ACP prezando pela não utilização do fogo para a limpeza do solo ...
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO<br />
DA COMARCA DE _______-GO<br />
“Justifica-se a propositura de ação civil pública de ressarcimento<br />
de danos e <strong>para</strong> impedir a queima da cana-de-açúcar, <strong>para</strong><br />
fins de colheita, diante da infração ambiental provocada (...)” (Súmula nº 19<br />
<strong>do</strong> Conselho Superior <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo).<br />
“(...) é devida a obrigação de <strong>não</strong>-fazer consubstanciada na<br />
abstenção de <strong>fogo</strong> no preparo <strong>para</strong> o plantio e colheita de<br />
culturas renováveis, tais como lavoura de cana-de-açúcar, sob pena<br />
de imposição de multa diária estabelecida na sentença, ex vi <strong>do</strong> art.<br />
27 <strong>do</strong> Código Florestal. REsp 439.456-SP, Rel. Min. João Otávio de<br />
Noronha, julga<strong>do</strong> em 3/8/2006. 2ª Turma” (Boletim Informativo nº 291<br />
<strong>do</strong> STJ).<br />
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por<br />
intermédio <strong>do</strong> Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições<br />
constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, to<strong>do</strong>s da<br />
Constituição Federal de 1988), e fulcra<strong>do</strong> no sistema aberto de proteção <strong>do</strong>s<br />
interesses difusos e coletivos estatuí<strong>do</strong> <strong>pela</strong> fusão harmônica das Leis 8625/93,<br />
8078/90 e 7347/85, vem perante este ínclito juízo propor a presente<br />
I) DOS FATOS<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE<br />
CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR<br />
em desfavor de .....................................................,<br />
<strong>pela</strong> fundamentação fática e jurídica a seguir exposta:<br />
Conforme comprovam as peças de informação anexas, este órgão<br />
Ministerial tem recebi<strong>do</strong> rotineiramente inúmeras reclamações da população local<br />
atinentes à incessante poluição causada <strong>pela</strong> queima da palha da cana-de–açúcar,<br />
principalmente, em decorrência da enorme sujeira causada por esta prática em toda<br />
a cidade.<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Nesse passo, vale ressaltar que o dano<br />
ambiental sofri<strong>do</strong> <strong>pela</strong> comunidade local é fato público 1 e notório, que, por isso<br />
mesmo, “<strong>não</strong> depende de prova” (segun<strong>do</strong> o coman<strong>do</strong> verti<strong>do</strong> no artigo 334, inciso I,<br />
<strong>do</strong> Código de Processo Civil).<br />
Conforme afirma<strong>do</strong>, é notoriamente sabi<strong>do</strong> que os demanda<strong>do</strong>s<br />
efetuam a queimada de vários hectares de cana-de-açúcar em várias propriedades<br />
rurais, situadas no Município de _________.<br />
Do mesmo mo<strong>do</strong>, sabe-se que a queima da palha da cana é<br />
atividade que degrada em demasia o meio ambiente, devi<strong>do</strong> ao aumento das<br />
concentrações de monóxi<strong>do</strong> de carbono e ozônio, que trazem como conseqüências<br />
principais a poluição atmosférica.<br />
Além <strong>do</strong> mais, a queima da cana causa, também, graves incômo<strong>do</strong>s<br />
à população em decorrência da produção de partículas sólidas (“carvãozinho”); a<br />
morte indiscriminada de espécies animais; o empobrecimento orgânico <strong>do</strong> <strong>solo</strong> –<br />
facilitan<strong>do</strong> o surgimento de erosões e <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “processo de desertificação” –, bem como a<br />
ocorrência de sérios danos à saúde de toda a população atingida (aumento da<br />
incidência de <strong>do</strong>enças respiratórias), especialmente <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res das usinas e,<br />
particularmente, <strong>do</strong>s “corta<strong>do</strong>res de cana” (verdadeiros escravos!!!). Dessarte, está-se<br />
diante de um verdadeiro e horren<strong>do</strong> “desastre” 2 <strong>para</strong> o Meio Ambiente e <strong>para</strong> a<br />
Saúde Pública.<br />
Do ponto de vista científico, <strong>não</strong> há mais nenhuma dúvida quanto à<br />
degradação ambiental e os danos à saúde humana provoca<strong>do</strong>s <strong>pela</strong> queima da<br />
palha da cana-de-açúcar. Roboran<strong>do</strong> esta asserção, pede-se vênia <strong>para</strong> reproduzir<br />
abaixo alguns trechos <strong>do</strong> primoroso trabalho 3 elabora<strong>do</strong> pelo ilustre Promotor de<br />
1 Apenas <strong>para</strong> evidenciar a intensa expansão desta afrontosa prática (queima da cana-de-açúcar),<br />
anote-se: “Matéria publicada na edição de ontem <strong>do</strong> jornal americano Washington Post<br />
afirma que o plantio de cana-de-açúcar, soja e outras culturas irá destruir toda a área de<br />
Cerra<strong>do</strong> brasileiro até 2030. Com o título ‘Perden<strong>do</strong> a floresta <strong>para</strong> abastecer carros’, a matéria ainda fala<br />
que nos últimos 40 anos o Cerra<strong>do</strong> perdeu metade de sua área em conseqüência de<br />
plantações e que a taxa de desflorestamento é mais alta que a da Amazônia” (Diário da<br />
Manhã on line – http://www.dm.com.br/materias.php?id=10395 – Edição <strong>do</strong> dia 1º de agosto de<br />
2007. Acesso em: 03/08/2007).<br />
2 O referi<strong>do</strong> “desastre” <strong>não</strong> está no plantio da cana-de-açúcar. O problema (que já se verifica com<br />
bastante intensidade e tende a aumentar ainda mais se <strong>não</strong> forem tomadas as necessárias<br />
providências) está na colheita da cana-de-açúcar, ou melhor, na <strong>utilização</strong> <strong>do</strong> terrível, perverso e<br />
inadmissível méto<strong>do</strong> das queimadas <strong>para</strong> facilitar a colheita (manual) da cana-de-açúcar<br />
cultivada e utilizada nas atividades industriais <strong>do</strong>s demanda<strong>do</strong>s.<br />
3 In, Revista de Direito Ambiental, vol 5. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais. Ministério Público e<br />
práticas rurais anti-ambientais: o combate às queimadas da cana-de-açúcar no nordeste paulista,<br />
p. 65.<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Justiça <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo,<br />
Marcelo Pedroso Goulart (comarca de Ribeirão Preto). In ipsis litteris:<br />
- Poluição atmosférica:<br />
No decorrer <strong>do</strong>s anos de 1988 e 1989, E.V.A Marinho e V.W.J.H<br />
Kirchhoff, pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais<br />
(INPE), desenvolveram pesquisas e estu<strong>do</strong>s, consubstancia<strong>do</strong>s no chama<strong>do</strong><br />
“Projeto Fogo”, com o objetivo de estudar o efeito das queimadas da palha da<br />
cana-de-açúcar sobre os gases atmosféricos ozônio, monóxi<strong>do</strong> de carbono e<br />
dióxi<strong>do</strong> de carbono. O Esta<strong>do</strong> de São Paulo foi escolhi<strong>do</strong> como sede de<br />
experimento em razão de sua importância na produção de cana-de-açúcar. Com<br />
a expansão da cultura canavieira e o boom <strong>do</strong> proálcool em 1975, São Paulo<br />
passou a produzir já no início <strong>do</strong>s anos 80, mais de 50% da cana-de-açúcar <strong>do</strong><br />
país, atingin<strong>do</strong>, em 1989, uma área colhida de 1,7 milhões de hectares (132<br />
milhões de toneladas de cana produzida). Ante a vasta extensão da área<br />
plantada, as queimadas <strong>do</strong>s canaviais passaram a ser fonte intensa de produção<br />
de gases.<br />
Durante as queimadas, ocorre a liberação de gases tóxicos primários, como<br />
por exemplo, monóxi<strong>do</strong> de carbono, dióxi<strong>do</strong> carbono, meta-nos,<br />
hidrocarbonetos. Sob a ação <strong>do</strong>s raios solares, os gases primários libera<strong>do</strong>s <strong>pela</strong>s<br />
queimadas combinam-se, produzin<strong>do</strong> o ozônio (gás secundário). As altas<br />
concentrações de ozônio na baixa atmosfera são nocivas à saúde e ao<br />
desenvolvimento das plantas.<br />
Da<strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s durante a pesquisa revelaram altos índices de concentração<br />
de monóxi<strong>do</strong> de carbono e ozônio durante a safra, época das queimadas. Na<br />
estação chuvosa, quan<strong>do</strong> <strong>não</strong> há queimadas, as concentrações de ozônio <strong>não</strong><br />
atingiram 30 partes por bilhão por volume (ppbv) e de monóxi<strong>do</strong> de carbono,<br />
100 ppbv. No perío<strong>do</strong> das queimadas foram observadas concentrações de até<br />
80 ppbv <strong>para</strong> o ozônio, e 600 ppbv <strong>para</strong> o monóxi<strong>do</strong> de carbono. Portanto,<br />
houve um aumento variável de 3 a 6 vezes na concentração desses gases durante<br />
a época das queimadas.<br />
Os municípios da zona rural pesquisada apresentaram um índice entre 50%<br />
a 100% a mais de CO e O3, equi<strong>para</strong>n<strong>do</strong>-se a cidades industriais. Segun<strong>do</strong><br />
Kirchhoff, estu<strong>do</strong>s demonstraram que <strong>para</strong> cada 10 ppbv de excesso de<br />
concentração de O3 ocorre uma queda de 10% <strong>do</strong> rendimento agrícola. Com os<br />
índices de concentração constata<strong>do</strong>s o Esta<strong>do</strong> de São Paulo estaria perden<strong>do</strong><br />
uma parcela significativa de sua produção agrícola. Mais: o Esta<strong>do</strong> de São<br />
Paulo responde pelo lançamento na atmosfera de 35 mil toneladas de carbono,<br />
na forma de CO, produzidas <strong>pela</strong>s queimadas <strong>do</strong>s canaviais e a quantidade de<br />
matéria seca queimada nos canaviais paulista por ano, na unidade de área é de<br />
15 vezes maior que a matéria queimada na Amazônia.<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Para Kirchhoff, ‘a queima da cana afeta<br />
profundamente a atmosfera’.<br />
Não menos significativa a produção de partículas visíveis (conhecidas<br />
vulgarmente por carvãozinho), que, além de causar incômo<strong>do</strong>s à população,<br />
contribuem par a piora da qualidade <strong>do</strong> ar.<br />
- Saúde Pública:<br />
- Doenças respiratórias:<br />
Os professores <strong>do</strong>utores José Carlos Manço e Antônio Ribeiro Franco,<br />
<strong>do</strong>centes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São<br />
Paulo (USP), são autores de pesquisas, monografias e lau<strong>do</strong>s periciais que<br />
demonstram o seguinte:<br />
• as <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> aparelho respiratório representam a segunda principal<br />
causa de internações nos hospitais da região canavieira de Ribeirão Preto;<br />
• as internações por esta causa – <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> aparelho respiratório –<br />
contribuem com cerca de 20.000 casos anuais, <strong>para</strong> uma população de<br />
referência de 911.462 habitantes;<br />
• há uma variação sazonal da incidência das <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> aparelho<br />
respiratório, com uma curva ascendente a partir <strong>do</strong> meses de março/abril,<br />
atingin<strong>do</strong> o pico em junho/julho e decréscimo a partir de outubro/novembro;<br />
• na região canavieira de Ribeirão Preto, portanto, são coincidentes<br />
os perío<strong>do</strong>s das queimadas da cana-de-açúcar e o <strong>do</strong> aumento<br />
de incidência de internações por <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> aparelho<br />
respiratório.<br />
Concluem que: ‘As queimadas nos canaviais contribuem <strong>para</strong> a<br />
poluição atmosférica e, como conseqüência, representam<br />
fator desencadeante ou agravante de <strong>do</strong>enças respiratórias’.<br />
A professora <strong>do</strong>utora Tânia Maria Shi, <strong>do</strong>cente da Faculdade de Medicina<br />
da Universidade de São Paulo (USP), é autora <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> ‘Vias aéreas<br />
inferiores e a poluição’, publica<strong>do</strong> no Jornal de Pediatria, vol. 73, n.º 3, no<br />
qual, concluiu que:<br />
• a poluição <strong>do</strong> ar na cidade de São Paulo atingiu níveis suficientemente<br />
altos <strong>para</strong> causar efeitos adversos à saúde da população exposta;<br />
• da mesma forma, as crianças expostas aos poluentes <strong>do</strong><br />
ar da região canavieira representaram maior prejuízo na<br />
saúde.<br />
Foi enfática ao frisar que: ‘Os poluentes presentes no ar da<br />
região de Piracicaba, provenientes da queima da palha da<br />
cana-de-açúcar, surtem efeitos nocivos à saúde da criança’.<br />
A pesquisa<strong>do</strong>ra postula medidas mais eficazes <strong>para</strong> o controle desse tipo de<br />
poluição ambiental.<br />
- Câncer e mutação genética:<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Gisele Cristiane Marcomini<br />
Zamperlini, pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Instituto de Química da<br />
Universidade Estadual Paulista (UNESP), teve sua<br />
dissertação de mestra<strong>do</strong> ‘Investigação da fuligem proveniente<br />
da queima de cana-de-açúcar com ênfase nos<br />
hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs)’ aprovada<br />
por rigorosa banca examina<strong>do</strong>ra. Nesse trabalho, a autora<br />
comprova que as queimadas <strong>do</strong>s canaviais liberam<br />
substâncias carcinogênicas e mutagênicas.<br />
Ao elaborar o resumo de sua tese e responder quesitos<br />
formula<strong>do</strong>s pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE<br />
SÃO PAULO, afirma, dentre outras coisas, que:<br />
• foram identificadas 40 substâncias policíclicas aromáticas, conhecidas<br />
como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e seus deriva<strong>do</strong>s, que são<br />
considera<strong>do</strong>s cancerígenos e mutagênicos;<br />
• essas substâncias, encontradas na fase gasosa ou adsorvida em<br />
partículas, sofrem reações atmosféricas com outros fases, originan<strong>do</strong> deriva<strong>do</strong>s<br />
aromáticos de poder cancerígeno e mutagêncio superior aos próprios HPAs, que<br />
são extremamente mutagênico;<br />
• o material particula<strong>do</strong> também afeta o ecossistema e a biosfera, pois se<br />
depositam sobre as folhas interferin<strong>do</strong> no processo de fotossíntese, ou seja, na<br />
adsorção <strong>do</strong> gás carbônico e liberação de oxigênio, e na respiração das plantas;<br />
• as partículas inaláveis da fuligem proveniente da queima de palha da<br />
cana-de-açúcar – aquelas inferiores a 1,0 micrômetro – depositam-se na região<br />
que fica entre os bronquíolos e os alvéolos pulmonares, onde permanecem<br />
deposita<strong>do</strong>s num perío<strong>do</strong> variável de dias a anos. Com a movimentação <strong>do</strong>s<br />
alvéolos, essas partículas acabam se concentran<strong>do</strong> na região superior aos<br />
bronquíolos, compreendida entre o esôfago e os brônquios. Os HPAs adsorvi<strong>do</strong>s<br />
nessas partículas são metaboliza<strong>do</strong>s ou adsorvi<strong>do</strong>s nessas regiões, provocan<strong>do</strong><br />
alterações no código genético das células (mutagênese), aumentan<strong>do</strong> o número de<br />
células mutantes, ocasionan<strong>do</strong> tumor cancerígeno.<br />
Em parecer técnico sobre a exposição aos hidrocarbonetos policíclicos<br />
aromáticos (HPAs) presentes na fuligem proveniente da queima da cana-deaçúcar<br />
e a sua relação com a ocorrência de câncer, Antônio Pedro Mirra e<br />
Víctor Wünsch Filho, pesquisa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Departamento de Epidemiologia da<br />
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), concluem:<br />
• os HPAs são substâncias reconhecidas como cancerígenas pelos<br />
organismos internacionais de controle e prevenção <strong>do</strong> câncer, particularmente<br />
a Agência Internacional <strong>para</strong> Pesquisas sobre Câncer da Organização<br />
Mundial da Saúde, Lyon, França;<br />
• a queima de cana-de-açúcar antes da colheita libera fuligem, que contém<br />
HPAs, no ar ambiente e sedimenta-a nos caules da cana a serem<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
posteriormente corta<strong>do</strong>s e no <strong>solo</strong>. Isto representa, <strong>para</strong><br />
a população de trabalha<strong>do</strong>res envolvi<strong>do</strong>s na colheita de cana, risco de<br />
intoxicação pelo HPAs tanto por inalação quanto <strong>pela</strong> via dérmica e significa<br />
uma maior probabilidade da incidência de cânceres de pulmão, de<br />
bexiga e de pele. Além disso, a combustão da cana-de-açúcar pode ter<br />
repercussões mais amplas expon<strong>do</strong> aos HPAs outras populações viven<strong>do</strong> nas<br />
cercanias <strong>do</strong>s canaviais e que sofrem os efeitos das queimadas;<br />
• pelo conhecimento acumula<strong>do</strong> hoje sobre os mecanismos da<br />
carcinogênese, <strong>não</strong> há limites de tolerância à exposição precisamente<br />
defini<strong>do</strong>s <strong>para</strong> os HPAs, ou seja, níveis abaixo <strong>do</strong>s quais <strong>não</strong> haveria risco da<br />
iniciação <strong>do</strong> processo cancerígeno. O fato desta substância<br />
cancerígena ter si<strong>do</strong> identificada na fuligem da cana-de-açúcar, conseqüência<br />
de sua combustão, é motivo suficiente <strong>para</strong> o desencadeamento de medidas<br />
preventivas pois, independente <strong>do</strong> nível encontra<strong>do</strong>, <strong>para</strong> os trabalha<strong>do</strong>res<br />
envolvi<strong>do</strong>s nas atividades <strong>do</strong>s canaviais que de rotina se utilizam da queima<br />
como parte <strong>do</strong> processo de colheita, há o risco de intoxicação <strong>pela</strong> substância e,<br />
como conseqüência, de virem a desenvolver câncer (cf. <strong>do</strong>c. anexo).<br />
- Aspectos agronômicos<br />
Do ponto de vista agronômico, as queimadas também podem ser<br />
consideradas nocivas. Na palestra proferida no Centro de Estu<strong>do</strong>s Regionais<br />
da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, o engenheiro<br />
agrônomo Manoel Eduar<strong>do</strong> Tavares Ferreira arrolou alguns <strong>do</strong>s prejuízos<br />
causa<strong>do</strong>s por essa prática:<br />
• As pontas e folhas da cana representam 30% de sua biomassa, que é<br />
queimada, exportan<strong>do</strong> <strong>para</strong> a atmosfera to<strong>do</strong>s os nutrientes nela conti<strong>do</strong>s<br />
(nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre e demais<br />
micronutrientes);<br />
• O uso <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> prejudica a ciclagem <strong>do</strong>s nutrientes <strong>do</strong> <strong>solo</strong> e interfere na<br />
atividade biológica <strong>do</strong> <strong>solo</strong>;<br />
