréer, <strong>de</strong> parler tout seul sans faire attention<br />

aux autres', ŋuli v. 'regar<strong>de</strong>r du coin <strong>de</strong> l'oeil, fusiller du<br />

regard, regar<strong>de</strong>r <strong>de</strong> travers' (cf. mandinka ŋùlu 'regar<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

travers'), ŋus-ŋus interj. imitant le bruit <strong>de</strong> la canne à su-<br />

cre qui passe <strong>da</strong>ns le moulin à canne (cf. Quint 1999: 181).<br />

É significativo que nenhuma <strong>de</strong>stas palavras disponha <strong>de</strong><br />

uma etimologia portuguesa reconheci<strong>da</strong>. Nem aquelas para as<br />

quais Quint não encontrou qualquer correspondência nas línguas<br />

<strong>do</strong> Oeste africano. Também estas parecem ser <strong>de</strong> origem africana<br />

ou onomatopaica (para a ocorrência e o status <strong>de</strong> [ŋ] nas lín-<br />

guas africanas remetemos o leitor para Creissels (1994: 123-<br />

126).<br />

Portanto, não po<strong>de</strong> haver dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que um fonema consonân-<br />

tico /ŋ/ existe realmente em algumas <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> santia-<br />

guense toma<strong>da</strong>s em conta por Manuel Veiga e Nicolas Quint. Po-<br />

rém, não parece menos seguro que as varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s em questão se<br />

encontrem circunscritas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito, a zonas relativamente<br />

isola<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>ilha</strong>.<br />

De facto, nenhuma <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scrições <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> <strong>do</strong><br />

século XIX menciona um som [ŋ] (cf. Coelho 1880, Costa/Duarte<br />

1886 e Brito 1887). Também os transcritores <strong>da</strong> coletânea Na<br />

bóka noti I (Silva 2004) passaram bem sem símbolo ortográfico<br />

para um fonema /ŋ/. Os nossos informantes (incluin<strong>do</strong> a família<br />

<strong>do</strong> nosso colabora<strong>do</strong>r André <strong>do</strong>s Reis Santos, resi<strong>de</strong>nte a meio<br />

caminho entre Praia e Assoma<strong>da</strong>, em João Teves) ou não conhe-<br />

ciam as palavras em questão, ou pronunciavam-nas <strong>de</strong> outro mo-<br />

<strong>do</strong>. Consequentemente, o nosso Dicionário regista só três <strong>de</strong>s-<br />

sas oito palavras, que aí aparecem começan<strong>do</strong> por /g/ (ngánha,<br />

nganhóma), por /g/ (ganhóma, variante <strong>de</strong> nganhóma) ou por /Ȃ/<br />

(nhápu).<br />

Ficamos com a impressão <strong>de</strong> que a maioria <strong>do</strong>s habitantes <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong> que conhecem as palavras as pronunciam hoje <strong>de</strong> outro<br />

mo<strong>do</strong>. E por isso prescindimos, no nosso inventário <strong>do</strong>s fonemas


consonânticos <strong>do</strong> santiaguense, <strong>de</strong>sse /ŋ/, manten<strong>do</strong>-nos fiéis<br />

ao propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver um crioulo médio, que não causa es-<br />

tranheza nem na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> nem no campo.<br />

1.2.2.1.2 Os fonemas consonânticos nasaliza<strong>do</strong>s<br />

O problema <strong>da</strong> existência ou inexistência <strong>de</strong> fonemas consonân-<br />

ticos nasaliza<strong>do</strong>s coloca-se para to<strong>da</strong>s as línguas que, no iní-<br />

cio <strong>da</strong>s palavras, apresentam, a nível fonético, sequências<br />

consonânticas homorgânicas <strong>do</strong> tipo 'consoante nasal que não<br />

constitui sílaba + consoante' (cf. Creissels 1994: 46). E é<br />

precisamente o que se verifica abun<strong>da</strong>ntemente no crioulo <strong>de</strong><br />

<strong>Santiago</strong>, como o confirmam as transcrições fonéticas <strong>da</strong>s pala-<br />

vras seguintes, já utiliza<strong>da</strong>s acima: npára [ᛌmparǠ] v., nton<br />

[ᛌnto(ŋ)] adv., ntxádu [ᛌȂcadu] adj. (variante <strong>de</strong> intxádu), nko-<br />

ntra [ᛌŋkontrǠ] v., nburdia [ᛌmburdjǠ] v., n<strong>do</strong>xa [ᛌn<strong>do</strong>ʃǠ] v.,<br />

ndjudjun [Ȃǯuᛌǯu(ŋ)] adj., nguli [ᛌŋguli] v., nforka [ᛌɱforkǠ]<br />

v., nso<strong>da</strong> [ᛌnsodǠ] v., nxina [ᛌȂʃinǠ] v., nvira [ᛌɱvirǠ] v., nzá-<br />

mi [ᛌnzami] s., Njenhu [ᛌȂǯeȂu] s., nliona [ᛌnljonǠ] v. Devemos<br />

consi<strong>de</strong>rar os complexos consonânticos iniciais <strong>de</strong>stas palavras<br />

como fonemas únicos ou como sequências <strong>de</strong> <strong>do</strong>is fonemas?<br />

A existência, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, <strong>de</strong> fonemas consonân-<br />

ticos nasaliza<strong>do</strong>s ain<strong>da</strong> não é admiti<strong>da</strong> por to<strong>do</strong>s os especia-<br />

listas. John Holm não menciona o caboverdiano entre os criou-<br />

los atlânticos que, segun<strong>do</strong> as suas informações, po<strong>de</strong>riam dis-<br />

por <strong>de</strong> oclusivas nasaliza<strong>da</strong>s (cf. Holm 1988/1989: I, 4.6.2). A<br />

sua existência no crioulo estreitamente aparenta<strong>do</strong> <strong>da</strong> Guiné-<br />

Bissau é objeto <strong>de</strong> discussão - cf. o resumo <strong>de</strong>sta discussão em<br />

Couto (1994: 69-71). A afirmação <strong>da</strong> sua existência precisa,<br />

portanto, <strong>de</strong> uma pormenoriza<strong>da</strong> justificação. A nossa encontra-<br />

se em 1.2.0, on<strong>de</strong> invocámos como argumentos a intuição <strong>do</strong>s<br />

próprios falantes e a simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição fonológica re-<br />

sultante. De facto, admitir a existência <strong>de</strong> fonemas consonân-<br />

ticos nasaliza<strong>do</strong>s no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> permite uma análise<br />

unitária <strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> transições silábicas que, neste crioulo,


se encontram em distribuição complementar. A história <strong>da</strong> es-<br />

crita <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> fornecer-nos-á mais indícios em<br />

favor <strong>da</strong> nossa interpretação (cf. 2.2.1).<br />

1.2.2.1.3 O estatuto <strong>de</strong> /v/, /z/, /ʒ/, /ʎ/ (/v/, /z/, /ʒ/ / ʎ/)<br />

O estatuto <strong>de</strong> quatro fonemas consonânticos orais <strong>do</strong> san-<br />

tiaguense (e <strong>do</strong>s seus correspon<strong>de</strong>ntes nasais) é precário. Ao<br />

que sabemos, o crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> não dispunha, originalmen-<br />

te, <strong>do</strong>s fonemas /v/, /z/, /ʎ/ e, talvez, nem <strong>do</strong> /ʒ/. Provavel-<br />

mente, não dispunha sequer <strong>do</strong>s sons [v], [ʎ], [ʒ] como varian-<br />

tes <strong>de</strong> outros fonemas em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s contextos fónicos. Os<br />

criouliza<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> veriam nos [v], [ʒ], [ʎ] e, em posi-<br />

ção intervocálica, também nos [z] <strong>do</strong> português realizações um<br />

tanto aberrantes <strong>de</strong> fonemas <strong>do</strong> tipo /b/, /ʃ/, /ǯ/ e /s/ que<br />

existiam nas suas línguas ancestrais. Por conseguinte, repro-<br />

duzi-los-iam como [b], [ʃ], [ǯ] e [s].<br />

Os novos fonemas crioulos /v/, /z/, /ʒ/ e / ʎ/ surgiriam<br />

posteriormente graças a empréstimos, principalmente <strong>do</strong> portu-<br />

guês, nos quais os sons em questão <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser substituí-<br />

<strong>do</strong>s por [b], [s], [ʃ] e [ǯ]. Os quatro novos fonemas (i.e. /v/,<br />

/z/, /ʒ/ e /ʎ/) integraram-se bem no sistema consonântico <strong>do</strong><br />

crioulo santiaguense, visto constituírem apenas combinações <strong>de</strong><br />

traços distintivos pré-existentes.<br />

1.2.2.1.3.1 O /v/ está já plenamente naturaliza<strong>do</strong>, graças a<br />

empréstimos <strong>do</strong> português. Veiga (1982: 35) remete para pala-<br />

vras crioulas como ravuluson s. 'revolução', provérbi s. 'pro-<br />

vérbio', variánti s. 'variante', vérbu s. 'verbo', vira s.<br />

'vira (<strong>da</strong>nça popular portuguesa)'. O verbo crioulo vira 'vi-<br />

rar(-se), etc.' < pg. virar forma hoje um par mínimo com o su-<br />

cessor mais antigo <strong>do</strong> mesmo étimo português, cs. bira, que fi-<br />

cou restringi<strong>do</strong> ao papel <strong>de</strong> auxiliar na perífrase bira ta fase<br />

'começar a fazer' ou <strong>de</strong> cópula em empregos <strong>do</strong> tipo E bira


prontu 'Convalesceu', E bira un kabálu 'Transformou-se num ca-<br />

valo'. Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> cs. vive 'viver', temos o adjetivo bibu 'vi-<br />

vo, com vi<strong>da</strong>'. Para a maioria <strong>do</strong>s falantes há, pois, palavras<br />

que pronunciam regularmente com [b] (bá v. 'ir', ben v. 'vir',<br />

bitxu s. 'bicho, animal', bolsu s. 'bolso', bota v. 'atirar',<br />

bunitu adj. 'bonito', riba prep. 'sobre, acima', sabidu 'es-<br />

perto, astuto', etc.) e outras que pronunciam regularmente com<br />

[v] (verdádi s. ver<strong>da</strong><strong>de</strong>', vólta s. 'volta', vontádi s. 'vonta-<br />

<strong>de</strong>', árvi s. 'árvore', averis s. 'haveres', etc.). Mas também<br />

<strong>de</strong>ve ain<strong>da</strong> haver falantes e registos sem oposição entre [b] e<br />

[v]. Na coletânea <strong>de</strong> contos Na bóka noti I encontram-se viáji<br />

s. 'viagem', verdádi, vinti num. '20', razolve v. 'resolver',<br />

próva s. 'prova', sálva s. cerimónia que faz parte <strong>da</strong> tabanka,<br />

favor s. 'favor', mas <strong>de</strong> forma esporádica também biáji, berdá-<br />

di, binti, razolbe, próba, sálba e fabor.<br />

1.2.2.1.3.2 A situação a respeito <strong>de</strong> /z/ apresenta-se mais<br />

complica<strong>da</strong>. Como variante combinatória <strong>de</strong> /s/ antes <strong>de</strong> con-<br />

soante vozea<strong>da</strong>, [z] po<strong>de</strong> ter existi<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as origens <strong>do</strong><br />

crioulo santiaguense. Mas, entretanto, [z] ocorre também –<br />

salvo nos registos crioulos mais conserva<strong>do</strong>res – no início <strong>da</strong><br />

palavra (por ex. em cs. zóna s. 'zona') ou em posição intervo-<br />

cálica (por ex. em cs. <strong>do</strong>zi num. '12'), isto é, em contextos<br />

fónicos anteriormente reserva<strong>do</strong>s a [s]. Para que tal suce<strong>da</strong>, é<br />

suficiente que a palavra correspon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> português tenha<br />

/z/. Houve, portanto, uma fonologização <strong>do</strong> [z]. A coexistência<br />

entre fase v. 'fazer', kása s. 'casa', kasamentu s. 'casamen-<br />

to', kusa s. 'coisa', rapasinhu s. 'menino, rapaz(inho)', tar-<br />

se (sic) v. 'trazer' com [s], no 'kriolu fundu', e <strong>de</strong> faze,<br />

káza, kazamentu, koza (bastante raro), rapazinhu e traze com<br />

[z], no 'kriolu lévi', mostra o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> evolução sob a in-<br />

fluência continua<strong>da</strong> <strong>do</strong> português. Há um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

palavras que, em Na bóka noti I, aparecem já regularmente gra-<br />

fa<strong>da</strong>s com z (por ex. báza v. 'cair, vazar, bater', <strong>do</strong>zi num.<br />

'12', gazádja v. 'receber, agasalhar', izámi s. 'exame', kázu<br />

s. (a)caso', kuázi quant. 'quase', razolve v. 'resolver', fra-<br />

kéza s. 'fraqueza', zangádu adj. 'zanga<strong>do</strong>', zóna s. 'zona').<br />

