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STRONG - Desenvolvimento IPresbiteriana

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A u g u st u s H o pk in s<br />

<strong>STRONG</strong><br />

Prefácio de Rus se 11 Shedd<br />

Vol.<br />

I


AUGUSTUS<br />

HOPKINS <strong>STRONG</strong><br />

Nasceu em Nova York<br />

(Rochester), E.U.A., Em<br />

1836. Homem de grande<br />

vigor intelectual, literato,<br />

filósofo e teólogo, Strong<br />

cresceu e se formou dentro<br />

da Igreja Batista. Tal perfil<br />

se faz presente em sua obra,<br />

não de forma limitante, mas<br />

criativa e atenta às mudanças<br />

que fervilhavam em sua<br />

época “fin-de-siécle”. Sua<br />

obra teológica, prezando a<br />

reflexão teológica qualificada<br />

e aprofundada mais que a<br />

quantidade, marcou toda<br />

uma geração de estudantes<br />

do início do século passado,<br />

inclusive no Brasil.<br />

Dentre suas obras, desponta<br />

a Systematic Theology, sua opus<br />

magnum.


T E O L Q G I A<br />

SISTEMATICA<br />

A u g u s t u s H o p k i n s<br />

<strong>STRONG</strong><br />

Prefácio de Russell Shedd<br />

A D o u trin a d e D eus<br />

Vol.<br />

I<br />

A<br />

NAGNOS


C opyright © 2003 por Editora H agnos<br />

S u p e r v isã o E d ito r ia l<br />

Luiz Henrique Alves cia Silva<br />

Rogério cie Lima Campos<br />

Silvestre M. c/e Lima<br />

Silvia Cappelletti<br />

T rad u çã o<br />

Augusto Victorino<br />

R evisã o<br />

Cláudio J. A. Rodrigues<br />

D ig ita ç ã o de tex to s<br />

Regina de Moura Nogueira<br />

C apa<br />

Rogério A. de Oliveira<br />

L a y o u t e A r te F in a l<br />

Comp System<br />

D ia g r a m a ç ã o<br />

Pr. Regi no da Silva Noqueira<br />

Cícero J. da Silva<br />

C o o r d e n a d o r de P ro d u çã o<br />

M auro W. Terrengui<br />

Ia edição - m arço 2003 - 3000 exem plares<br />

Im p ressã o e a c a b a m en to<br />

Im prensa da Fé<br />

D a d o s In te r n a c io n a is de C a ta lo g a çã o na P u b lic a ç ã o (C IP )<br />

(C â m a r a B r a s ile ir a do L iv r o , SP, B r a sil)<br />

Strong, A ugustus H opkins<br />

Teologia sistem ática/ A ugustus H opkins Strong ;<br />

prefácio de Russell Shedd ; [tradução A ugusto V ictorino].<br />

- São Paulo : H agnos, 2003.<br />

T ítulo original: System atic theology<br />

Conteúdo: V. 1. A doutrina de Deus<br />

1. B atistas - D outrinas 2. Teologia doutrinai<br />

I. Shedd, Russell. II. Título.<br />

ISBN 85-89320-09-X<br />

03-0919 C D D -230<br />

ín d ic e s p a ra c a tá lo g o siste m á tic o :<br />

I. Teologia sistem ática : Religião 230<br />

Todos os direitos desta edição reservados à<br />

ED ITO RA HAGNOS<br />

Rua B elarm ino C ardoso de A ndrade, 108<br />

São Paulo - SP - 04809-270 Tel/Fax: (x x ll) 5666 1969<br />

e-m ail: h ag n o s@ hagnos.com .br-w w w .hagnos.com .br


PREFÁCIO<br />

Foi uma grande surpresa saber que a Teologia Sistemática de Strong, aquela obra<br />

monumental de pensamento teológico da minha juventude na Escola Graduada de<br />

Wheaton, bem como no Seminário da Fé, estava sendo traduzida e editada em português.<br />

Confesso que não tenho lido muito desta teologia, tão conhecida no mundo evangélico<br />

durante mais de cem anos. Mas descobri que é uma vasta fonte de informação<br />

teológica e bíblica. Não é necessário concordar com tudo que Strong escreveu para<br />

aproveitar a impressionante coletânea de ensinamentos e textos que o incansável teólogo<br />

ajuntou. Augustus Strong foi eleito presidente e professor de Teologia Bíblica do<br />

Seminário Teológico de Rochester no estado de Nova Iorque em 1872. Ocupou estes<br />

dois cargos durante 40 anos, após pastorear a Primeira Igreja Batista de Cleveland,<br />

estado de Ohio, por sete anos. Não abandonou o espírito pastoral na “torre de marfim”<br />

do seminário.<br />

A Teologia Sistemática de Strong (primeira edição, 1886) encontra o seu centro<br />

em Cristo. Em suas palavras, “A pessoa de Cristo foi o fio da meada que segui; sua<br />

divindade e sua expiação eram os dois focos da grande elipse” (citado por W. R. Estep,<br />

Jr. na Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, ed. W. A. Elwell, Ed.Vida<br />

Nova, 1990, Vol. III, p. 420).O leitor não precisa ler os dois volumes para perceber a<br />

riqueza de apoio bíblico e teologia histórica. Entre os teólogos mais destacados dos<br />

Batistas do Sul dos Estados Unidos, E. Y. Mullins e W. T. Conner receberam forte<br />

influência de Strong Espero que o aparecimento desta Teologia Sistemática seja bem<br />

recebido no Brasil. Deve ser um referencial para os que procuram uma âncora para sua<br />

fé, mesmo que tenha sido escrita antes dos teólogos liberais tais como Paul Tillich e<br />

Rudolf Bultmann.<br />

A Deus toda a glória!<br />

P r . D r . R u s s e l l S h ed d


José dos Reis<br />

E-Books Digital<br />

A g rad ecem o s a W AGN ER E D U A R D O D E<br />

L IM A f p o r quem se viab ilizo u ed itar esta.<br />

obra em lín g u a p o rtu g u esa.<br />

OS EDITORES


PREFÁCIO DO AUTOR<br />

A presente obra é um a revisão e ampliação da m inha Systematic Theology,<br />

prim eiramente publicada em 1886. Da obra original foram impressas sete edições,<br />

cada uma das quais incorporando sucessivas correções e supostos aprimoramentos.<br />

Durante os vinte anos que mediaram entre a prim eira publicação,<br />

reuni muito material novo, que agora ofereço ao leitor. M eu ponto de<br />

vista filosófico e crítico nesse período também sofreu alguma mudança. Conquanto<br />

ainda eu sustente as doutrinas antigas, interpreto-as diferentemente e<br />

exponho-as com m aior clareza, porque a m im m e parece ter chegado a uma<br />

verdade fundamental que lança novas luzes sobre todas elas. Esta verdade<br />

tentei estabelecer em meu livro intitulado Christ in Creation, e delas faço referências<br />

ao leitor para mais informações.<br />

Que Cristo é aquele único Revelador de Deus, na natureza, na humanidade,<br />

na história, na ciência, na Escritura, a meu juízo, a chave da teologia. Este<br />

ponto de vista im plica um a concepção m onística e idealista do mundo, juntamente<br />

com um a idéia evolutiva quanto à sua origem e progresso. Mas é o<br />

próprio antídoto do panteísmo que reconhece a evolução como único método<br />

do Cristo transcendente e pessoal, que é tudo em todos e que faz o universo<br />

teológico e moral a partir do centro da sua circunferência e desde o seu começo<br />

até agora.<br />

Nem a evolução, nem a alta crítica tem algo de aterrador para aquele que as<br />

considera como parte do processo criador e educador da parte de Cristo. O mesmo<br />

Cristo em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento<br />

fornece todas as salvaguardas e limitações necessárias. Tão somente<br />

porque Cristo tem sido esquecido é que a natureza e a lei tem sido personificada,<br />

e a história tem sido considerada como um desenvolvimento sem propósito,<br />

que se tem feito referência ao judaísm o como tendo um a origem simplesmente<br />

humana, que se tem pensado que Paulo tirou a igreja do seu próprio<br />

curso mesmo antes de iniciar o seu próprio curso, que a superstição e ilusão<br />

vieram a parecer o único fundamento do sacrifício dos mártires e o triunfo das<br />

missões modernas. De modo nenhum creio num a evolução irracional e ateísta<br />

como esta. Contrariamente, creio naquele em quem consistem todas as coisas,


8 Augustas H opkins Strong<br />

que está com o seu povo até o fim do mundo e prometeu conduzi-lo em toda a<br />

verdade.<br />

A filosofia e a ciência são boas servas de Cristo, mas pobres guias quando<br />

rejeitam o Filho de Deus. Quando chego ao meu septuagésimo ano de vida e,<br />

no meu aniversário escrevo estas palavras, sou grato por aquela experiência<br />

da união com Cristo que me capacitou a ver na ciência e na filosofia o ensino<br />

do meu Senhor. Porém esta m esm a experiência pessoal fez-me mais consciente<br />

do ensino de Cristo na Escritura, e fez-me reconhecer em Paulo e João uma<br />

verdade mais profunda do que a que foi descoberta por quaisquer escritores,<br />

um a verdade com relação ao pecado e a sua expiação e que satisfaz os mais<br />

profundos anseios da m inha natureza e que por si m esm a é evidente e divina.<br />

Preocupam-me algumas tendências teológicas dos nossos dias, porque creio<br />

que elas são falsas tanto na ciência como na religião. Como homens que se<br />

sentem pecadores perdidos e que um a vez receberam o perdão do seu Senhor<br />

e Salvador crucificado podem daí em diante rebaixar seus atributos, negar a<br />

sua divindade e expiação, arrancar da sua fronte a coroa do milagre e soberania,<br />

relegá-lo ao lugar de um mestre sim plesmente moral que nos influencia<br />

apenas como o fez Sócrates com palavras proferidas através dos tempos, passa<br />

pela minha compreensão. Eis aqui o meu teste de ortodoxia: Dirigimos<br />

nossas orações a Jesus? Invocamos o nom e de Cristo como Estêvão e toda a<br />

igreja primitiva? O nosso Senhor vivo é onipresente, onisciente, onipotente?<br />

Ele é divino só no sentido em que nós tam bém o somos, ou é ele o Filho<br />

unigênito, Deus manifesto em carne, em quem habita corporalmente toda a<br />

plenitude da divindade? Que pensais vós de Cristo? esta ainda é a pergunta<br />

crítica, e a ninguém que, diante da evidência que ele nos forneceu, se não pode<br />

responder corretamente, assiste o direito de chamar-se cristão.<br />

Sob a influência de Ritschl e seu relativism o kantiano, muitos dos nossos<br />

mestres e pregadores têm deslizado para negação prática da divindade de Cristo<br />

e da sua expiação. Parece que estamos à beira do precipício de uma repetida<br />

falha unitária, que esfacelará as igrejas e com pelirá a cisões, de maneira pior<br />

que a de Channing e Ware há um século. Os cristãos americanos se recuperaram<br />

daquele desastre somente ao afirmar vigorosam ente a autoridade de Cristo<br />

e a inspiração das Escrituras. Necessitam os de um a visão do Salvador como<br />

a que Paulo teve no caminho de Damasco e João na ilha de Patmos, para nos<br />

convencermos de que Jesus está acima do espaço e do tempo, que a sua existência<br />

antedata a criação, que ele conduziu a m archa da história dos hebreus,<br />

que ele nasceu de um a virgem, sofreu na cruz, levantou-se dentre os mortos, e<br />

agora vive para sempre, é Senhor do universo, o único Deus com quem nos<br />

relacionamos, nosso Salvador aqui e Juiz no futuro. Sem haver avivamento


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 9<br />

nesta fé nossas igrejas se tom arão secularizadas, a m issão morrerá, e o castiçal<br />

será removido do seu lugar como ocorreu às sete igrejas da Ásia e como<br />

tem sido com as igrejas da Nova Inglaterra, que se apostataram.<br />

Imprimo esta edição revista e am pliada da m inha “Systematic Theology”,<br />

na esperança de que a sua publicação possa fazer algo para refrear esta veloz<br />

maré que avança, e confirmar a fé nos eleitos de Deus. Não tenho dúvida de<br />

que os cristãos, em sua grande maioria, ainda mantêm a fé que, de um a vez por<br />

todas foi entregue aos santos e que eles, cedo ou tarde, hão de separar-se<br />

daqueles que negam o Senhor que os comprou. Quando o inimigo entra como<br />

um dilúvio, o Espírito do Senhor levanta o estandarte contra ele. E preciso que<br />

eu faça a minha parte levantando tal estandarte. E preciso que eu conduza<br />

outros a reconhecer, como eu, a despeito das opiniões arrogantes da moderna<br />

infidelidade, a minha firme crença, reforçada somente pela experiência e reflexão<br />

de meio século nas velhas doutrinas da santidade como atributo fundamental<br />

de Deus, de um a transgressão e pecado de toda a raça humana, na<br />

preparação divina da história hebréia da redenção do homem, na divindade,<br />

na preexistência, nascimento virginal, expiação vicária e ressurreição corporal<br />

do nosso Senhor Jesus Cristo, e na sua futura vinda para julgar os vivos e<br />

os mortos. Eu creio que estas são verdades da ciência assim como da revelação;<br />

que ainda se verá que o sobrenatural é mais verdadeiramente natural; e<br />

que não o teólogo de mente aberta, mas o cientista de mente estreita será<br />

obrigado a esconder a sua cabeça na vinda de Cristo.<br />

O presente volume, ao tratar do M onism o Ético, da Inspiração, dos Atributos<br />

de Deus e da Trindade, contém um antídoto para a mais falsa doutrina que<br />

agora ameaça a segurança da igreja. Desejo agora cham ar especialmente a<br />

atenção para o assunto Perfeição e os Atributos por ela envolvidos, porque eu<br />

creio que a recente fusão da Santidade com o Amor e a negação prática de que<br />

essa Retidão é fundamental na natureza de Deus são responsáveis pelos pontos<br />

de vista utilitários da lei e os pontos de vista superficiais sobre o pecado<br />

que agora prevalecem em alguns sistemas de teologia. Não pode haver nenhuma<br />

apropriada doutrina da retribuição, quando se recusa a sua preeminência.<br />

O amor deve ter um a norma ou padrão, e isto só pode ser encontrado na Santidade.<br />

A velha convicção do pecado e do senso de culpa que conduz o pecador<br />

convicto à cruz são inseparáveis de um a firm e crença no atributo de Deus<br />

logicamente auto-afirmante, anterior ao auto-com unicante e condicionado a<br />

ele. A teologia da nossa época carece de um novo ponto de vista sobre o Justo.<br />

Tal ponto de vista esclarecerá que deve haver um a reconciliação com Deus<br />

antes que o homem seja salvo, e que a consciência hum ana seja apaziguada só<br />

na condição de que se faça um a propiciação à Justiça divina. Neste volume eu


10<br />

Augnstus Hopkins Strong<br />

proponho o que considero a verdadeira Doutrina de Deus, porque nela deve<br />

basear-se tudo o que se segue nos volumes sobre a D outrina do Homem e a da<br />

Salvação.<br />

A presença universal de Cristo, luz que ilum ina a todo homem tanto em<br />

terras pagãs como cristãs, para dirigir ou governar todos os movimentos da<br />

mente humana, dá-me a confiança de que os recentes ataques à fé cristã fracassarão<br />

no seu propósito. Torna-se evidente, por fim, que não só atacam-se<br />

as obras primorosas, mas até mesmo a cidadela. Pede-se que se abandone toda<br />

a crença na revelação especial. Dizem que Jesus Cristo veio em carne exatamente<br />

como qualquer um de nós, e ele era antes de Abraão senão só no mesmo<br />

sentido que nós somos. A experiência cristã sabe como caraterizar tal doutrina<br />

tão logo se estabelece de um modo claro. E a nova teologia entrará em voga<br />

possibilitando que até mesmo crentes comuns reconheçam a heresia destrui-<br />

dora de almas mesmo sob a m áscara de professa ortodoxia.<br />

Não faço apologia algum a do elem ento hom ilético do meu livro. Para ser<br />

verdadeira ou útil, a teologia deve ser um a paixão. Pectus est quocl teologum<br />

facit, e nenhum zom bador que apregoa a “Teologia Peitoral” rae impedirá de<br />

sustentar que os olhos do coração devem ser iluminados para perceber a verdade<br />

de Deus e qiie, para conhecer a verdade, é necessário praticá-la. A teologia<br />

é um a ciência cujo cultivo pode ser bem sucedido somente em conexão<br />

com sua aplicação prática. Por isso, em cada discussão dos seus princípios<br />

devo assinalar suas relações com a experiência cristã, e a sua força para despertar<br />

emoções cristãs e levar a decisões cristãs. Teologia abstrata, na verdade,<br />

não é científica. Só é científica a teologia que traz o estudioso aos pés de<br />

Cristo. Eu anseio pelo dia em que, em nome de Jesus, todo joelho se dobre.<br />

Creio que, se cada um servir a Cristo, o Pai o honrará, e ele honrará o Pai. Eu mesmo<br />

não me orgulharia de crer tão pouco, mas sim de crer muito. Fé é a medida<br />

com que Deus avalia o homem. Por que haveria de duvidar que Deus falou aos<br />

pais pelos profetas? Por que haveria de pensar que é incrível Deus ressuscitar<br />

os mortos? O que é impossível aos homens é possível a Deus. Quando o Filho<br />

do homem vier, porventura achará fé na terra? Queira Deus que encontre fé<br />

em nós, que professamos ser seus seguidores. N a convicção de que as trevas<br />

presentes são apenas temporárias e que serão banidas por um glorioso alvorecer,<br />

ofereço ao público esta nova edição da m inha “Teologia” rogando a Deus<br />

para que qualquer que seja a boa semente que frutifique e qualquer que seja a<br />

planta que o Pai não plantou que seja arrancada.<br />

ROCHESTER THEOLOGICAL SEMINARY<br />

ROCHESTER, N. Y„ 3 de agosto de 1906.