• As queimadas contribuem <strong>para</strong> o aumento da infestação da broca da<br />
cana, principal praga da cultura, pois elimina os seus inimigos naturais (mosca<br />
Cubana e mosca <strong>do</strong> Amazonas);<br />
• Como conseqüência, há necessidade <strong>do</strong> uso de adubação química e de<br />
herbicidas, que afetam a microflora <strong>do</strong> <strong>solo</strong> e contaminam o lençol freático e os<br />
mananciais;<br />
• O uso <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> também vem contribuin<strong>do</strong> <strong>para</strong> a redução da vegetação<br />
nativa da região, vez que as queimadas invadem, invariavelmente, as áreas de<br />
reserva florestal, consumin<strong>do</strong>-as;<br />
• O desaparecimento da cobertura florestal alterou as condições climáticas<br />
da região, principalmente o regime das chuvas.<br />
- Demais externalidades:<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Os custos sociais e econômicos da degradação<br />
ambiental provocada <strong>pela</strong>s queimadas devem ser realça<strong>do</strong>s. Os princípios<br />
da prevenção e <strong>do</strong> polui<strong>do</strong>r-paga<strong>do</strong>r que informam o Direito<br />
Ambiental e, em especial a Constituição (art. 225) e a Lei Federal n.<br />
6.938/81 (art. 2º c/c o art. 14 e seu § 1º), exigem de to<strong>do</strong> e qualquer<br />
empreende<strong>do</strong>r a aplicação de técnicas e a realização de investimentos <strong>para</strong><br />
prevenir danos ao meio ambiente. O custo da prevenção é <strong>do</strong> empreende<strong>do</strong>r, <strong>do</strong><br />
titular da atividade potencialmente polui<strong>do</strong>ra.<br />
No caso das queimadas <strong>do</strong>s canaviais, esses custos (prevenção <strong>do</strong>s danos<br />
ambientais provoca<strong>do</strong>s <strong>pela</strong> queima da palha da cana-de-açúcar, através da<br />
aplicação de técnicas e tecnologias alternativas) estão sen<strong>do</strong> transferi<strong>do</strong>s de forma<br />
perversa <strong>para</strong> a sociedade.<br />
A sociedade banca todas as despesas de atendimento ambulatorial e<br />
hospitalar da rede pública referentes à assistência prestada às pessoas<br />
porta<strong>do</strong>ras de <strong>do</strong>enças respiratórias agravadas no perío<strong>do</strong> das safras. O <strong>do</strong>ente<br />
tira de seu salário o montante necessário ao pagamento de remédios, em regra,<br />
caros.<br />
A comunidade arca com as despesas decorrentes <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> consumo da<br />
água no mesmo perío<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> o Departamento de Água e Esgoto de<br />
Ribeirão Preto (DAERP), devi<strong>do</strong> às fuligens das queimadas da ca-na-deaçúcar,<br />
o consumo de água aumenta em 50% na cidade de Ribeirão Preto (cf.<br />
“Folha de S. Paulo”, caderno Folha Nordeste SP, 11.6.92, p.6-1 – cópia<br />
anexa).<br />
Ao atingir as redes de alta tensão, as queimadas provocam a interrupção da<br />
transmissão da energia elétrica e prejuízos materiais de grande monta. Vale<br />
citar, ainda, os acidentes automobilísticos provoca<strong>do</strong>s em nossas estradas <strong>pela</strong><br />
fumaça das queimadas, que prejudicam de forma dramática a visibilidade <strong>do</strong>s<br />
motoristas.<br />
Gizadas estas considerações, <strong>não</strong> se trata de nenhuma “especulação<br />
metafísica” concluir que to<strong>do</strong>s os problemas verifica<strong>do</strong>s e cujas ocorrências foram<br />
cientificamente comprovadas <strong>pela</strong>s pesquisas realizadas no Esta<strong>do</strong> de São Paulo<br />
irão fatalmente ocorrer, como de fato já estão ocorren<strong>do</strong>, no Esta<strong>do</strong> de Goiás e,<br />
particularmente, no município de ________________, tornan<strong>do</strong>-se assim inadiável<br />
a tomada de urgentes providências, notadamente preventivas, com vistas a<br />
impedir uma nefasta situação caracterizada por irreparáveis danos <strong>para</strong> o Meio<br />
Ambiente e <strong>para</strong> a Saúde Pública 4 .<br />
4 “To<strong>do</strong> aquele que, direta ou indiretamente, promove e/ou permite, de qualquer mo<strong>do</strong>,<br />
queimadas em áreas de sua propriedade e cultivo, deve ser compeli<strong>do</strong> a re<strong>para</strong>r os danos<br />
causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente (indenização pecuniária pelo dano ambiental), bem como a<br />
cessar essa atividade nociva (obrigação de <strong>não</strong>-fazer). A ação civil pública deve conter ao<br />
menos esses <strong>do</strong>is pedi<strong>do</strong>s” (Revista de Direito Ambiental, vol 5. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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II) DO DIREITO APLICÁVEL AO CASO<br />
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Como é cediço o direito ao meio ambiente ecologicamente<br />
equilibra<strong>do</strong> caracteriza-se como típico direito humano fundamental de terceira<br />
geração, de acor<strong>do</strong> com a conceituação formulada pelo pensa<strong>do</strong>r italiano<br />
Norberto Bobbio (em sua clássica obra “A Era <strong>do</strong>s Direitos”).<br />
Acolhen<strong>do</strong> exatamente esta lição, calha reproduzir um interessante<br />
julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, redigi<strong>do</strong> nos seguintes termos:<br />
O direito à integridade <strong>do</strong> meio ambiente — típico direito de<br />
terceira geração — constitui prerrogativa jurídica de<br />
titularidade coletiva, refletin<strong>do</strong>, dentro <strong>do</strong> processo de<br />
afirmação <strong>do</strong>s direitos humanos, a expressão significativa de<br />
um poder atribuí<strong>do</strong>, <strong>não</strong> ao indivíduo identifica<strong>do</strong> em sua<br />
singularidade, mas, num senti<strong>do</strong> verdadeiramente mais<br />
abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de<br />
primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades<br />
clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos<br />
de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se<br />
identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o<br />
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que<br />
materializam poderes de titularidade coletiva atribuí<strong>do</strong>s<br />
genericamente a todas as formações sociais, consagram o<br />
princípio da solidariedade e constituem um momento<br />
importante no processo de desenvolvimento, expansão e<br />
reconhecimento <strong>do</strong>s direitos humanos 5 , caracteriza<strong>do</strong>s,<br />
enquanto valores fundamentais indisponíveis, <strong>pela</strong> nota de<br />
uma essencial inexauribilidade (STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso<br />
de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de17-11-95 – original sem destaques).<br />
Ultrapassa<strong>do</strong> este ponto inicial, impende evidenciar a importância<br />
ímpar que o Pacto Social de 1988 dispensou à proteção <strong>do</strong> meio ambiente. Nesse<br />
caminho, diz a Carta Maior:<br />
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho<br />
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a to<strong>do</strong>s existência<br />
Tribunais. Ministério Público e práticas rurais anti-ambientais: o combate às queimadas da canade-açúcar<br />
no nordeste paulista, p. 65).<br />
5 Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 elevou o princípio da dignidade da pessoa<br />
humana à condição de fundamento da República Federativa <strong>do</strong> Brasil (artigo 1º, inciso III).<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
digna, conforme os ditames da justiça social,<br />
observa<strong>do</strong>s os seguintes princípios:<br />
III - função social da propriedade;<br />
VI - defesa <strong>do</strong> meio ambiente, inclusive mediante tratamento<br />
diferencia<strong>do</strong> conforme o impacto ambiental <strong>do</strong>s produtos e<br />
serviços e de seus processos de elaboração e prestação 6 ;<br />
Art. 186. A função social é cumprida quan<strong>do</strong> a propriedade<br />
rural atende, simultaneamente, segun<strong>do</strong> critérios e graus de exigência<br />
estabeleci<strong>do</strong>s em lei, aos seguintes requisitos:<br />
II - <strong>utilização</strong> adequada <strong>do</strong>s recursos naturais disponíveis e<br />
preservação <strong>do</strong> meio ambiente;<br />
Art. 193. A ordem social tem como base o prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, e<br />
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.<br />
ART. 225. TODOS TÊM DIREITO AO MEIO AMBIENTE<br />
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE USO<br />
COMUM DO POVO E ESSENCIAL À SADIA<br />
QUALIDADE DE VIDA, IMPONDO-SE AO PODER<br />
PÚBLICO E À COLETIVIDADE O DEVER DE<br />
DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO PARA AS PRESENTES<br />
E FUTURAS GERAÇÕES7<br />
.<br />
6 “A atividade econômica <strong>não</strong> pode ser exercida em desarmonia com os princípios<br />
destina<strong>do</strong>s a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade <strong>do</strong> meio<br />
ambiente <strong>não</strong> pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente<br />
de motivações de ín<strong>do</strong>le meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a<br />
atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está<br />
subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa <strong>do</strong> meio<br />
ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio<br />
ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de<br />
meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza<br />
constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva <strong>do</strong> meio ambiente, <strong>para</strong> que <strong>não</strong> se<br />
alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável<br />
comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de<br />
causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considera<strong>do</strong> este em seu aspecto físico<br />
ou natural” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1-9-05, DJ de 3-2-<br />
06).<br />
7 Sobre o princípio <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável, consagra<strong>do</strong> neste dispositivo constitucional,<br />
necessário destacar a voz <strong>do</strong> Supremo Tribunal Federal: “A questão <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade <strong>do</strong> meio<br />
ambiente (CF, art. 225): O princípio <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável como fator de<br />
obtenção <strong>do</strong> justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio<br />
<strong>do</strong> desenvolvimento sustentável, além de impregna<strong>do</strong> de caráter eminentemente<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.<br />
9
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse<br />
direito, INCUMBE AO PODER PÚBLICO:<br />
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de<br />
técnicas, méto<strong>do</strong>s e substâncias que comportem risco <strong>para</strong> a<br />
vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.<br />
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente<br />
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e<br />
administrativas, independentemente da obrigação de re<strong>para</strong>r os<br />
danos causa<strong>do</strong>s.<br />
Deste delineamento constitucional sobre a tutela <strong>do</strong> meio ambiente,<br />
acima estampa<strong>do</strong>, pode-se extrair, esquematicamente, que o direito ao meio ambiente<br />
ecologicamente equilibra<strong>do</strong> é um <strong>do</strong>s pilares de maior sustentação da própria força<br />
normativa da constituição 8 , haja vista que, foi expressamente consagra<strong>do</strong> como:<br />
i) direito humano fundamental de 3ª geração (ou dimensão); ii) princípio base da<br />
ordem econômica; iii) requisito essencial <strong>para</strong> caracterização da função social da<br />
propriedade rural.<br />
Há de se ver, ainda, que a sadia qualidade de vida, que pressupõe o<br />
respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, se compõe <strong>do</strong><br />
prima<strong>do</strong> da existência digna – finalidade da ordem econômica (art. 170 da CF/88) – e<br />
<strong>do</strong> almeja<strong>do</strong> bem-estar de to<strong>do</strong>s – objetivo da ordem social (art. 193 da CF/88).<br />
constitucional, encontra suporte legitima<strong>do</strong>r em compromissos internacionais assumi<strong>do</strong>s<br />
pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro e representa fator de obtenção <strong>do</strong> justo equilíbrio entre as exigências da<br />
economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postula<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong><br />
ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição<br />
inafastável, cuja observância <strong>não</strong> comprometa nem esvazie o conteú<strong>do</strong> essencial de um <strong>do</strong>s<br />
mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação <strong>do</strong> meio ambiente, que<br />
traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguarda<strong>do</strong> em favor das<br />
presentes e futuras gerações” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em<br />
1º-9-05, DJ de 3-2-06 – original sem destaques).<br />
8 “(...) necessidade de preservar-se, em sua integralidade, a força normativa da Constituição,<br />
que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas<br />
constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizadas,<br />
em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatiza o magistério<br />
<strong>do</strong>utrinário (ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição <strong>do</strong> Brasil Interpretada e Legislação<br />
Constitucional”, p. 109, item n. 2.8, 2ª ed., 2003, Atlas; OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de<br />
Constitucionalidade”, p. 50/57, 1999, RT; RITINHA ALZIRA STEVENSON, TERCIO<br />
SAMPAIO FERRAZ JR. e MARIA HELENA DINIZ, “Constituição de 1988: Legitimidade,<br />
Vigência e Eficácia e Supremacia”, p. 98/104, 1989, Atlas; ANDRÉ RAMOS TAVARES,<br />
“Tribunal e Jurisdição Constitucional”, p. 8/11, item n. 2, 1998, Celso Bastos Editor;<br />
CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito<br />
Brasileiro”, p. 215/218, item n. 3, 1995, RT, v.g.)” (Boletim Informativo <strong>do</strong> STF nº 379 –<br />
Transcrições – ADI – Transcendência <strong>do</strong>s Motivos Determinantes – Reclamação (Rcl<br />
2986 MC/SE).<br />
10<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Nesse contexto, invariavelmente, conclui-se que o direito ao meio<br />
ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong> se revela como a mola propulsora da<br />
formação e garantia da dignidade da pessoa humana – fundamento da República<br />
Federativa <strong>do</strong> Brasil (art. 1º, III, da CF/88).<br />
Por tu<strong>do</strong> isso, é dever <strong>do</strong> Poder Público defender o meio ambiente e<br />
<strong>para</strong> preservá-lo <strong>para</strong> as presentes e futuras gerações, justifican<strong>do</strong> sua intervenção<br />
<strong>para</strong> controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, méto<strong>do</strong>s e substâncias que<br />
comportem risco <strong>para</strong> a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V,<br />
CF/88). Sen<strong>do</strong> certo que os responsáveis por atividades lesivas ao meio ambiente<br />
estarão obriga<strong>do</strong>s a re<strong>para</strong>r os danos causa<strong>do</strong>s e, ainda, sujeitos a sanções penais e<br />
administrativas (art. 225, § 3º, CF/88).<br />
Em consonância com o norte traça<strong>do</strong> <strong>pela</strong> Carta Maior, a legislação<br />
ambiental brasileira, além de ter defini<strong>do</strong> importantes conceitos, estabeleceu<br />
diretrizes sobre a política ambiental, objetivan<strong>do</strong> a harmonização <strong>do</strong><br />
desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade <strong>do</strong> meio<br />
ambiente e <strong>do</strong> equilíbrio ecológico.<br />
verbi gratia:<br />
Nesse ritmo, vale sublinhar alguns importantes dispositivos legais,<br />
LEI 6938/91 (DISPÕE SOBRE A POLÍTICA NACIONAL<br />
DO MEIO AMBIENTE, SEUS FINS E MECANISMOS DE<br />
FORMULAÇÃO E APLICAÇÃO, E DÁ OUTRAS<br />
PROVIDÊNCIAS)<br />
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:<br />
I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de<br />
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as<br />
suas formas;<br />
II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das<br />
características <strong>do</strong> meio ambiente;<br />
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante<br />
de atividades que direta ou indiretamente:<br />
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;<br />
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;<br />
c) afetem desfavoravelmente a biota;<br />
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias <strong>do</strong> meio ambiente;<br />
e) lancem matérias ou energia em desacor<strong>do</strong> com os padrões ambientais<br />
estabeleci<strong>do</strong>s;<br />
11<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
IV - polui<strong>do</strong>r, a pessoa física ou jurídica, de direito<br />
público ou priva<strong>do</strong>, responsável, direta ou indiretamente, por atividade<br />
causa<strong>do</strong>ra de degradação ambiental;<br />
V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e<br />
subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o <strong>solo</strong>, o sub<strong>solo</strong>, os elementos da<br />
biosfera, a fauna e a flora.<br />
Art. 4º - A Política Nacional <strong>do</strong> Meio Ambiente visará:<br />
I - à compatibilização <strong>do</strong> desenvolvimento econômico-social com a<br />
preservação da qualidade <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong> equilíbrio ecológico;<br />
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas <strong>pela</strong><br />
legislação federal, estadual e municipal, o <strong>não</strong> cumprimento<br />
das medidas necessárias à PRESERVAÇÃO OU<br />
CORREÇÃO DOS INCONVENIENTES E DANOS<br />
CAUSADOS <strong>pela</strong> degradação da qualidade ambiental<br />
sujeitará os transgressores:<br />
I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10<br />
(dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis <strong>do</strong> Tesouro<br />
Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme<br />
dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança <strong>pela</strong> União se já tiver si<strong>do</strong><br />
aplicada pelo Esta<strong>do</strong>, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.<br />
II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais<br />
concedi<strong>do</strong>s pelo Poder Público;<br />
III - à perda ou suspensão de participação em linhas de<br />
financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;<br />
IV - à suspensão de sua atividade.<br />
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste<br />
artigo, é o polui<strong>do</strong>r obriga<strong>do</strong>, INDEPENDENTEMENTE<br />
DA EXISTÊNCIA DE CULPA9<br />
, a indenizar ou re<strong>para</strong>r os<br />
9 “(...) Parece fora de dúvida ter-se vincula<strong>do</strong> a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, EM<br />
TEMA DE TUTELA AMBIENTAL, À TEORIA DO RISCO INTEGRAL, que atende à<br />
preocupação de se estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de<br />
degradação que se assiste <strong>não</strong> só no Brasil, mas tem to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. Em decorrência da a<strong>do</strong>ção<br />
desta teoria, eis as “conseqüências principais <strong>para</strong> que haja o dever de indenizar: a)<br />
prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a<br />
inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil” – caso fortuito, força maior,<br />
fato de terceiro e cláusula de <strong>não</strong>-indenizar (MILARÉ, Edis. Direito <strong>do</strong> Ambiente. 5ª ed. São Paulo:<br />
Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 2007, p. 897-898 e 904). No mesmo senti<strong>do</strong>: Paulo Afonso Leme<br />
Macha<strong>do</strong> (Ação Civil Pública e Tombamento. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1986, p. 46-47),<br />
Ro<strong>do</strong>lfo de Camargo Mancuso (Ação Civil Pública. São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, 1989, p. 157-<br />
170), Paulo de Bessa Antunes (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 100),<br />
dentre outros.<br />
12<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente e a<br />
terceiros, afeta<strong>do</strong>s por sua atividade. O Ministério Público da<br />
União e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s terá legitimidade <strong>para</strong> propor ação de<br />
responsabilidade civil e criminal, por danos causa<strong>do</strong>s ao meio<br />
ambiente.<br />
§ 5º - A execução das garantias exigidas <strong>do</strong> polui<strong>do</strong>r <strong>não</strong> impede a aplicação<br />
das obrigações de indenização e re<strong>para</strong>ção de danos previstas no § 1o deste<br />
artigo. (Incluí<strong>do</strong> <strong>pela</strong> Lei nº 11.284, de 2006).<br />
LEI 4771/65 (INSTITUI O NOVO CÓDIGO FLORESTAL)<br />
Art. 27. É proibi<strong>do</strong> o uso de <strong>fogo</strong> nas florestas e demais<br />
formas de vegetação.<br />
Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego <strong>do</strong><br />
<strong>fogo</strong> em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato<br />
<strong>do</strong> Poder Público, circunscreven<strong>do</strong> as áreas e estabelecen<strong>do</strong> normas de precaução.<br />
Fincadas estas balizas, denota-se que to<strong>do</strong> aquele que, direta ou<br />
indiretamente, promove a queima da palha da cana-de-açúcar (atividade causa<strong>do</strong>ra de<br />
degradação ambiental) além de inviabilizar a efetivação da política constitucional <strong>do</strong> meio<br />
ambiente (por impedir a compatibilização <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong> equilíbrio<br />
ecológico 10 ), deve ser considera<strong>do</strong> polui<strong>do</strong>r e, por isso mesmo, obriga<strong>do</strong>,<br />
independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causa<strong>do</strong>s e a cessar<br />
a atividade nociva (obrigação de <strong>não</strong>-fazer).<br />
Deve-se ponderar que a obrigação de <strong>não</strong>-fazer, pretendida com a<br />
presente ação é, a rigor, inestimável, haja vista a degradação <strong>do</strong> ar e seus efeitos<br />
negativos na saúde da população; o aumento <strong>do</strong> consumo de água decorrente <strong>do</strong><br />
incômo<strong>do</strong> provoca<strong>do</strong> pelo material particula<strong>do</strong> (carvãozinho); a degradação da<br />
qualidade <strong>do</strong> <strong>solo</strong>; os impactos negativos nas áreas vizinhas de cultura diversa; a<br />
mortalidade de animais da fauna silvestre; etc.<br />
Dessarte, ressai cristalina a constatação segun<strong>do</strong> a qual os “usineiros<br />
piromaníacos” poluem e degradam a qualidade ambiental, violan<strong>do</strong> o direito<br />
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, essencial à sadia<br />
10 “Meio ambiente — Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) —<br />
Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade — Direito de terceira geração<br />
(ou de novíssima dimensão) que consagra o postula<strong>do</strong> da solidariedade — (...) A questão<br />
da precedência <strong>do</strong> direito à preservação <strong>do</strong> meio ambiente: uma limitação constitucional<br />
explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI) (...). A preservação da integridade <strong>do</strong> meio<br />
ambiente: expressão constitucional de um direito fundamental que assiste à generalidade<br />
das pessoas” (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-<br />
2-06 – original sem destaques).<br />
13<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) e,<br />
consequentemente, devem ser compeli<strong>do</strong>s a re<strong>para</strong>r os danos ambientais causa<strong>do</strong>s 11<br />
e, também, a interromperem a prática lesiva (queimadas).<br />
Em suma: por to<strong>do</strong> o exposto, <strong>para</strong> além <strong>do</strong> dever de indenizar os<br />
danos ocasiona<strong>do</strong>s ao meio ambiente, se faz imperiosa a a<strong>do</strong>ção de medida judicial<br />
tendente a eliminar os fatores que permitam a seqüência e o aumento (o que é pior!)<br />
da denunciada agressão ambiental. Ou seja, é necessário que a ré se abstenha<br />
de utilizar <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>, preparo <strong>do</strong> plantio e <strong>para</strong> a colheita<br />
da cana-de-açúcar, em quaisquer áreas desta comarca, sejam dela própria,<br />
arrendadas ou utilizadas de qualquer outra forma <strong>para</strong> o plantio, cultivo e<br />
colheita.<br />
III) VISÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE A VEXATA QUAESTIO<br />
Em reforço a tu<strong>do</strong> o que já foi dito, convém colacionarem-se aqui<br />
algumas importantes decisões judiciais já proferidas sobre o caso sub judice. Sem<br />
mais delongas, vejam-se:<br />
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA<br />
Relator Ministro Milton Luiz Pereira. Data da Publicação DJ<br />
04.03.2002. Recurso Especial nº 294.925-SP (2000/0138211-0).<br />
Recorrente: Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo.<br />
Recorri<strong>do</strong>: Usina Maringá Indústria e Comércio Ltda.<br />
11 A <strong>do</strong>utrina pátria também arrola os malefícios da <strong>utilização</strong> <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> nas plantações de cana-deaçúcar.<br />
Nessa esteira, com seu brilhantismo habitual, o Professor Paulo Affonso Leme Macha<strong>do</strong><br />
(Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004, p. 523) ensina que: “Na fuligem<br />
sedimentada (o chama<strong>do</strong> “carvãozinho”) – aquela que fica depositada sobre o <strong>solo</strong> depois da<br />
queimada – foram identificadas centenas de compostos químicos, dentre os quais 40 HPAS –<br />
Hidrocarbonetos Policlínicos Aromáticos. Entre esses últimos, estão os 16 considera<strong>do</strong>s mais<br />
perigosos <strong>para</strong> a saúde humana na avaliação da Environmental Protection Agency – Agência de<br />
Proteção Ambiental <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s (...). Há muitos anos, as populações das regiões<br />
canavieiras de to<strong>do</strong> Brasil vêm sen<strong>do</strong> afetadas pelos efeitos maléficos das queimadas da<br />
palha de cana-de-açúcar. Somente com o advento da ação civil pública é que o Poder<br />
judiciário começou a responder com a prestação jurisdicional necessária”.<br />
E arremata:<br />
“Aplica-se, na matéria atinente á poluição atmosférica, o princípio da “precaução”, já esposa<strong>do</strong><br />
pelo Brasil nos acor<strong>do</strong>s internacionais da Convenção de Viena e no Protocolo de Montreal. Se<br />
dúvida ponderável houver, da potencialidade <strong>do</strong>s danos das queimadas referidas, <strong>não</strong> se devem<br />
procrastinar as medidas de prevenção (<strong>para</strong> espancar as dúvidas estão os levantamentos efetua<strong>do</strong>s<br />
pelos professores <strong>do</strong> Departamento de Medicina Social da faculdade de medicina de Ribeirão<br />
Preto, da Universidade de São Paulo e os estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> INPE – Instituto Nacional de pesquisas<br />
Espaciais sob a coordenação de E.V.A Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff). Nesta questão, in<br />
dubio pro sanitas et pro natura”.<br />
14<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
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Recorri<strong>do</strong>: Ometto Pavan S/A Açúcar e<br />
Álcool e outros.<br />
EMENTA: DIREITO FLORESTAL. AÇÃO CIVIL<br />
PÚBLICA. QUEIMADAS. CANA-DE-AÇÚCAR. ART. 27<br />
DA LEI 4.771/65 – 1. O artigo 27 <strong>do</strong> Código Florestal (Lei<br />
4.771/65) proíbe, textualmente, a <strong>utilização</strong> de <strong>fogo</strong> nas<br />
florestas e demais formas de vegetação. 2. Somente o Poder<br />
Público pode autorizar, em casos excepcionais, queimadas de<br />
áreas preliminarmente delimitadas, atendidas as normas de<br />
precaução (parágrafo único <strong>do</strong> art. 27, da Lei 4.771/65).<br />
Precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso provi<strong>do</strong>.<br />
DECISÃO<br />
Vistos<br />
Cuida-se de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
de São Paulo objetivan<strong>do</strong> a suspensão definitiva de queimadas em lavouras de<br />
cana-de-açúcar. Em sede de a<strong>pela</strong>ção o colen<strong>do</strong> Tribunal de Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
de São Paulo deu provimento ao recurso <strong>do</strong>s ora Recorri<strong>do</strong>s, assentan<strong>do</strong> o<br />
seguinte Acórdão:<br />
“Ação Civil Pública - Preliminares de carência por falta de interesse de agir, de<br />
impossibilidade jurídica <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>, de inépcia da inicial, incompetência absoluta<br />
e nulidade da sentença - Afastadas - Dano ao meio ambiente - Queimadas de<br />
canaviais - Existência de dano ao meio ambiente - Todavia, consideran<strong>do</strong> o<br />
atual estágio da economia e das técnicas disponíveis - Razoabilidade de conduta<br />
<strong>para</strong> <strong>não</strong> inviabilizar a atividade econômica – Precedentes jurisprudenciais<br />
nesse senti<strong>do</strong> - Fato superveniente - Art. 462 <strong>do</strong> CPC - Decreto (estadual) nº<br />
42.056/97, Decreto (federal) nº 2.661/98 e Lei (federal) nº 9.605/98 -<br />
Não há que se falar em condenação <strong>do</strong> autor nas verbas de sucumbência -<br />
Interpretação <strong>do</strong> art. 17 da Lei 7.347/85 - Provi<strong>do</strong>s os recursos das rés, nos<br />
termos <strong>do</strong> acórdão.” (fl. 2.768)<br />
O Recurso Especial interposto (art. 105, III, "a" e "c", da C. F.) funda-se em<br />
negativa de vigência <strong>do</strong>s artigos 27, parágrafo único da Lei 4.771/65, 3º,<br />
incisos I, II e III, da Lei 6.938/91, e ainda em divergência com julga<strong>do</strong>s desta<br />
Corte. No horizonte recursal, presentes os requisitos de admissibilidade, impõese<br />
o conhecimento (art. 105, III, a, c, C.F.).<br />
Percorri<strong>do</strong> o itinerário das reminiscências facilita<strong>do</strong>ras da compreensão <strong>do</strong><br />
litígio, encaminhan<strong>do</strong> a solução, <strong>pela</strong> pertinência, comemoro as certeiras<br />
observações elaboradas pelo <strong>do</strong>uto Ministério Público Federal, textualmente:<br />
“O recurso deve ser provi<strong>do</strong>. É que o acórdão recorri<strong>do</strong> violou os dispositivos de<br />
lei federal aponta<strong>do</strong>s no especial, contrariedade legal que pode ser apreciada<br />
independentemente de revisão <strong>do</strong> quadro fático assenta<strong>do</strong> pelo Tribunal a quo.<br />
O art. 3º , III, 'a' da lei 6.938/81, que estabelece a definição legal <strong>para</strong> a<br />
expressão poluição, dispõe:<br />
15<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:<br />
(...)<br />
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades<br />
que direta ou indiretamente:<br />
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;<br />
Com base no dispositivo acima, pode-se aferir que a queima<br />
da cana-de-açúcar é considerada atividade polui<strong>do</strong>ra pois tem<br />
i<strong>do</strong>neidade <strong>para</strong> causar prejuízo à saúde, risco à segurança e<br />
interfere negativamente no bem-estar da população.<br />
Acrescente-se que o art. 14 da lei 6.938/81, ao prever as penalidades<br />
aplicáveis aos agentes que causem poluição, assim dispõe:<br />
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas <strong>pela</strong> legislação federal,<br />
estadual e municipal, o <strong>não</strong> cumprimento das medidas necessárias à preservação<br />
ou correção <strong>do</strong>s inconvenientes e danos causa<strong>do</strong>s <strong>pela</strong> degradação da qualidade<br />
ambiental sujeitará os transgressores:<br />
(...)<br />
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o<br />
polui<strong>do</strong>r obriga<strong>do</strong>, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou<br />
re<strong>para</strong>r os danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente e a terceiros, afeta<strong>do</strong>s por sua<br />
atividade (...).<br />
O Ministério Público da União e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s terá legitimidade <strong>para</strong> propor<br />
ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente.<br />
Assim, conforme se observa no dispositivo legal acima, a<br />
responsabilidade pelos danos ambientais causa<strong>do</strong>s é objetiva,<br />
e, na hipótese, é incontroverso o fato de os recorri<strong>do</strong>s<br />
utilizarem a queimada no exercício da atividade agrícola de<br />
cultivo da cana-de-açúcar. Busca o Ministério Público <strong>do</strong><br />
Esta<strong>do</strong> de São Paulo com ação civil pública <strong>não</strong> apenas<br />
apurar um evento isola<strong>do</strong>, mas obstar o uso da queimada<br />
como procedimento relaciona<strong>do</strong> à atividade agrícola<br />
desenvolvida pelos recorri<strong>do</strong>s.<br />
Na verdade, aprecian<strong>do</strong>-se o mesmo panorama fático vislumbra<strong>do</strong> <strong>pela</strong><br />
instância ordinária, cabe o exame <strong>do</strong> recurso especial: é que o acórdão recorri<strong>do</strong><br />
reconhece que houve a queima da palha de cana-de-açúcar na propriedade <strong>do</strong>s<br />
recorri<strong>do</strong>s, embora negue a sua i<strong>do</strong>neidade <strong>para</strong> causar dano ambiental, apesar<br />
da queimada ser prática objetivamente proibida em lei, enquanto que na<br />
pretensão recursal sustenta-se, especialmente com fundamento no artigo 27 da<br />
lei nº 4.771/65, que é legalmente proibida a <strong>utilização</strong> de <strong>fogo</strong> nas florestas e<br />
demais formas de vegetação. Portanto, o conflito submeti<strong>do</strong> ao conhecimento<br />
dessa Corte <strong>não</strong> reside nos fatos, mas sim no direito aplicável aos mesmos,<br />
questão que é puramente de direito e de direito federal.<br />
16<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Ao proibir o uso de <strong>fogo</strong> nas florestas e<br />
demais formas de vegetação, o legisla<strong>do</strong>r infraconstitucional<br />
(art. 27 <strong>do</strong> Código Florestal) definiu a referida prática como<br />
objetivamente danosa ao meio ambiente, de sorte que até a<br />
prova <strong>do</strong> nexo causal entre a queimada e o dano ambiental é<br />
irrelevante <strong>para</strong> a definição da causa. Basta, sob o enfoque<br />
fático, <strong>para</strong> motivar a aplicação das normas legais invocadas<br />
no recurso especial, a comprovação da queimada, cuja<br />
ocorrência é in-controversa. Tu<strong>do</strong> o mais resolve-se na<br />
interpretação das normas incidentes.<br />
Dispõe o art. 27 <strong>do</strong> Código Florestal, uma das normas que o recorrente aponta<br />
como violada:<br />
'Art. 27 - É proibi<strong>do</strong> o uso de <strong>fogo</strong> nas florestas e demais formas de vegetação.<br />
Parágrafo único - Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego <strong>do</strong><br />
<strong>fogo</strong> em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato<br />
<strong>do</strong> Poder Público, circunscreven<strong>do</strong> as áreas e estabelecen<strong>do</strong> normas de<br />
precaução.'<br />
Muito embora a maior parte da lei nº 4.771/65 diga respeito<br />
apenas às florestas, o cita<strong>do</strong> art. 27 compreende também as<br />
diversas formas de vegetação, tanto que ficou explicita<strong>do</strong> que<br />
a proibição <strong>do</strong> uso de <strong>fogo</strong> refere-se <strong>não</strong> apenas às florestas<br />
como também às 'demais formas de vegetação'. Não há<br />
qualquer indicação no senti<strong>do</strong> de que a vedação <strong>do</strong> uso de<br />
<strong>fogo</strong> fique restrita às florestas e às vegetações nativas, como<br />
alguns têm sustenta<strong>do</strong>. O parágrafo único abre uma exceção:<br />
desde que as peculiaridades locais justifiquem e haja<br />
expressa autorização <strong>do</strong> Poder Público, o emprego de <strong>fogo</strong><br />
pode ocorrer em práticas florestais ou agropastoris, mas a<br />
situação <strong>do</strong>s recorri<strong>do</strong>s nela <strong>não</strong> se enquadra.<br />
Ademais, a ação civil pública foi expressamente ajuizada com fulcro na lei nº<br />
6.938/81 que dispõe sobre a política nacional <strong>do</strong> meio ambiente e aponta como<br />
um <strong>do</strong>s objetivos da política nacional <strong>do</strong> meio ambiente 'a imposição, ao<br />
polui<strong>do</strong>r e ao preda<strong>do</strong>r, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos<br />
causa<strong>do</strong>s' (art. 4º, VII).<br />
Vale lembrar que o decreto estadual nº 28.848, de 30/08/88 (art. 1º inciso<br />
V) proíbe qualquer forma de emprego de <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a colheita, inclusive da<br />
cana-de-açúcar, já ten<strong>do</strong> essa Corte reconheci<strong>do</strong> a validade da referida restrição.<br />
Observo ainda, que a pretensão recursal <strong>do</strong> Ministério<br />
Público, é semelhante à que já mereceu acolhida nessa Corte,<br />
veja-se:<br />
'Direito Ambiental. Queimadas. Plantação de Cana-de-<br />