No que se refere ao fonema nasaliza<strong>do</strong> /z/ (cf. por ex. a va-<br />

riante nzámi 'exame' <strong>do</strong> s. izámi), po<strong>de</strong>mos hipotetizar que


surgiu paralelamente ao fonema oral /z/.<br />

1.2.2.1.3.3 Quanto a /ʒ/ e /ʒ/, a situação assemelha-se à <strong>de</strong><br />

/z/ e /z/, só que, neste caso, não há motivos para contarmos<br />

com a existência <strong>de</strong> uma variante combinatória [ʒ], <strong>de</strong> /ʃ/, no<br />

crioulo primitivo. De facto, as fricativas palatais <strong>do</strong> santia-<br />

guense não ocorrem antes <strong>de</strong> consoante vozea<strong>da</strong>. O significa<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> muitas palavras crioulas que contêm /ʒ/ ou /ʒ/ sugere que se<br />

trata <strong>de</strong> empréstimos recentes <strong>do</strong> português (cf. jélu s. 'ge-<br />

lo', jésu s. 'gesso', jóia s. 'jóia(s)', njinheru s. 'enge-<br />

nheiro', lojikamenti adv. 'logicamente', etc.). Outras parecem<br />

muito mais antigas, apesar <strong>de</strong> se pronunciarem com [ʒ] ou [ʒ]<br />

(Njenhu, Son Jorji topónimos, ránja v. 'arranjar', lonji adv.<br />

'longe', finji v. 'fingir', igreja s. 'igreja', etc.). Mas é<br />

<strong>de</strong> novo significativa a coexistência <strong>de</strong> fixon e fijon s. 'fei-<br />

jão', oxi e oji adv. 'hoje', grexa (58/7) e igreja s. 'igreja'<br />

em Na bóka noti I.<br />

1.2.2.1.3.4 Os registos crioulos que já dispõem <strong>de</strong> um fonema<br />

/ʎ/ <strong>de</strong>vem ser ain<strong>da</strong> menos numerosos que os que já dispõem <strong>do</strong>s<br />

fonemas /v/, /z/ e /ʒ/. Na coletânea <strong>de</strong> contos Na bóka noti I<br />

são raras as palavras que se escrevem regularmente com lh,<br />

como marav<strong>ilha</strong>, milhár e bilheti. Outras, que aparecem ocasio-<br />

nalmente grafa<strong>da</strong>s com lh, apresentam caraterísticas que, cla-<br />

ramente, mostram estarmos perante empréstimos recentes <strong>do</strong> por-<br />

tuguês (f<strong>ilha</strong> s. em vez <strong>de</strong> fidju fémia 'f<strong>ilha</strong>', olhus ao la<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> odju s. 'olho(s)', vélhu ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> bédju adj. 'velho'<br />

etc.). Daí que haja pouco espaço para dúvi<strong>da</strong>s relativamente ao<br />

caráter recente <strong>de</strong> palavras como mulher, olhár, p<strong>ilha</strong>, <strong>ilha</strong>,<br />

etc. (cf. também Veiga 1982: 39). Aliás, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>ilha</strong> temos<br />

as <strong>de</strong>signações tradicionais Djarfogu, Djarmáiu para a <strong>ilha</strong> <strong>do</strong><br />

Fogo e a <strong>ilha</strong> <strong>de</strong> Maio. Como já dissemos, ain<strong>da</strong> não encontrámos<br />

<strong>do</strong>cumentação para a correspondência nasaliza<strong>da</strong> */ʎ/ <strong>do</strong> fonema<br />

/ʎ/.<br />

Para to<strong>do</strong>s os fonemas trata<strong>do</strong>s neste parágrafo 1.2.2.1.3<br />

vale em menor ou maior medi<strong>da</strong> o que disse Rosine Santos em


1979, no congresso <strong>de</strong> Min<strong>de</strong>lo: "... il faut prévoir <strong>de</strong>s<br />

phonèmes périphériques apparaissant <strong>da</strong>ns <strong>de</strong>s mots d'introduc-<br />

tion plus récente ou d'un niveau <strong>de</strong> langue plus 'savant'"<br />

(Santos 1979: 59, cf. também ibi<strong>de</strong>m p. 68).<br />

1.2.2.2 Traço Distintivos<br />

Segun<strong>do</strong> o inventário <strong>da</strong><strong>do</strong> em 1.2.2.1, o crioulo <strong>de</strong> Santia-<br />

go distingue, no âmbito <strong>do</strong>s fonemas consonânticos, entre fone-<br />

mas orais, nasais e nasaliza<strong>do</strong>s, entre quatro pontos <strong>de</strong> arti-<br />

culação (labial, <strong>de</strong>ntal, palatal e velar), entre três mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong><br />

articulação (oclusivo, fricativo e líqui<strong>do</strong>), entre consoantes<br />

sur<strong>da</strong>s e sonoras (nas oclusivas e nas fricativas), e entre<br />

interrompi<strong>da</strong>s e contínuas (nas líqui<strong>da</strong>s).<br />

1.2.2.3 Pares mínimos<br />

Na medi<strong>da</strong> em que nos for possível, ilustraremos agora a<br />

relevância fonológica <strong>do</strong>s traços que acabamos <strong>de</strong> enumerar ale-<br />

gan<strong>do</strong> pares mínimos (para a <strong>de</strong>finição e utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stes, cf.<br />

1.1.5). Enumeraremos, no <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong>s consoantes orais e na-<br />

sais, to<strong>da</strong>s as oposições diretas, indican<strong>do</strong> também aquelas pa-<br />

ra as quais não encontrámos nenhum par mínimo. Quanto às con-<br />

soantes nasaliza<strong>da</strong>s, limitar-nos-emos a exemplificar, para ca-<br />

<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las, a oposição com a consoante oral e – se a houver<br />

– a consoante nasal correspon<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>sta vez na medi<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

possível em posição inicial e intervocálica (a respeito <strong>da</strong>s<br />

consoantes nasaliza<strong>da</strong>s em posição intervocálica remetemos mais<br />

uma vez para o que se disse em 1.2.0 sobre as transições silá-<br />

bicas globalmente nasaliza<strong>da</strong>s.)<br />

labial/<strong>de</strong>ntal:<br />

p/t lápa s. 'lapa, gruta' / láta s. 'lata'<br />

b/d roba v. 'roubar' / ro<strong>da</strong> v. 'ro<strong>da</strong>r'<br />

f/s fálta s. 'falta' / sálta v. 'saltar'<br />

v/z cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo próva s. 'prova' / róza<br />

s. 'rosa'<br />

m/n mos s. 'jovem, rapaz' / nos pron. pess. 'nós', káma


s. 'cama' / kána s. 'cana-<strong>de</strong>-açúcar'<br />

labial/palatal:<br />

p/c pon s. 'pão' / txon s. 'chão'<br />

b/ǯ bába s. 'baba' / bádja v. '<strong>da</strong>nçar, bailar'<br />

f/ʃ báfa s. 'petiscos' / báxa v. 'baixar'<br />

v/ʒ cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo vóita (var. <strong>de</strong> vólta s.)<br />

'volta' / jóia s. 'jóia(s)'<br />

m/Ȃ kema v. 'queimar' / kenha pronome interrogativo<br />

'quem?'<br />

labial/velar:<br />

p/k pása v. 'passar' / kása v. 'casar'<br />

b/g bánha s. 'gordura, banha' / gánha v. 'ganhar'<br />

<strong>de</strong>ntal/palatal:<br />

t/c mátu s. 'mato' / mátxu adj. 'macho'<br />

d/ǯ bádu (pa Práia) 'vai-se (à Praia)' / bádju s. '<strong>da</strong>n-<br />

ça, baile'<br />

s/ʃ misa s. 'missa' / mixa v. 'urinar'<br />

z/ʒ cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo zangádu adj. 'zanga<strong>do</strong>' /<br />

jánta (var. <strong>de</strong> djánta v.) 'jantar'<br />

l/ʎ ila (midju) v. 'torrar (milho)' / <strong>ilha</strong> s. '<strong>ilha</strong>'<br />

n/Ȃ nos pron. pess. 'nós' / nhos pron. pess. 'os senho-<br />

res, as senhoras'<br />

<strong>de</strong>ntal/velar:<br />

t/k tása s. 'taça' / kása s. 'casa'<br />

d/g <strong>de</strong>nti s. '<strong>de</strong>ntes' / genti s. 'gente'<br />

palatal/velar:<br />

c/k kátxu (banána) s. 'cacho (<strong>de</strong> banana)' / káku (kabé-<br />

sa) s. 'cabeça'<br />

j/g pádja s. 'palha' / pága v. 'pagar'


sur<strong>do</strong>/vozea<strong>do</strong>:<br />

p/b lápa s. 'lapa' / lába v. 'lavar'<br />

t/d bóti s. 'bote' / bódi s. 'bo<strong>de</strong>'<br />

c/ǯ fitxa v. 'fechar' / fidja s. 'f<strong>ilha</strong>' (cr. l., em vez<br />

<strong>de</strong> fidju fémia no cr. f.)<br />

k/g séku adj. 'seco' / ségu adj. 'cego'<br />

f/v cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo fólga s. 'folga' / vólta<br />

s. 'volta'<br />

s/z cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo sángi s. 'sangue' /<br />

zánga v. 'zangar-se'<br />

ʃ/ʒ cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo xeru (var. <strong>de</strong> txeru s.)<br />

'cheiro' / jéru s. 'genro'<br />

oclusivo/fricativo:<br />

p/f pátu s. 'pato' / fátu s. 'fato'<br />

t/s káta v. 'apanhar <strong>do</strong> chão, <strong>de</strong>bicar, escolher' / kása<br />

s. 'casa'<br />

c/ʃ txutxa s. 'namora<strong>da</strong>' / xuxa v. 'sujar(-se)'<br />

b/v bira v. 'transformar-se em' / vira v. 'virar-se'<br />

d/z bá<strong>da</strong> anterior <strong>do</strong> verbo bá 'ir' / báza v. 'cair,<br />

vazar, espancar'<br />

ǯ/ʒ cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo djar s. '<strong>ilha</strong>' / jardin<br />

s. 'jardim'<br />

interrupto/contínuo:<br />

r/l mára v. 'amarrar' / mála s. 'arca'<br />

oral/nasal:<br />

b/m lába v. 'lavar' / láma s. 'lama'<br />

d/n dá<strong>da</strong> passivo <strong>do</strong> anterior <strong>do</strong> verbo <strong>da</strong> '<strong>da</strong>r' / ná<strong>da</strong> v.<br />

'na<strong>da</strong>r'<br />

ǯ/Ȃ bádju s. '<strong>da</strong>nça, baile' / bánhu s. 'banho'<br />

oral/nasaliza<strong>do</strong>:<br />

p/p pára v. '<strong>de</strong>ter(-se), parar' / npára v. 'apanhar, pa-<br />

rar', e, em vez <strong>de</strong> um par mínimo, konpo v. 'preparar<br />

comi<strong>da</strong>), arranjar-se para sair, etc.' / kópu s. 'copo'


t/t ton quantifica<strong>do</strong>r 'tão' / nton adv. 'então', keta v.<br />

'estar quieto' / kenta v. 'aquecer, esquentar', káta<br />

v. 'apanhar <strong>do</strong> chão, <strong>de</strong>bicar etc.' / kánta v. 'cantar'<br />

c/c em vez <strong>de</strong> um par mínimo txá<strong>da</strong> s. 'sítio plano, pla-<br />

nície' / ntxádu (var. <strong>de</strong> intxádu adj.) 'incha<strong>do</strong>' e, em<br />

vez <strong>de</strong> um par mínimo, rátxa v. 'rasgar(-se)' / ramá-<br />

ntxa v. 'acometer com palavras agressivas'<br />

k/k kánta v. 'cantar' / nkánta v. 'encantar' e koku s.<br />

'(noz <strong>de</strong>) coco' / konko v. 'bater, abanar, sacudir(-<br />

se'<br />

b/b bála s. 'bala' / nbála v. 'embalar', kába v. 'aca-<br />

bar' / kánba v. 'entrar, <strong>de</strong>saparecer, etc.'<br />

d/d em vez <strong>de</strong> um par mínimo ndreta v. 'endireitar-se' /<br />

dretu adj./adv. 'diretamente' e ró<strong>da</strong> s. 'ro<strong>da</strong>' / rón<strong>da</strong><br />

s. 'ron<strong>da</strong>', mudu adj. 'mu<strong>do</strong>' / mundu s. 'mun<strong>do</strong>'<br />