SUMÁRIO<br />

Parte I - PROLEGÔMENOS<br />

C apítulo I - IDÉIA DE TEOLOGIA...........................................................................21<br />

I. Definição de Teologia................................................................................................21<br />

II. Alvo da Teologia....................................................................................................... 22<br />

III. Possibilidade da Teologia........................................................................................ 23<br />

1. Na existência de um Deus que se relaciona com o universo..........................23<br />

2. Na capacidade humana de conhecer D eus........................................................ 26<br />

3. Na revelação do próprio D eus............................................................................ 35<br />

IV. Necessidade da Teologia......................................................................................... 41<br />

1. No instinto organizador da mente humana....................................................... 41<br />

2. Na relação da verdade sistemática com o desenvolvimento do caráter........42<br />

3. Na importância dos pontos de vista definidos e justos da doutrina cristã<br />

para o pregador ........................................................................................................43<br />

4. Na íntima conexão entre a doutrina correta e o firme e agressivo poder<br />

da igreja.....................................................................................................................44<br />

5. Nas injunções diretas e indiretas da Escritura......................................................45<br />

V. Relação da Teologia com a Religião......................................................................... 46<br />

1. Derivação...................................................................................................................46<br />

2. Falsas Concepções................................................................................................... 47<br />

3. Idéia Essencial..........................................................................................................49<br />

4. Inferências ................................................................................................................ 50<br />

Capítulo II - MATERIAL DA TEOLOGIA.................................................................53<br />

I. Fontes da Teologia........................................................................................................53<br />

1. A Escritura e a natureza........................................................................................54<br />

2. A Escritura e o Racionalismo .............................................................................. 59<br />

3. A Escritura e o Misticismo....................................................................................61<br />

4. A Escritura e o Romanismo................................................................................. 64<br />

II. Limitações da Teologia................................................................................................66<br />

1. Na finitude do entendimento humano.................................................................. 66<br />

2. No estado imperfeito da ciência natural e metafísica........................................ 67<br />

3. Na inadequação da língua...................................................................................... 67<br />

4. No nosso conhecimento incompleto das Escrituras........................................... 68<br />

5. No silêncio da revelação escrita........................................................................... 68<br />

6. Na falta de discernimento espiritual causada pelo pecado............................... 69


12<br />

Augiistiis Hopkins Strong<br />

III. Relações do Material com o Progresso da Teologia....................................<br />

1. É impossível um sistema perfeito de teologia.........................................<br />

2. Apesar de tudo isso a teologia é progressiva...........................................<br />

C apítulo III - MÉTODO DA TEOLOGIA........................................................<br />

I. Requisitos para o Estudo da Teologia............................................................<br />

1. Uma mente disciplinada...............................................................................<br />

2. Um hábito mental intuitivo distinto de um outro simplesmente lógico.<br />

3. Conhecimento das ciências física, mental e m oral..................................<br />

4. Conhecimento das línguas originais da B íblia.........................................<br />

5. Afeição santa para com Deus......................................................................<br />

6. A influência iluminadora do Espírito Santo ............................................<br />

II. Divisões da Teologia........................................................................................<br />

III. História da Teologia Sistemática.....................................................................<br />

IV. Ordem de Tratamento na Teologia Sistemática............................................<br />

1. Vários métodos de ordenação dos tópicos de um sistema teológico....<br />

2. O método sintético.......................................................................................<br />

Parte II - A EXISTÊNCIA DE DEUS<br />

C apítulo I - ORIGEM DA NOSSA IDÉIA DA EXISTÊNCIA DE DEUS .,<br />

I. Primeiras Verdades em G eral..........................................................................<br />

1. Sua natureza..................................................................................................<br />

2. Seus critérios.................................................................................................<br />

II. A Existência de Deus, uma Primeira Verdade...............................................<br />

III. Outras Supostas Fontes da Nossa Idéia..........................................................<br />

IV. Conteúdo desta Intuição...................................................................................<br />

C apítulo II - EVIDÊNCIAS CORROBORATIVAS DA EXISTÊNCIA DE<br />

D EU S..................................................................................................................<br />

I. Argumento Cosmológico..................................................................................<br />

1. Defeitos do Argumento Cosmológico.......................................................<br />

II. Argumento Teleológico....................................................................................<br />

1. Mais explicações..........................................................................................<br />

2. Defeitos do Argumento Teleológico..........................................................<br />

III. Argumento Antropológico...............................................................................<br />

IV. Argumento Ontológico.....................................................................................<br />

1. De Samuel Clarke .......................................................................................<br />

2. De Descartes .................................................................................................<br />

3. De Anselmo...................................................................................................<br />

C apítulo III - EXPLICAÇÕES ERRÔNEAS E CONCLUSÃO...................<br />

I. Materialismo......................................................................................................<br />

II. Idealismo M aterialista......................................................................................<br />

III.Panteísmo Idealista............................................................................................<br />

IV. Monismo Ético.................................................................................<br />

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T e o l o g ia S is t e m á t ic a 13<br />

Parte III - AS ESCRITURAS, UM A REVELAÇÃO<br />

DA PARTE DE DEUS<br />

Capítulo I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.............................................. 175<br />

I. Razões a Priorí para Esperar uma Revelação da Parte de D eu s..........................175<br />

1. Necessidades da natureza do homem................................................................ 175<br />

2. Pressuposição de um suprimento....................................................................... 177<br />

II. As Marcas da Revelação que o Homem pode Esperar....................................... 179<br />

1. Quanto à sua substância..................................................................................... 179<br />

2. Quanto ao seu método......................................................................................... 180<br />

3. Quanto à sua certificação.................................................................................... 183<br />

III. Os Milagres, um Atestado da Revelação D ivina................................................. 183<br />

1. Definição de Milagre .......................................................................................... 183<br />

2. Possibilidade do Milagre .................................................................................... 189<br />

3. Probabilidade dos M ilagres............................................................................... 192<br />

4. Testemunho necessário para se provar um milagre......................................... 197<br />

5. Força Evidenciai dos Milagres .......................................................................... 198<br />

6. Falsos M ilagres..................................................................................................... 203<br />

IV. Profecia Atestando uma Revelação D ivina............................................................206<br />

1. Definição................................................................................................................ 206<br />

2. Relação da profecia com os milagres ................................................................ 208<br />

3. Requisitos na profecia, considerados como Evidência da Revelação.........208<br />

4. Caraterísticas Gerais da Profecia nas Escrituras ..............................................209<br />

5. Profecia messiânica em geral.............................................................................. 210<br />

6. Profecias especiais pronunciadas por C risto....................................................210<br />

7. Sobre o duplo sentido da Profecia......................................................................212<br />

8. Propósito da Profecia - até onde não se cumpriu............................................ 214<br />

9. Poder Evidenciai da Profecia - quando cumprida........................................... 216<br />

V. Princípios de Evidência Histórica Aplicáveis à Prova de uma Revelação<br />

Divina........................................................................................................................... 217<br />

1. Quanto à evidência documentária........................................................................217<br />

2. Quanto ao testemunho em geral..........................................................................218<br />

Caítulo II - PROVAS POSITIVAS DE QUE AS ESCRITURAS SÃO A<br />

REVELAÇÃO DIVINA............................................................................................222<br />

1. Genuinidade dos Livros do Novo Testamento..................................................223<br />

2. Genuinidade dos Livros do Velho Testamento.................................................250<br />

II. Credibilidade dos Escritores da B íblia................................................................... 259<br />

III. O Caráter Sobrenatural do Ensino da Escritura.................................................... 262<br />

1. O ensino da Escritura em g eral........................................................................... 262<br />

2. Sistema Moral do Novo Testamento.................................................................. 266<br />

3. A pessoa e o caráter de Cristo............................................................................ 279<br />

4. O testemunho do próprio Cristo..........................................................................282<br />

IV. Resultados Históricos da Propagação da Doutrina da Escritura......................... 285


14 Augustus Hopkins Strong<br />

C apítulo III - INSPIRAÇÃO NAS ESCRITURAS................................................... 293<br />

I. Definição de Inspiração..............................................................................................293<br />

II. Prova da Inspiração....................................................................................................296<br />

III. Teorias Sobre a Inspiração........................................................................................302<br />

1. Teoria da Intuição ..................................................................................................302<br />

2. Teoria da Iluminação..............................................................................................305<br />

3. Teoria do D itado.....................................................................................................311<br />

4. Teoria da Dinâmica................................................................................................314<br />

IV. União dos Elementos Divino e Humano na Inspiração......................................... 316<br />

V. Objeções à Doutrina da Inspiração ..........................................................................330<br />

1. Erros em matéria de Ciência............................................................................331<br />

2. Erros em matéria de História........................................................................... 336<br />

3. Erros no campo da M oral..................................................................................341<br />

4. Erros de Raciocínio............................................................................................345<br />

5. Erros na citação ou interpretação do Velho Testamento.............................. 347<br />

6. Erros na Profecia................................................................................................349<br />

7. Alguns livros não merecem um lugar na Escritura inspirada..........................351<br />

8. Porções dos livros da Escritura escritos por outras pessoas que não são<br />

aquelas a quem são atribuídos.............................................................................353<br />

9. Narrativas Céticas ou Fictícias.............................................................................356<br />

10. Reconhecimento da não inspiração de mestres da Escritura e de seus<br />

escritos..................................................................................................................359<br />

Parte IV - NATUREZA, DECRETOS E OBRAS DE DEUS<br />

C apítulo I - ATRIBUTOS DE D E U S........................................................................ 363<br />

I. Definição do Termo Atributos.................................................................................. 364<br />

II. Relação dos Atributos Divinos com a Essência D ivina....................................... 364<br />

1. Os atributos têm uma existência objetiva...................................................... 364<br />

2. Os atributos são inerentes à essência divina..................................................366<br />

3. Os atributos pertencem à essência divina como tal ......................................367<br />

4. Os atributos manifestam a essência divin a....................................................367<br />

III. Métodos para Determinar os Atributos D ivinos................................................... 368<br />

1. Método racional.....................................................................................................368<br />

2. Método bíblico.......................................................................................................369<br />

IV. Classificação dos Atributos...................................................................................... 369<br />

V. Atributos Absolutos ou Imanentes .......................................................................... 372<br />

Primeira divisão - Espiritualidade e os atributos envolvidos por e la .................372<br />

1. V id a......................................................................................................................... 374<br />

2. Pessoalidade.......................................................................................................... 376<br />

Segunda Divisão - Infinitude e os atributos envolvidos por e la ......................... 378<br />

Terceira Divisão - Perfeição e os atributos por ela envolvidos.......................... 388<br />

1. Verdade................................................................................................................... 388


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 15<br />

2. Am or......................................................................................................................... 391<br />

3. Santidade..................................................................................................................399<br />

VI. Atributos Relativos ou Transitivos........................................................................... 410<br />

Primeira Divisão - Atributos relacionados com Tempo e Espaço...................... 410<br />

1. Eternidade................................................................................................................410<br />

2. Imensidade............................................................................................................... 415<br />

Segunda Divisão - Atributos relacionados com a C riação...................................417<br />

1. Onipresença.............................................................................................................417<br />

2. Onisciência.............................................................................................................. 421<br />

3. Onipotência..............................................................................................................427<br />

Terceira Divisão - Atributos relacionados com os seres m orais.........................430<br />

1. Veracidade e Fidelidade ou Verdade transitiva..................................................430<br />

2. Misericórdia e Bondade ou Amor Transitivo......................................................431<br />

3. Justiça e Retidão, ou Santidade Transitiva......................................................... 433<br />

VII. Nível e Relações dos Vários Atributos .................................................................440<br />

1. Santidade, atributo fundamental de D eus...........................................................441<br />

2. A santidade de Deus, a base da obrigação m o ral............................................. 445<br />

Capítulo II - DOUTRINA DA TRINDADE..............................................................452<br />

I. Na Escritura há Três que são Reconhecidos como D eus......................................454<br />

1. Provas do Novo Testamento................................................................................ 454<br />

2. Indicações do Velho Testamento..........................................................................472<br />

II. Estes três são Descritos na Escritura de tal Modo que Somos Compelidos<br />

a Concebê-los como Pessoas Distintas.................................................................... 479<br />

1. O Pai e o Filho são pessoas distintas uma da outra..........................................479<br />

2. O Pai e o Filho são pessoas distintas do E spírito............................................. 480<br />

3. O Espírito Santo é uma pessoa.............................................................................480<br />

III. Esta Tripessoalidade da Natureza Divina não é Simplesmente Econômica e<br />

Temporal, mas Imanente e Eterna............................................................................. 485<br />

1. Prova da Escritura de que estas distinções de pessoalidade são eternas.... 485<br />

2. Erros refutados pelas passagens anteriores........................................................ 486<br />

IV. Esta Tripessoalidade não é Triteísmo; pois, Conquanto Haja Três Pessoas,<br />

há Apenas Uma Essência........................................................................................... 491<br />

V. As Três Pessoas, Pai, Filho, e Espírito Santo, são Iguais .................................... 496<br />

1. Estes títulos pertencem às Pessoas...................................................................... 496<br />

2. Sentido qualificado destes títulos ....................................................................... 497<br />

3. Geração e processos consistentes com a igualdade..........................................504<br />

VI. Inescrutável, Embora não Autocontraditória, esta Doutrina Fornece a<br />

Chave para Todas as Outras Doutrinas.................................................................... 509<br />

1. O modo desta existência triúna é inescrutável.................................................. 509<br />

2. A Doutrina da Trindade não é autocontraditória..............................................512<br />

3. A doutrina da Trindade tem importantes relações com outras doutrinas .... 514<br />

Capítulo III - OS DECRETOS DE DEUS..................................................................522<br />

I. Definição de Decretos............................................................................................... 522<br />

I


16<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

II. Prova da Doutrina dos Decretos...............................................................................525<br />

1. Da Escritura............................................................................................................ 525<br />

2. Da Razão................................................................................................................ 527<br />

III. Objeções à Doutrina dos Decretos.......................................................................... 532<br />

1. Que eles são inconsistentes com a livre atuação do homem ..........................532<br />

2. Que eles afastam todo o motivo do exercício humano.................................. 536<br />

3. Que eles fazem Deus o autor do pecado............................................................ 539<br />

VI. Notas Finais............................................................................................................. 544<br />

1. Empregos práticos da doutrina dos decretos.................................................... 544<br />

2. O verdadeiro método da pregação da doutrina................................................. 545<br />

C apítulo IV - AS OBRAS DE DEUS; OU A EXECUÇÃO DOS DECRETOS . 547<br />

SEÇÃO I - CRIAÇÃO<br />

I. Definição de Criação................................................................................................. 547<br />

II. Prova da Doutrina da C riação.................................................................................. 551<br />

1. Declarações diretas da Escritura..........................................................................551<br />

2. Evidência indireta da Escritura........................................................................... 556<br />

III. Teorias que se opõem à Criação ............................................................................. 556<br />

1. Dualismo................................................................................................................ 556<br />

2. Emanação............................................................................................................... 564<br />

3. Criação a partir da eternidade............................................................................. 568<br />

4. Geração espontânea..............................................................................................573<br />

IV. O Relato Mosaico da C riação..................................................................................575<br />

2. Interpretação adequada..........................................................................................579<br />

V. O Fim de Deus na Criação......................................................................................... 583<br />

1. O testemunho da Escritura...................................................................................583<br />

2. O testemunho da razão......................................................................................... 585<br />

VI. Relação da Doutrina da Criação com as outras Doutrinas................................ 590<br />

1. Com a santidade e a benevolência de D eus...................................................... 590<br />

2. Com sabedoria e livre vontade de Deus ............................................................592<br />

3. Com Cristo como revelador de Deus................................................................. 594<br />

4. Com a Providência e a Redenção .......................................................................597<br />

5. Com a observância do Sábado............................................................................ 598<br />

SEÇÃO II - PRESERVAÇÃO<br />

I. Definição de Preservação......................................................................................... 602<br />

II. Prova da Doutrina da Preservação........................................................................... 603<br />

1. Da Escritura............................................................................................................603<br />

2. Da Razão................................................................................................................604<br />

III. Teorias que virtualmente negam a doutrina da Preservação............................... 607<br />

1. D eísm o....................................................................................................................607<br />

2. Criação contínua ................................................................................................... 609<br />

IV. Notas sobre a Parceria D ivina..................................................................................612<br />

SEÇÃO III - PROVIDÊNCIA<br />

I. Definição de Providência......................................................................................614


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

II. Prova da Doutrina da Providência..........................<br />

1. Prova escriturística...............................................<br />

2. Prova racional .......................................................<br />

III. Teorias opostas à Doutrina da Providência...........<br />

1. Fatalismo...............................................................<br />

2. Casualismo............................................................<br />

3. Teoria de uma providência simplesmente geral<br />

IV. Relações da Doutrina da Providência....................<br />

1. Com os milagres e com as obras da graça........<br />

2. Com a oração e a resposta...................................<br />

3. Com a atividade cristã.........................................<br />

4. Com os maus atos dos agentes livres................<br />

SEÇÃO IV - OS ANJOS BONS E OS MAUS<br />

I. Afirmações e Sugestões da Escritura.....................<br />

1. Quanto à natureza e atributos dos anjos ...........<br />

2. Quanto ao seu número e organização...............<br />

3. Quanto ao seu caráter moral ..............................<br />

4. Quanto às suas funções.......................................<br />

II. Objeções à Doutrina dos A n jos...............................<br />

1. À doutrina dos anjos em geral ...........................<br />

2. À doutrina dós anjos maus em particular..........<br />

III. Empregos práticos da Doutrina dos A n jo s...........<br />

1. Emprego da doutrina dos anjos bons.................<br />

2. Empregos da doutrina dos anjos maus..............<br />

17<br />

615<br />

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622<br />

625<br />

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626<br />

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650<br />

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660<br />

673<br />

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677<br />

677<br />

678


Parte I<br />

PROLEGÔMENOS


I. DEFIN IÇÃO DE T E O L O G IA<br />

C a p í t u l o I<br />

IDÉIA DE TEOLOGIA<br />

Teologia é a ciência de Deus e das relações entre Deus e o universo.<br />

Embora a palavra “teologia” seja empregada às vezes em escritos dogmáticos<br />

para designar um simples departamento da ciência que trata da natureza<br />

e atributos divinos, o uso prevalecente, desde A bela rdo (1079-1142 A .D.),<br />

que intitulou seu tratado geral “Theologia Christiana”, o qual abrange sob este<br />

termo todo o acervo da doutrina cristã. Por isso, a teologia trata, não só de<br />

Deus, mas das relações entre Deus e o universo, motivo por que falamos da<br />

Criação, da Providência e da Redenção.<br />

Os Pais chamam o Evangelista João de “o teólogo”, porque ele trata mais<br />

plenamente do relacionamento interno das pessoas da Trindade. G r eg ó r io<br />

N a zia n z e n o (328) recebeu esta designação porque defendia a divindade de<br />

Cristo contra os arianos. Para um exemplo moderno deste emprego do termo<br />

“teologia” no sentido restrito, veja o título do primeiro volume do D r . H o d g e :<br />

“Systematic Theology, Vol. I: Teologia". Mas teologia não é somente “a ciência<br />

de Deus”, nem mesmo “a ciência de Deus e do homem”. Ela também dá<br />

conta das relações entre Deus e o universo.<br />

Se o universo fosse Deus, a teologia seria a única ciência. Visto que o<br />

universo é apenas uma manifestação de Deus e distingue-se dele, há ciências<br />

da natureza e da mente. A teologia é a “ciência das ciências”, não no sentido<br />

de incluir todas estas, mas no de empregar os seus resultados e mostrar a<br />

sua base subjacente; (ver W ardlaw , Theology, 1.1,2). A ciência física não é<br />

uma parte da teologia. Somente como físico, Hum boldt não precisava mencionar<br />

o nome de Deus em seu Cosmos (contudo vejamos Cosmos, 2.413, onde<br />

ele diz: “O Salmo 104 apresenta uma imagem do cosmos todo”). O Bispo de<br />

C a rlis le : “A ciência é atéia, mas nem por isso pode ser ateísta”.<br />

Só quando consideramos as relações das coisas finitas com Deus é que o<br />

estudo delas fornece material para a teologia. A antropologia é uma parte da<br />

teologia porque a natureza do homem é obra de Deus e porque a forma de<br />

Deus tratar o homem lança luz sobre o caráter de Deus. Deus é conhecido<br />

através das suas obras e das suas atividades. Por isso a teologia dá conta<br />

destas obras e atividades na medida que elas acompanham o nosso conhecimento.<br />

Todas outras ciências exigem a teologia para sua explicação completa.