Açúcar. O artigo 27, 'caput', da lei 4.771, de 1965, proíbe a<br />
17<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
queima de florestas e demais formas de<br />
vegetação, âmbito no qual se incluem as plantações de cana<br />
de açúcar; interpretação reforçada pelo respectivo parágrafo<br />
único que ressalva o emprego <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> em práticas<br />
agropastoris, se peculiaridades locais ou regionais o<br />
justificarem, quan<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> pelo Poder Público. Portanto,<br />
ao julgar improcedente a ação, o acórdão recorri<strong>do</strong> violou as<br />
normas legais acima mencionadas, que qualificam a<br />
queimada como prática objetivamente lesiva ao meio<br />
ambiente, de mo<strong>do</strong> que se impõe o acolhimento da pretensão<br />
recursal <strong>para</strong> o efeito de ser reforma<strong>do</strong> o acórdão impugna<strong>do</strong><br />
e julgada procedente da ação civil pública."<br />
(fls.3.048/3.052)<br />
Com efeito, em casos análogos, conforme bem lembrou o<br />
ilustre Subprocura<strong>do</strong>r-Geral da República, Dr. Antônio<br />
Fernan<strong>do</strong> Barros e Silva de Souza, esta Corte consagrou<br />
entendimento favorável às pretensões <strong>do</strong> Recorrente. Nesse<br />
senti<strong>do</strong> é o Recurso Especial 161.433-SP, Relator o eminente<br />
Ministro Ari Pargendler, publica<strong>do</strong> no DJU de 14.12.98:<br />
"Direito Ambiental. Queimadas. Plantação de Cana-deaçúcar.<br />
O artigo 27, 'caput', da Lei nº 4.771, de 1965, proíbe a queima<br />
de florestas e demais formas de vegetação, âmbito no qual se<br />
incluem as plantações de cana de açúcar; interpretação<br />
reforçada pelo respectivo parágrafo único que ressalva o<br />
emprego <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> em práticas agropastoris, se peculiaridades<br />
locais ou regionais o justificarem, quan<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> pelo<br />
Poder Público. Recurso especial <strong>não</strong> conheci<strong>do</strong>."<br />
Justaponha-se que, no caso, as provas produzidas nos autos são suficientes <strong>para</strong><br />
demonstrar os danos ambientais provoca<strong>do</strong>s pelos Recorri<strong>do</strong>s, como bem observa<br />
o Recorrente:<br />
"Mas <strong>não</strong> é só. A prova produzida pelo autor é inconteste no<br />
senti<strong>do</strong> de que a queima da cana-de-açúcar causa danos ao<br />
meio ambiente, à saúde das pessoas, atingin<strong>do</strong>, inclusive a<br />
flora e a fauna, pois a mera alteração da qualidade <strong>do</strong> ar com<br />
a prática das queimadas, por si só, é suficiente <strong>para</strong> afetar o<br />
meio ambiente, na medida em que a emissão de poluentes<br />
causa a degradação, constituin<strong>do</strong>, conforme acima destaca<strong>do</strong>,<br />
conduta vedada pelo Código Florestal, conforme disposto em<br />
seu artigo 27, importan<strong>do</strong> considerar, ainda, que prevalece,<br />
por óbvio, a proibição de lançamento de quaisquer poluentes<br />
nas águas, no ar, ou no <strong>solo</strong>, conforme dispõe o artigo 3º, da<br />
18<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Lei Federal nº 6.938/81, até porque, a<br />
conseqüência natural da queima da palha da cana-de-açúcar<br />
é a liberação de material particula<strong>do</strong> e vários gases nocivos à<br />
saúde, entre eles o monóxi<strong>do</strong> de carbono e o ozônio, sen<strong>do</strong><br />
pacífica, atualmente, tal posição, assumida <strong>pela</strong> maioria <strong>do</strong>s<br />
estudiosos <strong>do</strong> tema, consoante bem demonstrou o Ministério<br />
Público oficiante ao trazer, com a fundamentada petição<br />
inicial, pareceres técnicos e respeitáveis julga<strong>do</strong>s, que bem<br />
demonstram os nocivos efeitos das queimadas sobre a<br />
atmosfera e sobre o meio ambiente."<br />
omissis<br />
"Realmente, como já dito nestes autos, entre 1988 e 1989,<br />
E.V.A. Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff, ambos pesquisa<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),<br />
desenvolveram estu<strong>do</strong>s denomina<strong>do</strong>s 'Projeto Fogo', cujo fim<br />
era estudar o efeito das queimadas da palha da cana-deaçúcar<br />
sobre os gases atmosféricos: ozônio, monóxi<strong>do</strong> de carbono e<br />
dióxi<strong>do</strong> de carbono. O Esta<strong>do</strong> de São Paulo foi escolhi<strong>do</strong> como sede das<br />
experiências em face <strong>do</strong> volume de plantações aqui existentes, cujo crescimento<br />
vertiginoso verificou-se a partir de 1975, principalmente em razão <strong>do</strong> Proálcool.<br />
A área plantada representava mais de 50% <strong>do</strong> total e as queimadas <strong>do</strong>s<br />
canaviais transformaram-se em fonte de intensa poluição <strong>pela</strong> produção de gases.<br />
É que dessa atividade há liberação <strong>do</strong>s gases tóxicos primários já referi<strong>do</strong>s e,<br />
sob a ação <strong>do</strong>s raios solares combinam-se produzin<strong>do</strong> o ozônio, que em<br />
concentrações na baixa atmosfera são prejudiciais à saúde e ao<br />
desenvolvimento das plantas. Essas conclusões vem mostradas nos<br />
estu<strong>do</strong>s junta<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> citadas ainda no V. Acórdão tira<strong>do</strong> da A<strong>pela</strong>ção nº<br />
211.502-1, Rel. Des. Gambra Filho, retro transcrito.<br />
Não se pode deixar de enfatizar as graves conseqüências <strong>para</strong><br />
a saúde pública, constadas por estu<strong>do</strong> aqui encarta<strong>do</strong>,<br />
demonstran<strong>do</strong> a elevação de casos de <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> aparelho<br />
respiratório, inclusive internações, em áreas bastante parecidas à de<br />
Araraquara, tais como Piracicaba e Ribeirão Preto. Tu<strong>do</strong> isso se diz com base<br />
em científicos experimentos, além de <strong>não</strong> ter si<strong>do</strong> contesta<strong>do</strong> <strong>pela</strong>s a<strong>pela</strong>ntes a<br />
realização das queimadas, fazen<strong>do</strong> certo que a discussão fica nesses estu<strong>do</strong>s, ou<br />
seja, se efetivamente há ou <strong>não</strong> dano decorrente das queimadas. E nesse aspecto,<br />
chegam mesmo a ser irônicas afirman<strong>do</strong> uma pretensa<br />
necessidade <strong>do</strong>s habitantes da comarca suportarem o<br />
'carvãozinho' por algum perío<strong>do</strong>, como suportam a poluição<br />
decorrente da queima de combustível os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s<br />
grandes centros. Na verdade, nem uns nem outros deveriam<br />
ser obriga<strong>do</strong>s a inalar gases prejudiciais à saúde,<br />
19<br />
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independentemente da fonte de produção<br />
da poluição. Com efeito, diz a Constituição Federal em seu<br />
Art. 170 que a ordem econômica, fundada na valorização <strong>do</strong><br />
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a<br />
to<strong>do</strong>s existência digna, conforme os ditames da justiça social,<br />
observa<strong>do</strong>s princípios dentre os quais salienta-se a defesa <strong>do</strong><br />
meio ambiente."<br />
omissis<br />
“Parece-nos claro que os mandamentos constitucionais referi<strong>do</strong>s são informa<strong>do</strong>s<br />
pelo princípio da supremacia <strong>do</strong> interesse público, que subordina a livre<br />
iniciativa e a propriedade privada aos interesses sociais, determinan<strong>do</strong> que na<br />
construção de uma sociedade justa, livre e solidária, o desenvolvimento econômico<br />
deve estar necessariamente volta<strong>do</strong> <strong>para</strong> a promoção <strong>do</strong> bem comum. Destaquese<br />
que o meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong> foi constitucionalmente<br />
consagra<strong>do</strong> como direito de to<strong>do</strong>s, como princípio da ordem econômica e requisito<br />
essencial <strong>para</strong> a caracterização da função social da propriedade rural. Em<br />
razão disso tu<strong>do</strong> é dever <strong>do</strong> Poder Público defender o meio ambiente<br />
ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, preservan<strong>do</strong>-o <strong>para</strong> as presentes e futuras gerações,<br />
fican<strong>do</strong> justificada sua intervenção <strong>para</strong> controlar as atividades econômicas e o<br />
emprego de técnicas, méto<strong>do</strong>s e substâncias que coloquem em risco a vida, a<br />
qualidade de vida e o meio ambiente, sujeitan<strong>do</strong> os responsáveis por atividades<br />
lesivas à re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong> dano, caso <strong>não</strong> tenha si<strong>do</strong> possível o controle anterior.<br />
Data venia, <strong>não</strong> prevalece a alegação de fato novo, isto é a edição <strong>do</strong> Decreto nº<br />
42.056/97 e <strong>do</strong> Decreto Federal nº 2.661/98 e Lei Federal nº 9.605/98,<br />
autorizan<strong>do</strong> a queima da palha da cana-de-açúcar, já que referi<strong>do</strong>s diplomas<br />
violam, como se viu, legislação federal, que proíbe expressamente a prática das<br />
queimadas ou, no caso da norma de mesma hierarquia, <strong>não</strong> revoga a anterior<br />
proibição. Assim, as provas produzidas são insofismáveis <strong>para</strong><br />
demonstrar a efetiva degradação ambiental decorrente da<br />
<strong>utilização</strong> <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>, <strong>não</strong> deven<strong>do</strong><br />
prevalecer o reconhecimento da legalidade da queima da<br />
palha da cana-de-açúcar, reforman<strong>do</strong>-se, conseqüentemente,<br />
o v. acórdão recorri<strong>do</strong>, por essas razões.” (fls. 2.985/2.992)<br />
Confluente à exposição, coloca<strong>do</strong> em relevo o favorável entendimento<br />
manifesta<strong>do</strong> <strong>pela</strong> <strong>do</strong>uta Subprocura<strong>do</strong>ria-Geral da República, deci<strong>do</strong> dar<br />
provimento ao recurso.<br />
Publique-se.<br />
Brasília (DF), 1º de fevereiro de 2002.<br />
Ministro Milton Luiz Pereira. Relator. 12<br />
12 “(...) é devida a obrigação de <strong>não</strong>-fazer consubstanciada na abstenção de <strong>fogo</strong> no preparo <strong>para</strong><br />
o plantio e colheita de culturas renováveis, tais como lavoura de cana-de-açúcar, sob pena de<br />
imposição de multa diária estabelecida na sentença, ex vi <strong>do</strong> art. 27 <strong>do</strong> Código Florestal. REsp<br />
20<br />
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA<br />
Relator Ministro Humberto Gomes de Barros. Data da<br />
Publicação DJ 04.08.2003. Recurso Especial nº 471.873-SP<br />
(2002/0136433-9). Recorrente: Antônio Stocco Filho.<br />
Recorri<strong>do</strong>: Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo.<br />
DECISÃO<br />
O Recurso Especial desafia acórdão ementa<strong>do</strong> nestes termos:<br />
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – queima da palha<br />
da cana-de-açúcar – inadmissibilidade – prática que<br />
comprovada cientificamente causa danos à saúde, à fauna e à<br />
flora e também agride o <strong>solo</strong> – embargos acolhi<strong>do</strong>s.” (fl.<br />
6097).<br />
Queixa-se de contrariedade ao art. 27, parágrafo único, <strong>do</strong><br />
Código Florestal (Lei 4.771/65).<br />
DECIDO:<br />
O Tribunal “a quo” louva<strong>do</strong> em provas entendeu que a<br />
queimada da cana-de-açúcar é prática nociva ao meio<br />
ambiente e <strong>não</strong> se ajusta à exceção <strong>do</strong> parágrafo único, <strong>do</strong> art.<br />
27, <strong>do</strong> Código Florestal. A Súmula 07 veta o reexame de provas em<br />
Recurso Especial. Confiram precedentes similares: AGA 337.631,<br />
AGRESP 275.953 e RESP 246.263/DELGADO; AGA<br />
325.660/FALCÃO e RESP 161.433/PARGENDLER.<br />
Nego seguimento ao Recurso (CPC, art. 557).<br />
Brasília (DF), 1º de julho de 2003.<br />
Ministro Humberto Gomes de Barros.<br />
DIREITO AMBIENTAL. QUEIMADAS. PLANTAÇÃO DE<br />
CANA-DE-AÇÚCAR. O artigo 27, “caput”, da Lei nº 4.771, de<br />
1965, proíbe a queima de florestas e demais formas de<br />
vegetação, âmbito no qual se incluem as plantações de canade-açúcar;<br />
interpretação reforçada pelo respectivo parágrafo<br />
único que ressalva o emprego <strong>do</strong> <strong>fogo</strong> em práticas<br />
agropastoris, se peculiaridades locais ou regionais o<br />
justificarem, quan<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> pelo Poder Público. Recurso<br />
especial <strong>não</strong> conheci<strong>do</strong>. (Recurso Especial nº 161433/SP, 2ª Turma <strong>do</strong> STJ,<br />
Rel. Min. Ari Pargendler. j. 27.10.1998, DJ 14.12.1998).<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. QUEIMADA<br />
DE CANA-DE-AÇÚCAR. PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO E<br />
CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.<br />
439.456-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julga<strong>do</strong> em 3/8/2006. 2ª Turma” (Boletim<br />
Informativo nº 291 <strong>do</strong> STJ).<br />
21<br />
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ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.<br />
PRESENÇA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO. (...) Dano ao meio<br />
ambiente. Ocorrência. Indenização corretamente fixada <strong>pela</strong> sentença, que<br />
julgou a ação procedente. Recurso improvi<strong>do</strong>. (A<strong>pela</strong>ção com Revisão nº<br />
318.015.5/0, Seção de Direito Público <strong>do</strong> TJSP, Rel. Designa<strong>do</strong> Antonio<br />
Carlos Villen. j. 23.02.2006, maioria).<br />
Ainda em sede de decisões judiciais, por seu inescondível<br />
brilhantismo, transcreve-se abaixo alguns trechos de uma notável sentença 13<br />
prolatada pelo Juiz de Direito da comarca de Val<strong>para</strong>íso-SP (nos autos <strong>do</strong> processo<br />
nº 650/95), Dr. Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira. In verbis:<br />
... IV. (...) O Ministério Público, ao promover a presente ação, juntou diversos<br />
trabalhos de pesquisas, entre eles o denomina<strong>do</strong> “Projeto Fogo”, da lavra <strong>do</strong>s<br />
pesquisa<strong>do</strong>res E.V.A. Marinho e V.W.J.H. Kirchhoff (...).<br />
Analisan<strong>do</strong>-se os <strong>do</strong>cumentos e o alega<strong>do</strong> <strong>pela</strong>s partes, <strong>não</strong> há que se falar<br />
que as culturas de cana-de-açúcar em crescimento absorvem<br />
mais dióxi<strong>do</strong> de carbono <strong>do</strong> que é lança<strong>do</strong> na atmosfera<br />
durante as queimadas. Isto porque, o processo de queima e<br />
plantio <strong>não</strong> é equilibra<strong>do</strong> a ponto de numa mesma área<br />
queimar-se determinada quantidade de hectares e existir em<br />
crescimento hectares suficientes de cana-de-açúcar <strong>para</strong><br />
absorver o referi<strong>do</strong> gás.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, tais gases estão intimamente liga<strong>do</strong>s ao<br />
problema da poluição atmosférica e com a piora nas<br />
condições de saúde da população, <strong>não</strong> poden<strong>do</strong> ser esqueci<strong>do</strong><br />
que os ventos ajudam a levar os gases <strong>para</strong> outras regiões,<br />
fazen<strong>do</strong> com que o problema da poluição atmosférica seja<br />
geral e <strong>não</strong> apenas local.<br />
(...) O Ozona é um gás tóxico cáustico que causa irritação nos olhos, na<br />
garganta e no nariz. Eventualmente pode causar <strong>para</strong>lisia respiratória,<br />
dependen<strong>do</strong> de sua concentração.<br />
O gás carbônico (...) está liga<strong>do</strong> ao chama<strong>do</strong> “efeito estufa”. (...)<br />
V. É indiscutível a importância social e econômica das Usinas de Álcool no<br />
panorama nacional, uma vez que as indústrias <strong>do</strong> setor trouxeram um<br />
desenvolvimento <strong>para</strong> diversas regiões e ajudaram o Brasil a diminuir a<br />
dependência <strong>do</strong> petróleo. Contu<strong>do</strong>, <strong>não</strong> podemos justificar a<br />
degradação <strong>do</strong> meio ambiente na tradição e na necessidade<br />
de manter-se empregos. Ao contrário, devemos buscar meios<br />
<strong>para</strong> melhorar as indústrias, sem contu<strong>do</strong> comprometer a<br />
13 Publicada na Revista de Direito Ambiental, n. 13, p. 156.<br />
22<br />
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natureza, haja vista que de nada adiantará<br />
o poder econômico e os empregos, se <strong>não</strong> existir um meio<br />
ambiente equilibra<strong>do</strong> <strong>para</strong> a vida humana. Por outro la<strong>do</strong>,<br />
observa-se que muito pouco foi feito, no setor, <strong>para</strong> diminuir<br />
o número e a extensão das queimadas. Ao contrário, cada vez<br />
mais aumenta-se a cultura da cana-de-açúcar e, em<br />
conseqüência, o número e a extensão das queimadas.<br />
Com relação ao cita<strong>do</strong> desemprego, <strong>não</strong> é verdade que a interrupção da<br />
queimada causará uma demissão geral, haja vista que as Usinas precisarão de<br />
mais emprega<strong>do</strong>s <strong>para</strong> a colheita e <strong>limpeza</strong> da cana-de-açúcar com o final das<br />
queimadas. Inclusive, as folhas da cana-de-açúcar poderão apresentar<br />
aproveitamento econômico que poderá, ao longo <strong>do</strong> tempo, compensar os gastos<br />
com a interrupção das queimadas.<br />
VI. O comodismo e o lucro imediato devem ser substituí<strong>do</strong>s<br />
pelo investimento em tecnologia, haja vista que poderá, no<br />
futuro, ocorrer o que aconteceu com outras culturas, em que<br />
o comodismo e a falta de investimentos, fizeram com que o<br />
Brasil passasse <strong>para</strong> um segun<strong>do</strong> plano no comércio<br />
internacional e até nacional.<br />
Pelo exposto, julgo procedente a ação civil pública <strong>para</strong><br />
condenar as requeridas à obrigação de <strong>não</strong> fazerem,<br />
consistente em deixarem de utilizar <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>solo</strong>, preparo <strong>do</strong> plantio e <strong>para</strong> a colheita da cana-de-açúcar<br />
nas áreas por elas exploradas, sejam próprias ou de terceiros,<br />
sob pena de multa equivalente a 200 (duzentos) salários<br />
mínimos por hectare de cana queima<strong>do</strong> anualmente (...).<br />
Arrematan<strong>do</strong> este item, confiram-se também alguns excertos <strong>do</strong><br />
voto condutor <strong>do</strong> acórdão que manteve a sentença supracitada:<br />
(...) nada custa pinçar-se, a tal respeito, segmento <strong>do</strong> acórdão prolata<strong>do</strong> na<br />
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 18.105-0, à espécie aplicável, relatada<br />
