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6 a 15 de agosto de 2010 São Paulo<br />

1


2<br />

Filmagem de Terje Vigen


7<br />

8<br />

12<br />

14<br />

15<br />

20<br />

21<br />

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27<br />

27<br />

32<br />

34<br />

35<br />

Sumário<br />

Secretaria do Audiovisual<br />

<strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

Curadoria<br />

Curadoria musical<br />

Músicos e artistas convidados<br />

Cinédia 80 anos<br />

Ode parnaso-punk aos 80 anos<br />

Lábios sem beijos<br />

Em busca do Brasil<br />

Trenzinho Caipira<br />

Companhia Paulista de Estrada de Ferro<br />

Companhia Mogyana<br />

O Segredo do corcunda – a cor em Gilberto Rossi<br />

O Segredo do corcunda<br />

48<br />

Hilda Machado Pesquisadora do Cinema<br />

Silencioso Brasileiro 49<br />

Abreviações<br />

37<br />

43<br />

45<br />

46<br />

47<br />

48<br />

50<br />

52<br />

Jon Wengström apresenta<br />

O Cinema Silencioso Sueco<br />

Conferência de abertura<br />

Programa 1<br />

Na primavera da vida<br />

Madame de Thèbes<br />

Programa 2<br />

Quando o capitão Krogg foi fazer o seu retrato<br />

A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten<br />

Nos grilhões da escuridão<br />

Programa 3<br />

Terje Vigen<br />

O Mosteiro de Sendomir<br />

Programa 4<br />

A Feitiçaria através dos tempos<br />

Programa 5<br />

Contra o orgulho<br />

Einar Hanson<br />

Programa 6<br />

As garotas de Norrtull<br />

Tora Teje<br />

Programa 7<br />

A Herança de Ingmar<br />

Exposição<br />

cp: companhia produtora; d: direção; da: direção de arte; df: direção de fotografi a; e: elenco; ee: efeitos<br />

especiais; mo: montagem; mor: música original; p: produção; r: roteiro<br />

51<br />

53<br />

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63<br />

69<br />

72<br />

73<br />

Visita ao Acervo<br />

Filmes de Arquivo do<br />

Instituto Sueco de Cinema<br />

Programa 1 – Censura<br />

O Rio da vida<br />

Cagliostro<br />

O Abismo<br />

O Jardineiro<br />

Asta Nielsen<br />

Programa 2<br />

Filmando Ana Boleyn<br />

A Aurora de um amanhã<br />

Programa 3<br />

A Rua das lágrimas<br />

Programa 4<br />

Uma visita a Selma Lagerlöf<br />

A Carne e o diabo<br />

Greta Garbo<br />

Programa 5<br />

A Mulher divina<br />

Vento e areia<br />

Lars Hanson<br />

Programa 6<br />

Rua Meschanskaia, 3 / Sofá e cama<br />

Programa 7<br />

A Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan<br />

Cenas da vida do rei Oscar II<br />

Viagem às ruínas de Angkor<br />

Na terra dos Moïs: exploração e caça<br />

74 Destaques de Pordenone<br />

Quadra de Ases Americanos<br />

Aposta (sem blefe) de Pordenone<br />

76 Regeneração<br />

77 O Supersticioso<br />

78 Este mundo é um teatro<br />

80 Golpes de audácia<br />

81 Raymond Griffi th<br />

82<br />

Janela para a América Latina<br />

Tesouro inca<br />

83 Wara wara<br />

84<br />

Produções silenciosas<br />

contemporâneas<br />

Preservação e coronelismo,<br />

orgia e cachoeira,<br />

som direto e silêncio,<br />

cinzas e tesouros<br />

85 Que cavação é essa?<br />

87 Mesas de debates<br />

91 Referências bibliográfi cas<br />

91 Agradecimentos<br />

92 Créditos<br />

94<br />

Instituições colaboradoras


Mary Johnson<br />

Secretaria do Audiovisual<br />

Newton Cannito<br />

Secretário do Audiovisual<br />

Ministério da Cultura<br />

A Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso é uma oportunidade singular e instigante<br />

para conferir com outros olhos obras audiovisuais diversas, no resgate de filmes<br />

significativos na história do cinema brasileiro e mundial, abrindo espaço para a<br />

inovação e a ousadia de linguagem. Chega à sua quarta edição uma mostra que<br />

se destaca pela proposta estética original e criativa e se consolida na agenda da<br />

cidade de São Paulo.<br />

6<br />

Sendo a única mostra de cinema voltada a esse gênero, desprivilegiado nos meios<br />

exibidores, sua inovação não para por aí, pois a dinâmica de obras audiovisuais<br />

com música ao vivo possibilita uma experiência inovadora aos que apreciam a arte<br />

cinematográfi ca. Releitura é a palavra do momento, e nada é mais contemporâneo<br />

do que estimular diferentes formas de fruição.<br />

7<br />

É com grande satisfação que a Secretaria do Audiovisual – Sav/MinC apoia a<br />

realização deste evento por meio da <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong>. Iniciativas como esta,<br />

além de enriquecer a formação cultural brasileira, contribuem para a restauração,<br />

preservação e difusão de acervo raro e de importância inquestionável para a<br />

história do cinema.<br />

Por fi m, convidamos a todos a participarem de uma experiência diferente nesta<br />

Jornada que, sem dúvida, trilhará próspero caminho e será capaz de, a um só<br />

tempo, divertir, informar e incentivar a refl exão.


IV Jornada <strong>Brasileira</strong> de<br />

Cinema Silencioso<br />

<strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

Damos então continuidade à marcha do cinema silencioso.<br />

Jornadear é um verbo que a cidade de São Paulo conjuga, no mês de agosto, quando<br />

a <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> apresenta sua já consolidada Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema<br />

Silencioso – evento que ilumina temas, cinematografi as e personalidades do cinema<br />

mundial produzido entre fi nais do século XIX até aproximadamente 1930, quando<br />

o som, sincronizado à imagem e agregado ao suporte fílmico, modifi cou para sempre<br />

nossa concepção de cinema.<br />

excelência, mas vale destacar o famoso Häxan / A Feitiçaria através dos tempos<br />

(1922), de Benjamin Christensen, numa cópia que o curador do arquivo sueco, Jon<br />

Wengström, considera a mais bela de seu acervo. Agradecemos a colaboração do<br />

Svenskafi lminstitutet / Kinemateket e de seu curador, que ainda fez uma seleção de<br />

títulos internacionais conservados naquele arquivo e proferirá a conferência inaugural<br />

da IV Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso.<br />

É com o sentimento de ver consolidada uma importante ação de difusão cinematográfi ca<br />

Agradecemos também a colaboração de Paolo Cherchi Usai, do comitê diretor das<br />

que realizamos esta quarta edição. Um acontecimento que, por três anos consecutivos,<br />

Giornate del Cinema Muto, de Pordenone, pela seleção de programas desse evento,<br />

foi merecedor da fi delidade e de uma afl uência crescente do público, gera a confi ança<br />

representado nas Jornadas em uma seção permanente – neste ano com ênfase em<br />

de que, para além da qualidade das manifestações culturais e artísticas apresentadas a<br />

cada ano, o assunto “cinema silencioso”, em si, é valoroso e oportuno.<br />

produções americanas.<br />

Completando a parte internacional, é com grande satisfação que, em sua seção<br />

O formato da Jornada permite: retomar esse cinema antigo através de uma<br />

Janela para a América Latina, a IV Jornada focaliza o longa-metragem Wara wara,<br />

programação cuidadosamente selecionada e com acompanhamento musical ao<br />

realizado em 1929 por José Maria Velasco Maidana, único silencioso remanescente<br />

vivo, articulando experiências visuais e narrativas do passado com uma atmosfera<br />

da produção boliviana, recém-restaurado no laboratório L’Immagine Ritrovata, em<br />

sonora contemporânea; conjugar um saudável entretenimento com refl exões acerca<br />

Bolonha, na Itália.<br />

8<br />

da conservação e restauração de fi lmes; conhecer a produção brasileira do período<br />

em diálogo com o que se produziu na América Latina e com as cinematografi as de<br />

Voltando à produção brasileira do período, acreditamos oferecer um excelente<br />

9<br />

outros países; e promover discussões em mesas temáticas nas quais pesquisadores<br />

contexto para homenagear os 80 anos da produtora Cinédia, fundada por Adhemar<br />

apresentam e fortalecem suas abordagens históricas sobre o cinema do período.<br />

Gonzaga em 1930. Para tanto, a IV Jornada apresentará Lábios sem beijos,<br />

dirigido por Humberto Mauro, único fi lme silencioso da produtora. Conhecer ou<br />

Para que um evento ganhe consistência no calendário cultural, talvez a chave necessária<br />

reconhecer, lembrar e discutir os sonhos e as ações dos pioneiros do nosso cinema<br />

seja a inovação dentro da continuidade. Apostando na equação, a IV Jornada<br />

são disposições que a Jornada coloca para seu público que, cada vez mais, integra<br />

manteve a organização de seus contornos gerais. A seção brasileira apresentará o<br />

especialistas e não-especialistas, tornando a história do nosso cinema mais próxima<br />

tema Trenzinho Caipira, com fi lmes documentais e de fi cção que tratam da atividade<br />

ferroviária durante a década de 1920. Participam da seção documentários de longa-<br />

da experiência coletiva.<br />

metragem restaurados pela <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> nos últimos anos, assim como o<br />

Mais uma vez, contamos com o talento do músico e compositor Livio Tragtenberg,<br />

longa-metragem de fi cção O Segredo do corcunda, de Alberto Traversa (1924),<br />

responsável pela curadoria musical do acompanhamento ao vivo dos fi lmes exibidos<br />

objeto de um grande estudo da pesquisadora Hilda Machado, a quem a <strong>Cinemateca</strong><br />

na Sala <strong>Cinemateca</strong>-BNDES. Além desta sala, e das projeções silenciosas na Sala<br />

presta justa homenagem. A alegria de organizar e apresentar esta seção se completa<br />

<strong>Cinemateca</strong>-Petrobras, e dado o grande sucesso das sessões musicadas na Sala São<br />

com o acompanhamento do violinista e diretor do Museu Villa-Lobos, Turíbio Santos,<br />

Paulo na edição de 2009, a IV Jornada apresenta projeções ao ar livre junto ao<br />

especialmente convidado.<br />

Fortalecendo o diálogo com as cinematografi as do mundo, e trabalhando em conjunto<br />

Auditório Ibirapuera. Esperamos, desse modo, levar a experiência a um público cada<br />

vez maior.<br />

com o arquivo de fi lmes sueco, o Svenskafi lminstitutet / Kinemateket, a Jornada<br />

É com entusiasmo que a <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> percebe ter, nessa abordagem<br />

apresenta um panorama do cinema do período silencioso da Suécia, e os trabalhos<br />

do passado sem traços do saudosismo que paralisa (ao contrário, uma abordagem<br />

de restauração de fi lmes que há décadas vêm sendo desenvolvidos naquele país.<br />

moderna, que aponta para o futuro), tantos parceiros, sem cuja colaboração esta<br />

Trata-se de um dos conjuntos mais brilhantes da história do cinema, com diretores<br />

consagrados como Victor Sjöström e Mauritz Stiller, e grandes atores, como Lars<br />

Jornada não seria possível.<br />

Hanson e Greta Garbo. Difícil apontar uma obra específi ca em uma mostra de tal<br />

E então... é novamente agosto, vamos jornadear!


10 11<br />

O Mosteiro de Sendomir


Coisas de amor<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

Curador<br />

Num antigo momento da <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> – que este mês (ao menos pela<br />

minha cronologia) completa seus 70 anos –, a sublime Lygia Fagundes Telles declarou<br />

numa reunião de Conselho em que se debatiam diferenças internas (elas nunca estão<br />

superadas!), que tudo era uma questão de amor.<br />

Realizar a Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso é uma questão de amor, com as<br />

suas complexidades, eventuais desapontamentos e alegres satisfações. Amor para com<br />

os colegas da <strong>Cinemateca</strong>, que oferecem seu apoio, solidariedade e ajuda “no que<br />

precisar”; amor ao público que anualmente prestigia as sessões da Jornada, sugere,<br />

comenta e pede mais; amor ao cinema, aos fi lmes e à sua preservação – da qual a<br />

apresentação é parte integrante.<br />

passaram a ser um espetáculo completo, produtos fi nais padronizados e, como tal,<br />

apareciam do mesmo jeito em qualquer cinema de qualquer parte do mundo.<br />

O que Dibbets sugere é que, antes do advento do sonoro, cada espetáculo<br />

cinematográfi co era único. O que diz é que, antes, os espectadores compareciam a<br />

um espetáculo multimídia que era prioritariamente desempenhado do lado de cá da<br />

tela. Com o som no fi lme, entravam no cinema para ver somente o que acontecia<br />

na tela, ou do outro lado da tela, como diziam alguns. A emoção de assistir um<br />

fi lme transformou-se de happening coletivo numa relação entre o fi lme e o espectador<br />

individual. A capacidade do exibidor ou da plateia de intervirem no processo de<br />

comunicação reduziu-se ao mínimo.<br />

Um dos propósitos fundamentais da Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso<br />

é possibilitar a seus espectadores – através de apresentações arquivísticas – a<br />

recuperação do caráter dionisíaco do espetáculo cinematográfi co, no que ele tem<br />

de celebração arrebatada e amorosa. Tenho certeza de que alguns espectadores que<br />

seguiram as três primeiras edições da Jornada concordarão comigo que, em algumas<br />

sessões memoráveis, logramos plenamente nosso intento.<br />

No mais importante livro sobre a missão dos arquivos audiovisuais publicado este<br />

Nesta nova edição da Jornada insistimos nesse propósito e tivemos a colaboração<br />

século (o livro é de 2008), Film Curatorship – Archives, Museums, and the Digital Marketplace,<br />

calorosa de Jon Wengström, curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto<br />

Paolo Cherchi Usai, David Francis, Alexander Horwath e Michael Loebenstein<br />

Sueco de Cinema. Qualquer coisa que se possa dizer sobre amizade seria discreto em<br />

(arquivistas de diferentes gerações) dialogam sobre vários aspectos das atividades dos<br />

relação a Jon – aliás, ele próprio extremamente discreto em suas manifestações de<br />

arquivos, discutindo e propondo a defi nição do que seria a maneira mais moderna<br />

amizade. Colaborador permanente da Jornada, desta vez Jon foi o máximo. Durante<br />

de conceituar o conjunto de seu sistema de trabalho. O conceito é o de “curadoria<br />

meses trocamos mensagens, até estabelecer a seleção fi nal dos fi lmes que vieram do<br />

cinematográfi ca”, que consiste na arte de interpretar a estética, a história e a tecnologia do<br />

arquivo sueco (e várias vezes tive de dizer não à sua proposta de incluir mais um título).<br />

12<br />

cinema através da coleta seletiva, da preservação e da documentação sobre fi lmes, e sua exibição em<br />

apresentações arquivísticas.<br />

Por “apresentação arquivística” entenda-se a exibição – nas instalações do próprio<br />

Jon providenciou fotografi as para o catálogo, selecionou imagens para a exposição, fez<br />

pessoalmente a tradução para inglês de intertítulos de fi lmes que existiam apenas em<br />

sueco. E ainda se dispôs a apresentar sessões.<br />

13<br />

arquivo ou em locais externos, desde que o arquivo tenha pleno controle das condições<br />

Carinhosa para com a Jornada também é a relação de Paolo Cherchi Usai, do comitê<br />

técnicas de apresentação – da obra cinematográfi ca de forma a possibilitar que a<br />

diretivo das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, nossa irmã mais velha. Numa<br />

experiência do contato seja organizada de maneira consistente com sua identidade<br />

demonstração de que carinho é uma via de mão-dupla, por proposta de Paolo,<br />

histórica, de forma a gerar um novo conhecimento. Signifi ca oferecer ao público o<br />

alguns programas de nossa seção “Em busca do Brasil – Amazônia Silenciosa”, da<br />

maior número possível de informações sobre a obra e seu contexto histórico, bem<br />

III Jornada, serão apresentados na vigésima nona edição das Giornate, no próximo<br />

como apresentá-la nas condições mais próximas possíveis das de sua apresentação<br />

pública original (bitola, cor, velocidade de projeção corretas, etc.). Em termos de<br />

curadoria, um “conteúdo”, privado de seu contexto ou fruição, é apenas um item de<br />

consumo, de mercadoria (daí o uso preferencial do termo “obra” ou “artefato” no<br />

mundo arquivístico e museológico).<br />

mês de outubro.<br />

Karel Dibbets, historiador de cinema holandês, destacou alguns pontos relativos às<br />

mudanças do espetáculo cinematográfi co quando do advento do som, a partir de<br />

1926. Até então, os fi lmes eram apresentados com orquestras, pequenos conjuntos<br />

ou músicos individuais que faziam o acompanhamento ao vivo, eventualmente com<br />

o acréscimo de ruídos e mesmo de falas. Com a transferência desses sons para a<br />

pista inscrita na película – ou em discos, como ocorreu provisoriamente com o uso<br />

do sistema Vitaphone –, o cinema perdeu seu caráter de espetáculo multimídia e<br />

passou a ser um evento de uma mídia única. Os fi lmes não chegavam mais às salas<br />

como mercadorias semimanufaturadas que necessitavam de complementações e<br />

interpretações locais – do exibidor, dos músicos e da plateia. Com o som, os fi lmes<br />

Em belíssimas cópias, o amor será apresentado na IV Jornada sob diferentes<br />

manifestações e para quase todos os gostos: o amor tórrido, o fraternal e o maternal,<br />

o diábolico e o idílico. Um dos exemplos extremos dessa presença é Tretia<br />

Meschanskaia / Rua Meschanskaia 3 ou Sofá e cama (Abram Room, 1927),<br />

uma espécie de Dona Flor e seus dois maridos em locação moscovita. Confesso que,<br />

dando asas a uma “interpretação local”, ao assisti-lo pela primeira vez, imediatamente<br />

lembrei-me da marchinha “Ride... palhaço”, de Lamartine Babo, gravada em 1933<br />

pelo autor em dupla com Mário Reis.<br />

Eu sou o seu Pierrô,<br />

Colombina (bis)<br />

Reparte esse amor<br />

Metade pra mim<br />

Metade pro teu Arlequim


14<br />

Pondo sons e imagens nos trilhos...<br />

Livio Tragtenberg<br />

Curador musical<br />

A seleção de fi lmes suecos apresentados este ano na Jornada, por sua densidade e<br />

refi namento, coloca a questão do uso da música no cinema silencioso num patamar de<br />

linguagem mais complexo e sofi sticado.<br />

O refi namento dos recursos utilizados nesses fi lmes, como tratamento de cores,<br />

fotografi a, montagem, enquadramentos, soa como música das imagens em movimento.<br />

Me assombraram o ritmo e o envolvimento sensorial que eles propiciam. Apesar da<br />

diversidade estilística – épico-poético, drama, comédia, policial – essa qualidade rítmica<br />

está sempre presente.<br />

A questão colocada pelo compositor de música de cinema David Raksin – “No que,<br />

exatamente, a música contribui para um fi lme?” – torna-se ainda mais instigante quando<br />

nos deparamos com o cinema silencioso e suas relações com o espectador de hoje. Assim,<br />

no que a música ao vivo pode contribuir para o fi lme silencioso?<br />

Para o fi lósofo esloveno Slavoj Zizek, a “música de cinema possui uma dimensão superior<br />

para causar distúrbios na ordem simbólica do fi lme”. (Zizek, Slavoj, The Metasteses of<br />

Enjoyment, New York,1994.)<br />

De certa forma, esse é um dos objetivos que perseguimos na Jornada (complementando<br />

a curadoria de Carlos Roberto), no sentido de uma revitalização – mais do que uma<br />

pretensa “atualização” que, de resto, soa ridículo quando se trata de criação artística – do<br />

cinema silencioso, ao buscarmos, ao lado de condições ideais de exibição e sonorização,<br />

uma leitura sonora do cinema silencioso através da escolha de criadores musicais que<br />

possam estabelecer diálogos instigantes com as plateias de hoje.<br />

Assim, a ideia de que a música ao vivo possa criar refl exos, e refl exões paralelas ao fi lme,<br />

tem sido um dos vetores na escolha dos músicos participantes. Seja por aproximação ou<br />

por distanciamento (irônico ou conceitual) as musicalizações buscam sobretudo estabelecer<br />

uma conversa criativa, ao invés de uma moldura decorativa, com as narrativas fílmicas.<br />

A Janela para a América Latina apresenta o fi lme silencioso boliviano Wara Wara, que<br />

já vem sonorizado com a música do importante compositor contemporâneo, também<br />

boliviano, Cergio Prudencio (1955). Ele é criador da Orquestra Experimental de<br />

Instrumentos Nativos, em seu país, nos anos de 1980. Realizou música para mais de<br />

quarenta fi lmes, tendo recebido vários prêmios. Será, portanto, uma oportunidade única<br />

para se travar contato com sua obra.<br />

Este ano, o Auditório Ibirapuera acolhe uma sessão da Jornada, que tem tudo para ser<br />

especialíssima, iniciando uma parceria que, esperamos, perdure e se integre à própria<br />

Jornada. O fi lme sueco Häxan / A Feitiçaria através dos tempos (1922) irá encantar<br />

com luzes e visões fantasmagóricas.<br />

Filmes que documentam a ferrovia no Brasil também são destaque na programação,<br />

repercutindo a imagem-fetiche dos Irmãos Lumière nos primórdios do cinema, e que<br />

terão um tratamento sonoro diversifi cado, seja na sonoplastia ou na colagem musical,<br />

compondo um painel de sonoridades que dialogam com a memória do espectador. Temos<br />

músicos representativos da chamada música popular musicando fi lmes na homenagem aos<br />

80 anos da Cinédia, ampliando assim a palheta de timbre e estilos musicais.<br />

Mais uma vez, a seleção musical da Jornada apresenta uma ampla diversidade sonora,<br />

não apenas no sentido de estilos e gêneros musicais, mas também nas diferentes formas de<br />

abordagem das imagens.Literalmente, este ano as imagens e sons estão nos trilhos...<br />

Músicos e Artistas Convidados<br />

Ana Fridman<br />

Formada em Música e Dança pela Unicamp, atua como compositora, pianista, arranjadora,<br />

bailarina e professora de Percepção e Harmonia. Em 2002 ganhou a bolsa Virtuose em<br />

Composição para estagiar com o grupo londrino Kinetic Concert. Lançou em 2004,<br />

pelo selo Zabumba Records / Rob Digital, o CD O Tempo, a Distância e a Contradança, com<br />

músicas e arranjos de sua autoria, incluindo trilhas que compôs para teatro e dança. Entre<br />

os lugares que lecionou estão: Instituto de Artes da Califórnia, Unicamp, unidades do Sesc<br />

de São Paulo, Ongs e Companhias Teatrais. Em 2007 foi convidada pela Guildhall School<br />

de Londres para ministrar um workshop sobre ritmos brasileiros.<br />

André Abujamra<br />

Multiinstrumentista, compositor, produtor e ator paulistano. Na década de 1980 montou a<br />

banda Os Mulheres Negras, que o projetou no cenário musical alternativo em São Paulo.<br />

Depois passou pelo Karnak e hoje está em carreira solo. Compõe para cinema e teatro;<br />

entre seus trabalhos recentes estão uma participação na trilha de O Bicho de 7 cabeças<br />

e a trilha toda de Carandiru. Abujamra também atua como produtor musical, e trabalha<br />

junto com artistas como Pato-Fu e Duo Portal. Recentemente lançou seu terceiro CD solo,<br />

intitulado Mafaro, que tem recebido excelentes críticas, e já está com shows marcados por<br />

todo o mundo até 2011.<br />

Basavizi<br />

Grupo formado em 2008 para desenvolver pesquisas sobre a improvisação livre como<br />

forma de processo criativo e de composição, que resultaram também em outra pesquisa<br />

sobre o uso de tecnologia digital e analógica para performances ao vivo. Formado por um<br />

trio paulistano, o grupo desenvolveu diversos arranjos instrumentais. Sempre focado<br />

na interação entre instrumentos tradicionais, ainda que tocados de forma não usual, e<br />

tecnologias high e low-tech.<br />

Daniel Murray<br />

Violonista. Em 1997 conquistou o segundo prêmio no Concours International de Guitarre<br />

de Trédrez-Locquémeau, na Bretanha, França. Há 15 anos trabalha como intérprete,<br />

arranjador e compositor. Em 2007 gravou Suíte Retratos de Radamés Gnatalli com o Trio Opus<br />

12, de violões. Em 2008, lançou seu primeiro CD solo ...universos sonoros para violão e tape..., com<br />

patrocínio da Petrobras. Integrou em 2009 o Quarteto Tau de violões, com Breno Chaves,<br />

José Henrique Rosa Campos e Fabio Bartoloni, e formou com o violonista e compositor<br />

Chico Saraiva o Duo Saraiva-Murray, que acaba de voltar de uma turnê pela Europa.<br />

15


Daniel Szafran<br />

Pianista solo. Trabalhou com Laura Finnochiaro, Zé Rodrix, Mauricio Pereira, Edvaldo<br />

Santana, entre outros. Foi durante três anos pianista da banda do Programa Fanzine,<br />

da TV Cultura. Com o parceiro Mauricio Pereira, coproduziu e tocou piano no CD<br />

Mergulhar na Surpresa. Fez trilhas para peças e produziu CDs de outros artistas. Em 1992,<br />

a Rádio Cultura AM de São Paulo fez com ele um programa especial de uma hora. Foi<br />

pianista do Piratininga Bar por 16 anos, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, casa<br />

bastante conhecida dos paulistanos pelos bons pianistas que por lá passaram.<br />

Danilo Moraes<br />

Nascido em São Paulo, cantor, compositor e guitarrista, trabalhou com artistas como<br />

Chico César, Ná Ozzetti, Miriam Maria, Premê, Wandi Doratiotto (seu pai, com quem<br />

produziu o disco Pronto), Mário Manga, Ceumar, Inácio Zatz, Celso Sim, entre outros.<br />

Lançou seu disco solo em 2003 e foi selecionado para o projeto Rumos do Itaú Cultural.<br />

Com a banda Banguela, Danilo apresentou-se durante vários anos nas casas de forró de<br />

São Paulo e, em 2004, lançou o disco Na Pista. Em 2009 iniciou o projeto de seu novo<br />

disco Danilo Moraes e os Criados Mudos, apresentando-se em cidades de todo o Brasil.<br />

Gustavo Barbosa Lima<br />

Formado em Música (clarinete), fez especialização na França. Frequentou o curso de<br />

Música Eletroacústica do GRM de Paris e lecionou em escolas da região parisiense.<br />

Obteve o 1o Prêmio de Clarinete da Associação Leopold Bellan de Paris e o 1o Prêmio<br />

de Clarinete do VIII Concurso Jovens Instrumentistas Brasil. Compôs trilhas para<br />

espetáculos de dança e filmes; participou das edições de 2007 e 2009 da Jornada <strong>Brasileira</strong><br />

de Cinema Silencioso. Foi clarinetista da Orquestra Jazz Sinfônica de 2001 a 2003.<br />

Integrante do Duoportal, lançou em 2000 o CD Música de um povo imaginário. Na área<br />

da música erudita, atua com a pianista Scheilla Glaser. É professor de clarinete e música<br />

de câmara da Escola de Música do Estado de São Paulo desde 2000. Pós-graduado em<br />

Administração de Empresas pela FIA, participa da coordenação pedagógica de vários<br />

projetos artísticos.<br />

Laércio de Freitas<br />

Pianista, maestro, arranjador e compositor. Graduou-se em piano no Conservatório<br />

Carlos Gomes. Fez parte da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e do Sexteto de<br />

Radamés Gnatalli. Em 1973 lançou o LP Laércio de Freitas e o som roceiro. Atuou como<br />

arranjador e regente em companhias de discos. Acompanhou artistas como Ângela<br />

Maria, Maria Bethânia, Maria Valle, Emílio Santiago, Nancy Wilson, Clara Nunes,<br />

The Supremes, entre outros. É arranjador da Banda Sinfônica do Estado de São<br />

Paulo, para a qual também ministra aulas de Prática de Execução Conjunta. Em 2001<br />

assinou os arranjos do tema para piano e orquestra de Amazonas: um poema sinfônico, de<br />

João Donato e Everardo de Castro, apresentado no Teatro Amazonas, em Manaus.<br />

Dante Pignatari<br />

Formou-se em piano na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São<br />

Paulo. Já se apresentou no Brasil, Inglaterra, Espanha e Alemanha, dedicando-se<br />

especialmente à música de câmara. Trabalhou na produção, edição e apresentação de<br />

programas para a Rádio Cultura FM. Coordenou e foi pianista do projeto Poesia paulista<br />

- Doze canções, que resultou no CD do mesmo nome. Foi colaborador da revista Bravo! de<br />

1997 a 2001, e desde 2005 escreve notas de programas para a OSESP. Ministra aulas<br />

de piano e cursos livres de música.<br />

Livio Tragtenberg<br />

16 Dino Vicente<br />

Atua como músico, compositor, arranjador e produtor musical nas áreas de publicidade,<br />

cinema, teatro, instalações e multimídia. Começou sua carreira cedo, tocando piano<br />

na montagem da peça Bonitinha, mas Ordinária, dirigida por Antunes Filho. Já compôs<br />

com Arrigo Barnabé e, recentemente, escreveu a trilha sonora do longa-metragem 400<br />

contra 1, do diretor Caco Souza.<br />

Escreve músicas para teatro, vídeo, cinema e instalações sonoras. Compôs obras<br />

instrumentais, sinfônicas, eletroacústicas e operísticas. Em 1987 ganhou o prêmio Vitae<br />

pela ópera Inferno de Wall Street; em 1991 foi contemplado com uma bolsa da Fundação<br />

Guggenheim pela composição da ópera Tatuturema. Gravou os discos Temperamental, Othello<br />

e Anjos Negros, Pasolini Suite e Coleção de Novas Danças <strong>Brasileira</strong>s. Apresenta-se regularmente<br />

no Brasil e no exterior. É autor dos livros Artigos Musicais, Contraponto e Música de Cena.<br />

Desde 1995 colabora com o coreógrafo Johann Kresnik em produções de teatro-dança<br />

17<br />

Duo N1<br />

na Alemanha. Criou a Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo e a Nervous City<br />

Formado por Alexandre Fenerich e Giuliano Obici em julho de 2007, o duo nasceu<br />

Orchestra em Miami (Estados Unidos). Também criou a Blind Sound Orquestra, com<br />

da vontade de criar um ambiente de experimentação sonora a partir da performance<br />

musical e do improviso. Já se apresentou em festivais de arte eletrônica, cinema e música,<br />

músicos cegos acompanhando filmes silenciosos.<br />

bares e galerias de arte. Em 2009 lançou o CD Jardim das Gambiarras Chinesas - Broken<br />

Marcelo Poletto<br />

Music Machines, registro das experimentações musicais criadas até então. Desde 2009<br />

Artista plástico por formação acadêmica; educador por opção política; músico por<br />

explora também performances audiovisuais, criando peças para ver-ouvir – um modo de<br />

necessidade. Com a bailaria Morena Nascimento, forma o Duo UNS, que apresenta<br />

atuação que marcou sua participação na Mostra Live Cinema de 2009, com a performance<br />

“Marulho Oceânico”.<br />

suas próprias composições de forma simples e direta.<br />

Eric Nowinski<br />

Começou sua carreira no teatro em 1980 sob a orientação da atriz Célia Helena. Seus<br />

principais trabalhos são: Às margens da Ipiranga, dirigido por Fauzi Arap; Tartufo, de Molière,<br />

dirigido por José Rubens Siqueira; Os coveiros, de Bosco Brasil, dirigido por Hugo Possolo;<br />

e Barrela, de Plínio Marcos, dirigido por Sérgio Ferrara. Seu trabalho mais recente é a<br />

transposição para o palco do conto O Espelho, de Machado de Assis.<br />

Marcio Nigro<br />

Músico premiado, jornalista, compositor, engenheiro de áudio e produtor musical. Há<br />

mais de dez anos explora as novas tecnologias da criação musical. Em 2002 lançou o<br />

livro Áudio e Vídeo Digital no Macintosh, em parceria com João Velho. Em 1998 fundou<br />

a produtora Trio Digital, que compõe jingles para TV. Como compositor de cinema,<br />

ganhou o prêmio de melhor trilha sonora por Encarnação do Demônio, no Festival<br />

de Paulínia (2008) e por É proibido fumar (2009), no Festival de Brasília.


