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Democrata no Japão). Além do mais, muitos transitologistas operam sob o princípio<br />
norteador de que a democracia liberal é o resultado lógico do período transicional;<br />
desta forma, elidindo – ou não conseguindo explicar – o movimento de uma forma<br />
de autoritarismo a outra. Muitos críticos da abordagem transitológica, portanto,<br />
apontam que ela não oferece explicação alguma para as experiências de Estados<br />
pós-soviéticos contemporâneos como a Bielorrússia ou o Turcomenistão, ou,<br />
segundo alguns cientistas políticos de tendências esquerdistas, ela assume que o<br />
regime global do neoliberalismo (ou necro-política) é um telos desenvolvimentista<br />
ideal (ver, por exemplo, Bunce).<br />
Embora não exatamente dispostos a abandonar a transitologia por conta das<br />
muitas críticas à sua abordagem, alguns acadêmicos argumentaram em prol de<br />
uma forma de análise mais nuançada, que adotasse certos aspectos da teoria no<br />
intuito de explicar mais completamente o processo de transição. Em seu artigo<br />
“From Eastern Empire to Western Hegemony: East Central Europe under Two<br />
International Regimes” (“De Império Oriental à Hegemonia Ocidental: O Leste<br />
da Europa Central Sob Dois Regimes Internacionais”), Andrew Janos discute a<br />
utilidade de quatro paradigmas interpretativos dominantes dentro do âmbito da<br />
política comparativa, empregados para explicar o colapso do Império Soviético.<br />
Tais construtos vão de “esquema(s) evolucionário(s)” que apresentam a implosão<br />
do Socialismo de fato existente “como triunfo da racionalidade humana”, àqueles<br />
que argumentam “que o passamento do comunismo resultou de tensões entre<br />
a complexidade cada vez maior da base econômica e o persistente atraso da<br />
superestrutura política”. Finalmente, Janos argumenta em prol da aplicação de<br />
um novo paradigma “que descreva as mudanças experienciadas pelos pequenos<br />
Estados do Leste da Europa Central como parte de um processo transicional,<br />
embora não do autoritarismo à democracia, e sim de um regime internacional a<br />
outro”. O argumento de Janos é mais do que uma prolongada polêmica contra<br />
abordagens transitológicas à análise política, criticadas por acadêmicos como<br />
Valerie Bunce por serem demasiadamente dependentes de fórmulas teleológicas<br />
e restritas demais para dar conta dos contextos sociais e culturais singulares das<br />
Europas Central e Oriental. Em vez disso, Janos faz uma elaboração a partir da<br />
insistência da transitologia na metáfora do movimento, do trânsito, no intuito de<br />
ressaltar a fluidez e a natureza irregular e imprevisível do projeto evolucionário<br />
ou desenvolvimentista nacional e individual. Nesse sentido, a manipulação crítica<br />
realizada por Janos da transitologia, e o que é mais importante, sua preocupação<br />
com a necessidade de um trabalho comparativo que atravesse regiões e<br />
culturas, lança as bases teóricas para uma abordagem às análises cultural e<br />
textual com potencial de oferecer novos insights sobre como a produção literária<br />
influencia, ou se deixa influenciar por, transições nacionais para fora de passados<br />
autoritários. Malgrado as críticas à transitologia, ela permite, enquanto estrutura<br />
metafórica espaço-temporal, a análise das estratégias narrativas empregadas por<br />
Krasznahorkai e Antal no sentido de determinar sua habilidade para interrogar de<br />
maneira eficaz o necro-poder num plano textual.<br />
O estatuto da Hungria como pós-colônia pós-soviética, bem como suas<br />
lutas contemporâneas com a questão da identificação regional e sua recente<br />
interpelação ao nexo de redes de formações de poder e estruturas disciplinais<br />
sobrepostas e por vezes conflitantes, conhecido por necro-política, encorajam<br />