2 2<br />

Augustus H opkins Strong<br />

Proudhon: “Se você se aprofundar muito na política, esteja certo de entrar na<br />

teologia”.<br />

II. ALVO DA TEOLOGIA<br />

O alvo da teologia é a certificação dos fatos que dizem respeito a Deus e às<br />

relações entre Deus e o universo, e a apresentação de tais fatos em sua unidade<br />

racional como partes conexas de um formulado e orgânico sistema de verdade.<br />

Ao definirmos a teologia como ciência, indicamos o seu alvo. A ciência<br />

não cria; descobre. A teologia responde a esta descrição da ciência. Descobre<br />

fatos e relações, mas não os cria. Fisher, Nature and Method of Revelation,<br />

141 - “S c h ille r, referindo-se ao ardor da fé em Colombo, diz que, se o grande<br />

descobridor não tivesse achado um continente, ele o teria criado. Mas a fé<br />

não é criativa. Se Colombo não tivesse achado a terra - não teria havido uma<br />

resposta objetiva da sua crença - sua fé teria sido mera fantasia”. Porque a<br />

teologia trata de fatos objetivos, recusamo-nos a defini-la como “ciência da<br />

religião”; versus Am. Theol. Rev., 1850.101-126, eTHORNWELL, Theology, 1.139.<br />

Tanto os fatos como as relações de que a teologia trata têm uma existência<br />

independente dos processos mentais subjetivos do teólogo.<br />

Ciência não é apenas observação, registro, verificação e formulação de<br />

fatos objetivos; é também o reconhecimento e explicação das relações entre<br />

estes fatos e a síntese tanto dos fatos como dos princípios racionais que<br />

os unem em um sistema abrangente, corretamente proporcional e orgânico.<br />

Tijolos e madeiramento espalhados não são uma casa; braços, pernas, cabeças<br />

e troncos separados numa sala de dissecção não são homens vivos; e<br />

fatos isolados não constituem ciência. Ciência = fatos + relações; W h e w e l l,<br />

Hist. Inductive Sciences, I, Introd., 43 - “Pode haver fatos sem ciência, como<br />

no conhecimento do cavouqueiro; pode haver pensamento sem ciência, como<br />

na antiga filosofia grega”. A. M acDonald: “O método a priori relaciona-se com<br />

o método a posterioricomo as velas com o mastro de uma embarcação: quanto<br />

melhor é a filosofia, maior é a providência de um número suficiente de fatos;<br />

doutra forma ocorre o perigo de transtornar o empreendimento”.<br />

Presidente W oodrow W ilson: “A enfática injunção da nossa era diz aos<br />

historiadores: ‘dai-nos os fatos’. ... Mas os fatos em si não constituem a verdade.<br />

A verdade não é concreta; é abstrata. É só a idéia, a revelação correta,<br />

do sentido que as coisas têm. Ela só é evocada pela distribuição e ordenação<br />

dos fatos que sugerem o sentido”. Dove, Logic of the Christian Faith, 14 -<br />

“Perseguir a ciência é perseguir as relações”. Everett, Science of Thought, 3<br />

- “Logia” (p.ex. na palavra “teologia”), de Xóyoç,, = palavra + razão, expressão<br />

+ pensamento, fato + idéia; cf. Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo”.<br />

Como a teologia trata de fatos objetivos e suas relações, assim a disposição<br />

destes fatos não é opcional, mas determinada pela natureza da matéria<br />

de que ela trata. A verdadeira teologia repensa os pensamentos de Deus e os<br />

põe na disposição de Deus, como os construtores do templo de Salomão


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 23<br />

tomaram as pedras já lavradas e as fixaram nos lugares para os quais o<br />

arquiteto as havia designado; Reginald Heber: “Não caiu nenhum martelo,<br />

nenhum machado tiniu; Como a longa palmeira, surgiu a fábrica mística”. .<br />

Os cientistas não temem que os dados da física bitolem ou comprimam o seu<br />

intelecto; nem devem temer os fatos objetivos que são os dados da teologia.<br />

Não podemos fazer teologia do mesmo modo que não podemos fazer uma lei<br />

da natureza física. Como o filósofo natural é “Naturae minister et interpres”,<br />

assim o teólogo é servo e intérprete da verdade objetiva de Deus.<br />

m . POSSIBILIDADE DA TEOLOGIA<br />

A possibilidade da Teologia tem um a tríplice base: 1. Na existência de um<br />

Deus que se relaciona com o universo; 2. N a capacidade da m ente humana de<br />

conhecer Deus e algumas de tais relações; 3. N a provisão de meios pelos quais<br />

Deus se põe em real contato com a m ente ou, em outras palavras, na provisão<br />

de um a revelação.<br />

Qualquer ciência em particular só se torna possível quando combina três<br />

condições, a saber, a verdadeira existência do objeto de que ela trata, a capacidade<br />

subjetiva da mente humana conhecer tal objeto, e a provisão de meios<br />

definidos pelos quais os objetos entram em contato com a mente. Podemos<br />

ilustrar as condições da teologia a partir da selenologia - a ciência, não da<br />

“política lunar”, que de modo tão infundado John S tu a rt M ill pensava perseguir,<br />

mas da física lunar. A selenologia é possível sob três condições:<br />

1. a existência objetiva da lua; 2. a capacidade subjetiva da mente humana de<br />

conhecê-la; e 3. a provisão de aiguns meios (p.ex., os olhos e o telescópio)<br />

pelos quais a lacuna entre o homem e a lua se ligam e pelos quais a mente<br />

pode apossar-se do conhecimento verdadeiro dos fatos relativos à lua.<br />

1. Na existência de um Deus que se relaciona com o universo<br />

Tem-se objetado, na verdade, que desde que Deus e estas relações são<br />

objetos apreendidos só pela fé, não são objetos próprios do conhecimento ou<br />

assuntos próprios da ciência.<br />

Respondemos:<br />

a) A Fé é conhecim ento e o mais elevado tipo de conhecimento. - A ciência<br />

física também se apoia na fé - fé na nossa existência, na existência de um<br />

mundo objetivo e exterior a nós e na existência de outras pessoas além de nós<br />

mesmos; fé nas nossas convicções prim itivas,tais como espaço, tempo, causa,<br />

substância, desígnio, certeza; fé na confiabilidade das nossas faculdades e no<br />

testem unho dos nossos semelhantes. Nem por isso a ciência física é invalidada,<br />

porque tal fé, em bora diferente na percepção sensorial ou demonstração


2 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

lógica, é ainda um ato cognitivo da razão e pode ser definido como certificação<br />

relativa à m atéria em que a verificação é impossível.<br />

A citada e respondida objeção à teologia expressa-se nas palavras de S ir<br />

W illiam Hamilton, Metaphysics, 44, 531 - “Fé - crença - é o órgão pelo qual<br />

nós apreendemos o que está além do nosso conhecimento”. Mas ciência é<br />

conhecimento e o que está além do nosso conhecimento não pode ser matéria<br />

de ciência. O P residente E. G. Robinson diz com precisão que o conhecimento<br />

e a fé não podem ser separados um do outro, como os compartimentos<br />

de um navio, dos quais o primeiro pode ser esmagado enquanto o segundo<br />

ainda mantém o navio flutuando. A mente é uma só, - “ela não pode ser seccio-<br />

nada em duas com uma machadinha”. Fé não é antítese do conhecimento, -<br />

eia é um tipo maior e mais fundamental de conhecimento. Ela nunca se opõe<br />

à razão, mas apenas à vista. Tennyson estava errado quando escreveu: “Nós<br />

temos somente fé: não podemos conhecer; Porque conhecemos aquilo que<br />

vemos” (In Memoriam, Introd...). Isto tornaria os fenômenos sensitivos os únicos<br />

objetos do conhecimento. A fé nas realidades supra-sensíveis, ao contrário,<br />

é o mais elevado exercício da razão.<br />

S ir W illiam Hamilton declara consistentemente que a mais elevada conquista<br />

da ciência é o levantamento de um altar “Ao Deus Desconhecido”.<br />

Esta, entretanto, não é a representação da Escritura. Cf. Jo. 17.3 - “a vida<br />

eterna é esta, que te conheçam a ti como único verdadeiro Deus”; e Jr. 9.24 - “o<br />

que se gloriar glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor”.<br />

Para a crítica de Hamilton, ver H. B. Smith, Faith and Philosophy, 297-336.<br />

Fichte: “Nós nascemos na fé”. Até mesmo Goethe se dizia alguém que crê<br />

nos cinco sentidos. B a lfo u r, Defense of Philosophic Doubt, 277-295, mostra<br />

que as crenças intuitivas nas categorias de espaço, tempo, causa, substância,<br />

justiça pressupõem uma aquisição de todo o conhecimento. Dove, Logic<br />

of the Christian Faith, 14 - “Se se deve destruir a teologia porque parte de<br />

termos e proposições primárias, deve-se, então, proceder de igual modo com<br />

todas as ciências”. M ozley, Miracles, define fé como a “razão não verificável”.<br />

b) A fé é um conhecim ento condicionado pelo sentimento santo. - A fé que<br />

apreende o ser divino e sua obra não é opinião ou imaginação. É certeza relativa<br />

às realidades espirituais sobre o testem unho da nossa natureza racional e<br />

sobre o testemunho de Deus. Sua única peculiaridade como ato cognitivo da<br />

razão é que está condicionado ao sentim ento santo. Como a ciência da estética<br />

é produto da razão incluindo o poder de reconhecer o belo praticam ente inseparável<br />

do amor ao belo e como a ciência da ética é produto da razão incluindo<br />

o poder de reconhecer o moralm ente correto praticam ente inseparável do<br />

amor ao m oralm ente correto, assim a ciência da teologia é produto da razão,<br />

mas da razão que inclui o poder de reconhecer o Deus, que é praticamente<br />

inseparável do am or a Deus.<br />

Empregamos aqui o termo “razão" para significar a força total do conhecimento.<br />

Razão, neste sentido, inclui o estado de sensibilidade desde que seja


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 25<br />

-.dispensável ao conhecimento. Não podemos conhecer uma laranja só de<br />

olhá-la; para entendê-la, é tão necessário saboreá-la como vê-la. A matemá-<br />

::ca do som não pode dar-nos entendimento da música; é necessário também<br />

ouvi-la. Só a lógica não pode demonstrar a beleza do pôr do sol, ou de um<br />

caráter nobre; o amor ao belo e à justiça antecede o conhecimento do belo e<br />

da justiça. Ullm an chama a atenção para a derivação de sapientía, sabedoria,<br />

de sapere, saborear. Não podemos conhecer Deus só pelo intelecto; o coração<br />

deve acompanhar o intelecto a fim de possibilitar o conhecimento das<br />

coisas divinas. “As coisas humanas”, diz Pascal, só precisam ser conhecidas<br />

para serem amadas; mas as coisas divinas primeiro precisam ser amadas<br />

para serem conhecidas”. “Esta fé [religiosa] do intelecto”, diz Kant, “fundamenta-se<br />

na aceitação do temperamento moral”. Se alguém fosse totalmente<br />

indiferente às leis morais, continua o filósofo, até mesmo as verdades religiosas<br />

“teriam o apoio dos fortes argumentos da analogia, mas, do mesmo modo<br />

que o coração obstinado, o cético não poderia conquistá-las”.<br />

A fé, então, é o mais elevado conhecimento porque é a ação integral da<br />

alma, a perspicácia, não somente de um olho, mas dos dois olhos da mente,<br />

do intelecto e do amor a Deus. Com um olho podemos ver um objeto plano,<br />

mas, se quisermos vê-lo como um todo e captar o efeito estereótipo, devemos<br />

empregar ambos os olhos. Não é o teólogo, mas o astrônomo não devoto<br />

que tem a ciência caolha e, portanto, incompleta. Os erros do racionalista<br />

são os da visão defeituosa. O intelecto tem-se divorciado do coração, isto é,<br />

da disposição correta, das afeições corretas e do propósito correto da vida.<br />

O intelecto diz: “Não posso conhecer Deus”; e o intelecto está certo. O que o<br />

intelecto diz, a Escritura também o diz: 1 Co. 2.14 - “O homem natural não<br />

compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e<br />

não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente”; 1.21 - “na<br />

sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus”.<br />

Por outro lado, a Escritura declara que “pela fé, entendemos” (Hb. 11.3).<br />

Para a Escritura a palavra “coração” significa tão somente a disposição<br />

governante ou sensibilidade + vontade; e ela indica que o coração é um órgão<br />

do conhecimento: Ex. 35.25 - “mulheres que eram sábias de coração”;<br />

SI. 34.8 - “provai e vede que o Senhor é bom” = o provar vem antes do ver;<br />

Jr. 24.7 - “Dar-lhes-ei um coração para que me conheçam”; Mt. 5.8 - “Bem-<br />

aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”; Lc. 24.25 -<br />

“tardos de coração para conhecer”; Jo. 7.17 - “Se alguém quiser fazer a vontade<br />

dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou falo de mim<br />

mesmo”; Ef. 1.18- “tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para<br />

que saibais”; 1 Jo. 4.7,8 - “qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a<br />

Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus”.<br />

c) Portanto, a fé, e só a fé pode fornecer o m aterial adequado e suficiente<br />

para um a teologia científica. - Como um a operação da mais elevada natureza<br />

racional do homem, em bora distinta da visão ocular ou do raciocínio, a fé é o<br />

mais elevado tipo de conhecimento. Ela nos dá o entendim ento que só pelos<br />

sentidos seria inacessível, a saber, a existência de Deus e ao menos algumas<br />

das relações entre Deus e a sua criatura.


26<br />

Augustas Hopkins Strong<br />

Phillippi, Glaubenslehre, 1.50, segue G erhard, ao tornar a fé um ato co n ­<br />

junto do intelecto e da vontade. Hopkins, Outline Study of Man, 77,78, fala não<br />

só da “razão estética” , m as da “razão m oral” . Murphy, Scientific Bases of Faith,<br />

91, 109, 145, 191 - “Fé é a certeza a respeito daquilo em que é impossível a<br />

verificação”. Emerson, Essays, 2.96 - “A crença consiste em aceitar as afirmações<br />

da alma - a descrença em rejeitá-las”. M o re ll, Philos. of Religion,<br />

38,52,53, cita C o lle rid g e : “A fé consiste na síntese da razão e da vontade do<br />

indivíduo, ... e em virtude daquela (isto é, da razão), a fé deve ser uma luz,<br />

uma forma de conhecimento, uma contemplação da verdade”. A fé, então,<br />

não deve ser representada como uma menina cega apegada a uma cruz - a<br />

fé não é cega - “Doutra forma a cruz pode muito bem ser um crucifixo ou uma<br />

imagem de Gautama”, “A cega descrença”, não a fé cega, “sem dúvida deve<br />

errar, e esquadrinhar suas obras em vão”. Como na consciência reconhecemos<br />

uma autoridade invisível, conhecemos a verdade em exata proporção<br />

com o nosso desejo de “praticar a verdade”, assim na religião só a santidade<br />

pode conhecer a santidade e só o amor pode entender o amor (cf. Jo. 3.21 -<br />

“quem pratica a verdade vem para a luz”).<br />

Se um estado correto do coração for indispensável à fé bem como o<br />

conhecimento de Deus, pode haver qualquer “theologia irregenitorum”, ou<br />

teologia dos irregenerados? Sim, respondemos; do mesmo modo que um<br />

cego pode ter uma ciência da ótica. O testemunho dos outros dá sua reivindicação<br />

a ele; a obscura luz que penetra a obscura membrana corrobora este<br />

testemunho. O irregenerado pode conhecer a Deus como poder e justiça, e<br />

temê-lo. Mas isto não é o conhecimento do mais íntimo caráter de Deus; ele<br />

fornece um certo material para uma teologia defeituosa ou desproporcional;<br />

mas não fornece material suficiente para uma correta teologia. Como, para<br />

tornar esta ciência da ótica satisfatória e completa, um oftalmologista competente<br />

deve remover a catarata dos seus olhos, assim, para qualquer teologia<br />

completa ou satisfatória, é preciso que Deus lhe retire o véu do coração<br />

(2 Co. 3.15,16 - “o véu está posto no coração deles. Mas, quando [marg. ‘os<br />

homens’] se converterem ao Senhor, o véu se tirará”).<br />

A nossa doutrina da fé é o conhecimento e o mais elevado de todos; deve<br />

distinguir-se do de Ritschl, cuja teologia é um apelo ao coração para a exclusão<br />

da cabeça - para a fiducia sem notitia. Mas fiducia inclui notitia; doutra<br />

forma é cega, irracional e anticientífica. R o b e rt Brow ning igualmente caiu num<br />

profundo erro especulativo quando, para comprovar sua fé otimista, estigmatizou<br />

o conhecimento humano como simplesmente aparente. O apelo tanto<br />

de R its c h l como de B row ning da cabeça para o coração deve mais ser um<br />

apelo do mais estreito conhecimento do simples intelecto para o maior<br />

conhecimento condicionado à correta afeição.<br />

2. Na capacidade humana de conhecer Deus<br />

Porém tem-se argumentado que tal conhecimento é impossível pelas seguintes<br />

razões:<br />

A) Podemos conhecer apenas os fenômenos.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Respondemos:<br />

á) Como conhecemos os fenômenos físicos assim tam bém conhecemos os<br />

mentais, b) Conhecendo os fenômenos, quer físicos, quer mentais, conhecemos<br />

a substância subjacente aos fenômenos, m anifestada através deles e que<br />

constitui a base de sua unidade, c) A nossa m ente traz à observação do fenômeno<br />

não só o conhecimento da substância, mas tam bém de tempo, de espaço,<br />

de causa e de justiça, realidades que em nenhum sentido são fenomenais. Porque<br />

estes objetos do conhecim ento não são fenomenais, o fato de que Deus<br />

não é fenomenal não nos impede de conhecê-lo.<br />

Não precisamos aqui determinar o que é substância. Quer sejamos realistas<br />

ou idealistas, somos compelidos a admitir que não pode haver fenômenos<br />

sem os númenos, não pode haver aparências, não pode haver qualidades<br />

sem algo que seja qualificado. Este algo que serve de base ou está sob a<br />

aparência ou qualidade chamamos substância. Em nossa filosofia somos mais<br />

iotzeanos do que kantianos. Dizer que não conhecemos o eu, mas apenas as<br />

suas manifestações no pensamento, é confundir o eu com o seu pensamento<br />

e ensinar psicologia sem alma. Dizer que de modo nenhum conhecemos o<br />

mundo exterior, mas apenas as suas manifestações nas sensações, é ignorar<br />

o princípio que liga tais sensações; porque, sem algo a que as qualidades<br />

são inerentes, elas não têm base alguma para sua unidade. De igual modo,<br />

dizer que não conhecemos nada de Deus a não ser suas manifestações, é<br />

confundir Deus com o mundo e praticamente negar que haja Deus.<br />

S tãhlin, em sua obra sobre Kant, Lotze e R its c h l, 186-191,218,219, diz<br />

com precisão que “a limitação do conhecimento dos fenômenos envolve, na<br />

teologia, a eliminação de todas as reivindicações do conhecimento dos objetos<br />

da fé cristã como são em si mesmas”. Esta crítica, com justiça, põe na<br />

mesma classe R its c h l junto com Kant, ao invés de pô-los com Lotze que<br />

sustenta que, conhecendo os fenômenos, conhecemos também os númenos<br />

manifestos neles. Conquanto R its c h l professe seguir Lotze, toda a tendência<br />

da sua teologia caminha na direção da identificação kantiana do mundo com<br />

as nossas sensações, a mente com os nossos pensamentos e Deus, com<br />

atividades tais que lhe são peculiares como nós as percebemos. Nega-se a<br />

natureza divina, independente das suas atividades, o Cristo preexistente, a<br />

Trindade imanente. Afirmações de que Deus é amor e paternidade consciente<br />

de si mesmo tornam-se juízos de valor meramente subjetivo.<br />

Admitimos que conhecemos Deus só até onde as suas atividades o revelam<br />

e até onde as nossas mentes e corações são receptivos à sua revelação.<br />

Deve-se exercer o conjunto de faculdades apropriadas - não as matemáticas,<br />

as lógicas ou as que se referem à prudência, mas a ética e a religiosa.<br />

Ritschl tem o mérito de reconhecer a razão prática da especulativa; seu erro<br />

não consiste em reconhecer que, quando usamos adequadamente os poderes<br />

do conhecimento, tomamos posse não simplesmente da verdade subjetiva,<br />

mas também da objetiva e não somente entramos em contato com as<br />

atividades de Deus, mas com o próprio Deus. Os juízos religiosos normais,<br />

embora dependam das condições subjetivas, não são apenas “juízos de<br />

27


2 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

mérito”, ou “juízos de valor”, - elas nos fornecem o conhecimento das “próprias<br />

coisas”. Edward Caird diz do seu irmão John Caird (Fund. Ideas of Chrístianity,<br />

Introd... cxxi) - “A pedra fundamental da sua teologia é a convicção de que se<br />

pode conhecer e conhece-se a Deus e de que, no sentido mais profundo,<br />

todo o nosso conhecimento é o dele”.<br />

O fenomenalismo de R its c h l está aliado ao positivismo de Comte, que<br />

considera todo o assim chamado conhecimento de outro tipo que não sejam<br />

os objetos fenomenais puramente negativos. A expressão “Filosofia Positiva”<br />

na verdade implica que todo o conhecimento da mente é puramente negativo;<br />

ver Comte, Pos. Philosophy, tradução de M artineau, 26,28,33 - “Para observar<br />

o vosso intelecto deveis fazer uma pausa nas atividades - embora queirais<br />

observar essa mesma atividade. Se não puderdes fazer a pausa, não<br />

podereis observar; se a fizerdes, nada há a observar”. Dois fatos refutam este<br />

ponto de vista: 1) a consciência e 2) a memória; porque a consciência é o<br />

conhecimento do eu ao lado do conhecimento dos seus pensamentos e a<br />

memória é o conhecimento do eu ao lado do conhecimento do passado dela.<br />

Os fenômenos são “fatos, distintos da sua base, princípio, ou lei”; “não se<br />

percebem os fenômenos nem as qualidades, como tais, mas os objetos, as<br />

percepções, ou os seres; e é por um pensamento posterior ou por um reflexo<br />

que estes se ligam como qualidades e são tidos como substâncias”.<br />

Os fen ôm en os podem s e r interiores, /'.e., pensam entos; neste caso, o<br />

núm eno é a m ente cujas m anifestações são os pensam entos. Por outro lado,<br />

os fenôm enos podem ser exteriores, e.g., a cor, a dureza, a form a, o tam anho;<br />

neste caso, o núm eno é a m atéria, cujas qualidades são as m anifestações.<br />

M as as qualidades, quer m entais, quer m ateriais, im plicam a existência<br />

de um a substância a que pertencem ; não se pode concebê-las com o uma<br />

existência a parte da substância, m ais do que com o um lado superior de uma<br />

tábua assim com o não se pode concebê-las com o existentes sem um lado<br />

inferior; ver M artineau, Types of Ethical Theory, 1.455,456 - “A suposição de<br />