Matheus Leston<br />

Músico, compositor, produtor musical e professor. Formado em contrabaixo e Teoria<br />

Musical no Centro de Estudos Musicais. É tecladista do grupo Patife Band. Em 2009<br />

participou do projeto Ao redor de 4’33’ na Bienal do Mercosul. Lecionou a disciplina Música<br />

Erudita no Século XX no Curso de Arte Contemporânea do Instituto Tomie Ohtake.<br />

Compôs a trilha sonora de diversos curtas-metragens, entre eles Mais uma Noite, de<br />

Pedro Morelli e Luis Eduardo Amaral, e Sombras, de Dalila Martins.<br />

Max de Castro<br />

Nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para São Paulo ainda criança. Estimulado pelo pai<br />

Wilson Simonal, interessou-se por música muito cedo. Influenciado por Djavan, Jorge Ben<br />

Jor e Cassiano, formou em 1992 a banda Confraria, ao lado de Pedro Mariano e Daniel<br />

Carlomagno. No começo de 2000, lançou pela gravadora Trama o seu primeiro disco solo,<br />

Samba Raro. Em 2002 lançou Orquestra Klaxon, com parcerias de Erasmo Carlos, Marcelo<br />

Yuka, Nelson Motta, Fred Zero Quatro e Seu Jorge. Em 2005 lançou seu terceiro disco, Max<br />

de Castro, o mais autoral de todos eles, e nele conta com a participação do percussionista Naná<br />

Vasconcelos e do Trio Mocotó.<br />

Ricardo Carioba<br />

A criação de formas visuais e sonoras que não estavam previstas na programação de máquinas<br />

eletrônicas é a ideia que está por trás da nova série de trabalhos e projetos de Ricardo Carioba.<br />

Por meio de fotografias digitais e analógicas, vídeos e impressões de imagens eletrônicas, o<br />

artista aproveita a inteligência eletrônica para inventar possibilidades de experiência em espaço<br />

digital. Desde as fotografias, com que conferia materialidade a ambientes virtuais (Panorama<br />

da Arte <strong>Brasileira</strong>, MAM-SP, 1999), até as simulações feitas em computador (Paço das Artes,<br />

2003), persegue não o desvendamento dos mecanismos internos da “caixa preta”, mas a<br />

intervenção nos processos eletrônicos que ali ocorrem, formalizando a poética desse espaço.<br />

Ricky Villas<br />

Violonista, baixista e compositor. Paulistano, atua no cenário musical brasileiro desde 1980.<br />

Participou das bandas Bom Quixote, Performática, La Vie en Rose e Banda Zero (que<br />

ganhou um disco de ouro). Tem parcerias com Ronaldo Bastos, Celso Fonseca, Eduardo<br />

Amarante, Fredy Haiat e Guilherme Isnard. Representou o Brasil em diversos festivais<br />

no exterior e participou do Projeto World Party ao lado dos músicos holandeses Tomaz<br />

Geretsem e Georgia Dias. Fomou-se no Audio Engineering Institute (SAE), de Amsterdã.<br />

Ruggero Ruschioni<br />

Graduou-se em Composição e Regência na Faculdade Santa Marcelina; especializou-se<br />

em Multimídia na Media Research Lab New York University e fez mestrado em Cinema,<br />

Rádio e Televisão na Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente é professor<br />

do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e professor-assistente da Faculdade<br />

Cásper Líbero. Tem experiência nas Artes com ênfase em música, e atua principalmente<br />

com temas de computação gráfica, música computacional, realidade virtual, 3D tempo<br />

real, síntese sonora e sincronia.<br />

Simone Sou<br />

“Percuterista”, desenvolve pesquisa baseada em ritmos brasileiros e do mundo, adaptando<br />

técnicas de percussão às de bateria. Gravou com e acompanhou músicos e compositores<br />

como Itamar Assumpção, Mutantes, Chico César, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, Elza<br />

Soares, Jards Macalé, Paulo Miklos, Robertinho Silva, Otto, entre outros. Atualmente<br />

toca com a Orquestra Mundana, liderada por Carlinhos Antunes.<br />

Turíbio Santos<br />

Gravou 65 álbuns para Erato-WEA (Paris), Chant du Monde (Paris), Kuarup, Visom e Ritornelo<br />

(Rio de Janeiro) e editou coleções de partituras pela Max-Eschig (Paris) e Ricordi (São<br />

Paulo). Em 1983 criou a Orquestra de Violões do Rio de Janeiro. Em 1999 regravou a<br />

obra completa de Heitor Villa-Lobos para violão ao lado de compositores como Edino<br />

Krieger, Sérgio Barboza, Nicanor Teixeira, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth,<br />

para uma série de cinco CDs em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do<br />

Brasil. É membro-fundador do Conseil d’Entr’aide Musicale (UNESCO). Em 1985<br />

foi nomeado diretor do Museu Villa-Lobos e Chevalier de la Legion D’Honneur. Seus<br />

últimos lançamentos discográficos foram Turíbio Santos interpreta Agustin Barrios, Violão<br />

Sinfônico e a Introdução ao Choro, todos sob a regência de Silvio Barbato. Foi indicado para<br />

o Grammy Latino em 2008.<br />

Wilson Sukorski<br />

Compositor, músico eletrônico, performer multimídia, criador e produtor de conteúdos<br />

musicais para rádio, vídeo e cinema, designer e construtor de instrumentos musicais<br />

inusitados, e pesquisador em áudio digital. Trabalha em diversas atividades musicais no<br />

Brasil e no exterior: compõe para cinema, vídeos experimentais, instalações de áudio<br />

arte, arte urbana, arte e novas mídias, e se apresenta como performer musical em shows e<br />

performances monoband.<br />

Ricardo Reis<br />

18 Ao lado de Miriam Biderman coordena a Effects Filmes, especializada na finalização<br />

Zé Luiz Rinaldi<br />

19<br />

de longas-metragens e documentários. No cinema destacou-se pelos seus trabalhos de<br />

Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; colaborou<br />

finalização de som, entre eles, Suprema felicidade, de Arnaldo Jabor; A Encarnação<br />

intensamente com os diretores Luiz Antônio Martinez Corrêa, Bia Lessa, Celina Sodré,<br />

do demônio, de José Mojica Martins (prêmio de Edição de Som no Festival de Paulínia<br />

Fábio Ferreira, Gilberto Gawronsky, Jefferson Miranda e Ulysses Cruz. Premiado pela<br />

em 2008); e Noel, o poeta da vila, de Ricardo Van Steen (prêmio de Edição de Som no<br />

bolsa Vitae de Artes, criou e dirigiu a ópera Deslimites da Palavra (CCBB-RJ, 2000). Seu<br />

Festival de Miami de 2007). Na televisão, sobressaiu-se por trabalhos nas séries Travessia,<br />

trabalho recebeu o prêmio Rumos Musicais Tendências e Vertentes, do Itaú Cultural,<br />

dirigida por João Batista de Andrade, e Carandiru, outras histórias, de Hector<br />

Babenco, Roberto Gervitz e Walter Carvalho.<br />

e o prêmio de edição da Cartografia Musical <strong>Brasileira</strong>, como representante da atual<br />

produção artística nacional.<br />

Zérró dos Santos<br />

Contrabaixista, arranjador, compositor e produtor. Zérró dos Santos tocou ao lado de<br />

músicos como Geraldo Azevedo, Leni Andrade, Família Caymmi, Miúcha, Célia, Nara<br />

Leão, Maurício Aihorn, Alaíde Costa, Alceu Valença, entre outros. Participou da Rio<br />

Jazz Orquestra e também das gravações dos discos de Elza Soares, Martinho da Vila<br />

e Nana Caymmi. É criador e líder do grupo Zérró Santos Big Band Project, formado<br />

por 6 saxofones, 2 trompas, 4 trombones, 1 tuba, 5 trompetes, contrabaixo, guitarra,<br />

acordeom, bateria e percussão.


20<br />

Cinédia 80 anos<br />

Ode parnaso-punk aos 80 anos<br />

Hernani Heffner<br />

De forma sintética, pode-se dizer que a Cinédia é uma produtora cinematográfi ca<br />

brasileira fundada em março de 1930. Está fazendo, portanto, 80 anos. Sendo assim,<br />

seus predicados históricos seriam o pioneirismo industrial, a confi guração de um<br />

produto fílmico de sucesso para o mercado, a revelação de talentos técnicos e artísticos,<br />

e a criação de alguns fi lmes marcantes do ponto de vista estético. Suas limitações<br />

diriam respeito à carência de um projeto cultural mais decisivo, à formulação de um<br />

modelo de produção de inspiração estrangeira, ao precário acabamento da maioria<br />

das produções. Em que pese os variados e diferentes contextos por que passou, sua<br />

glória e sua danação estariam ligados à sobrevivência por esses longos, lentos e problemáticos<br />

80 anos de vida do cinema e do país.<br />

Essa persistência incomoda e intriga. O que a teria levado tão longe? O que a<br />

teria sustentado para além de uma época de ouro, encerrada em meados do século<br />

passado? Não existe resposta simples ou fácil a estas indagações. Com maior ou<br />

menor empenho, é possível sustentar em alguma medida as indicações positivas ou<br />

negativas listadas acima. Estaríamos diante de uma iniciativa complexa? Seu criador,<br />

o jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga, não pensava assim. O desafi o era grande,<br />

mas óbvio: fazer cinema por prazer, lucro e arte com vistas a modernizar o país<br />

de um ponto de vista moral, social e cultural. Desenvolver as potencialidades para<br />

enriquecer econômica e existencialmente a todos – público, homens de cinema, a<br />

nação. A boa e velha utopia.<br />

As energias descarregadas nesta solene tarefa viraram uma referência, uma narrativa,<br />

uma lenda; talvez um mito? E o que nos contaria este mito? Machado de Assis<br />

afi rmava que a missão da literatura brasileira do século XIX era captar e transmitir<br />

o sentimento nacional em formação. Ou melhor, era inventar esse sentimento,<br />

abstraído dos rostos, das vozes, das ruas, do destino, de qualquer destino que se<br />

quisesse atribuir ao homem brasileiro. Gonzaga se lançou a proposta semelhante,<br />

sem nenhuma crença ingênua sobre o “poder” do cinema. No momento em que se<br />

mencionasse a “força” das imagens, emergia a deixa para qualifi cá-la em sentido<br />

preciso. O Brasil e Cinema Brasileiro deveriam afl orar pela palavra jovem, decidido,<br />

renovador, expressivo e criativo.<br />

Este caldo primordial arremessado ao futuro encontra seu núcleo de expansão na<br />

passagem do silencioso ao sonoro, no amor à imagem perante à inevitável ditadura<br />

do som, no sucesso da primeira experiência diretorial, fundada em uma crença de<br />

valores juvenis e na paixão por Griffi th, Stroheim, Murnau, Mauro e uns poucos<br />

mais. A Cinédia era o futuro inevitável e necessário, mas seus primeiros tempos, mais<br />

especifi camente suas três primeiras produções, tinham que reter e na verdade fundar<br />

esse sentimento de um cinema nacional. A encarnação disso pode ser a liberação<br />

crescente da mulher, o modernismo carioca, a licenciosidade da canção popular ou<br />

qualquer outra manifestação histórica corriqueira. O espírito vagueia pela ousadia<br />

formal, empresarial e cultural de propor um cinema fadado ao malogro. Na contracorrente<br />

de uma sobrevivência necessária, arriscar-se no deleite de uma experiência<br />

livre de pressões mais amplas. A expulsão do paraíso viria, mais cedo ou mais tarde,<br />

mas como era conhecida e esperada, não tinha grande importância frente à chama<br />

contrabandeada para os sets de fi lmagem.<br />

Filmagem de Lábios sem beijos. Adhemar Gonzaga (sentado) e Álvaro Naher (de chapéu)<br />

Lábios sem beijos<br />

Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 53min, 24qps<br />

cp: Cinédia; p e r: Adhemar Gonzaga; d, df e mo: Humberto Mauro; e: Lelita Rosa (Lelita), Paulo Morano (Paulo), Didi<br />

Vianna (Didi), Gina Cavalieri, Tamar Moema (Tamar), Augusta Guimarães, Alfredo Rosário (tio de Lelita), Décio Murilo,<br />

Máximo Serrano, Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro, Leda Lea, Renato Oliveira, Carmem Violeta, Carlos Eugenio,<br />

Luiz Gonzaga Martins, Ivan Villar, Fernando Lima<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro<br />

Lelita é uma jovem moderna, que encontra Paulo casualmente num táxi. Voltam a se falar durante uma festa. O<br />

desentendimento inicial não impede que os dois passem a se ver, nascendo entre ambos arrebatadora paixão. Certo<br />

dia, Lelita encontra sua prima Didi chorando sentidamente, e descobre que o motivo dessa mágoa chamava-se Paulo<br />

Morano. Paulo acusa sua ex-namorada, Tamar, de ter preparado a intriga e ter colocado Lelita contra ele.<br />

Depois de muita insistência e dos assédios de Paulo, Lelita decide falar com ele e obrigá-lo a cumprir seu<br />

compromisso com Didi. Superados alguns percalços durante o trajeto de automóvel, Lelita e Didi chegam ao<br />

encontro com Paulo, ocasião em que se desfaz todo o equívoco.<br />

Nas palavras do próprio Gonzaga: “Não se trata de fazer<br />

um fi lme apenas. Já se fi zeram muitos. Trata-se de fazer<br />

uma indústria de fi lmes. Estabilidade, produzir um após<br />

outro. O cinema é a indústria mais completa do mundo.<br />

Egoísta. Não admite improvisações nem adaptações. O<br />

que falta é maquiagem, dizem uns. Precisa melhorar a<br />

fotografi a, dizem outros. Mas a maquiagem depende de<br />

boa iluminação do artista, do cinegrafi sta, da qualidade<br />

dos refl etores e da força elétrica. Esta, por sua vez, de<br />

uma possante e dispendiosa subestação... E que adiantará<br />

uma boa iluminação, sem estudos de gama, sem<br />

sensitometria, da parte científi ca do laboratório, enfi m?<br />

E que valerão estes estudos, sem máquinas de revelação<br />

automática e contínua?”<br />

O projeto da Cinédia derivou em grande parte das relações<br />

de Gonzaga com um grupo de jovens amantes e<br />

praticantes do cinema. Somente a partir do acúmulo<br />

de crises associadas aos altos investimentos e às baixas<br />

bilheterias iniciais, sem mencionar o anacronismo da<br />

persistência em um modelo “silencioso”, Gonzaga se<br />

afastou dos amigos e desenvolveu uma estratégia de profi s-<br />

sionalização crescente do negócio, instaurando relações<br />

de trabalho mais regulares, compatibilizando despesa e<br />

receita e pondo de lado preconceitos contra os demais<br />

produtos fílmicos (cinejornais, curtas documentais e de<br />

fi cção, fi lmes publicitários, institucionais, etc.). Foram<br />

mais de 700 produções de pequena duração e 55 longasmetragens<br />

até 1952. A Cinédia chegou a possuir três<br />

palcos de fi lmagem, laboratório, sala de som, dois almoxarifados<br />

para cenários e fi gurinos, sala de montagem,<br />

camarins e restaurante, entre outros departamentos. Teve<br />

câmeras como a Mitchell e a Super-Parvo, reveladora e<br />

copiadora Debrie, sistema de gravação e mixagem RCA,<br />

grua de madeira e de ferro, refl etores Mole-Richardson,<br />

fotômetros Weston, entre outros equipamentos pioneiros<br />

no país. E por lá passaram ou se formaram realizadores,<br />

técnicos, atores e cantores.<br />

O próprio Gonzaga exerceu quase todas as funções<br />

dentro do estúdio, de ator a montador, de cenógrafo<br />

a roteirista, de locutor a diretor, mas foi sobretudo<br />

produtor e administrador. A ação gonzaguiana ainda<br />

não foi estudada e compreendida em sua justa medida.<br />

21


22 23 2<br />

Crítica de Pery Ribas sobre Lábios sem beijos. Cinearte, 13 janeiro 1932


Em Busca do Brasil<br />

Trenzinho Caipira<br />

24<br />

Cuidado com o carvão no olho. Não debruçar demais para não estourar a cabeça de<br />

encontro às pilastras das caixas d’água de onde saía aquele enorme tubo de couro por onde<br />

o trem bebia... Os postes elétricos do lado dos trilhos, que suspendiam numa chicotada os<br />

fi os que novamente se curvavam para, de repente, subirem de novo. [...] Tinha vontade de<br />

descer e bater também nas rodas de ferro com um poderoso martelo. Ou ser guarda-trem,<br />

para perfurar os bilhetes. Ou maquinista, para apitar sem parar, não parar mais e varar<br />

todos os túneis do mundo.<br />

Pedro Nava, Baú de ossos<br />

feitas pela <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> de dois fantásticos documentários sobre companhias<br />

de estradas de ferro da década de 1920, e também de propiciar um contato<br />

com a versão mais completa (em termos de metragem e de cor) até hoje possível<br />

de O Segredo do corcunda, fi lme em que o transporte ferroviário tem grande<br />

importância, por ser ele que faz a ligação entre campo e cidade, cenário em que<br />

se desenvolvem os confl itos dessa história.<br />

O outro significado da escolha é um desafio aos espectadores da Jornada:<br />

em quantos outros dos filmes exibidos o trem desempenha um papel simbólico<br />

importante?<br />

25<br />

O trem, símbolo máximo da Revolução Industrial durante o século XIX, modifi cou<br />

radicalmente as relações do homem com o mundo à sua volta. As distâncias encolheram<br />

e o próprio tempo precisou ser reformado: as horas foram padronizadas de forma a se<br />

poder estabelecer quadros de horários e os passageiros não perderem seus trens.<br />

No fi nal do século, o trem encontrou-se com uma invenção tecnológica que revolucionaria<br />

o entretenimento de massas: o cinema. Não é à toa que, ao lado da saída<br />

dos operários de suas usinas em Lyon, a estaçãozinha de La Ciotat, vizinha à Riviera<br />

Francesa, fosse um dos primeiros lugares escolhidos pelos irmãos Lumière para fi xar<br />

sua câmera com a fi nalidade de registrar a chegada de um trem.<br />

Cinquenta segundos de imagem em movimento que se transformaram numa quase<br />

obsessão dos cinegrafi stas das décadas seguintes. Centenas de chegadas de trem<br />

foram fi lmadas em todo o mundo, muitas delas (a maioria?) com o mesmo enquadramento,<br />

ou muito semelhante ao do registro dos Lumière. Quando os fi lmes fi caram<br />

mais longos e surgiram documentários sobre cidades, era raro que uma das imagens<br />

inseridas não fosse a de um trem chegando a uma estação.<br />

A escolha do tema “trem” para o destaque brasileiro desta Jornada tem duplo signifi -<br />

cado. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para exibir as restaurações recentes<br />

Vento e areia<br />

Um exame superfi cial dos programas nos permite colher alguns exemplos. É de<br />

trem que Letty Mason (Lillian Gish) penetra nos domínios em que Vento e areia<br />

modifi carão para sempre seu destino. Algumas cenas-chave de A Carne e o diabo<br />

transcorrem numa estação ferroviária e é de trem que von Harden (John Gilbert)<br />

volta para os fatídicos braços de Felicitas (Greta Garbo). Igualmente de trem que<br />

Volódia (Vladimir Fogel) chega a Moscou, distraído ainda do que o espera na cidade<br />

grande. Nos fi lmes suecos, a presença das linhas férreas é mais escassa, sobretudo<br />

porque o barco e o trenó eram meios de locomoção mais adequados num país em<br />

que água e neve abundam. Mesmo assim, é numa viagem de trem que Gunnar<br />

Hede (Einar Hanson) combina a aventura que o enlouquecerá em Contra o<br />

orgulho. Mas trens estão presentes em outros fi lmes. Em quantos? Descubram!<br />

Em 1926, durante sua campanha à presidência do Brasil, Washington Luiz<br />

propalou que “governar é abrir estradas”. Com isso, atrelava o país à “modernização”<br />

das regras do capitalismo ocidental que apostava na indústria<br />

automobilística e na exploração extensiva dos recursos petrolíferos do planeta.<br />

Sabemos ao que isso nos levou.<br />

As consequências artísticas da opção foram menores: a poesia dos trens de ferro,<br />

ou de aço, continuou e continua frequentando fi lmes feitos em todo o mundo.<br />

No fundo, no fundo, o ser humano resiste como um ser poético. (CRS)


26<br />

Companhia Paulista de Estrada de Ferro<br />

Brasil, 1930, 35mm, preto e branco, 62min, 18qps<br />

cp: Rossi-Film<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

Documentário dividido em três partes. Na primeira, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro instala, em espaços da<br />

Companhia Docas de Santos, uma oficina para montar 750 vagões com estruturas recebidas dos Estados Unidos. O<br />

trabalho, de abril a dezembro de 1929, é realizado em Santos para evitar o transporte de cerca de 20 mil toneladas de peças,<br />

o que implicaria num custo superior a 800 contos de réis. Diversas fases da montagem dos vagões: os depósitos, os guindastes<br />

auxiliares, as diferentes seções de trabalho. O refeitório dos operários e encarregados, montado num vagão. O dr. Martins<br />

Fontes, diretor do serviço médico que atendeu 180 operários, posa ao lado do pessoal no encerramento da empreitada.<br />

Na segunda parte, o documentário mostra a cidade de Rio Claro e as oficinas da CPEF: ferraria, serraria, marcenaria,<br />

pintura e transporte dos vagões. Na terceira parte, a via férrea dupla entre Jundiaí e Campinas e as oficinas de reparo de<br />

locomotivas elétricas e a vapor na primeira cidade. Seções de trabalho, transporte das locomotivas e saída dos operários.<br />

Companhia Mogyana<br />

Brasil, década de 1920, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 18qps<br />

cp: Guarany Filme<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

A Companhia Mogyana de Estradas de Ferro foi eterna rival da Companhia Paulista. Ambas foram criadas por grupos de<br />

fazendeiros do interior do estado de São Paulo, e a fundação Mogyana se constitui em 1872, exatamente no ano em que<br />

a CPEF inaugura o trecho ligando Campinas a Jundiaí. O primeiro trecho da Mogyana foi inaugurado em 1875, e ligava<br />

Campinas à Jaguariúna e, no mesmo ano, a linha chegava à Mogi Mirim. O último trecho construído pela Mogyana foi<br />

inaugurado em 1921, quando seus trilhos chegaram a Passos, em Minas Gerais.<br />

O filme documenta diversas atividades da companhia e suas oficinas de montagem e construção de locomotivas a vapor<br />

e vagões de carga e de passageiros.<br />

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28 29


30 31


Em Busca do Brasil<br />

O Segredo do corcunda<br />

– a cor em Gilberto Rossi<br />

Hilda Machado<br />

A localização de cópia em nitrato, virada, daquele que parece ser o único dos fi lmes<br />

do italiano Alberto Traversa que resistiu ao tempo e ainda pode ser visto – O Segredo<br />

do corcunda –, lança luz sobre o uso da cor por um dos melhores fotógrafos do<br />

cinema silencioso brasileiro. A cópia permite uma aproximação maior à obra de<br />

Gilberto Rossi, um italiano que ensinou os paulistas a fazer cinema, já que a cor era<br />

uma das razões para o velho Rossi ser, nos anos 1920, considerado o melhor fotógrafo<br />

paulista. Mesmo o impiedoso realizador José Medina, ferino crítico do cinema brasileiro,<br />

reconhecia a excelência da escolha dos “positivos em cores fracas, salmon,<br />

amarelo, azul, etc., com as quais Rossi conseguia efeitos muito delicados. Gostava de<br />

virar o positivo em sépia, bem fraquinho; Rossi era um artista” 1 . A cópia descoberta<br />

permitirá que o público apreenda melhor o que era o cinema no período silencioso.<br />

Os fi lmes do chamado cinema mudo não são assistidos hoje como em sua época. O<br />

próprio ritmo acelerado que marca esse cinema para o grande público não passa<br />

de uma alteração moderna da velocidade de projeção, causada por equipamento<br />

inadequado. Falta a música performática que o acompanhava. E, principalmente, as<br />

cópias pálidas e incompletas apenas lembram a fotografi a original, pois a cor sumiu.<br />

O Segredo do corcunda é todo ele virado em diferentes densidades. As sequências<br />

alternam caprichosas viragens – como a combinação apontada por Francisco<br />

Moreira como “de viragem azul e sepiada sobre uma base laranja da Pathé” 2 – com<br />

sequências tintadas sem nuance – como aquelas em verde que sublinham as propostas<br />

documentais da fazenda. A concepção da viragem, o uso da cor no cinema silencioso,<br />

se apoiava num código compartilhado por realizadores e público, em que cada cor era<br />

investida de um signifi cado simbólico, onde o vermelho, por exemplo, é o emblema<br />

recorrente, a cor convencional, de paixão ou violência. O processo obrigava à classifi<br />

cação das sequências (...), à escolha das partes que, de acordo com o sentido a elas<br />

atribuído, deveriam receber uma determinada cor (...), sendo as sequências agrupadas<br />

para receberem sua cor. Um dentre os letreiros de O Segredo do corcunda – todos<br />

sem viragem –, ao introduzir um fl ashback, desvenda o signifi cado desse uso da cor,<br />

característico do período: “A vida de cada um é um livro de páginas de muitas cores ...<br />

claras, escuras, róseas e negras...”<br />

A fotografi a com viragem de Gilberto Rossi pode explicar o sucesso do fi lme. Um êxito<br />

comercial segundo os padrões e a linguagem da época, O Segredo do corcunda foi<br />

lançado em São Paulo, capital, exibido em vários cinemas de bairro e distribuído no<br />

interior do estado e na praça de Minas Gerais. No Rio, o crítico Pedro Lima fez uma<br />

crítica favorável e o fi lme foi ainda exibido em Portugal – no Porto e em Lisboa –, o<br />

que levou João Cypriano a afi rmar a Maria Rita Galvão, no seu indispensável Crônica<br />

do cinema paulistano, que O Segredo do corcunda “foi o primeiro fi lme brasileiro<br />

exibido no estrangeiro”. (...)<br />

1<br />

2<br />

Maria Rita Galvão, Crônica do cinema paulistano. São Paulo, Ática, 1978, p.221.<br />

Francisco Moreira. Conversa com a autora. Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1997.<br />

O Segredo do corcunda falseia cinematografi camente o interior de S. Paulo 3 :<br />

fi lma-se gado (emprestado do matadouro de Vila Mariana, que hoje pertence à<br />

<strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong>) pastando no relevo plano daquele bairro da zona sul de São<br />

Paulo. Paralelamente produz-se um fi gurino adequado com poucos recursos: lenço no<br />

pescoço, por exemplo. Há também habilidade na administração de difi culdades de<br />

superprodução (trens chegam em estações cheias, charretes cruzam as ruas da cidade) e<br />

as locações são escolhidas com sensibilidade. (...)<br />

A fotografi a de Gilberto Rossi, que descreve a paisagem rural na tradição pictórica<br />

da paisagística acadêmica, entusiasmou o crítico Benedito Duarte, e desequilibra<br />

O Segredo do corcunda. Esse desnível entre a qualidade do aspecto documental<br />

da obra frente às pretensões fi ccionais do fi lme é típico do cinema silencioso médio<br />

brasileiro. O documentário dentro de O Segredo do corcunda (– as externas) –<br />

explode o espaço teatral que confi na os interiores aos planos médios e abre espaço<br />

para a excelente fotografi a de Gilberto Rossi, fotógrafo da estatura de Edgar Brasil e<br />

Humberto Mauro, com quem uma comparação se faz inevitável. É a mesma descrição<br />

da paisagem rural, característica do mestre em sua primeira fase, em Cataguases.<br />

Os planos gerais entusiasmaram Benedito Duarte, para quem eles legitimam o fi lme:<br />

“Essa legitimidade se deve, em grande parte, à excelente fotografi a de Gilberto Rossi,<br />

a atingir nessa fi ta alturas que não seriam ultrapassadas, certamente, depois, na idade<br />

de ouro do cinema mudo brasileiro. Há quadros de uma beleza plástica tão pura, tão<br />

despida de virtuosismo, mas tão integrada na narrativa, tão funcional, como se diria<br />

hoje, que nos faz lembrar a obra ingênua de certos pintores primitivos” 4 . (...)<br />

Alberto Traversa parece ser diluído pela historiografi a brasileira (a italiana, com seu<br />

rico cinema silencioso, ainda não se ocupou dele) no perfi l mais geral do rude cavador,<br />

mais um dos italianos que apenas sabendo manipular uma câmera, aqui vieram fazer<br />

a América. Traversa participou do grande auge do cinema italiano: em 1914 havia<br />

80 produtoras na Itália, algumas com renome mundial: o país exportava cinema.<br />

Segundo fontes argentinas, Traversa dirigiu para as produtoras Savoia, Ambrosio,<br />

Latina Arts, Musical Film e Jupiter Film. (...)<br />

32 33<br />

A ida de Traversa para a Argentina faz parte do fenômeno da imigração italiana para<br />

aquele país. No fi nal da década de 1910, fugindo talvez da guerra ou seguindo o fl uxo<br />

imigratório, o aventureiro Traversa vai para a Argentina, esperançoso com o pulso<br />

daquela cinematografi a: entre 1915 e 1921 foram produzidos mais de 100 fi lmes.<br />

Alberto Traversa chega à Argentina exatamente em 1915. Já no ano seguinte, ele<br />

dirige um longa, Bajo el sol de la pampa. Depois ele dirigiu dois fi lmes produzidos<br />

por Mario Gallo: En buena ley (1919) e En un dia de gloria (1918), este último<br />

possivelmente um projeto paralisado.<br />

Ainda em 1918 ele rodou Los Inconscientes, um longa na linha da Ambrosio, que<br />

foi apresentado como um fi lme científi co sobre “a fatalidade da lei atávica”, a hereditariedade<br />

do alcoolismo. (...). Miguel Couselo 5 afi rma ter Alberto Traversa permanecido<br />

no país apenas até 1920. Possivelmente, a crise que termina com o silencioso argentino<br />

o expulsa para o Brasil. (...)<br />

3 Trata-se aqui de um equívoco da Autora: a cena se passa diegeticamente nos pampas<br />

gaúchos (N.E.).<br />

4<br />

5<br />

Benedito Duarte. “Alberto Traversa e O Segredo do corcunda”. Catálogo da Retrospectiva<br />

do Cinema Brasileiro, São Paulo, Museu de Arte Moderna, 1954.<br />

Miguel Couselo e outros. Historia del cine argentino. Buenos Aires, Centro Editor de Latino<br />

América, 1984, p.16.