ǯ/ǯ cf. em vez <strong>de</strong> pares mínimos djuga v. 'jogar' / ndju-<br />

djun adj. 'em jejum' e djé-djé s. nome <strong>de</strong> uma erva /<br />

djendje (var. <strong>de</strong> genge v.) 'inclinar(-se)'<br />

g/g gána s. 'gana' / ngána v. 'enganar' e, em vez <strong>de</strong> um<br />

par mínimo, bága-bága s. 'formiga branca' / bangalé s.<br />

'enorme quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>'<br />

f/f fia v. '<strong>da</strong>r crédito, ven<strong>de</strong>r a crédito, fiar' / nfia<br />

v. 'enfiar' e, em vez <strong>de</strong> um par mínimo, kufóngu s.<br />

'espécie <strong>de</strong> broa <strong>de</strong> milho' / kunfia v. 'confiar'<br />

s/s cf. em vez <strong>de</strong> um par mínimo sodádi s. 'sau<strong>da</strong><strong>de</strong>' /<br />

nsodádu adj. 'distraí<strong>do</strong>' e pesa v. 'pesar' / pensa v.<br />

'pensar'<br />

ʃ/ʃ xuta v. '<strong>da</strong>r um pontapé, chutar' / nxuta v. 'secar,<br />

ficar enxuto' e, em vez <strong>de</strong> um par mínimo, koxa s. 'an-<br />

ca' / kónxa s. 'concha'<br />

v/v vira v. 'virar-se' / nvira v. 'ter-se raiva <strong>de</strong> al-<br />

guém' e, em vez <strong>de</strong> um par mínimo, konvinienti adj.<br />

'conveniente' / kovi (var. <strong>de</strong> kobi s.) 'couve'<br />

z/z cf., em vez <strong>de</strong> pares mínimos, zini v. 'ressoar, eco-<br />

ar' / nzámi (var. <strong>de</strong> izámi s.) 'exame' e duzia num.<br />

'12' / ónzi num. '11'


ʒ/ʒ cf., em vez <strong>de</strong> pares mínimos, jura v. 'jurar' / nju-<br />

ria s. 'injúria' e lojikamenti adv. 'logicamente' /<br />

lonji adv. 'longe'<br />

r/r óra s. 'hora' / ónra s. 'honra'<br />

l/l cf., em vez <strong>de</strong> pares mínimos, lion s. 'leão' / nlio-<br />

na v. 'irritar-se' e kololu adj. 'estrábico, zarolho'<br />

/ konloiu s. 'conluio'<br />

nasal/nasaliza<strong>do</strong>:<br />

m/b mála s. 'arca' / nbála v. 'embalar', káma s. 'cama'<br />

/ kánba v. 'entrar, <strong>de</strong>saparecer'<br />

n/d cf., em vez <strong>de</strong> um par mínimo, nodádu adj. 'eno<strong>do</strong>a<strong>do</strong>'<br />

/ n<strong>do</strong>gádu adj. 'farto, enjoa<strong>do</strong>' e Léna s. nome <strong>de</strong> mu-<br />

lher / lén<strong>da</strong> s. 'len<strong>da</strong>'<br />

Ȃ/ǯ cf., em vez <strong>de</strong> um par mínimo, nhára pron. pess. f.<br />

<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong> sg. para tratamento cortês /<br />

ndjárga '<strong>ilha</strong>rga' e ránha v. 'arranhar' / ránja v.<br />

'arranjar'<br />

1.2.2.4 Realizações<br />

1.2.2.4.1 Ponto <strong>de</strong> articulação<br />

As labiais realizam-se como bilabiais quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong><br />

oclusivas e labio<strong>de</strong>ntais (maior estreiteza entre a fila supe-<br />

rior <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes e o lábio inferior) quan<strong>do</strong> são fricativas. En-<br />

tre as '<strong>de</strong>ntais', a realização <strong>da</strong>s fricativas e <strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> in-<br />

terrupta costuma ser, <strong>de</strong> facto, alveolar na maioria <strong>do</strong>s con-<br />

textos fónicos (maior estreiteza entre os alvéolos <strong>de</strong>ntários<br />

superiores e o <strong>do</strong>rso anterior <strong>da</strong> língua). O ponto <strong>de</strong> articula-<br />

ção <strong>da</strong>s fricativas 'palatais' encontra-se sensivelmente mais à<br />

frente que o <strong>da</strong>s restantes palatais, isto é, entre os alvéolos<br />

<strong>de</strong>ntários superiores e a parte dura <strong>do</strong> palato.<br />

Uma representação <strong>do</strong> inventário <strong>do</strong>s fonemas consonânticos<br />

mais conforme a realização normal <strong>de</strong>stes fonemas po<strong>de</strong>ria,<br />

pois, ter o aspeto seguinte:


1.2.2.4.2 /c/ e /ǯ/<br />

lab. <strong>de</strong>nt. pal. vel.<br />

p t c k<br />

b d<br />

f s ʃ<br />

v z ʒ<br />

m n<br />

r<br />

l ʎ<br />

ǯ g<br />

(mesma disposição para as nasaliza<strong>da</strong>s)<br />

Os <strong>do</strong>is fonema palatais /c/ e /ǯ/ e as suas correspondên-<br />

cias nasaliza<strong>da</strong>s não são oclusivas em senti<strong>do</strong> estrito, mas<br />

africa<strong>da</strong>s. Quer dizer que o <strong>de</strong>sfecho <strong>da</strong> oclusão se faz nelas<br />

<strong>de</strong> forma gradual, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que se percebe uma fricção (neste<br />

caso sibilante) entre o <strong>de</strong>sfecho <strong>da</strong> oclusão e a vogal subse-<br />

quente. Em termos <strong>de</strong> realização fonética, estes fonemas são,<br />

pois, mais complexos que as restantes oclusivas. Apesar disto,<br />

usamos para a sua transcrição fonética os símbolos simples [c]<br />

e [j] e não [tʃ] e [dʒ], também por ser o seu ponto <strong>de</strong> articu-<br />

lação efetivamente palatal, ao passo que o <strong>do</strong>s fonemas mera-<br />

mente fricativos /ʃ/ e /ʒ/ se aproxima mais <strong>do</strong>s alvéolos.<br />

A realização normal <strong>da</strong> africa<strong>da</strong> /c/, por exemplo em mátxu<br />

adj. 'masculino', não se distingue apenas <strong>da</strong> <strong>do</strong> fonema corres-<br />

pon<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> castelhano, na palavra etimologicamente idêntica<br />

esp. macho. Em ambas as línguas, a parte fricativa não é acom-<br />

panha<strong>da</strong> <strong>de</strong> um arre<strong>do</strong>n<strong>da</strong>mento <strong>do</strong>s lábios. A realização <strong>do</strong> fone-<br />

ma /ǯ/ <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> varia muito mais que a <strong>do</strong> seu<br />

parceiro sur<strong>do</strong> /c/. Ocorrem até realizações cem por cento fri-<br />

cativas <strong>do</strong> /ǯ/ sem vibração <strong>da</strong>s mucosas (e, portanto, sem sibi-<br />

lo).<br />

Ȃ


1.2.2.4.3 /s/, /z/, /ʃ/ e /ʒ/<br />

Para realizar qualquer um <strong>de</strong>stes quatro fonemas, cria-se,<br />

no senti<strong>do</strong> longitudinal <strong>da</strong> língua, um sulco por on<strong>de</strong> passa o<br />

ar, pon<strong>do</strong> a vibrar as mucosas <strong>da</strong> língua. Desta forma, nasce um<br />

som sibilante. /c/ e /ʃ/ ficam sempre bem distintos. Das duas<br />

variantes txábi e xábi <strong>do</strong> substantivo crioulo que significa<br />

'chave', a primeira pertence claramente ao 'kriolu fundu' e a<br />

segun<strong>da</strong> a varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais acroletais <strong>do</strong> crioulo ('kriolu<br />

lébi'). Não parece que o mesmo valha para /ǯ/ e /ʒ/. Veja-se,<br />

por exemplo, a coocorrência <strong>de</strong> djuga e juga em E'djuga, e'ju-<br />

ga, e'juga, e'juga, e'juga, dipos, pai grándi bá ta purgunta<br />

si e gánha (103/28-29) 'Jogava, jogava, jogava, jogava, joga-<br />

va, e Pai Gran<strong>de</strong> perguntava sempre se ganhava'.<br />

1.2.2.4.4 /r/<br />

O fonema líqui<strong>do</strong> interrupto /r/ <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> é<br />

uma vibrante ápico-alveolar. Em termos fonológicos, a vibração<br />

<strong>da</strong> ponta <strong>da</strong> língua contra os alvéolos superiores é o único<br />

traço que o distingue <strong>do</strong> fonema líqui<strong>do</strong> contínuo /l/. O número<br />

<strong>de</strong> toques <strong>da</strong> ponta <strong>da</strong> língua contra os alvéolos não é fonolo-<br />

gicamente distintivo. Ocorrem realizações com um, <strong>do</strong>is, três<br />

e, especialmente em pronúncias enfáticas, até mais toques.<br />

Excetuan<strong>do</strong> o caso <strong>da</strong> ênfase, a distribuição <strong>da</strong>s realiza-<br />

ções é aproxima<strong>da</strong>mente a seguinte. No início <strong>da</strong>s palavras fó-<br />

nicas ouvem-se vários toques ([r]). Por exemplo, em riba-l<br />

mésa 'acima <strong>da</strong> mesa'. No fim <strong>da</strong> palavra fónica ouve-se apenas<br />

um toque ([ɾ]). Assim, por exemplo, em O nha mudjer! 'Oh minha<br />

mulher!'. No interior <strong>da</strong> palavra costuma haver apenas um toque<br />

em posição intervocálica em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s falantes e vários em<br />

outros. Em registos crioulos muito próximos <strong>do</strong> português, a<br />

pronúncia po<strong>de</strong> ajustar-se ao português, pronuncian<strong>do</strong>-se káru<br />

'caro' com [ɾ] (um toque) e káru 'carro' com [r] (vários to-<br />

ques). Nos casos relativamente frequentes em que o fonema se-<br />

gue outra consoante ouvem-se, ao contrário <strong>do</strong> que ocorre em


português, geralmente vários toques (por ex. em bráku ['braku]<br />

'buraco'); na co<strong>da</strong> silábica, antes <strong>de</strong> outra consoante (por ex.<br />

em bárku ['baɾku] 'barco') costuma haver só um toque. Nas<br />

transcrições fonéticas <strong>de</strong>sta gramática usamos [r] para to<strong>da</strong>s<br />

estas variantes.<br />

1.2.2.4.5 Nasali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

A nível fonético, os fonemas consonânticos nasaliza<strong>do</strong>s<br />

constam <strong>de</strong> uma sequência <strong>de</strong> um elemento nasal segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />

consoante oral. Na maioria <strong>do</strong>s casos, o primeiro elemento é<br />

uma consoante nasal que antecipa o ponto <strong>de</strong> articulação <strong>da</strong> se-<br />

gun<strong>da</strong>.<br />

É o caso <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os fonemas consonânticos nasaliza<strong>do</strong>s que<br />

ocorrem em posição inicial absoluta ou no interior <strong>de</strong> uma pa-<br />

lavra fónica após uma palavra que termina em consoante. Repe-<br />

timos aqui alguns <strong>do</strong>s exemplos já <strong>da</strong><strong>do</strong>s em 1.2.2.1, omitin<strong>do</strong> a<br />

indicação <strong>do</strong>s seus significa<strong>do</strong>s: npára [ᛌmparǠ] v., nton<br />

[ᛌntõ(ŋ)] adv., nkontra [ᛌŋkontrǠ] v., nburdia [ᛌmburdjǠ] v.,<br />

n<strong>do</strong>xa [ᛌn<strong>do</strong>ʃǠ] v., ndjudjun [ᛌȂǯuǯũ(ŋ)] adj., nguli [ᛌŋguli] v.,<br />

nforka [ᛌɱorkǠ] v., nso<strong>da</strong> [ᛌnsodǠ] v., nxina [ᛌȂʃinǠ] v., nvira<br />

[ᛌɱvirǠ] v., nzámi [ᛌnzami] s., Njenhu [ᛌȂǯeȂu] s., nliona<br />

[ᛌnljonǠ] v. etc. e, <strong>de</strong> forma análoga, Es nkontra-l<br />

[ezᛌŋkontrǠl], etc.<br />

No interior <strong>de</strong> uma palavra, só po<strong>de</strong>m ocorrer fonemas con-<br />

sonânticos nasaliza<strong>do</strong>s após fonemas vocálicos. Está-se então<br />

em presença <strong>de</strong> uma transição silábica globalmente nasaliza<strong>da</strong><br />

(/-V|C-/). A realização <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma transição silábi-<br />

ca globalmente nasaliza<strong>da</strong> varia em função <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> articula-<br />

ção <strong>do</strong> fonema consonântico segun<strong>do</strong> regras que especificámos em<br />

