Arminianismo e Metodismo – José Goncalves Salvador
Arminianismo e Metodismo – José Goncalves Salvador Arminianismo e Metodismo – José Goncalves Salvador
Hastings adverte que nem sempre o fez diretamente, mas serviu-se de um meio. Foi o caso, por exemplo, da Filosofia. O veículo que lhe levou o arminianismo foi o pensamento religioso. E explica-se: durante o século XVI a atividade teológica predominou sobre a Filosofia, dando-se o contrário no século XVII, porém a base estava no XVI. E o arminianismo contribuiu com a sua parte. Realçando a capacidade do homem, podia mais facilmente aliar-se à investigação, à crítica e, enfim, ao avanço científico. Por isso vemos a filosofia cartesiana ser perseguida na Holanda pelos calvinistas ortodoxos, ao passo que o arminianismo a favorecia. 3 Eis o que a respeito escreve Van Gelder: “O calvinismo, que dominava as universidades neerlandesas, não tolerava as idéias divergentes, nem filosóficas, nem físicas. Assim, então, por seu espírito conservador, a religião oficial era causa para que muitos sábios se conservassem longe das universidades. A filosofia moderna não era de todo tolerada pelos professores calvinistas: Descartes e Spinoza sofreram a experiência.” 4 Tão rígida posição soava mal até no seio da Igreja Reformada, revoltando a indivíduos bem formados, como o teólogo Johannes Cocceius (1603-1669). Na controvérsia que este manteve com Voetius, o governo teve novamente que se envolver. Cocceius foi, também, um dos autores da Teologia Federal, cuja finalidade era, outrossim, a de suavizar os rigores do calvinismo. O arminianismo possuía tendência para a moderação e a tolerância, harmonizando-se facilmente com o espírito da época. Encontramo-lo, por esse motivo, aceitando a contribuição humanística da Renascença, favorecendo o uso da razão, sem descurar o valor da ética e da revelação divina. Pôde assim, livrar-se de cair tanto no racionalismo como no humanismo puro. Na Holanda soube compreender Descartes. Na Inglaterra amparou os latitudinarianos em seus vôos arrojados. Na Alemanha serviu de inspiração a Kant e a Schleiermacher, deixando marcas indeléveis em seus sistemas. Sabemos da importância que Tiago Armínio dava à capacidade e à responsabilidade do homem. Pois bem: a ênfase dada pelo grande filósofo de Stutgart à natureza moral do homem é reflexo da influência arminiana. E o mesmo se pode afirmar quanto ao teólogo Schleiermacher. Hastings, a quem recorremos mais uma vez, informa-nos que “Schleiermacher, na sua doutrina da absoluta dependência de Deus, reflete Calvino, ao passo que, na importância dada ao sentimento religioso, segue Armínio.” 5 No setor dos direitos do homem, o arminianismo foi além do argumento teológico. Advogou a liberdade de consciência, ensinando o respeito mútuo. Todos são iguais perante a lei e perante Deus. Há direitos que ninguém pode tirar ao ser humano. Daí, verificarmos, dentro da própria Holanda, os arminianos batendo-se 3 Hastings - Encycl. Of Relig. And Ethics - Vol I: pág. 807. 4 Van Gelder - Histoire des Pays-Bas - Pág. 78. 5 Hastings - Op. Cit. - Pág. 807.
pelo regime republicano. É ao grande jurista Hugo Grotius que se deve a fundação do direito internacional. Recebendo dos antigos filósofos e juristas os conceitos de “jus naturale” e “jus gentium,” fê-los passar pelo crivo do arminianismo e, assim, os incorporou à política, como norma para as nações. Há direitos naturais e os há convencionais: estes são criados pelos homens, aqueles nascem com eles. O arminianismo chamou a atenção para a dignidade humana. Deu ao homem senso mais claro do seu próprio valor, realçando seus deveres e suas possibilidades. Fê-lo mais cônscio de sua co-participação na obra de Deus. Incentivou-o a melhor compreender o próximo e a interessar-se por seus problemas. Porque, se o destino a ninguém é imposto, a situação de qualquer um pode ser modificada. Visto que, igualmente, Cristo deu Sua vida por todos, a salvação é universal. Todas as raças necessitam do Evangelho. É dever, portanto, dos cristãos levarem as Boas Novas a todos os recantos da terra. Por isso afirma Hastings, com muito acerto, falando do arminianismo: “Com o espírito humanitário que evoca, deu impulso às Missões Estrangeiras.” É verdade que a Igreja dos Representantes (arminianos) quase nada fez neste sentido, mas quando o espírito missionário se incorporou noutras denominações, o trabalho evangelístico tomou incremento. Ao arminianismo ainda faltava alguma coisa. Como sistema de doutrina apresentava muitos aspectos bons. Mas não basta só a doutrina. O metodismo de João Wesley avantajou-se-lhe por lhe dar a objetividade de que decarecia. Trazendo fogo no coração, tornou-se prático, dinâmico e ardoroso. São os fatos que o comprovam. O que devemos, então a Tiago Armínio, é impossível calcular. Há muitas coisas valiosas que escapam aos números e elas são, geralmente, as mais importantes. Não seremos injustos, pois, se o colocarmos entre os maiores benfeitores que a humanidade tem conhecido. Sua vida, exemplo e doutrinas continuam a produzir frutos. Contá-los todos, no entanto, só ao Supremo Deus compete.