34<br />

O produtor-protagonista de O Segredo do corcunda, João Cypriano, afi rmou,<br />

sempre a Maria Rita Galvão: “Rossi e Traversa inventavam truques que ninguém<br />

sabia como eram feitos (...); a cena do delírio, em que aparece uma série de imagens<br />

superpostas, cada qual num canto da tela”, foi totalmente criada pelos dois. A própria<br />

sequência do hospício – ainda segundo Cypriano – “não estava no enredo, (...) a ideia é<br />

dele”, Traversa. As superposições, a ideia de delírio, o hospício, a semelhança do herói,<br />

naquele plano patético, com o louco de Conrad Veidt, o claro-escuro da fotografi a são<br />

uma bem recriada linguagem expressionista.<br />

O último dos três homens que fi zeram O Segredo do corcunda, a história de João<br />

Cypriano não foge a conhecido padrão. Típico realizador paulistano dos anos 1920,<br />

nascido na periferia, em Franco da Rocha, João Cypriano (...) mudou para São Paulo<br />

ainda menino. E se apaixonou por cinema. Para ver fi lmes sem pagar ingresso, vendia<br />

bala na plateia ou carregava tabuletas de propaganda pelas ruas. Adulto, sobreviveu<br />

de seu ofício, encanador, e frequentava a Escola de Artes Cinematográfi cas Azurri, de<br />

Arturo Carrari. Na escola onde se reuniam ingênuos operários que sonhavam ser atores<br />

de cinema, João Cypriano fi ca amigo de Francisco Garcia, também encanador por<br />

profi ssão. João escreve um argumento, ambos economizam durante dois anos – doze<br />

contos de réis – e convidam o melhor fotógrafo de São Paulo, Gilberto Rossi, para<br />

a equipe. João Cypriano acumulou as funções de argumentista, roteirista e produtor,<br />

desempenhando ainda o papel do protagonista, o galã do fi lme. Sua família carinhosamente<br />

durante anos guardou a cópia de nitrato virada que João levou para exibir na<br />

Europa. Se projetada – até hoje só foi vista em moviola – suas cores alargarão mais a<br />

ideia do que eram os fi lmes silenciosos médios brasileiros. Nossa aproximação com o<br />

passado fílmico é sempre uma construção presente, pois o espectador hoje é um outro,<br />

e outras são as relações estabelecidas na sala escura entre ele e os velhos fi lmes. Muitas<br />

das intenções de O Segredo do corcunda não mais se realizam. Envelheceram. Mas<br />

a viragem mostra que nem toda a imagem está fadada a um envelhecimento precoce.<br />

A viragem de Rossi pode hoje ser degustada como alternativa à dieta cromática do<br />

naturalismo hegemônico. O tempo não age de maneira uniforme e implacável: setenta<br />

e três anos depois, poucas intenções originais de O Segredo do corcunda se realizam<br />

para o espectador cinematográfi co. Mas essa cor, que tão facilmente se perde nos fi lmes,<br />

e aqui resistiu ao tempo, mantém sua efi cácia.<br />

Cinemais n.9, janeiro-fevereiro 1998.<br />

Hilda Machado nasceu em 1952. Fez mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1987)<br />

e doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001). A poetacineasta<br />

lecionava na Universidade Federal Fluminense, trabalhando especialmente na área de<br />

pesquisa e realização cinematográfi cas. Estudou cinema em Cuba e atuou como pesquisadora<br />

do uso da imagem na história junto à coleção fotográfi ca do Warburg Institute, da Universidade<br />

de Londres, na Inglaterra, além de ter passagens como pesquisadora por várias universidades e<br />

instituições no Brasil e exterior. Faleceu em 2007.<br />

O Segredo do corcunda<br />

Brasil, 1924, 35mm, com viragem e tingimento, 49min, 20qps<br />

cp: Rossi Filme; p: João Cypriano e Francisco Garcia; d: Alberto Traversa; df: Gilberto Rossi<br />

e: João Cypriano (João), Francisco Garca (Marcos), Inocência Collado (Rosa, fi lha de Carlos), FranciscoMadrigano (Pedro),<br />

Philomeno Collado (Carlos Fernandes, o fazendeiro), Raphaela Collado (Dolores, mãe de João), Benedito Ortiz (Benedito),<br />

Enne Traversa, Nino Ponti, Annunciata Mena Madrigano<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong><br />

Dois empregados em uma fazenda de café – o jovem João e um corcunda idoso, Marcos – são despedidos por Pedro,<br />

o administrador vilão. O corcunda revela que o capataz foi o assassino do pai do rapaz, e João salva uma mocinha em<br />

perigo, a fi lha do patrão, que os readmite. O capataz tenta eliminar o rapaz quando os jovens começam a namorar,<br />

mas, na luta, acaba sendo morto pelo corcunda. Um ano depois, a felicidade idílica coroa o fi nal: os jovens estão<br />

casados e com um fi lho.<br />

Em Busca do Brasil<br />

Hilda Machado<br />

Pesquisadora do Cinema<br />

Silencioso Brasileiro<br />

Lauro Ávila Pereira<br />

Em 1987, O Segredo do corcunda foi exibido na sala de cinema do Museu Lasar<br />

Segall. Presente naquela sessão estava Hilda Machado. Ali, começou a obsessão da<br />

pesquisadora pelo fi lme.<br />

O interesse de Hilda foi despertado ao observar curiosa a reação daquela plateia nãohabituada<br />

ao cinema silencioso: durante a projeção, os presentes riam e se divertiam<br />

ao tentar identifi car, em vão, entre os personagens, qual seria o corcunda do título.<br />

Por mais de dez anos, realizou intensa pesquisa sobre o fi lme – perseguiu as biografi<br />

as dos atores, do diretor Alberto Traversa e do fotógrafo Gilberto Rossi. Percorreu<br />

arquivos, bibliotecas e cinematecas no Brasil, na Itália e na Argentina, em um<br />

minucioso e exaustivo trabalho de recuperação de pistas escritas e visuais sobre o<br />

fi lme e seus realizadores. Entre as preocupações de sua pesquisa, estava a relação entre<br />

o olhar do público e a proposta do realizador. Discutia as irregularidades do fi lme, os<br />

caminhos de produção e sua inserção no cenário do cinema brasileiro da época. O<br />

trabalho de Hilda Machado rebateu a ideia de que os realizadores do cinema silencioso<br />

brasileiro fossem ingênuos e de que a estética destes fi lmes pudesse ser tachada<br />

de “primitiva”.<br />

A intensidade com que Hilda se dedicou à pesquisa sobre O Segredo do corcunda<br />

esteve presente em toda sua trajetória. Foi militante socialista, tendo sido presa no<br />

fi nal dos anos de 1970 por lutar contra a ditadura militar e participar da organização<br />

de um movimento socialista. Levou a crítica social para o audiovisual, com o curta<br />

Joilson marcou, de 1986, do qual assina roteiro e direção. O curta, sobre jovens<br />

da periferia paulistana, foi premiado nos festivais de Gramado (melhor direção e<br />

fotografi a), Fortaleza (diretor e ator) e ganhou também o troféu Macunaíma de melhor<br />

curta no Rio Cine, no ano de 1987.<br />

Hilda Machado foi professora do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense<br />

e incansável pesquisadora da área, deixando diversos artigos e ensaios, principalmente<br />

sobre a história do cinema silencioso brasileiro. Por sua experiência de “escavadora”<br />

de acervos, soube valorizar este tipo de trabalho e defendeu a integração entre a<br />

academia e as instituições de memória, pregando a superação da divisão do trabalho<br />

acadêmico (intelectual) e de preservação (manual).<br />

Em 2002 lançou o livro Laurinda Santos Lobo – mecenas, artistas e outros marginais em Santa<br />

Teresa (Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002), resultado de uma extensa pesquisa sobre<br />

o bairro e a relação entre os artistas e mecenas da elite carioca. Também escreveu<br />

poesia – foi premiada na 1 a Mostra de Poesia Carioca em 1998.<br />

Hilda Machado faleceu em 2007, deixando pesquisas que enriqueceram a história do<br />

cinema brasileiro e uma obra artística marcada pela sensibilidade e crítica social.<br />

35


Gustav Molander e Julius Jaenzon fi lmando A Herança de Ingmar<br />

Jon Wengström apresenta<br />

O Cinema Silencioso Sueco<br />

Jon Wengström<br />

Nascido em 1964, Jon Wengström graduou-se na Universidade de Estocolmo, em 1988, em<br />

Literatura, Filosofi a e Cinema. Começou a trabalhar no Instituto Sueco de Cinema, em 1990,<br />

como programador de fi lmes e se tornou coordenador de programação em 1996, posição em<br />

que permaneceu até 2003, quando foi nomeado para sua posição atual de Curador da Coleção<br />

de Filmes de Arquivo. Conferencista sobre assuntos de arquivo e sobre a História do Cinema<br />

Sueco em numerosas cinematecas e festivais em todo o mundo, colabora muito com artigos<br />

no Journal of Film Preservation, publicação da Federação Internacional de Arquivos de Filmes. É<br />

também vice-coordenador da Comissão de Programação e Acesso às Coleções, da Fiaf.<br />

As primeiras imagens em movimento captadas na Suécia foram feitas em agosto<br />

de 1896 por Max Skladanowsky, inclusive algumas cenas cômicas de fi cção, e o<br />

primeiro evento sueco de maior importância registrado em celuloide foi a exposição<br />

de Estocolmo em maio de 1897. O acontecimento foi fi lmado pelo famoso cinegrafi<br />

sta francês Alexandre Promio, que percorria a Europa trabalhando para os irmãos<br />

Lumière. A exposição aconteceu numa ilha no centro de Estocolmo, e em uma parte<br />

ainda existente desse material, a câmera é colocada em um barco que se move ao longo<br />

de uma conhecida rua à beira da água, um exemplo bastante pioneiro de utilização<br />

da câmera em movimento. A primeira fi lmagem feita por um cinegrafi sta sueco foi o<br />

registro, com 18 metros, da chegada do rei Choolalongkorn, do Sião, ao palácio real<br />

de Estocolmo, em julho de 1897, onde ele é recepcionado pelo rei Oscar II. A cena,<br />

chamada Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan / Chegada<br />

do rei Sião a Logårdstrappan, é de autoria de Ernst Florman, que trabalhou como<br />

assistente de Promio durante a exposição mundial. Florman foi, várias vezes, contratado<br />

pela família real sueca para registrar eventos, e seu último fi lme conhecido é En<br />

bildserie ur Konung Oscar:s lif / Cenas da vida do rei Oscar II (1908), do qual<br />

uma cópia sobrevivente termina com um belo plano colorido a mão.<br />

Durante a primeira década do cinema sueco, os fi lmes de não-fi cção predominaram<br />

e, em 1907, uma primeira série de cinejornais começou a ser produzida pela Svenska<br />

Biografteatern, sediada na cidade de Kristianstad, no sudeste da Suécia (o estúdio continuou<br />

produzindo cinejornais semanais até o início da década de 1960). Sob o comando<br />

do famosíssimo coordenador de produção Charles Magnusson, a Svenska Biografteatern<br />

aventurou-se na realização de fi lmes de fi cção alguns anos depois, utilizando como<br />

fonte obras literárias famosas e acontecimentos históricos. Outros estúdios e produtores<br />

também se lançaram na produção de fi lmes de fi cção, como Frans Lundberg, em<br />

Malmö, e N.P. Nilsson, em Estocolmo. Deste último, os trabalhos mais conhecidos são<br />

Fröken Julie / [Senhorita Júlia] (1912) e Fadren / [O Pai] (1912), adaptados de<br />

peças de Strindberg e dirigidos pela realizadora Anna Hofman-Uddgren.<br />

A realização verdadeiramente profi ssional de fi lmes na Suécia começou, porém, no<br />

fi nal de 1911, quando Charles Magnusson decidiu abandonar Kristianstad e transferir<br />

as operações da Svenska Biografteatern para Estocolmo. Magnusson construiu os<br />

novos estúdios na ilha de Lidingö, nos arredores da cidade e, em 1912, contratou três<br />

renomados atores e diretores de teatro para realizar seus fi lmes. Os três eram Victor<br />

Sjöström, Mauritz Stiller e Georg af Klercker, que em pouco tempo seriam as principais<br />

fi guras do cinema sueco. Como parte de seu treinamento profi ssional, Magnusson<br />

estimulou que os três interpretassem papéis em fi lmes produzidos por outras companhias.<br />

Magnusson estabeleceu também, nesses primeiros anos, acordos de produção e<br />

distribuição com outros estúdios, como a fi lial da Pathé Frères em Estocolmo. Um dos<br />

primeiros fi lmes suecos de longa metragem sobreviventes até os dias de hoje é I lifvets<br />

37


vår / Na primavera da vida (Paul Garbagni,1912), da Pathé de Estocolmo, rodado<br />

nos estúdios da Svenska Biografteatern pois a Pathé não dispunha de estúdios próprios<br />

na Suécia. A característica mais notável deste filme é que Sjöström, Stiller e Klercker<br />

nele desempenham os principais papéis.<br />

exibido na Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso de 2008. Essa “receita” para realizar<br />

filmes de sucesso também foi adotada por outros estúdios na época. Por exemplo, pela<br />

Skandia que, em 1919, adaptou duas famosas novelas do escritor norueguês Bjørnstjerne<br />

Bjørnson: Synnöve Solbakken, e Ett farligt frieri / [Um Namoro perigoso].<br />

A outra figura mais importante do cinema silencioso sueco foi Mauritz Stiller. Como<br />

Sjöström, em seus primeiros anos foi muito prolífico, realizando filmes de gêneros e<br />

estilos variados. O trabalho mais significativo de Stiller, anterior à Idade de Ouro, provavelmente<br />

é Vingarne / As Asas (1916), adaptado do conto “Mikael”, de Herman<br />

Bang (a mesma história foi filmada por Carl Theodore Dreyer na Alemanha em 1924).<br />

O interessante sobre o filme – e no que a versão de Stiller se diferencia da de Dreyer<br />

– é o acréscimo à história de uma moldura autorreflexiva, característica que pode ser<br />

encontrada em outros filmes do diretor, como em Thomas Graals bästa film / O<br />

Melhor filme de Thomas Graal (1917). Stiller adaptou também para a tela duas<br />

novelas finlandesas, Sången om den eldröda blomman / Canção sobre a flor<br />

escarlate (1919) e Johan (1921), ambas rodadas em partes remotas do norte da Suécia<br />

e que contêm cenas de grande impacto visual, como a audaciosa corrida sobre troncos<br />

de árvores que flutuam num rio, feita pelo personagem principal (interpretado por Lars<br />

Hanson), no primeiro dos títulos. Mas a maior fonte literária da Svenska Biografteatern<br />

durante a Idade de Ouro foram as obras de Selma Lagerlöf, sendo a mais importante<br />

delas Herr Arnes pengar / O Tesouro de Arne (1919), de Stiller. Uma história de<br />

cobiça e redenção situada na Suécia do século XVII, com tomadas espetaculares do<br />

fantasma de uma moça assassinada. As histórias de Selma Lagerlöf se revelaram grande<br />

fonte para filmes, frequentemente porque lidam com elementos de um misterioso<br />

mundo, com espíritos de mortos que se manifestam aos vivos – o que forneceu excelente<br />

material visual e ajudou a criar o clima de exotismo desses filmes suecos da época. A<br />

escritora era muito ciosa quanto à adaptação de suas histórias, e sempre manteve uma<br />

boa relação com Sjöström, além de ter Stiller em alta consideração, afirmando ter ele<br />

capturado excelentemente sua escrita em Herr Arnes pengar. No entanto, se revelou<br />

38<br />

menos entusiástica com algumas adaptações que fez posteriormente de seus trabalhos,<br />

como Gunnar Hedes saga / Contra o orgulho (1923). Ela se opôs muito ao roteiro 39<br />

e relutou em aceitar que seu nome fosse associado ao filme. Mas, Stiller, já no roteiro,<br />

criava um lindo conto de perda e sofrimento, e mostrava como se poderiam encontrar<br />

consolo e redenção na arte e no amor. A mais famosa adaptação de Selma Lagerlöf é<br />

Körkarlen / A Carruagem fantasma, rodada por Sjöström em 1920 e lançada em<br />

1o Sjöström e Stiller, as duas figuras mais famosas do trio, rapidamente aprenderam seu<br />

ofício e realizaram um espantoso número de filmes – chegavam a seis ou sete por<br />

ano. Talvez o mais plenamente bem-sucedido desses primeiros tempos seja Ingeborg<br />

Holm, dirigido por Sjöström em 1913, um drama sobre uma mãe solteira que perde a<br />

guarda dos filhos. O filme causou tanto impacto em seu lançamento que desencadeou<br />

um debate e uma modificação na legislação sueca, que então passou a favorecer as mães<br />

solteiras. Mas o filme tem também aspectos visuais interessantes, e o que mais chama<br />

a atenção talvez seja a maneira como Sjöström usa a profundidade de campo – a ação<br />

se desenvolve, numa mesma tomada, em diferentes planos espaciais. Outra surpreendente<br />

característica do filme é o estilo de interpretação contido, que se tornaria uma<br />

das marcas registradas do cinema silencioso sueco.<br />

Terje Vigen, realizado por Sjöström em 1916 e lançado no ano seguinte, é um filme<br />

notável por muitas razões. Não apenas porque é um filme sobre a passagem do tempo<br />

e o comovente retrato de um velho homem (interpretado pelo próprio Sjöström) que<br />

decide enfrentar seus sentimentos de perda e vingança, mas também porque provocou<br />

a mudança da política de produção da Svenska Biografteatern. Ele marca o início<br />

do que se tornou conhecido como Idade de Ouro do Cinema Sueco (período que<br />

se diz habitualmente ter durado até 1924). Foi a produção mais cara feita até então<br />

e, quando o filme se tornou um grande sucesso financeiro e obteve uma boa repercussão<br />

crítica, o estúdio decidiu mudar radicalmente sua política de produção. De vinte<br />

filmes por ano, a produção anual caiu para alguns apenas, que passaram a ter uma<br />

preparação mais longa e cuidadosa, além de um orçamento maior. Como muitos dos<br />

filmes realizados a partir de então, Terje<br />

Vigen se baseava numa famosa obra<br />

literária, no caso, um longo poema do<br />

escritor norueguês Henrik Ibsen (o filme<br />

é talvez a melhor adaptação já vista de<br />

um poema para a tela). Outra característica<br />

marcante é que foi rodado sobretudo<br />

em locações. Sjöström e o renomado<br />

de janeiro de 1921, e que atualmente seja talvez encarada como o melhor filme silen-<br />

diretor de fotografia Julius Jaenzon utilicioso<br />

sueco e um verdadeiro clássico do cinema. O filme tem uma estrutura narrativa<br />

zaram maravilhosos cenários não apenas<br />

complexa: a história de um homem que faz um retrospecto de sua vida, e das injustiças<br />

como pano de fundo espetacular para<br />

e males que infligiu a outros, é contada em flashbacks – eventualmente flashbacks dentro<br />

Julius Jaenzon<br />

o desenvolvimento do drama, mas para<br />

de flashbacks –, criando uma espécie de estrutura de múltiplas camadas que, contudo,<br />

justamente mostrar a interação do homem com a natureza. Todos esses aspectos<br />

parecem cristalinas à medida que o filme se desenrola. Körkarlen também é famoso<br />

– grande orçamento, o uso de uma famosa obra literária e a filmagem em locação<br />

– consubstanciaram a nova política da Svenska Biografteatern.<br />

por seu uso de múltiplas exposições, criadas pelo diretor de fotografia Julius Jaenzon.<br />

Mas devemos ser cuidadosos no uso da expressão Idade de Ouro e na divisão de<br />

filmes feitos antes e depois de Terje Vigen. A Idade de Ouro caracteriza não apenas<br />

uma tal qualidade dos filmes, mas também um certo modo de produção da indústria<br />

cinematográfica do período. Muitas fitas realizadas antes de 1917 têm sido injustamente<br />

negligenciadas, assim como muitas produções de depois de 1917 nada têm de notáveis. A<br />

verdade sobre Terje Vigen, contudo, é que ele contribuiu para que o cinema ganhasse<br />

credibilidade e respeitabilidade culturais. Foi o primeiro filme a ter uma resenha assinada<br />

num jornal sueco, escrita por um crítico literário muito famoso. Teve também muito<br />

sucesso no exterior, e a filmagem em locações, nas quais o homem é visto lutando contra<br />

os elementos, tornou-se parte do “exotismo” ou “originalidade” do cinema sueco, que<br />

pareciam fascinar as plateias estrangeiras. Esse diferencial predominou também no<br />

filme seguinte de Sjöström, Berg-Ejvind och hans hustru / Os Proscritos (1918),<br />

Outras personalidades, além de Sjöström e Stiller, ajudaram a dar forma ao cinema<br />

silencioso sueco. Um dos mais famosos é Gustaf Molander, que começou sua carreira<br />

escrevendo o roteiro de Terje Vigen com Sjöström e continuou fazendo filmes até a<br />

década de 1960 (além de ter sido o diretor que projetou a atriz Ingrid Bergman ao estrelato<br />

em meados dos anos 1930). Durante o período silencioso, Molander demonstrou grande<br />

habilidade na realização de filmes de gêneros variados, desde trabalhos ambientados<br />

em diferentes períodos históricos a dramas e comédias contemporâneos. Provavelmente<br />

sua contribuição mais notável como diretor de filmes silenciosos tenham sido as duas<br />

adaptações componentes do ciclo de filmes feitos a partir da obra Jerusalém, de Selma<br />

Lagerlöf, Ingmarsarvet / A Herança de Ingmar (1925) e Till Österland / [Para o<br />

Oriente] (1926). Esses filmes foram a continuação de Ingmarssönerna / [Os Filhos<br />

de Ingmar] (1919) e Karin Ingmarsdotter / Karin, filha de Ingmar (1920),<br />

dirigidos por Sjöström. Ingmarsarvet é uma comovente descrição da vida em uma


pobre vila rural, desequilibrada pela chegada de um fanático religioso (interpretado<br />

por Conrad Veidt) – e chega a ser melhor contribuição que a dada por Sjöström para o<br />

mesmo ciclo de filmes. A obra tem todas as características familiares dos filmes clássicos<br />

suecos: mostra a interação do homem com a natureza em cenários espetaculares, e se<br />

baseia numa famosa fonte literária. E justamente por ter sido feita num momento em<br />

que já se considerava encerrada a Idade de Ouro do cinema silencioso sueco, indica o<br />

quanto o uso desse rótulo deveria ser aplicado com mais cautela.<br />

Outra obra cinematográfica dissidente, mas de escala muito maior, é Häxan / A<br />

Feitiçaria através dos tempos, quase um monumento na história do cinema<br />

silencioso sueco, com poucos equivalentes em qualquer outra parte do mundo.<br />

Häxan foi realizada pelo diretor dinamarquês Benjamin Christensen e é uma curiosa<br />

combinação de explicações e dramatizações didáticas da visão medieval sobre demônios<br />

e bruxarias. Não se parece com nenhum outro filme feito na época na Suécia; e esse<br />

estudo verdadeiramente pessoal sobre<br />

os recalques impostos pela moral e<br />

pela religião sobre os seres humanos<br />

permanece ainda hoje como uma<br />

A Feitiçaria através dos tempos<br />

poderosa experiência visual. Christensen<br />

não foi o único talento estrangeiro a quem<br />

se ofereceu a oportunidade de realizar<br />

filmes na Suécia. Entre outros contratados,<br />

esteve seu compatriota Carl Theodore<br />

Dreyer, que realizou Prästänkan / A<br />

Quarta aliança da sra. Margarida<br />

(1920) para a Svensk Filmindustri.<br />

Evidentemente nem todos os filmes suecos do final da década de 1910 e começo da<br />

seguinte se passam em locações nem mostram a luta do homem contra a natureza em<br />

cenários autênticos. Stiller fez muitas comédias em ambientes da classe alta urbana, e<br />

Norrtullsligan / As Garotas de Norrtull (1923), de Per Lindberg, é uma comédia<br />

sobre quatro secretárias que vivem juntas numa metrópole e, em comunidade tentam<br />

sobreviver no mundo governado por chefes. O filme, adaptado de uma novela de Elin<br />

Wägner, é notavelmente moderno ao retratar mulheres que lutam pela auto-suficiência,<br />

auto-sustentabilidade e a autoconfiança. Outra figura importante do período silencioso<br />

foi o autor de desenhos animados Victor Bergdahl, que entre 1915 e 1922 realizou nada<br />

menos do que 17 filmes curtos com o personagem Capitão Grogg. Eles demonstram<br />

que Bergdahl pode ser comparado com qualquer outro animador mundial do período.<br />

Em Kapten Grogg skall portätteras / Quando o capitão Grogg foi fazer seu<br />

retrato (1917), Bergdahl engenhosamente mistura animação e seres vivos, e ele próprio<br />

interpreta o pintor contratado para fazer o retrato de Grogg.<br />

O final da Idade de Ouro do cinema sueco é habitualmente fixado em 1924, com o<br />

lançamento de Gösta Berlings saga / A Saga de Gösta Berling], para sempre<br />

inscrito no cinema como o momento de revelação da atriz Greta Garbo. Até então, ela<br />

era praticamente desconhecida (era ainda aluna da Escola de Arte Dramática quando<br />