1.2.0.<br />

Numa transição silábica com consoante oclusiva ou lateral,<br />

esta nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> manifesta-se no plano fonético através <strong>da</strong> apa-<br />

rição <strong>de</strong> uma consoante nasal. Cf. kánpia [ᛌkampjǠ] v. 'vadiar',


kánta [ᛌkantǠ] v. 'cantar', sántxu [ᛌsaȂcu] s. 'macaco (gran-<br />

<strong>de</strong>)', kánba [ᛌkambǠ] v. 'entrar, <strong>de</strong>saparecer', rón<strong>da</strong> [ᛌrǤndǠ] s.<br />

'ron<strong>da</strong>', djondjo [ᛌǯoȂǯu] v. 'enlaçar, ligar', konko [ᛌkoŋku] v.<br />

'bater, abanar', dis<strong>do</strong>ngu [dizᛌ<strong>do</strong>ŋgu] v. 'fingir-se <strong>de</strong> sur<strong>do</strong>,<br />

não respon<strong>de</strong>r', konloia [konᛌlojǠ] v. 'conluiar', etc.<br />

Numa transição silábica com uma consoante que não é nem<br />

oclusiva nem lateral, esta nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> manifesta-se no plano<br />

fonético na nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vogal prece<strong>de</strong>nte. Cf. kunfia [ᛌkũfjǠ]<br />

v. 'confiar', konvérsa [kõᛌvǫrsǠ] s. 'conversa', pensa [ᛌpesǠ]<br />

v. 'pensar', ónzi [ᛌǤzi] num. '11', konxe [ᛌkõʃi] v. 'conhecer',<br />

lonji [ᛌlõʒi] adv. 'longe', ónra [ᛌǤrǠ] s. 'honra', etc.<br />

Quanto acabamos <strong>de</strong> dizer a respeito <strong>da</strong>s transições silábi-<br />

cas no interior <strong>da</strong>s palavras vale também para os casos em que<br />

uma palavra começa<strong>da</strong> por consoante nasaliza<strong>da</strong> segue, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />

mesma palavra fónica, outra que termina por vogal. Cf. por um<br />

la<strong>do</strong> Nu nkontra-l [nuŋkonᛌtrǠl], e por outro la<strong>do</strong> E fase nzámi<br />

[eᛌfǠsiᛌzami], etc.<br />

A questão <strong>da</strong> realização <strong>da</strong> nasali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s fonemas conso-<br />

nânticos nasaliza<strong>do</strong>s em posição final não se coloca, pois eles<br />

não ocorrem nesta posição.<br />

1.2.2.5 Neutralizações<br />

Para o conceito <strong>de</strong> 'neutralização' remetemos o leitor para<br />

o parágrafo 1.2.1.6.<br />

É no início <strong>da</strong> palavra fónica on<strong>de</strong> se verifica, no crioulo<br />

<strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>, o máximo <strong>de</strong> oposições consonânticas. Nesta posi-<br />

ção opõem-se entre elas to<strong>da</strong>s as consoantes <strong>de</strong>ste crioulo (ex-<br />

ceto, tal vez, os fonemas , / /, / / e /r/, o primeiro ain<strong>da</strong><br />

não <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong> e os restantes ain<strong>da</strong> não <strong>do</strong>cumenta<strong>do</strong>s<br />

nesta posição). Quan<strong>do</strong> segue(m) outra(s) consoante(s), fica<br />

neutraliza<strong>da</strong> a oposição entre [s] e [z], nas varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que a<br />

conhecem (cf. 1.2.2.1.3). O representante <strong>do</strong> arquifonema soa


[s] diante <strong>de</strong> consoante sur<strong>da</strong> e [z] antes <strong>de</strong> consoante vozea<strong>da</strong><br />

(cf. spánta [ᛌspantǠ] v. 'assustar(-se)' vs. sbánja [ᛌzbãʒǠ] v.<br />

'esbanjar', etc.). Observa-se a mesma neutralização em posição<br />

final <strong>de</strong> sílaba. O representante <strong>do</strong> arquifonema soa [s] antes<br />

<strong>de</strong> uma pausa ou antes <strong>de</strong> uma consoante sur<strong>da</strong>, e [z] nos res-<br />

tantes casos. Cf. por um la<strong>do</strong>, Dja N tene pás! [...ᛌpas], E te-<br />

nba <strong>do</strong>s katxor [...ᛌ<strong>do</strong>skaᛌcor] e, por outro la<strong>do</strong>, désdi ónti<br />

[ᛌdǫzᛌdjǤnti], Es ben noti [ezᛌbẽᛌnoti] e até E fra-l tudu <strong>do</strong>s<br />

odju [...ᛌtuduᛌ<strong>do</strong>ᛌzoǯu] (cf. Veiga 1982: 54).<br />

No interior <strong>da</strong>s palavras fónicas não há oposições entre<br />

consoantes orais e consoantes nasaliza<strong>da</strong>s, mas apenas, como<br />

explicámos em 1.2.0 e 1.2.2.4.5, entre transições silábicas<br />

globalmente orais (-V/C-), transições silábicas globalmente<br />

nasaliza<strong>da</strong>s (-V/C-) e transições silábicas <strong>do</strong> tipo 'vogal oral<br />

+ consoante nasal' (-V/N-).<br />

1.2.2.6 Combinatória<br />

1.2.2.6.1 Generali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

O eleva<strong>do</strong> número <strong>de</strong> fonemas consonânticos <strong>de</strong> que dispõe o<br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> condiz com o número relativamente baixo <strong>de</strong><br />

grupos consonânticos que nele ocorrem.Neste crioulo, não há<br />

consoantes <strong>do</strong>bra<strong>da</strong>s, são pouco frequentes as sequências <strong>de</strong><br />

duas ou três consoantes e não há sequências <strong>de</strong> quatro ou mais<br />

consoantes. Pre<strong>do</strong>minam as sílabas livres (cf. para este con-<br />

ceito 1.1.4) e sequências silábicas <strong>do</strong> tipo CVCV... .<br />

Em posição final <strong>de</strong> sílaba só ocorrem as consoantes [r],<br />

[l] e [s]. Po<strong>de</strong> haver exceções a esta regra em estrangeirismos<br />

<strong>de</strong> introdução recente (cf. por exemplo dróps s. 'rebuça<strong>do</strong>' <<br />

ingl. drops). Para [-õŋ] em raskon adj. 'chique', E fla-m<br />

'Disse-me', etc., cf. 1.2.0 e 1.2.1.5.5.<br />

Nas sequências consonânticas, a parte explosiva só po<strong>de</strong><br />

constar <strong>de</strong> (sequências <strong>de</strong>) consoantes orais ou nasais, que<br />

também po<strong>de</strong>m iniciar uma palavra, mas nunca <strong>de</strong> uma consoante<br />

nasaliza<strong>da</strong>. Consequentemente, encontramos na parte explosiva


<strong>de</strong> uma sequência consonântica sobretu<strong>do</strong> consoantes simples<br />

(excepto /ʎ/ e as nasaliza<strong>da</strong>s). Sequências consonânticas que<br />

po<strong>de</strong>m constituir a parte explosiva <strong>de</strong> uma sequência consonân-<br />

tica constam sempre <strong>de</strong> uma oclusiva oral segui<strong>da</strong> <strong>de</strong> /r/ ou<br />

/l/, isto é, <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>quelas sequências que os gramáticos la-<br />

tinos chamaram <strong>de</strong> 'muta cum liqui<strong>da</strong>'. No início <strong>de</strong> uma pala-<br />

vra, a única consoante que po<strong>de</strong> ocorrer antes <strong>de</strong> 'muta cum li-<br />

qui<strong>da</strong>' é /s/.<br />

Concretamente, encontramos as seguintes (sequências <strong>de</strong>)<br />

consoantes no fim, no início e no interior <strong>de</strong> palavras:<br />

1.2.2.6.2 Final <strong>da</strong> palavra<br />

Na posição final <strong>de</strong> uma palavra (ou <strong>de</strong> uma sílaba) não<br />

ocorrem sequências consonânticas. Os fonemas consonânticos<br />

simples que po<strong>de</strong>m aparecer nesta posição são /r/, /l/ e /s/:<br />

/-r/ ex.: már s. 'mar', lugár s. 'lugar', bapor s. 'vapor,<br />

navio', etc.<br />

/-l/ ex.: ál part. verbal, kál pron. interr., kel pron.<br />

<strong>de</strong>m., el pron. pess., mel s. 'mel', lansol s. 'len-<br />

çol', etc.<br />

/-s/ ex.: es pron. pess e <strong>de</strong>m., nos pron. pess. e poss.,<br />

<strong>do</strong>s num., mes s. 'mês', kuskus s. 'cuscuz', etc., e<br />

to<strong>do</strong>s os plurais em /-s/ (cf. 6.2.2).<br />

1.2.2.6.3 Início <strong>da</strong> palavra<br />

Nesta posição ocorrem consoantes simples e sequências <strong>de</strong><br />

duas ou três consoantes:<br />

Uma consoante: Documentam-se to<strong>da</strong>s as consoantes excepto<br />

/ʎ/ e /ʎ/ (exemplos em 1.2.2)<br />

grupos:<br />

Duas consoantes: Encontrámos exemplos para os seguintes


grupos:<br />

/Cr-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante oclusiva oral ou nasaliza<strong>da</strong><br />

não africa<strong>da</strong>, um /f/ ou um /f/. Exemplos: pren<strong>de</strong> v.<br />

'apren<strong>de</strong>r', tra v. 'tirar', kre v. 'querer', brásu s.<br />

'braço', dretu adj./adv. 'bom, diretamente', grán<strong>de</strong><br />

adj. 'gran<strong>de</strong>', frega (var. <strong>de</strong> ferga v.) 'esfregar',<br />

nprista v. 'emprestar, tomar empresta<strong>do</strong>', ntrega v.<br />

'entregar', nkrusa v. 'cruzar', nbrabise v. 'tornar-se<br />

agressivo', ndreta v. 'endireitar-se', ngrósa v.<br />

'crescer', nfrakise v. 'enfraquecer', etc.<br />

/Cl-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante oclusiva oral labial ou velar,<br />

um /f/ ou um /f/. Exemplos: plánta s. 'planta', kláru<br />

adj. 'claro, níti<strong>do</strong>', blóku s. 'bloco <strong>de</strong> betão',<br />

(glin-glin-glin onom.), fla v. 'dizer', nflema v. 'in-<br />

flamar-se', etc.<br />

/sC-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante oclusiva oral não africa<strong>da</strong>, um<br />

/f/ ou um /m/. Exemplos: spértu adj. 'esperto', stángu<br />

s. 'estômago', skese v. 'esquecer', sfaimádu adj.<br />

'esfomea<strong>do</strong>', sbánja v. 'esbanjar', (falta-nos um<br />

exemplo para sd-), sgota v. 'esgotar(-se)', smáia v.<br />

'<strong>de</strong>smaiar', etc. Nos últimos exemplos, a pronúncia é<br />

[zb-], [zd-], [zg-] e [zm-] (cf. 1.2.2.5).<br />

Três consoantes: Encontrámos exemplos para os seguintes<br />

/sCr-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante oclusiva sur<strong>da</strong> oral não<br />

africa<strong>da</strong> ou um /f/. Exemplos: spremi v. 'espremer<br />

(-se)', stréla s. 'estrela', skrebe v. 'escrever',<br />

sfrega (var. <strong>de</strong> ferga v.) 'esfregar', etc.<br />

/spl-/ Exemplos: splika v. 'explicar', splóra v. 'abusar,<br />

explorar', etc.<br />

1.2.2.6.4 Interior <strong>da</strong> palavra<br />

Uma consoante: em posição intervocálica encontrámos <strong>do</strong>cu-<br />

menta<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as consoantes exceto /ʎ/.<br />

Duas consoantes: Encontrámos exemplos para os seguintes<br />

grupos: To<strong>da</strong>s as sequências <strong>de</strong> duas consoantes que po<strong>de</strong>m apa-


ecer no início <strong>de</strong> uma palavra (cf. 1.2.2.6.3). Além disso:<br />

/-rC-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante qualquer que não seja nem na-<br />

saliza<strong>da</strong>, nem uma <strong>da</strong>s palatais africa<strong>da</strong>s /c/, /ǯ/, la-<br />

terais /ʎ/, /ʎ/ ou nasais /Ȃ/. Exemplos: korpu s.<br />

'corpo', kortamentu di bariga s. '<strong>do</strong>res <strong>de</strong> barriga<br />

acompanha<strong>da</strong>s <strong>de</strong> diarreia', porku s. 'porco', bárba s.<br />

