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Luca - Moa Sipriano

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pequena doação ao autor. Toda forma de apoio é bem-vinda e sua atitude incentivará a<br />

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* * *<br />

Sobre mim-eu-mesmo: “<strong>Moa</strong> <strong>Sipriano</strong> produz exclusivamente literatura adulta que aborda<br />

todos os meandros do universo gay masculino. Seus artigos realistas, contos polêmicos e<br />

romances homoeróticos remetem à reflexão e promovem momentos excitantes de<br />

surpreendentes descobertas.”<br />

* * *<br />

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<strong>Luca</strong><br />

<strong>Moa</strong> <strong>Sipriano</strong><br />

2003<br />

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“Céus, como adoro um ‘homosexo’”, pensou Detlev, ofegante. O suor escorria-lhe pela face.<br />

O corpo estava encharcado, enquanto uma boca sem dentes lhe sugava o membro rígido. Dez<br />

minutos bastaram para a realização daquele ato mecânico. Após ter ejaculado na boca do velhote,<br />

Detlev retirou o lenço italiano do bolso da Ellus desbotada. Enxugou primeiramente o rosto,<br />

depois o peito liso e ensopado de suor.<br />

“Tome um agrado e, por favor, saia do meu carro!”, ele disse ao velho homem que acabara<br />

de lhe dar prazer. Este lhe sorriu maliciosamente, contando as notas, como se dissesse: “tudo bem,<br />

senhor!”, abrindo a porta do Nissan Altima, ganhando a noite fria da ilha, enxugando a boca úmida<br />

com as costas da mão fina, enrugada, suja.<br />

Assim que o homem saiu do seu carro, Detlev apertou um botão no painel, travando<br />

automaticamente todas as entradas. Secou o membro desfalecido, guardando-o dentro do tecido de<br />

seda pura. Fechou em seguida os botões de metal do jeans preferido utilizado nas noites de prazer.<br />

Sorria de satisfação pelo ato realizado, pois curtia rapidinhas com homens morenos, andarilhos da<br />

noite, corpos sem identidades.<br />

Detlev era um homem atraente. Vaidoso, o alemão tinha uma pele muito bem cuidada. Era<br />

dono do maior patrimônio que um homem pode ter na vida: dentes naturais e perfeitos. E a<br />

exuberante cabeleira cor de prata harmonizava com brilhantes e astutos olhos azuis acinzentados.<br />

Advogado, especialista em causas que outros profissionais do seu ramo achavam<br />

impossíveis, fez fama e fortuna na cidade grande, defendendo os interesses de empresas e<br />

comerciantes influentes de Downie, sua terra natal.<br />

Aos quarenta e três anos, no auge da fama, decidiu viver no anonimato da pequena e pacata<br />

Lovland, que descobrira durante uma visita a um cliente multimilionário, morador antigo da ilha,<br />

que solicitara seus eficientes serviços. Lovland tem o poder de atrair homens solitários.<br />

Solteiro, era cobiçado por mulheres e homens. Estabilizado, culto, viajado, não fumante, não<br />

sedentário. Bebidas? Somente duas taças de vinho tinto por dia; uma no almoço e outra na hora do<br />

jantar solitário. No restante do tempo embebedava-se de Perrier. Litros por dia.<br />

Defeitos? Eram poucos. Detlev era um homem prático e objetivo nas ações. Filho único de<br />

mãe solteira, que dedicou a vida toda para o bem estar do menino, dando-lhe, com esforço, a<br />

melhor educação possível; bons colégios, boa alimentação e vestuário decente, na medida de suas<br />

posses. Detlev aprendeu com a mãe a tomar conta de si mesmo desde muito cedo, tornando-se<br />

independente logo aos quinze.<br />

Vícios? Somente um: sexo. Detlev era fascinado pela arte do sexo. Manteve-se virgem, casto<br />

e ignorante até os vinte e dois. Tímido, jamais avançara o sinal com nenhum ser humano.<br />

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Dedicava todo o tempo livre aos estudos, ao trabalho (era assistente do famoso doutor Anton<br />