40<br />

No final dos anos 1910, a Svenska Biografteatern começou a expandir e consolidar<br />

ainda mais sua posição no mercado cinematográfico sueco; fundiu-se a outras<br />

companhias e, em 1919, batizaram-se como Svensk Filmindustri (ainda existente),<br />

uma companhia completa, verticalmente integrada, que não só era a maior produtora<br />

mas também a maior distribuidora e a maior proprietária de salas de exibição. No<br />

momento em que se fundiram, reestruturaram e rebatizaram, aumentou também a<br />

necessidade por melhores e maiores instalações de filmagem. Os novos estúdios em<br />

Råsunda, ao norte de Estocolmo, ficaram prontos para uso na primavera de 1920 (o<br />

primeiro filme produzido nas novas instalações foi Körkarlen).<br />

foi selecionada por Stiller para o elenco do filme – por recomendação de Molander, o<br />

então diretor da escola. Quando o filme foi lançado, Stiller e Greta Garbo já haviam<br />

deixado a Suécia. Depois de um abortado projeto em Istambul (então Constantinopla),<br />

chegaram a Berlim, onde Greta foi escolhida por G.W. Pabst para o elenco de Die<br />

freudlose Gaße / A Rua das lágrimas (1925). Leo B. Mayer, produtor da MGM,<br />

viu Gösta Berlings saga e ofereceu a Stiller e a Greta um contrato em Hollywood.<br />

Naquele momento, Sjöström também já havia deixado a Suécia e ido para a América<br />

do Norte – e o mesmo fizeram o ator Lars Hanson e o roteirista Hjalmar Bergman.<br />

Mas, como dito, seria tolice considerar inferiores todos os filmes feitos na Suécia depois<br />

41<br />

de 1924. Ingmarsarvet é um filme que veremos na Jornada mas, além deste, do final<br />

Quando, dez anos antes, Magnusson transferira as operações da Svenska Biografteatern<br />

para Estocolmo, ele contratara não apenas Sjöström e Stiller, mas também Georg af<br />

Klercker. Este, com seu espírito contestador, quis ser seu próprio chefe, e logo se desentendeu<br />

com Magnusson. Em 1915, Klercker decidiu se mudar para Göteborg, na costa<br />

oeste da Suécia, onde realizou uma série de filmes de aventura e ação para o estúdio<br />

Hasselbladfilm, estabelecido pela famosa fábrica de câmeras Hasselblad. Klercker<br />

tinha gosto por filmes de ação e aventura, que narrava com eficiência e muita incli-<br />

da era silenciosa, temos também o primeiro filme de Alf Sjöberg, Den starkaste /<br />

[O Mais forte] (1929), notável e visualmente muito bem realizado, filmado no mar<br />

Ártico. Outro filme de interesse, depois de 1924, é Flickan i frack / [A Garota de<br />

smocking] (Karin Swanström, 1925), com algumas das primeiras cenas de travestismo<br />

no cinema sueco. Sua realizadora dirigiu outros três filmes silenciosos e, após o advento<br />

do sonoro, tornou-se a chefe de produção da Svensk Filmindustri.<br />

nação por composições espetaculares. As<br />

Filmes de não-ficção continuaram a ser produzidos durante todo o período silencioso, e<br />

locações externas dos filmes de Klercker<br />

não apenas sob a forma de cinejornais semanais. Bengt Berg foi um importante diretor<br />

não se prestam a mostrar a interação do<br />

de documentários e fez uma série de curtas e longas-metragens que descreviam a vida<br />

homem com a natureza, mas a aproveitar<br />

animal e selvagem na Suécia, iniciando assim uma tradição que seria levada ao apogeu<br />

os cenários na criação gráfica de efeitos<br />

por Arne Sucksdorff nas décadas de 1940 e 50. Berg reuniu-se também ao cinegrafista<br />

impactantes, como em seu magnífico<br />

Gustaf Boge e ao príncipe Wilhelm em viagens a países estrangeiros em meados da<br />

Fången på Karlstens fästning / A<br />

década de 1920. Esses filmes eram realizados com propósitos educativos e distribuídos<br />

Prisioneira da Fortaleza de Karlsten<br />

em escolas, o que acontecia também com uma grande quantidade de filmes de ficção<br />

(1916). Os filmes de Klercker para a<br />

Hasselblad faziam sucesso mas, por<br />

da Svenska Biografteatern e da Svensk Filmindustri.<br />

A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten<br />

uma infeliz e irônica virada do destino,<br />

a Hasselbladfilm foi logo assumida pela<br />

Ainda antes da evasão dos grandes talentos, a Svensk Filmindustri iniciara uma<br />

mudança em sua política de produção, afastando-se do tradicional look dos filmes<br />

Skandia – um dos estúdios envolvidos na fusão com a Svenska Biografteatern que<br />

suecos para criar algo que acreditava ter mais apelo internacional. Dois primeiros<br />

resultou na formação da Svensk Filmindustri. Klercker, impossibilitado de trabalhar<br />

exemplos – os mais bem-sucedidos – foram Klostret i Sendomir / O Mosteiro<br />

com Magnusson, teve de compreender que seus dias como diretor de filmes estavam<br />

de Sendomir (1920), de Sjöström e Erotikon (1920), de Stiller. O filme de Sjöström<br />

definitivamente encerrados.<br />

não está entre seus mais conhecidos mas, na época, foi um dos que tiveram maior


epercussão. Fez enorme sucesso de bilheteria e foi vendido para mais de 50 países. É<br />

um fi lme de época, ambientado na Europa central e não há nada de muito “sueco”<br />

nele, embora seja um trabalho grafi camente muito fascinante, em que pela paisagem<br />

se criam interessantes padrões que acentuam o isolamento dos locais e a claustrofobia<br />

de uma história de amores clandestinos. Erotikon foi concebido inicialmente como o<br />

primeiro de uma série de fi lmes em locações urbanas, sob a direção de Stiller e com uma<br />

sedutora atriz no papel principal. Por diversas razões, o projeto nunca se concretizou<br />

mas, como fi lme isolado, Erotikon sobrevive como a mais deliciosa comédia realizada<br />

por Stiller. No fi nal da década de 1920, o caminho da “internacionalização” fi cou<br />

mais forte e a Svensk Filmindustri chegou a criar uma companhia subsidiária, a Isepa<br />

Films, responsável apenas por coproduções internacionais. O melhor exemplo é<br />

Förseglade läppar / [Lábios selados] (1927), fi lmado por Gustaf Molander na<br />

Itália, coproduzido pela National Film AG de Berlim e a famosa Les Films Albatros,<br />

de Paris. O clássico de Anthony Asquith exibido na Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema<br />

Silencioso de 2008, A Cottage on Dartmoor / Uma Casa em Dartmoor (1929),<br />

também foi coproduzido pela Svensk Filmindustri e lançado na Suécia,<br />

em uma versão um pouco diferente da inglesa, como Fången n:r 53. Mas<br />

alguma coisa havia sido perdida quando a busca pela internacionalização<br />

prevaleceu sobre outros interesses: muitos dos fi lmes realizados na segunda<br />

metade da década de 1920 poderiam ter sido feitos por qualquer pessoa<br />

em qualquer lugar do mundo.<br />

42<br />

Há muitas hipóteses sobre a razão de os fi lmes silenciosos suecos terem<br />

alcançado tanto sucesso e provocado tanto impacto a partir de meados<br />

da década de 1910. Talvez seja correto dizer que os melhores fi lmes da<br />

década de 1910 e começo da seguinte tiveram apelo por seu exotismo<br />

e originalidade, mas também porque particularmente incluíam algo<br />

universalmente entendido. Embora a produção cinematográfi ca sueca<br />

fosse pequena em comparação com a de outros países, a combinação de<br />

grandes talentos individuais à frente e atrás das câmeras, um elevado nível<br />

de sofi sticação técnica, o engenhoso uso de locações naturais e a riqueza<br />

psicológica das histórias e dos personagens transformaram os fi lmes silenciosos<br />

suecos num cinema nacional dos mais interessantes e ricos das<br />

décadas de 1910 e 20.<br />

43<br />

Um enorme percentual do patrimônio cinematográfi co sueco tragicamente<br />

se perdeu quando toda a coleção de negativos originais de fi lmes silenciosos<br />

O Mosteiro de Sendomir produzidos pela Svensk Filminidustri (e suas encarnações anteriores) foi<br />

destruída num incêndio, em 1941. Um aspecto desse trágico acidente é que mais de<br />

50% da produção silenciosa sueca perderam-se completamente (no caso de Sjöström<br />

e de Stiller, os números são ainda piores: apenas 15 dos 43 fi lmes suecos de Sjöström<br />

sobreviveram, e apenas 14 dos 45 de Stiller). Outro aspecto diz respeito aos trabalhos de<br />

preservação ou restauração de fi lmes suecos do período silencioso que fi caram quase inteiramente<br />

restritos ao uso de cópias de exibição em nitrato, mais ou menos gastas, como<br />

materiais de duplicação. Muitas delas também apenas na forma de cópias resumidas<br />

para distribuição escolar ou mesmo em formato ainda mais fragmentário. Felizmente,<br />

cópias em nitrato (e mesmo negativos originais de coproduções) ainda são localizadas<br />

em arquivos estrangeiros. Na última década, fi lmes como I lifvets vår, Madame de<br />

Thèbes (Stiller, 1915), Hämnaren / O Estivador (Stiller, 1915), Dödskyssen / O<br />

Beijo da morte (Sjöström, 1916), Karusellen / [Carrossel] (Buchowetzki, 1923) e<br />

Polis Paulus’ påskasmäll (Molander, 1925) vieram se somar à lista de fi lmes redescobertos.<br />

E novos materiais de fi lmes, como Klostret i Sendomir e Gunnar Hedes<br />

saga, foram descobertos em anos recentes, tanto na Suécia quanto no exterior, fornecendo<br />

outras fontes para novas e melhores restaurações. Estamos esperançosos de que<br />

haja mais tesouros a serem descobertos, o que quiçá nos permitiria aprofundar nossa<br />

compreensão do cinema silencioso sueco.<br />

Greta Garbo (à esquerda) em Pedro, o vagabundo / Luffar - Peter<br />

Conferência de abertura<br />

Convidado a fazer a conferência inaugural da IV Jornada <strong>Brasileira</strong> de<br />

Cinema Silencioso, Jon Wengström falará sobre o Cinema Silencioso Sueco,<br />

com excertos de filmes.


44<br />

Madame de Thèbes<br />

PROGRAMA 1<br />

Na primavera da vida<br />

I lifvets vår<br />

Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 54min, 16-17qps<br />

cp: Pathé Frères; d: Paul Garbagni; r: Abdon Hedman baseado no romance Första älskarinnan, de August Blanche;<br />

df: Willi Neumaier; e: Victor Sjöström (Cyril Alm), Anna Norrie (senhora Alm, mãe de Cyril), Georg af Klercker<br />

(comendador von Seydling), Selma Wiklund af Klercker (Gerda), Mauritz Stiller (tenente von Plæin), Astrid Engelbrecht<br />

(Sara Andersson), Victor Arfvidson (Brooms), Georg Fernquist, Erland Colliander, William Larsson, Valdemar Dalquist,<br />

Henrik Jaenzon, Martha Josefson<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Gerda, com a morte da mãe, é enviada ao comendador von Seydling, que a concebera em um de seus amores<br />

escusos. O comendador entrega a menina a uma senhora que a vende a uma quadrilha que explora crianças<br />

mendigas. Cyril Alm a salva e a cria na casa de sua mãe. Muitos anos depois, Gerda sucumbe aos encantos do<br />

tenente von Plæin e foge de casa. Vinte anos se passam: Gerda é uma atriz famosa e o próprio pai a corteja. Cyril a<br />

procura para reencontrar o passado, salva-a de um incêndio e tem o incentivo do comendador para desposá-la.<br />

Madame de Thèbes<br />

Suécia, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 50min, 17qps<br />

cp: AB Svenska Biografteatern; d: Mauritz Stiller; r: Martin Jørgensen, Louis Levy; df: Julius Jaenzon; e: Ragna<br />

Wettergreen (Ayla, conhecida como Madame de Thèbes), Nicolay Johannsen (conde Roberto), Albin Lavén (barão von<br />

Volmar), Karin Molander (Louise von Volmar), Märta Halldén (condessa Júlia), Doris Nelson (Ayla quando jovem)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Uma cigana é amaldiçoada pelo pai e precisa renegar seu fi lho ilegítimo para que ele tenha sucesso na vida. Ela<br />

entrega a criança à condessa Júlia, que acaba de perder seu próprio fi lho. Trinta e cinco anos depois, o conde<br />

Roberto tornou-se um político importante prestes a ser nomeado ministro de Assuntos Estrangeiros. Seu rival<br />

no Parlamento é o barão von Volmar, mas, por uma fatalidade, o conde apaixona-se pela fi lha do barão. Este,<br />

por sua vez, através de manobras escusas, descobre que Roberto é fi lho da famosa Madame de Thèbes, profetiza<br />

consultada por todos os políticos, e usa essa informação para arruinar a carreira do conde.<br />

45


PROGRAMA 2<br />

Quando o capitão Grogg foi fazer o seu retrato<br />

När Kapten Grogg skulle porträtteras<br />

Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 7min, 18qps<br />

cp: AB Svenska Biografteatern; d, da e e: Victor Bergdahl (pintor)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Combinação de fi lmagem ao vivo e animação. Um pintor, insatisfeito com seus trabalhos, recebe a visita do<br />

capitão Grogg, que deseja um quadro seu, de corpo inteiro. Mas o capitão não fi ca contente com a maneira como<br />

o pintor retrata seu nariz, avermelhado pelos efeitos da bebida.<br />

A Prisioneira da Fortaleza de Karlsten<br />

Fången på Karlstens fästning<br />

Suécia, 1916, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 16qps<br />

cp: Hasselblads Fotografiska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst e Georg af Klercker; df: Gösta Stäring;<br />

e: Nils Chrisander (De Faber), Maja Cassel (Mary Plussman), Manne Göthson (Johan Plussman), Arvid Hammarlund<br />

(doutor Johnson), Gustaf Bengtsson (assistente de De Faber), Victor Arfvidson (Berger, guardião da fortaleza),<br />

William Engeström (pescador)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

De Faber é um inventor que fracassa na tentativa de descobrir uma nova fórmula de explosivo. A descoberta,<br />

porém, é realizada pelo professor Plussman, da Suécia, e De Faber, disfarçado de conde, visita Plussman e quer<br />

Terje Vigen<br />

46<br />

comprar a fórmula. Como o inventor se recusa a vendê-la, De Faber a rouba e sequestra Mary, fi lha do professor.<br />

O sequestro é visto por pessoas que alertam a polícia, o pai da moça e Johnson, seu namorado. Prisioneira numa<br />

fortaleza construída sobre uma ilha rochosa, Mary consegue enviar uma mensagem de socorro dentro de uma<br />

garrafa. Johnson e alguns pescadores seguem para a ilha para resgatar Mary, que consegue fugir das garras dos<br />

sequestradores quando percebe a chegada de seus salvadores.<br />

PROGRAMA 3<br />

47<br />

Nos grilhões da escuridão<br />

I mörkrets Bojor<br />

Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco, 43min, 16qps<br />

cp: Hasselblads Fotografi ska AB; d: Georg af Klercker; r: Willy Grebst; df: Carl Gustaf Florin;<br />

e: Sybil Smolova (Ellinor Petipon), Carl Barcklind (dr. Petipon), Artur Rolén (fi lho de Ellinor), Ivar Kalling (conde Xavier),<br />

Frans Oscar Öberg (pastor da prisão), Karl Gerhard, Hugo Björne, Ludde Gentzel, Helge Kihlberg, Nils Wahlbom, Victor<br />

Arfvidson, Gustaf Bengtsson<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Acusada de matar o marido, Ellinor Petipon fi ca traumatizada e perde a memória. Mesmo sem provas conclusivas,<br />

a moça permanece presa durante alguns anos, sob observação. Relata ao pastor da prisão os acontecimentos de<br />

que vai se lembrando, inclusive a corte que lhe fazia o conde Xavier. Por intercessão do pastor, Ellinor é libertada<br />

e, ainda desnorteada, ouve num café a conversa de um grupo de malfeitores que trama roubar a mansão Petipon.<br />

Ellinor alerta seu fi lho, já rapaz, e se junta ao bando para atrapalhar os planos criminosos. Em seu leito de morte,<br />

o conde Xavier confessa ter assassinado o dr. Petipon.<br />

Terje Vigen<br />

Suécia, 1917, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 56min, 17qps<br />

cp: AB Svenska Biografteatern; p: Charles Magnusson; d: Victor Sjöström; r: Gustaf Molander e Victor Sjöström, baseado<br />

no poema homônimo de Henrik Ibsen; df: Julius Jaenzon; da: Axel Esbensen e Jens Wang; e: Victor Sjöström (Terje Vigen),<br />

August Falck (lorde inglês), Edith Erastoff (lady inglesa), Bergliot Husberg (sra. Vigen), William Larsson (novo proprietário<br />

da casa de Terje e ofi cial do navio inglês), Gucken Cederborg, Jenny Tschernichin-Larsson<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Terje Vigen é um pescador que vive numa ilha que é bloqueada por navios ingleses durante a guerra, em 1809. Ele<br />

tenta furar o bloqueio para buscar alimentos para sua mulher e fi lha, mas é capturado e mandado para a prisão.<br />

Libertado cinco anos depois, descobre que seus entes queridos morreram de fome. Terje se torna um homem<br />

recluso e jura se vingar do homem que provocou seu sofrimento. Mas quando chega a oportunidade da vingança,<br />

a voz de uma criança faz com que seu ódio seja superado.<br />

O Mosteiro de Sendomir<br />

Klostret i Sendomir<br />

Suécia, 1921, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 80min, 17qps<br />

cp: AB Svenska Biografteatern; d e r: Victor Sjöström, baseado em conto de Franz Grillparzer;<br />

df: Henrik Jaenzon; e: Tore Svennberg (conde Starchensky), Tora Teje (Elga), Richard Lund (Oginsky), Renée Björling<br />

(Dortka), Albrecht Schmidt (administrador), Gun Robertson (fi lha do conde), Erik A. Petschler (nobre), Nils Tillberg<br />

(nobre), Gustaf Ranft (abade), Yngwe Nyquist (criada), Axel Nilsson (frade), Jenny Tschernichin-Larsson<br />

(mulher do carvoeiro), Emil Fjellström (frade)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Dois nobres, a caminho de Varsóvia, no século XVII, passam a noite num mosteiro. Curiosos, pedem a um monge<br />

que lhes conte a história do local. Ali vivera um poderoso conde de nome Starchensky, com a mulher Elga e a fi lha.<br />

Elga, porém, foi infi el ao marido e teve uma relação com o próprio primo. Ao desvendar a trama, Starchensky<br />

decidira dedicar sua vida e fortuna à construção do mosteiro em que agora se encontravam.


PROGRAMA 4<br />

A Feitiçaria através dos tempos<br />

Häxan<br />

Suécia, 1922, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 106min, 20qps<br />

cp: AB Svensk Filmindustri; d e r: Benjamin Christensen; df: Johan Ankerstjerne; da: Richard Louw; mo: Edla<br />

Hansen; e: Benjamin Christensen (Demônio), Ella la Cour (Karna, uma feiticeira), Emmy Schønfeld (assistente de<br />

Karna), Kate Fabian (donzela apaixonada), Oscar Stribolt (monge glutão), Wilhelmine Henriksen (Apelone, uma pobre<br />

velha), Astrid Holm (Anna, mulher do gráfi co), Karen Winther (sua irmã mais moça), Maren Pedersen (Maria, bruxa),<br />

Johannes Andersen (frei Henrik, juiz do tribunal), Herr Westermann (carrasco), Clara Pontoppidan (irmã Cecília),<br />

Tora Teje (a histérica do episódio moderno)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitute<br />

A partir de um início lento, com imagens de uma série de gravuras em madeira ou xilogravura e desenhos, o fi lme<br />

encaminha-se para uma progressão de vinhetas dramáticas que ilustram a força espantosa da feitiçaria na Idade<br />

Média. Embora obviamente um trabalho de pura imaginação, o fi lme assume as dimensões de um documentário,<br />

produto da extensa pesquisa realizada por Christensen antes de iniciar o projeto.<br />

Trata-se de um fi lme fi ccional de horror em forma de documentário, e apresenta uma extraordinária fotografi a,<br />

estrutura não-linear e iconografi a grotesca. Os desiguais valores de produção e a crueza dos motivos visuais enfatizam<br />

a efi cácia do fi lme, e acrescentam uma inesperada autenticidade à sua abordagem voyeurista. A despeito dos esforços<br />

da censura para proibir o fi lme, ele se transformou numa sistemática infl uência sobre os realizadores do século XX.<br />

O fi lme marcou o divórcio dos caminhos de Christensen e a indústria cinematográfi ca dinamarquesa. Em seguida,<br />

Contra o orgulho<br />

48 ele concentraria suas atividades no cinema alemão, antes de ir para Hollywood em 1928.<br />

49<br />

EINAR HANSON<br />

Existe uma outra versão do fi lme, de menor duração, lançada em 1968, com narração feita pelo lendário escritor<br />

da geração beat William S. Burroughs (Naked Lunch) e trilha musical composta por Jean-Luc Ponty.<br />

PROGRAMA 5<br />

Contra o orgulho<br />

Gunnar Hedes saga<br />

Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 73min, 17qps<br />

cp: AB Svensk Filmindustri; p: Charles Magnusson; d: Mauritz Stiller; r: Alma Söderhjelm e Mauritz Stiller, baseado no<br />

romance En herrgårdssägen, de Selma Lagerlöf; df: Julius Jaenzon e Henrik Jaenzon; da: Axel Esbensen; e: Einar Hanson<br />

(Gunnar Hede), Hugo Björne (sr. Hede), Pauline Brunius (sra. Hede), Mary Johnson (Ingrid), Adolf Olschansky<br />

(sr. Blomgren), Stina Berg (sra. Blomgren], Thecla Åhlander (Stava), Ingeborg Strandin (criada), Gösta Hillberg (advogado)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Gunnar Hede é criado por sua orgulhosa mãe, que deseja que o rapaz se torne respeitável para fazer jus à riqueza<br />

da família. Mas Gunnar é mais interessado em seu avô, que começou a vida como violinista andarilho mas fi cou<br />

rico ao conduzir um rebanho de renas selvagens para vendê-lo nos mercados do sul da Suécia. O rapaz apaixonase<br />

por Ingrid, uma violinista que viaja com um casal de artistas ambulantes, e renuncia à fortuna familiar para<br />

também se tornar um violinista andarilho. Gunnar tenta também repetir a façanha do avô, conduzindo renas para<br />

o sul, mas a líder do rebanho o arrasta pela neve durante muitos quilômetros e o incidente o enlouquece. Gunnar<br />

é levado de volta ao solar da família, onde Ingrid ocupa-se dele e fi nalmente o cura com a música.<br />

O filme é construído sobre uma atração sensacional com raízes na cultura nórdica – uma marca registrada de Stiller –, no caso,<br />

a audaciosa travessia na neve que envolve o que parecem ser zilhões de renas. A atração emerge do conflito entre comércio e arte,<br />

com os poderes redentores da arte vencendo a batalha. Stiller equilibra criativamente as demandas da arte elevada ao colocar<br />

personagens em ambientes o mais modestamente artísticos que se possa imaginar, o que também oferece comoventes momentos de<br />

comédia. (...) A estratégia narrativa inspira uma inédita confiança em efeitos fotográficos com sonhos, memórias e alucinações<br />

como traços motivadores, até que o poder da música restaure a sanidade e a felicidade, com a prosperidade completando o tripé.<br />

Jan Olsen. Catálogo da XXVIII edição das Giornate del Cinema Muto de Pordenone, 2009.<br />

15 junho 1899, Estocolmo, Suécia - 3 junho 1927, Hollywood, Estados Unidos<br />

O belíssimo jovem Einar Hanson foi descoberto<br />

por Mauritz Stiller quando atuava no Teatro<br />

Dramático Real, de Estocolmo. Foi dirigido por<br />

Stiller que estrelou Gunnar Hedes saga /<br />

Contra o orgulho, fi lme que o consagraria no<br />

cinema sueco. Em 1924 participou da tentativa<br />

de Stiller, em companhia de sua também protegida,<br />

Greta Garbo, de realizar em Constantinopla<br />

(depois Istambul) uma versão cinematográfi ca do<br />

romance A odalisca de Smolensk, de Vladimir Semitoy.<br />

Contudo, a companhia produtora abre falência<br />

e o trio volta para a Suécia, passando antes por<br />

Berlim, onde Greta Garbo tem um papel importante<br />

e Einar apenas um papel secundário em Die<br />

freudlose Gaße / A Rua das lágrimas.<br />

Einar vai para Hollywood em 1925, na companhia<br />

de Stiller e Greta Garbo e imediatamente<br />

interpreta papéis principais em fi lmes dos grandes<br />

estúdios, como galã de suas principais estrelas:<br />

Corinne Griffi th em Into her kingdom / A<br />

Princesa russa (Sven Gad, 1926) e The Lady in<br />

ermine / A Dama em arminho (James Flood,<br />

1927); Laura La Plante em Her big night / Que<br />

noite aquela! (Melville W. Brown, 1926); Esther<br />

Ralston em Fashions for women / A Mulher<br />

e a moda (Dorothy Arzner, 1927); e Pola Negri<br />

em Barbed wire / Amai-vos uns aos outros<br />

(Rowland V. Lee, 1927) e The Woman on trial /<br />

A Ré amorosa (Mauritz Stiller, 1927).<br />

A 3 de junho de 1927, Einar Hanson sofreu um<br />

acidente de automóvel quando voltava de um<br />

jantar com Greta Garbo e Mauritz Stiller em<br />

Hollywood. O ator passou mais de quatro horas<br />

agonizando até que o encontrassem, ainda vivo, à<br />

espera de socorro. Morreu a caminho do hospital<br />

o ator que, conforme algumas revistas propalavam,<br />

seria o sucessor de Rudolph Valentino.<br />

Einar Hanson é ator no filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße.