'barba', berdi adj. 'ver<strong>de</strong>', purgunta s. 'pergunta',<br />

purfiâ v. 'teimar, insistir', parse v. 'aparecer',<br />

márxa s. 'marcha', kurva (var. <strong>de</strong> kurba s.) 'curva,<br />

<strong>do</strong>bra <strong>do</strong> joelho', katorzi num. '14', San Jorji topó-<br />

nimo, Bárlaventu topónimo, fórma s. 'mo<strong>do</strong>, maneira',<br />

inférnu s. 'inferno', etc.<br />

/-lC-/ C sen<strong>do</strong> uma consoante qualquer que não seja nem<br />

nasaliza<strong>da</strong>, nem uma <strong>da</strong>s seguintes: /ǯ/, /z/, /ʒ/, /r/,<br />

/ʎ/, /n/, ou /Ȃ/. Exemplos: kulpádu adj. 'culpa<strong>do</strong>',<br />

volta v. 'voltar', koltxon s. 'colchão', kálku s.<br />

'plano, cálculo', albês adv. 'às vezes, talvez', sol-<br />

dádu s. 'sol<strong>da</strong><strong>do</strong>', algen pron. in<strong>de</strong>f., alfási s. 'al-<br />

face', bólsa s. 'saco, bolsa', kólxa (var. <strong>de</strong> kóltxa<br />

s.) 'colchão', sálva (var. <strong>de</strong> sálba v.) cerimónia que<br />

faz parte <strong>da</strong> tabánka, almusu s. 'almoço', etc.<br />

/-vr-/ Exemplo: livru (var. <strong>de</strong> libru s.) 'livro', etc.<br />

Três consoantes: Em princípio to<strong>da</strong>s as sequências <strong>de</strong> três<br />

consoantes que po<strong>de</strong>m ocorrer no início <strong>da</strong>s palavras (cf.<br />

1.2.2.6.3). Exemplo: mostra v. 'mostrar'. Além disso, em prin-<br />

cípio, to<strong>da</strong>s as sequências <strong>de</strong> duas consoantes que po<strong>de</strong>m ocor-<br />

rer no início <strong>da</strong>s palavras (cf. 1.2.2.6.3) - salvo as que co-<br />

meçam por uma nasaliza<strong>da</strong> precedi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> um /r/ ou /l/ a fechar<br />

sílaba.<br />

1.2.2.7 Mu<strong>da</strong>nças na área <strong>da</strong>s consoantes<br />

Impõem-se chamar a atenção para duas mu<strong>da</strong>nças linguísticas<br />

atualmente em curso na área <strong>do</strong> consonantismo <strong>do</strong> crioulo<br />

santiaguense que estão a modificar ligeiramente a combinatória<br />

<strong>da</strong>s vogais e consoantes <strong>de</strong>scrita nas secções 1.2.1.8 e 1.2.2.6


<strong>de</strong>ste capítulo. Temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar para trabalhos futuros a <strong>de</strong>li-<br />

mitação geográfica e social <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que (já) levaram a<br />

cabo a respetiva mu<strong>da</strong>nça, e as questões <strong>de</strong> saber se estas va-<br />

rie<strong>da</strong><strong>de</strong>s são as mesmas nos <strong>do</strong>is casos, saber quais são exata-<br />

mente os contextos fónicos em que as mu<strong>da</strong>nças ocorrem e se es-<br />

tas continuam atualmente a esten<strong>de</strong>r-se a novos contextos e no-<br />

vas varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

1.2.2.7.1 Que<strong>da</strong> <strong>do</strong> /b/ intervocálico<br />

Em <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> santiaguense, o /b/ cai<br />

quan<strong>do</strong> se encontra entre <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s vogais. Até agora, en-<br />

contrámos exemplos <strong>de</strong>sta que<strong>da</strong> para as sequências /ibu/ ><br />

/iu/, /ebǠ/ > /eǠ/ , /abe/ > /e/, /Ǡba/ > /a/, /Ǡbu/ > /Ǡu/,<br />

/abǠ/ > /a(Ǡ)/, /abu/ > /au/, /uba/ > /a/. Como se vê, nalguns<br />

casos cai também uma <strong>da</strong>s vogais que, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a esta que<strong>da</strong>, en-<br />

tram em contato.<br />

A que<strong>da</strong> <strong>do</strong> /b/ afeta o léxico, a morfologia e a fonética<br />

sintática: no léxico produz variantes <strong>do</strong> tipo kábu ~ káu s.<br />

'lugar', na morfologia variantes <strong>do</strong> tipo kantába ~ kantá'a ~<br />

kantá' ('anterior' – cf. para esta categoria verbal 4.3.5 - <strong>do</strong><br />

verbo kánta 'cantar'). Des<strong>de</strong> a publicação <strong>da</strong> gramática <strong>de</strong> An-<br />

tónio <strong>de</strong> Paula Brito em 1887 a esta parte, esta mu<strong>da</strong>nça levou<br />

à redução <strong>da</strong> sequência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinências -duba (-du indican<strong>do</strong><br />

'passivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' e -ba 'anteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>') em fazeduba, kantáduba,<br />

etc. a –<strong>da</strong> (faze<strong>da</strong>, kantá<strong>da</strong>, etc., cf. Quint 2000: 235 e aqui<br />

4.2.1.3). Mas surpreen<strong>de</strong>m sobretu<strong>do</strong> os efeitos que a mu<strong>da</strong>nça<br />

em questão produz ao nível sintático. De facto, ouve-se<br />

ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>: também:<br />

E faze-bu fésta. E faze-u fésta.<br />

E ta po-bu trabádja. E ta po-u trabádja.<br />

N kre pa bu faze-m N kre pa'u faze-m<br />

es kusa. es kusa.<br />

Si bu kre. Si'u kre.<br />

E ta ben móre. E t'en móre.<br />

E ta bá ta móre. E t'á ta móre.<br />

etc. etc.


A que<strong>da</strong> <strong>do</strong> /b/ intervocálico leva a um consi<strong>de</strong>rável aumen-<br />

to <strong>do</strong> número <strong>de</strong> ditongos e hiatos admiti<strong>do</strong>s no crioulo <strong>de</strong> San-<br />

tiago. Estes novos hiatos e ditongos não foram ti<strong>do</strong>s em conta<br />

em 1.2.1.8.<br />

1.2.2.7.2 Vocalização <strong>do</strong> /l/ pré-consonântico<br />

Em <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> o /l/<br />

transformou-se em [] implosivo, quan<strong>do</strong> segui<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />

consoantes. Entre as consoantes diante <strong>da</strong>s quais tal aconteceu<br />

registámos /p/, /t/, /k/ e /s/, mas é possível que haja ou-<br />

tras. De facto, parece que a vocalização ocorreu sobretu<strong>do</strong> ou<br />

até apenas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vogais centrais ou posteriores como [Ǡ],<br />

[a], [Ǥ]], [o] e [u], que formam um claro contraste com o []<br />

anterior resultante <strong>da</strong> vocalização <strong>do</strong> /l/. Encontrámos, por<br />

exemplo, páipa, fáita, káika, káisa em vez <strong>de</strong> pálpa v.<br />

'(a)palpar', fálta v. 'faltar', kálka v. 'pressionar', kálsa<br />

s. 'calças', e também kaisádu em vez <strong>de</strong> kalsádu adj. 'calça-<br />

<strong>do</strong>', bóisa, vóita em vez <strong>de</strong> bólsa s. 'saco, bolsa', vólta s.<br />

'regresso, volta', kuipa, insuita em vez <strong>de</strong> kulpa s. 'culpa',<br />

insulta v. 'insultar', etc.<br />

A mu<strong>da</strong>nça em questão aumenta, nas varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s que a<strong>do</strong>tam a<br />

inovação, a frequência <strong>do</strong>s ditongos <strong>de</strong>crescentes [Ǡ], [a],<br />

[Ǥ], [o] e [u] (cf. 1.2.1.8.2) e reduz a frequência <strong>de</strong> síla-<br />

bas trava<strong>da</strong>s (cf. 1.1.4).<br />

1.2.2.8 A fala <strong>de</strong> Nhu Lobu<br />

É interessante constatar que a vocalização <strong>do</strong> /l/ em posi-<br />

ção pré-consonântica faz parte <strong>da</strong>s particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s fónicas<br />

que caraterizam, na coletânea <strong>de</strong> contos Na bóka noti I, edita-<br />

<strong>da</strong> por Tomé Varela <strong>da</strong> Silva, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> Nhu Lobu, pro-<br />

tagonista, junto com Xibinhu. Observámos esta caraterística<br />

linguística na fala <strong>de</strong> Nhu Lobu em 19 <strong>do</strong>s 23 contos (números


64 a 85, inclusive o conto 80a) que formam a última parte <strong>da</strong><br />

colectânea, intitula<strong>da</strong> Lobu ku Xibinhu. 16 <strong>de</strong>stes 19 contos<br />

são achegas <strong>do</strong> próprio editor.<br />

A caraterização linguística <strong>da</strong> fala <strong>de</strong>sta personagem gulo-<br />

sa e brutal, mas felizmente também muito estúpi<strong>da</strong>, vai, porém,<br />

mais longe. Nhu Lobu tem vários problemas <strong>de</strong> pronúncia. Por um<br />

la<strong>do</strong>, palataliza to<strong>do</strong>s os [s] e [z] tornan<strong>do</strong>-os [ʃ] e [ʒ]. Diz<br />

xabe, máx, méxa, xta, mexte, kuáji, etc., em vez <strong>de</strong> sabe v.<br />

'saber', más quantifica<strong>do</strong>r, mésa s. 'mesa', sta v. 'estar',<br />

meste v. 'precisar, ter <strong>de</strong> (fazer uma coisa)', kuázi adv.<br />

'quase', etc. Por outro la<strong>do</strong>, substitui sistematicamente [r] e<br />

[l] por [j]. Diz iagaiádu, nhu iei, iótxa, ianhóna, ia, i, ka-<br />

ieion, buiu, máia, baíga, xéia, pion, kei, goidu, foixa, méi-<br />

<strong>da</strong>, etc., em vez <strong>de</strong> ragaládu adj. 'arregala<strong>do</strong>', nhu rei 'o se-<br />

nhor rei', rótxa s. 'rocha', lanhóna (aumentativo <strong>de</strong> lánhu s.<br />

'naco, pe<strong>da</strong>ço'), la adv., li adv., kaleron s. 'cal<strong>de</strong>irão',<br />

buru s. 'burro', mára v. 'amarrar', bariga s. 'barriga', séla<br />

s. 'sela', pilon s. 'pilão', kel pron. <strong>de</strong>m., gordu adj. 'gor-<br />

<strong>do</strong>', forsa s. 'força', mér<strong>da</strong> s. 'mer<strong>da</strong>', etc. E nas sequências<br />

<strong>do</strong> tipo 'muta cum liqui<strong>da</strong>', simplesmente omite [r] e [l], di-<br />

zen<strong>do</strong> pópi, ke, gándi, pimeiu, fa, etc., em vez <strong>de</strong> próp(r)i<br />

adj./adv. 'próprio, realmente', kre v. 'querer', grándi adj.<br />

'gran<strong>de</strong>', primeru num. 'primeiro', fla v. 'dizer', etc. Às ve-<br />

zes ocorrem ain<strong>da</strong> outras palatalizações <strong>de</strong> tipo assimilatório<br />

(cf., por exemplo tximodi, txántxu, txankinhu, etc., em vez <strong>de</strong><br />

tirmódi adv. '<strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong>', sántxu s. 'macaco (gran<strong>de</strong>)',<br />

santxinhu s. diminutivo <strong>de</strong> sántxu, etc.).<br />

1.3 Fenómenos fónicos suprasegmentais<br />

1.3.1 Estrutura fónica <strong>da</strong> sílaba<br />

Em 1.2.2.6 já observámos que no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> pre<strong>do</strong>-<br />

minam as sílabas livres (cf. para este conceito 1.1.4) e se-<br />

quências silábicas <strong>do</strong> tipo CV/CV/CV/..., C representan<strong>do</strong> um<br />

fonema consonântico e V um fonema vocálico. No entanto, são<br />

numerosas as sílabas que não seguem este padrão. Falamos <strong>da</strong>-


quelas que começam por <strong>do</strong>is ou até três fonemas consonânticos<br />

(ex. fla v. 'dizer', tra v. 'tirar', skrebe v. 'escrever',<br />

etc., cf. 1.2.2.6.3), as que terminam em fonema consonântico<br />

(ex. ál part., es pron. pess., kál pron. interr., lansól s.<br />

'lençol', ár s. 'ar', lugár s. 'lugar', kuskus s. 'cuscuz',<br />

etc., cf. 1.2.2.6.2) e as que reúnem ambas as condições (trás<br />

prep. 'atrás', E fla-l 'Disse-lhe', E flá-s 'Disse-lhes',<br />

etc.).<br />

1.3.2 Estrutura fónica <strong>da</strong> palavra<br />

1.3.2.1 Estrutura mais usual<br />

No crioulo <strong>de</strong> Santigo há não só um padrão silábico que<br />

pre<strong>do</strong>mina, mas também <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s preferências relativamente<br />