Kratz, uma das maiores autoridades jurídicas daquele tempo) e a Roxie, seu labrador chocolate,<br />

que fora um presente de Karen, amiga de faculdade. Nos anos 80, os pais de Karen administravam<br />

um popular canil na periferia de Downie.<br />

Somente em outubro de 1981, numa noite infernal, foi durante um passeio com Roxie pelas<br />

ruas próximas do seu antigo apartamento na rua Belt que Detlev descobriu o baixo prazer quando<br />

um rapaz lhe abordou com um olhar diferente.<br />

Tocando no sexo rígido que explodia por dentro da calça de couro, o rapaz como que<br />

hipnotizara os sentidos de Detlev, que o acompanhou até um beco escuro. Na noite quente acima<br />

do normal, corpos de machos eram espremidos no concreto frio. Línguas debatiam-se num beijo<br />

seco. Roxie deitou-se ao lado do seu dono, indiferente à batalha que ocorria entre os dois homens.<br />

O rapaz atacava o corpo de Detlev com afinco. Sua boca percorria cada centímetro do corpo<br />

virgem, desbravando todas as fronteiras existentes, enquanto o pálido e nervoso jovem não-mais-<br />

virgem segurava com firmeza a correia do seu cão, temendo ser deixado sozinho nas mãos<br />

experientes daquele que lhe mostrava os mistérios da carne.<br />

Antes mesmo de ter seu membro retirado para fora do agasalho, Detlev despejara seu sêmen<br />

nas mãos daquele que lhe proporcionara o primeiro orgasmo real de sua vida. Levou um tapa na<br />

face esquerda, enquanto ouvia palavras grosseiras, em alemão, do sujeito que deixara claro que<br />

não havia terminado o serviço.<br />

Mais de vinte anos haviam se passado desde aquela experiência pueril. Hoje era Detlev que<br />

dominava todas as situações. Nas horas livres de seus compromissos particulares – que atualmente<br />

eram escassos, por opção – havia tempo suficiente para o “homosexo”, expressão idealizada desde<br />

que começara a transar com homens.<br />

O prazer da caçada. As estratégias para se conquistar a próxima vítima. Era isso que<br />

mantinha Detlev em estado de alerta. Para o ato sexual, qualquer um podia ser o candidato ideal.<br />

Qualquer homem, não importando idade, cor ou posição sociocultural.<br />

As únicas restrições em sua busca pelo prazer eram o sexo em grupo, já que Detlev era<br />

extremamente egoísta durante o ato e jamais permitiria “dividir” sua presa com outra pessoa; sexo<br />

com crianças e sexo com homens de origem asiática, pois um oriental havia arruinado moralmente<br />

sua adolescência nos tempos do ginásio – daí o preconceito.<br />

O momento ideal para trepar podia ser a qualquer instante. Logo nas primeiras horas da<br />

manhã, durante as longas caminhadas pela praia de areias brancas próxima de sua casa. Na hora do<br />

almoço, em algum local inabitado. Dentro do carro em ruas desertas ou até mesmo no meio da<br />

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mata, abundante em toda ilha.<br />

Mas era nas noites frias que a oferta tornava-se mais promissora. Em qualquer esquina,<br />

dentro de qualquer bar, em todos os banheiros públicos ou no cinema de putaria e pegação<br />

masculina no lado pobre da ilha, era possível encontrar homens dispostos a todo tipo de fantasia,<br />

principalmente os nativos pescadores.<br />

Controlado e metódico, a única regra seguida por Detlev durante a captura de seu objeto de<br />

prazer era: somente um. Jamais fodia com mais de um homem em um único dia. Detlev preferia<br />

passar horas dentro do quarto a satisfazer seus instintos em numerosas sessões de punhetaria, nas<br />

quais costumava ejacular duas, três, quatro vezes em curtos espaços de tempo.<br />

Durante a caçada, usava o olhar frio e direto como arma. Um simples olhar, uma acariciada<br />

de leve no sexo escondido debaixo do jeans apertado, delineando seus contornos perfeitos, mesmo<br />

com o membro em repouso, já era o suficiente para atrair sua presa.<br />

Sentindo que o candidato era mais viril, bastava acariciar com suas mãos manicuradas as<br />

nádegas macias e perfeitamente arredondadas. O movimento sensual era capaz de enlouquecer<br />

caminhoneiros, marinheiros de passagem pela ilha e principalmente os motoqueiros tarados por<br />

bundas masculinas. Uma legião deles rondava Lovland nos finais de semana, vindos do continente.<br />