50<br />

PROGRAMA 6<br />

As Garotas de Norrtull<br />

Norrtullsligan<br />

Suécia, 1923, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 85min, 21qps<br />

cp: Bonnierfi lm; p: Stellan Claësson and Karin Swanström; d: Per Lindberg; r: Hjalmar Bergman, baseado no romance<br />

horônimo de Elin Wägner; df: Ragnar Westfelt; e: Tora Teje (Pegg), Inga Tidblad (Baby), Renée Björling (Eva), Linnéa<br />

Hillberg (Emmy), Egil Eide (chefe de Pegg), Tollie Zellman (Gorel, prima de Pegg), Olav Riégo (noivo de Gorel), Stina Berg<br />

(tia de Pegg), Lili Ziedner (agitadora), Lauritz Falk (Putte, irmãozinho de Pegg), Nils Asther (fi lho da senhoria), Gabriel Alw<br />

(noivo de Eva), Torsten Bergström (primeiro namorado de Pegg), John Ekman (chefe de Baby)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Pegg muda-se para Estocolmo, na esperança de conseguir melhores oportunidades de trabalho. Ela divide um<br />

apartamento com três outras garotas que enfrentam as tentações e as armadilhas de uma metrópole que rapidamente<br />

se moderniza. Uma das moças perde o emprego após tomar parte em uma greve; outra prefere largar<br />

o emprego a aceitar as investidas de seu chefe. O fi lme é narrado em primeira pessoa por Pegg e os intertítulos<br />

expõem, além de detalhes da história, seus sentimentos e reações aos acontecimentos, e ainda, informações que<br />

nos ajudam a compartilhar suas opiniões, o que dá à narração uma qualidade memorialística.<br />

Per Lindberg (1890-1944) estudou com o famoso diretor de teatro alemão Max Reinhardt e desenvolveu importante<br />

carreira no cinema, mas sobretudo nos palcos teatrais. Depois de As Garotas de Norrtull, seu segundo<br />

fi lme, voltaria a dirigir apenas em 1939. Em 1940 realizou Juninatten / [Noite de junho] seu fi lme mais conhecido<br />

devido à participação de Ingrid Bergman.<br />

As Garotas de Norrtull é um dos filmes mais corajosos e apreciáveis da década de 1920 europeia. Antes de 1923,<br />

os filmes apresentavam personagens femininas individuais de carne e osso, mas As Garotas de Norrtull abre um<br />

precedente ao lidar com um elenco dominado por quatro mulheres extremamente dinâmicas. (...) O roteiro de Hjalmar<br />

Bergman transcende a imagem familiar das mulheres como objetos decorativos. O quarteto feminino percorre a vida humana<br />

com passos largos. (...) O filme se assemelha a um inteligente livro de memórias, quase um diário. A direção de Lindberg foge<br />

das convenções da época e suas mulheres ainda hoje parecem muito modernas, com seus penteados e chapéus discretos, por<br />

exemplo; e as minúcias da vida cotidiana destacam-se com muita vivacidade.<br />

Peter Cowie. Scandinavian Cinema, Londres, Tantivity Press, 1992.<br />

Tora Teje foi uma das mais famosas atrizes teatrais<br />

suecas no início do século XX, construindo seu<br />

nome através de uma série de notáveis interpretações<br />

no Teatro Sueco e no Teatro Dramático Real,<br />

em Estocolmo, entre as quais, de alguns grandes<br />

papéis femininos da literatura como Fedra e Lady<br />

Macbeth. Quando, em 1920, começou a atuar<br />

em fi lmes, tornou-se efetivamente a maior das<br />

estrelas suecas, uma diva, e objeto de numerosos<br />

artigos na revistas de cinema, fi gurando em<br />

ambiente elegantes e com roupas extravagantes.<br />

Ela encarnou, assim, a emergência de um tipo<br />

de modernidade no mundo do espetáculo sueco,<br />

com um brilho internacional, semelhante aliás<br />

ao personagem que ela interpreta em Erotikon<br />

(Mauritz Stiller, 1920).<br />

Tora Teje atuou em apenas nove fi lmes silenciosos<br />

e um sonoro, mas suas interpretações memoráveis<br />

contribuíram para a fama duradoura e a qualidade<br />

de muitos deles. Seus primeiros papéis cinematográfi<br />

cos foram o da principal intérprete feminina<br />

em dois fi lmes de Victor Sjöström, mostrando sua<br />

versatilidade como atriz: o fi lme de época Klostret<br />

i Sendomir / O Mosteiro de Sendomir (1920),<br />

no qual ela cria o comovente retrato de uma<br />

mulher dividida entre a família e o homem que<br />

ama, e Karin Ingmarsdotter / Karin, fi lha de<br />

Ingmar (1920), também um fi lme de ambientação<br />

histórica, no qual interpreta a maltratada mulher<br />

de um fazendeiro. Ela é, entretanto, mais conhecida<br />

por sua interpretação em Erotikon, no qual<br />

desempenha a cortejada esposa de um cientista.<br />

Seu personagem é evasivo e envolve os homens a<br />

seu redor, mas ela lhe dá grande profundidade e,<br />

com nuances delicadas em suas expressões, revela<br />

quando o verdadeiro amor cruza seu caminho.<br />

TORA TEJE<br />

17 janeiro 1893, Estocolmo, Suécia - 30 abril 1970, Estocolmo, Suécia<br />

Ela fez também uma breve mas memorável<br />

aparição em Häxan / A Feitiçaria através<br />

dos tempos (Benjamin Christensen, 1922).<br />

O fi lme termina com um episódio dos tempos<br />

modernos, pois Christensen queria mostrar<br />

que o que era percebido como maquinações do<br />

demônio nos tempos medievais não difere de<br />

vários problemas mentais revelados por estudos<br />

psiquiátricos que estiveram na moda na virada<br />

do século passado. No episódio, Tora Teje faz<br />

alguns retratos breves, precisos e tocantes de várias<br />

mulheres com cleptomania, tendências histéricas<br />

e outras desordens nervosas. No ano seguinte, ela<br />

fez talvez a sua melhor interpretação, como uma<br />

das mulheres secretárias de Norrtullsligan / As<br />

Garotas de Norrtull (Per Lindberg, 1923), que<br />

moram em uma espécie de comunidade e tentam<br />

sobreviver num mundo masculino. O personagem<br />

que interpreta tem também a carga adicional de<br />

precisar cuidar de um irmão muito mais jovem<br />

(as convenções do tempo não permitiriam que o<br />

personagem pudesse ser encarado como uma mãe<br />

solteira criando seu próprio fi lho).<br />

Embora sua carreira no cinema tenha sido muito<br />

breve e esporádica, Tora Teje provoca uma<br />

duradoura impressão como uma das melhores<br />

atrizes suecas do cinema silencioso. Ao interpretar<br />

a esposa de um fazendeiro no século XIX, uma<br />

batalhadora “mãe solteira” na Estocolmo contemporânea,<br />

uma mulher dilacerada às beiras de um<br />

colapso nervoso, ou a rica e levemente entediada<br />

mulher de um “marido cego”, ela traz profundidade,<br />

compreensão, inteligência e beleza à tela,<br />

sempre sugerindo que há muito mais nos personagens<br />

do que à primeira vista se revela.<br />

A atriz Tora Teje está nos filmes O Mosteiro de Sendomir / Klostret i Sendomir e<br />

A Feitiçaria através dos tempos / Häxan.<br />

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52<br />

PROGRAMA 7<br />

A Herança de Ingmar<br />

Ingmarsarvet<br />

Suécia, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 100min, 20-24qps<br />

cp: Nord-Westi Filmaktiebolag; p: Oscar Hemberg; d: Gustav Molander; r: Ragnar Hyltén-Cavallius e Gustaf Molander,<br />

baseado no romance Jerusalem I: I Dalarne, de Selma Lagerföf; df: J. Julius; e: Märta Halldén (Karin), Ivan Hedqvist<br />

(Stark Anders), John Ekman (Elias, marido de Karin), Lars Hanson (Ingmar), Mathias Taube (Halvor Halvorsson), Mona<br />

Mårtenson (Gertrudes Storm), Nils Arehn (mestre-escola Storm), Conrad Veidt (Helgum), Ida Brander (mãe de Gertrud),<br />

Knut Lindroth (juiz Berger Sven Person), Jenny Hasselqvist (Barbro)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

O pequeno Ingmar perde toda a herança, inclusive a fazenda Ingmarsson, por obra de um cunhado alcoólatra.<br />

Já crescido, quer se tornar professor mas, durante uma noite de tempestade, o fantasma de seu avô promete<br />

amaldiçoá-lo se ele não se tornar um fazendeiro como seus ancestrais. Nessa mesma noite de tempestade, o<br />

místico Helgum chega à vila e rapidamente se torna líder de uma comunidade de fanáticos que se instala na<br />

fazenda Ingmarsson. Ingmar, apaixonado por Gertrudes, passa o inverno trabalhando na floresta, mas volta, ao<br />

ser informado sobre a tentativa de Helgum de se aproximar da moça. Ao ir tirar satisfações com Helgum, Ingmar<br />

o defende dos irmãos de uma moça enlouquecida pela doutrinação do fanático e, na briga, leva uma facada.<br />

Helgum decide partir, mas um incidente faz com que a irmã mais velha de Ingmar, paralítica, ande para salvar<br />

seu filho pequeno de morrer queimado. Todos acreditam em um milagre de Helgum e decidem vender tudo para<br />

acompanhá-lo a Jerusalém. No dia em que a fazenda Ingmarsson vai a leilão, o juiz Person a compra, a pedido da<br />

filha, apaixonada por Ingmar que se compromete a se casar com ela, apesar de apaixonado por Gertrudes. Esta<br />

enlouquece. Ingmar casa-se com a filha do juiz mas, no dia das núpcias, Gertrudes o procura e lhe entrega um<br />

pacote que encontrara por acaso, oculto no travesseiro do falecido cunhado de Ingmar e que contém o que restara<br />

da herança deixada pelo pai de Ingmar, que teria permitido a ele comprar a fazenda e ficar com Gertrudes.<br />

Exposição<br />

Placas de vidro do<br />

cinema silencioso sueco<br />

O setor histórico do Instituto Sueco de Cinema é depositário de uma coleção de<br />

43 mil placas de vidro oriunda da AB Svensk Filmindustri – e de sua predecessora,<br />

a AB Svensk Biografteatern – que registram a produção sueca de 1911 a 1967.<br />

Um enorme projeto iniciado em 2007 pretendia fazer a digitalização de todas<br />

essas imagens, mas a tarefa revelou-se acima das possibilidades orçamentárias.<br />

Diante disso, priorizou-se a digitalização de todos os negativos referentes ao<br />

periodo do cinema silencioso sueco e às produções de Ingmar Bergman, tendo<br />

em vista as solicitações relativas ao trabalho de Bergman.<br />

A exposição que apresentamos foi feita mediante a sugestão do curador da Jornada<br />

<strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso de que Jon Wengström selecionasse imagens<br />

captadas durante a filmagem de trabalhos que apresentamos na IV Jornada. A<br />

qualidade dessas imagens nos desperta um enorme desejo de ter contato com o<br />

maior número possível delas – e de comparar os esforços de realização suecos<br />

com os que realizávamos no Brasil no mesmo período.<br />

53


54<br />

Visita ao Acervo<br />

Filmes de Arquivo do<br />

Instituto Sueco de Cinema<br />

Jon Wengström<br />

Curador do Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema<br />

A Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema tem, como parte<br />

integrante de sua missão, o objetivo de incorporar tudo o que é projetado nos<br />

cinemas suecos, inclusive cópias de fi lmes estrangeiros. Isso acontece, entretanto,<br />

apenas sob a forma de depósito voluntário, e esta política tem sido praticada<br />

somente nas últimas décadas. Como, então, materiais de fi lmes silenciosos estrangeiros<br />

entraram para a coleção?<br />

O Clube de Cinema Sueco e, depois, o Arquivo de Filmes Históricos, precursores<br />

da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema, foram sempre o<br />

organismo nacional responsável pelos fi lmes e, consequentemente, o guardião dos<br />

materiais em nitrato, incluindo cópias suecas de fi lmes silenciosos estrangeiros, depositadas<br />

por distribuidores locais ou por colecionadores privados.<br />

Ao longo dos anos, alguns desses materiais em nitrato se deterioram além da possibilidade<br />

de salvaguarda e foram descartados, e outros foram repatriados, antes de serem<br />

duplicados, para arquivos de seus países de produção. Mas alguns fi caram no Arquivo,<br />

e foram duplicados e preservados pelo Instituto Sueco de Cinema – como o rolo com<br />

19 fi lmes da Gaumont realizados entre 1899 e 1901, apresentados na Jornada do<br />

ano passado. Esse trabalho continua em andamento, na medida em que o acervo em<br />

nitrato ainda está em processo de identifi cação e catalogação.<br />

Uma das mais recentes e espetaculares descobertas na coleção de nitratos foi a<br />

existência da cópia sueca, quase completa, do fi lme até então considerado perdido<br />

The Dawn of a tomorrow / A Aurora de um amanhã (James Kirkwood, EUA,<br />

1915), estrelado por Mary Pickford. O fi lme restaurado foi exibido até agora apenas<br />

no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha (Itália) e no V Seminário Mulheres e<br />

Cinema Silencioso, realizado em Estocolmo em 2008.<br />

Entretanto, é habitual que a coleção de fi lmes estrangeiros em nitrato apareça apenas<br />

sob a forma de fragmentos. A mais interessante coleção de fragmentos é constituída<br />

por cortes feitos pelas autoridades da censura sueca. Essa coleção foi incorporada,<br />

ainda na década de 1940, pelo Arquivo de Filmes Históricos e contém alguns materiais<br />

muito raros. Entre os materiais apresentados na Jornada deste ano estão corte de<br />

The River / O Rio da vida (Frank Borzage, 1928) e Cagliostro (Richard Oswald,<br />

1928). Nesses dois casos, os fi lmes sobreviveram, mas os cortes da censura sueca são os<br />

únicos materiais em 35mm que existem no mundo.<br />

A censura sueca está entre as mais antigas do mundo, e começou a funcionar já<br />

em 1911. Uma das principais razões para seu estabelecimento foi Afgrunden / O<br />

Abismo (Urban Gad, 1910), estrelado por Asta Nielsen. Quando o fi lme foi apresentado<br />

na Suécia, os censores consideraram excessiva a famosa dança gaúcha de Asta<br />

Nielsen, e decidiram cortar a cena antes de autorizar sua exibição nas salas. O corte da<br />

censura foi preservado e cedido ao arquivo do Instituto Dinamarquês de Cinema, em<br />

Copenhague (a produção, afi nal, é dinamarquesa) para a restauração do fi lme.<br />

O Rio da vida<br />

VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA<br />

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56<br />

A maior parte da coleção em nitrato que ainda está sendo identifi cada e catalogada,<br />

sobretudo os fi lmes de não-fi cção e mesmo os cinejornais, é formada por materiais que<br />

mostram personalidades e eventos suecos das primeiras décadas do século passado.<br />

Alguns fi lmes estrangeiros de não-fi cção vêm sendo também descobertos à medida<br />

que o trabalho continua. Apenas em 2007 foi identifi cado e preservado um assunto de<br />

um cinejornal alemão que apresenta a fi lmagem de Anna Boleyn / Ana Bolena, de<br />

Ernst Lubitsch (1920). A cópia em nitrato e a nova cópia de projeção estão preservadas<br />

em Estocolmo, mas um novo contratipo e uma segunda cópia foram repatriados para<br />

a Alemanha. Em 2009, dois rolos de documentários de viagem [travelogues] franceses<br />

sobre a Ásia oriental foram preservados (Un Voyage aux ruines d’Angkor / Uma<br />

viagem às ruínas de Angkor e Au pays des Moïs: explorations et chasse /<br />

No país dos Moïs: exploração e caça). A origem desses materiais não foi determinada,<br />

mas temos razões para acreditar que pertenciam ao príncipe sueco Wilhelm,<br />

ele próprio um famoso cinegrafi sta de materiais de não-fi cção das décadas de 1920 e<br />

30. Na verdade, pensou-se que ele próprio teria dirigido esses fi lmes, mas um deles foi<br />

identifi cado como uma produção francesa de 1908, e o outro provavelmente também<br />

é francês e da mesma época.<br />

Sempre que os recursos o permitiram, a Coleção de Filmes de Arquivo teve orçamento<br />

para a compra de fi lmes não suecos conservados em arquivos estrangeiros. Além de<br />

clássicos do cinema internacional, o arquivo reuniu algumas ricas coleções especiais<br />

como, por exemplo, a de cinema silencioso soviético. No fi nal da década de 1960 e<br />

no começo da seguinte, adquirimos cópias do Gosfi lmofond (<strong>Cinemateca</strong> Russa), em<br />

Moscou, de fi lmes de diretores famosos como Eisenstein, Dovjenko, Pudovkin, Vertov,<br />

Kulechov, e também de fi lmes preciosos de diretores menos conhecidos, como Tretia<br />

Meschanskaia / Rua Mechanskaia, 3 ou Sofá e cama (1927), de Abram Room.<br />

Aquisições recentes de fi lmes estrangeiros do período silencioso concentraram-se<br />

naqueles de específi co interesse sueco: fi lmes rodados na Suécia ou com contribuição<br />

sueca signifi cativa na frente ou atrás das câmeras, e em suas melhores versões possíveis.<br />

Filmes deste tipo incluem os de Greta Garbo: Die freudlose Gaße / A Rua<br />

das lágrimas (G.W. Pabst, Alemanha, 1925) e Flesh and the devil / A Carne<br />

e o diabo (Clarence Brown, EUA, 1926), adquiridos respectivamente do Museu de<br />

Cinema de Munique e da Warner Brothers, e The Wind / Vento e areia (Victor<br />

Sjöström, EUA, 1928), da George Eastman House (o fi lme tem música sincronizada<br />

e efeitos sonoros, como foi lançado); e uma cópia do fragmento existente da<br />

única colaboração de Victor Sjöström com Greta Garbo, The Divine woman /<br />

A Mulher divina (EUA, 1928), adquirida da <strong>Cinemateca</strong> Russa em meados da<br />

década de 1990 – na verdade, o fragmento foi identifi cado por pesquisadores suecos<br />

de cinema que estavam trabalhando em Moscou. Outra importante descoberta em<br />

um arquivo estrangeiro aconteceu no fi nal da década de 1970, quando uma cópia de<br />

um fi lme em três rolos, de 1912, guardada na coleção da Biblioteca do Congresso,<br />

em Washington, Estados Unidos, revelou-se como o primeiro fi lme de Sjöström,<br />

Trädgårdsmästaren / O Jardineiro. O fi lme havia sido proibido pelos censores<br />

suecos e nunca foram feitas cópias no país; o fi lme só foi exibido no exterior, com intertítulos<br />

em línguas estrangeiras.<br />

Em conclusão, a coleção de fi lmes silenciosos estrangeiros do Acervo de Filmes de<br />

Arquivo do Instituto Sueco de Cinema é, em parte, o resultado de trabalhos de<br />

preservação e restauração executados pelo arquivo e, em parte, resultado de uma<br />

ativa política de aquisição, e como tal constitui forma parte integral e importante da<br />

evolução e do desenvolvimento das práticas históricas executadas pelo Arquivo. Ela<br />

inclui tanto clássicos conhecidos como fi lmes menos famosos e até mesmo fi lmes de<br />

linha. É com satisfação que apresentamos exemplos dessa coleção na Jornada de São<br />

Paulo. Que a seleção lhes agrade!<br />

O Rio da vida<br />

The River<br />

Estados Unidos, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 24qps<br />

cp: Fox Film; d: Frank Borzage; df: Ernest Palmer;<br />

e: Charles Farrell, Mary Duncan<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

O Rio da vida é tido por alguns como um dos<br />

filmes silenciosos mais eróticos. Com a liberdade<br />

que lhe permitiram o sucesso mundial e o Oscar<br />

recebido por 7 th Heaven / Sétimo céu, Frank<br />

Borzage realizou um filme pleno de sensualidade,<br />

sobre um jovem do campo iniciado no amor por<br />

uma misteriosa mulher da cidade.<br />

O fragmento de O Rio da vida que apresentamos<br />

é um corte feito pelos censores suecos e é o único<br />

material em 35mm do fi lme localizado até o presente.<br />

Paradoxalmente, a única coisa que sobreviveu é a<br />

parte que foi cortada, supostamente para não ser vista<br />

(pelo menos pelas plateias suecas).<br />

PROGRAMA 1 – Censura na Suécia<br />

Cagliostro<br />

Cagliostro<br />

Cagliostro – Liebe und Leben eines<br />

großen Abenteurers<br />

França/Alemanha, 1929, 35mm, preto-e-branco, 2min, 18qps<br />

cp: Films Albatros; d: Richard Oswald; df: Maurice<br />

Desfassiaux e Jules Kruger; e: Hans Stuwe (Cagliostro),<br />

Alfred Abel, Renee Heribel (Lorenza)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitute<br />

De acordo com este fi lme, o alquimista e vidente<br />

Cagliostro não era um charlatão e um gatuno, mas<br />

um homem decente que tenta escapar da sua vida de<br />

crimes com a ajuda da virtuosa Lorenza.<br />

O fragmento apresentado é um corte da censura<br />

sueca e novamente o único material em 35mm que<br />

sobreviveu. Na França, o material existente do fi lme<br />

é uma cópia Pathé-Baby em 9,5mm. O nitrato<br />

original do fragmento apresentado foi restaurado pela<br />

<strong>Cinemateca</strong> Francesa.<br />

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O Abismo<br />

Afgrunden<br />

Dinamarca, 1910, 35mm, preto-e-branco, 37min, 16qps<br />

cp: Kosmorama; p: Hjalmar Davidsen; d e r: Urban Gad; df: Alfred Lind; e: Asta Nielsen (Magda Vang), Robert Dinesen<br />

(Knud Svane), Poul Reumert (Rudolph Stern), Hans Neergaard, (Peder Svane, pastor, pai de Knud), Hulda Didrichsen (mãe<br />

de Knud), Emilie Sannom (Lilly d’Estrelle, cantora do espetáculo de variedades), Oscar Stribolt (garçom), Johannes Fønss,<br />

Arne Weel, Torben Meyer.<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Magda, professora de piano, encontra no bonde o jovem engenheiro Knud. Tão logo se acham comprometidos,<br />

ele a convida para conhecer seus pais, que moram no campo. Magda conhece então Rudolph, principal atração<br />

de um espetáculo de circo; apaixona-se e foge com ele. Algum tempo depois, Knud localiza Magda na cidade,<br />

mas ela prefere continuar com Rudolph. Sentindo ciúme com as infidelidades do amante, Magda o provoca num<br />

sensual número de dança “gaúcha”. Uma briga provoca a demissão do casal do espetáculo de varidades; Magda<br />

passa a tocar piano em cafés para mantê-los. Novamente Knud a descobre e tem com ela um encontro íntimo, que<br />

é interrompido pela chegada de Rudolph. No confronto, Magda mata o amante.<br />

A importância de Afgrunden reside sobretudo em seu tema, o<br />

retrato dos poderosos sentimentos de posse e submissão sexual, e<br />

na extraordinária atuação de Asta Nielsen e Poul Reumert, mais<br />

do que em sua construção formal. (...) O que importa realmente<br />

é a apresentação chocantemente realista do destino.<br />

Isso fica mais evidente do que nunca na famosa dança que<br />

Nielsen e Reument interpretam e que demonstra sem disfarces<br />

o que o restante do filme apenas insinua. Nesta dança, Asta<br />

Nielsen amarra Poul Reument com uma corda e, em seguida,<br />

dança ao redor dele, esfregando o corpo contra o do parceiro. O<br />

caráter erótico desse número fez do filme um grande sucesso e lhe<br />

deu a reputação de “quase pornográfico”.<br />

Ron Mottram, The Danish cinema before Dreyer: Metuchen,<br />

N.J./Londres: Scarecrow Press, 1988.<br />

O Jardineiro<br />

Afgrunden foi um sucesso explosivo, para a divertida surpresa de<br />

todos os envolvidos (apenas o diretor de fotografia tinha experiência<br />

cinematográfica anterior) e marcou o início da carreira de Asta<br />

Nielsen como uma estrela realmente internacional. (...) Nielsen<br />

escreve em sua autobiografia que ela e Gad fizeram o filme para<br />

chamar a atenção dos empresários teatrais de Copenhague para os<br />

talentos que estavam desperdiçando em papéis insignificantes. (...)<br />

A exaltada naturalidade da interpretação de Nielsen nesse período<br />

era resultado de um estudo cuidadoso. Ela escreve sobre como<br />

aprendeu depressa a melhorar sua interpretação observando-se na<br />

tela, onde tudo é ampliado. A persona natural que ela projetou<br />

ao longo de uma série de personagens foi criada propositadamente<br />

para a câmera e para a tela.<br />

Janet Bergstrom, Asta Nielsen’s early German Films, in Prima di<br />

Caligari. Cinema tedesco 1895-1920 / Before Caligari. German Cinema<br />

1895-1920. Pordenone. Bilioteca dell’Immagine, 1999.<br />

Trädgårdsmästaren<br />

Suécia, 1912, 35mm, preto-e-branco, 34min, 18qps<br />

cp: AB Svenska Biografteatern; d: Victor Sjöström; r: Mauritz Stiller; df: Julius Jaenzon; e: Victor Sjöström<br />

(o jardineiro), Gösta Ekman (o filho do jardineiro), Lili Bech (a moça), John Ekman (o general), Mauritz Stiller<br />

(passageiro no barco), Gunnar Bohman, Karin Alexandersson<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Uma garota fica apaixonada pelo filho de seu patrão, um jardineiro dono de uma grande estufa de flores. O<br />

jardineiro manda o filho para longe, teoricamente para dar fim a uma relação socialmente indesejável, mas, na<br />

verdade, para se aproveitar da moça. Como esta recusa as investidas do jardineiro, ela e seu velho pai são sumariamente<br />

demitidos. A jovem conquista a proteção de um velho general rico mas, com a morte dele, é expulsa pela<br />

família e cai na vida mundana. Arrependida, volta a sua vila natal, mas as lembranças do passado terminarão<br />

por destruí-la. O Jardineiro foi o primeiro filme de Sjöström, e nunca foi exibido nos cinemas suecos porque foi<br />

integralmente proibido pela censura. O produtor conseguiu, na época, uma projeção especial para o primeiroministro<br />

sueco, mas isso de nada adiantou. Nenhuma cópia foi tirada na Suécia e, por isso, não sobreviveu – ou<br />

assim se pensava. Mas, obviamente, o filme fora exportado para alguns países. Estreou em Copenhague e foi mais<br />

tarde exportado para os Estados Unidos. Em meados da década de 1970, uma cópia americana com intertítulos<br />

em inglês (com o nome Broken spring rose) apareceu na Biblioteca do Congresso. Não é uma obra preservada<br />

pela <strong>Cinemateca</strong> Sueca mas por um outro arquivo, daí sua presença fora da seleção sueca, e sua inclusão nesse<br />

programa de filmes censurados.<br />

ASTA NIELSEN<br />

11 setembro 1881, Copenhague, Dinamarca - 25 maio 1972, Copenhague, Dinamarca<br />

Nascida em uma família de classe operária, fez<br />

cerca de oitenta filmes em pouco mais de vinte<br />

anos de carreira. Cursou a Escola Real de Teatro,<br />

em Copenhague, e trabalhou nos palcos dinamarqueses<br />

por uma década.<br />

De forte personalidade,<br />

ficou grávida aos 20<br />

anos; insistiu em ter a<br />

criança, recusando-se a<br />

casar com o pai de sua<br />

filha, apesar dos preconceitos<br />

sociais contra<br />

mães solteiras. Em 1910,<br />

contra as opiniões de<br />

seus parceiros teatrais,<br />

estreou no cinema com<br />

O Abismo, realizado com Urban Gad, cenógrafo<br />

de seu teatro e com quem se casou dois anos<br />

depois. O filme fez um sucesso colossal e a lançou<br />

como uma das primeiras estrelas cinematográficas<br />

verdadeiramente internacionais. Suas aparições<br />

pessoais provocavam tumultos na Europa e fora<br />

do continente.<br />

Logo após, Asta Nielsen e Urban Gad aceitaram<br />

um convite para trabalhar no cinema alemão e,<br />

entre 1911 e 1915, realizaram mais de trinta filmes<br />

para a produtora PAGU – Projektions-AG Union.<br />

Ela participava ativamente em diferentes aspectos<br />

da realização cinematográfica, como a escolha de<br />

elenco e locações, cenografia, figurino e publicidade,<br />

e em 1920 criou sua própria companhia<br />

produtora, a Maxim-Film.<br />

Nielsen era brilhante em papéis trágicos e cômicos;<br />

sua sensualidade igualava sua inteligência, seus<br />

recursos dramáticos e sua agilidade física. Era<br />

extraordinária na interpretação de personagens<br />

não convencionais, que desafiam limitações sociais<br />

e sexuais. Ela expressava os conflitos íntimos<br />

de uma maneira inédita no cinema. Era direta,<br />

natural e moderna. Com sua silhueta esbelta,<br />

acentuada por trajes<br />

sugestivos – de farrapos<br />

a vestidos extravagantes<br />

–, ela cruzava de forma<br />

convincente, de um filme<br />

para outro, as fronteiras<br />

de sexo e de classe.<br />

Um dos filmes mais<br />

interessantes de Asta<br />

Nielsen foi Hamlet<br />

(Sven Gad e Heinz<br />

Schall, 1921). Havia precedentes de grandes<br />

atrizes teatrais interpretando papéis masculinos<br />

– Eleanora Duse, por exemplo, fez isso várias<br />

vezes. Mas Asta dá uma sutil reviravolta ao não<br />

interpretar um homem, mas sim uma mulher<br />

disfarçada de homem, adicionando uma nova<br />

camada à complexidade dos sexos. Hamlet<br />

baseou-se menos em Shakespeare e mais num livro<br />

popular da época, que propalava que Hamlet era,<br />

na verdade, uma moça criada como rapaz para<br />

garantir um herdeiro ao trono da Dinamarca.<br />

Asta Nielsen estrelou A Rua das lágrimas /<br />

Die freudlose Gaße ao lado de uma estrela em<br />

ascensão cuja fama ultrapassaria a sua, Greta Garbo,<br />

que afirmava: “Ela me ensinou tudo que sei”.<br />

Com a chegada do cinema sonoro, Asta Nielsen<br />

realizou apenas um filme e, em meados da década<br />

de 1930, voltou para a Dinamarca, embora o<br />

governo nazista quisesse, oferecendo-lhe facilidades<br />

de produção, conservá-la como a maior joia de seu<br />

59


60<br />

Caricatura da dança gaúcha de O Abismo, feita<br />

por Urban Gad, diretor do fi lme<br />

fi rmamento de estrelas. Voltou a trabalhar em<br />

teatro e, em 1946, publicou sua autobiografi a, bem<br />

humorada e repleta de sabedoria. Escreveu contos,<br />

artigos para jornais e revistas, e uma série radiofônica<br />

sobre a arte de envelhecer. Desenvolveu<br />

também um expressivo trabalho como artista<br />

plástica, além de ter dirigido um fi lme sobre sua<br />

própria carreira.<br />

Segundo o poeta Guillaume Apollinaire, Asta<br />

Nielsen era “o delírio do bêbado e o sonho do<br />

homem solitário”.<br />

“Baixem as cortinas diante dela”, escreveu certa vez Bela<br />

Balazs, depois de ver Asta Nielsen representar a morte de<br />

Hamlet, “baixem as cortinas, pois ela é única”.<br />

A geração de hoje não pode compreender o que sua<br />

máscara lívida, de olhos imensos e ardentes, signifi cava<br />

para os anos 1910 e 20. Outras usaram aquela<br />

franja lisa e reta de cabelos negros; mas ninguém<br />

senão ela – talvez também Louise Brooks – parecia<br />

inseparável daquela aparência estilizada. Uma época<br />

hipercultivada, instável e sofi sticada encontrara seu<br />

ideal em Asta Nielsen, mulher intelectual, cheia de<br />

refi namentos, com rosto de pierrô lunar, pálpebras<br />

pesadas, mãos que pareciam conter feridas invisíveis,<br />

como as de Eleonora Duse. (...)<br />

Mas Asta Nielsen foi mais do que o ideal de uma geração<br />

que cultivava o linear e o arabesco. (...) Sua humanidade<br />

quente, cheia de fôlego, de presença, refutava o abstrato,<br />

bem como o caráter abrupto da arte expressionista. (...)<br />

Nunca se rebaixava à afetação; quando travestida, nunca<br />

chocava. Podia representar de calças sem ambiguidade.<br />

Pois o erotismo de Asta Nielsen estava longe de todo equívoco;<br />

tratava-se sempre, para ela, de uma paixão autêntica.<br />

Seu penteado em franja às vezes a levava a representar<br />

vamps, mas Nielsen não tinha qualquer frieza calculista.<br />

Sentia-se nela aquele fogo devorador que não vai apenas<br />

destruir os homens, mas também a ela mesma. (...)<br />

Não se conseguiu esquematizar Asta Nielsen. E é<br />

justamente porque ela soube conservar sua maneira de ser,<br />

seu próprio rosto, que nunca foi contratada para fi lmar<br />

em Hollywood, onde não poderiam transformá-la.<br />

Nielsen é tipicamente nórdica, saída das lendas selvagens<br />

do Edda, e mesmo tendo fi lmado muito pouco em seu<br />

país natal, a Dinamarca, permanece nos fi lmes alemães<br />

uma fi gura à parte, não apenas porque os diretores<br />

dinamarqueses Urban Gad e Sven Gad (...) dirigiram<br />

a maioria de seus fi lmes: em torno dela persiste aquela<br />

aura complexa quando fi lma com diretores alemães,<br />

como Pabst ou Bruno Rahn.<br />

Lotte Eisner, A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz<br />

e Terra, 1985.<br />

Asta Nielsen está no elenco do filme A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße<br />