Comte de que a m ente não pode con he cer a si m esm a ou os seus estados<br />

opõe-se à de Kant, de que a m ente nada pode con he cer a não ser a si m esma.<br />

... É exatam ente porque todo o conhecim ento vem dos relacionam entos<br />

que ele não vem e nem pode vir só dos fenôm enos. O absoluto não pode se<br />

conhecido per se porque, ao ser conhecido, ele se relacionaria ipso facto e<br />

não m ais seria absoluto. M as nem o elem ento fenom enal pode ser conhecido<br />

per se, i. e., com o fenom enal, sem a cognição sim ultânea do que é o não<br />

fenom enal” . McCosh, Intuitions, 138-154, estabelece as caraterísticas das substâncias<br />

com o 1) ser, 2) poder, 3) perm anecer. Diman, Theistic Argument, 337,363<br />

- “A teoria que rejeita Deus, rejeita o m undo exte rior e a existência da alm a”.<br />

C onhecem os algo além dos fenôm enos, a saber, lei, causa, força, - ou não<br />

podem os ter ciência.<br />

B) Porque só podemos conhecer o que tem analogia com a nossa natureza<br />

ou experiência.<br />

Respondemos: d) Para o conhecim ento não é essencial que haja semelhança<br />

de natureza entre conhecedor e conhecido. Conhecem os tanto pela<br />

diferença como pela semelhança, b) N ossa experiência passada, apesar de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

facilitar grandem ente novas aquisições, não é a m edida do nosso conhecimen-<br />

t : possível. Se assim fosse, seria inexplicável o prim eiro ato de conhecimento<br />

e toda a revelação dos mais elevados caracteres até os menores seria excluída<br />

assim como todo o progresso no conhecim ento que ultrapassa o nosso presente<br />

conhecimento, c) M esmo que o conhecim ento dependesse da semelhança<br />

entre a natureza e a experiência, poderíamos conhecer Deus, visto que somos<br />

feitos à sua imagem e há importantes analogias entre a natureza divina e a nossa.<br />

a) O dito de Empédocles, “Similia similibus percipiuntur”, deve ser suplementado<br />

por um outro: “Similia dissimilibus percipiuntur”. Mas conhecer é distinguir,<br />

e deve haver um contraste entre os objetos a fim de nos despertar a<br />

atenção. Deus conhece o pecado, embora este seja a antítese do seu santo<br />

ser. O eu conhece o não-eu. Não podemos conhecer até mesmo o eu sem<br />

considerá-lo objetivamente, distinguindo-o dos seus pensamentos e conside-<br />

rando-o como um outro.<br />

b) Versus H e rb e rt Spencer, First Principies, 79-82 - “Conhecimento é o<br />

reconhecimento e a classificação”. Mas retrucamos que é necessário perceber<br />

primeiro uma coisa para reconhecê-la, ou compará-la com outra; e isto é<br />

verdade, tanto a respeito da primeira sensação como da última e as mais<br />

definidas formas de conhecimento; na verdade, não há nenhuma sensação<br />

que não envolva, como complemento, ao menos uma percepção incipiente.<br />

c) P o rte r, Human Intellect, 486 - “A indução só é possível baseada na<br />

suposição de que o intelecto do homem é um reflexo do divino, ou que o<br />

homem é feito à imagem de Deus”. Note, contudo, que o homem é feito à<br />

imagem de Deus, e não Deus à imagem do homem. A pintura é a imagem<br />

paisagística, não o contrário a paisagem, a imagem da pintura; porque há<br />

muito na imagem que não tem nada que corresponda a ela na pintura.<br />

A idolatria perversamente faz Deus à imagem do homem e deifica as fraquezas<br />

das impurezas do homem. A Trindade em Deus pode não ter a exata<br />

contrapartida na atual constituição do homem, embora possa descortinar-nos<br />

o objetivo do desenvolvimento futuro do homem e o sentido da crescente<br />

diferenciação das forças do homem. G ore, Incarnation, 116 - “Se o antropo-<br />

morfismo aplicado a Deus é falso, ainda o teomorfismo aplicado ao homem é<br />

verdadeiro; o homem é feito à imagem de Deus, e as suas qualidades não são,<br />

a medida das divinas, mas a contrapartida destas e a verdadeira expressão”.<br />

C) Porque conhecem os apenas aquilo que podem os conceber, no sentido<br />

de formar um a imagem mental adequada.<br />

Respondemos: d) É verdade que conhecem os só aquilo que podemos conceber<br />

se pelo term o “conceber” significamos nossa distinção entre o pensamento<br />

do objeto conhecido e os demais objetos. M as b) a objeção confunde<br />

concepção com o que é meramente seu acessório ocasional e auxílio, a saber,<br />

o quadro que a imaginação faz do objeto. N este sentido, não é teste final da<br />

verdade, c) Torna-se claro que a form ação de um a im agem mental não é<br />

29


3 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

essencial à concepção ou ao conhecim ento, quando lembramos que, de fato,<br />

tanto concebemos como conhecemos muitas coisas de que não podemos form<br />

ar im agem mental seja ela qual for e que em nada corresponde à realidade;<br />

por exemplo: força, causa, lei, espaço, nossas próprias mentes. Assim podemos<br />

conhecer Deus apesar de que não podem os form ar im agem mental adequada<br />

a respeito dele.<br />

A objeção aqui refutada se expressa mais claramente nas palavras de<br />

H e rb e rt Spencer, First Principies, 25-36, 98 - “A realidade subjacente às aparências<br />

é total e permanentemente inconcebível por nós”. Mansel, Prolego-<br />

mena Logica, 77,78 (cf.. 26) sugere que a fonte deste erro encontra-se num<br />

ponto de vista falho da natureza do conceito: “A primeira caraterística distintiva<br />

de um conceito, a saber, que não pode por si mesmo ser descrito no sentido<br />

e na imaginação”. P o rte r, Human Intellect, 392 (vertb. 429,656) - “Conceito<br />

não é uma imagem mental” - só a percepção o é. Lotze: “De um modo<br />

geral não se representa a cor através de qualquer imagem; ela não se apresenta<br />

nem verde nem vermelha, mas não tem qualquer caraterização”. O cavalo,<br />

genericamente, não tem uma cor particular, embora individualmente possa<br />

ser preto, branco ou baio. S ir W illia m H am ilton fala das “noções de<br />

inteligência impossíveis de ser representadas em pintura”.<br />

M artineau, Religion and Materialism, 39,40 - “Esta doutrina da Nesciência<br />

encontra-se na mesma relação com o poder causai, quer você a construa<br />

com o Poder Material, quer com a Atuação Divina. Nem pode ser observada',<br />

deve-se aceitar um ou outro. Se você admite para a categoria do conhecimento<br />

o que se aprende a partir da observação, seja particular, seja generalizada,<br />

então se trata de uma Força desconhecida; se você amplia a palavra<br />

ao que é importado pelo próprio intelecto em nossos atos cognitivos, para<br />

torná-los assim, então se conhece Deus”. A matéria, o éter, a energia, o protoplasma,<br />

o organismo, a vida, - nenhum deles pode ser retratado para a<br />

imaginação; contudo, o S r. Spencer os trata como objetos da Ciência. Se não<br />

são inescrutáveis, por que ele considera inescrutável a Força que dá unidade<br />

a todas estas coisas?<br />

N a verdade, H e rb e rt Spencer não é coerente consigo m esm o, pois, em<br />

diversas partes dos seus escritos, ele cham a Realidade inescrutável dos fenôm<br />

enos a E xistência A bsoluta, Poder e C ausa unas, eternas, ubíquas, infinitas,<br />

últim as. “ P arece” , diz o Padre D algairns, “que se conhece m uita coisa do<br />

D esconhecido” . Chadwick, Unitaríanism, 75 - “A pobre expressão ‘D esconhecid<br />

o ’ torna-se, depois das repetidas designações de Spencer, tão rica com o<br />

todo o conhecim ento salvad or de C reso” . Matheson: “S aber que nada sabem<br />

os já significa ter chegado a um fato do conhecim ento”. Se o S r. Spencer<br />

pretendia excluir Deus do reino do Conhecim ento, devia prim eiro tê-lo excluído<br />

do reino da E xistência; porque adm itir que ele é, já é adm itir que nós não<br />

podem os conhecê-lo, m as, na verdade, em certo ponto, nós o conhecem os.<br />

D) Porque podemos conhecer, na verdade, só o que conhecemos no todo,<br />

não em parte.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 31<br />

Respondemos: a) A objeção confunde conhecim ento parcial com o<br />

conhecimento de um a parte. Conhecemos a m ente em parte, mas não conhecemos<br />

um a parte da mente, b) Se a objeção fosse válida, nenhum conhecimento<br />

real de qualquer coisa seria possível, visto que não conhecemos um a só<br />

coisa em todas as suas relações. Concluímos que, em bora Deus não seja formado<br />

de partes, podemos ainda ter um conhecim ento parcial dele e tal conhecimento,<br />

em bora não exaustivo, pode ser real e adequado aos propósitos da<br />

ciência.<br />

a) A objeção mencionada no texto é estimulada por M ansel, Limits of<br />

Religious Thought, 97, 98 e é M artineau, Essays, 1.291 quem a responde.<br />

A mente não existe no espaço e não tem partes: não podemos falar do seu<br />

quadrante sudoeste, nem podemos dividi-la em metades. Contudo, encontramos<br />

o material para a ciência mental no conhecimento parcial da mente.<br />

Assim, conquanto não sejamos “geógrafos da natureza divina” ( B o w n e , Review<br />

of Spencer, 72), podemos dizer com Paulo, não que “agora conhecemos uma<br />

parte de Deus”, mas que “agora conheço [Deus] em parte” (1 Co. 13.12).<br />

Podemos conhecer verdadeiramente o que não conhecemos exaustivamente;<br />

ver Ef. 3.19- “conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento”.<br />

Não me entendo perfeitamente, contudo me conheço em parte; assim posso<br />

conhecer a Deus, apesar de não entendê-lo perfeitamente.<br />

b) O mesmo argumento que prova que Deus é incognoscível prova também<br />

que também o mundo o é. Visto que todas partículas da matéria atraem-<br />

se mutuamente, nenhuma delas pode ser explicada exaustivamente sem<br />

levar em conta as demais. Thomas C a rly le : “É um fato matemático que o lançamento<br />

desta pedra da minha mão altera o centro de gravidade do universo”.<br />

Tennyson, Higher Pantheism: “Flor na parede rachada, eu a arranco das<br />

rachaduras; / Segure-se aqui, raiz e tudo, na minha mão, ó florzinha, porém<br />

não posso entender / O que é você, raiz e tudo, e em tudo, / Devo conhecer<br />

o que Deus é e o que é o homem”. Schurman, Agnosticism, 119 - “Mesmo<br />

parcial como é, esta visão do elemento divino transfigura a vida do homem<br />

sobre a terra”. P fle id e re r, Philos. Religion, 1.167 - “O agnosticismo de coração<br />

fraco é pior que o arrogante e titânico gnosticismo contra o qual ele protesta”.<br />

E) Porque todos os predicados de Deus são negativos e, por isso, não fornecem<br />

conhecim ento real. Respondemos: a) Os predicados derivados da nossa<br />

consciência, tais como, espírito, amor e santidade são positivos, b) Os termos<br />

“infinito” e “absoluto”, contudo, expressam não m eram ente um a idéia<br />

negativa, mas positiva, - a idéia, naquele caso, da ausência total de limite, a<br />

idéia de que o objeto assim descrito continua e continua sempre; a idéia, neste<br />

caso, de inteira auto-suficiência. Porque os predicados de Deus, portanto, não são<br />

meramente negativos, o argumento acim a m encionado não fornece nenhuma<br />

razão válida por que não podemos conhecê-lo.


3 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Versus S ir W illiam Hamilton, Metaphysics, 530 - “O absoluto e o infinito<br />

podem ser concebidos somente com a negação do objeto do pensamento;<br />

a saber, de qualquer modo não temos em outras palavras nenhuma a concepção<br />

do absoluto e do infinito”. Hamilton aqui confunde o infinito, ou ausência<br />

de todos limites, com o indefinido, ou a ausência de todos limites conhecidos.<br />

Per contra, ver C alderw ood, Moral Philosophy, 248, e Philosophy of the<br />

Infinite, 272 - “A negação de uma coisa só é possível através da afirmação de<br />

outra”. P o rte r, Human Intellect, 652 - Se os moradores da Ilha de Sandwich,<br />

por falta de nome, tinham chamado o boi de não porco (not-hog), o emprego<br />

de um nome negativo não autoriza necessariamente a inferência de falta de<br />

concepções definidas ou conhecimento positivo”. Deste modo com o infinito,<br />

ou não finito, o incondicionado ou não condicionado, o independente, ou não<br />

dependente, - estes nomes não implicam que não podemos conceber e<br />

conhecer como algo positivo. Spencer, First Principies, 92 - “O nosso conhecimento<br />

do Absoluto, embora indefinido, não é negativo, mas positivo”.<br />

Schurman, Agnosticism, 1 00, fala da “farsa da nesciência atribuindo à onis-<br />

ciência os limites da ciência”. “O agnóstico”, diz ele, “erige o quadro invisível<br />

de um Grand Être, sem forma e sem cor, separado de modo absoluto do<br />

homem e do mundo - branco interiormente e vazio por fora - com sua existência<br />

indistinguível da sua não existência e, curvando-se diante da criação<br />

idólatra, derrama a sua alma em lamentações sobre a incognoscibilidade de<br />

tal mistério e pavorosa ausência de identidade. ... A verdade é que se desconhece<br />

a abstração agnóstica da Deidade, porque tal abstração é irreal”. Ver<br />

McCosh, Intuitions, 194, nota; M ivart, Lessons from Nature, 363. Deus não é<br />

necessariamente infinito em todos aspectos. Ele só é infinito em toda a excelência.<br />

Um plano ilimitado em um aspecto de comprimento pode ser limitado<br />

em outro aspecto, como, por exemplo, a respiração. A nossa doutrina aqui<br />

não é, por isso, inconsistente com o que se segue de imediato.<br />

F) Porque conhecer é limitar ou definir. Por isso o Absoluto como ilimitado<br />

e o Infinito com o indefinido não pode ser conhecido. Respondemos:<br />

a) Deus é absoluto, não como existindo sem nenhum a relação, mas como existindo<br />

sem nenhum a relação necessária; e b) Deus é infinito, não excluindo<br />

toda a coexistência do finito com ele mesmo, mas como a base do finito, e<br />

assim, não algemado por ele. c) Deus, na verdade, está limitado pela imutabilidade<br />

de seus atributos e distinções pessoais bem como pela auto-escolha das<br />

suas relações com o universo que ele criou e com a humanidade na pessoa de<br />

Cristo. Portanto, Deus se limita e se define no sentido de tornar possível o<br />

conhecimento dele.<br />

Versus M ansel, Limitations ofReiigious Thought, 75-84, 93-95; cf. Spinoza:<br />

“Omnis determinatio est negatio"; por isso definir Deus é negá-lo. Respondemos,<br />

entretanto, que a perfeição é inseparável da limitação. O ser humano<br />

pode ser um outro além do que é: com Deus não acontece isso, ao menos<br />

interiormente. Mas tal limitação inerente em seus imutáveis atributos e distin­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 33<br />

ções pessoais, é a perfeição de Deus. Exteriormente, todas limitações sobre<br />

Deus são auto-limitações e, portanto consistentes com a sua perfeição. Esse<br />

Deus não deve ser capaz de limitar-se na criação e a redenção tornaria todo<br />

o seu sacrifício impossível e o sujeitaria à maior das limitações. Pelo exposto<br />

podemos dizer que 1. A perfeição de Deus envolve sua limitação a) a pesso-<br />

alidade, b) à Trindade, c) à retidão; 2. A revelação de Deus envolve sua auto-<br />

limitação a) no decreto, b) na criação, c) na preservação, d) no governo, e) na<br />

educação do mundo; 3. A redenção envolve sua infinita auto-limitação a) na<br />

pessoa e b) na obra de Jesus Cristo.<br />

Bowne, Philos. of Creation, 135 - “O infinito não é o todo quantitativo; o<br />

absoluto não é o não relacionado ... Tanto o absoluto como o infinito significam<br />

apenas a base independente das coisas”. Julius M ü lle r, Doct. of Siri,<br />

Introd..., 10 - “A religião tem a ver não com um Objeto que deve ser por si<br />

mesmo conhecido porque da sua própria existência é contingente em<br />

ser conhecido, mas com o Objeto com que nos relacionamos, na verdade,<br />

submissos, na dependência dele e no aguardo da sua manifestação”. James<br />

M artineau, Study of Religion, 1.346 - “Não devemos confundir o infinito com o<br />

total. ... A abnegação própria da infinitude é tão somente a forma de auto-<br />

afirmação e a única em que ela pode revelar-se. ... Embora o pensamento<br />

onisciente seja instantâneo, embora certa a força onipotente, sua execução<br />

tem de ser distribuída no tempo e deve ter uma ordem de passos sucessivos;<br />

em outros termos, o eterno pode tornar-se temporal e o infinito falar articula-<br />

damente no finito”.<br />

A pessoalidade perfeita exclui não a determinação própria, mas a que<br />

vem de fora através de um outro. As auto-limitações de Deus são as do amor<br />

e, consequentemente, as evidências da sua perfeição. São sinais não de fraqueza,<br />

mas de poder. Deus limitou-se ao método da evolução desenvolvendo-se<br />

gradualmente na natureza e na história. O governo dos pecadores por<br />

um Deus santo envolve constante auto-repressão. A educação da raça é um<br />

longo processo de abnegação divina. H erder: “As limitações do aluno são<br />

também as do mestre”. Na inspiração, Deus se limita através do elemento<br />

humano por quem ele opera. Sobretudo, na pessoa e obra de Cristo, temos<br />

infinita auto-limitação: A infinitude se estreita até na encarnação e a santidade<br />

suporta as agonias da Cruz. As promessas de Deus são também auto-<br />

limitações. Deste modo tanto a natureza como a graça são restrições impostas<br />

a si mesmo por Deus e são os recursos através dos quais ele se revela.<br />

G) Porque todo o conhecim ento é relativo ao agente conhecedor; isto é, o<br />

que conhecemos, conhecemos, não como é objetivamente, mas só no que se<br />

relaciona com nossos sentidos e faculdades. Respondemos: d) Admitimos que<br />

podemos conhecer só o que se relaciona com as nossas faculdades. Mas isto<br />

somente eqüivale a dizer que conhecemos só aquilo que vem ao nosso contato<br />

mental, isto é, conhecemos apenas o que conhecemos. M as b) negamos que<br />

conhecemos aquilo que vem ao nosso contato mental como outra coisa além<br />

do que é. Até onde conhecemos, conhecemos como é. Em outras palavras, as<br />

leis do nosso conhecimento não são m eram ente arbitrárias e regulativas, mas


3 4<br />

Augustus H opkins Strong<br />

correspondem à natureza das coisas. Concluímos que, em teologia, temos a<br />

garantia de adm itir que as leis do nosso pensam ento são as leis do pensamento<br />

de Deus e que os resultados do pensamento norm alm ente conduzido em relação<br />

a Deus correspondem à realidade objetiva.<br />

Versus S ir W illiam Hamilton, Metaph., 96-116 e H e rb e rt Spencer, First Principies,<br />

68-97. Esta doutrina da relatividade deriva de Kant, que, na Crítica da<br />

Razão Pura, sustenta que os juízos a priori são somente “reguladores”. Respondemos,<br />

entretanto, que, quando se acha que as crenças primitivas são<br />

apenas reguladoras, elas deixam de regulamentar. As formas de pensamento<br />

são também fatos da natureza. Diferentemente do vidro de um caleidoscópio,<br />

a mente não fornece as formas; ela reconhece que estas têm existência exterior<br />

a ela mesma. A mente lê as suas idéias não rumo ao interior da natureza,<br />

mas nela. Nossas intuições não são lentes verdes que fazem o mundo todo<br />

parecer verde: são lentes de um microscópio, que nos capacitam a ver o que<br />

é objetivamente real (Royce, Spirit of Mod. Philos., 125). K ant chamava o<br />

nosso entendimento de “legislador da natureza”. Mas isto é verdade, só como<br />

descobridor das suas leis, não como seu criador. A razão humana impõe as<br />

suas leis e formas sobre o universo; mas, fazendo isso, ela interpreta o sentido<br />

real dele.<br />

Ladd, Philos. of Knowledge: “Todo juízo implica uma verdade objetiva<br />

segundo a qual julgamos e que constitui o padrão e com a qual temos algo<br />

em comum, /.e., as nossas mentes são parte de uma mente infinita e eterna”.<br />