à estrutura fónica <strong>da</strong>s palavras. De facto, o pre<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> sí-<br />

labas <strong>do</strong> tipo CV faz com que a maioria <strong>da</strong>s palavras <strong>de</strong>ste<br />

crioulo comecem por consoante e terminem por vogal.<br />

Palavras e partículas gramaticais átonas costumam ser mo-<br />

nossilábicas. Pelo contrário, costumam ser dissilábicas e<br />

acentua<strong>da</strong>s na primeira sílaba as palavras primitivas <strong>de</strong> con-<br />

teú<strong>do</strong> lexical. A vogal final <strong>de</strong>stas palavras é então sempre<br />

uma <strong>da</strong>s fecha<strong>da</strong>s [-i] ou [-u] ou a semiaberta [-Ǡ], nunca uma<br />

vogal aberta. Ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>stes três sons representa um <strong>do</strong>s três<br />

arquifonemas vocálicos resultantes <strong>da</strong> neutralização <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os graus <strong>de</strong> abertura em posição final absoluta (cf. o final <strong>de</strong><br />

1.2.1.6.1). Exemplos: kálsi s. 'cálice' e skrebe v. 'escrever'<br />

com [-i], mátxu s./adj. 'macho' e konko v. 'bater, sacudir'<br />

com [-u], fésta s. 'festa' com [-Ǡ].<br />

Quan<strong>do</strong> nestas palavras dissilábicas e graves a vogal <strong>da</strong><br />

sílaba tónica não é uma <strong>da</strong>s duas fecha<strong>da</strong>s /i/ ou /u/, costuma<br />

ser uma semiaberta nos verbos (por ex., sega /e/ v. 'cegar',<br />

sabe /Ǡ/ v. 'saber', koba /o/ v. 'cavar'), e uma aberta nos<br />

substantivos e adjetivos (por ex., ségu /ǫ/ adj. 'cego', sábi<br />

/a/ adj. 'agradável', kóba s. /Ǥ/ 'buraco no chão', cf.<br />

1.2.1.4).<br />

Apesar <strong>da</strong> frequência <strong>da</strong>s palavras dissilábicas e graves no<br />

léxico <strong>do</strong> santiaguense, convém sublinhar que, nesta língua, as


palavras léxicas não têm nem número fixo <strong>de</strong> sílabas, nem lugar<br />

fixo para o acento fónico. De facto, ocorrem palavras com três<br />

e mais sílabas (por ex. frakéza s. 'fraqueza', posibilidádi s.<br />

'possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>', etc.) e ocorrem também palavras 'agu<strong>da</strong>s' (com<br />

o acento fónico na última sílaba) e 'esdrúxulas' (com o acento<br />

na antepenúltima sílaba) (por ex., barapó s. 'varapau' e prá-<br />

tiku adj. 'prático').<br />

1.3.2.2 Tonici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

1.3.2.2.1 Natureza <strong>do</strong> acento fónico<br />

Como já se disse em 1.1.3, no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> é sobre-<br />

tu<strong>do</strong> a intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> que distingue as sílabas tónicas <strong>da</strong>s áto-<br />

nas.<br />

Quan<strong>do</strong> a sílaba tónica não é a última sílaba <strong>da</strong> palavra,<br />

costuma ser ain<strong>da</strong> sensivelmente mais longa que to<strong>da</strong>s as síla-<br />

bas átonas <strong>da</strong> palavra. E se, para além disso, se tratar <strong>de</strong> uma<br />

sílaba livre, isto é, uma sílaba termina<strong>da</strong> em vogal, então o<br />

prolongamento <strong>da</strong> sílaba resulta diretamente <strong>de</strong> um correspon-<br />

<strong>de</strong>nte prolongamento <strong>da</strong> vogal (cf. 1.2.1.5.4).<br />

1.3.2.2.2 Palavras tónicas e átonas<br />

É relativamente fácil dividir as palavras <strong>do</strong> santiaguense<br />

em tónicas (que contêm uma sílaba tónica) e átonas (sem sílaba<br />

tónica). Isto, apesar <strong>de</strong> muitas palavras átonas po<strong>de</strong>rem, em<br />

<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s circunstâncias, tornar-se momentaneamente tónicas<br />

e vice-versa. Po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se o primeiro caso, por exemplo, quan<strong>do</strong><br />

o falante quer corrigir um equívoco. Exemplo: Bu fla ma dja bu<br />

faze-l? – Náu, N fla ma N ta faze-l! 'Você disse que já o fez?<br />

– Não, disse que o vou fazer!'. O segun<strong>do</strong> caso dá-se frequen-<br />

temente em função <strong>do</strong> contexto sintático ou ao falar <strong>de</strong>pressa.<br />

Cf. por exemplo Éra nha pai 'Era o meu pai', mas Ténpu éra di<br />

grándi nisisidádi 'Corriam tempos muito difíceis', e não *Tén-<br />

pu éra di grándi nisisidádi. Note-se que o grau <strong>de</strong> abertura<br />

<strong>da</strong>s vogais afeta<strong>da</strong>s não mu<strong>da</strong>, nestes casos, o [Ǡ] <strong>da</strong> partícula


ta fican<strong>do</strong> semiaberto e o [ǫ] <strong>da</strong> forma verbal éra, em contradi-<br />

ção com as regras <strong>de</strong> neutralização <strong>de</strong>scritas em 1.2.1.6.1, fi-<br />

can<strong>do</strong> aberto.<br />

Sem visar a exaustivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, agrupamos aqui as palavras <strong>do</strong><br />

crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong> em tónicas e átonas. Regra geral, são áto-<br />

nas a gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong>s palavras monosilábicas <strong>de</strong> significa<strong>do</strong><br />

gramatical. É o caso <strong>da</strong>s partículas verbais sa e ta, <strong>da</strong> maio-<br />

ria <strong>da</strong>s preposições monosilábicas (cf. na, di, ti, pa, ku), <strong>da</strong><br />

conjunção <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação y, <strong>da</strong> partícula <strong>de</strong> negação ka e <strong>do</strong>s<br />

'subordina<strong>do</strong>res' (ingl. 'complementizers') ki, ma e si. Para o<br />

artigo in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> un(s), átono, existe uma variante emfática<br />

uma(s), sempre tónica e <strong>de</strong> valor aumentativo (cf. 8.1.1.3). Os<br />

pronomes pessoais e possessivos dispõem <strong>de</strong> formas tónicas e<br />

átonas que, regra geral, diferem também entre si ao nível <strong>da</strong><br />

sua estrutura morfológica. Encontramos, assim, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

pronomes pessoais tónicos sg. 1 mi, 2 bo, 2 cortês m. nho, 2<br />

cortês f. nha, 3 el, pl. 1 nos, 2 nhos, 3 es (ou sg. 1 ami, 2<br />

abo, etc.), as formas átonas sg. 1 N (forma proclítica) e –m<br />

(forma enclítica), 2 bu e –(b)u, 2 cortês m. nhu, 2 cortês f.<br />

nha, 3 e(l) e -l, pl. 1 nu e -nu, 2 nhos e 3 es e -s (cf.<br />

10.1.3). Para os pronomes pessoais nhu, nha e nhos não há va-<br />

riante para uso enclítico. Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s adjetivos possessivos<br />

átonos sg. 1 nha, 2 bu, 3 si, pl. 1 nos, 2 nhos, 3 ses há os<br />

substantivos possessivos tónicos sg. 1 di meu, 2 di bo, 2 cor-<br />

tês m. di nho, 2 cortês f. di nha, 3 di sel, pl. 1 di nos, 2<br />

di nhos, 3. di ses (cf. 10.2.3).<br />

Além <strong>da</strong>s palavras tónicas já menciona<strong>da</strong>s, pertencem a esta<br />

classe, em primeiro lugar, to<strong>da</strong>s as que têm significa<strong>do</strong> lexi-<br />

cal (substantivos, adjetivos, verbos e os autênticos advér-<br />

bios) – exceto a forma e <strong>do</strong> verbo copulativo. Entre as preposições,<br />

são tónicas duas monossilábicas (sen e trás) e to<strong>da</strong>s<br />

as polissilábicas (désdi, kóntra, ántis, duránti, dipôs, dián-<br />

ti, báxu, riba, sobri, <strong>de</strong>ntu, fóra, entri), assim como to<strong>da</strong>s<br />

as locuções preposicionais polissilábicas, que, aliás, costu-<br />

mam conter um elemento <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> originariamente lexical<br />

(cf. 14.3). Também são tónicas to<strong>da</strong>s as conjunções polissilábicas<br />

(cf., por exemplo, enbóra, inkuántu, kelóki, óki, pamo-<br />

di, sima), to<strong>do</strong>s os pronomes interrogativos e os advérbios más<br />

'mais', so 'só' e nen 'nem'.


Há palavras monossilábicas que se apresentam como átonas<br />

ou tónicas consoante a função sintática que o falante lhes<br />

atribua. É o que já pu<strong>de</strong>mos observar a respeito <strong>do</strong>s pronomes<br />

pessoais el, nhos, es. Os <strong>de</strong>monstrativos es, kel (plural kes)<br />

são átonos quan<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>s em função adjetiva ou quan<strong>do</strong> segui<strong>do</strong>s<br />

<strong>de</strong> li 'aqui' ou la 'lá'. Pelo contrário, realizam-se<br />

como tónicos sempre que exerçam a função substantiva sem irem<br />

acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> li ou la: Fládu m'e ka kel. M'e kel la ki nhu<br />

sta riba d'el (412/27) 'Disseram que não é este [o pilão que<br />

faz falta]. Que é esse no qual o senhor está senta<strong>do</strong>'; Nhu rei<br />

dja fikába-el kel un fidju fémia, kel más nóbu di kes séti<br />

(270/27) 'Ao rei, já [só] lhe ficava uma f<strong>ilha</strong>, a mais nova<br />

<strong>da</strong>s sete'; El máina kabalgadura, el prusima, el pirgunta un di<br />

kes: ... (313/24) 'Fez abran<strong>da</strong>r o cavalo e perguntou a um <strong>de</strong>-<br />

les: …'. La é átono quan<strong>do</strong> funciona como preposição (cf. Mudjer<br />

stába la kusinha 'A mulher estava na cozinha'), mas é tó-<br />

nico (tal como o seu correspon<strong>de</strong>nte li) quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>termina a<br />

distância <strong>de</strong> um objeto (cf. Nu ta kunpra kel [kasa] la 'Com-<br />

praremos aquela casa').<br />

1.3.2.2.3 Lugar <strong>da</strong> sílaba tónica <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> palavra<br />

Não obstante a sílaba tónica ser frequentemente a penúlti-<br />

ma, na maioria <strong>da</strong>s palavras tónicas polissilábicas <strong>do</strong> santia-<br />

guense (são as palavras a que se chamam 'graves'), o lugar <strong>da</strong><br />

sílaba tónica não é previsível. Há também palavras polissilá-<br />

bicas cuja sílaba tónica é a última (chamam-se 'palavras<br />

agu<strong>da</strong>s') ou a antepenúltima (são as 'palavras esdrúxulas').<br />

Nos verbos, a tonici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sloca-se, quan<strong>do</strong> segue uma <strong>de</strong>sinên-<br />

cia ou um pronome enclítico, <strong>da</strong> penúltima para a última sílaba<br />

<strong>da</strong> base lexical: diz-se E kume 'Comeu', mas E kumeba 'Tinha<br />

comi<strong>do</strong>' e E kume-l 'Comeu-o' (cf. 4.2.1.5 e 10.1.4.4). No en-<br />

tanto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à gran<strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong> palavras graves, é<br />

quase impossível alegar pares mínimos assentes exclusivamente<br />

na posição <strong>do</strong> acento fónico. Mesmo nos pares <strong>do</strong> tipo kánta/<br />

kantá', xuxa/xuxá' (kantá', xuxá', etc. são variantes <strong>da</strong>s for-<br />

mas <strong>do</strong> anterior kantába, xuxába, cf. 1.2.2.7.1 e 4.2.1.6) ca<strong>da</strong><br />

elemento <strong>do</strong> par distingue-se <strong>do</strong> outro não só pelo lugar <strong>do</strong>


acento fónico, mas também pelo grau <strong>de</strong> abertura <strong>da</strong> vogal final<br />

([-Ǡ]/[-a]).<br />

As palavras polissilábicas agu<strong>da</strong>s costumam terminar em<br />

[-r], [-l] ou [-s], em vogal nasaliza<strong>da</strong> (cf. por ex. kuskus s.<br />

'cuscuz', lugár s. 'lugar', margós adj. 'amargo', poial s.<br />

'muro que ro<strong>de</strong>ia o espaço à frente <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s casas tradicionais',<br />

ruspeta<strong>do</strong>r adj. 'respeita<strong>do</strong>r' e manhan adv. 'ama-<br />

nhã', pilon s. 'pilão', xeren s. 'sêmola <strong>de</strong> milho'), ou, mais<br />

raramente, em vogal oral (cf. por ex. banbá adv. 'talvez', ba-<br />

rapó s. 'varapau', kafé s. 'café, cafeteria'). As palavras es-<br />

drúxulas costumam ser palavras <strong>de</strong> introdução recente na língua<br />