pelo Des. Alves Braga (JTJ 163/120): “A cana-de-açúcar, variedade de<br />
gramínea, também se regenera após a queimada. Mas em razão da palhada e<br />
<strong>do</strong> maior volume de material combustível <strong>do</strong> que as gramíneas utilizadas no<br />
pastoreio, produzem chamas que atingem grandes altitudes e<br />
intensa fumaça, lançan<strong>do</strong> à distância partículas de cinza e de<br />
material mal combusto, provocan<strong>do</strong>, embora dure pouco<br />
tempo a combustão, elevadas temperaturas e, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
regime <strong>do</strong>s ventos, aquelas partículas são projetadas a<br />
grandes distâncias.<br />
23<br />
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IV) DO DANO MORAL COLETIVO<br />
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Sobre as pastagens submetidas à<br />
queimada, a cana acarreta outros inconvenientes. As altas<br />
temperaturas impedem a regeneração de outras espécies <strong>do</strong>rmentes, <strong>não</strong><br />
tolerantes ao <strong>fogo</strong>. Aquecen<strong>do</strong> o <strong>solo</strong>, seu impacto vai alteran<strong>do</strong> sua estrutura,<br />
facilitan<strong>do</strong> a erosão e eliminan<strong>do</strong> a micro-flora e a microfauna,<br />
os micro-organismos responsáveis pelo humus que<br />
fertiliza a terra. O próprio humus é destruí<strong>do</strong> <strong>pela</strong> ação<br />
deletéria <strong>do</strong> <strong>fogo</strong>.<br />
A cana-de-açúcar, matéria-prima da agro-indústria, é planta periódica, permite<br />
até quatro cortes, dependen<strong>do</strong> de sua variedade e <strong>do</strong>s tratos culturais. Vale isso<br />
dizer, que permitin<strong>do</strong> um corte por ano, ao contrário <strong>do</strong> que acontece com as<br />
pastagens, to<strong>do</strong>s os anos o <strong>solo</strong> e a atmosfera sofrerão a agressão<br />
e as conseqüências das queimadas”.<br />
Posto isto e a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>, no mais, os fundamentos da incensurável sentença, negase<br />
provimento ao recurso. (TJSP. A<strong>pela</strong>ção Cível 13867-5/4. 6ª<br />
Câmara. Relator Des. Telles Corrêa. Julga<strong>do</strong> em 23.03.1998.<br />
Processo 650/95 – Comarca de Val<strong>para</strong>íso-SP).<br />
Originariamente, a Lei 7347/85 limitava-se a fazer referência à<br />
responsabilidade por danos. A Lei 8884/94, por sua vez, deu nova redação ao<br />
artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, introduzin<strong>do</strong> os adjetivos morais e<br />
patrimoniais.<br />
Há que se afirmar que esta alteração legislativa guarda perfeita<br />
harmonia normativa com o perfil constitucional relativo ao dano moral. “Na<br />
verdade, a redação anterior, referin<strong>do</strong>-se a danos, já ensejaria a interpretação de que o termo<br />
abrangeria também o dano moral. Não obstante, <strong>para</strong> dirimir eventuais questionamentos, decidiuse<br />
inserir expressamente no dispositivo a qualificação morais ao substantivo danos. Dessa<br />
maneira, o autor, na ação civil pública, postulará a condenação <strong>do</strong> réu a<br />
uma indenização em dinheiro, ou a uma obrigação de fazer ou <strong>não</strong> fazer,<br />
seja patrimonial ou moral o dano que tenha provoca<strong>do</strong> como causa de sua<br />
responsabilização”. 14<br />
Diga-se ainda, por relevante, que o dano moral se caracteriza <strong>pela</strong> ofensa a<br />
padrões éticos <strong>do</strong>s indivíduos, no caso em foco <strong>do</strong>s indivíduos componentes <strong>do</strong>s<br />
grupos sociais protegi<strong>do</strong>s. Sen<strong>do</strong> assim, pode-se afirmar que <strong>não</strong><br />
apenas o indivíduo, isoladamente, é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de determina<strong>do</strong><br />
padrão ético. Os grupos sociais, titulares de direitos<br />
14 FILHO, José <strong>do</strong>s Santos Carvalho. Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro:<br />
Lumen Juris, 2007, p. 13.<br />
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transindividuais, também o são. Assim, se<br />
for causa<strong>do</strong> dano moral a um desses grupos <strong>pela</strong> violação a<br />
interesses coletivos ou difusos, presente estará o interesse de<br />
agir <strong>para</strong> a propositura da ação civil pública.<br />
Tribunais e <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res (...) têm avança<strong>do</strong> na aplicação da<br />
norma condenatória que permite a obrigação de indenizar no<br />
caso de dano moral coletivo. Na Justiça <strong>do</strong> Trabalho, por exemplo, há<br />
decisões que a<strong>do</strong>taram esse entendimento contra emprega<strong>do</strong>res que se<br />
prevaleciam dessa condição <strong>para</strong> obter vantagens ilícitas à custa <strong>do</strong>s<br />
emprega<strong>do</strong>s 15 ou, o que tem si<strong>do</strong> mais comum, que mantêm emprega<strong>do</strong>s em<br />
situação análoga à de escravos – o trabalho-escravo, que, sem dúvida, causa<br />
ofensa à dignidade de toda a sociedade. Por sua precisão, vale a pena ver os<br />
termos da ementa <strong>do</strong> seguinte acórdão:<br />
“DANO MORAL COLETIVO – POSSIBILIDADE – Uma<br />
vez configura<strong>do</strong> que a ré violou direito transindividual de<br />
ordem coletiva, infringin<strong>do</strong> normas de ordem pública que<br />
regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente <strong>do</strong><br />
trabalho e <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, é devida a indenização por dano<br />
moral coletivo, pois tal atitude da ré abala o sentimento de<br />
dignidade, falta de apreço e consideração, ten<strong>do</strong> reflexos na<br />
coletividade e causan<strong>do</strong> grandes prejuízos à sociedade”. 16<br />
Na <strong>do</strong>utrina, vários estudiosos têm advoga<strong>do</strong> a necessidade<br />
de aplicação da norma que prevê o dano moral coletivo. Em<br />
nosso entender, as dificuldades na configuração <strong>do</strong> dano moral quan<strong>do</strong> há<br />
ofensa a interesses coletivos e difusos devem ser cada vez mais mitigadas, de<br />
forma a ser imposta a obrigação indenizatória como verdadeiro<br />
fator de exemplaridade e de respeito aos grupos sociais, sabi<strong>do</strong><br />
que a ofensa à dignidade destes tem talvez maior gravidade que as agressões<br />
individuais. Daí ser correta a afirmação 17 de que “o dano moral coletivo<br />
é a injusta lesão na esfera moral de uma dada comunidade,<br />
ou seja, a violação antijurídica de um determina<strong>do</strong> círculo de<br />
valores coletivos”. 18<br />
15 TRT – 12ª Região, 1ª Turma, RO nº 931/98-SC, Rel. Juiz GILMAR CAVALHERI, julg. em<br />
22/09/98.<br />
16 TRT – 8ª Região, RO 5.309/2002-PA, Rel. Juiz LUÍS DE JOSÉ JESUS RIBEIRO, julg. em<br />
17/12/2002.<br />
17 De FILHO, Carlos Alberto Bittar. Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. in<br />
Revista de Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r nº 12, out./dez./94.<br />
18 FILHO, José <strong>do</strong>s Santos Carvalho. Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro:<br />
Lumen Juris, 2007, p. 14-15 – original sem destaques.<br />
25<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
Delinea<strong>do</strong>s estes contornos iniciais sobre o<br />
dever de indenizar os danos morais coletivos, insta perceber que, como visto em<br />
linhas volvidas, estan<strong>do</strong> sobejamente comprova<strong>do</strong> que a empresa Ré vem insistin<strong>do</strong><br />
reiteradamente em poluir o meio ambiente – agredin<strong>do</strong>-o com a desenfreada <strong>utilização</strong> de<br />
“<strong>fogo</strong>” <strong>para</strong> promover a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>, o preparo <strong>do</strong> plantio e a colheita da cana-de-açúcar –,<br />
tem ela o inarredável dever de indenizar os danos (difusos) causa<strong>do</strong>s à sociedade<br />
brasileira, ante a candente agressão praticada.<br />
Nessa quadra, na medida em que a ré ignorou seu dever<br />
(constitucionalmente imposto) de preservar o meio ambiente <strong>para</strong> as presentes e<br />
futuras gerações, provocan<strong>do</strong> intensas queimadas, é indene de dúvidas que o<br />
respeito à força normativa da constituição reclama a indenização <strong>do</strong>s danos coletivos<br />
causa<strong>do</strong>s 19 . Isto porque, <strong>pela</strong> lesão provocada a interesse ou direito difuso, o sujeito<br />
passivo desta ação civil pública deverá ser condena<strong>do</strong> ao pagamento de uma<br />
determinada quantia em dinheiro a título de indenização 20 <strong>pela</strong>s agressões<br />
praticadas contra o bem coletivo (o direito ao meio ambiente ecologicamente<br />
equilibra<strong>do</strong> é bem de uso comum <strong>do</strong> povo, segun<strong>do</strong> a cabeça <strong>do</strong> artigo 225 da<br />
CF/88) e <strong>pela</strong> <strong>do</strong>r e o desgosto experimenta<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os cidadãos que se<br />
encontram expostos aos danos (patrimoniais e extrapatrimoniais) ambientais advin<strong>do</strong>s<br />
da piromania. 21<br />
Encampan<strong>do</strong> a linha intelectiva aqui defendida, ensina Carlos<br />
Alberto Bittar Filho:<br />
(...) O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada<br />
comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determina<strong>do</strong> círculo de<br />
valores coletivos. Quan<strong>do</strong> se fala em dano moral coletivo, está-se fazen<strong>do</strong><br />
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior<br />
ou menor), idealmente considera<strong>do</strong>, foi agredi<strong>do</strong> de maneira absolutamente<br />
injustificável <strong>do</strong> ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância,<br />
que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na<br />
19 § 3º, <strong>do</strong> artigo 225, da CF/88 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio<br />
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e<br />
administrativas, independentemente da obrigação de re<strong>para</strong>r os danos causa<strong>do</strong>s.<br />
§ 1º, <strong>do</strong> artigo 14, da Lei 6938/81 - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste<br />
artigo, é o polui<strong>do</strong>r obriga<strong>do</strong>, INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE<br />
CULPA, a indenizar ou re<strong>para</strong>r os danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente e a terceiros,<br />
afeta<strong>do</strong>s por sua atividade. O Ministério Público da União e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s terá legitimidade <strong>para</strong><br />
propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causa<strong>do</strong>s ao meio ambiente.<br />
20 Sem prejuízo da imposição de multa pelo eventual descumprimento da obrigação de <strong>não</strong> fazer<br />
(consistente em interromper a prática lesiva – queimadas –).<br />
21 “A piromania é definida como o comportamento repetitivo de atear <strong>fogo</strong> de forma proposital e intencional”<br />
(http://www.psicosite.com.br/tra/out/piromania.htm).<br />
26<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE .......<br />
seara <strong>do</strong> dano moral individual, aqui também <strong>não</strong> há<br />
que se cogitar de prova da culpa, deven<strong>do</strong>-se responsabilizar o agente pelo<br />
simples fato da violação (damnum in re ipsa). 22<br />
Em abaliza<strong>do</strong> comentário sobre o dever de indenizar os danos<br />
morais coletivos, aduz Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:<br />
O Direito se preocupou durante séculos com os conflitos intersubjetivos. A<br />
sociedade de massas, a complexidade das relações econômicas e sociais, a<br />
percepção da existência de outros bens jurídicos vitais <strong>para</strong> a existência<br />
humana, deslocaram a preocupação jurídica <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> <strong>para</strong> o setor<br />
público; <strong>do</strong> interesse individual <strong>para</strong> o interesse difuso ou coletivo; <strong>do</strong> dano<br />
individual <strong>para</strong> o dano difuso ou coletivo. Se o dano individual ocupou<br />
tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer <strong>do</strong> dano que<br />
atinge um número considerável de pessoas? É natural que o<br />
Direito se volte, agora, <strong>para</strong> elucidar as intrincadas relações<br />
coletivas e difusas e especialmente à re<strong>para</strong>ção de um dano<br />
que tenha esse caráter. 23<br />
Abordan<strong>do</strong> o tema, Gabriel Stiglitz, notável jurista argentino,<br />
acentua que a evolução <strong>do</strong>s sistemas modernos de responsabilidade civil encontrase<br />
fundamentada em concepções solidárias e humanistas, proclaman<strong>do</strong>:<br />
a) la nueva vigencia de los factores objetivos de atribuición de responsabilidad<br />
(teoria del riesgo, deber de garantia etc.); b) la función preventiva del Derecho de<br />
Daños; c) la total resarcibilidad del daño moral; d) la extensión del derecho a<br />
22 Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Juris Plenum, Caxias <strong>do</strong> Sul:<br />
Plenum, v. 1, n. 95, jul./ago. 2007. 2 CD-ROM. Vale destacar, ainda, a manifestação de André de<br />
Carvalho Ramos que, ao analisar o dano moral coletivo, assim dissertou: “(...) é preciso sempre<br />
enfatizar o imenso dano moral coletivo causa<strong>do</strong> <strong>pela</strong>s agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a<br />
boa-imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranqüilidade <strong>do</strong> cidadão, que se vê em verdadeira selva,<br />
onde a lei <strong>do</strong> mais forte impera”. Continua o cita<strong>do</strong> autor, dizen<strong>do</strong>: “Tal intranqüilidade e sentimento de<br />
desapreço gera<strong>do</strong> pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve<br />
ser re<strong>para</strong>da coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia<br />
de lesão a seus direitos <strong>não</strong> se vê desprestigia<strong>do</strong> e ofendi<strong>do</strong> no seu sentimento de<br />
pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o<br />
Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar to<strong>do</strong>s os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Direito sobre a<br />
urgência na re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong> dano moral coletivo” (Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo.<br />
Revista de Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, nº 25, São Paulo: Revista <strong>do</strong>s Tribunais, p. 80-98, jan.-mar. 1998).<br />
23 Responsabilidade por dano <strong>não</strong> patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da<br />
EMERJ - Escola da Magistratura <strong>do</strong> Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-42.<br />
27<br />
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re<strong>para</strong>ción, en favor de los llama<strong>do</strong>s intereses simples,<br />
inclui<strong>do</strong>s los supraindividuais. 24 .<br />
Nesse passo, há de se ressaltar que, hodiernamente, tornou-se<br />
necessária e significativa <strong>para</strong> a ordem jurídica justa e a harmonia social, a reação <strong>do</strong><br />
Direito em face de determinadas condutas que vêm a configurar lesão a interesses:<br />
a) juridicamente protegi<strong>do</strong>s; b) de caráter extrapatrimonial; c) titulariza<strong>do</strong>s por uma<br />
determinada coletividade. Ou seja: adquiriu relevo jurídico, no âmbito da<br />
responsabilidade civil, a re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong> dano moral coletivo (em senti<strong>do</strong> lato). 25<br />
Captan<strong>do</strong> essa noção, André de Carvalho Ramos registra que o<br />
entendimento jurisprudencial de aceitação <strong>do</strong> dano moral em relação a pessoas<br />
jurídicas “é o primeiro passo <strong>para</strong> que se aceite a re<strong>para</strong>bilidade <strong>do</strong> dano moral em face de uma<br />
coletividade”. E ainda acresce: “o ponto chave <strong>para</strong> a aceitação <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> dano moral coletivo<br />
está na ampliação de seu conceito, deixan<strong>do</strong> de ser o dano moral um equivalente da <strong>do</strong>r psíquica,<br />
que seria exclusividade de pessoas físicas”. 26<br />
Assim, como é cediço, torna-se perfeitamente possível (e até<br />
recomendável) a re<strong>para</strong>bilidade <strong>do</strong> dano moral em face da coletividade, que apesar<br />
de ente despersonaliza<strong>do</strong>, possui valores morais e um patrimônio ideal a ser receber<br />
proteção <strong>do</strong> Direito. Ora, se aceita-se a re<strong>para</strong>bilidade <strong>do</strong> dano moral em face das<br />
pessoas jurídicas, quanto a honra objetiva, da mesma forma, deverá ser aceita tal<br />
tese em face da coletividade.<br />
A partir da Constituição da República de 1988, descortinou-se um<br />
novo horizonte quanto à tutela <strong>do</strong>s danos morais (particularmente no que tange à<br />
sua feição coletiva), face à a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> princípio basilar da re<strong>para</strong>ção integral (art. 5º,<br />
V e X, CF/88) e diante <strong>do</strong> direcionamento <strong>do</strong> amparo jurídico à esfera <strong>do</strong>s<br />
interesses transindividuais, valorizan<strong>do</strong>-se, pois, destacadamente, os direitos de tal<br />
natureza (a exemplo <strong>do</strong>s artigos 6º, 7º, 194, 196, 205, 215, 220, 225 e 227) e os<br />
instrumentos <strong>para</strong> a sua proteção (art. 5º, LXX e LXXIII, e art. 129, III).<br />
Com isso, a tutela <strong>do</strong> dano moral coletivo passou a ter, explícita e<br />
indiscutivelmente, fundamento de validade constitucional. Destaque-se, por<br />
oportuno, a ampliação <strong>do</strong> objeto da ação popular manejada pelo cidadão, que, em<br />
decorrência <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> artigo 5º, LXXIII, da Lei Maior, passou a visar a anulação<br />
de ato lesivo (e a conseqüente re<strong>para</strong>ção por perdas e danos – art. 11 da Lei<br />
24 Dano Moral individual y colectivo: medio ambiente, consumi<strong>do</strong>r y dañosidad colectiva. Revista<br />
de Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, nº 19/96, p. 69-70.<br />
25 Cf. NETO, Xisto Tiago de Medeiros. Dano moral coletivo: fundamentos e características.<br />
Revista <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> Trabalho, n. 24, 2001.<br />
26 Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, nº 25, São Paulo:<br />
Revista <strong>do</strong>s Tribunais, p. 80-98, jan.-mar. 1998.<br />
28<br />
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4717/65) ao patrimônio público e também à moralidade<br />