Uma vez escolhida a vítima, não havia troca de palavras. Quando eram necessárias, somente<br />

frases feitas e mentiras menores eram permitidas. Jamais nomes verdadeiros, locais de moradia,<br />

envolvimento de terceiros. O que importava era o prazer. O que importava era o gozar. Sem<br />

sentimentalismos, sem palavras de amor irreal, sem desejo do enrosco de amanhã, sem “dia<br />

seguinte”.<br />

O ato sempre era consumado. Poderia ser um duplo oral. Ou a penetração de um ou de<br />

ambos num rápido rodízio de corpos. Ou uma dupla punheta. Enquanto Detlev não ejaculava<br />

(pouco importava o prazer do outro), a brincadeira não era encerrada.<br />

Ao ser penetrado por outro homem, já que assim demorava mais para terminar, mesmo<br />

depois que o parceiro havia inundado o seu interior, em uma atitude típica dos bons advogados-<br />

atores implorava por um beijo – sua performance afetada era digna de nota – ou pedia para o<br />

parceiro morder-lhe os mamilos, onde finalmente pudesse chegar ao orgasmo socando seu membro<br />

com a mão direita.<br />

Quando encontrava um ser menos afortunado economicamente, usava a tática do pagamento<br />

fácil para buscar o que queria. Jamais pagava um profissional por momentos de sexo, mas<br />

costumava ser muito generoso com seus objetos humanos considerados inferiores. Muitas eram as<br />

oportunidades de se encontrar homens que por apenas uma nota de vinte ou algumas cervejas eram<br />

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capazes das mais variadas performances sexuais, muitas delas novidades completas para Detlev,<br />

que apreciava a criatividade e o fogo sagrado desses seres.<br />

Tão pouco dinheiro por chupadas inesquecíveis. Por trepadas homéricas embaixo de pontes,<br />

atrás de balcões de lojas decadentes, em quiosques na beira da praia, dentro de carros da polícia ou<br />

na sacristia da catedral de São Crabedean. Por dinheiro, pouco dinheiro, tudo era possível.<br />

* * *<br />

A roda do destino girou numa tarde ensolarada de um domingo tedioso. Roxie II estava<br />

deitada em seu gabbeh indiano, de matizes em vermelho e laranja, mordendo o restante das franjas<br />

sobreviventes. Detlev havia acabado de acordar.<br />

Apesar do banho revigorante, os olhos ainda ardiam por causa de uma noite passada em<br />

claro, após horas de chupação com um argentino que não admitia penetrar ou ser penetrado. Um<br />

suco de graviola e uma aspirina animaram Detlev a um passeio com Roxie II pela praia de Gobsun,<br />

o mais belo pedaço do paraíso.<br />

Ao chegarem às areias brancas e fofas do seu destino, Detlev soltou a correia do labrador,<br />

deixando-a correr em direção do mar. Roxie II adorava água. Ela adorava brincar nas ondas calmas<br />

que morriam na areia. Observando as estripulias da fiel amiga, Detlev sentou-se ao lado de uma<br />

pedra, apoiando as costas largas na superfície porosa e fria. Minutos se passaram, quando notou a<br />

presença de alguém vindo do norte. Um belo rapaz caminhava lentamente no meio das areias, ora<br />

direcionado o olhar para o mar esmeralda; ora direcionado o olhar para o infinito.<br />

Roxie II foi mais rápida, correndo em disparada em direção ao anjo juvenil. Ele ajoelhou-se<br />

na areia, afagando com carinho sincero a pelagem chocolate do sapeca labrador. Vieram lado a<br />

lado até Detlev. Um largo sorriso selou o primeiro contato entre os dois.<br />

Apresentações feitas, o jovem de nome <strong>Luca</strong> sentou-se próximo do velho alemão. Jamais,<br />

em toda sua existência, Detlev imaginou-se amando verdadeiramente um outro homem. E apesar<br />

dos parcos instantes passados ao lado do jovem dourado, ele descobriu no seu íntimo que daquele<br />

contato não sairia um simples momento de prazer egoísta.<br />

Algo aconteceu durante o agradável bate-papo. Uma sensação jamais idealizada invadiu o<br />

coração do caçador de prazeres. Ele agora era dominado. Dominado por um sentimento nobre.<br />

Dominado por uma amizade real. Dominado por uma sinceridade indescritível de um ser de puras<br />

intenções. Dominado pela ausência da maldade ou da luxúria. Dominado pelo nascimento do amor.<br />

Detlev estava surpreso e encantado com a situação. Detlev estava completamente apaixonado.<br />