Aforismo francês: “Quando você está certo, você está mais certo do que pensa<br />

estar”. Deus não nos põe em permanente confusão intelectual. Foi debal-<br />

de que K ant escreveu “trânsito não impedido” sobre a razão em seu mais<br />

elevado exercício. M artineau, Study of Religion, 1.135,136 - “Bem ao contrário<br />

da suposição de K ant de que a mente nada pode conhecer além de si<br />

mesma, podemos estabelecer a suposição de Comte, igualmente sem garantia,<br />

de que a mente não pode conhecer-se a si mesma ou os seus estados.<br />

Não podemos ter filosofia sem suposições. Você dogmatiza se diz que as<br />

formas correspondem à realidade; mas igualmente você dogmatiza se diz<br />

que não correspondem. ... 79 - Que as nossas faculdades cognitivas correspondem<br />

às coisas tais quais são, é muito menos surpreendente do que se<br />

elas correspondem às coisas que não são". W. T. H a rris, in Journ. Spec.<br />

Philos., 1.22, expõe as contradições próprias de Spencer: “Todo o conhecimento<br />

não é absoluto, mas relativo; nosso conhecimento deste fato, entretanto,<br />

não é relativo, mas absoluto”.<br />

R itsch l, Justification and Reconciliation, 3.16-21, estabelece limites, com<br />

uma correta afirmação da natureza do conhecimento, e adere à doutrina de<br />

Lotze, distinta da de K ant. A declaração de R its c h l pode resumir-se da<br />

seguinte maneira: Tratamos, não do Deus abstrato da metafísica, mas do<br />

Deus que a si mesmo se limitou e se revela em Cristo. Não conhecemos ou<br />

as coisas, ou Deus independentemente dos seus fenômenos ou manifestações,<br />

como imaginava P latão; não conhecemos os fenômenos ou manifestações<br />

sozinhos, sem conhecer as coisas ou Deus, como supunha Kant; mas,<br />

na verdade, conhecemos tanto as coisas como Deus nos fenômenos e mani-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

'estações, como ensinava L o tz e . Não sustentamos a união mística com Deus,<br />

:endo como retaguarda toda a experiência religiosa, como ensina o Pietismo;<br />

a alma está sempre e somente em atividade e a religião é a atividade do<br />

espírito humano no qual o sentimento, o conhecimento e a vontade combinam-se<br />

numa ordem inteligível”.<br />

Porém o Dr. C. M. M ead, Ritschl’s Place in the History of Doctrine, bem<br />

~iostra que R it s c h l não seguiu L o tz e . Seus “juízos de valor” são apenas uma<br />

aplicação do princípio “regulador” de K a n t à teologia. Ele sustenta que podemos<br />

conhecer as coisas não como são em si mesmas, mas só como se nos<br />

apresentam. Retrucamos que, o que as coisas são para nós depende do que<br />

são em si mesmas. R it s c h l considera as doutrinas da preexistência de Cristo,<br />

divindade e expiação como intromissões da metafísica na teologia, matéria a<br />

respeito da qual não podemos conhecer e com a qual nada temos a ver. Não<br />

há propiciação ou união mística com Cristo; e Cristo é o nosso exemplo, mas<br />

não o nosso Salvador expiador. R it s c h l faz bem em reconhecer que o amor<br />

em nós dá olhos à mente e nos capacita a ver a beleza de Cristo e sua verdade.<br />

Mas o nosso juízo não é, como ele defende, um juízo de valor meramente<br />

subjetivo, - é uma entrada em contato com o fato objetivo.<br />

3. Xa revelação do próprio Deus<br />

Como neste lugar não tentamos apresentar um a prova positiva da existência<br />

de Deus ou da capacidade que o hom em tem de conhecer a Deus, assim<br />

não tentamos, por ora, provar que Deus entrou em contato com a m ente humana<br />

através da revelação. Daqui para frente consideraremos as bases desta crença.<br />

Por ora, nosso alvo é simplesmente m ostrar que, admitindo o fato da revelação,<br />

é possível um a teologia científica. Isto tem sido negado nas seguintes<br />

bases:<br />

A) Que a revelação, como um processo de tom ar conhecido, é necessariamente<br />

interior e subjetiva - quer seja um modo de inteligência, quer um despertar<br />

das forças cognitivas - e, por isso, não pode fornecer nenhum fato objetivo<br />

que constitua material próprio para ciência.<br />

M o r e ll, Philos. fíeligion, 128-131,143 - “A Bíblia não pode com a estrita<br />

exatidão da língua, ser chamada de revelação, visto que uma revelação sempre<br />

implica um verdadeiro processo de inteligência em uma mente viva”.<br />

F. W. N ew m an, Phases of Faith, 152 - “Nada conhecemos do nosso Deus<br />

moral e espiritual exteriormente - sempre interiormente”. T h e o d o re P a rk e r:<br />

“A revelação verbal nunca pode comunicar uma simples idéia como a de Deus,<br />

da Justiça, do Amor, da Religião”. James M a rtin e a u , Seat ofAuthority in Religion:<br />

“Tantas mentes quantas existem conhecem a Deus ao primeiro contato, tem<br />

havido tantos atos reveladores e tantos quantos o conhecem indiretamente<br />

são estranhos à revelação”; assim, admitindo que a revelação exterior seja<br />

impossível, M a rtin e a u sujeita todas provas de tal revelação à desleal crítica<br />

destrutiva. P f le id e r e r , Philos. Religion, 1 .1 8 5 - “Como toda revelação é origi-<br />

35


3 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

nariamente uma experiência de vida interna, o aparecimento da verdade religiosa<br />

no coração, nenhum evento pode pertencer de si mesmo à revelação,<br />

independente de ser natural ou sobrenaturalmente ocasionado”. P r o f . G e o rg e<br />

M . F o rb e s : “Nada nos pode ser revelado que não se prenda à nossa razão.<br />

Segue-se que, na medida em que a razão age normalmente, ela é uma parte<br />

da revelação”. R itc h ie , Darwin and Hegel, 30 - “A revelação de Deus é o<br />

desenvolvimento da sua idéia”.<br />

Em resposta a esta objeção, apresentada principalm ente pelos idealistas na<br />

filosofia:<br />

d) Admitimos que a revelação, para ser eficaz, deve ser o meio de induzir a<br />

um novo modo de inteligência, ou, em outras palavras, deve ser entendida.<br />

Admitimos que este entendim ento das coisas divinas é impossível sem um<br />

despertar das forças cognitivas do homem. Além disso, admitimos que a revelação,<br />

quando originariamente transmitida, via de regra era interior e subjetiva.<br />

M a th e s o n , Moments on the Mount, 51-53, sobre Gl. 1.16 - “revelar o seu<br />

Filho em mim”; “A revelação no caminho de Damasco não teria iluminado<br />

Paulo se não fosse somente uma visão dos seus olhos. Nada pode ser revelado<br />

para nós que não tenha sido revelado dentro de nós. O olho não vê a<br />

beleza da paisagem, nem o ouvido ouve a beleza da música. Do mesmo<br />

modo a carne e o sangue não nos revelam Cristo. Sem o ensino do Espírito,<br />

os fatos exteriores serão somente como as letras de um livro para uma criança<br />

que não sabe ler”. Podemos dizer com C h a n n in g : “Estou mais certo de que<br />

minha natureza racional vem de Deus mais do que qualquer livro que expresse<br />

a sua vontade”.<br />

b) Mas negamos que a revelação exterior é, por isso, inútil e impossível.<br />

M esmo que as idéias religiosas surgissem totalmente de dentro, um a revelação<br />

externa podia despertar os poderes dormentes da mente. Contudo, as idéias<br />

não surgem totalmente de dentro. A revelação exterior pode transmiti-las.<br />

O hom em pode revelar-se através de com unicação exterior e, se Deus tem<br />

poder igual ao do homem, pode revelar-se de igual maneira.<br />

R o g e rs , Eclipse of Faith, indaga assinaladamente: “Se a S ra . M o r e l l e a<br />

S r a . N ewm an ensinam através de um livro, não pode Deus fazer o mesmo?”<br />

L o tz e , Microcosm, 2.660 (livro 9, cap. 4), fala da revelação “contida em algum<br />

ato divino, da ocorrência histórica ou repetido continuamente no coração do<br />

homem”. Mas, na verdade, não há nenhuma alternativa aqui; a força do credo<br />

cristão é que a revelação de Deus é tanto exterior quanto interior. R ainy, Criticai<br />

Review, 1.1-21, diz com precisão que, sem garantia, M a rtin e a u isola da<br />

alma do indivíduo a testemunha de Deus. As necessidades interiores precisam<br />

ser combinadas com as exteriores a fim de assegurar que não se trata<br />

de um capricho da imaginação. É necessário distinguirmos as revelações de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 37<br />

Deus das nossas fantasias. Daí, antes de dar-nos o padrão interior, Deus, via<br />

se regra, nos dá o exterior, através do qual testamos nossas impressões.<br />

Somos finitos e pecadores e necessitamos de autoridade. A revelação exterior<br />

recomenda-se como tendo autoridade sobre o coração que reconhece as suas<br />

necessidades espirituais. A autoridade exterior evoca o testemunho interior e<br />

ihe dá maior clareza, mas só a revelação histórica fornece prova inconteste<br />

de que Deus é amor e nos dá a segurança de que os nossos anseios para<br />

com Deus não são vãos.<br />

c) Por isso a revelação de Deus pode ser e, com o veremos daqui em diante,<br />

é. em grande parte, um a revelação exterior em obras e palavras. O universo é<br />

um a revelação de Deus; as obras de Deus na natureza precedem as suas palavras<br />

na história. Contudo, reivindicamos que, em muitos casos em que se<br />

comunicou a verdade originariamente de form a interior, o mesmo Espírito<br />

que a comunicou efetuou seu registro exterior, de modo que a revelação interior<br />

pôde ser transm itida a outros além dos que prim eiro a receberam.<br />

Não devemos limitar a revelação às Escrituras. O Verbo eterno antedatou<br />

a palavra escrita e, através do Verbo eterno, Deus se fez conhecido na natureza<br />

e na história. A revelação exterior precede e condiciona a interior.<br />

No tempo certo a terra aparece antes do homem e a sensação antes da percepção.<br />

A ação expressa melhor o caráter e a revelação histórica ocorre mais<br />

pelos fatos do que pelas palavras. D o r n e r , Hist. Prot. Theol., 1.231-264 -<br />

“O Verbo não está apenas nas Escrituras. Toda a criação o revela. Na natureza<br />

Deus mostra o seu poder; na encarnação a sua graça e verdade. A Escritura<br />

dá testemunho delas, mas não é a Palavra essencial. Na verdade, a<br />

Escritura a apreendeu e apropriou quando, nela e através dela vemos o Cristo<br />

vivo e presente. Ela não só confina a si os homens, mas aponta para Cristo<br />

de quem testifica. Cristo é a autoridade. Nas Escrituras ele nos aponta para si<br />

mesmo e demanda a nossa fé nele. Uma vez gerada esta fé, ela não nos leva<br />

a uma nova apropriação da Escritura, mas à uma nova crítica a respeito dela.<br />

Cada vez mais encontramos Cristo na Escritura e ainda julgamo-la cada vez<br />

mais segundo o padrão que há em Cristo”.<br />

N ew m an S m ith , Christian Ethics, 71-82: “Há somente uma autoridade-Cristo.<br />

Seu Espírito opera de muitas maneiras, mas principalmente de duas: primeiro,<br />

a inspiração das Escrituras e segundo, a condução da igreja rumo à<br />

verdade. Esta não deve isolar-se ou separar-se daquela. A Escritura é a lei da<br />

consciência cristã, e a consciência cristã no tempo faz a lei voltar-se para a<br />

Escritura - interpretando-a, criticando-a, verificando-a. A palavra e o espírito<br />

respondem um ao outro. A Escritura e a fé são coordenadas. O protestantismo<br />

tem exagerado a primeira; o romanismo a segunda. M a rtin e a u deixa de<br />

captar a coordenação entre a Escritura e a fé.”<br />

d) Com este registro exterior também veremos que ocorre sob adequadas<br />

condições a influência especial do Espírito de Deus, de modo a despertar os


38<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

poderes cognitivos que o registro exterior reproduz em nossas mentes as idéias<br />

de que as mentes dos escritores estavam divinam ente cheias.<br />

Podemos ilustrar a necessidade da revelação interna a partir da egiptolo-<br />

gia, que é impossível até onde a revelação externa nos hieróglifos não é interpretada;<br />

a partir do tique-taque do relógio no escuro compartimento, onde só<br />

a vela acesa capacita-nos a narrar o tempo; a partir da paisagem espalhada<br />

em volta do Rigi na Suíça, invisível até que os primeiros raios do sol toquem<br />

os nevosos picos da montanha. A revelação exterior (çavépcoaiç, Rm. 1.19,20)<br />

deve ser suplementada pela interior (à7toKáXtn(/iç 1 Co. 2.10,12). Cristo é o<br />

órgão da revelação exterior, o Espírito Santo da interior. Em Cristo (2 Co. 1.20)<br />

estão o “sim” e “o Amém” - a certeza objetiva e a subjetiva, a realidade e a<br />

realização.<br />

A certeza objetiva deve tornar-se subjetiva para a teologia científica. Antes<br />

da conversão temos a primeira, a verdade exterior de Cristo; só na conversão<br />

e depois dela passamos a ter a segunda, “Cristo formado em nós” (Gl. 4.19).<br />

Temos a revelação objetiva no Sinai (Ex. 20.22); a revelação subjetiva no<br />

conhecimento que Eliseu teve de Geazi (2 Re. 5.26). Jam es R u s s e l L o w e ll,<br />

Winter Evening Hymn to my Fire: “Por isso, contigo gosto de ler os nossos<br />

bravos poetas antigos: ao teu toque como despertas a Vida nas palavras<br />

secas! Como a correnteza retrocede as sombras do Tempo! e como os lampeja<br />

ainda pela sua massa morta o verso incandescente, Como quando<br />

sobre a bigorna do cérebro lança o brilho, ciclopicamente produzido Através<br />

dos velozes malhos latejantes do pensamento do poeta!”<br />

é) As revelações interiores assim registradas e as exteriores assim interpretadas<br />

fornecem ambas fatos objetivos que podem servir como material próprio<br />

para a ciência. Apesar de que a revelação, em seu mais amplo sentido<br />

pode incluir e, constituindo a base da possibilidade da teologia na verdade<br />

inclui, tanto o discernim ento como a iluminação, tam bém pode ser empregada<br />

para denotar simplesmente um a provisão dos recursos exteriores do conhecimento<br />

e a teologia tem que ver com as revelações interiores só na medida em<br />

que se expressam neste padrão objetivo ou que concordam com elas.<br />

Já sugerimos aqui o vasto escopo e ainda as insuperáveis limitações da<br />

teologia. Em qualquer lugar em que Deus se revela, quer na natureza, na<br />

história, na consciência, ou na Escritura, a teologia pode encontrar material<br />

para a sua estrutura. Porque Cristo não é somente o Filho de Deus encarnado,<br />

mas também o Verbo eterno, o único Revelador de Deus, não existe teologia<br />

alguma separada de Cristo e toda ela é teologia cristã. A natureza e a<br />

história são apenas mais sóbrios e generalizados descortinos do Ser divino,<br />

de que a Cruz é o clímax e a chave. Deus não tem a intenção de ocultar-se.<br />

Ele quer ser conhecido. Ele se revela em todos os tempos tão plenamente<br />

como a capacidade das suas criaturas o permitem. O intelecto infantil não<br />

pode entender a infinitude de Deus, nem a disposição perversa entender a


T e o lo g ia S is t e m á t ic a 39<br />

desinteresseira afeição de Deus. Apesar do que, toda a verdade está em<br />

Cristo e está ao dispor do descobrimento pela mente e pelo coração preparados.<br />

O Infinito, em qualquer lugar em que não se revela, sem dúvida é desco-<br />

"necido do finito. Mas o Infinito, onde quer que se revela, é conhecido. Isto<br />

sugere o sentido das seguintes declarações: Jo. 1.18- “Deus nunca foi visto<br />

por alguém. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, este o fez conhecer”;<br />

14.9 - “Quem me vê a mim vê o Pai”; 1 Tm. 6.16 - “a quem nenhum dos<br />

homens viu, nem pode ver”. É por isso que nós aprovamos a definição de<br />

K a f t a n , Dogmatik, 1 - “A Dogmática é a ciência da verdade cristã crida e<br />

reconhecida na igreja baseada na revelação divina” - até onde ela limita o<br />

escopo da teologia à verdade revelada por Deus e apreendida pela fé. Porém<br />

a teologia pressupõe tanto a revelação externa de Deus, como a interna e<br />

estas, como veremos, incluem a natureza, a história, a consciência e a Escritura.<br />

B) Que muitas das verdades assim reveladas são dem asiadam ente indefinidas<br />

para constituir m atéria para ciência porque pertencem à. região dos sentimentos,<br />

porque estão além do nosso pleno entendimento, ou porque são desti-<br />

raídas de um arranjo ordenado.<br />

Respondemos:<br />

d) A teologia tem que ver com os sentimentos subjetivos só naquilo em que<br />

rodem ser definidos e apresentados como efeitos da verdade objetiva na mente.<br />

Elas não são mais obscuras que os fatos da moral e da psicologia e a mesma<br />

objeção que excluiria tais sentimentos da teologia tornaria impossíveis estas<br />

ciências.<br />

Ver J a c o b i e S c h le ie rm a c h e r, que consideram a teologia como mero relato<br />

dos sentimentos dos devotos cristãos, em cuja base encontram-se fatos históricos<br />

objetivos, matéria de relativa indiferença (H a g e n b a c h , Hist. Doctrine,<br />

2.401-403). Por isso S c h le ie rm a c h e r chamou seu sistema de teologia “Der<br />

Chrístliche Glaube”, e muitos, a partir da sua época, passaram a chamar os<br />

seus respectivos sistemas pelo nome “Glaubenslehre”. Os “juízos de valor”<br />

de R its c h l, de igual modo, fazem da teologia uma ciência simplesmente subjetiva,<br />

se é que se pode ter ciência subjetiva. K a fta n vai além de R its c h l, admitindo<br />

que conhecemos, não só os sentimentos cristãos, mas também os seus<br />

fatos. A teologia é a ciência de Deus e não somente da fé. Em aliança com o<br />

ponto de vista já mencionado encontra-se o de F e u e rb a c h , para quem a religião<br />

é matéria de fantasia subjetiva; e o de T y n d a ll, que remete a teologia à<br />

região da aspiração e do sentimento vago, mas o exclui do reino da ciência.<br />

b) Os fatos da revelação que estão além do nosso pleno entendimento<br />

podem, como a hipótese nebular na astronom ia, a teoria atômica na química,<br />

ou a teoria da evolução na biologia, fornecer um princípio de união entre as


4 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

grandes classes de outros fatos irreconciliáveis. Podemos definir nossos conceitos<br />

de Deus e mesmo da Trindade ao menos o suficiente para distingui-los<br />

de outros conceitos; e qualquer que seja a dificuldade que possa embaraçar a<br />

linguagem só mostra a importância de tentá-lo e o valor de um sucesso próximo.<br />

Horace B ushnell: “A Teologia nunca pode ser uma ciência em vista da<br />

debilidade da linguagem”. Porém este princípio tornaria vaga tanto a ciência<br />

ética quanto a política. Fisher, Nat. and Meth. of Revelation, 145 - “Hume e<br />

Gibbon fazem referência à fé como algo demasiado sagrado para apoiar-se<br />

em provas. Assim as crenças religiosas são feitas para enforcar, suspenso,<br />

sem qualquer apoio. Mas o fundamento destas crenças não é menos sólido<br />

para a razão que os testes empíricos inaplicáveis a elas. Os dados nos quais<br />

se apoiam são reais e, com razão, tiram-se inferências a partir dos dados”.<br />

H odgson, na verdade, destila descontentamento em todo o método intuitivo<br />

ao dizer: “Qualquer coisa que você ignora totalmente, afirma ser a explicação<br />

de todas as outras coisas!” Contudo, é provável qúe admita começar suas<br />

investigações a partir da sua própria existência. Não compreendemos integralmente<br />

a doutrina da Trindade e aceitamo-la, a princípio, apoiados no testemunho<br />

da Escritura; a sua prova completa encontra-se no fato de que cada<br />

uma das sucessivas doutrinas da teologia liga-se a ela e com ela permanece<br />

ou cai. A Trindade é racional porque explica a experiência e a doutrina cristãs.<br />

c) M esmo que não houvesse um arranjo ordenado destes fatos, quer na<br />

natureza quer na Escritura, um a cuidadosa sistematização delas pela mente<br />

hum ana não se provaria impossível, a não ser que se admitisse um princípio<br />

que m ostrasse tam bém a im possibilidade de toda a ciência física. A astronomia<br />

e a geologia se constróem reunindo múltiplos fatos que, à prim eira vista,<br />

parecem não ter nenhum a ordem. O mesmo tam bém ocorre com a teologia.<br />

Contudo, apesar de a revelação não nos apresentar um sistema dogmático pronto,<br />

este não está só implicitam ente contido nisso, mas partes do sistema se<br />

operam nas epístolas do Novo Testamento, como por exemplo, em Rm. 5.12-19;<br />

1 Co. 15.3,4; 8.6; 1 Tm. 3.16; Hb. 6.1,2.<br />

Podemos ilustrar a construção da teologia a partir de um mapa dissecado,<br />

do qual um pai reúne duas peças, deixando ao filho a tarefa de reunir as<br />

restantes. Ou podemos ilustrar a partir do universo físico, que, sem pensar,<br />

revela pouco da sua ordem. “A natureza não tem cercas”. Parece que uma<br />

coisa desliza para a outra. A preocupação do homem é distinguir, classificar e<br />

combinar. Orígenes: “Deus nos dá a verdade em simples laçadas, que podemos<br />

tecer em uma textura acabada”. A ndrew Fuller diz que as doutrinas da<br />

teologia “estão unidas como encadeamento de projéteis, de tal modo que, se<br />

um entra no coração os demais seguem o mesmo caminho”. G eorge H erbert:<br />

“Ah! se eu pudesse combinar todas as tuas luzes, e a configuração da sua<br />

glória; vendo não apenas como brilha cada verso, Mas toda a constelação da<br />

história”!