PROGRAMA 2<br />

Filmando Ana Bolena<br />

Bakomfi lm Anna Boleyn<br />

Alemanha, 1920, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 2min, 18qps<br />

cp: UFA Universum Film AG; e: Ernst Lubitsch, Emil Jannings, Henny Porten<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Trecho de cinejornal da UFA, fi lmado por ocasião da visita do presidente da República Alemã Friedrich Ebert<br />

aos estúdios da produtora, onde Ernst Lubitsch fi lma Ana Bolena. Emil Jannings e Henny Porten chegam de<br />

automóvel para as fi lmagens.<br />

A Aurora de um amanhã<br />

The Dawn of a tomorrow<br />

Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 67min, 17qps<br />

cp: Famous Players Film Company; p: Daniel Frohman; d: James Kirkwood; r: Eve Unsell baseado em romance e peça<br />

homônima de Frances Hodgson Burnett; e: Mary Pickford (Glad), David Powell (Dandy), Forrest Robinson (sir Oliver<br />

Holt), John Findlay (William, criado de sir Oliver), Robert Cain (Oliver, sobrinho de sir Oliver), Margaret Seddon (Polly),<br />

Blanche Craig (Bet), Ogden Childe<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

A história se passa na Inglaterra, e Mary Pickford interpreta Glad, “a mais pobre e feliz órfã de Londres”. No<br />

decorrer do filme, este anjo inspirado no mundo de Dickens abriga uma mãe e uma criança abandonadas,<br />

evita um suicídio, evita violências domésticas e impede que o namorado Dandy sucumba a uma vida de crimes.<br />

A beleza dos primeiros planos exibe uma extraordinária precisão expressiva e tornam esse filme de Mary<br />

Pickford uma revelação. Essa obra era considerada perdida até que uma cópia nitrato tingida, versão exibida<br />

na Suécia, foi identificada na Coleção de Filmes de Arquivo do Svenska Filministitutet, em 2005.<br />

A restauração foi completada em 2008.<br />

O fi lme é uma adaptação de um romance e uma peça de Frances Hodgson Burnett, autora dos consagrados Little<br />

Princess / (A Princesinha) e Little Lord Fauntleroy / (O Pequeno lorde).<br />

61


PROGRAMA 3<br />

A Rua das lágrimas<br />

Die freudlose Gaße<br />

Alemanha, 1925, 35mm, preto-e-branco com tingimento e viragem, 149min, 19qps<br />

cp: Sofar-Film-Produktion; p: Michael Salkin e Romain Pinès; d: Georg Wilhelm Pabst; r: Willy Hass baseado no romance<br />

homônimo de Hugo Bettauer; df: Guido Seeber, Curt Oertel e Walter Robert Lach; da: Hans Sohnle e Otto Erdmann;<br />

mo: Mark Sorkin; e: Asta Nielsen (Maria Lechner), Greta Garbo (Greta Rumfort), Werner Krauss (açougueiro), Einar<br />

Hanson (tenente Davy), Jaro Fürth (Hofrat Rumfort), condessa Agnes Esterhazy (Regina), Karl Etlinger (Rosenow), Ilka<br />

Grüning (sra. Rosenow), Henry Stuart (Egon Stirner), Robert Garrison (Canez), Valeska Gert (sra. Greifer), condessa Tolstoi<br />

(srta. Henriette), Alexander Murski (dr. Leid), Tamara Tolstoi (Lia Leid), Grigori Chmara (garçom), Hertha von Walther<br />

(Elza), Max Kohlhase (sr. Lechner), Sylvia Torff (sra. Lechner), Loni Nest (Mariandl), Mario Cusmich (coronel Irving), Edna<br />

Markstein (sra. Merkl), Otto Reinwald (marido de Elza), M. Raskatoff (Trebisch), Krafft-Raschig (soldado)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

PROGRAMA 4<br />

Uma Visita a Selma Lagerlöf<br />

Ett besök hos Selma Lagerlöf<br />

Suécia, 1926, 35mm, cor, 6min, 20qps<br />

cp: Film AB Le Mat-Metro-Goldwyn; d: Raoul Le Mat<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Documentário com a escritora Selma Lagerlöf, autora de vários livros adaptados pelo cinema sueco e primeira mulher a<br />

ganhar o prêmio Nobel de Literatura, em 1909. O filme mostra a casa em que mora numa vila tranquila. Em seguida,<br />

a escritora vai a uma cidade vizinha assistir o filme The Tower of lies / Castelos de ilusões, com Norma Shearer<br />

e Lon Chaney, realizado por Victor Sjöström a partir de seu romance Keisarn av Portugallien. O filme não existe mais, mas<br />

vemos Selma Lagerlöff examinar algumas imagens do filme, com rolo no colo, perto de uma janela.<br />

62<br />

Na Viena de 1921, parte dos habitantes da rua Melquior padece as horrendas consequências de uma profunda<br />

inflação. Existem apenas duas pessoas ricas na rua: o açougueiro e a sra. Greifer, que dirige uma loja de roupas e<br />

um clube noturno frequentado pela classe abastada de Viena. Anexo ao clube, há um hotel de alta rotatividade,<br />

onde as moças pobres que o frequentam se prostituem para pagar a sra. Greifer e comprar comida para suas<br />

A Carne e o diabo<br />

Flesh and the devil<br />

63<br />

famílias. A história segue as desventuras de duas mulheres: Maria, filha de um pai cruel e brutal, que sucumbe às<br />

atrações da prostituição; e Greta, oriunda de uma família acostumada a melhores condições de vida, que resiste à<br />

tentação do dinheiro fácil. No final do filme, Elza, moça doente e empobrecida, assassina o açougueiro; e os pobres<br />

da rua, ao escutar os sons vindos do clube noturno, iniciam uma revolta contra os ricos.<br />

Nenhuma cópia da versão original deste filme sobreviveu. Diversas ações da censura destruíram-no sistematicamente<br />

na Alemanha, ao mesmo tempo em que as versões estrangeiras também sofreram cortes extensos e foram alteradas.<br />

Estados Unidos, 1926, 35mm, preto e branco, 113min, 20qps<br />

cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Clarence Brown; r: Benjamin Glazer baseado no romance Es<br />

war, de Hermann Sudermann; df: William Daniels; da: Cedric Gibbons e Fredric Hope; mo: Lloyd Nosler; e: John<br />

Gilbert (Leo von Harden), Greta Garbo (Felicitas), Lars Hanson (Ulrich von Eltz), Barbara Kent (Hertha von Eltz),<br />

William Orlamond (tio Kutowski), George Fawcett (pastor Voss), Eugenie Besserer (mãe de Leo), Marc McDermott<br />

(conde von Rhaden), Marcelle Corday (Minna)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Uma reconstrução inicial do filme foi empreendida por Enno Patalas, do Museu de Cinema de Munique, em<br />

1989, baseada em cópias de três versões estrangeiras distribuídas na Rússia, na Inglaterra e na França. Para o<br />

estabelecimento da ordem na versão que apresentamos, uma outra cópia francesa e uma americana também foram<br />

consultadas, além de fragmentos da versão alemã recentemente descobertos. A ordem desta versão e os intertítulos<br />

são baseados tanto no relatório de censura de 1926 como nas versões estrangeiras. Mas, mesmo esta reconstrução<br />

é, no máximo, apenas uma aproximação da versão original, sobretudo porque ainda faltam partes do filme que, de<br />

acordo com o roteiro e outros registros, chegaram a existir.<br />

Leo von Harden e Ulrich von Eltz são ligados desde criança por uma profunda amizade. Servem num colégio<br />

militar alemão e, em uma licença, Leo fica apaixonado por Felicitas, esposa de um poderoso conde. Num duelo,<br />

Leo mata o conde e, antes de partir para a África, pede a Ulrich que cuide de Felicitas. Ulrich, ignorante do amor<br />

de Leo por Felicitas, apaixona-se e se casa com ela. Com a volta de Leo, Ulrich divide-se entre a amizade e o amor<br />

de Felicitas – que estimula a paixão de Leo. Acusado pelo pastor Voss de manter um caso amoroso com Felicitas,<br />

Leo perde o controle de suas emoções, tenta matá-la e duela com o amigo de toda sua vida.<br />

O filme marcou um momento decisivo da carreira e da vida pessoal de Greta Garbo. A princípio, ela não queria<br />

tomar parte no filme. Ela havia concluído The Tempress / Terra de todos, estava cansada, e seu contrato<br />

com a Metro-Goldwyn-Mayer não lhe permitia fazer a longa viagem à Suécia que desejava. Uma carta dura da<br />

MGM a alertou sobre as sérias consequências que provocariam sua recusa em voltar ao trabalho. Na verdade,<br />

isso foi o ensaio da batalha que, após A Carne e o diabo, ela travou com os chefes do estúdio e que terminaram<br />

por fazer com que fosse uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood na época. A química romântica entre<br />

Greta Garbo e John Gilbert foi o sonho de qualquer diretor, porque não era apenas interpretação. Segundo<br />

a lenda, Gilbert propôs casamento a Garbo durante a produção; ela aceitou, mas escapou no último minuto.<br />

O filme marcou o início de um dos mais famosos romances hollywoodianos de sua idade de ouro. Apesar do<br />

romance tórrido, Garbo e Gilbert não se casaram, mas continuaram a fazer filmes juntos até depois da chegada<br />

do cinema sonoro (embora a carreira de Gilbert tenha sofrido um sério abalo quando sua voz foi ouvida pela<br />

primeira vez). Garbo ficou muito impressionada com o trabalho de direção de Clarence Brown e com a fotografia<br />

de William Daniels, e exigiu continuar trabalhando com eles nos filmes seguintes na MGM. Acima de tudo, ela<br />

elegeu Daniels como seu fotógrafo ideal.


64<br />

A Rua das lágrimas<br />

Greta Lovisa Gustafsson era a filha mais nova<br />

de uma família de operários suburbanos de<br />

Estocolmo. Em 1920 começou a trabalhar como<br />

balconista da PUB, uma loja de departamentos.<br />

Em pouco tempo estava posando com chapéus<br />

para o catálogo da loja e, em seguida, para<br />

pequenos filmes de propaganda da empresa. Em<br />

1922 interpretou um pequeno papel na comédia<br />

curta Luffar-Petter / [Pedro, o vagabundo]<br />

(Erik A. Petschler) e ganhou uma bolsa para<br />

estudar na Academia Real de Arte Dramática. Foi<br />

na Academia que Mauritz Stiller a descobriu e de<br />

onde a tirou para estrelar Gösta Berlings saga<br />

/ A Saga de Gösta Berling (1924). Em Berlim,<br />

sob a direção de G.W. Pabst, Greta coadjuva Asta<br />

Nielsen em Die freudlose Gaße / A Rua das<br />

lágrimas. O sucesso de público e de crítica das<br />

duas fitas solidificam a posição de Greta – já com o<br />

nome de Garbo – como uma das primeiras atrizes<br />

da Europa. Contratada pelo presidente da Metro-<br />

Goldwyn-Mayer, Louis B. Mayer, juntamente com<br />

Mauritz Stiller, Greta chega a Hollywood, onde<br />

estrelará, de 1926 a 1941, 25 longas-metragens,<br />

sempre para a MGM, produtora para a qual<br />

assegura grandes lucros. Aos 36 anos, considerada<br />

um mito da arte cinematográfica, Greta Garbo<br />

abandona o cinema.<br />

Garbo sofria de depressão crônica e passou muitos<br />

anos tentando se livrar disso através da filosofia<br />

oriental e de um regime alimentar saudável.<br />

Entretanto, nunca parou de fumar nem de beber.<br />

Certa ocasião, Garbo declarou a uma revista<br />

francesa: “Eu me sinto como uma criminosa que está<br />

sendo caçada. Quando os fotógrafos me cercam,<br />

eles atraem multidões. Eu fico amedrontada acima<br />

de meu controle com tanta gente me olhando. Me<br />

sinto quase envergonhada”.<br />

“Eu nunca disse: ‘Eu quero ficar sozinha’. Eu disse:<br />

‘Eu quero que me deixem sozinha’. Há um mundo<br />

de diferença entre as duas coisas”.<br />

No começo da primavera de 1925, Louis B. Mayer<br />

a encontrou! Ao ver Greta Garbo no filme Gösta<br />

Berling, em Berlim, ele sabia, tanto quanto que<br />

estava vivo, que tinha descoberto um símbolo sexual<br />

além de sua imaginação – ou de qualquer outra.<br />

GRETA GARBO<br />

18 setembro 1905, Estocolmo, Suécia - 15 abril 1990, Nova Iorque, Estados Unidos<br />

O seu rosto tinha a beleza pura da Maria na Pietà<br />

de Michelangelo, e contudo brilhante de paixão. O<br />

sofrimento de sua alma era tão grande que o público<br />

americano perdoaria os muitos casos amorosos de<br />

Torrent / Laranjais em flor [Monta Bell,<br />

1926], o primeiro filme de Garbo nos Estados Unidos.<br />

Finalmente, o casamento – o obstáculo que se interpunha<br />

entre o sexo e o prazer – podia ser esquecido!<br />

Finalmente, achara-se a resposta para as jovens atrizes<br />

que queriam representar apenas garotas boazinhas.<br />

No que diz respeito às estrelas femininas estabelecidas,<br />

era apenas uma questão de um ano ou dois antes que<br />

o poderoso apoio dos estúdios fosse retirado de todas<br />

elas. A coincidência temporal do advento dos filmes<br />

falados forneceu uma razão plausível para se dar ao<br />

público como desculpa pelo desaparecimento de muitas<br />

favoritas. Mas não havia uma atriz em Hollywood que<br />

não compreendesse a verdadeira razão: Greta Garbo.<br />

Desde o momento em que Torrent entrou em produção,<br />

nenhuma atriz contemporânea seria novamente feliz<br />

consigo mesma. Todo o estúdio MGM – incluindo<br />

Monta Bell, o diretor –, assistiu as tomadas diárias<br />

com grande alegria ao perceber o quanto Garbo criava,<br />

a partir de um roteiro pobre e antiquado, a sombra<br />

complexa e encantadora de uma alma na tela. E era<br />

uma sombra tão gigantesca que as pessoas não falavam<br />

sobre ela. Nas festas, duas ou três vezes por semana,<br />

eu encontrava Norma Shearer e Irving Thalberg,<br />

Hunt Stromberg, Paul Bern, Jack Conway e Clarence<br />

Brown, todos contratados da MGM. Se, por acaso, um<br />

dos homens era tão desumano a ponto de falar de um<br />

filme de Garbo, uma das garotas diria “Sim, ela não<br />

é divina?”, e mudaria para um assunto que causasse<br />

menos desespero.<br />

Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood.<br />

University of Minnesota Press, 2000.<br />

Clarence Brown (diretor de A Carne e o diabo):<br />

A Carne e o diabo foi meu primeiro filme para<br />

a MGM, e ele realmente criou Garbo. Ele também<br />

alavancou o romance Garbo-Gilbert. Greta Garbo tinha<br />

algo que ninguém nunca tinha visto na tela. Ninguém.<br />

Eu não sei se ela sabia que tinha isso, mas ela tinha. E<br />

eu posso explicar isso em poucas palavras.<br />

Eu fazia uma cena com Garbo – muito bem. Eu fazia<br />

três ou quatro tomadas. Estava muito bom, mas eu<br />

65


66<br />

nunca fi cava plenamente satisfeito. Quando eu via a<br />

mesma cena na tela, entretanto, ela tinha alguma coisa<br />

que não tinha no set.<br />

Garbo tinha algo atrás dos olhos que você não podia<br />

ver, a não ser que a fotografasse em primeiro plano.<br />

Você podia ver o pensamento. Se ela precisava olhar<br />

para uma pessoa com ciúme e para outra com amor, ela<br />

não precisava mudar de expressão. Você podia ver isso<br />

em seus olhos quando ela olhava de uma para outra.<br />

E ninguém mais podia fazer isso na tela. Garbo fazia<br />

isso sem nenhum domínio do inglês.<br />

Para mim, Garbo começa onde todos terminam. Ela<br />

era uma pessoa tímida, sua carência de inglês provocava<br />

nela um ligeiro complexo de inferioridade. Eu<br />

costumava dirigi-la com muita calma. Eu nunca a<br />

orientava falando alto, mas sempre num sussurro.<br />

Ninguém no set sabia o que eu havia dito a ela, e ela<br />

gostava disso. Ela odiava ensaiar. Preferia fi car longe<br />

até que todos tivessem ensaiado; então ela entrava e<br />

fazia a cena.<br />

Kevin Brownlow, The Parade’s gone by... University<br />

of California Press, 1997.<br />

Às 9 horas, o trabalho podia começar. “Digam à<br />

senhorita Garbo que estamos prontos”, dizia o diretor.<br />

“Eu estou aqui”, respondia uma voz grave, e ela<br />

aparecia, perfeitamente vestida e penteada como a cena<br />

pedia. Ninguém poderia dizer por que porta ela havia<br />

entrado, mas ela estava lá. E às 18 horas, mesmo que<br />

a tomada pudesse ser concluída em cinco minutos, ela<br />

apontava para o relógio e ia embora, com um sorriso<br />

de desculpas. Ela era muito rigorosa consigo mesma<br />

e difi cilmente fi cava satisfeita com seu trabalho. Ela<br />

nunca assistia copiões nem ia aos lançamentos, mas,<br />

alguns dias depois, num começo de tarde, entrava<br />

sozinha em algum cinema de bairro, sentava num lugar<br />

discreto e saía apenas quando a projeção terminava,<br />

escondida atrás de seus óculos escuros.<br />

Jacques Feyder, que dirigiu Greta Garbo em The<br />

Kiss / O Beijo (1929) e na versão alemã de Anna<br />

Christie (1931). A versão em inglês foi dirigida<br />

por Clarence Brown em 1930 e foi o primeiro<br />

fi lme em que Garbo falou.<br />

Os 27 fi lmes de Greta Garbo<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

27, tem certeza? Não importa.<br />

Para mim são 24. Lembro-me bem.<br />

Conto um por um, de 1926<br />

a 1941, de vida contínua.<br />

De minha vida. De The Torrent a Two-faced woman.<br />

Entre os dois, um abismo<br />

onde aprisionei, para meu gozo, Greta Garbo.<br />

Ou ela me aprisionou?<br />

Será que não houve nada disso?<br />

Alucinação, apenas?<br />

O tempo é imperscrutável. São tudo visões.<br />

Greta Garbo, somente uma visão, e eu sou outra.<br />

Neste sentido nos confundimos,<br />

realizamos a unidade da miragem.<br />

É assim que ela perdura<br />

no passado irretratável e continua no presente,<br />

esfi nge andrógina que ri<br />

e não se deixa decifrar.<br />

(...)<br />

Dela quiseram fazer uma ninfa obediente,<br />

autômato de impulsos programados.<br />

Foram vencidos.<br />

(...)<br />

Que é a realidade do real<br />

ou da fi cção?<br />

Que é personagem de uma história<br />

mostrada no escuro, sempre variável,<br />

sempre hipótese,<br />

na caleidoscópica identidade da intérprete?<br />

Como posso acreditar em Greta Garbo<br />

nas peles que elegeu<br />

sem nunca se oferecer de todo para mim,<br />

para ninguém?<br />

Enganou-me todo o tempo. Não era mito<br />

como eu pedia. Escorregando entre os dedos<br />

que tentavam fi xá-la,<br />

Marguerite Gauthier, Lillie Sterling,<br />

Susan Lenox, Rita Cavallini,<br />

Arden Stuart,<br />

Marie Walewska, água, água, múrmura água<br />

deslizante,<br />

máscaras tapando a grande máscara<br />

para sempre invisível.<br />

A vera Greta Garbo não fez os fi lmes<br />

que lhe atribui minha saudade.<br />

Tudo se passou em pensamento.<br />

Mentem os livros, mentem os arquivos<br />

da ex-poderosa Metro Goldwin Mayer.<br />

Agora estou sozinho com a memória<br />

de que um dia, não importa em sonho,<br />

imaginei, maquinei, vesti, amei Greta Garbo.<br />

E esse dia durou 15 anos.<br />

E nada se passou além do sonho<br />

diante do qual, em torno ao qual, silencioso,<br />

fatalizado,<br />

fui apenas voyeur.<br />

Greta Garbo é atriz de A Rua das lágrimas / Die freudlose Gaße, A Mulher<br />

divina / The Divine woman e A Carne e o diabo / Flesh and the devil<br />

VISITA AO ACERVO – CINEMATECA SUECA<br />

A Mulher divina<br />

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PROGRAMA 5<br />

A Mulher divina<br />

The Divine woman<br />

Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, 10min, 22qps<br />

cp: Metro-Goldwyn-Mayer; p: Irving Thalberg; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Dorothy Farnum; df: Oliver T. Marsh;<br />

mo: Conrad A. Nervig; e: Greta Garbo (Mariana), Lars Hanson (Luciano), Lowell Sherman, Polly Moran, Dorothy<br />

Cumming, John Mack Brown, Cesare Gravina<br />

Origem da cópia: Svenkska Filminstitutet<br />

A jovem inglesa Mariana, abandonada pelos pais pobres, quer ser atriz e se muda para Paris. Apaixona-se por<br />

Luciano, desertor do Exército. Para provar seu amor por Mariana, o rapaz rouba um vestido e é preso.<br />

A Mulher divina, dirigido por Victor Sjöström, em Hollywood, e coadjuvado pelo também sueco Lars Hanson,<br />

é o único fi lme desaparecido de Greta Garbo. O fragmento existente (10 minutos dos 81 originais), e o que apresentamos<br />

nesta Jornada foi identifi cado na Gosfi lmofond / <strong>Cinemateca</strong> Russa, em 1990. Nele, numa graciosa cena<br />

de despedida interpretada por Garbo e Hanson, a atriz aparece relaxada e risonha, desmentindo a lenda de que<br />

só riria em Ninotchka (1939), seu penúltimo fi lme.<br />

Vento e areia<br />

The Wind<br />

Estados Unidos, 1928, 35mm, preto-e-branco, sonoro, 72min, 24qps<br />

cp: Metro-Goldwyn-Mayer; d: Victor Seastrom (Sjöström); r: Frances Marion, baseado no romance homônimo de Dorothy<br />

Scarborough; df: John Arnold; da: Cedric Gibbons e Edward Withers; mo: Conrad A. Nervig; mor: William Axt;<br />

e: Lillian Gish (Letty), Lars Hanson (Lige), Montagu Love (Roddy), Dorothy Cumming (Cora), Edward Earle (Beverly),<br />

William Orlamond (Sourdough), Carmencita Johnson, Leon Janney e Billy Kent Schaefer (fi lhos de Cora)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Letty muda-se para o oeste do Texas para morar no rancho de seu primo Beverly. Em sua viagem, ela fi ca incomodada<br />

com o vento incessante. Roddy nota isso e a amedronta dizendo que habitualmente o vento enlouquece<br />

as mulheres. Lige, vizinho de Beverly, apanha Letty na estação de trem. Depois de quilômetros de vento e areia,<br />

chegam ao rancho onde Cora, esposa de Beverly, imediatamente manifesta seu ciúme em relação ao marido e aos<br />

fi lhos, que demonstram seu carinho por Letty. Cora afi nal pede que Letty deixe o rancho e, sem alternativas, a moça<br />

aceita uma proposta de casamento de Lige. Mas Letty sente profundo desprezo pelo marido que, ofendido, jura que<br />

nunca a tocará. Um dia, Lige parte para reunir-se a outros vaqueiros. Letty, muito transtornada pelo vento, pede<br />

que o marido a leve junto, mas Lige recusa-se. Mesmo assim, ela tenta segui-lo, mas volta para casa, ferida numa<br />

tempestade de areia. Roddy chega ao rancho machucado e Letty cuida dele, que tenta se aproveitar dela. Lige chega<br />

e, pela primeira vez, fi cando contente ao vê-lo, se beijam. Lige parte novamente e, durante uma nova tempestade de<br />

areia, Letty enlouquece. Roddy a salva e tenta estuprá-la, mas Letty o mata. Ela tenta enterrar o corpo, mas o vento<br />

a impede e ela novamente perde a razão. Lige volta, ela confessa seu crime e ele compreende como o vento a afetou.<br />

Quer levá-la para longe do rancho, mas Letty declara que nunca o abandonará.<br />

Trabalhar em Vento e areia foi uma das minhas piores experiências em cinema. A areia era atirada sobre mim por oito motores de<br />

aeroplanos, e potes de enxofre também foram usados para produzir o efeito de tempestades de areia. Eu fi cava queimada e corria o<br />

risco de perder os olhos. Meus cabelos eram queimados pelo sol forte e quase arruinados pela fumaça de enxofre e pela areia.<br />

Quando vimos o fi lme na tela, inclusive Irving Talberg, pensamos que era o melhor fi lme que já havíamos feito. Mas os meses se<br />

passavam, e o fi lme não era lançado. Escutei rumores de que o fi lme estava sendo remontado. Fui chamada de volta ao estúdio<br />

e Irving explicou que oito dos maiores exibidores do país haviam visto Vento e areia e insistiam que o fi nal fosse mudado. Em<br />

vez do desaparecimento da heroína na tempestade, ela e o herói deveriam se reconciliar num fi nal feliz. Ficamos com o coração<br />

partido, mas fi zemos o que eles queriam.<br />

Lillian Gish. The Movies, “Mr. Griffi th and Me”, de Lillian Gish e Ann Pinchot. Prentice-Hall, Inc., 1969.<br />

Louise Brooks sobre Lillian Gish e Greta Garbo<br />

Parece fatal lembrar que, depois que Lillian Gish assistiu uma projeção de Gösta Berling, declarou que tinha fé em L. B.<br />

Mayer porque ele trouxera Greta Garbo para Hollywood. Ela não poderia adivinhar que esse evento tornaria obsoletos<br />

os papéis à la Gish tão rapidamente quanto o estúdio pudesse terminar com seu contrato. Antes do início da produção<br />

de Torrent, o estúdio deixou Garbo meio solta, tirando fotografias para publicidade, e ela pode testemunhar Lillian Gish<br />

trabalhando em La Bohème [King Vidor, 1926]. Ao assistir a única estrela americana cuja integridade, dedicação<br />

e força de vontade elevavam sua interpretação aos padrões de disciplina e excelência que Garbo aprendera na Europa,<br />

ela percebeu que a atriz impotente, triturada durante horas de indecisão, imprevisibilidade e falta de resoluções não era<br />

necessariamente a lei da produção cinematográfica americana. Em maio de 1926, a revista Photoplay publicou uma<br />

frase de Garbo “Serei feliz quando me tornar uma estrela tão grande como Lillian Gish. Então, não precisarei mais de<br />

publicidade nem tirar fotografias apertando a mão de boxeadores campeões”.<br />

Louise Brooks, “Gish and Garbo”. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000.<br />

Dotado desde a adolescência de grande talento,<br />

Lars Hanson estudou arte dramática em Estocolmo<br />

e em Helsinque, na Finlândia, tornando-se um ator<br />

shakespeariano de grande popularidade. Estreou<br />

no cinema em 1915, pelas mãos de Mauritz Stiller,<br />

diretor com quem continuou trabalhando ao longo<br />

dos anos. Foi com Stiller que se consagrou em<br />

dois fi lmes notáveis, Erotikon (1920) – estrelado<br />

também por Karen Molander, com quem Lars<br />

se casaria dois anos depois – e Gösta Berlings<br />

saga / A Saga de Gösta Berling (1924), que<br />

chamaria a atenção de Hollywood para uma atriz<br />

coadjuvante: Greta Garbo.<br />

Com o rosto de traços delicados e mãos que pareciam<br />

esculpidas em porcelana, Lars encarnava o arquétipo<br />

do sueco suave de seu tempo. A pedido da atriz<br />

americana Lillian Gish, Hanson foi para Hollywood<br />

em 1926, para contracenar com ela no fi lme The<br />

Scarlet letter / A Letra escarlate, sob a direção<br />

de Victor Sjöström. A química entre os dois protagonistas<br />

transformou o fi lme em uma das grandes<br />

referências de romance no cinema da época.<br />

Vento e areia. Lars Hanson, Lilian Gish e William Orlmond (da esquerda para direita)<br />