(por ex. prátiku adj. 'prático'). As três últimas sílabas <strong>da</strong><br />

palavra são as únicas que po<strong>de</strong>m receber acento fónico em san-<br />

tiaguense.<br />

Nas palavras constituí<strong>da</strong>s por <strong>do</strong>is lexemas (i.e. palavras<br />

compostas), ambas as partes conservam o seu acento fónico (cf.<br />

por ex. fáxi-fáxi adv. 'rapi<strong>da</strong>mente', fian-fian v. 'labutar',<br />

kebra-ndjudjun s. 'pequeno almoço', Káuberdi s. '<strong>Cabo</strong> Ver<strong>de</strong>').<br />

Nas palavras em que mais <strong>de</strong> uma sílaba prece<strong>de</strong> a sílaba tóni-<br />

ca, percebe-se niti<strong>da</strong>mente uma difereça entra a sílaba ini-<br />

cial, que leva um acento fónico secundário, e as sílabas real-<br />

mente átonas na vizinhança imediata <strong>da</strong> sílaba tónica (cf. por<br />

ex. brìnkadjon s./adj. 'brincalhão', làbra<strong>do</strong>r s. 'lavra<strong>do</strong>r',<br />

nòbidádi s. 'novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, notícia', pàpelinhu s. 'papelinho', rà-<br />

pariga s. 'rapariga, amante'). A ortografia oficial <strong>do</strong> crioulo<br />

caboverdiano não marca este acento secundário.<br />

Para a marcação gráfica <strong>da</strong>s sílabas tónicas, remetemos o<br />

leitor para 2.2.2.<br />

1.3.3 Grupo tónico<br />

Em 1.1.3 <strong>de</strong>finimos o grupo tónico como sequência fónica<br />

constituí<strong>da</strong> por uma sílaba acentua<strong>da</strong> e to<strong>da</strong>s as sílabas não<br />

acentua<strong>da</strong>s ou 'átonas' que eventualmente se apoiam nela, seja<br />

prece<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-a seja seguin<strong>do</strong>-a. E acabamos <strong>de</strong> ver que não faltam<br />

palavras átonas no crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>. Juntan<strong>do</strong> estas duas<br />

afirmações, resulta que o grupo fónico po<strong>de</strong> compreeen<strong>de</strong>r mais<br />

<strong>de</strong> uma palavra neste crioulo.


1.3.3.1 Próclise e ênclise<br />

Palavras átonas que se apoiam numa palavra tónica subse-<br />

quente estão em posição proclítica. No crioulo <strong>de</strong> <strong>Santiago</strong>,<br />

encontram-se regularmente em próclise prece<strong>de</strong>n<strong>do</strong> um substanti-<br />

vo (eventualmente um adjetivo mais um substantivo) as preposi-<br />

ções monossilábicas e átonas na, di, ti, pa e ku, os adjetivos<br />

<strong>de</strong>monstrativos e possessivos, assim como o artigo in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong><br />

un (em caso <strong>de</strong> acumulação nesta or<strong>de</strong>m, cf. por ex. ku es si<br />

amigu 'com este seu amigo', ku kel un amigu 'com esse amigo',<br />

literalmente 'com esse um amigo'). Aparecem em próclise diante<br />

<strong>do</strong> verbo as seguintes formas átonas <strong>do</strong>s pronomes pessoais: sg.<br />

1 N, 2 fam. bu, cortês m. nhu, cortês f. nha, 3 el ou e, pl. 1<br />

nu, 2 nhos e 3 es. Surgem igualmente em próclise a partícula<br />

<strong>de</strong> negação ka e as partículas verbais sa, ta (em caso <strong>de</strong> acu-<br />

mulação nesta or<strong>de</strong>m, cf. por ex. E ka sa ta trabádja 'Não está<br />

a trabalhar'). Os subordina<strong>do</strong>res ki, ma e si prece<strong>de</strong>m (a parte<br />

proclítica d)o primeiro grupo tónico <strong>da</strong>s subordina<strong>da</strong>s que in-<br />

troduzem.<br />

Palavras átonas que se apoiam numa palavra tónica prece-<br />

<strong>de</strong>nte encontram-se em posição enclítica. No crioulo <strong>de</strong> Santia-<br />

go, não costuma haver palavras em posição enclítica <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

substantivos ou adjetivos. Contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um verbo <strong>de</strong>spro-<br />

vi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinência, escolhe-se para a <strong>de</strong>signação pronominal <strong>do</strong><br />

seu objeto a forma enclítica <strong>do</strong> pronome pessoal, se a houver,<br />

passan<strong>do</strong> o acento tónico <strong>do</strong> verbo para a sua última sílaba<br />

(cf. <strong>de</strong> novo E kume 'Ele comeu', mas E come-l 'Comeu-o'). As<br />

formas disponíveis são sg. 1 –m, 2 -(b)u, 3 -l, pl. 1 -nu, 3 –<br />

s. Para o tratamento cortês <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong> singular e<br />

para a segun<strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong> plural (on<strong>de</strong> não se distingue entre<br />

tratamento cortês e familiar) não há formas enclíticas, sen<strong>do</strong><br />

necessário recorrer às formas tónicas –nho, -nha e –nhos, que<br />

formam então um grupo tónico à parte (cf. E txoma 'Chamou', e<br />

E txoma-nhos 'Chamou vocês'). Também é preciso recorrer à for-<br />

ma tónica <strong>do</strong> pronome quan<strong>do</strong> o pronome pessoal segue um verbo<br />

provi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinência (-ba, -du ou -<strong>da</strong>) ou quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>signar o segun<strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> verbo (cf. E man<strong>da</strong>-l 'Man<strong>do</strong>u-o',<br />

mas E mandába-el 'Tinha-o man<strong>da</strong><strong>do</strong>' e E mandá-nu el 'Man<strong>do</strong>u-no-<br />

lo'). De facto, estamos em presença <strong>de</strong> uma regra fonotática e


não gramatical, pois não importa tratar-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>is complemen-<br />

tos (indireto e direto) <strong>de</strong>signan<strong>do</strong> objetos diferentes ou <strong>de</strong><br />

uma dupla <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> um mesmo objeto como no exemplo seguinte:<br />

… bu <strong>de</strong>xa-m mi so riba d'es mundu li, … (147/6) '…,<br />

<strong>de</strong>ixaste-me [a mim] só neste mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> aqui, …' on<strong>de</strong> o falante,<br />

ao dizer –m mi se refere duas vezes a si mesmo.<br />

Fica por dizer que há também nas sílabas tónicas <strong>de</strong> um<br />

grupo fónico uma certa gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Os pronomes<br />

pessoais <strong>de</strong> objeto, mesmo quan<strong>do</strong> tónicos, costumam sê-lo um<br />

pouco menos que a sílaba tónica <strong>do</strong> verbo, etc.<br />

1.3.3.2 Elisões<br />

O papel <strong>do</strong> grupo tónico é importante no crioulo <strong>de</strong> Santia-<br />

go, pois o emprego proclítico ou enclítico <strong>de</strong> palavras átonas<br />

<strong>de</strong>sta língua implica muitos fenómenos 'sandhi'. Conforme um<br />

uso difundi<strong>do</strong>, <strong>de</strong>signamos por 'sandhi' to<strong>da</strong> a variação fonéti-<br />

ca que ocorre ao entrarem em contato duas palavras pertencen-<br />

tes ao mesmo grupo fónico. Isto inclui a assimilação <strong>do</strong> –s em<br />

posição final <strong>de</strong> palavra à sonori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> consoante inicial <strong>de</strong><br />

uma palavra subsequente. Só que esta assimilação ocorre também<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> mesma palavra, antes <strong>de</strong> sílaba inicia<strong>da</strong> por consoan-<br />

te vozea<strong>da</strong> (cf. 1.2.2.1.2.2).<br />

Os fenómenos 'sandhi' <strong>do</strong> santiaguense, mais especificamen-<br />

te relaciona<strong>do</strong>s com o grupo tónico, são as frequentes sinale-<br />

fas, seja sob a forma <strong>da</strong> fusão <strong>de</strong> vogais finais e vogais ini-<br />

ciais em ditongos ou tritongos (sinérese), seja sob a forma <strong>da</strong><br />

simples elisão <strong>de</strong> uma vogal final antes <strong>de</strong> uma vogal inicial.<br />

A ortografia oficial não reflete as sinéreses. Fonetica-<br />

mente, estas costumam produzir os ditongos e tritongos expec-<br />

táveis: cf. por exemplo N fika ti onti [ᛌɱfikǠᛌtjonti] 'Fiquei<br />

até ontem'; Nu átxa kabritu [ᛌnwacǠkǠᛌbritu] 'Achámos o cabri-<br />

to', N ta kusiá-u bu katxupa [ntǠkuᛌsjaṷbukǠᛌcupǠ] 'Vou cozi-<br />

nhar-te a tua cachupa', etc. Do encontro <strong>de</strong> um [-u] e <strong>de</strong> um<br />

[ᛌel], costuma, porém, resultar não [wel], mas [wǠl]: E kre ká-<br />

sa ku el [eᛌkreᛌkasǠᛌkwǠl] 'Quer casar-se com ele/ela'.


Pelo contrário, a ortografia oficial costuma refletir a<br />

elisão - ao que parece, sempre opcional - através <strong>da</strong> junção<br />

<strong>da</strong>s palavras e substituição <strong>da</strong> vogal elidi<strong>da</strong> por um apóstrofo.<br />

Graças às elisões existem frequentemente alomorfes, longos e<br />

curtos, <strong>de</strong> palavras monossilábicas <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> gramatical.<br />

Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que elementos que têm a mesma vogal final se com-<br />

portam por vezes <strong>de</strong> forma análoga neste aspeto, agrupamos os<br />

elementos segun<strong>do</strong> a vogal afeta<strong>da</strong> pela elisão.<br />

Elisão <strong>de</strong> -a [Ǡ]:<br />

A elisão <strong>de</strong> –a [Ǡ] ocorre no advérbio dja adv. (cf.<br />

10.5.5.1), na partícula <strong>de</strong> negação ka (cf. 17.2), no subordi-<br />

na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> orações ma (cf. 12.2), nas preposições na e pa (cf.<br />

14.2.1 e 14.2.5), no pronome pessoal átono <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> pessoa<br />

<strong>do</strong> singular para o tratamento cortês <strong>de</strong> mulheres nha (cf.<br />

10.1.4.3), no adjetivo possessivo <strong>da</strong> primeira pessoa <strong>do</strong> singu-<br />

lar nha (cf. 10.2.3.2) e na partícula verbal ta (cf. 4.3.3).<br />

Ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong>:<br />

Dja es andába sérka di un kilómitru, … (31/34)<br />

Abo nunka N ka odjá-bu na fera! (NL 58/9)<br />

Bránka Rumána ruspon<strong>de</strong>-l ma el sa ta án<strong>da</strong> ta buska ramédi<br />

... (382/9)<br />

..., es txiga na un kábu undi ... (457/21)<br />

Kántu e kába po kumi<strong>da</strong> na prátu pa es tudu, ... (31/9)<br />

…, bán<strong>da</strong> di dés y meia pa ónzi óra di palmanhan, ...<br />

(42/12)<br />

Mamai, kelóki nha odja nha katxoris ta koba txon fadigádu,<br />

, nha largá-s tudu! (285/32)<br />

Mi go ki ta bá buska nha irmon ku ramédi pa N traze-nho,<br />

etc.<br />

... (289/15)<br />

encontrámos, com elisão:<br />

Nha kurason dj'abizába-mi bédju, ka d'oxi [ma nho ê ka mi-


ninu]! (322/7)<br />

Partidja ka fiká-s sábi, dj'es raduzi go na mata-m ...<br />

(190/3)<br />

..., e k'átxa nen un ranhadura na txon, ... (244/5)<br />

..., ami algen bránku sima kel nunka N k'odjá na nha bi<strong>da</strong>.<br />

(NL 22/3)<br />

Gentis fla m'es ta bai si mé, purki es ka ta po<strong>de</strong><br />

aguenta kel sedi. (160/31)<br />

Lobu ki dja diskunfiába m'éra Xibinhu, ... (423/6)<br />

E bo própi ki dádji n'es genti li! ... (89/25)<br />

..., e stába águ ta disprin<strong>da</strong>, sima k'el stába n'algun<br />

trabádju forsádu. (42/24)<br />

E [minina] txiga, e duspi, e kai n'águ p'e toma bánhu, ...<br />

(114/18)<br />

ə átxa <strong>do</strong>s xuxu fémia ta kume n'omésmu prátu, ... (89/7)<br />

... sta n'óra d'almusu. (116/10)<br />

... el galopia, té k'el txiga n'un al<strong>de</strong>a di piska<strong>do</strong>r.<br />