T e o lo g ia S is t e m á t ic a 41<br />

A Escritura sugere possibilidades de combinação, em Rm. 5.12-19, com<br />

seu agrupamento de fatos sobre o pecado e a salvação em torno de duas<br />

pessoas: Adão e Cristo; em Rm. 4.24,25, ligando a ressurreição de Cristo à<br />

rossa justificação; em 1 Co. 8.6, indicando as relações entre o Pai e Cristo;<br />

em 1 Tm. 3.16, resumindo de forma poética os fatos da redenção; em<br />

-ò . 6.1,2 afirmando os primeiros princípios da fé cristã. O fornecimento de<br />

fatos concretos da teologia por Deus, os quais nós mesmos deixamos de<br />

sistematizar, está em plena concordância com o seu método processual relativo<br />

ao desenvolvimento de outras ciências.<br />

IV. NECESSIDADE DA TEOLOGIA<br />

Esta necessidade baseia-se:<br />

1. No instinto organizador da mente humana<br />

Este princípio organizador faz parte da nossa constituição. A mente não<br />

pode continuar suportando a confusão ou aparente contradição nos fatos<br />

conhecidos. A tendência de harm onizar e unificar seu conhecimento aparece<br />

tão logo a mente com eça a refletir; na proporção exata dos dotes e cultura é<br />

im pulsionada a sistem atizar e form ular o desenvolvim ento. Isto é verdade em<br />

todos os departamentos da pesquisa humana, mas particularm ente no nosso<br />

conhecimento de Deus. Porque a verdade relativa a Deus é a mais importante<br />

de todas, a teologia vai ao encontro da mais profunda necessidade da natureza<br />

racional do homem. Se todos sistemas teológicos existentes fossem hoje destruídos,<br />

novos sistemas surgiriam amanhã. Tão inevitável é a operação desta<br />

lei que os que mais desacreditam a teologia m ostram que eles têm feito um a<br />

teologia para si mesmos e com freqüência m uito m agra e disparatada. A hostilidade<br />

à teologia, onde não origina temores equivocados na corrupção da<br />

verdade de Deus, ou na estrutura naturalm ente ilógica do pensamento, freqüentemente<br />

procede da licenciosidade da especulação que não pode tolerar o<br />

comedimento de um sistem a escriturístico completo.<br />

P residente E. G. R obinson: “Todo homem tem tanto de teologia quanto<br />

possa comportar”. Consciente ou inconscientemente, filosofamos, tão naturalmente<br />

quanto falamos. “Se moquer de Ia philosophie c’est vraiment philo-<br />

sopher”. G ore, Incarnation, 21-0 cristianismo tornou-se metafísico, só porque<br />

o homem é racional. Esta racionalidade significa que ele deve tentar ‘dar<br />

conta das coisas’, no dizer de Platão, ‘porque ele é homem, e não somente<br />

porque ele é grego’”. Freqüentemente os homens denunciam a teologia sistemática<br />

ao mesmo tempo em que enobrecem a ciência da matéria. Será que<br />

Deus deixou os fatos relativos a si mesmo num estado de tal modo não relacionados<br />

que o homem não pode coordená-los? Todas as outras ciências só


4 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

têm valor na medida em que elas contêm ou promovem o conhecimento de<br />

Deus. Se é louvável classificar os besouros, pode-se permitir raciocinar a<br />

respeito de Deus e da alma. Ao falar de S c h e l l in g , R o y c e , Spirít of Modem<br />

Philosophy, 173, satiricamente nos exorta: “Confiai no vosso gênio; segui o<br />

vosso nobre coração; mudai a vossa doutrina sempre que o vosso coração<br />

mude, e mudai-o freqüentemente, - como acontece com o credo dos românticos”.<br />

R it c h ie , Darwin and Hegel, 3 - “Exatamente aquelas pessoas que<br />

negam a metafísica são às vezes mais capazes de ser infectadas pela doença<br />

que professam detestar - e não sabem quando isto ocorreu”.<br />

2. Na relação da verdade sistemática com o desenvolvimento do caráter<br />

A verdade integralm ente digerida é essencial ao desenvolvim ento do caráter<br />

cristão no indivíduo e na igreja. Todo o conhecim ento de Deus influi no<br />

caráter, porém principalm ente de todo o conhecim ento dos fatos espirituais<br />

em seus relacionamentos. A teologia não pode, como muitas vezes se tem<br />

objetado, m ortificar os sentimentos religiosos, visto que só tira de suas fontes<br />

e estabelece conexão racional de um as para com as outras verdades que<br />

m elhor se prestam a alim entar os sentimentos religiosos. Por outro lado, os<br />

mais fortes cristãos são os que têm a mais firm e segurança nas grandes doutrinas<br />

do cristianism o; as épocas heróicas da igreja são as que têm mais consistente<br />

testemunho delas; a piedade que pode ser ferida pela sua sistemática<br />

exibição deve ser fraca, ou mística, ou equívoca.<br />

Para a conversão é necessário algum conhecimento - pelo menos do<br />

pecado e de um Salvador; a união destas duas grandes verdades é o começo<br />

da teologia. Todo o subseqüente desenvolvimento do caráter está condicionado<br />

à evolução do conhecimento. Cl. 1.10 - a\)Çavó|ievoi xfl èTciyvcoaei toá)<br />

0Eoá) [omitir èv] = crescendo através do conhecimento de Deus”; o dativo instrumental<br />

representa o conhecimento de Deus como o orvalho ou a chuva<br />

que alimenta o desenvolvimento da planta; cf. 2 Pe. 3.18 - “crescei na graça<br />

e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Para os textos<br />

que representam a verdade como alimento ver Jr. 3.15 “vos apascentem com<br />

conhecimento e inteligência”; Mt. 4.4 - “Não só de pão viverá o homem, mas<br />

de toda palavra que procede da boca de Deus”; 1 Co. 3.1,2 - “como crianças<br />

em Cristo ... leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido”; Hb. 5.14 - “o<br />

mantimento sólido é para os perfeitos”. O caráter cristão apoia-se na verdade<br />

cristã como alicerce; ver 1 Co. 3.10-15 - “pus eu ... um fundamento e outro<br />

edifica sobre ele”.<br />

A ignorância é a mãe da superstição, não da devoção. T a lb o t W. C h a m b e r s:<br />

- “A doutrina sem o dever é uma árvore sem frutos; o dever sem a doutrina é<br />

uma árvore sem raízes”. A moralidade cristã é um fruto que cresce só a partir<br />

da árvore da doutrina cristã. Não podemos por muito tempo guardar os frutos<br />

da fé depois de cortarmos a árvore na qual eles cresceram. B a l f o u r , Found.<br />

of Belief, 82 - “A virtude naturalista é parasitária e, quando o hospedeiro


T e o lo o ia S is t e m á t ic a 43<br />

perece, o parasita perece também. A virtude sem a religião também morrerá”.<br />

K id d , Social Evolution, 2 14 - Porque o fruto sobrevive por algum tempo<br />

quando removido da árvore, e mesmo maduro e saboreável diremos que é<br />

independe da árvore?” As doze maneiras pelas quais os frutos da árvore-<br />

do-natal só se prendem é que eles nunca crescem lá, e nunca reproduzem<br />

a sua espécie. A maçã murcha incha num recipiente vazio, mas voltará outra<br />

vez à sua forma mirrada primitiva; o mesmo ocorre com a retidão própria<br />

dos que se retiram da atmosfera de Cristo e não têm o ideal divino com o<br />

qual se comparam. W. M. L is l e : “É um equfvoco e um desastre do mundo<br />

cristão procurar os efeitos ao invés das causas”. G e o r g e G o r d o n , Christ of<br />

To-day, 28 - “Sem o Cristo histórico e o amor pessoal por esse Cristo, a<br />

grande teologia atual se reduzirá a um sonho, incapaz de despertar a igreja<br />

do seu sono”.<br />

3. Na importância dos pontos de vista definidos e justos da doutrina cristã<br />

para o pregador<br />

A sua principal qualificação intelectual deve ser o poder de conceber clara<br />

e compreensivamente e expressar precisa e poderosam ente a verdade. Ele pode<br />

ser o agente do E spírito Santo na conversão e santificação dos homens<br />

só quando pode brandir “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”<br />

(Ef. 6.17), ou, em outra linguagem, só quando pode im primir a verdade nas<br />

mentes e consciências de seus ouvintes. Sem dúvida, nada mais anula seus<br />

esforços do que a confusão e inconsistência na apresentação da doutrina. Seu<br />

objetivo é substituir as concepções obscuras e errôneas entre os seus ouvintes<br />

pelas corretas e vividas. Ele não pode fazer isto sem conhecer os fatos relativos<br />

a Deus e suas relações - em resumo, conhecê-los como partes de um<br />

sistema. Com esta verdade ele se investe de confiança. M utilar a doutrina ou<br />

interpretá-la falsamente não é só um pecado contra o seu Revelador, - pode<br />

levar à ruína as almas dos homens. A m elhor salvaguarda contra tal mutilação<br />

ou falsa interpretação é o estudo diligente das várias doutrinas da fé nas inter-<br />

relações e especialm ente nas relações com o tem a central da teologia, a pessoa<br />

e obra de Jesus Cristo.<br />

Quanto mais refinada e refletida for a época mais requer razões para sentir<br />

a Imaginação exercida na poesia e na eloqüência e, como na política ou na<br />

guerra, não é menos forte do que antigamente, - só é mais racional. Note o<br />

progresso vindo do “Buncombe” (N .T ra d linguagem desarrazoada e não sincera),<br />

na oratória legislativa e forense, no discurso sensível e lógico. B a s s â n io ,<br />

no Mercador de Veneza de S h a k e s p e a r e, - “Graciano profere uma porção infinita<br />

de nulidades. ... Seus raciocínios são como dois grãos de trigo perdidos<br />

em dois alqueires de palha”. O mesmo ocorre na oratória de púlpito: não<br />

bastam simples citação da Bíblia e férvido apelo. O mesmo ocorre com um<br />

uivante daroês (N.Trad.: religioso muçulmano), a comprazer-se na jactanciosa


4 4 Augustus Hopkins Strong<br />

declamação. O pensamento é a matéria prima da pregação. Pode aparecer o<br />

sentimento, desde que com a finalidade exclusiva de conduzir os homens<br />

“para conhecerem a verdade” (2 Tm. 2.25). O pregador deve fornecer a base<br />

do sentimento, produzindo a convicção inteligente. Ele deve instruir mais que<br />

comover. Se o objetivo primordial do pregador é o conhecer Deus e, a seguir,<br />

tornar Deus conhecido, o estudo da teologia é absolutamente necessário ao<br />

seu sucesso.<br />

C om o pode o m édico e xe rcer a m edicin a sem estu dar fisiologia, ou o<br />

advogado exercer o direito sem estudar jurispru dência ? P ro f. B l a c k ie: “Bem<br />

se pode esperar de um m estre em esgrim a faze r-se um grande patriota, do<br />

m esm o m odo que de um sim ples retórico, um grande orador”. O pregador<br />

necessita de conhecer doutrina para não se to rn a r um sim ples realejo, toca ndo<br />

sem pre, sem pre as m esm as m úsicas. John Henry Newman: “O falso pregador<br />

tem de dizer algum a coisa; o verd ad eiro pregador tem algum a coisa para<br />

dizer” . Spurgeon, Autobiography, 1.167 - “M udança constante de credo significa,<br />

sem dúvida, estar perdido. Se se tiver que arrancar um a árvore duas ou<br />

três vezes por ano, não haverá necessidade de um arm azém m uito grande<br />

para guardar as m açãs. Q uando se m uda m uito de princípios doutrinários,<br />

não se espere a produção de m uitos fru to s .... Nunca terem os grandes pregadores<br />

enquanto não tiverm os grandes teólogos. Não espere, de estudantes<br />

superficiais, grandes pregadores que convençam alm as” . Pequenas divergências<br />

da doutrina correta da nossa parte podem s e r danosam ente exageradas<br />

naqueles que nos sucederem . 2 Tm . 2.2 - “E o que de mim, entre<br />

m uitas testem unhas, ouviste, confia-o a hom ens fiéis, que sejam idôneos para<br />

tam bém ensinarem os outros”.<br />

4. Na íntima conexão entre a doutrina correta e o firm e e agressivo poder<br />

da igreja<br />

A segurança e o progresso da igreja dependem do “padrão das sãs palavras”<br />

(2 Tm. 1.13), e de ser “coluna e esteio da verdade” (1 Tm. 3.15).<br />

O entendim ento defeituoso da verdade, mais cedo ou mais tarde, resulta em<br />

falhas de organização, de operação e de vida. A com preensão integral da verdade<br />

cristã como um sistem a organizado fornece, por outro lado, não só uma<br />

incalculável defesa contra a heresia e a imoralidade, mas também indispensável<br />

estímulo e instrumento no agressivo labor da conversão do mundo.<br />

Os credos da cristandade não se originaram de uma simples curiosidade<br />

especulativa e de minuciosos artifícios lógicos. São afirmações da doutrina<br />

em que a igreja atacada e em perigo procurou expressar a verdade que constitui<br />

a sua própria vida. Os que zombam dos credos primitivos têm uma reduzida<br />

concepção do ápice intelectual e da seriedade moral que contribuiu para<br />

a sua feitura. Os credos do terceiro e quarto séculos incorporam os resultados<br />

das controvérsias que esgotaram as possibilidades de heresia relativas à<br />

Trindade e à pessoa de Cristo e que fixaram barreiras contra a falsa doutrina<br />

do fim dos tempos. M ahafi: “O que converteu o mundo não foi o exemplo da


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 45<br />

vida de Cristo, - foi o dogma da sua morte”. C o l e r id g e : “Aquele que não resiste,<br />

não está em lugar firme”. S r a . B r o w n in g : “A total tolerância intelectual é a<br />

marca daqueles que não crêem em nada”. E. G. R o b in s o n, Christian Theology,<br />

360-362 - “Doutrina é apenas um preceito no estilo de uma proposição; preceito<br />

é apenas doutrina em forma de uma ordem. ... A teologia é o jardim de<br />

Deus; suas árvores são o seu plantio; e “avigoram -se as árvores do<br />

Senhor” (SI. 104.16).<br />

B o s e , Ecumenical Councils: “O credo não é católico porque um concilio de<br />

muitos ou poucos bispos o decretou, mas porque expressa a convicção<br />

comum de gerações inteiras de homens e mulheres que puseram em novas<br />

formas de palavras a sua compreensão do Novo Testamento”. D o r n e r :<br />

“Os credos são a precipitação da consciência religiosa dos homens e tempos<br />

poderosos”. F o s t e r , Chríst. Life and Theol., 162 - “Freqüentemente ela<br />

requer o choque de algum grande evento para despertar os homens para a<br />

clara apreensão e cristalização da sua crença substancial. Tal choque ocorreu<br />

através da rude e grosseira doutrina de Á r io , sobre a qual chegou à conclusão,<br />

no Concilio de Nicéia, seguido tão rapidamente na gelada água os<br />

cristais de gelo que às vezes se formarão quando o vaso que os contém<br />

recebe um golpe”. B a l f o u r , Foundations of Belief, 287 - “Os credos não eram<br />

explicações, mas negações de que as explicações arianas e gnósticas eram<br />

suficientes e declarações de que irremediavelmente empobreciam a idéia de<br />

Deus. Insistiam em preservar a idéia em toda a sua inexplicável plenitude”.<br />

D e n n y, Studies in Theology, 192 - “As filosofias pagãs tentaram atrair a igreja<br />

para os seus próprios fins, e voltar-se para uma escola. Em sua defesa própria,<br />

a igreja foi compelida a tornar-se uma espécie de escola por sua própria<br />

conta. Ela teve de fixar seus fatos; teve de interpretar a seu modo os fatos<br />

que os homens estavam interpretando falsamente”.<br />

P r o f . H o w a r d O s g o o d : “O credo é como a espinha dorsal. O homem não<br />

tem necessidade de usá-la diante de si; mas ele precisa tê-la, e que esteja<br />

correta, ou ele será flexível se não for um cristão corcunda”. É bom lembrar<br />

que os credos são credita, não credenda\ as afirmações históricas do que a<br />

igreja tem crido, não prescrições infalíveis do que a igreja deve crer. G e o rge<br />

D a n a B o a r d m a n , The Church, 98 - “Os credos podem tornar-se celas prisionais”.<br />

S c h u r m a n , Agnosticism, 151 - “Os credos são fortificações defensivas<br />

da religião; elas deveriam ter se tornado, às vezes, artilharia contra a própria<br />

cidadela”. T. H . G r e e n: “Dizem-nos que devemos ser leais às crenças dos<br />

Pais. Sim, mas em que os Pais creriam hoje?” G e o r g e A. G o r d o n , Christ of<br />

To-day, 60 - “A suposição de que Espírito Santo não se preocupa com o<br />

desenvolvimento do pensamento teológico, nem se manifesta na evolução<br />

intelectual da humanidade, é superlativa heresia da nossa geração.... A metafísica<br />

de Jesus é absolutamente essencial à sua ética. ... Se o seu pensamento<br />

é um sonho, seu empenho pelo homem é uma ilusão”.<br />

5. Nas injunções diretas e indiretas da Escritura<br />

A Escritura nos estimula ao estudo integral e abrangente da verdade (Jo. 5.39,<br />

“examinai as Escrituras”), à com paração e harm onização de suas diferentes


4 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

partes (1 Co. 2.13 - “com parando as coisas espirituais com as espirituais”), à<br />

reunião de tudo em torno do fato central da revelação (Cl. 1.27 - “que é Cristo<br />

em vós, esperança da glória”), à pregação na form a sadia assim como em suas<br />

devidas proporções (2 Tm. 4.2 “prega a palavra”). O ministro do evangelho é<br />

chamado “escriba que se fez discípulo do reino do céu” (Mt. 13.52); os “pastores”<br />

das igrejas devem ser ao m esm o tempo “m estres” (Ef. 4.11); o bispo<br />

deve ser “apto para ensinar” (1 Tm. 3.2), “que maneja bem a palavra da verdade”<br />

