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Novidades da Hungria: Uma entrevista com<br />
András Bálint Kovács<br />
Dominique Martinez<br />
Quem é você?<br />
Ensino História e Teoria do Cinema na Universidade Eutus Lorent, em Budapeste.<br />
Também ensinei na Universidade Paris-III. Sou, entre outros, um especialista do<br />
modernismo cinematográfico dos anos 1960/70, tema que desenvolvi em um livro,<br />
Screening Modernism, publicado nos Estados Unidos (University of Chicago Press)<br />
e vendido na França. Também sou autor de um livro sobre Tarkovski, publicado<br />
em francês: Les Mondes d’Andrei Tarkovski. E escrevi um livro sobre Béla Tarr,<br />
publicado após o lançamento de seu filme mais recente, O cavalo de Turim,<br />
no início de 2011.<br />
Você pode nos falar da jovem geração húngara descoberta internacionalmente,<br />
como Kornel Mundruczó, György Pálfi, Agnes Kocsis, Szabolcs Hajdu?<br />
De fato, uma nova geração de cineastas húngaros, surgida no final dos anos 1990,<br />
desenvolveu-se nos últimos dez anos. Desde então, Mundruczó fez quatro longasmetragens<br />
e Benedek Fliegauf, três. Eles já têm uma carreira estabelecida, por<br />
assim dizer. Os mais importantes são esses quatro diretores; outros são menos<br />
conhecidos na França, como Zsombor Dyga ou Ferenc Török, que começou no<br />
início dos anos 1990. Eu incluiria Bálint Kenyeres, que só fez curtas-metragens até<br />
o momento (um deles foi premiado em Cannes alguns anos atrás, e seu último foi<br />
produzido pela Arte). Atualmente, ele está preparando seu primeiro longa. Existem<br />
outros, mas os mais interessantes, os dois que, na minha opinião, farão um novo<br />
cinema húngaro, são esses.<br />
Esses nomes têm pontos em comum?<br />
Todos são muito diferentes, no estilo, nos temas e no tom. Com suas especialidades,<br />
cada um possui uma via muito particular, e o único ponto em comum que poderia<br />
encontrar é justamente esta subjetividade marcante, presente em cada um<br />
deles. Essa nova geração de cineastas não é homogênea em estilo ou temática,<br />
comparada ao novo cinema romeno, que, por sua vez, é extraordinário e apresenta<br />
uma homogeneidade estilística e temática. O cinema dinamarquês dos anos 1990<br />
também é um bom exemplo. Mas este não é o caso do cinema húngaro: Zsombor<br />
Dyga é muito diferente de Mundruczó, que é muito diferente de Fliegauf, que é<br />
muito diferente de Kocsis etc.<br />
Qual é a relação entre os filmes que eles fazem e a sociedade que os cerca?<br />
Talvez este seja outro ponto em comum: eles não seguem a tradição húngara do<br />
cinema dos anos 1960-80, engajado com as causas sociais, políticas ou históricas.<br />
A nova geração não trata de temas históricos; não entra no debate social ou<br />
político. Os problemas são majoritariamente pessoais. É um cinema concentrado<br />
geração praça moscou o cinema húngaro contemporâneo<br />
no indivíduo, sem tratar sempre de problemas psicológicos. A psicologia aparece<br />
mais no cinema de Fliegauf. Já Mundruczó, sempre analisa relações particulares,<br />
excessivas, às vezes mesmo perversas, entre personagens muito particulares,<br />
extremos.<br />
Em Ar fresco, através da vida de uma mulher que trabalha em banheiros públicos,<br />
transparece, no entanto, uma dimensão social. Taxidermia também aborda um<br />
pequeno episódio histórico, não é? Ele é o único, e é mais uma referência do<br />
que um verdadeiro filme histórico. São as tendências psicológicas, humanas,<br />
presentes entre 1930 e 1960, que são tratadas. György Pálfi generaliza estes<br />
problemas através da História; assim como Béla Tarr, aliás. Pode-se dizer que<br />
trata da miséria no Leste Europeu, mas o tema é, sobretudo, a miséria do mundo,<br />
humana mais do que social. Isso diz respeito mais à condição humana do que<br />
apenas à condição húngara.<br />
Béla Tarr ocupa um espaço particular no cinema húngaro?<br />
Sim e não. Ele era reconhecido nos anos 1990 entre os documentaristas.<br />
Aos poucos, saiu do grupo e começou a fazer filmes mais universais e a se<br />
concentrar nas relações humanas, ou ainda nas relações entre um personagem<br />
e o mundo que o cerca. Esses filmes não têm tempo nem lugar preciso. Ficamos<br />
com a impressão de que suas histórias se passam em um mesmo espaço, que<br />
poderia ser qualquer lugar. Um homem bretão me disse há pouco tempo que<br />
reconhecia nos personagens dos filmes de Béla Tarr os moradores do seu vilarejo,<br />
com suas situações e relações pessoais. Cada um pode se reconhecer nesses<br />
filmes, razão pela qual o cinema dele é apreciado no mundo inteiro. Este também<br />
é, de certo modo, o caso de todos os outros.<br />
Não acho que Ar fresco trate de um problema particularmente social, mas de uma<br />
mulher deprimida e de sua filha, que não baixa os braços e quer mudar de vida.<br />
Ela acaba trabalhando no mesmo lugar onde a mãe trabalhava, mas consegue ter<br />
uma vida própria, sem se deprimir. Demonstra-se, dessa forma, que é possível<br />
viver, deprimido ou não, em qualquer lugar; não ficar limitado à sua condição<br />
social, nem psicológica; encontrar-se onde quer que seja, e conseguir viver. Viver<br />
em vez de suportar, aguentar.<br />
Quais são as transformações do sistema de produção desde 1989? Como se<br />
financia um filme húngaro hoje em dia?<br />
Trata-se de uma questão importante. O sistema de financiamento está passando<br />
por sérias transformações com o novo governo, o que preocupa os cineastas.<br />
Antes de 1990, a indústria cinematográfica era estatal. Os filmes eram 100%<br />
subvencionados pelo dinheiro público. O Estado possuía cinco ou seis estúdios,<br />
que recebiam o orçamento destinado ao cinema, e produziam, cada um, quatro<br />
ou cinco filmes, gerando uma produção de cerca de vinte filmes por ano. A partir<br />
de 1980, a crise econômica levou à redução do número de filmes produzidos,<br />
e as transformações políticas de 1989 levantaram a questão do financiamento<br />
do cinema. A Hungria é um país pequeno, com um público limitado, onde os<br />
filmes produzidos podem nunca cobrir seus custos – uma subvenção do Estado é<br />
absolutamente necessária. A indústria e os diretores lutaram e conseguiram fazer<br />
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