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Daí a<br />
pertinência dessa ação no campo <strong>do</strong> dano moral coletivo, conforme destaca<strong>do</strong> por<br />
Carlos Alberto Bittar Filho 27 , ao citar Hely Lopes Meirelles:<br />
Embora os casos mais freqüentes de lesão se refiram ao dano pecuniário, a<br />
lesividade a que alude o texto constitucional tanto abrange o patrimônio<br />
material quanto o moral, o estético, o espiritual, o histórico. Na verdade,<br />
tanto é lesiva ao patrimônio público a alienação de um imóvel<br />
por preço vil, realizada por favoritismo, quanto a destruição<br />
de um recanto ou de objetos sem valor econômico, mas de<br />
alto valor histórico, cultural, ecológico ou artístico <strong>para</strong> a<br />
coletividade local.<br />
Ainda dentro <strong>do</strong> enfoque constitucional, vê-se que o artigo 129,<br />
inciso III, <strong>do</strong> Pacto Social de 1988, ao conferir legitimação qualificada ao Ministério<br />
Público <strong>para</strong> o manuseio da ação civil pública, também abriu o leque <strong>do</strong> seu objeto<br />
<strong>para</strong> qualquer interesse difuso e coletivo, além daqueles referentes ao patrimônio público<br />
e social e ao meio ambiente. Assim, a ação civil pública tornou-se o instrumento de<br />
alçada constitucional apto a ser utiliza<strong>do</strong> pelo parquet na busca da proteção irrestrita<br />
de to<strong>do</strong> interesse de natureza transindividual, inclusive os de caráter moral.<br />
Frise-se, mais uma vez, que a possibilidade jurídica <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de<br />
indenização por dano moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal, a saber:<br />
o artigo 1º, caput, e inciso I, da Lei da Ação Civil Pública (7347/85), que assim reza:<br />
Regem-se <strong>pela</strong>s disposições desta Lei, sem prejuízo da ação<br />
popular, AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE POR<br />
DANOS MORAIS e patrimoniais CAUSADOS: I – AO MEIO<br />
AMBIENTE.<br />
Dessa forma, <strong>não</strong> se há de duvidar, enfim, que nos tempos atuais o<br />
reconhecimento e a efetiva re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong>s danos morais coletivos – na medida em que<br />
sanciona o ofensor (desestimulan<strong>do</strong> novas lesões) e compensa os efeitos negativos decorrentes <strong>do</strong><br />
desrespeito aos bens mais eleva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> agrupamento social – constitui uma das formas de<br />
alicerçar o ideal de um Esta<strong>do</strong> Constitucional e Democrático de Direito.<br />
No embalo destas asserções, com distinta precisão, Luis Henrique<br />
Paccagnella 28 (Promotor de Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo) dis<strong>para</strong> ser<br />
27 Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro. Juris Plenum, Caxias <strong>do</strong> Sul:<br />
Plenum, v. 1, n. 95, jul./ago. 2007. 2 CD-ROM.<br />
29<br />
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Perfeitamente possível o reconhecimento<br />
<strong>do</strong> dano moral difuso ou coletivo, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> dano “patrimonial” ou<br />
material.<br />
De fato, como acentuam Leite, Dantas e Fernandes, “assim como o dano<br />
moral individual, também o coletivo é passível de re<strong>para</strong>ção.<br />
Isto pode ser depreendi<strong>do</strong> <strong>do</strong> próprio texto constitucional, no<br />
qual <strong>não</strong> se faz qualquer espécie de restrição que leve à<br />
conclusão de que somente a lesão ao patrimônio moral <strong>do</strong><br />
indivíduo isoladamente considera<strong>do</strong> é que seria passível de<br />
ser re<strong>para</strong><strong>do</strong>” 29 .<br />
De mo<strong>do</strong> coerente com o pensamento constitucional, o legisla<strong>do</strong>r federal<br />
disciplinou o assunto na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal 7.347/85,<br />
com a redação da Lei Federal 8.884/94):<br />
“Art. 1º. Regem-se <strong>pela</strong>s disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,<br />
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causa<strong>do</strong>s: I - ao<br />
meio ambiente; II - ao consumi<strong>do</strong>r; III - a bens e direitos de valor artístico,<br />
estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso<br />
ou coletivo; V - por infração da ordem econômica.” (grifei)<br />
Em suma, inegável o caráter indenizável <strong>do</strong> dano moral,<br />
cumulativamente com o dano material, em tema de interesses<br />
difusos e coletivos.<br />
Dissertan<strong>do</strong> sobre a posição legislativa e <strong>do</strong>utrinária em face <strong>do</strong> dano moral<br />
coletivo, Sérgio Augustin e Ângela Almeida 30 ensinam que<br />
O dano moral coletivo encontra-se consagra<strong>do</strong> expressamente no<br />
ordenamento jurídico brasileiro. A Lei 8.078/90 (CDC, art. 6º) enumera os<br />
direitos básicos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, in verbis:<br />
Art. 6º São direitos básicos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r: [...] VI - a efetiva proteção e<br />
re<strong>para</strong>ção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; [...]<br />
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à<br />
prevenção ou re<strong>para</strong>ção de danos patrimoniais e morais,<br />
individuais, coletivos e difusos [...].<br />
Além disso, o Código de Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r alterou o art. 1º da Lei<br />
7.347/85, cuja nova redação é a seguinte:<br />
28 Dano Moral Ambiental. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias <strong>do</strong> Sul: Plenum, 2007. 1 CD-<br />
ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.<br />
29 In Revista de Direito Ambiental 04/66.<br />
30 Dano moral coletivo: a indefinição jurisprudencial em face da ofensa a direitos transindividuais.<br />
Dano Moral e sua Quantificação, Caxias <strong>do</strong> Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-85-88512-18-<br />
4 (original sem grifos).<br />
30<br />
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Art. 1º Regem-se, <strong>pela</strong>s disposições desta lei, sem<br />
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e<br />
patrimoniais causa<strong>do</strong>s: I - ao meio ambiente; II - ao consumi<strong>do</strong>r; III - a bens e<br />
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a<br />
qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da<br />
ordem econômica.<br />
No campo <strong>do</strong>utrinário, em face da simplicidade com que o tema foi trata<strong>do</strong><br />
legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimenta<strong>do</strong> <strong>para</strong><br />
atender aos conflitos envolven<strong>do</strong> direitos transindividuais, fez-se necessário<br />
construir soluções que se utilizam, a um só tempo, de algumas noções e conceitos<br />
extraí<strong>do</strong>s da responsabilidade civil e da perspectiva própria <strong>do</strong> direito penal.<br />
(...).<br />
LUIZ GUSTAVO GRANDINETTI CASTANHO DE<br />
CARVALHO 31 , <strong>para</strong> justificar sua concepção sobre o dano<br />
moral coletivo, destaca os seguintes pontos sobre a matéria:<br />
“1) Mostra-se inconveniente a se<strong>para</strong>ção rígida entre interesse público-pena e<br />
interesse priva<strong>do</strong>-re<strong>para</strong>ção (ressarcimento ou reintegração); 2) Quan<strong>do</strong> se<br />
protege o interesse difuso, o que se está protegen<strong>do</strong>, em última instância, é o<br />
interesse publico; 3) Tal interesse público pode ser tutela<strong>do</strong> pelo mo<strong>do</strong> clássico de<br />
tutela de interesses públicos, tipifican<strong>do</strong>-se a conduta <strong>do</strong> agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
dano como crime e sancionan<strong>do</strong>-a com uma pena criminal, mas pode ocorrer,<br />
por razões várias, que o ordenamento jurídico <strong>não</strong> tipifique tal conduta como<br />
crime, caso em que os instrumentos próprios <strong>para</strong> a proteção de interesses<br />
priva<strong>do</strong>s acabam assumin<strong>do</strong> nítida função substitutiva da sanção penal; 4)<br />
Deve-se admitir uma certa fungibilidade entre as funções sancionatória e<br />
re<strong>para</strong>tória em matéria de interesses difusos lesiona<strong>do</strong>s; 6) Com essa<br />
conformação e preocupação, surge o recém denomina<strong>do</strong><br />
dano moral coletivo, o qual deixa a concepção individualista,<br />
caracteriza<strong>do</strong>ra da responsabilidade civil, <strong>para</strong> assumir uma<br />
outra, mais socializada, preocupada com valores de uma<br />
determinada comunidade, e <strong>não</strong> apenas com o valor da<br />
pessoa individualizada.”<br />
XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO 32 , depois de<br />
destacar o avanço legal relativamente à proteção aos<br />
interesses de essência moral (extrapatrimonial) e aos direitos<br />
coletivos lato sensu, registra:<br />
“A ampliação <strong>do</strong>s danos passíveis de ressarcimento reflete-se<br />
destacadamente na abrangência da obrigação de re<strong>para</strong>r<br />
quaisquer lesões de ín<strong>do</strong>le extrapatrimonial, em especial as<br />
31 Responsabilidade por dano <strong>não</strong> patrimonial a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da<br />
EMERJ - Escola da Magistratura <strong>do</strong> Rio de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-42<br />
32 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 134.<br />
31<br />
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de natureza coletiva, aspecto que<br />
corresponde ao anseio justo, legítimo e necessário<br />
apresenta<strong>do</strong> <strong>pela</strong> sociedade de nossos dias. Atualmente,<br />
tornaram-se necessárias e significativas, <strong>para</strong> a ordem e a<br />
harmonia social, a reação e a resposta <strong>do</strong> Direito em face de<br />
situações em que determinadas condutas vêm a configurar<br />
lesão a interesses juridicamente protegi<strong>do</strong>s, de caráter<br />
extrapatrimonial, titulariza<strong>do</strong>s por uma determinada<br />
coletividade. Ou seja, adquiriu expressivo relevo jurídico, no<br />
âmbito da responsabilidade civil, a re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong> dano moral<br />
coletivo (em senti<strong>do</strong> lato)”.<br />
O autor supracita<strong>do</strong> defende que o conceito de dano moral coletivo <strong>não</strong> deve<br />
restringir-se ao sofrimento ou à <strong>do</strong>r pessoal, e sim ser compreendi<strong>do</strong> como toda<br />
modificação desvaliosa <strong>do</strong> espírito coletivo, ou seja, a qualquer violação aos<br />
valores fundamentais compartilha<strong>do</strong>s <strong>pela</strong> coletividade.<br />
“Com efeito, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse moral<br />
(extrapatrimonial) de uma coletividade, configurar-se-á dano possível de<br />
re<strong>para</strong>ção, ten<strong>do</strong> em vista o abalo, a repulsa, a indignação ou mesmo a<br />
diminuição da estima, infligi<strong>do</strong>s e apreendi<strong>do</strong>s em dimensão coletiva (por to<strong>do</strong>s<br />
os membros), entre outros efeitos lesivos. Nesse passo, é imperioso que se<br />
apresente o dano como injusto e de real significância, usurpan<strong>do</strong> a esfera<br />
jurídica de proteção à coletividade, em detrimento <strong>do</strong>s valores (interesses)<br />
fundamentais <strong>do</strong> seu acervo” 33 .<br />
No que concerne à destinação <strong>do</strong> dinheiro decorrente de condenação por dano<br />
moral coletivo, o mesmo autor observa:<br />
“Na hipótese da re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong> dano moral coletivo ou difuso, o direcionamento<br />
da parcela pecuniária ao Fun<strong>do</strong> é de importância indiscutível, por apresentar-se<br />
a lesão, em essência, ainda mais fluida e dispersa no âmbito da coletividade.<br />
Além disso, tenha-se em conta que a re<strong>para</strong>ção em dinheiro <strong>não</strong> visa a<br />
reconstituir um bem material passível de quantificação, e sim a oferecer<br />
compensação diante da lesão a bens de natureza imaterial sem equivalência<br />
econômica, e sancionamento exemplar ao ofensor, renden<strong>do</strong>-se ensejo <strong>para</strong> se<br />
conferir destinação de proveito coletivo ao dinheiro recolhi<strong>do</strong>” 34 .<br />
Assim, entre os <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res pre<strong>do</strong>mina a idéia de que o<br />
dano moral coletivo cumpre, idealmente, além de seu caráter<br />
compensatório e punitivo, uma função eminentemente<br />
preventiva, de mo<strong>do</strong> a garantir real e efetiva tutela ao meio<br />
ambiente, ao patrimônio cultural, à ordem urbanística, às<br />
relações de consumo, enfim, a quaisquer outros bens que<br />
extrapolam o interesse individual.<br />
33 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 136-137.<br />
34 MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004, p. 177.<br />
32<br />
Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
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Seguin<strong>do</strong> a linha de entendimento aqui esboçada, um <strong>do</strong>s maiores<br />
mestres em temas de Direito Ambiental, o Procura<strong>do</strong>r de Justiça (aposenta<strong>do</strong>) Édis<br />
Milaré 35 , com a maestria que lhe é peculiar, professa a lição que se transcreve. In<br />
verbis:<br />
(...) tem razão Morato Leite quan<strong>do</strong> afirma que o dano ambiental tem<br />
uma conceituação ambivalente, por designar <strong>não</strong> só a lesão que recai<br />
sobre o patrimônio ambiental, que é comum à coletividade, mas igualmente por<br />
se referir ao dano – por intermédio <strong>do</strong> meio ambiente ou dano ricochete – a<br />
interesses pessoais, legitiman<strong>do</strong> os lesa<strong>do</strong>s a uma re<strong>para</strong>ção pelo prejuízo<br />
patrimonial ou extrapatrimonial sofri<strong>do</strong>. 36<br />
Segun<strong>do</strong> esse autor, o dano ambiental pode ser entendi<strong>do</strong> “como toda lesão<br />
intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou <strong>não</strong>) ao meio<br />
ambiente, diretamente, como marcrobem de interesse da coletividade, em uma<br />
concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, ten<strong>do</strong> em vista interesses<br />
próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem”.<br />
Isso significa que o dano ambiental, embora recaia diretamente<br />
sobre o ambiente e os recursos e elementos que o compõem,<br />
em prejuízo da coletividade, pode, em certos casos, refletir-se<br />
material ou moralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou<br />
a saúde de uma determinada pessoa ou de um grupo de pessoas<br />
determinadas ou determináveis.<br />
Dessarte <strong>pela</strong> conformação que o Direito dá ao dano ambiental, podemos<br />
distinguir: (i) o dano ambiental coletivo ou dano ambiental propriamente dito,<br />
causa<strong>do</strong> ao meio ambiente globalmente considera<strong>do</strong>, em sua concepção difusa,<br />
como patrimônio coletivo; e (ii) o dano ambiental individual, que atinge pessoas,<br />
individualmente consideradas, através de sua integridade moral e/ou de seu<br />
patrimônio material particular. Aquele, quan<strong>do</strong> cobra<strong>do</strong>, tem eventual<br />
indenização destinada a um Fun<strong>do</strong>, cujos recursos serão aloca<strong>do</strong>s à<br />
reconstituição <strong>do</strong>s bens lesa<strong>do</strong>s. Este, diversamente, dá ensejo à indenização<br />
dirigida à recomposição <strong>do</strong> prejuízo individual sofri<strong>do</strong> <strong>pela</strong>s vítimas.<br />
A autonomia entre os danos sofri<strong>do</strong>s por particulares em seus patrimônios<br />
pessoais e os danos ambientais propriamente ditos, decorrentes de uma mesma<br />
causa, foi reconhecida em decisão <strong>do</strong> Tribunal de Justiça de São Paulo, verbis:<br />
“Dano contra o meio ambiente: rompimento de tanque construí<strong>do</strong><br />
precariamente, ocasionan<strong>do</strong> um derrame da lama fétida e poluentes. Irrelevância<br />
<strong>do</strong> fato de a empresa ré ter indeniza<strong>do</strong> alguns proprietários, porque,<br />
indubitavelmente, <strong>não</strong> foram eles os únicos atingi<strong>do</strong>s. Ação civil pública que,<br />
35 Direito <strong>do</strong> Ambiente. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 811-812.<br />
36 José Rubens Morato Leite. Dano ambiental: <strong>do</strong> individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT,<br />
2000, p. 98-99.<br />
33<br />
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outrossim, <strong>não</strong> se confunde com uma ação qualquer de<br />
responsabilidade civil por danos causa<strong>do</strong>s a particulares” 37 .<br />
Desenhadas estas razões, <strong>não</strong> há como concluir de forma contrária:<br />
a empresa demandada deve indenizar os danos morais coletivos 38 causa<strong>do</strong>s à<br />
sociedade brasileira (e, principalmente, às pessoas que vivem nesta comarca) com sua<br />
conduta afrontosa e lesiva ao meio ambiente, haja vista estar sobejamente<br />
comprova<strong>do</strong> que a Ré vem insistin<strong>do</strong> reiteradamente em poluir o “bem difuso de<br />
uso comum <strong>do</strong> povo”, agredin<strong>do</strong>-o com a desordenada <strong>utilização</strong> de “<strong>fogo</strong>” <strong>para</strong><br />
promover a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>, o preparo <strong>do</strong> plantio e a colheita da cana-de-açúcar.<br />
No que tange ao valor devi<strong>do</strong> a título de indenização pelos danos<br />
morais coletivos (exaustivamente demonstra<strong>do</strong>s), sugere-se – com fulcro nos<br />
ensinamentos emana<strong>do</strong>s da <strong>do</strong>utrina infra-reproduzida – que estes sejam arbitra<strong>do</strong>s por<br />
Vossa Excelência no patamar de 500 (quinhentos) salários mínimos. Alicerçan<strong>do</strong> o<br />
valor sugeri<strong>do</strong> 39 , segue-se o irreparável pensar de Luis Henrique Paccagnella 40 :<br />
A avaliação econômica <strong>do</strong> dano moral ambiental, tal como se dá<br />
no dano moral individual, deve ser feita por arbitramento.<br />
Primeiro pelo autor, na inicial. A final, pelo Juiz, na sentença.<br />
37 A<strong>pela</strong>ção Cível 135.914-1, j. 18.02.1981, rel. Go<strong>do</strong>fre<strong>do</strong> Mauro. In: Francisco José Marques<br />
Sanpaio. Responsabilidade civil e re<strong>para</strong>ção de danos ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris,<br />
1998,p. 110.<br />
38 “Dano moral coletivo é o resulta<strong>do</strong> de toda ação ou omissão lesiva significante,<br />
praticada por qualquer pessoa contra o patrimônio da coletividade, considerada esta as<br />
