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Era muito mais perigoso do ponto de vista do sistema político: não como nos filmes<br />

de ficção, nos quais se praticava a censura. Os cineastas pediam às pessoas para<br />

falar de suas vidas nos anos 1940 ou 1950, em diferentes períodos históricos, para<br />

contar histórias que não estavam nos livros. Sándor Sara foi o primeiro a abordar<br />

a morte do segundo exército húngaro no fronte de batalha soviético. Até aquele<br />

momento, a historiografia húngara tinha tratado esse exército como fascista, pois<br />

ele lutava contra os soviéticos. Sara, no entanto, ouviu os antigos soldados do<br />

exército, e mostrou quem eles eram: camponeses pobres que não tinham nada a<br />

ver com o sistema fascista, enviados na intenção clara de morrerem sob ataque<br />

inimigo. Ele começou a propor uma visão radicalmente oposta à interpretação<br />

oficial deste período histórico. Era o precursor da veia ligada ao documentário.<br />

Quais são os outros cineastas subversivos da época?<br />

São os que não tratavam tanto de tabus políticos, mas dos cinematográficos,<br />

da representação da realidade. Estou pensando em Gabor Body e András<br />

Jeles, cujos filmes eram subversivos no estilo. Jeles, que também era engajado<br />

politicamente, dirigiu o último filme proibido na Hungria, em 1983. Álombrigád,<br />

totalmente vanguardista, desconstruía a representação da realidade da classe<br />

operária húngara. Até aquele momento, o cinema húngaro só podia representar<br />

os operários de maneira idealizada. Aceitava-se ideologicamente que a classe<br />

operária era a que detinha o poder, a que estava cheia de felicidade. Os que bebiam<br />

ou não trabalhavam eram casos isolados. Álombrigád modificou radicalmente esta<br />

imagem. A tal ponto que, antes de ser terminado, a polícia política o confiscou.<br />

Seu lançamento ocorreu somente em 1989.<br />

Portanto, ele não teve consequências sobre a queda do regime...<br />

Não diria que o cinema húngaro contribuiu para a decomposição do regime.<br />

Isso é um mito. Os cineastas eram muito bem pagos pelo sistema para lutar contra<br />

ele. Exceto por algumas pessoas, como as duas citadas.<br />

Por que apenas eles? Apenas devido ao seu engajamento político?<br />

Jeles era muito engajado politicamente. Body, não. Ele era um personagem muito<br />

controverso. Trata-se de um líder da vanguarda cinematográfica húngara, e também<br />

da música, da pintura. Ele funcionava como ponto de convergência. Filmava com<br />

atores, pintores, e até atores de teatro – todas pessoas da vanguarda da época.<br />

Era um personagem carismático, e também um teórico importante, que produziu<br />

teorias de cinema no começo dos anos 1970. Dirigiu alguns filmes memoráveis e,<br />

ao mesmo tempo, era um agente secreto do poder comunista durante o período.<br />

Consagrou Kutya éji dala, filmado em 1984, ao seu papel de agente secreto. Neste<br />

filme, ele se desmascarava de uma maneira incompreendida por todos até os<br />

anos 1990.<br />

Embora os filmes históricos dos anos 1980 não tenham contribuído para<br />

a decomposição do regime, alguns cineastas tiveram uma contribuição<br />

efetiva?<br />

Todos contribuíram, nesse sentido, para a decomposição do regime. A partir<br />

de 1986, já se tinha o sentimento de que o regime não duraria muito tempo.<br />

geração praça moscou o cinema húngaro contemporâneo<br />

Em 1987, 1988 e 1989, muitos filmes ignoravam os tabus sem sofrerem censura.<br />

Este foi o caso de Tízezer nap, de Ferenc Kósa, lançado no final do regime, primeiro<br />

filme a tratar dos eventos de 1956 como revolução e não como contrarrevolução.<br />

Não diria que o filme “subverteu” o regime, porque o governo já estava em<br />

decomposição total. Kósa só pôde fazê-lo porque ninguém estava prestando<br />

atenção. Pior ainda, as pessoas responsáveis percebiam que a situação estava<br />

mudando, e se preparavam para ficar do lado certo. Também posso citar Tüske<br />

a köröm alatt, de Sandor Sára. Ou A másik ember, um filme de 1988 que utiliza a<br />

tendência à decomposição para criticar mais duramente o sistema comunista. Ele<br />

aborda a máfia comunista, do partido. Quando os cineastas perceberam a falha<br />

no sistema, rapidamente ignoraram os tabus e atacaram o sistema comunista.<br />

Depois de 1989, isso não continuou, pois os cineastas não sentiram mais a mesma<br />

necessidade. Graças à liberdade de imprensa, era possível dizer as coisas. Não<br />

valia mais a pena fazer um filme sobre um tema que correspondia à pesquisa<br />

histórica, à sociologia ou ao jornalismo.<br />

Eles seguiram por um caminho mais universal, respondendo a um mundo<br />

que se tornava globalizado?<br />

Sim, mas também reagiram à história do cinema húngaro, que, durante muito<br />

tempo, foi bastante política. A tradição histórica do cinema húngaro a partir<br />

dos anos 1950 já é uma tradição política, stalinista. Nos anos 1960-1970, era<br />

anti-stalinista e, digamos, um pouco liberal em relação ao regime, mas o interesse<br />

do cinema húngaro baseava-se sempre no aspecto político. É por isso que uma<br />

figura como Marta Mészáros era muito interessante para os críticos de cinema<br />

ocidentais. Ela dirigiu, nos anos 1980, uma série de filmes intitulada Napló, que<br />

mostrava sua vida entre 1930 e 1950 e denunciava o stalinismo. No entanto,<br />

ninguém mais se interessava. Atualmente, as novas gerações se emanciparam<br />

dessa tradição política. É um cinema completamente diferente. Houve uma ruptura.<br />

Kutya éji dala, de Gabor Body<br />

Texto publicado pela revista Positif. Traduzido por Bruno Carmelo.<br />

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