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* * *<br />

Houve muitos encontros depois do primeiro encontro. Passeios de bicicleta pela orla,<br />

jantares, sessões de cinema em Downie, visitas ao Palavras de Estreia, a única livraria da ilha,<br />

telefonemas diários. A ansiedade para ouvir a voz do ser amado era tamanha, que Detlev não<br />

conseguia permanecer mais de um metro longe do antigo aparelho verde-pálido pousado sobre a<br />

mesa. Ele odiava telefones celulares.<br />

Como um adolescente vivendo a primeira paixão, Detlev entregou-se aos caprichos do Amor.<br />

Suas estratégias de caça deram lugar a estratégias de conquista. Seu tesão desenfreado deu lugar ao<br />

desejo do toque e do carinho compartilhado. Sua tara por sexo descompromissado deu lugar à<br />

vontade de fazer o amor sem pressa, sem cobrança, sem posse, sem atos de egoísmo, sem medo de<br />

se entregar.<br />

O responsável pela radical mudança tinha um nome e uma identidade: <strong>Luca</strong>, o homem de<br />

ouro e esmeralda no olhar encontrado sozinho numa praia pouco movimentada. <strong>Luca</strong>, o olhar mais<br />

doce e sincero que um ser humano é capaz de transmitir a outro. <strong>Luca</strong>, a boca de lábios perfeitos e<br />

sedosos a proferir palavras singelas e sensíveis que tocaram o coração cansado de Detlev.<br />

* * *<br />

O jantar estava pronto. Encomendado no Groove´s, já que Detlev há séculos não cozinhava<br />

para mais de uma pessoa e naquela noite tudo deveria ser perfeito.<br />

Era a comemoração do terceiro mês de união.<br />

Oito horas, a campainha tocou suas três badaladas. A porta foi aberta. Um abraço suave foi<br />

trocado entre dois machos ansiosos. Um beijo de lábios fechados selou o “boa noite”. A carícia de<br />

uma sensível mão macia tocava a face branca do velho alemão. Detlev notou o brilho no olhar de<br />

<strong>Luca</strong>. O anjo dourado encostou a porta com o pé direito, e sua boca implorava o segundo beijo do<br />

amado, atitude prontamente atendida.<br />

“Tenho algo para você”, disse <strong>Luca</strong>, entre sorrisos luminosos. “Pegue, aqui está o meu<br />

coração!”, continuou, segurando a mão do amado, posicionando-a no lado esquerdo do peito.<br />

Detlev sentiu o ritmo acelerado pulsar no tórax delicado do seu anjo iluminado. Ele sabia<br />

que aquela atitude bobiça era sincera e que <strong>Luca</strong> não estava somente entregando-lhe o coração,<br />

mas sim dando-lhe a oportunidade de um recomeço; uma chance definitiva para viver algo<br />

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verdadeiro e sincero.<br />

Jantaram ao som de Suede. A troca de carícias e olhares indicava que a noite prometia<br />

sensações inefáveis. Louça lavada e guardada. Uma dose do café irlandês preparado por <strong>Luca</strong>.<br />

Caminharam de mãos dadas até a sala. Detlev deu boa noite a Roxie II, levando-a para sua casinha<br />

nos fundos da casa maior.<br />

Ao retornar, <strong>Luca</strong> estava nu, o sexo coberto com uma almofada em formato de estrela.<br />

Detlev ficou tocado ao ver a cena, digna de uma pintura renascentista. O alemão entregou seu<br />

corpo ainda tenso ao abraço macio do seu anjo dourado. <strong>Luca</strong> afagou-lhe a farta cabeleira<br />

prateada, tentando curar a alma de seu amado de todos os desvios cometidos ao longo de uma<br />

existência errante. Ele sentia o passado de Detlev no toque das mãos. Nada mais precisava ser<br />

explicado.<br />

“Agora eu serei seu homem... para sempre!”, disse <strong>Luca</strong>, num sussurro, enquanto as mãos<br />

acariciavam o rosto sereno de Detlev.<br />

“Quero sentir seu beijo... quero fazer o amor com você”, disse Detlev, fechando os olhos<br />

para impedir a saída da emoção.<br />

Em prantos, Detlev não pronunciou nenhuma palavra, mas dentro de si sabia que algo havia<br />

se modificado em seu destino. Ele deveria aproveitar a última chance da plena felicidade. E<br />

entregou-se aos cuidados do seu menino, pronto para fazer, pela primeira vez em sua vida, o<br />

verdadeiro amor dos apaixonados.<br />

FIM<br />

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