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Hastings adverte que nem sempre o fez diretamente, mas serviu-se de um<br />
meio. Foi o caso, por exemplo, da Filosofia. O veículo que lhe levou o arminianismo<br />
foi o pensamento religioso. E explica-se: durante o século XVI a atividade teológica<br />
predominou sobre a Filosofia, dando-se o contrário no século XVII, porém a base<br />
estava no XVI. E o arminianismo contribuiu com a sua parte. Realçando a<br />
capacidade do homem, podia mais facilmente aliar-se à investigação, à crítica e,<br />
enfim, ao avanço científico. Por isso vemos a filosofia cartesiana ser perseguida na<br />
Holanda pelos calvinistas ortodoxos, ao passo que o arminianismo a favorecia. 3<br />
Eis o que a respeito escreve Van Gelder: “O calvinismo, que dominava as<br />
universidades neerlandesas, não tolerava as idéias divergentes, nem filosóficas,<br />
nem físicas. Assim, então, por seu espírito conservador, a religião oficial era causa<br />
para que muitos sábios se conservassem longe das universidades. A filosofia<br />
moderna não era de todo tolerada pelos professores calvinistas: Descartes e<br />
Spinoza sofreram a experiência.” 4<br />
Tão rígida posição soava mal até no seio da Igreja Reformada, revoltando a<br />
indivíduos bem formados, como o teólogo Johannes Cocceius (1603-1669). Na<br />
controvérsia que este manteve com Voetius, o governo teve novamente que se<br />
envolver. Cocceius foi, também, um dos autores da Teologia Federal, cuja<br />
finalidade era, outrossim, a de suavizar os rigores do calvinismo.<br />
O arminianismo possuía tendência para a moderação e a tolerância,<br />
harmonizando-se facilmente com o espírito da época. Encontramo-lo, por esse<br />
motivo, aceitando a contribuição humanística da Renascença, favorecendo o uso da<br />
razão, sem descurar o valor da ética e da revelação divina. Pôde assim, livrar-se de<br />
cair tanto no racionalismo como no humanismo puro. Na Holanda soube<br />
compreender Descartes. Na Inglaterra amparou os latitudinarianos em seus vôos<br />
arrojados. Na Alemanha serviu de inspiração a Kant e a Schleiermacher, deixando<br />
marcas indeléveis em seus sistemas.<br />
Sabemos da importância que Tiago Armínio dava à capacidade e à<br />
responsabilidade do homem. Pois bem: a ênfase dada pelo grande filósofo de<br />
Stutgart à natureza moral do homem é reflexo da influência arminiana. E o mesmo<br />
se pode afirmar quanto ao teólogo Schleiermacher. Hastings, a quem recorremos<br />
mais uma vez, informa-nos que “Schleiermacher, na sua doutrina da absoluta<br />
dependência de Deus, reflete Calvino, ao passo que, na importância dada ao<br />
sentimento religioso, segue Armínio.” 5<br />
No setor dos direitos do homem, o arminianismo foi além do argumento<br />
teológico. Advogou a liberdade de consciência, ensinando o respeito mútuo. Todos<br />
são iguais perante a lei e perante Deus. Há direitos que ninguém pode tirar ao ser<br />
humano. Daí, verificarmos, dentro da própria Holanda, os arminianos batendo-se<br />
3 Hastings - Encycl. Of Relig. And Ethics - Vol I: pág. 807.<br />
4 Van Gelder - Histoire des Pays-Bas - Pág. 78.<br />
5 Hastings - Op. Cit. - Pág. 807.