(327/21)<br />

Oxi li N ten ki aviza nha patron p'e ka ta bebe kel kafé<br />

di tárdi, … (128/6)<br />

E po mo na pórta p'abri, ... (296/16)<br />

..., Mariâ di Pó, ka sabedu p'undi ki bai: ... (216/23)<br />

Agóra, nh'ál diskánsa xintidu Maridu di nha sta sábi<br />

sima pexi déntum di águ. (O<strong>da</strong> 61/21)<br />

Nh'obi li, mi, si nha kré, N ta <strong>da</strong>-nha es [galinha ku pin-<br />

ton d'oru] ... (127/17)<br />

Mamai, N ten ki bá p'undi nh'armun Pedru, ...(296/19)<br />

E nho, muréna stába kabésa nkostádu riba nh'ónbru. (NL 16/<br />

26)<br />

Algen ma dja ka merese kusa, e ka t'atxa-l! (345/12)<br />

Nton, un kriá<strong>da</strong> ki t'odja Bránka Flor ta bá tudu noti pa<br />

bá <strong>de</strong>ta ku Djuzé, ... (128/4)


Há restrições compreensíveis: no pronome pessoal nha não<br />

ocorre elisão antes <strong>de</strong> u- [u] porque tal elisão sugeriria que<br />

se trata <strong>do</strong> pronome masculino nhu. Evita-se a contração <strong>de</strong> ka<br />

éra em k'éra por ser esta a contração usual para ki éra. Con-<br />

tu<strong>do</strong>, ocorre o seguinte tipo <strong>de</strong> fusão <strong>da</strong>s duas vogais: ...,<br />

e'ká'ra mutu tamánhu, e ngor<strong>da</strong>, e bira ru<strong>do</strong>ndu (133/39).<br />

Em t'á e t'en em vez <strong>de</strong> ta bá 'ir' e ta bem 'vir' há acu-<br />

mulação <strong>da</strong> elisão <strong>do</strong> –a [Ǡ] com a mu<strong>da</strong>nça fonética em curso <strong>de</strong><br />

que tratámos em 1.2.2.7.1, isto é, com a que<strong>da</strong> <strong>do</strong> [b] intervocálico.<br />

Cf. Nton, nu ta bai la na kel restauránti la, nu t'á<br />

toma tres serveja ka<strong>da</strong> un di nos (NL 21/21); Pedru, abo, papá<br />

sa t'en matá-u! (81/22).<br />

O interrogativo Kusê? é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma reanálise <strong>do</strong> sin-<br />

tagma Kus'ê? com elisão <strong>do</strong> –a [Ǡ] <strong>de</strong> kusa.<br />

A partícula sa, que indica 'durativi<strong>da</strong><strong>de</strong>', vai sempre se-<br />

gui<strong>da</strong> <strong>da</strong> partícula ta, que expressa 'imperfetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>' (cf.<br />

4.3.4). A impressão <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> uma elisão <strong>de</strong> um –a [Ǡ]<br />

ante consoante inicial, nos frequentes casos <strong>de</strong> s'ta em vez <strong>de</strong><br />

sa ta, reforça<strong>da</strong> pelo uso <strong>do</strong> apóstrofo, é engana<strong>do</strong>ra. Pelo<br />

contrário, historicamente trata-se <strong>da</strong> inserção <strong>de</strong> um [Ǡ] para<br />

<strong>de</strong>sfazer um grupo consonântico, pois as variantes s'ta (faze<br />

un kusa) e sa ta (faze un kusa) <strong>de</strong>rivam ambas <strong>do</strong> pg. está (a<br />

fazer uma coisa) (cf. Rougé 1988: s.v. ta e Lang 2000: 475-<br />

478). E parece que os próprios falantes não veem aqui uma eli-<br />

são, pois escrevem frequentemente sta em vez <strong>de</strong> s'ta.<br />

Elisão <strong>de</strong> -i [i]:<br />

Encontra-se a elisão <strong>de</strong> -i [i] nas preposições di e ti<br />

(cf. 14.2.2 e 14.2.3), nos subordina<strong>do</strong>res <strong>de</strong> orações ki e si<br />

(cf. 12.1 e 12.3), na conjunção subordinativa si (cf. 15.2) e<br />

no adjetivo possessivo <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>do</strong> singular si (cf.<br />

10.2.3.2):<br />

Prescindimos <strong>de</strong> exemplos com indicação <strong>da</strong> fonte para di,<br />

pois esta preposição admite a elisão <strong>do</strong> seu -i [i] antes <strong>de</strong>


qualquer palavra começa<strong>da</strong> por vogal: na flor d'idádi; <strong>de</strong>ntu<br />

d'el; xeru d'érba; mel d'abedja; un kanéka d'águ; si minina<br />

d'odju; un baion d'óliu; <strong>de</strong>ntu d'un kása; etc. Nas construções<br />

nominais on<strong>de</strong> um substantivo ou pronome introduzi<strong>do</strong> pela pre-<br />

posição segue uma palavra <strong>da</strong> mesma classe ou uma preposição tó-<br />

nica aparece frequentemente um -l em vez <strong>de</strong> di nos casos on<strong>de</strong><br />

o elemento regi<strong>do</strong> pela preposição começa por consoante (ex. Ma-<br />

ridu-l nhá ê pirgisós 'O seu mari<strong>do</strong> é preguiçoso'; E bota-l<br />

<strong>de</strong>ntu-l lumi 'Atirou-o à fogueira'; etc., cf. 14.2.2).<br />

Historicamente não parece tratar-se <strong>da</strong> transformação <strong>de</strong> um [d]<br />

fruto <strong>da</strong> elisão <strong>do</strong> [i] <strong>da</strong> preposição di, em [l], mas antes <strong>de</strong><br />

um elemento her<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>do</strong> wolof (cf. Lang 2009: 2.2.2.1).<br />

Nos subordina<strong>do</strong>res ki e si e na conjunção <strong>de</strong> subordinação<br />

condicional si, a elisão <strong>da</strong> vogal ocorre apenas antes <strong>do</strong>s pro-<br />

nomes <strong>de</strong> terceira pessoa, que começam por e-:<br />

Pedrinhu pensa: - Agóra k'es ta mata-m! (190/3)<br />

Kel boi éra taun máu k'até dipos di mórtu, el kontinuá ta<br />

ser máu. (236/25)<br />

A restrição <strong>de</strong>ver-se-á ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> evitar ambigui<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

pois a partícula <strong>de</strong> negação ka e a preposição ku também admi-<br />

tem a elisão <strong>da</strong> sua vogal.<br />

...,juiz pergunta-l s'e ta konxe-l. (208/23)<br />

S'e kontra ku piodju nos áza k'e frega na odju, odju ta<br />

bira prontu, e ta odja tudu káu! (199/26)<br />

O adjetivo possessivo <strong>da</strong> terceira pessoa <strong>do</strong> singular si só<br />

admite elisão <strong>da</strong> sua vogal antes <strong>de</strong> palavra começa<strong>da</strong> por i-:<br />

Manel papia ku si barinha, abri odju fitxa, dja-l sabeba<br />

na pundi stába s'irmun Pálu.(326/20).<br />

Elisão <strong>de</strong> -u [u]:


A elisão <strong>de</strong> -u ocorre na preposição ku (cf. 14.2.19) e no<br />

pronome pessoal átono <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> pessoa <strong>do</strong> singular para o<br />

tratamento cortês <strong>de</strong> homens nhu (cf. 10.1.4.3).<br />

Na preposição ku só a encontrámos antes <strong>de</strong> palavra começa-<br />

<strong>da</strong> por u-. Esta restrição po<strong>de</strong> ter que ver com o facto <strong>de</strong> tam-<br />

bém o subordina<strong>do</strong>r <strong>de</strong> orações ki e a partícula <strong>de</strong> negação ka<br />

admitirem a elisão <strong>da</strong> sua vogal. Abun<strong>da</strong>m os exemplos <strong>de</strong> elisão<br />

<strong>da</strong> vogal <strong>de</strong> ku antes <strong>do</strong> artigo in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> un:<br />

Kel kusa, kusa éra un ómi k'un mudjer. (213/1)<br />

Manhan, bu ten ki po-m el bira un grándi órta, xeiu di vi<strong>de</strong>ra<br />

k'uva tudu madur, (116/32).<br />

Para o pronome masculino nhu só conseguimos <strong>do</strong>cumentar a<br />

elisão <strong>da</strong> sua vogal antes <strong>de</strong> palavras começa<strong>da</strong>s por o-. Nos<br />

casos em que se verifica a elisão, cabe à situação ou ao con-<br />

texto informar se se trata <strong>do</strong> pronome nhu ou <strong>do</strong> seu correspon-<br />

<strong>de</strong>nte feminino nha:<br />

Nhu Manel, nh'odja, Nhánha Tóri Fin di Mundu <strong>de</strong>xa-m k'un<br />

prizenti pa N <strong>da</strong>-nho ... (343/13).<br />

Lembremos mais uma vez que to<strong>da</strong>s as elisões <strong>de</strong> que trata-<br />

mos neste parágrafo são facultativas.<br />

Nos casos como:<br />

..., abri odju fitxa, dja-l sabeba na p'undi stába s'irmun<br />

Pálu (326/20)<br />

Manel pukenta, el pega d'un kór<strong>da</strong>, el mára na bóka d'arsapon,<br />

ku kelotu pónta el fulha Pálu, la pa fundu, pa-l<br />

mára na sintura, pa-s po<strong>de</strong>ba puxa-l pa riba (326/24)<br />

não há elisão <strong>do</strong> e- <strong>do</strong>s pronomes pessoais el e es <strong>da</strong> ter-<br />

ceira pessoa <strong>do</strong> singular e <strong>do</strong> plural. De um ponto <strong>de</strong> vista es-<br />

tritamente sincrónico, trata-se simplesmente <strong>do</strong> uso <strong>da</strong> forma<br />

enclítica <strong>de</strong>stes pronomes (cf. 10.1.1 e 10.1.4.4).


1.3.4 Entoação<br />

Neste ponto <strong>da</strong> nossa gramática, o leitor <strong>de</strong>veria encontrar<br />

um capítulo sobre entoação que o autor é, porém, incapaz <strong>de</strong><br />

fornecer. Faltam-lhe conhecimentos teóricos para o organizar e<br />

não se <strong>de</strong>dicou nunca a estu<strong>da</strong>r este aspeto <strong>do</strong> crioulo santia-<br />

guense. Aliás, teve sempre a impressão <strong>de</strong> que, impon<strong>do</strong> às suas<br />

frases uma entoação encontra<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma intuitiva e certamente<br />

próxima <strong>de</strong> uma frase alemã mais ou menos análoga, não chocava<br />

os ouvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s seus interlocutores caboverdianos. Faltará,<br />

pois, este capítulo nesta gramática como falta em tantas ou-<br />

tras. Limitar-nos-emos a umas poucas observações.<br />

Se no crioulo santiaguense o acento fónico é marca<strong>do</strong> prin-<br />

cipalmente pela intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> (cf. 1.1.3), na entoação aprovei-<br />

ta-se essencialmente a altura <strong>da</strong>s vogais tónicas para consti-<br />

tuir curvas melódicas características. Há duas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fóni-<br />

cas que se caracterizam por uma entoação própria. São elas a<br />

frase (cf. 1.1.1) e a palavra fónica (cf. 1.1.2). No capítulo<br />

<strong>da</strong> entoação teria pois <strong>de</strong> haver <strong>do</strong>is subcapítulos: o que trata<br />

<strong>da</strong> entoação <strong>da</strong> frase e o que trata <strong>da</strong> entoação <strong>da</strong> palavra fó-<br />

nica. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a entoação <strong>da</strong> palavra fónica está for-<br />

çosamente subordina<strong>da</strong> à entoação <strong>da</strong> frase, <strong>de</strong>veria tratar-se<br />

primeiro <strong>da</strong> entoação <strong>da</strong>s frases e só <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> entoação <strong>da</strong>s<br />

palavras fónicas. Nas frases parentéticas, nas orações relati-<br />

vas explicativas e por vezes também nas aposições (vejam-se os<br />

exemplos em 1.1.2), a referi<strong>da</strong> subordinação costuma manifes-<br />

tar-se por uma menor intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> pronúncia e numa menor al-<br />

tura <strong>da</strong> sua entoação.<br />

De resto, prevê-se que muitas opiniões amplamente difundi-<br />

<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> entoação não resistirão a um exame pormenoriza-<br />

<strong>do</strong>. Entre elas, a <strong>de</strong> que to<strong>da</strong> a frase interrogativa, ou pelo<br />

menos to<strong>da</strong> a frase interrogativa total, ostenta necessariamen-<br />

te uma entoação especificamente interrogativa, etc.

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