(2 Tm. 2.15), “retendo firm e a palavra fiel, que é conforme a doutrina,<br />

para que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina como para convencer<br />

os contradizentes” (Tt. 1.9).<br />

C om o um m eio de in stru ção da igreja e de g a rantia do progresso no<br />

entendim ento da verdade cristã, é bom que o pastor pregue regularm ente,<br />

a cada m ês, um serm ão doutrinário e exponha os principais artigos da fé.<br />

O tratam ento da doutrina em tais serm ões deve ser bastante sim ples a fim de<br />

ser com preensível à inteligência jovem ; convém torná-lo vivido e interessante<br />

auxiliado por b reves ilustrações; e pelo m enos um terço de cada serm ão deve<br />

ser dedicado a aplicações práticas da doutrina proposta, ver o serm ão de<br />

Jonathan Edwards sobre a Im portância do C onhecim ento da Verdade Divina,<br />

in Works, 4.1-15. O s verdadeiros serm ões de E dwards, contudo, não servem<br />

de m odelo para a pregação doutrinária para a nossa geração. Eles são de<br />

form a m uito escolástica, de substância m uito m etafísica; há m uito pouco de<br />

B íblia e m uito pouco de ilustração. A p re gação d o u trin á ria dos P uritanos<br />

Ingleses de igual m odo se dirigia quase som ente a adultos. Por outro lado, a<br />

pregação do nosso S enhor adaptava-se tam bém às crianças. Nenhum pastor<br />

se consideraria fiel, se perm itisse aos seus jo vens crescerem sem a instrução<br />

regular do púlpito no círculo inteiro da doutrina cristã. S hakespeare, Rei Henrique<br />

VI, 2- parte, - “A ignorância é a m aldição de Deus; o conhecim ento é a<br />

asa com que voam os ao cé u ”.<br />

V. RELAÇÃO DA TEOLOGIA COM A RELIGIÃO<br />

A teologia e a religião relacionam -se um a com a outra como efeitos em<br />

diversas esferas da m esm a causa. Como a teologia é o efeito produzido na<br />

esfera do pensamento sistemático com os fatos relativos a Deus e o universo,<br />

assim a religião é o efeito que estes mesmos fatos produzem na esfera da vida<br />

individual e coletiva. Com relação à palavra ‘religião’, note:<br />

1. Derivação<br />

a) A derivação de religare, “ligar novam ente” (o homem a Deus), é negada<br />

pela autoridade de C ícero e dos m elhores etim ologistas modernos; em vista<br />

da dificuldade, nesta hipótese, de explicar form as tais como religio, religens;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 47<br />

e pela necessidade, em tal caso de pressupor um conhecim ento mais completo<br />

do pecado e da redenção do que era com um ao mundo antigo.<br />

b) A derivação mais correta é relegere, “reexam inar”, “ponderar cuidadosamente”.<br />

Portanto, seu sentido original é “observância reverente” (dos deve-<br />

res para com os deuses).<br />

2. Falsas Concepções<br />

a) Religião não é, como declarava H egel, um tipo de conhecimento; pois,<br />

então, só seria um a forma incom pleta de filosofia e a m edida do conhecimento<br />

em cada caso seria a m edida da piedade.<br />

No sistema do panteísmo idealista, como o de H egel, Deus é tanto o sujeito<br />

como o objeto da religião. A religião é o conhecimento do próprio Deus<br />

através da consciência humana. H egel não ignora totalmente outros elementos<br />

na religião. “O sentimento, a intuição e a fé pertencem-lhe”, diz ele, “e o<br />

conhecimento desacompanhado é caolho”. Contudo, H egel sempre aguardava<br />

o movimento do pensamento em todas formas da vida; Deus e o universo<br />

são apenas um desenvolvimento da idéia primordial. “O que o conhecimento<br />

precisa saber”, pergunta ele, “se Deus é incognoscível?” O conhecimento de<br />

Deus é a vida eterna e o pensamento é também a verdadeira adoração”.<br />

O erro de H egel está em considerar a vida como um processo do pensamento,<br />

ao invés de considerá-lo como um processo da vida. Eis aqui a razão da<br />

amargura entre H egel e S chleiermacher. H egel considera corretamente que o<br />

sentimento deve tornar-se inteligente antes que seja verdadeiramente religioso,<br />

mas não reconhece a suprema importância do amor no sistema teológico.<br />

Ele abre menos espaço para a vontade do que para as emoções, e não vê<br />

que o conhecimento de Deus de que fala a Escritura não se limita ao intelecto,<br />

mas compreende o homem todo, incluindo a natureza afetiva e a voluntária.<br />

G oethe: “C om o pode o hom em vir a conhecer a si m esm o? Nunca através<br />

dos pensam entos, m as da ação. Tente praticar o seu dever e você saberá o<br />

que você m erece. Você não pode toca r um a flauta apenas soprando, - você<br />

pre cisa e m p regar os d e d o s” . Do m esm o m odo nunca podem os che ga r a<br />

conhecer a Deus só através do pensam ento. Jo. 7 . 1 7 - “Se alguém q u e rfa z e r<br />

a vontade dele, pela m esm a doutrina, conhecerá se ela é de Deus” . Os Gnós-<br />

ticos, S tapfer, H enrique VIII, m ostraram que pode haver m uito conhecim ento<br />

teológico sem a verd ad eira religião. A m áxim a de C hillingworth, “S om ente a<br />

Bíblia, a religião dos protestantes” , é in adequada e im precisa; porque a Bíblia<br />

sem a fé, o amor, e a obediência pode tornar-se um fetiche e um a arm adilha:<br />

Jo. 5.39,40 - “Vós examinais as Escrituras, ... e não quereis vir a mim para<br />

terdes vida”.<br />

b) A religião não é, como sustentava Sch leierm ach er, o simples sentimento<br />

de dependência; pois tal sentimento de dependência não é religioso, a não<br />

ser quando exercido para Deus e acompanhado por esforço moral.


48 Augustus Hopkins Strong<br />

Na teologia alemã, Schleiermacher constitui a transição do velho raciona-<br />

lismo para a fé evangélica. “Como Lázaro, com a mortalha da filosofia pante-<br />

ísta embaraçando os seus passos”, embora com a experiência morávia da<br />

vida de Deus na alma, ele baseou a religião nas certezas interiores do sentimento<br />

cristão. Mas o presidente Fairbairn assinala: “A emoção é impotente a<br />

não ser que ela fale baseada na convicção; e onde há convicção existe a<br />

emoção que é poderosa para persuadir”. Se o cristianismo for apenas um<br />

sentimento religioso, não há diferença alguma entre ele e as outras religiões<br />

porque todas são produto do sentimento religioso. Mas o cristianismo se distingue<br />

das outras religiões pelas suas concepções religiosas peculiares.<br />

A doutrina precede a vida e a doutrina cristã, não o simples sentimento religioso,<br />

é a causa do cristianismo como religião distintiva. Apesar de que a fé<br />

começa com o sentimento, não termina aí. Vemos o demérito do sentimento<br />

nas emoções transitórias dos que vão ao teatro e nos ocasionais fenômenos<br />

avivaiistas.<br />

S abatier, Philos. Relig., 27, acrescenta ao elemento passivo da dependência<br />

de S chleiermacher, o elemento ativo da oração. Kaftan, Dogmatik, 10 -<br />

“S chleiermacher considera Deus como a Fonte do nosso ser, mas esquece<br />

que ele também é o nosso Firri’. A comunhão e o progresso são elementos<br />

tão importantes como a dependência; a comunhão deve anteceder o progresso<br />

- ela pressupõe perdão e vida. Parece que S chleiermacher não crê nem<br />

num Deus pessoal nem na sua imortalidade pessoal; ver Life and Letters,<br />

2.77-90; Martineau, S tudy of Religion, 2.357. C harles Hodge compara-o a uma<br />

escada num poço - boa coisa para quem quer sair, mas não para quem quer<br />

entrar. D orner: “A irmandade morávia era a sua mãe; a Grécia a sua pagem”.<br />

c) Religião não é, como sustentava K an t, moralidade ou ação moral; pois<br />

m oralidade é conform idade com um a lei abstrata de direito, enquanto a religião<br />

é essencialm ente relação com um a pessoa de quem a alma recebe bênção<br />

e a quem se entrega em am or e obediência.<br />

K ant, Kritikderpraktischen Vernunft, Beschluss: “Conheço apenas de duas<br />

coisas belas: o céu estrelado acima da minha cabeça e o senso do dever<br />

dentro do meu coração”. Mas o simples senso do dever quase sempre causa<br />

angústia. Fazemos objeção à palavra “obedecer” como um imperativo da<br />

religião porque 1) faz da religião somente matéria da vontade; 2) a vontade<br />

pressupõe o sentimento; 3) o amor não está sujeito à vontade; 4) faz que<br />

Deus seja todo lei e não graça; 5) faz do cristão apenas um servo, não um<br />

amigo; cf. Jo. 15.15 - “Já vos não chamarei servos ... mas tenho-vos chamado<br />

amigos” - uma relação não de serviço mas de amor (W estcott, Bib. Com.,<br />

in loco). A voz que fala é a voz do amor, em vez da voz da lei. Fazemos<br />

objeção também à definição de Matthew A rnold: “Religião é a ética elevada,<br />

iluminada, acendida pelo sentimento; é a moral tocada pela emoção". Isto<br />

exclui o elemento receptivo na religião assim como a sua relação com o Deus<br />

pessoal. A afirmação mais verdadeira é que a religião é a moral em direção a<br />

Deus, como a moral é a religião em direção ao homem. Bowne, Philos. of<br />

Theism., 251 - “A moral que não vai além da simples consciência deve recor-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 9<br />

rer à religião”; ver Lotze, Philos. of Religion, 128-142. G oethe: “A atividade<br />

desqualificada, seja de que tipo for, conduz, por fim, à bancarrota”.<br />

3. Idéia Essencial<br />

Religião, em sua idéia essencial, é vida em Deus, vivida no reconhecim ento<br />

de Deus, em comunhão com Deus e sob o controle do Espírito de Deus que<br />

habita o homem. Porque é vida, não pode ser descrita como consistindo unicam<br />

ente no exercício de qualquer das forças do intelecto, do sentimento e da<br />

vontade. Como a vida física envolve unidade e cooperação de todos os órgãos<br />

do corpo, assim a religião, ou vida espiritual, a obra unificada de todas as<br />

forças da alma. Para sentir, contudo, devemos atribuir prioridade lógica, visto<br />

que todo o sentimento para com Deus com unicado na regeneração é condição<br />

para o verdadeiro conhecimento de Deus e para o verdadeiro serviço prestado<br />

a ele.<br />

1/erGoDET, on the Ultimate Design of Man - “ Deus no hom em , e o hom em<br />

em D eus” - Princeton Review, nov. 1880; P fleiderer, D/e Religion, 5-79, e<br />

Religionsphilosophie, 255 - A religião é “S ache des ganzen G eisteslebens”<br />

(N.T.: O objetivo da vida espiritual com o um todo): C rane, Religion of To-mor-<br />

row, 4 - “ Religião é a influência pessoal do Deus im anente” ; S terrett, Reason<br />

Authorityin Religion, 31,32 - “A Religião é a relação recíproca ou a com unhão<br />

entre Deus e o hom em , envolvendo 1) a revelação, 2) a fé; D r. J. W. A. S tewart:<br />

“Religion is fellow ship w ith G od”; Pascal: “Piedade é a sensibilidade de Deus<br />

para com o coração” ; R itschl, Justif. and Reconci!., 13 - “O cristianism o é<br />

um a elipse com dois focos - C risto com o R edentor e C risto com o Rei, Cristo<br />

por nós e C risto em nós, redenção e m oralidade, religião e ética” ; Kaftan,<br />

Dogmatik, 8 - “A religião cristã é 1) o reino de Deus com o a m eta acim a do<br />

m undo, a ser atingida pelo desenvolvim ento m oral aqui, e 2) reconciliação<br />

com Deus p e rm itin d o a tin g ir esta m eta a despeito dos nossos pecados.<br />

A teologia cristã, uma vez estabelecida no conhecimento que o homem tem<br />

de Deus; agora partimos para a religião, /.e., o conhecimento cristão de Deus,<br />

que chamamos fé”.<br />

H erbert S pencer: “Religião é uma teoria a príori do universo”; R omanes,<br />

Thoughts on Religion, 43, acrescenta: “que admite a personalidade inteligente<br />

como a causa originadora do universo; a ciência trata do Como, o processo<br />

fenomenal, a religião trata do Quem, a Personalidade inteligente que opera<br />

através do processo”. Holland, Lux Mundi, 27 - “A vida natural é a vida em<br />

Deus que ainda não chegou a tal reconhecimento” - o reconhecimento do<br />

fato de que Deus está em todas as coisas - “contudo, não é, como tal, religioso;<br />

... A religião é a descoberta, através do filho, de um Pai, que está em<br />

todas as suas obras, embora distinto de todas elas”. D ewey, Psychology, 283<br />

- “O sentimento acha a sua expressão absolutamente universal na emoção<br />

religiosa, que é o encontro ou realização do eu em uma personalidade completamente<br />

realizada, que reúne em si a verdade, ou a unidade completa da


5 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

relação de todos os objetos, beleza ou unidade completa de todos os valores<br />

ideais, e retidão ou a unidade completa em todas as pessoas. A emoção que<br />

acompanha a vida religiosa é aquela que acompanha a nossa atividade completa;<br />

o eu se realiza e encontra a sua verdadeira vida em Deus”. U pton,<br />

Hibbert Lectures, 262 - “A ética é simplesmente o discernimento que se<br />

desenvolve na sociedade e o esforço para atualizar-se nela, o senso do reinado<br />

fundamental e a identidade substancial em todos homens; conquanto a<br />

religião seja emoção, e a devoção que assiste a realização em nossa consciência<br />

própria sobre o mais íntimo relacionamento espiritual provindo dessa unidade<br />

de substância que constitui o homem o verdadeiro filho do Pai eterno”.<br />

4. Inferências<br />

Desta definição de religião segue-se:<br />

a) Que, a rigor, só há um a religião. O hom em é, na verdade, um ser religioso,<br />

que tem a capacidade desta vida divina. Contudo, ele é realm ente religioso,<br />

só quando entra nesta relação viva com Deus. As falsas religiões são<br />

caricaturas que os homens fazem do pecado, ou a imaginação que o homem<br />

tateia após a luz, form a da vida da alm a em Deus.<br />

P eabody, Christianity the Religion of Nature, 18 - “Se o cristianismo for<br />

verdadeiro, não é uma religião, mas a religião. Se o judaísmo também for<br />

verdadeiro, não se distingue do cristianismo, mas coincide com ele, que é a<br />

única religião com que pode relacionar-se. Se houver porções de verdade em<br />

outros sistemas religiosos, estes não são porções de outras religiões, mas da<br />

única que, de uma forma ou de outra se incorporaram a fábulas e falsidades”.<br />

J ohn Caird, Fund. Ideas of Christianity, 1.25 - “Você nunca pode alcançar a<br />

verdadeira idéia ou essência da religião somente tentando descobrir algo<br />

comum a todas religiões; não são as inferiores que explicam as mais elevadas,<br />

mas, ao contrário, a mais elevada explica todas as inferiores”. G eorge<br />

P. Fisher: “O reconhecimento de alguns elementos da verdade nas religiões<br />

étnicas não significa que o cristianismo tem defeitos que devem ser corrigidos<br />

tomando de empréstimo delas; significa que as crenças étnicas têm em<br />

fragmentos o que o cristianismo tem no seu todo. A religião comparativa não<br />

traz para o cristianismo alguma verdade nova; ela fornece ilustrações de como<br />

a verdade cristã vai ao encontro das necessidades humanas e aspirações e<br />

dá uma visão completa daquilo que o mais espiritual e o mais dotado entre os<br />

pagãos só discernem obscuramente”.<br />

D r. Parkhurst, Sermon on Pv. 2 0 .2 7 - “O espírito do homem é a lâmpada<br />

do Senhor” - “Uma lâmpada, mas não necessariamente iluminada; uma lâmpada<br />

que pode ser acesa só pelo toque de uma chama divina” = o homem<br />

tem natural e universalmente capacidade para a religião, mas não é natural e<br />

universalmente religioso. Todas as falsas religiões têm algum elemento de<br />

verdade; caso contrário nunca poderiam ter obtido e conservado o apoio<br />

sobre a humanidade. Precisamos reconhecer tais elementos de verdade ao<br />

tratá-los. Há alguma prata em um dólar falsificado; caso contrário, não en­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 51<br />

ganaria ninguém; mas o fino banho de prata sobre o chumbo não impede que<br />

seja um dinheiro de má qualidade. C l a r k e , Chrístian Theology, 8 - “Veja os<br />

métodos de Paulo tratar a religião pagã, em Atos 14 com o grosseiro paganismo<br />

e em Atos 17 com a sua forma erudita. Ele a trata com simpatia e justiça.<br />

A teologia cristã tem a vantagem de andar à luz da manifestação própria de<br />

Deus em Cristo, enquanto as religiões pagãs tateiam em Deus e o adoram na<br />

ignorância”; cf. At. 14.15 - “e anunciamo-vos que vos convertais dessas vai-<br />

dades ao Deus vivo”; 17.22,23 - “em tudo vos vejo acentuadamente religiosos.<br />

... Esse que honrais não conhecendo é o que eu vos anuncio”.<br />

M a t th e w A r n o l d : “O cristianismo é totalmente exclusivo, porque é absolutamente<br />

inclusivo. Ele não é um amálgama de religiões, mas tem em si tudo<br />

de melhor e mais verdadeiro de outras religiões. É a luz branca que contém<br />

todas as demais cores.”<br />

M a t h e s o n , Messages of the Old Religions, 328-342 - “Cristianismo é<br />

reconciliação. Inclui a aspiração do Egito; vê, nesta aspiração, Deus na alma<br />

(bramanismo); reconhece o poder do mal do pecado com o Zoroastrismo;<br />

retrocede a um início puro como a China; entrega-se à fraternidade humana<br />

como Buda; extrai tudo do interior como o judaísmo; torna bela a vida presente<br />

como a Grécia; procura o reino universal como Roma; apresenta o desenvolvimento<br />

da vida divina como os teutões. O cristianismo é a múltipla sabedoria<br />

de Deus”.<br />

b) Que o conteúdo da religião é m aior do que o da teologia. Os fatos da<br />

religião se nivelam aos da teologia só naquilo que podem ser concebidos de<br />

um modo definido, precisam ente expressos em linguagem e postos em relação<br />

racional uns com os outros.<br />

Este princípio capacita-nos a definir os limites próprios de uma comunhão<br />

religiosa. Deve ser de tal modo amplo como a própria religião. Mas é importante<br />

lembrar o que é a religião. Ela não deve ser identificada com a capacidade<br />

de ser religioso. Nem podemos considerar as perversões e caricaturas<br />

da religião como méritos da nossa comunhão. Caso contrário, poder-se-ia<br />

requerer que tivéssemos comunhão com o culto aos demônios, com a poligamia,<br />

com o banditismo e com a inquisição; porque tudo isso tem sido dignificado<br />

em nome da religião. A verdadeira religião envolve um certo conhecimento,<br />

embora rudimentar, do verdadeiro Deus, o Deus da justiça; algum<br />

senso do pecado como o contraste entre o caráter humano e o padrão divino;<br />

um certo lançamento da alma sobre a misericórdia divina e o processo divino<br />

da salvação em lugar da justiça própria para obter o mérito e a confiança nas<br />

obras e nas sua memórias; algum esforço prático para realizar o princípio<br />

ético em uma vida pura e na influência sobre os outros. Sempre que aparecerem<br />

estas marcas da verdadeira religião, ainda que nos unitários, romanistas,<br />

judeus ou budistas, reconhecer-se-á a demanda de comunhão. Mas atribuímos<br />

também estes germes da verdadeira religião na operação da obra do<br />

Cristo onipresente, “a luz que alumia todo homem” (Jo. 1.9), e vemos neles o<br />

incipiente arrependimento e a fé, embora o seu objetivo ainda seja nominalmente<br />

desconhecido. A comunhão cristã deve ter maior base na verdade cristã


5 2 Augustus Hopkins Strong<br />

aceita e a comunhão da igreja ainda maior base no reconhecimento comum<br />

do ensino do N.T. no que se refere à igreja. A comunhão religiosa, neste<br />

sentido mais amplo, apoia-se no fato de que “Deus não faz acepção de pessoas;<br />

mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz<br />

o que é justo” (At. 10.34,35).<br />

c) Que a religião pode distinguir-se do louvor formal, que é simplesmente<br />

a expressão exterior da religião. Como tal expressão, o louvor é “a comunhão<br />

formal entre Deus e seu povo”. Nele Deus fala ao homem e o hom em a Deus.<br />

Portanto, inclui adequadamente a leitura da Escritura e a pregação da parte de<br />

Deus e a oração e o cântico da parte do povo.<br />

S t e r r e t t , fíeason and Authority in Religion, 166 - “A adoração cristã é o<br />

pronunciamento do espírito”. Porém no verdadeiro amor existe mais do que<br />

se pode pôr numa letra amorosa e, na religião, existe mais do que se pode<br />

expressar quer na teologia, quer na adoração. A adoração cristã é comunhão<br />

entre Deus e o homem. Mas a comunhão não pode ser unilateral. M a d a m e de<br />

S t a ê l, que H e in e chamava de “torvelinho em saias”, encerra um dos seus<br />

brilhantes solilóquios, dizendo: “Que deliciosa conversa tivemos!” Podemos<br />

achar uma ilustração melhor da natureza do culto nos diálogos de T homas à<br />

K e m pis entre o santo e o seu Salvador, na Imitação de Cristo. G o e t h e : “Contra<br />

a grande superioridade de uma outra pessoa não há remédio senão o amor.<br />

... Louvar um homem é pôr-se no seu nível”. Se este for o efeito do amor e<br />

louvor ao homem, qual não deve ser o de amar e louvar a Deus! Inscrição na<br />

Igreja em Grasmere: “Quem quer que sejas tu que entras na igreja, não a<br />

deixes sem um louvor a Deus por ti mesmo, por aqueles que ministram, e por<br />

aqueles que adoram neste lugar”. Tg. 1.27 - “A religião pura e imaculada<br />

para com Deus, o Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribula-<br />

ções, guardar-se da corrupção do mundo” - “religião”, epricrKeía, é cuitus<br />

exterior, e significa “o serviço exterior, o garbo externo, o próprio ritual do<br />

cristianismo, é vida de pureza, amor e devoção própria. O escritor não diz<br />

qual pode ser a sua verdadeira essência, o recôndito do seu espírito, mas<br />

deixa que se infira”.