LARS HANSON<br />

26 julho 1886, Göteborg, Suécia - 8 abril 1965, Estocolmo, Suécia<br />

Atuou em diversos fi lmes americanos como Flesh<br />

and the devil / A Carne e o diabo, Captain<br />

Salvation / O Jovem redentor (John S.<br />

Robertson, 1927), Buttons / Meu comandante<br />

(George W. Hill, 1927) e, em 1928, voltou a<br />

trabalhar com a amiga Lillian Gish em The<br />

Wind / Vento e areia, também sob a direção de<br />

Sjöström. A sequência da noite de casamento deste<br />

fi lme demonstra o talento excepcional de seus<br />

atores e é considerada por muitos uma das mais<br />

belas interpretações do cinema silencioso.<br />

Com o advento do cinema falado, Hanson retornou<br />

à Suécia. Seu sotaque era carregado demais para o<br />

público americano. Participou de diversos espetáculos<br />

teatrais em toda a Europa e ganhou uma<br />

infi nidade de prêmios, entre eles o Eugene O’Neil,<br />

até hoje considerado o mais importante prêmio do<br />

teatro sueco.<br />

Foi casado com Karin Molander até 1965, quando<br />

faleceu, aos 78 anos. Permanece como um dos mais<br />

infl uentes atores suecos de todos os tempos.<br />

Lars Hanson está no elenco dos fi lmes A Herança de Ingmar / Ingmarsarvert,<br />

A Mulher divina / The Divine woman e A Carne e o diabo/ Flesh and the devil<br />

69


70 71<br />

Vento e areia


PROGRAMA 6<br />

França, 1908 (?), 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps<br />

72 73<br />

Rua Meschanskaia 13 / Sofá e cama<br />

d: Monseigneur le Duc de Montpensier<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Tretia Meschanskaia<br />

União Soviética, 1927, 35mm, preto-e-branco, 86min, 20qps<br />

cp: Sovkino; d: Abram Room; r: Viktor Shklovsky e Abram Room; df: Gregori Giber; da: Vasili Rakhals e Sergei Yutkevich;<br />

e: Lyudmila Semyonova (Liudmila), Nikolai Batalov (Kolia), Vladimir Fogel (Volodia), Leonid Yurenyov (porteiro),<br />

Yelena Sokolova (enfermeira)<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Um casal, Liudmila e Kolia, mora num pequeno apartamento em Moscou. Volodia, um amigo de Kolia, chega<br />

à cidade e não consegue encontrar moradia. Kolia convida Volodia para ficar em seu apartamento e dormir no<br />

sofá. Quando Kolia viaja a negócios, Liudmila e Volodia apaixonam-se e têm um caso. Furioso a princípio, Kolia<br />

acalma-se, muda-se para o sofá e os três passam a morar juntos até o momento que Liudmila revela sua gravidez.<br />

Os dois homens tentam decidir o que fazer, mas é Liudmila quem toma suas próprias decisões.<br />

Moscou tem carência de moradias,como Londres, Berlim, Paris e qualquer outra cidade, pequena ou grande. Em Moscou,<br />

a superpopulação gera certos males sociais, os mesmos males sociais gerados em Londres, Berlim e Paris. A superpopulação<br />

constrange o ser humano em sua luta por independência, liberdade e saúde. Abram Room, que é um bom psicólogo, entende<br />

o problema e se decide a expô-lo e enfrentá-lo. Ele sabe que ao fazer isso ele tem o apoio do governo soviético. Na Inglaterra,<br />

onde existe uma carência de cerca de um milhão de moradias, os diretores de cinema não fazem esse tipo de coisa.<br />

Sofá e cama mostra o que acontece quando duas pessoas vivem apertadas em um cômodo, e mostra o que acontece<br />

quando as duas aumentam para três. Room expõe seu assunto; nós sabemos o que vai acontecer, e esperamos que aconteça.<br />

Mas ficamos profundamente interessados pela maneira que o diretor usa para retratar pictoricamente o estado mental e<br />

as reações psicológicas desses três. Tudo se encaminha para uma crise, um rompimento, mas Liudmila toma a decisão, a<br />

única possível: rompe com tudo e parte para começar uma nova vida.<br />

A mulher é igual ao homem. A mulher precisa ser livre, independente. As velhas tradições morais da superioridade<br />

masculina estão erradas. A superpopulação precisa ser abolida, diz Room, em busca de uma nova vida, uma vida livre,<br />

baseada na completa igualdade social.<br />

A.W., Close Up (Suíça), maio 1929<br />

PROGRAMA 7<br />

Chegada do rei do Sião a Logårdstrappan<br />

Konungens af Siam landstigning vid Logårdstrappan<br />

Suécia, 1897, 35mm, preto-e-branco, 1min, 18qps<br />

d e df: Ernest Florman; e: Chulalongkorn, rei do Sião; Oscar II, rei da Suécia<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Cenas da vida do rei Oscar II<br />

En bildserie ur Konung Oscar:s lif<br />

Suécia, 1907, 35mm, preto-e-branco e cor, 3min, 16qps<br />

cp: Nya London; d e df: Ernest Florman; e: Oscar II, rei da Suécia; Frederico VIII, rei da Dinamarca<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Cortejo de cavalaria; Oscar II despede-se de Frederico VIII num barco; bandeira da Suécia colorida à mão.<br />

Viagem às ruínas de Angkor<br />

Voyage aux ruines d’Angkor<br />

O filme acompanha um grupo de turistas que chega a Saigon, no Vietnã, e sobe o rio Mekong. Vista das margens<br />

e das vilas ribeirinhas. Chegada à capital do Camboja e viagem em carros de boi até o conjunto das ruínas de<br />

Angkor. Diversas vistas das ruínas.<br />

Na terra dos Moïs: exploração e caça<br />

Au pays des Moïs: exploration et chasse<br />

França, 190?, 35mm, preto-e-branco, 25min, 18qps<br />

Origem da cópia: Svenska Filminstitutet<br />

Um grupo de turistas vai de Saigon à terra dos Moïs, inicialmente de automóvel e depois a cavalo. Detalhes da<br />

viagem. Ao encontrarem um acampamento da tribo Chô Mas, os exploradores acompanham a caçada de um<br />

búfalo. Maneiras dos Chô Mas fazerem fogo. Refeição. Ritos executados pelas sacerdotisas. Pormenores da caçada<br />

durante a qual os exploradores matam alguns búfalos.


Destaques de Pordenone<br />

Quadra de Ases Americanos<br />

Aposta (sem blefe) de Pordenone<br />

Paolo Cherchi Usai<br />

Pesquisador, historiador, presidente da Fundação Haghefi lm, membro do conselho diretor das<br />

Giornate del Cinema Muto de Pordenone, Itália<br />

Se vocês acompanharam esta seção desde o início – quer dizer, desde a segunda<br />

edição da Jornada –, notaram que as Giornate del Cinema Muto di Pordenone (o<br />

festival italiano “gêmeo” da Jornada, prestes a completar seus trinta anos) até agora<br />

sugeriram a nossos amigos da <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> um programa “internacional”<br />

de obras-primas, convencido que estamos de que o grande cinema não conhece<br />

fronteiras geográfi cas. Façamos desta vez uma exceção, propondo uma quadra de<br />

ases, todos americanos. Uma outra exceção se deve ao fato de que três das quatro joias<br />

que verão este ano são comédias. Todas comédias de alta classe.<br />

Se, em vez disso, estão com disposição para descobertas, prometo que não fi carão<br />

frustrados com Griffi th. Não, não estou falando de D.W. Griffi th, diretor de gênio<br />

– mas francamente pouco dotado na arte de fazer rir. Refi ro-me a Raymond Griffi th,<br />

uma das grandes “descobertas” na história de Pordenone, verdadeiramente um<br />

precursor da “comédia impassível” (deadpan comedy);. Hands up! / Mãos ao alto!<br />

(Clarence Badger, 1926) é uma de suas obras mais inspiradas, uma deliciosa investida<br />

no gênero do faroeste, com um toque de ironia no que se refere aos mórmons). Nós<br />

de Pordenone não temos dúvida: Raymond Griffi th deveria ser colocado ao lado de<br />

Chaplin, Keaton e Harold Lloyd.<br />

E se, afi nal, quiserem tocar com as mãos o nível de perfeição alcançado pelo cinema<br />

com apenas vinte anos de seu nascimento, permitam-se uma pausa nas comédias<br />

com Regeneration / Regeneração (1915) e observem as coisas que sabia fazer<br />

o jovem Raoul Walsh, ex-assistente de Griffi th (D.W.). The Birth of a nation / O<br />

Nascimento de uma nação havia sido produzido apenas um ano antes, e Walsh<br />

já anunciava um tipo cinema que estaria na moda em época muito posterior com a<br />

apoteose do fi lm noir. Regeneration não é apenas uma lição de estilo, nem apenas<br />

uma incendiária reportagem sobre a criminalidade americana: é também um exemplo<br />

brilhante de realismo social (o fi lme foi rodado sobretudo em locações) e de sobriedade<br />

expressiva. Hollywood não inventou nada em seus anos de ouro: tudo já pode ser<br />

encontrado em Regeneration e em seu admirável sentido de economia expressiva.<br />

Não tenham medo: o cardápio será adaptado a todos os gostos. Se acreditavam que<br />

as grandes divas do cinema silencioso fossem estupendas apenas em assuntos dramá-<br />

Já que falamos de “clássicos”, deixem-me aproveitar a ocasião para explicar um<br />

74<br />

ticos, Glória Swanson os fará mudar de ideia com Stage struck / Este mundo é<br />

um teatro (Allan Dwan, 1925), uma subversiva homenagem à tradição do teatro<br />

pouco mais detalhadamente a “fi losofi a” sobre a qual se apoia a seleção anual para<br />

a Jornada. Pordenone deu início no ano passado a uma nova seção sob o título “Il 75<br />

ambulante, com sequências coloridas de tirar o fôlego. Se gostam de absurdo e de<br />

canone rivisitato” [O cânone revisitado], dedicado à revisão dos grandes fi lmes que<br />

surreal, When the clouds roll by / O Supersticioso (1919) é feito para vocês.<br />

traçaram o percurso da história do cinema durante seus silenciosos princípios. Mas o<br />

Muito antes que Victor Fleming se tornasse um “clássico” da epopeia sulista com<br />

que é o “cânone”? É fácil demais responder dizendo que o termo compreende fi lmes<br />

Gone with the wind / E o vento levou... (1939), seus princípios haviam-no<br />

reconhecidos por todos como monumentos indiscutíveis das imagens em movimento.<br />

visto adotar um tom muito mais despreocupado: mérito naturalmente de Douglas<br />

A questão é muito mais complicada, mas é legítimo começar por admitir que um<br />

Fairbanks, aqui em grande forma nas vestes de um enamorado supersticioso. Mas o<br />

fi lme “canônico” é antes de tudo um fi lme que merece ser encontrado muitas vezes,<br />

mérito é também de uma desenfreada imaginação visual que encontra seu ápice na<br />

quer dizer, ser visto e revisto sem medo de cansaço. É uma constatação óbvia que, no<br />

sequência dedicada a um estupefaciente balé de hortaliças no estômago do protago-<br />

contexto de um festival de cinema, todavia merece algum aprofundamento. Por que o<br />

nista (não podemos dizer-lhes mais: é ver para crer).<br />

cânone no cinema silencioso é tratado como tal, e como se tornou um cânone? Quem<br />

ratifi cou sua posição de absoluta proeminência na historiografi a do cinema,e com<br />

base em quais critérios? Os nossos predecessores fi zeram uma escolha justa ou equivocada?<br />

Quais circunstâncias culturais orientaram sua seleção das “obras-primas” para<br />

o primeiro panteão do cinema? E se acreditamos que nossos antepassados erraram,<br />

como demonstrar que a razão está conosco?<br />

Em suma, há uma razoável quantidade de motivos para revisitar os cânones do cinema<br />

silencioso. O mais importante é que hoje podemos revê-los com mais confi ança em<br />

nossos recursos, agora que temos à disposição um atlas menos vago de um mundo<br />

fascinante e com muitos mapas ainda desconhecidos. A estratégia proposta por<br />

Pordenone a nossos companheiros da Jornada é essa mesma: rever com olhos novos<br />

aquilo que acreditávamos já conhecer; rever não como um ato de nostalgia no que diz<br />

respeito às certezas que perdemos, mas como o início de um diálogo com os espectadores<br />

e com a novidade de seu olhar. Temos muito que aprender com vocês.


Regeneração<br />

Regeneration<br />

Estados Unidos, 1915, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, 64min, 18qps<br />

cp: Fox Film Corporation; d: Raoul Walsh; r: Raoul Walsh, baseado na autobiografia My Mamie<br />

Rose, de Owen Frawley Kildare; df: Georges Benoît; e: John McCann (Owen Conway aos 10 anos),<br />

James A. Marcus (Jim Conway), Maggie Weston (Maggie Conway), H. McCoy (Owen Conway aos<br />

17 anos), Rockliffe Fellowes (Owen Conway aos 25 anos), Anna Q. Nilsson (Marie “Mamie Rose”<br />

Deering), William Sheer (Skinny), Carl Harbaugh (promotor Ames)<br />

Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center<br />

Owen cresce nos cortiços novaiorquinos e se transforma em líder de um bando que passa<br />

a maior parte do tempo bebendo, jogando e praticando pequenos furtos. Paralelamente,<br />

a jovem Marie Deering abandona a vida da alta sociedade e estabelece uma casa missionária<br />

na zona de criminalidade da cidade. Quando encontra Marie, que toma a seu encargo<br />

ensiná-lo a ler e escrever, Owen percebe que andara até ali pelo lado errado da vida e dá o<br />

primeiro passo no caminho da regeneração. A história se complica, contudo, pelo fato de o<br />

pior inimigo de Owen, o promotor Armes, paladino contra o crime na cidade, também estar<br />

apaixonado por Marie.<br />

Aos 28 anos, e após haver realizado uma dezena de curtas-metragens, Raoul Walsh<br />

acabara de sair de The Birth of a nation / O Nascimento de uma nação (1915),<br />

no qual foi um dos assistentes de D.W. Griffith e interpretou o papel de John Wilkes<br />

Booth (o assassino de Abraham Lincoln). Em sua autobiografia, Walsh credita Griffith<br />

por havê-lo ensinado tudo sobre a realização cinematográfica de ficção, mas também<br />

sobre as técnicas de produção que o auxiliariam a tirar proveito das locações novaiorquinas<br />

que utilizou em Regeneração.<br />

Além de seu enredo violento e do status de primeiro longa-metragem de Raul Walsh,<br />

Regeneração deve sua importância a ser igualmente o primeiro longa-metragem<br />

que fala do ambiente da marginalidade e dos gangsters, na mesma linha de The<br />

O Supersticioso<br />

When The Clouds Roll By<br />

Estados Unidos, 1919, 35mm, preto-e-branco, 86min, 19qps<br />

cp: Douglas Fairbanks Pictures; p: Douglas Fairbanks, d: Victor Fleming; r: Thomas J. Geraghty;<br />

df: William C. McGann e Harris Thorpe; e: Douglas Fairbanks (Daniel Boone Brown), Kathleen<br />

Clifford (Lucette Bancroft), Frank Campeau (Mark Drake), Ralph Lewis (Curtis Brown), Daisy<br />

Jefferson (Bobby De Vere), Bull Montana (Pesadelo), Herbert Grimwood (dr. Ulrich Metz), Albert<br />

MacQuarrie (Hobson), Victor Fleming, Thomas J. Geraghty, William C. McGann, Harris Thorpe<br />

Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center<br />

O rico e amável Daniel Boone Brown é vítima das experiências psicológicas de Ulrich<br />

Metz, um cientista louco que decidiu transformá-lo numa espécie de cão pavloviano. Saúde<br />

debilitada, sono inquieto, indisposição nervosa e irritável, atraso no trabalho e superstições<br />

que preocupam e atemorizam, tudo faz parte das maquinações de Metz para enlouquecer<br />

Daniel. Alimentado pelo mordomo a serviço de Metz, Daniel tem um terrível pesadelo em<br />

que os componentes da refeição transformam-se em demônios que o atormentam. O jovem<br />

literalmente sobe pelas paredes e enfrenta uma inundação colossal. Os experimentos de Metz<br />

levarão Daniel ao suicídio?<br />

Esta comédia surreal – primeiro filme dirigido por Victor Fleming – foi a segunda<br />

produção de Douglas Fairbanks para a United Artists, criada em 1919 por ele, D.W.<br />

Griffith, Charles Chaplin e Mary Pickford – com quem Douglas se casaria no ano<br />

seguinte, realizando o ideal de casamento do maior herói do cinema americano<br />

com a Namorada da América. (Mary Pickford comparece à IV Jornada <strong>Brasileira</strong><br />

de Cinema Silencioso com o filme A Aurora de um amanhã, na seção Visita ao<br />

Acervo de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema).<br />

A partir de 1920, Fairbanks modificaria radicalmente a orientação de sua carreira,<br />

dedicando-se à produção e interpretação de heróis de filmes de aventuras com<br />

ambientação histórica, começando por The Mark of Zorro / A Marca do Zorro<br />

(Fred Niblo).<br />

76 Musketeers of Pig Alley (1912), de D.W. Griffith, curta-metragem sobre o ambiente<br />

criminal. Baseado na autobiografia de Owen Kildare (afastado da criminalidade e do<br />

analfabetismo por uma professora), que se dedicou ao jornalismo, Regeneração não<br />

segue o mesmo caminho de seu mestre, que utiliza um estilo entre romantismo e<br />

realismo. Walsh prefere a linha do verismo: a grande maioria dos “atores” interpreta<br />

seus próprios papéis, o que dá ao filme um ar quase documental muito perturbador.<br />

A miséria parece transpirar dos fotogramas que descrevem as ruas, os bares e as<br />

moradias, de onde emana uma miséria que é descrita como o berço da criminalidade.<br />

Walsh, contrariamente a alguns de seus sucessores, não trabalha sobre o aspecto<br />

romântico ou misterioso do personagem e de seu meio, nem procura transformá-lo<br />

em ícone ou herói. Owen é um maldoso gentil (ou o inverso), um personagem inteiro<br />

que prefigura bastante as grandes figuras picarescas que atravessarão a carreira do<br />

grande cineasta americano, fascinantes justamente por seu realismo e sua verossimilhança.<br />

A própria professora é uma matriz dos personagens femininos que nos filmes<br />

de Walsh têm sempre um lugar importante.<br />

Douglas Fairbanks fora levado de Nova Iorque para Hollywood em meados da<br />

década de 1910 numa tentativa de fazer com que artistas da Broadway carreassem<br />

prestígio para as produções cinematográficas. Mas era um ator de poucos recursos<br />

e de sucesso secundário e, durante algum tempo, foi pouco aproveitado. Começou a<br />

ganhar crescente prestígio quando a roteirista Anita Loos e seu marido, o diretor John<br />

Emerson, iniciaram a realização de comédias modernas em que o herói, descontente<br />

com a vida normal, ou com sua relação com a namorada, lançava-se em aventuras<br />

acrobáticas. Sobre esse período, escreveu Anita Loos:<br />

77<br />

O que espanta em Regeneração é sua complexidade narrativa, pois, além de ser uma<br />

pintura realista dos bairros pobres de Nova Iorque, o enredo é também um pequeno<br />

afresco que descreve a trajetória do jovem gangster. O filme – com uma espantosa<br />

economia no uso de intertítulos – emprega um número grande de personagens secundários<br />

que, embora não sejam atores, têm consistência e se encaixam na narrativa e<br />

em seus esquemas dramáticos ou simbólicos. O cinema tinha pouco mais de vinte<br />

anos, e é impressionante constatar que Raoul Walsh, digno aluno de D.W. Griffith,<br />

utiliza uma linguagem plenamente adulta, sóbria, enérgica e, em alguns momentos,<br />

lírica. A câmera (em geral fixa) executa alguns movimentos muito bonitos, sem<br />

nenhuma gratuidade. O conjunto é conduzido pelo senso rítmico típico do cinema<br />

de Raoul Walsh.<br />

Em deferência ao ídolo de Doug, Theodore Roosevelt, a ação sempre deveria estar de acordo<br />

com “a vida enérgica”, e meus heróis sempre tinham de estar em movimento. Às vezes eu<br />

tentava uma cena de amor que necessitava que Doug se acalmasse e fosse sentimental por<br />

alguns momentos, mas ele, em geral, interrompia dizendo com uma careta: “Eu não posso<br />

interpretar isso, Nita! Eu não sou ator!”. Assim, as minhas mais sedutoras cenas de amor<br />

tinham de ser interrompidas com uma ação abrupta e muitas vezes inesperada de Doug<br />

saltando para o lustre ou nadando rio acima por uma cachoeira. Doug era tão corajoso que,<br />

não importando o risco, nunca permitia que um dublê o substituísse. Numa ocasião apenas ele<br />

foi covarde na frente de todos nós. Foi durante uma cena em que meu herói precisava estourar<br />

um pneu de automóvel com um alfinete de chapéu. John Emerson rodou a cena diversas vezes,<br />

mas Doug estragava o plano no momento de enfiar o alfinete no pneu. Afinal, ele desistiu e<br />

confessou: “Eu não consigo fazer isso. Estou com medo”. Todos pensamos que Doug estava<br />

brincando, mas ele realmente estava com medo que o pneu estourasse e ele ficasse cego, e John<br />

teve de que usar o primeiro e último dublê de que Doug precisou.<br />

Anita Loos. A girl like I. Ballantine Books, 1975.


Este mundo é um teatro<br />

Stage Struck<br />

Estados Unidos, 1925, 35mm, preto-e-branco com viragem e tingimento, e cor, 77min<br />

cp: Famous Players-Lasky Corporation; d: Allan Dwan; r: Forrest Halsey e Sylvia LaVarre a partir<br />

de uma história de Frank R. Adams; df: George Webber; da: Van Nest Polglase e René Hubert;<br />

mo: William LeBaron; e: Gloria Swanson (Jennie Hagen), Lawrence Gray (Orme Wilson), Ford<br />

Sterling (Waldo Buck), Gertrude Astor (Lillian Lyons), Oliver Sandys (Hilda Wagner), Carrie Scott<br />

(sra. Wagner), Emil Hoch (sr. Wagner), Margery Whittington<br />

Origem da cópia: National Film and Television Archive / British Film Institute<br />

Jenny, garçonete de um modesto restaurante à beira do rio Ohio, sonha em ser atriz e<br />

conquistar o coração de Orme, seu companheiro de trabalho, que opera com destreza a<br />

chapa de fazer panquecas. Para viabilizar seus sonhos, Jenny faz, em segredo e por correspondência,<br />

um curso de interpretação. Orme, por sua vez, é fascinado por atrizes, não importa de<br />

que tamanho ou formato, e as paredes de seu quarto são forradas de fotografias delas. Com<br />

a chegada do barco que anualmente percorre o rio apresentando espetáculos de variedades,<br />

Orme tem a oportunidade de se aproximar de Lillian Lyons, uma atriz em carne e osso. Jenny<br />

faz tudo para evitar que Orme sucumba aos encantos da vamp e, com a ajuda do empresário<br />

das variedades, finalmente consegue participar de um espetáculo.<br />

James Card, durante muito tempo curador de filmes do arquivo da George Eastman<br />

House, escreveu sobre Gloria Swanson:<br />

78 Em 1925, apareceu um outro filme da dupla Allan Dwan-Gloria Swanson: Stage Struck.<br />

Mais uma vez, Gloria aparecia como operária oprimida. Ela fazia uma garçonete num restaurante<br />

barato à margem do rio que sonhava em ser uma grande atriz. O filme começa com um<br />

elaborado prólogo em Technicolor em seu sonho de triunfo no palco. Ironicamente, a sequência<br />

do sonho é documental e profética da carreira de Gloria Swanson na época: em 1925 ela era<br />

uma das mais admiradas e invejadas personalidades glamourosas do cinema, em um tempo<br />

que marcou o ápice do estrelato de Hollywood. E tinha voltado da França para Hollywood,<br />

recém-tornada marquesa de la Falaise de la Coudraye, para uma das maiores recepções com<br />

multidões e cinegrafistas que a cidade tinha visto. A procissão triunfal pela capital do cinema<br />

parecia ter sido coproduzida por Cecil B. DeMille e Erich von Stroheim.<br />

79<br />

Meu primeiro encontro com Gloria Swanson foi inteiramente fora de contexto. Ela estava em<br />

Rochester divulgando sua linha de vestidos “Forever Young”, e passeando por grandes lojas de<br />

departamento. Como eu era conhecido como alguém do cinema, fui convidado pela administração<br />

das lojas para cuidar de um almoço em sua homenagem. Gloria começou a fazer filmes<br />

em 1915, quando era uma adolescente em Chicago. Quando a conheci, em 1952, Gloria era<br />

agradável, calma e uma mulher sexy que aparentava ter de vinte e oito a trinta e três anos. Por<br />

anos e anos, ela teve de participar de encontros com senhoras de cabelos brancos que diziam:<br />

“Oh, senhorita Swanson, a senhorita era minha estrela favorita quando eu era garotinha”.<br />

Eu tinha senso suficiente para não dizer a ela que via seus filmes desde que era pequeno. No<br />

almoço, tiraram nossa fotografia juntos. Gloria está colocando um cravo na minha lapela. Ela<br />

está com um sorriso e um fogo no olhar que poderia incendiar um arquivo todo com filmes de<br />

nitrato. Eu estou ali olhando como um bobo, pronto para ser preparado por um martelo para<br />

um bife assado.<br />

James Card. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999.<br />

Gloria Swanson


80<br />

Golpes de audácia<br />

Hands Up!<br />

Estados Unidos, 1926, 35mm, preto-e-branco, 63min, 24qps<br />

cp: Famous Players-Lasky Corporation; p: Jesse L. Lasky e Adolph Zukor; d: Clarence G. Badger;<br />

r: Monte Brice e Lloyd Corrigan a partir de uma história de Reggie Morris; df: H. Kinley Martin;<br />

ee: Barney Wolff; e: Raymond Griffi th (Jack), Virginia Lee Corbin (Alice Woodstock), Marian Nixon<br />

(Mae Woodstock), Mack Swain (Silas Woodstock), Charles K. French (Brigham Young), Noble Johnson<br />

(Touro Sentado), Montagu Love (capitão Edward Logan), George A. Billings (Abraham Lincoln)<br />

Origem da cópia: MoMA – The Museum of Modern Art / Film Preservation Center<br />

No fi nal da guerra civil americana, o presidente Lincoln recebe a boa notícia de que uma<br />

mina de ouro de Nevada fornecerá todos os recursos necessários para o esforço de guerra do<br />

Norte. O presidente quer que lhe tragam o ouro imediatamente. Ao mesmo tempo, Jack, um<br />

espião do Sul, recebe a missão de interceptar o carregamento de ouro. Em sua missão, ele<br />

encontra duas irmãs e se apaixona por elas, enganando ofi ciais nortistas ao forjar uma falsa<br />

identidade. Com o término da guerra, Jack precisa resgatar as irmãs de quem se enamorou,<br />

bem como o pai delas, de uma tribo de índios. Mas o dilema permanece: com qual das duas<br />

ele se casará, já que as ama com igual paixão?<br />

Não é das melhores comédias de Raymond Griffi th, considerando que o seu assunto, a guerra<br />

civil americana, perde cinquenta por cento da sua graça exibido fora dos Estados Unidos.<br />

Comédia sem nexo, mas, contudo, agradará aos admiradores de Raymond Griffi th. Tem as<br />

suas boas cenas. O princípio é interessante. Idem a cena do duelo. Todas as cenas passadas<br />

dentro da mala-postal são engraçadíssimas e bem apanhadas. A cena em que ele ensina<br />

charleston aos índios também é muito boa.<br />

Aquelas perseguições no fi nal estão muito bem feitas e jogadas. Um pouco longo o fi lme que,<br />

como disse, apesar de não ser dos bons de Raymond Griffi th, agradará aos seus fãs com uma<br />

meia dúzia de trechos impagáveis.<br />

Coadjuvação excelente. Marion Nixon, Virginia Lee Corbin e, principalmente, Mack<br />

Swain, vão muito bem.<br />

Cinearte n.31, 29 setembro 1926<br />

Raymond Griffi th iniciou a carreira cinematográfi<br />

ca em 1915. Durante sua vida, trabalhou como<br />

ator, fi gurante, roteirista, cenógrafo, mímico e<br />

produtor. Conhecido mundialmente como “O<br />

Comediante do Chapéu de Seda”, foi um dos<br />

grandes mestres do humor, da sátira e da paródia.<br />

Filho de uma família de atores, fez sua estreia<br />

nos palcos quando tinha apenas 15 meses de<br />

vida. Aos nove anos, tendo já protagonizado<br />

diversos espetáculos teatrais, foi acometido por<br />

uma difteria pulmonar e teve suas cordas vocais<br />

danifi cadas. Perdeu sua voz quase por completo.<br />

Impossibilitado de atuar, Raymond entrou para<br />

o circo. Trabalhou como dançarino, professor<br />

de dança e excursionou pela Europa com uma<br />

companhia francesa de mímica.<br />

Em 1910, aos 15 anos, foi convocado a prestar<br />

serviços para a Marinha dos Estados Unidos. Após<br />

o desligamento do serviço militar, trabalhou para<br />

os estúdios Vitagraph, L-KO e Triangle.<br />

Em 1916 começou uma parceria com o renomado<br />

diretor Mack Sennett. Dedicou-se principalmente<br />

à produção de fi lmes, cenografi a e elaboração de<br />

roteiros. Em 1921 foi convidado para trabalhar<br />

com o renomado diretor Marshall Neilan,<br />

retomando sua carreira de ator e logo assinando<br />

contrato com a Goldwyn Pictures.<br />

RAYMOND GRIFFITH<br />

23 janeiro 1895, Boston, Estados Unidos / 25 novembro 1957, Los Angeles, Estados Unidos<br />