abordagens transitológicas à análise cultural comparativa. Beatrice Töttössy faz<br />
geração praça moscou o cinema húngaro contemporâneo<br />
uma elaboração a partir da proposição inicial de Tötösy de Zepetnek, no intuito de<br />
analisar “as bases epistemológicas da literatura húngara em suas manifestações<br />
pós-modernas do texto literário”. Ela observa que a Hungria está “mudando de<br />
uma sociedade fundada sobre paradigmas de comunicação inspirados por um<br />
Realismo Socialista de massa caracterizado pela comunicação ‘compacta’,<br />
planejada e orquestrada (...) para uma sociedade baseada em diferentes tipos<br />
de comunicação de massa compostos de infinitos tipos de textos individuais”.<br />
Töttössy argumenta que, em seu estágio inicial de desenvolvimento, “A literatura<br />
pós-moderna húngara tenta produzir uma nova escrita, uma textualidade cuja forma<br />
é conteúdo”. Além do mais, ela assevera que uma das principais características<br />
que definem a literatura pós-moderna húngara é seu desejo cultural e politicamente<br />
motivado de escapar ou emergir de velhos paradigmas estruturais do Realismo<br />
Socialista que truncaram o desenvolvimento da consciência individual (bem como<br />
da social). Töttösy alude à metáfora do trânsito para descrever o desenvolvimento<br />
de estruturas de significação comunicativa e textuais da Hungria pós-soviética:<br />
Em meados da década de 1990, a literatura húngara do trânsito,<br />
(...) entre dois pontos que permanecem tão presentes quanto<br />
disponíveis (...) entre a memória do modernismo e a criatividade<br />
pós-moderna que a elabora, mostra-se como o nível para o<br />
qual se transplanta um sistema de déjà-vu/déjà-lu – um sistema<br />
pertencente a um passado recente e imediato – para escriturar<br />
as leis da ecologia da mente comunicativa e, acima de tudo,<br />
de seu núcleo essencial, a fantasia estético-linguística.<br />
Aqui, são claros os paralelos com modos transitológicos de análise social:<br />
a política cultural inerente ao movimento de ida de um construto (ou forma de<br />
consciência) genérico a outro, ou seja, do modernismo ao pós-modernismo.<br />
E György Kálmán, em seu artigo “After Dictatorships: Transition, Modernity,<br />
Post-Modernity and Power” (“Depois de Ditaduras: Transição, Modernidade,<br />
Pós-Modernidade e Poder”), afirma que “A modernidade tem uma conotação um<br />
pouco diferente na região oriental da Europa” e que “a globalização dá ensejo a<br />
problemas um bocado específicos nesta parte do mundo”. Para Kálmán, o que<br />
ele define como “moderno” é um “temperamento ou disposição especial” ou “um<br />
modo de ver ou talvez construir o mundo”. Em outras palavras, o que persiste sob<br />
a superfície é uma interpretação dos modos como a emergência húngara para fora<br />
de um socialismo autoritário e para dentro de um regime global de necro-política<br />
solicita respostas textuais de subversão e resistência, donde meu interesse na<br />
produção literária e cinematográfica que representa tal paradigma.<br />
Para muitos estudiosos de literatura e cultura das Europas Central e Oriental,<br />
os “legados do passado” informam e por vezes complicam a trajetória do<br />
desenvolvimento cultural em seus contextos localizados. Durante a era do controle<br />
imperial soviético sobre a região, a política cultural Zhdanovita reinava suprema.<br />
Inspiradas pelo glorioso objetivo de criar o Novo Homem Soviético, autoridades<br />
políticas em Moscou, através de seus representantes nas nações satélites, exigiam<br />
adesão total às diretrizes do Realismo Socialista. De fato, isso acarretou um novo<br />
cânone oficial, bem como o início de uma nova tradição literária. Constituindo<br />
uma violenta ruptura ou aporia no desenvolvimento das literaturas nacionais<br />
da região, o Zhdanovismo restringia firmemente os tipos de obra que poderiam<br />
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