gerações presentes e futuras, que suportam um sentimento de repulsa por um fato<br />
danoso irreversível, de difícil re<strong>para</strong>ção, ou de conseqüências históricas. Da mesma forma<br />
como é detectável um patrimônio mínimo da pessoa humana individualmente considerada, podese<br />
afirmar ser detectável um patrimônio mínimo a ser protegi<strong>do</strong> <strong>para</strong> toda a coletividade.<br />
Esse patrimônio é representa<strong>do</strong> pelo acervo de interesses difusos e coletivos, em especial os<br />
bens ambientais, culturais, artísticos, paisagísticos e urbanísticos, que <strong>não</strong> pertencem a uma<br />
só pessoa, mas a toda comunidade diretamente afetada, que se faz representar <strong>pela</strong>s figuras<br />
legitimadas à ação civil pública, ou ação civil coletiva. E a existência de um patrimônio mínimo<br />
coletivo, <strong>não</strong> suscetível de disposição negocial ou renúncia, desemboca na aceitação de que há<br />
direitos coletivos fora da esfera econômica que, embora <strong>não</strong> se possam designar direitos da<br />
personalidade, merecem ser trata<strong>do</strong>s como tal, a ponto de serem re<strong>para</strong><strong>do</strong>s moralmente”<br />
(PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Dano moral contra a coletividade: ocorrências na ordem<br />
urbanística. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias <strong>do</strong> Sul: Plenum, 2007. 1 CD-ROM. ISBN 978-<br />
85-88512-18-4).<br />
39 Consideran<strong>do</strong> o poderio econômico da empresa Ré; a extensa amplitude <strong>do</strong>s danos<br />
ocasiona<strong>do</strong>s; a estron<strong>do</strong>sa lesividade acarretada <strong>pela</strong> desenfreada <strong>utilização</strong> <strong>do</strong> <strong>fogo</strong>; o exagera<strong>do</strong><br />
proveito econômico experimenta<strong>do</strong> <strong>pela</strong> demandada com esta prática; o caráter de inibição <strong>para</strong> a<br />
prevenção de danos futuros...<br />
40 Dano Moral Ambiental. Dano Moral e sua Quantificação, Caxias <strong>do</strong> Sul: Plenum, 2007. 1 CD-<br />
ROM. ISBN 978-85-88512-18-4.<br />
34<br />
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Aliás, vale lembrar que se dificuldades existem <strong>para</strong><br />
o arbitramento <strong>do</strong> dano moral ambiental, elas são semelhantes àquelas<br />
referentes ao dano moral individual. Nem por isso a criatividade da<br />
jurisprudência deixou sem solução os casos concretos, no âmbito individual.<br />
Para arbitramento de valor ao dano moral individual a jurisprudência<br />
construiu uma combinação de critérios, a saber: intensidade da culpa ou <strong>do</strong>lo;<br />
extensão <strong>do</strong> prejuízo; capacidade econômica e cultural <strong>do</strong> responsável;<br />
necessidade de ser desestimulada a reiteração da ilicitude.<br />
Não há razão <strong>para</strong> maiores inovações dessa consolidada<br />
construção, no âmbito <strong>do</strong> dano moral ambiental. Cabe ao<br />
opera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Direito, portanto, sopesar no caso concreto: a<br />
extensão <strong>do</strong> prejuízo ambiental; a intensidade da<br />
responsabilidade <strong>pela</strong> ação ou omissão, inclusive pelo exame<br />
<strong>do</strong> proveito <strong>do</strong> agente com a degradação; a condição<br />
econômica e cultural <strong>do</strong> degrada<strong>do</strong>r; valor suficiente <strong>para</strong><br />
prevenção de futuros danos ambientais.<br />
No que toca à extensão <strong>do</strong> prejuízo ambiental, deve ser analisada a eventual<br />
reversibilidade, bem como, conforme o caso, eventual prejuízo moral interino.<br />
Quanto a esse último aspecto, portanto, possível a caracterização de dano moral<br />
ambiental interino.<br />
Isso na medida em que a demora da restauração ao patrimônio ambiental cause<br />
novo sofrimento coletivo (dano moral interino), que exceda o desgosto<br />
comunitário <strong>pela</strong> degradação em si (dano moral originário).<br />
Quanto à extensão da responsabilidade <strong>pela</strong> ação ou omissão, o julga<strong>do</strong>r deve<br />
adaptar as teorias individualistas ao critério legal da responsabilidade objetiva.<br />
Assim, ao invés de análise da intensidade da culpa ou <strong>do</strong>lo, deve ser<br />
examinada a intensidade <strong>do</strong> proveito com a degradação ambiental, bem como o<br />
tempo de duração e a complexidade da ação ou omissão.<br />
Por fim, em seu estágio atual a jurisprudência vem entenden<strong>do</strong> que a re<strong>para</strong>ção<br />
<strong>do</strong> dano moral, no âmbito individual, deve servir como instrumento de<br />
desestímulo a futuras reiterações de atos ilícitos, assumin<strong>do</strong><br />
verdadeiro caráter “punitivo”.<br />
Tal construção se encaixa perfeitamente no âmbito <strong>do</strong> Direito<br />
Ambiental, uma vez que ele é informa<strong>do</strong> pelo “Princípio da<br />
Prevenção”. De acor<strong>do</strong> com esse princípio, há uma necessidade de atuação<br />
estatal preventiva, <strong>para</strong> que se evitem os danos ambientais. Isso em vista das<br />
dificuldades e custos relaciona<strong>do</strong>s com a integral re<strong>para</strong>ção <strong>do</strong>s mesmos.<br />
(...) Cabe ao Juiz, ao arbitrar o valor <strong>do</strong> dano moral ambiental,<br />
sopesar no caso concreto: a extensão <strong>do</strong> prejuízo ambiental; a<br />
intensidade da responsabilidade <strong>pela</strong> ação ou omissão, inclusive pelo exame <strong>do</strong><br />
proveito ao degrada<strong>do</strong>r; a condição econômica e cultural <strong>do</strong> responsável; a<br />
suficiência <strong>do</strong> valor <strong>para</strong> a prevenção de futuros danos ambientais.<br />
35<br />
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Em conclusão, impende trazer a baila alguns importantes<br />
JULGADOS sobre o manifesto reconhecimento jurídico <strong>do</strong>s danos morais<br />
coletivos no ordenamento jurídico brasileiro41 . Eis a voz que dimana das nossas<br />
Casas de Justiça:<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSAS CONTRA<br />
COMUNIDADE INDÍGENA. DANO MORAL COLETIVO.<br />
MAJORAÇÃO. 1. Ten<strong>do</strong> resta<strong>do</strong> demonstrada a discriminação e o<br />
preconceito pratica<strong>do</strong>s pelos réus contra grupo indígena Kaingang, é devida<br />
indenização por dano moral. 2. O DANO MORAL COLETIVO tem<br />
lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, toma<strong>do</strong><br />
41 Nesse aspecto, impede ressaltar a judiciosa lição <strong>do</strong> Ministro Luiz Fux: (...) AÇÃO CIVIL<br />
PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA<br />
LEI 7347⁄85. (...) 2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável <strong>para</strong> a<br />
humanidade, ten<strong>do</strong> por isso alcança<strong>do</strong> a eminência de garantia constitucional. 3. O<br />
advento <strong>do</strong> novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano<br />
moral - possibilitou ultrapassar a barreira <strong>do</strong> indivíduo <strong>para</strong> abranger o dano<br />
extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade. 4. No que pertine a possibilidade de<br />
re<strong>para</strong>ção por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente am<strong>para</strong>mna<br />
o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, <strong>do</strong> CDC. 5. Com efeito, o meio<br />
ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli.<br />
Consectariamente, a sua lesão, caracterizada <strong>pela</strong> diminuição da qualidade de vida da população,<br />
pelo desequilíbrio ecológico, <strong>pela</strong> lesão a um determina<strong>do</strong> espaço protegi<strong>do</strong>, acarreta incômo<strong>do</strong>s<br />
físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelan<strong>do</strong> atuar ilícito contra o patrimônio ambiental,<br />
constitucionalmente protegi<strong>do</strong>. 6. Deveras, os fenômenos, analisa<strong>do</strong>s sob o aspecto da<br />
repercussão física ao ser humano e aos demais elementos <strong>do</strong> meio ambiente constituem dano<br />
patrimonial ambiental. 7. O dano moral ambiental caracterizar-se quan<strong>do</strong>, além dessa<br />
repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou<br />
coletivo - v.g.: o dano causa<strong>do</strong> a uma paisagem causa impacto no sentimento da<br />
comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na<br />
zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano. 8. Consectariamente, o<br />
reconhecimento <strong>do</strong> dano moral ambiental <strong>não</strong> está umbilicalmente liga<strong>do</strong> à repercussão física<br />
no meio ambiente, mas, ao revés, relaciona<strong>do</strong> à transgressão <strong>do</strong> sentimento coletivo,<br />
consubstancia<strong>do</strong> no sofrimento da comunidade, ou <strong>do</strong> grupo social, diante de determinada lesão<br />
ambiental. 9. Destarte, <strong>não</strong> se pode olvidar que o meio ambiente pertence a to<strong>do</strong>s, porquanto a<br />
Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigin<strong>do</strong>-o como um bem de uso comum <strong>do</strong><br />
povo. Desta sorte, em se tratan<strong>do</strong> de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano<br />
patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição<br />
em favor de um ambiente sadio e equilibra<strong>do</strong>. 10. Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n.<br />
8.884⁄94 introduziu alteração na L<strong>ACP</strong>, segun<strong>do</strong> a qual passou restou expresso que a ação civil<br />
pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causa<strong>do</strong>s a quaisquer <strong>do</strong>s<br />
valores transindividuais de que cuida a lei. 11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há<br />
duas esferas de re<strong>para</strong>ção: a patrimonial e a moral, geran<strong>do</strong> a possibilidade de o cidadão<br />
responder pelo dano patrimonial causa<strong>do</strong> e também, cumulativamente, pelo dano moral,<br />
um independente <strong>do</strong> outro. (...)” (excertos <strong>do</strong> voto proferi<strong>do</strong> no julgamento <strong>do</strong> REsp nº<br />
598.281-MG).<br />
36<br />
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individualmente, tem pouca relevância<br />
<strong>para</strong> cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume<br />
proporções que afrontam o senso comum. 3. Indenização por<br />
danos morais majorada <strong>para</strong> R$ 20.000,00, a ser suportada de forma<br />
solidária por ambos os réus desta ação (TRF da 4ª Região. 3ª Turma.<br />
A<strong>pela</strong>ção Cível nº 2003.71.01.001937-0/RS. Decisão Unânime, DJU<br />
30.08.2006).<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR – (...) DANOS<br />
MORAIS COLETIVOS. (...) A ocorrência de DANOS<br />
MORAIS COLETIVOS é matéria relativamente nova na<br />
jurisprudência. Doutrinariamente, o dano moral é<br />
conceitua<strong>do</strong> como o prejuízo de caráter intrínseco ao íntimo<br />
<strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong>, isto é, liga<strong>do</strong> à esfera da personalidade. A<br />
coletividade, por óbvio, é desprovida desse conteú<strong>do</strong> próprio da personalidade.<br />
Entretanto, <strong>não</strong> pode permanecer desam<strong>para</strong>da diante de atos<br />
que atentam aos princípios éticos da sociedade. Costuma-se<br />
dizer que o dano moral tem dupla função: re<strong>para</strong>r o dano<br />
sofri<strong>do</strong> <strong>pela</strong> vítima e punir o ofensor. O denomina<strong>do</strong> “ DANO<br />
MORAL COLETIVO” busca, justamente, valorar a segunda<br />
vertente, mas sob um prisma diferente. Mais <strong>do</strong> que punir o<br />
ofensor, confere um caráter de exemplaridade <strong>para</strong> a<br />
sociedade, de acor<strong>do</strong> com a importância que o princípio da<br />
moralidade administrativa a<strong>do</strong>tou hodiernamente. Dessa forma,<br />
o DANO MORAL COLETIVO tem lugar nas hipóteses onde exista<br />
um ato ilícito que, toma<strong>do</strong> individualmente, tem pouca relevância <strong>para</strong> cada<br />
pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso<br />
comum. É o que se verifica no caso <strong>do</strong>s autos. Por natureza, trata-se de um<br />
ilícito contratual, cujos efeitos atingiram a comunidade local. Mensura<strong>do</strong><br />
individualmente, <strong>não</strong> daria ensejo à indenização <strong>pela</strong> pouca importância na<br />
esfera de cada cidadão. Contu<strong>do</strong>, na sua generalidade, leva à sua re<strong>para</strong>ção aos<br />
olhos da sociedade. Manti<strong>do</strong> o quantum indenizatório fixa<strong>do</strong> na sentença (R$<br />
50.000,00), já que a<strong>do</strong>tou como critério a capacidade econômica da ré, estan<strong>do</strong><br />
de acor<strong>do</strong> com o intuito de exemplaridade e re<strong>para</strong>bilidade. A<strong>pela</strong>ção<br />
parcialmente provida <strong>para</strong> que <strong>para</strong> que a Brasil Telecom promova a<br />
reabertura <strong>do</strong>s postos de atendimento que foram extintos (TRF da 4ª Região.<br />
3ª Turma. A<strong>pela</strong>ção Cível nº 2002.70.02.003164-5/PR. DJU<br />
27.09.2006).<br />
APELAÇÃO CÍVEL. (...) TOMBAMENTO. NEGLIGÊNCIA<br />
DOS PROPRIETÁRIOS. DESTRUIÇÃO PARCIAL DO BEM.<br />
DANO MORAL COLETIVO. Com a evolução <strong>do</strong> amparo ao<br />
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meio ambiente no Brasil, a <strong>do</strong>utrina<br />
pacificou o entendimento acerca da possibilidade de<br />
reconhecimento da indenização por DANO MORAL<br />
COLETIVO,<br />
quan<strong>do</strong> decorrente de agressões ao patrimônio<br />
ambiental, com respal<strong>do</strong>, após 1994, no art. 1º da Lei da Ação<br />
Civil Pública. (...) (TJSC. 1ª Câmara de Direito Público. A<strong>pela</strong>ção Cível<br />
nº 2005.013455-7. Decisão Unânime, DJ 18.11.2005).<br />
V) DA NECESSÁRIA CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR<br />
Basea<strong>do</strong> no princípio da efetividade <strong>do</strong> processo como<br />
instrumento da jurisdição, o legisla<strong>do</strong>r tem se preocupa<strong>do</strong> com a tutela preventiva,<br />
que, como é cediço, pode revelar-se através de varia<strong>do</strong>s instrumentos. É<br />
exatamente por esse motivo que alguns diplomas legais têm contempla<strong>do</strong> a matéria<br />
com o objetivo primordial de evitar a ocorrência de dano de difícil re<strong>para</strong>ção em virtude da<br />
demora <strong>do</strong> julgamento da demanda.<br />
Nesse contexto, insta notar que o artigo 12 da Lei 7347/85 (Lei da<br />
Ação Civil Pública) – “poderá o juiz conceder manda<strong>do</strong> liminar, com ou sem justificação<br />
prévia, em decisão sujeita a agravo” –, estabelece de forma clara e precisa a permissão<br />
legal dirigida ao magistra<strong>do</strong> <strong>para</strong> que este possa, com ou sem justificação prévia,<br />
conceder medida LIMINAR. Sobre este dispositivo, calha exaltar a precisa lição de<br />
José <strong>do</strong>s Santos Carvalho Filho 42 :<br />
A tutela preventiva tem por escopo impedir que possam<br />
consumar-se danos a direitos e interesses jurídicos em razão<br />
da natural demora na solução <strong>do</strong>s litígios submeti<strong>do</strong>s ao crivo<br />
<strong>do</strong> Judiciário. Muito freqüentemente, tais danos são<br />
irreversíveis e irreparáveis, impossibilitan<strong>do</strong> o titular <strong>do</strong><br />
direito de obter concretamente o benefício decorrente <strong>do</strong><br />
reconhecimento de sua pretensão.<br />
(...) A simples demora, em alguns casos, torna inócua a<br />
proteção judicial, razão por que as providências preventivas<br />
devem revestir-se da necessária presteza.<br />
Delinea<strong>do</strong>s estes singelos contornos sobre a “tutela de urgência”,<br />
ten<strong>do</strong> em vista que já estamos no perío<strong>do</strong> de colheita de cana-de-açúcar, é possível<br />
notar, mediante simples constatação <strong>do</strong>s acontecimentos fáticos (fato notório), que<br />
a empresa Ré já está lançan<strong>do</strong> mão <strong>do</strong> recurso da queima da palha <strong>para</strong> facilitar o<br />
seu corte manual.<br />
42 Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 343 –<br />
original sem destaques.<br />
38<br />
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Dessarte, sen<strong>do</strong> indubitável (prova inequívoca) a verossimilhança das<br />
alegações feitas nesta exordial, se faz absolutamente necessária a concessão de<br />
medida liminar 43 <strong>para</strong> impedir a consumação de gravíssimos e irreparáveis danos<br />
(periculum in mora) ao meio ambiente e à saúde pública, com inegável violação de<br />
várias normas cogentes, constitucionais e legais (fumus boni juris), conforme<br />
amplamente demonstra<strong>do</strong> acima.<br />
Sobre a necessidade 44 da tutela pleiteada, importa destacar o<br />
ensinamento jurisprudencial. Verbis:<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEIO AMBIENTE - MEDIDA<br />
LIMINAR. Observa<strong>do</strong> o princípio da proporcionalidade entre<br />
o risco demonstra<strong>do</strong> de agressão ao meio ambiente e os<br />
eventuais prejuízos suporta<strong>do</strong>s pelo particular, deve ser<br />
preserva<strong>do</strong> o provimento judicial que visa proteger o interesse<br />
coletivo. (Agravo de Instrumento nº 2005.012898-7, 3ª Câmara de<br />
Direito Público <strong>do</strong> TJSC, Rel. Luiz Cézar Medeiros. DJ 15.02.2006,<br />
unânime).<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MEDIDA LIMINAR - DANO<br />
AMBIENTAL - REQUISITOS SATISFEITOS. Em tema de<br />
meio ambiente, a cautela deve pender a favor <strong>do</strong>s interesses<br />
da coletividade. Demonstra<strong>do</strong> o perigo de dano, a medida<br />
que se impõe é o imediato afastamento da causa que está<br />
geran<strong>do</strong> o risco. (Agravo de Instrumento nº 2006.010873-7, 3ª Câmara<br />
de Direito Público <strong>do</strong> TJSC, Rel. Luiz Cézar Medeiros. unânime, DJ<br />
22.11.2006).<br />
43 “Por medida liminar deve-se entender medida concedida in limine litis, i. é., no início<br />
da lide, sem que tenha havi<strong>do</strong> ainda a oitiva da parte contrária. Assim, tem-se por liminar um<br />
conceito cronológico, caracteriza<strong>do</strong> por sua ocorrência em determinada fase <strong>do</strong> procedimento, qual seja, o seu início<br />
(...) É bom que se ressalte que <strong>não</strong> há violação da garantia <strong>do</strong> contraditório na concessão<br />
justificada pelo perigo, de providências jurisdicionais antes de ouvida a outra parte<br />
(inaudita altera parte). O contraditório, neste caso, é posposto <strong>para</strong> momento posterior à concessão da<br />