Durante o período na Goldwyn, Griffi th criou<br />

um estilo único de atuação. Seus personagens não<br />

eram explicitamente cômicos e suas caracterizações<br />

eram repletas de atrevimento. Tudo temperado<br />

com uma incrível criatividade artística, chegando<br />

às vezes aos níveis da palhaçada burlesca.<br />

Esse estilo de atuação atraiu a atenção dos estúdios<br />

da Paramount Pictures e, em 1924, Griffi th foi<br />

contratado para atuar em Changing husbands<br />

/ [Troca de maridos] (1924), de Paul Iribe.<br />

Na Paramount, também atuou nos fi lmes Paths<br />

to paradise / [Caminhos do paraíso] (1925)<br />

e Hands Up! / Golpes de audácia (1926), de<br />

Clarence G. Badger. Foi aclamado pela crítica<br />

por sua inteligência iconoclástica e apontado por<br />

muitos como rival de Charles Chaplin.<br />

Griffi th continuou atuando até o advento do<br />

cinema falado – seu último papel é uma inesquecível<br />

aparição como ofi cial francês no fi nal de All<br />

quiet on the Western front / Sem novidades<br />

no front (Lewis Milestone, 1930). Aposentou-se<br />

de suas funções de ator, mas nunca do mundo do<br />

cinema. Trabalhou como produtor e roteirista até<br />

o fi nal da vida.<br />

Casado com a atriz Bertha Man, Raymond Griffi th<br />

morreu aos 74 anos, vítima de um engasgamento<br />

alimentar seguido por asfi xia.<br />

81


Janela para a América Latina<br />

Ainda quase úmido dos banhos de revelação do laboratório L’Immagine Ritrovata,<br />

(Bolonha, Itália), onde foi restaurado e, há pouco mais de um mês, apresentado no<br />

prestigioso festival Il Cinema Ritrovato – organizado pela Cineteca della Comune di<br />

Bologna –, temos a enorme satisfação de apresentá-lo antes mesmo de sua reestreia<br />

em seu país de origem.<br />

Tesouro inca<br />

Stefano Lo Russo<br />

A restauração dos negativos originais, preservados pela Fundação <strong>Cinemateca</strong><br />

Boliviana, realizou-se no laboratório L’Immagine Ritrovata, em Bolonha, na Itália,<br />

em 2010. Os negativos foram restaurados digitalmente em 2K, duplicados em película<br />

e, ao fi nal, tirou-se uma cópia positiva com som combinado. A trilha sonora de Cergio<br />

Prudêncio e a edição de Fernando Vargas foram recriadas de acordo com estudos de<br />

fontes primárias e secundárias.<br />

“É a uma Bolívia de estrutura semi-feudal que chega o cinema. Filho pródigo da<br />

sociedade industrial, rejeitado pela classe dominante, foi embalado e colocado para<br />

dormir ao som das cantigas de ninar da divisão internacional do trabalho. Essas<br />

características socioeconômicas foram determinantes para o destino do cinema<br />

boliviano, renegado desde sempre e condenado a um permanente trabalho forçado<br />

diante da contínua indiferença do Estado” (Pedro Susz).<br />

Pedro Susz, fundador da <strong>Cinemateca</strong> Boliviana, acredita que para se fazer cinema<br />

na Bolívia é preciso ter alma desbravadora. Assim também acreditava José Maria<br />

Velasco Maidana, músico profi ssional e artista multitalentoso, considerado um dos<br />

pioneiros do cinema dos anos de 1920, da era de ouro do cinema silencioso boliviano.<br />

Longe de poder ser considerada uma indústria estabelecida, o cinema boliviano era (e<br />

ainda é) entregue aos cuidados e às iniciativa de visionários como Pedro Sambarino,<br />

Arturo Posnanky e José Maria Velasco Maidana. Todos criadores de laboratórios<br />

cinematográfi cos que funcionavam de modo absolutamente artesanal na cidade<br />

de La Paz. Em 1925, Velasco Maidana fi nalizou seu primeiro longa-metragem, La<br />

Profecía del lago. O fi lme foi censurado e destruído pelas autoridades municipais,<br />

pois contava a história de amor entre uma dama da aristocracia e seu criado de origem<br />

indígena. Entre 1928 e 29, dirigiu Wara Wara, a história de um amor impossível entre<br />

uma princesa inca e um nobre conquistador espanhol. O fi lme mostra a conquista<br />

do Império Inca pelo exército de Pizarro e foi uma verdadeira superprodução. Em<br />

1933, durante a Guerra de Chaco, Maidana trabalhava em seu último fi lme quando<br />

resolveu encerrar suas investidas no cinema. Retornou para a atividade que sempre<br />

esteve mais próxima do seu coração, a música. Em dezembro de 1938 foi convidado<br />

para apresentar em Berlim sua Orquestra Sinfônica, a Ameríndia. Alguns anos depois,<br />

fundou a Orquestra Sinfônica Nacional, mas sua inquietação artística, e talvez,<br />

sua amargura por ser mais reconhecido no exterior do que em seu próprio país, o<br />

fi zeram sair da Bolívia. Imigrou para o México e depois para os Estados Unidos, onde<br />

conheceu a pintora Dorothy Hood, com quem viveu até o fi nal de sua vida.<br />

Em 1989, no ano de sua morte, foi encontrado na casa de sua família em La Paz<br />

um baú contendo inúmeros rolos de fi lmes em nitrato. Não havia traços de cópias<br />

positivas, e a maior parte do material era composta por negativos originais de câmera.<br />

Um exame preliminar mostrou que a maioria dos rolos era relativa ao fi lme Wara<br />

Wara. Graças ao Instituto Goethe de La Paz, uma parte desse material foi enviada<br />

a um laboratório alemão, que se responsabilizou por fazer uma cópia em película<br />

com o objetivo de recuperar o que fosse possível. Até 2001, na verdade, a “versão<br />

restaurada” de Wara Wara ressentia-se das partes que faltavam no fi lme, mas os anos<br />

seguintes, de pesquisa e investigação, lançaram luzes importantes sobre a fase silenciosa<br />

do cinema boliviano. Apenas em 2009, com a intenção de restaurar o fi lme a<br />

partir de seu negativo original, foi possível recuperar os 150 metros de película, correspondentes<br />

à parte fi nal da obra. A complexa operação de reconstrução da narrativa<br />

foi baseada em fontes primárias – o próprio negativo que foi ordenado não segundo<br />

uma narrativa linear, mas em blocos, de acordo com diferente período de colorizações<br />

– e em fontes secundárias, como a peça de Diaz Villamil, recortes de jornais de época,<br />

documentos de família e entrevistas com atores e colaboradores do fi lme. Sabemos<br />

também que Cesar Carces B. foi o responsável por “sincronizar” as projeções do<br />

fi lme com a execução ao vivo de música étnica. Foi preciso um período de vinte anos<br />

para trazer de novo à vida essa obra lendária do cinema boliviano. Ainda estão em<br />

andamento pesquisas para a reconstrução das viragens e o acompanhamento musical<br />

originais. Mas também essa atividade poderá ser trabalho para pioneiros.<br />

Wara Wara<br />

Bolívia, 1930, 35mm, preto-e-branco, 69min, 24qps<br />

p: Urania Film; d: José Maria Velasco Maidana; r: José Maria Velasco Maidana, Antonio Diaz Villamil a partir da peça La voz de<br />

la quena de Antonio Diaz Villamil; df: Mario Camacho, Jose Jimenez e José Maria Velasco Maidana; da: Arturo Borda, Martha<br />

de Velasco e Alicia Diaz Villamil; e: Juanita Taillansier, Martha de Velasco, Arturo Borda, Emmo Reyes, Jose Velasco, Guillermo<br />

Viscarra, Damaso Delgado, Raul Montalvo, Juan Capriles, Humberto Viscarra<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> Boliviana<br />

O pacífi co reino de Hatun Colla é invadido por um exército de conquistadores espanhóis que destroem povoados e<br />

matam o chefe Calicuma e sua esposa Nitaya. No caos reinante, o sumo sacerdote Huillac Huma consegue salvar a<br />

princesa Wara Wara e levá-la por passagens secretas até uma caverna nas montanhas. Neste esconderijo, Huillac Huma<br />

prepara por cinco anos um exército de nativos com o qual pretende vencer os espanhóis. A princesa Wara Wara é sua<br />

única esperança, pois ocupará o trono de Atahuallpa, assim que conquistarem a vitória. Um dia, o capitão Tristán de<br />

la Vega, à frente de uma pequena tropa de espanhóis, chega nas proximidades do esconderijo e raptam a princesa. O<br />

capitão Tristán quer defendê-la, mas é ferido na batalha que então se inicia. Para compensá-lo de sua nobre ação, Wara<br />

Wara leva o capitão à caverna e cuida de seus ferimentos. Apaixonam-se e sonham com uma vida juntos. Mas o sacerdote<br />

Huillac Huma e outros indígenas da tribo de Wara Wara preferem antes a princesa morta do que uma aliada dos<br />

invasores. O casal é abandonado para que morra de fome, mas eles se salvam e se dispõem a começar uma nova vida.<br />

83


Produções Silenciosas Contemporâneas<br />

Preservação e coronelismo,<br />

orgia e cachoeira,<br />

som direto e silêncio,<br />

cinzas e tesouros<br />

Estevão Garcia<br />

Cineasta, crítico de cinema e pesquisador, graduado em Cinema pela Universidade Federal<br />

Fluminense, mestre em Estudos Cinematográfi cos pela Universidade de Guadalajara, México.<br />

Pesquisador do projeto Trocas Simbólicas e Econômicas no Cinema da América Latina.<br />

Organizador e programador do Cineclube Sala Escura – Sessão Latina da <strong>Cinemateca</strong> do MAM<br />

do Rio de Janeiro. Além de Que cavação é essa?, dirigiu, entre outros fi lmes, Artesanos (2003)<br />

e O Latido do cachorro altera o percurso das nuvens (2005).<br />

Luís Alberto Rocha Melo<br />

Cineasta e pesquisador, doutorando em Comunicação, Imagem e Informação pela UFF e redator<br />

da revista Contracampo (www.contracampo.com.br). Além de Que cavação é essa?, realizou,<br />

entre outros trabalhos, os documentários Fernando Py (1994), Fragmentos – Uma narrativa<br />

intranquila (1997) e O Galante rei da Boca (com Alessando Gamo, 2004).<br />

Tendo sido realizado com os recursos da primeira edição do Programa SAV/Forcine,<br />

fala sobre a dupla ação do tempo, ao mesmo tempo destruidora e transformadora;<br />

o curta-metragem Que cavação é essa? nasceu também do curso de História<br />

fala ainda sobre as múltiplas tradições do cinema brasileiro, do fi lme pornográfi co<br />

84<br />

do Cinema Brasileiro (um curso de fato histórico, no duplo sentido do termo) que<br />

Hernani Heffner ministrou no Rio de Janeiro durante um ano (2005-2006). Hernani<br />

conseguiu a façanha de reunir uma plateia numerosa que comparecia ao Odeon<br />

todos os sábados, das nove da manhã ao meio-dia, para ver fi lmes brasileiros em<br />

película e discutir sobre eles. O primeiro módulo do curso, que durou de junho a<br />

dezembro de 2005, foi em grande parte dedicado ao cinema silencioso feito no Brasil,<br />

com ênfase nos chamados fi lmes “tirados do natural” (cinejornais, fi lmes de viagem,<br />

de família ou de autoridades).<br />

ao “povo fala”.<br />

85<br />

A equipe de Que cavação é essa?, a maior parte dela composta de estudantes de<br />

cinema da Universidade Federal Fluminense, assistiu a esses fi lmes, se integrou e se<br />

entregou inteiramente ao projeto de um curta concebido como um programa duplo,<br />

que dialoga com o cinema silencioso não a partir da tradição dos fi lmes “posados” (de<br />

fi cção) mas da quase desconhecida herança dos fi lmes “do natural” (documentários).<br />

Nos anos 1920, costumava-se relacionar a “cavação” aos “naturais”. Isso foi<br />

marcante para a história do cinema brasileiro, pois até hoje pouco se fala das<br />

cavações “posadas” – e elas existiram, como ainda existem, em grande número.<br />

Os “cavadores” consistiam na verdadeira escória da humanidade para aqueles que<br />

defendiam o cinema-espetáculo nos padrões internacionais. Cinema com c maiúsculo<br />

só poderia ser o “posado”. Mas para cada fi lme “posado”, a “canalha tocadora de<br />

realejo” produzia cem “naturais” – inadmissível! O tempo e o descaso encarregaramse<br />

de reduzir tudo – fi lmes “posados” ou “naturais” – ao total desaparecimento ou<br />

a algumas poucas obras preservadas em cinematecas. Que cavação é essa? fala<br />

sobre esse descaso, mas também sobre o comprometimento do cinema com o poder;<br />

Se é verdade que, passado algum tempo, todo fi lme de fi cção acaba se tornando um<br />

docu-mentário, o contrário também pode ocorrer. A melhor forma de se relacionar<br />

com um fi lme “do natural” é entendendo o quanto há de “posado” em cada um deles.<br />

Desvinculados das regras gramaticais do espetáculo cinematográfi co convencional,<br />

esses fi lmes “do natural” revelam uma outra e nada óbvia relação com o real. Aqueles<br />

homens e mulheres de luminosidade oscilante, que frequentemente denunciam a<br />

câmera com o olhar, são hoje personagens de fantásticas histórias desabrigadas, a<br />

serem reconstruídas pela sensibilidade de cada um de nós.<br />

Que cavação é essa?<br />

Rio de Janeiro, 2008, 35mm, preto-e-branco e cor, 19min<br />

cp: Universidade Federal Fluminense; d e r: Estevão Garcia e Luís Rocha Melo; df: William Condé; da: Mariana Kaufman e<br />

Paula Gurgel; mo: Gustavo Bragança; e: Cosme Monteiro, Sílvia de Carvalho, José Marinho, Érica Collares, Hernani Heffner,<br />

Severino Dadá, Godot Quincas<br />

Origem da cópia: <strong>Cinemateca</strong> do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro<br />

Concebido como um programa duplo, Que cavação é essa? Apresenta, em sua primeira parte, Um alegre churrasco<br />

na estância do Coronel Alexandrão, fi lme “do natural” silencioso, realizado pela Prosopopeia Actualidades no fi nal<br />

dos anos 1910; na segunda parte, o Complemento Nacional n. 9545: “Restaurare”, cinejornal realizado em 1974<br />

que se benefi ciou da Lei do Curta para exibição em cinemas. Preservação e coronelismo, orgia e cachoeira, som direto e<br />

silêncio, cinzas e tesouros. O tema de Que cavação é essa? é o próprio cinema brasileiro.


Cine-teatro Paulistano, Rua Vergueiro, anos 1920<br />

MESAS DE DEBATES<br />

86<br />

Mesas<br />

A declaração da Federação<br />

Internacional de Arquivos de<br />

Filmes sobre Acesso Livre e a<br />

função dos arquivos<br />

Jon Wengström<br />

curador da Coleção de Filmes de Arquivo do Instituto Sueco de Cinema<br />

Luís Alberto Rocha Melo e<br />

Estevão Garcia<br />

realizadores de Que cavação é essa?<br />

Salas de cinema em São Paulo e<br />

no Rio de Janeiro nas primeiras<br />

décadas do século XX<br />

José Inácio de Melo Souza<br />

Foi pesquisador da <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong>. Autor de vários livros, entre os quais Paulo Emílio<br />

no paraíso e Imagens do passado – São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema. Atualmente<br />

trabalha com o sistema de exibição dos primórdios, tendo lançado em parceria com a<br />

<strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> e o Arquivo Municipal de São Paulo uma página no site da<br />

<strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> sobre os cinemas da cidade entre 1895 e 1929.<br />

Júlio Lucchesi Moraes<br />

Mestrando em História Econômica da FFLCH-USP, dedica-se a pesquisas nas áreas de<br />

Economia da Cultura e História Econômica da Cultura. Aluno convidado da Goethe<br />

Universität Frankfurt am Main, Alemanha, entre 2008 e 2009. Ganhador do prêmio<br />

Carlos e Diva Pinho de melhor monografi a em Economia da Arte do departamento de<br />

Economia da FEA-USP com a pesquisa São Paulo: Capital Artística - a cafeicultura e as artes<br />

na Belle Époque.<br />

87


88 89<br />

A Feitiçaria através dos tempos


Bergstrom, Janet. “Asta Nielsen’s early German films”. Prima di Caligari. Cinema tedesco 1895-<br />

1920 / Before Caligari. German Cinema 1895-1920. Pordenone: Biblioteca dell’Imagine,<br />

1999.<br />

Brooks, Louise. Lulu in Hollywood. University of Minnesota Press, 2000.<br />

Brownlow, Kevin. The Parade’s gone by... University of California Press, 1997.<br />

Card, James. Seductive Cinema. University of Minnesota Press, 1999.<br />

City girls – Frauenbilder im Stummfilm. Catálogo da retrospectiva realizada durante o LVII<br />

Internationale Filmfestspiele, Berlim, 2007.<br />

Cowie, Peter. Scandinavian Cinema. Londres: Tantivity Press, 1992.<br />

90 Eisner, Lotte. A tela demoníaca. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.<br />

91<br />

Lars Hanson<br />

Referências bibliográficas<br />

Gish, Lillian e Pinchot, Ann. The Movies, Mr. Griffith and Me, de Lillian Gish e Ann Pinchot.<br />

Prentice-Hall, Inc., 1969.<br />

Loos, Anita. A girl like I. Nova Iorque, Ballantine Books, 1975.<br />

Machado, Hilda. “O Segredo do corcunda: a cor em Gilberto Rossi”. Cinemais n.9, jan-fev,<br />

1998.<br />

Mottran, Ron. The Danish cinema before Dreyer. Metuchen-Londres: Scarecrow Press, 1988.<br />

Nava, Pedro. Baú de ossos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974.<br />

Olsen, Jan. Comentário sobre Gunnar Hedes saga. Catálogo da XXVIII edição das<br />

Giornate del Cinema Muto, Pordenone, 2009.<br />

Agradecimentos<br />

Alexandre Pietro, Alice Gonzaga Assaf, Edina Fujii, Ednalva Soares Martins, Estevão Garcia,<br />

Francisco Gaytan, Hubert Alquéres, João Marcos, José Carvalho Motta, José Quental, Karin<br />

Bizzarro, Lauro Avila, Liegen Clemmyl Rodrigues, Luciana Sima, Luiz Alberto Rocha Melo,<br />

Marcelo Fujii, Marisa Tomazela, Mary Keene, Natália de Castro Soares, Oga Mendonça, Paulo<br />

Moinhos, Pena Schmidt, Sara Mejia, Sidnei Gonçalves, Ronald Goes, Vera Wey


Créditos<br />

CINEMATECA BRASILEIRA<br />

Ministro de Estado da Cultura<br />

João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)<br />

Secretário do Audiovisual<br />

Newton Cannito<br />

Sociedade Amigos da <strong>Cinemateca</strong> SAC<br />

Maria Dora Genis Mourão (Presidente)<br />

Leopoldo Nosek (Vice-Presidente)<br />

Andréa K. Lopes (Coordenadora Administrativa)<br />

IV JORNADA BRASILEIRA DE CINEMA SILENCIOSO<br />

Produção executiva<br />

Rafael Sampaio<br />

Coordenação de produção<br />

Maíra Torrecillas<br />

Curadoria<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

Curadoria musical<br />

Livio Tragtenberg<br />

Pesquisa<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

João Marcos de Almeida<br />

Remier Lion<br />

A Jornada <strong>Brasileira</strong> de Cinema Silencioso é uma atividade realizada com a colaboração de toda a<br />

Produção<br />

Revisão de textos<br />

equipe da <strong>Cinemateca</strong> <strong>Brasileira</strong> e da SAC:<br />

Daniela Lazzari<br />

Ana Paula Gomes<br />

Adilson Inácio Mendes, Adinael Alves de Jesus,<br />

Adriana Maria da Cruz Lima, Adriana Souza,<br />

Adriano Campos Pedreira, Agnaldo Tadeu<br />

Jair Leal Piantino, Janaina Santina Paulino,<br />

Jesus Fernandez, João Marcos de Almeida, João<br />

Pedro Moraes, José Francisco de Oliveira Mattos,<br />

Produção musical<br />

Lucas Gervilla<br />

Digitalização de fotogramas /<br />

fotografi as / textos<br />

Dias, Alexandre Dotta Cristófaro, Alexandre G.<br />

Araújo, Alexandre Hadade Machado, Alexandro<br />

Nascimento Genaro, Alexandre Vasques, Aline<br />

Josiane da Ponte, Katia Dolin Lopes, Kelly<br />

Gois Almeida, Kelly Santos de Lima, Larissa<br />

Domingos de Sá, Larissa Rebello, Leandro<br />

Coordenação editorial<br />

Remier Lion<br />

João Marcos de Almeida<br />

Fernando Fortes<br />

92<br />

Marques dos Santos, Ana Vera do Amaral F. L.<br />

Martins, André Custódio Mascarenhas, Andréa<br />

Senna, Anna Paula Nunes, Arthur Teixeira Sens,<br />

Baltazar Freitas de Andrade, Bruna Apostólico<br />

Zavatti, Bruna Venâncio dos Anjos, Bruno Feitosa<br />

Santos, Bruno Machado da Silva, Caio Figueiredo,<br />

Carlos Cesar L. Gomes, Carlos Eduardo de Freitas,<br />

Carlos Wendel de Magalhães, Carina Barros,<br />

Finotti Pardi, Leonardo Henrique Monteiro de<br />

Gorni Scabello, Luciana Pilon, Luciana Lopes<br />

Salviano, Luciano Oliveira, Luisa Malzoni, Luiz<br />

Fernandes Carneiro, Luiz Gonzaga Fernandes,<br />

Luiz Gustavo Pereira Pinto, Marcos Kurtinaitis,<br />

Maria Alves de Lima, Maria Aparecida da Silva<br />

Santana, Maria Aparecida dos Santos, Maria<br />

Beatriz Ferreira Leite, Maria Fernanda Coelho,<br />

Projeto gráfi co<br />

Élcio Miazaki<br />

Transcrição, tradução e<br />

revisão de intertítulos<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

Assessoria de imprensa<br />

F&M ProCultura<br />

Vinheta<br />

Eugênio Puppo (Direção e Montagem)<br />

Site<br />

93<br />

Carmen Lúcia Quagliato, Cecilia Lara, César<br />

Ricardo Palmeira, Cícero Antonio Brasileiro e<br />

Silva, Cinara Dias, Claudete dos Santos Ferreira<br />

Leite, Claudia Rossi, Claudio Piovesan, Cleusa<br />

Maria Paula Diogo Russo, Marília Almeida<br />

Santos de Freitas, Marcelo Comparini, Maria<br />

Tereza da Silva Augusto, Marina Couto, Moema<br />

Muller, Melani Vargas de Araújo, Millard<br />

Cláudio Piovesan<br />

Jon Wengström<br />

José Francisco de Oliveira Mattos<br />

Bruno Logatto<br />

Daniel Kasai<br />

João Marcos de Almeida<br />

Souza da Silva, Daniel Kasai, Daniel O. Albano,<br />

Daniel Shinzato de Queiroz, Daniel Zuim<br />

Salmazo, Danielle Divardin, Danilo Tamashiro,<br />

Dario Malta Ciriacco, Debora Ferreira dos Reis,<br />

Deigmar Macial Alves, Dimas Kubo, Edgar Bruno<br />

da Conceição, Eliana Queiroz, Elisabete da Silva,<br />

Elisa Ximenes, Elton Campos, Ernani Max Nula da<br />

Silva, Ernani R. O. Cioffi , Ernesto Stock, Fabiana<br />

Aparecida Marques Lima, Fabiana Ferreira<br />

Schisler, Myrna Malancone, Niels Kloumberg,<br />

Olga Futemma, Pamela Ribeiro Cabral, Patrícia<br />

Andrade, Patricia de Filippi, Patrícia Mourão,<br />

Paula Pripas, Pedro Martins A. Souza, Pedro<br />

Sokol, Priscila Cavichioli, Priscila de Almeida<br />

Xavier, Rafael Nascimento da Cunha Carvalho,<br />

Rayane Jesus da Silva, Regislaine Regina<br />

Domingos, Renata Cezar de Oliveira, Renata<br />

C. Machado, Ricardo Costantini, Rodrigo<br />

Textos do catálogo<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

Estevão Garcia<br />

Hernani Heffner<br />

Jon Wengström<br />

Lauro Ávila Pereira<br />

Impressão do material gráfi co<br />

Imprensa Ofi cial do Estado de São Paulo<br />

Iluminação<br />

Estúdios Quanta<br />

Som<br />

R4Som Pro<br />

Lopes, Fabiana Gomes, Fábio Benedicto Zeferino,<br />

Fábio Kawano, Fabíola Teixeira do Nascimento,<br />

Felipe Diniz, Fernanda Guimarães, Fernanda<br />

Valim, Fernando Fortes, Flavia Barretti, Francine<br />

Tomo, Francirlei de Maria Nassar Veloso, Maria<br />

Fernanda Coelho, Maria Paula Galdino, Francisco<br />

Cesar Filho, Frederico Arelaro, Gabriela Sousa de<br />

Queiroz, Gilvando de Oliveira dos Santos, Gisa<br />

Millan, Giselda Conceição J. de Moura, Gleici M.<br />

Maciel Caputo, Gustavo Henrique Neves Leite,<br />

Archangelo, Rodrigo Mercês, Rosemary do<br />

Nascimento Cioffi , Sandra Santini, Sergio T.<br />

Felicori, Sueli P. F. de França, Stela Maris Suzana<br />

dos Santos, Sung Sun Fai, Sylvia Carolina C. de<br />

Matos, Tathiana Lopes, Tereza Cristina Ribeiro<br />

Ruiz, Thais Bayer, Thais Sandri, Thiago de<br />

Miranda e Fonseca, Thiago Dellorti, Thiago<br />

Ignácio Branchini, Thiago Jordes, Umberto<br />

Pinheiro, Virginia das Flores B. Vieira, Vivian de<br />

Luccia, Vivian Malusá, Vivianne Arques Gomes,<br />

Livio Tragtenberg<br />

Luís Rocha Melo<br />

Paolo Cherchi Usai<br />

Stefano Lo Russo<br />

Traduções<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

Daniela Lazzari<br />

Transporte de cópias<br />

FEDEX<br />

Legendagem eletrônica<br />

4Estações<br />

Despachante alfandegário<br />

KM Comex<br />

Seguro de fi lmes<br />

Henri Nillesen, Ingrid Rodrigues Gonçalves,<br />

Israel Mendes de Lima, Ivan Xavier de Souza,<br />

Walter Tiago Domingos, William Vilson de<br />

Freitas, Yara Mitsue Iguchi.<br />

João Marcos de Almeida<br />

Allianz


Instituições colaboradoras<br />

Brasil<br />

<strong>Cinemateca</strong> do Museu<br />

de Arte Moderna – RJ<br />

Av Infante Dom Henrique 85<br />

20021-140 - Rio de Janeiro – RJ<br />

www.mamrio.org.br<br />

Cinédia Estúdios<br />

Cinematográfi cos<br />

Rua Santa Cristina, 05<br />

22241-250 - Rio de Janeiro - RJ<br />

www.cinedia.com.br<br />

<br />

Museu da Companhia<br />

Giornate del Cinema<br />

Paulista de Estrada de Ferro<br />

Muto de Pordenone<br />

94<br />

Av União Dos Ferroviários, 1760<br />

13201-160 - Jundiaí - SP<br />

11 4522 4727<br />

www.cinetecadelfriuli.org<br />

95<br />

Estados Unidos<br />

MoMA<br />

The Museum of Modern Art<br />

Film Preservation Center<br />

257 B Sawmill Road (Rte.367)<br />

Hamlin, PA 18427<br />

Estados Unidos<br />

www.moma.org<br />

Suécia<br />

Swedish Film Institute/<br />

Svenska Filminstitutet<br />

(Instituto Sueco de Cinema)<br />

Caixa Postal 27 126<br />

102 52 Estocolmo, Suécia<br />

www.sfi .se<br />

Inglaterra<br />

BFI<br />

British Film Institute<br />

21 Stephen Street, Londres WIT I LN,<br />

Reino Unido<br />

J Paul Getty Conservation Centre<br />

Kingshill Way, Berkhamsted, Herts, HP4 3TP,<br />

Reino Unido<br />

www.bfi .org.uk<br />

Itália<br />

México<br />

Filmoteca de la UNAM<br />

Universidad Nacional Autónoma<br />

de México<br />

www.fi lmoteca.unam.mx

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