providência de urgência” (DIDIER Jr., Fredie (e outros). Curso de Direito Processual Civil. vol. 2.<br />
Salva<strong>do</strong>r: JusPODIVM, 2007, p. 529-530 – original sem destaques).<br />
44 “(...) o tempo decorri<strong>do</strong> entre o pedi<strong>do</strong> e a concessão da tutela definitiva, em qualquer de suas modalidades, pode<br />
<strong>não</strong> ser compatível com a urgência de determinadas situações, que requerem soluções imediatas, sem<br />
o quê ficará comprometida a satisfação <strong>do</strong> direito” (BEDAQUE, José Roberto <strong>do</strong>s Santos.<br />
Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 2ª ed. São<br />
Paulo: Malheiros, 2001, p. 113 – original sem destaques).<br />
39<br />
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AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO<br />
CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR - PRESENÇA<br />
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA -<br />
AUSÊNCIA DE SUBSTRATO FÁTICO A PROPICIAR A<br />
REVOGAÇÃO DA LIMINAR – (...) DECISÃO MANTIDA -<br />
RECURSO IMPROVIDO - A tutela antecipada exige uma<br />
verossimilhança da alegação deduzida na petição inicial, com amparo em prova<br />
inequívoca, além <strong>do</strong> requisito <strong>do</strong> periculum in mora. Existin<strong>do</strong> a<br />
possibilidade de impacto ambiental e sen<strong>do</strong> relevantes os<br />
fundamentos expendi<strong>do</strong>s, impõe-se a a<strong>do</strong>ção de medidas que<br />
assegurem, ao menos provisoriamente, a integridade <strong>do</strong> meio<br />
ambiente e a qualidade de vida da coletividade. Não há falar em<br />
litigância de má-fé se <strong>não</strong> existe prova satisfatória da caracterização <strong>do</strong> dano<br />
processual a que a condenação cominada na Lei visa a compensar. (TJMS.<br />
AG 2005.006173-5/0000-00. 4ª Turma Cível. Rel. Des. Rêmolo<br />
Letteriello - J. 09.08.2005).<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR DEFERIDA EM<br />
AÇÃO CIVIL PÚBLICA REQUERIDA PELO MINISTÉRIO<br />
PÚBLICO. ILEGITIMIDADE DE PARTE. INOCORRÊNCIA.<br />
A liminar deferida em ação civil pública que visa acautelar o<br />
desmatamento e derrubada de árvores com vistas a proteger o<br />
meio ambiente é medida necessária, sob pena de tornar<br />
inócua a decisão se, a final, a ação for procedente. Não é parte<br />
ilegítima <strong>para</strong> responder aos termos da ação aquele que é o responsável pelo<br />
desmatamento objeto da ação, pouco importan<strong>do</strong> se, quan<strong>do</strong> da aquisição da<br />
área a ação devasta<strong>do</strong>ra já tivesse se inicia<strong>do</strong>. (Agravo de instrumento nº<br />
5.690, 4ª Câmara Civil <strong>do</strong> TJSC, Joinville, Rel. Des. Cláudio Marques.<br />
Decisão unânime).<br />
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA<br />
AMBIENTAL. CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR PARA<br />
IMPEDIR A EXPLORAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO<br />
PERMANENTE. POSSIBILIDADE. PRESENÇA DOS<br />
REQUISITOS LEGAIS. Auto de infração ambiental lavra<strong>do</strong><br />
após constatação <strong>do</strong> plantio de cana-de-açúcar às margens de<br />
um córrego. Perigo iminente de dano irreparável ou de difícil<br />
re<strong>para</strong>ção ao meio ambiente. Recurso <strong>não</strong> provi<strong>do</strong>. (Agravo de<br />
Instrumento nº 421.330-5/4-00, 10ª Câmara de Direito Público <strong>do</strong> TJSP,<br />
Rel. Reinal<strong>do</strong> Miluzzi. j. 23.03.2006, unânime).<br />
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Peça elaborada pelos Promotores de Justiça: Daniel Pinhel Júnior, Jales Guedes Coelho Men<strong>do</strong>nça e Vinícius Marçal Vieira.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO<br />
CIVIL PÚBLICA - CONCESSÃO DE LIMINAR - ALEGADO<br />
ESGOTAMENTO DO OBJETO DA AÇÃO - INOCORRÊNCIA<br />
- PROVA PERICIAL DEFERIDA - AUSÊNCIA DE<br />
MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO PODER PÚBLICO -<br />
DESNECESSIDADE - SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA -<br />
PRELIMINARES REJEITADAS. Não há falar em esgotamento <strong>do</strong><br />
objeto da demanda quan<strong>do</strong> o Magistra<strong>do</strong> defere liminar em ação civil pública<br />
determinan<strong>do</strong> a suspensão de atividade econômica suspeita de causar danos ao<br />
meio ambiente, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> a medida judicial de urgência apenas<br />
objetivou a prevenção <strong>do</strong> direito material tutela<strong>do</strong>, qual seja, a<br />
preservação de determina<strong>do</strong> ecossistema até que a instrução<br />
da lide conclua se a atividade é ou <strong>não</strong> causa<strong>do</strong>ra de dano<br />
ambiental, dependen<strong>do</strong>, <strong>para</strong> tanto, de prova pericial. Consoante a<br />
jurisprudência hodierna, pode o Magistra<strong>do</strong>, diante <strong>do</strong> caso concreto, desde que<br />
presentes os requisitos legais (fumus boni juris e periculum in mora), e<br />
verifican<strong>do</strong> tratar-se o caso de extrema urgência, deferir liminar em ação civil<br />
pública tendente a impedir a ocorrência de dano ambiental, independentemente<br />
da oitiva <strong>do</strong> Poder Público. DIREITO AMBIENTAL - EXTRAÇÃO<br />
E BENEFICIAMENTO DE GRANITO - ATIVIDADE<br />
PRATICADA EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO E AS<br />
LICENÇAS AMBIENTAIS - ALEGADA ATIVIDADE<br />
ECONÔMICA DE RISCO AMBIENTAL AO SISTEMA<br />
HÍDRICO NA REGIÃO POR OUTRAS EMPRESAS -<br />
PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - INTERESSE<br />
COLETIVO - EXEGESE DO ART. 225 DA CF - PRINCÍPIO<br />
DA PRECAUÇÃO - PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E<br />
DO PERICULUM IN MORA - RECURSO DESPROVIDO. A<br />
prevenção de dano ao meio ambiente, com o fim de proteger<br />
o interesse coletivo, pois a re<strong>para</strong>ção, caso ocorra dano<br />
ambiental, afigura-se incerta, onerosa e muitas vezes<br />
irreversível, justifica o deferimento de liminar tendente a<br />
obstar, ainda que de forma provisória, a continuidade de<br />
atividade econômica suspeita de causar dano a um<br />
determina<strong>do</strong> ecossistema. A existência de outras irregularidades<br />
porventura verificadas contra o meio ambiente por outras empresas, <strong>não</strong> afasta<br />
a ilicitude e <strong>não</strong> confere direitos; os abusos e as violações das leis devem ser<br />
coibidas e nunca imitadas (non exemplis sed legibus est judicandum), pois to<strong>do</strong>s<br />
são iguais perante a lei <strong>para</strong> cumpri-la e <strong>não</strong> <strong>para</strong> descumpri-la. Com base<br />
nos princípios da “precaução” e da “prevenção”, as<br />
autoridades devem tomar medidas preventivas sempre que<br />
existirem motivos razoáveis de preocupação com a saúde<br />
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pública e a manutenção <strong>do</strong> ecossistema<br />
equilibra<strong>do</strong>, ensejan<strong>do</strong>, pois, a <strong>para</strong>lisação imediata de<br />
qualquer atividade econômica tendente a degradar o meio<br />
ambiente sadio. (TJSC. Agravo de Instrumento nº 2004.021074-4. Des.<br />
Relator Des. Rui Fortes. Data da Decisão: 15.02.2005).<br />
Visualiza-se, pois, pelo exposto, que a concessão liminar <strong>do</strong><br />
provimento jurisdicional é medida que se impõe, <strong>para</strong> que <strong>não</strong> perdurem as<br />
intensas agressões ao meio ambiente e à saúde pública. É de se repisar que os<br />
requisitos necessários <strong>para</strong> a concessão da medida pleiteada, estão sobejamente<br />
demonstra<strong>do</strong>s (fumus boni juris – consistente em toda argumentação jurídica lançada<br />
no bojo desta exordial; periculum in mora – evidencia<strong>do</strong> no iminente risco de<br />
ocorrência de danos de grande monta e irreparáveis ao meio ambiente e à saúde<br />
pública e, ainda, na patente inocuidade da prestação jurisdicional a posteriori, uma<br />
vez que a situação está a exigir medidas rápidas que possam salvaguardar os bens<br />
jurídicos expostos a violação).<br />
O que deve prevalecer na análise e apreciação <strong>do</strong> presente pleito<br />
(medida liminar) é o fato de estarmos diante de interesses de ordem metaindividual,<br />
atinentes a direitos fundamentais constitucionais – meio ambiente equilibra<strong>do</strong> e saúde<br />
pública – imprescindíveis <strong>para</strong> a vida em sociedade.<br />
Acerca da providência de urgência nas querelas referentes ao<br />
Direito <strong>do</strong> Meio Ambiente, recorre-se, mais uma vez, aos intangíveis ensinamentos<br />
<strong>do</strong> mestre Édis Milaré 45 :<br />
Este sistema de freios e contrapesos, no que se refere à concessão de liminar, é<br />
necessário <strong>para</strong> correção de eventual arbítrio <strong>do</strong> juiz, inaceitável dentro da<br />
ordem jurídica vigente. Da mesma forma, é certo que, EM MATÉRIA DE<br />
PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE, A TUTELA<br />
CAUTELAR, ESPECIALMENTE EM SE TRATANDO DE<br />
PROVIMENTO JURISDICIONAL DE NÃO-FAZER, É A<br />
REGRA E NÃO A EXCEÇÃO.<br />
Isso porque, no Direito Ambiental, diferentemente <strong>do</strong> que se<br />
dá com outras matérias, vigoram <strong>do</strong>is princípios que<br />
modificam profundamente as bases e a manifestação <strong>do</strong><br />
poder de cautela <strong>do</strong> juiz: a) o princípio da prevalência <strong>do</strong><br />
meio ambiente (da vida) b) o princípio da precaução,<br />
também conheci<strong>do</strong> como princípio da prudência e da<br />
cautela. 46<br />
45 Direito <strong>do</strong> Ambiente. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1045.<br />
46 “A Declaração <strong>do</strong> Rio, aprovada por unanimidade durante a Eco-92, inclusive pelo Brasil,<br />
determina, no Princípio 15, que a perspectiva da precaução deverá ser amplamente observada<br />
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TUTELA JURISDICIONAL QUE<br />
CHEGA QUANDO O DANO AMBIENTAL JÁ OCORREU<br />
PERDE, NO PLANO DA GARANTIA DOS VALORES<br />
CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS, MUITO,<br />
QUANDO NÃO A TOTALIDADE DE SUA RELEVÂNCIA<br />
OU FUNÇÃO SOCIAL.<br />
Não é possível que perdure até o julgamento final desta ação civil<br />
pública, as condições atuais expostas! Não se concebe que a empresa demandada<br />
continue a causar danos, sen<strong>do</strong> urgente a cessação da degradação ambiental.<br />
Com esse pensar, oportuna a reprodução <strong>do</strong> distinto voto (acolhi<strong>do</strong><br />
por unanimidade) <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r (<strong>do</strong> Tribunal de Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Goiás)<br />
Relator <strong>do</strong> Agravo de Instrumento nº 29986-2/180 (200201666060), Dr. Leobino<br />
Valente Chaves, que, ao apreciar uma demanda assaz semelhante à que ora se<br />
propõe, determinou o restabelecimento da liminar revogada pelo juiz singular e<br />
aduziu:<br />
O recorrente logrou demonstrar, de início, que a queimada<br />
promovida <strong>pela</strong> recorrida durante o ciclo de produção da<br />
cana-de-açúcar (<strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>, plantio e colheita) causa<br />
poluição atmosférica. Tal fato põe em risco a saúde pública, a<br />
fauna e a flora, causa sujeira (presença de cinzas em áreas<br />
descobertas), pode provocar o desgaste de objetos, prejudicar<br />
lavouras frutíferas, alterar a qualidade e o aspecto físico <strong>do</strong>s<br />
frutos, etc. (fls. 37/38, 39 e 41/43).<br />
Soma-se a isso, o fato de que a agravante pretende firmar termo de ajustamento<br />
de conduta com o agravante (fl. 62, item “a”). Tal idéia sugere que a recorrida<br />
esteja, realmente, causan<strong>do</strong> dano ao meio ambiente.<br />
Eis, então, o FUMUS BONI JURIS.<br />
(...)<br />
DESTARTE, QUANTO MAIS QUEIMADAS<br />
OCORREREM DURANTE O CICLO DE PRODUÇÃO DA<br />
CANA-DE-AÇÚCAR, MAIORES E PIORES SERÃO AS<br />
CONSEQÜÊNCIAS AO MEIO AMBIENTE – DENTRO<br />
DO QUAL O SER HUMANO SE INTERAGE – E, QUIÇÁ,<br />
IRREVERSÍVEIS.<br />
Portanto, mostra-se evidente o PERICULUM IN MORA.<br />
pelos Esta<strong>do</strong>s, fixan<strong>do</strong>, expressamente, que, nas hipóteses em que há perigo de dano sério e<br />
irreversível, a ausência de certeza científica quanto aos eventuais efeitos de uma atividade <strong>não</strong><br />
dever ser usa<strong>do</strong> como óbice à aplicação de medidas eficazes <strong>para</strong> a prevenção <strong>do</strong> dano<br />
ambiental”.<br />
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(...)<br />
Portanto, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, outro caminho<br />
<strong>não</strong> resta a esse Tribunal se<strong>não</strong> restabelecer integralmente a liminar de fl. 44.<br />
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE<br />
GOIÁS requer, em caráter LIMINAR – nos precisos termos <strong>do</strong> artigo 12 da<br />
Lei da Ação Civil Pública – que:<br />
VI) DOS PEDIDOS DEFINITIVOS<br />
a) a demandada seja compelida (inaudita altera parte)<br />
judicialmente a deixar de utilizar <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a <strong>limpeza</strong> <strong>do</strong> <strong>solo</strong>,<br />
preparo <strong>do</strong> plantio e <strong>para</strong> a colheita da cana-de-açúcar nas<br />
áreas por ela explorada, sejam próprias ou de terceiros;<br />
b) seja fixada como multa diária – prevista no artigo 12, § 2º,<br />
da lei 7347/85 – pelo descumprimento <strong>do</strong> item acima, a pena<br />
pecuniária consistente no pagamento <strong>do</strong> valor de 200,00<br />
(duzentos) salários mínimos, a ser recolhida ao Fun<strong>do</strong><br />
Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente (sem prejuízo da<br />
responsabilidade civil e criminal <strong>do</strong>s responsáveis <strong>pela</strong><br />
desobediência à ordem judicial);<br />
c) o IBAMA, a Agência Ambiental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Goiás e as<br />
Polícias (civil-GO e militar-GO) sejam notificadas da<br />
concessão da medida liminar, <strong>para</strong> que providenciem a<br />
devida fiscalização.<br />
Na intransigente defesa da ordem jurídica justa e <strong>do</strong> direito<br />
coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, o MINISTÉRIO<br />
PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS vem perante o Poder Judiciário estadual<br />
requerer a prestação de uma tutela efetivamente protetiva e, <strong>para</strong> tanto, apresenta<br />
os seguintes pedi<strong>do</strong>s:<br />
a) seja a presente ação recebida, autuada e processada de<br />
acor<strong>do</strong> com o rito ordinário, com a observância das regras<br />
vertidas no macrossistema de proteção coletiva (inaugura<strong>do</strong><br />
<strong>pela</strong> conjugação <strong>do</strong>s artigos 21 da Lei 7347/85 e 90 da Lei<br />
8078/90);<br />
b) a concessão da medida liminar (inaudita altera parte)<br />
pleiteada, nos moldes acima alinhava<strong>do</strong>s (item V);<br />
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c) a citação da demandada, <strong>para</strong>, queren<strong>do</strong>, contestar a<br />
presente ação, sob pena de serem considera<strong>do</strong>s verdadeiros<br />
os fatos aqui narra<strong>do</strong>s;<br />
d) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo teor <strong>do</strong><br />
artigo 172, § 2º, <strong>do</strong> Código de Processo Civil;<br />
e) a comunicação pessoal <strong>do</strong>s atos processuais, nos termos <strong>do</strong><br />
artigo 236, § 2º, <strong>do</strong> Código de Processo Civil, e <strong>do</strong> artigo 41,<br />
inciso IV, da Lei nº 8625/93;<br />
f) a condenação definitiva da demandada à obrigação de <strong>não</strong>fazer,<br />
consistente em abster-se de utilizar <strong>fogo</strong> <strong>para</strong> a <strong>limpeza</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>solo</strong>, preparo <strong>do</strong> plantio e <strong>para</strong> a colheita da cana-deaçúcar<br />
nas áreas por ela explorada, sejam próprias ou de<br />
terceiros, sob pena de multa diária no valor de 200,00<br />
(duzentos) salários mínimos por dia de descumprimento, a<br />
serem reverti<strong>do</strong>s <strong>para</strong> o Fun<strong>do</strong> Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />
(sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal <strong>do</strong>s<br />
responsáveis <strong>pela</strong> desobediência à ordem judicial);<br />
g) a condenação definitiva da empresa Ré à obrigação de<br />
recuperar e compensar os danos ambientais,<br />
socioeconômicos e à saúde pública provoca<strong>do</strong>s em razão de<br />
suas atividades, de maneira que as re<strong>para</strong>ções sejam efetivas<br />
e satisfatórias;<br />
h) a condenação da empresa demandada a indenizar os<br />
danos morais coletivos causa<strong>do</strong>s, tu<strong>do</strong> em conformidade com<br />
o que foi exposto no item IV, deven<strong>do</strong> o valor arbitra<strong>do</strong><br />
(sugeri<strong>do</strong> em 500 salários mínimos) ser reverti<strong>do</strong> ao Fun<strong>do</strong><br />
Estadual <strong>do</strong> Meio Ambiente.<br />
i) a inversão <strong>do</strong> ônus da prova, nos termos <strong>do</strong> artigo 6º,<br />
inciso VIII, <strong>do</strong> Código de Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Vale<br />
ressaltar que esta medida é absolutamente possível, ten<strong>do</strong> em<br />
vista a fusão harmônica entre as normas da Lei da Ação Civil<br />
Pública e <strong>do</strong> CDC (conjugação <strong>do</strong>s artigos 21 da Lei 7347/85<br />
e 90 da Lei 8078/90).<br />
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j) a publicação de edital <strong>para</strong> dar<br />
conhecimento a terceiros interessa<strong>do</strong>s e à coletividade,<br />
consideran<strong>do</strong> o caráter erga omnes da ação civil pública.<br />
l) a total procedência <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s deduzi<strong>do</strong>s e que, na<br />
sentença, seja renovada a medida liminar concedida;<br />
m) a condenação da Ré ao pagamento das “despesas<br />
processuais”.<br />
Por fim, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o<br />
alega<strong>do</strong> através de to<strong>do</strong>s os meios de prova em direito admiti<strong>do</strong>s – em especial o<br />
depoimento pessoal <strong>do</strong> representante legal da requerida, a oitiva de testemunhas, a realização de<br />
perícia e a posterior juntada de <strong>do</strong>cumentos.<br />
Dá-se à causa o valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais),<br />
<strong>para</strong> fins legais.<br />
Nestes termos, pede DEFERIMENTO.<br />
_____________, XX de ___________ de 2007.<br />
______________________________<br />
PROMOTOR DE JUSTIÇA<br />
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