L FONTES DA TEOLOGIA<br />

C a p í t u l o II<br />

MATERIAL DA TEOLOGIA<br />

Em últim a análise, o próprio Deus deve ser a única fonte do conhecimento<br />

a respeito do seu ser e relações. Portanto, a teologia é um resumo e explicação<br />

do conteúdo das revelações que Deus faz de si mesmo. São estas, em primeiro<br />

lugar, a revelação de Deus na natureza; em segundo lugar e supremamente a<br />

revelação de Deus nas Escrituras.<br />

A m b r ó s io : “A quem creditarei maior grandeza a respeito de Deus senão ao<br />

próprio Deus”? V on B a a d e r : “É impossível conhecer Deus sem Deus; não há<br />

conhecimento sem aquele que é a fonte primordial”. C. A . B r ig g s , Whither, 8 -<br />

“Deus revela a verdade em diversas esferas: na natureza universal, na constituição<br />

da humanidade, na história da nossa raça, nas Escrituras Sagradas,<br />

mas, acima de tudo, na Pessoa de Jesus Cristo, nosso Senhor”. F. H. J o h n s o n,<br />

Whatis Reality?, 399 - “O mestre interfere quando é necessário. A revelação<br />

auxilia a razão e a consciência, mas não as substitui. O catolicismo,<br />

porém, afirma que a igreja as substitui, e o protestantismo que é a Bíblia que<br />

faz isto. A Bíblia, como a natureza, dá muitos dons gratuitos, porém, em germe.<br />

O crescimento dos ideais éticos deve interpretar a Bíblia”. A. J . F. B e h r e n d s:<br />

“A Bíblia é apenas um telescópio; não é o olho que vê, nem as estrelas que o<br />

telescópio traz à vista. Você tem a preocupação e eu também de ver as estrelas<br />

com os nossos próprios olhos”. S c h u r m a n , Agnosticism, 178 - “A Bíblia é<br />

uma lente através da qual se vê o Deus vivo. Mas ela é inútil quando você<br />

desvia dela os olhos”.<br />

Só podemos conhecer a Deus na medida em que ele se revela. Conhece-<br />

se o Deus imanente, mas o Deus transcendente não conhecemos como só<br />

conhecemos uma das faces da lua, a que se volta para nós. A. H. S t r o n g ,<br />

Christin Creation, 1 1 3 - “A palavra ‘autoridade’ deriva de auctor, augeo, ‘acrescentar’.<br />

A autoridade acrescenta alguma coisa à verdade comunicada. O que<br />

se acrescenta é o elemento pessoal do testemunho. Isto é necessário sempre<br />

que não se pode remover a ignorância com o nosso próprio esforço, ou a<br />

falta de vontade que resulta do nosso próprio pecado. Na religião preciso<br />

acrescentar ao meu próprio conhecimento aquilo que Deus concede. A razão,<br />

a consciência, a igreja, a Escritura, todas são autoridades delegadas e


5 4 Augustus Hopkins Strong<br />

subordinadas; a única autoridade original e suprema é o próprio Deus revelado<br />

e que se fez compreendido por nós”. G o r e , Incarnation, 181 - “Toda a<br />

legítima autoridade representa a razão de Deus, educando a razão do<br />

homem e comunicando-se com ela. ... O homem foi feito à imagem de Deus:<br />

ele é, na capacidade fundamental, filho de Deus, e torna-se assim de fato, e<br />

completamente, através da união com Cristo. Por isso, na verdade de Deus,<br />

como Cristo a apresenta a ele, pode reconhecer como sua a melhor razão, -<br />

usando a bela expressão de P l a t ã o , ele pode saudá-la com a força do instinto<br />

como alguma coisa que está aquém de si mesmo, antes que dê satisfação<br />

intelectual dela”.<br />

B a l f o u r , Foundations of Belief, 332-337, sustenta que não existe a razão<br />

desassistida e, mesmo que houvesse, a religião natural não é um dos seus<br />

produtos. Diz ele: atrás de toda a evolução da nossa própria razão, está a<br />

Razão Suprema. “A consciência, os ideais éticos, a capacidade de admirar,<br />

a simpatia, o arrependimento, a justa indignação, assim como o prazer no<br />

belo e na verdade, tudo deriva de Deus”. K a f t a n , in Am. Jour. Theology,<br />

1900.718,719, sustenta que não há outro princípio para a dogmática além da<br />

Escritura Sagrada. Embora ele sustente que o conhecimento nunca vem diretamente<br />

da Escritura, mas da fé. A ordem não é: Escritura, doutrina, fé; mas<br />

Escritura, fé, doutrina. A Escritura não é uma autoridade direta mais do que a<br />

igreja. A revelação se dirige a todo o homem, isto é, à vontade do homem e<br />

reivindica obediência da parte dele. Visto que todo conhecimento cristão é<br />

mediado através da fé, ele se apoia na obediência à autoridade da revelação<br />

e a revelação é a manifestação própria da parte de Deus. K afta n devia ter<br />

reconhecido mais plenamente que não só a Escritura, mas toda a verdade<br />

capaz de ser conhecida, é uma revelação de Deus e que Cristo é “a luz que<br />

alumia todo homem” (Jo. 1.9). A revelação é um todo orgânico, que começa<br />

na natureza, mas tem seu clímax e chave no Cristo histórico que a Escritura<br />

nos apresenta.<br />

1. A Escritura e a natureza<br />

Por natureza significamos aqui não som ente os fatos físicos ou os fatos<br />

relativos às substâncias, propriedades, forças e leis do mundo material, mas<br />

também os fatos espirituais ou fatos relativos à contribuição intelectual e moral<br />

do homem e o arranjo ordenado da sociedade e história humanas.<br />

Empregamos aqui a palavra “natureza” no sentido comum, incluindo o<br />

homem. Existe um outro emprego de tal palavra mais próprio que a torna<br />

somente um complexo de forças e seres sob a lei de causa e efeito. O Homem<br />

só pertence à natureza, neste sentido a respeito do seu corpo, enquanto ima-<br />

terial e pessoal ele é sobrenatural. A livre vontade não está sob a lei da física<br />

e da causa mecânica. É como diz B u s h n e l l: “A natureza e o elemento sobrenatural<br />

constituem juntos o sistema único de Deus.” D r u m m o n d , Natural Lawin<br />

the Spiritual World, 232 - “As coisas são naturais ou sobrenaturais conforme<br />

a posição em que se encontram. O homem é sobrenatural com relação ao


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 5<br />

elemento mineral; Deus é sobrenatural com relação ao homem”. Em capítulos<br />

posteriores empregaremos o termo “natureza” em sentido mais restrito.<br />

O emprego universal da expressão “Teologia Natural”, contudo, compele-nos<br />

neste capítulo a valermo-nos da palavra “natureza” em seu sentido mais<br />

amplo, incluindo o homem, apesar de fazê-lo sob protesto e explicando este<br />

sentido mais adequado do termo.<br />

E. G. Robinson: “ B ushnell separa a natureza do sobrenatural. A natureza é<br />

um cego encadeam ento de causas. Deus nada tem a ver com ela, exceto que<br />

anda nela. O hom em é sobrenatural porque está fora da natureza, tendo o<br />

poder de originar um independente encadeam ento de cau sas” . Se esta fosse<br />

a concepção adequada da natureza, poderíam os ser com pelidos a concluir<br />

com P. T. F orsyth, Faith and Criticism., 100 - “Não há nenhum a revelação na<br />

natureza. Não pode haver, porque não há perdão. Não podem os estar certos<br />

dela. Ela é apenas estética. Seu ideal não é a reconciliação, m as harm onia.<br />

...pois a consciência acom etida ou forte, não tem palavra... A natureza não<br />

contém a sua própria tele ologia e porque a alm a m oral que recusa ser alim entada<br />

de fantasia, C risto é o sorriso lum inoso na tenebrosa face do m undo” .<br />

Mas isto confina virtualm ente a revelação de C risto à E scritura ou à encarnação.<br />

Com o havia um a astronom ia sem o telescópio, assim havia um a teologia<br />

antes da Bíblia. G eorge H a r r is , Moral Evolution, 411 - “A natureza é tanto<br />

um a evolução com o um a revelação. T ão logo a questão Como é respondida,<br />

levantam -se as questões De onde e Porquê. A natureza é para Deus o que a<br />

fala é para o pensam ento. O título do livro de H enry Drummond devia te r sido:<br />

“A Lei Espiritual no Mundo Natural”, porque a natureza é tão somente a atividade<br />

livre embora natural de Deus; o que chamamos sobrenatural é somente<br />

a sua obra extraordinária.<br />

à) Teologia natural - O universo é um a fonte da teologia. As Escrituras<br />

afirmam que Deus se revelou na natureza. Não há apenas um testemunho<br />

exterior da sua existência e caráter na constituição e governo do universo<br />

(Sl. 19; At. 14.17; Rm. 1.20), mas tam bém um testemunho interno da sua<br />

existência e caráter no coração de cada hom em (Rm. 1.17-20,32; 2.15).<br />

A sistem ática apresentação destes fatos derivados da observação, história ou<br />

ciência, constitui a teologia natural.<br />

Testemunho externo: Sl. 19.1-3 - “Os céus declaram a glória de Deus”;<br />

At. 14.17 - “Não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá<br />

do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos”; Rm. 1.2 0 - “Porque as coisas<br />

invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua<br />

divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas”,<br />

Testemunho interno: Rm. 1 .1 9 — tò yvcocttov to ú 9eov> = “o que de Deus<br />

se pode conhecer neles se manifesta”. Compare o àjioKaMm-tetai do evangelho<br />

no vs. 17, com o àKOKaXvmemi da ira no vs. 18 - duas revelações,<br />

uma da ôpyri, a outra da x á p iç ; uerSHEDD, Homiletics, 11. Rm. 1.32 - “conhecendo<br />

a justiça de Deus”; 2 .1 5 - “mostram a obra da lei escrita no seu coração”.<br />

Por isso mesmo os pagãos são “inescusáveis” (Rm. 1 .2 0). Há dois


5 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

livros: A Natureza e a Escritura - uma escrita, a outra não: e há necessidade<br />

de estudar ambos.<br />

S purgeon falava de uma pessoa piedosa que, quando descia o Reno,<br />

fechava os olhos para não ver a beleza da cena que desviaria a sua mente<br />

dos temas espirituais. O puritano virava as costas para portulaca, dizendo<br />

que não levaria em conta coisa alguma encantadora na terra. Mas isto é desprezo<br />

às obras de Deus. J. H. Barrows: “O Himalaia contém as letras em alto<br />

relevo em que nós, crianças cegas púnhamos os dedos para ler o nome de<br />

Deus". Desprezar as suas obras é desprezar o próprio Deus. Ele está presente<br />

na natureza e fala através dela. SI. 19.1 - “Os céus declaram a glória de<br />

Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” - verbos no presente.<br />

A natureza não só é um livro, mas também uma voz. H utton, Essays, 2.236 -<br />

“O conhecimento direto da comunhão espiritual deve ser suplementado pelo<br />

dos processos divinos provindos do estudo da natureza. A negligência do<br />

estudo natural dos mistérios do universo conduz a uma intromissão arrogante<br />

e ilícita das aceitações morais e espirituais num mundo diferente. Esta é a<br />

lição do livro de Jó”. Hatck, Hibbert Lectures, 85 - “O homem, servo e intérprete<br />

da natureza também o é, consequentemente, do Deus vivo”. Os livros<br />

científicos são o registro das interpretações passadas do homem relativas às<br />

obras de Deus.<br />

b) Teologia Natural Suplementada - A revelação cristã é a principal fonte<br />

da teologia. As Escrituras declaram plenam ente que a revelação de Deus<br />

na natureza não supre todo o conhecim ento de que um pecador necessita<br />

(At. 17.23; Ef. 3.9). Portanto, esta revelação é suplem entada por outra na qual<br />

os atributos divinos e as m isericordiosas provisões só obscuramente projetadas<br />

na natureza tom am -se conhecidas ao homem. Esta últim a revelação consiste<br />

em um a série de eventos sobrenaturais e com unicações cujo registro é<br />

apresentado nas Escrituras.<br />

At. 17.23 - P aulo mostra que, embora os atenienses, na edificação do<br />

altar a um Deus desconhecido, “reconhecessem uma existência divina além<br />

de qualquer que os ritos comuns da sua adoração reconheciam, tal Ser ainda<br />

lhes era desconhecido; eles não tinham uma concepção exata da sua natureza<br />

e suas perfeições” (H ackett, in loco). Ef. 3.9 - “o mistério que esteve oculto<br />

em Deus” - mistério este que, no evangelho, tornou conhecida ao homem a<br />

salvação. H egel, Philosophy of Religion, diz que o cristianismo é a única religião<br />

revelada porque o Deus cristão é o único de quem ela pode vir. Podemos<br />

acrescentar que, como a ciência é o registro da interpretação progressiva do<br />

homem relativa à revelação de Deus no reino natural, do mesmo modo a<br />

Escritura é o registro da interpretação progressiva do homem sobre a revelação<br />

de Deus no reino espiritual. A expressão “palavra de Deus” não indica<br />

primordialmente um registro, - é a palavra falada, a doutrina, a verdade vita-<br />

lizadora, descortinada por Cristo; Mt. 13.19 - “Ouvindo a palavra do Reino”;<br />

Lc. 5.1 - “ouvir a palavra de Deus”; At. 8.25 - “tendo falado a palavra<br />

do Senhor”; 13.48,49 - “glorificavam a palavra do Senhor: ... a palavra do


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 57<br />

Senhor se divulgava”; 19 .10 ,2 0 - “ouviram a palavra do Senhor,... a palavra do<br />

Senhor crescia poderosamente”; 1 Co. 1.18 - “a palavra da cruz” - designando<br />

não um documento, mas uma palavra não escrita; cf. Jr. 1.4 - “veio a mim<br />

a palavra do Senhor”; Ez. 1.3 - “veio expressamente a palavra do Senhor a<br />

Ezequiel, o sacerdote”.<br />

c) As Escrituras, o p adrão fin a l de apelo - A ciência e a Escritura lançam<br />

luz um a sobre a outra. O mesmo Espírito divino que deu ambas revelações<br />

ainda está presente, capacitando o crente a interpretar um a pela outra e, assim,<br />

progressivam ente chegar ao conhecim ento da verdade. Por causa da nossa<br />

adequação e por causa do pecado o registro total das comunicações de Deus<br />

passadas na Escritura é mais fidedigna fonte da teologia do que nossas conclusões<br />

a partir da natureza ou nossas im pressões particulares do ensino do<br />

Espírito. A teologia, portanto, encara a própria Escritura como sua principal<br />

fonte de m aterial e seu padrão final de apelo.<br />

Existe uma obra interna do Espírito divino através da qual a palavra exterior<br />

tornou-se a obra interior e a sua verdade e poder manifestam-se no coração.<br />

A Escritura representa a obra do Espírito, não concedendo uma nova<br />

verdade, mas uma iluminação da mente para que perceba a plenitude do<br />

sentido que se encontra envolto na verdade já revelada. Cristo é “a verdade”<br />

(Jo. 14.6); “em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e<br />

ciência" (Cl. 2.3); Jesus diz que o Espírito Santo “há de receber do que é meu<br />

e vo-lo há de anunciar” (Jo. 16.14). A encarnação e a cruz expressam o coração<br />

de Deus e o segredo do universo; todas as descobertas da teologia são<br />

apenas desdobramento da verdade que estes fatos envolvem. O Espírito de<br />

Cristo capacita-nos a comparar a natureza com a Escritura e vice-versa e<br />

corrigir os equívocos na interpretação de um à luz do outro. Porque a igreja<br />

como um todo através da qual entendemos o conjunto dos verdadeiros crentes<br />

em toda a parte e em todos os tempos tem a promessa de ser conduzida<br />

“em toda a verdade” (Jo. 16.13) é que podemos confiantes esperar o progresso<br />

da doutrina cristã.<br />

A experiência cristã às vezes é considerada como uma fonte original de<br />

verdade religiosa. Contudo, ela é apenas teste e prova da verdade contida<br />

objetivamente na revelação de Deus. A palavra “experiência” deriva de expe-<br />

rior, testar, tentar. A consciência cristã não é “norma normans”, mas “norma<br />

normata”. Como a vida, a luz nos vem através da mediação dos outros.<br />

Embora esta vem de Deus como realmente aquela, da qual sem hesitação<br />

dizemos: “Deus me fez”, apesar de termos pais humanos. Como através do<br />

encanamento recebo a mesma água que se encontra armazenada nos reservatórios<br />

no alto da montanha, assim nas Escrituras eu recebo a verdade que<br />

o Espírito Santo originariamente comunicou aos profetas e apóstolos. Calvi-<br />

no, tnstitutes, livro I, cap. 7 - “Como a natureza tem uma manifestação imediata<br />

de Deus na consciência, uma manifestação mediata nas suas obras,<br />

assim a revelação tem uma manifestação imediata de Deus no Espírito, e<br />

mediata nas Escrituras”. “A natureza do homem”, diz Spurgeon, “não é uma


58 Augustus H opkins Strong<br />

mentira organizada, embora sua consciência interior tenha sido deformada<br />

pelo pecado e apesar de que uma vez tenha sido um guia infalível à verdade<br />

e ao dever o pecado a fez muito enganadora. O padrão de infalibilidade não<br />

está na consciência do homem, mas nas Escrituras. Quando em qualquer<br />

matéria a consciência contraria a Palavra de Deus, devemos saber que ela<br />

não é a voz de Deus, mas do diabo”. D r. G eoge A. G ordon diz que “a história<br />

cristã é a revelação de Cristo adicional ao conteúdo do Novo Testamento”.<br />

Não deveríamos dizer “ilustrativa”, em vez de “adicional”?<br />

H. H. B a w d e n : Deus é a autoridade máxima apesar de que existem autoridades<br />

delegadas, tais como a família, o estado, a igreja; os instintos, os sentimentos,<br />

a consciência; a experiência genérica da raça, as tradições, o valor<br />

utilitário; a revelação na natureza e na Escritura. Porém a autoridade de maior<br />

valor para os homens na moral e na religião é a verdade a respeito de Cristo<br />

contida na literatura cristã. A verdade a respeito de Cristo, encontra-se determinada<br />

1) pela razão humana condicionada pela atitude correta dos sentimentos<br />

e da vontade; 2) à luz de toda a verdade derivada da natureza, incluindo<br />

o homem; 3) à luz da história do cristianismo; 4) à luz da origem e<br />

desenvolvimento das próprias Escrituras. A autoridade da razão em geral e a<br />

da Bíblia são correlatas visto que se desenvolveram sob a providência de<br />

Deus e esta em grande escala porém como reflexo daquela. Este ponto de<br />

vista capacita-nos a uma concepção racional da função da Escritura na religião.<br />

Este ponto de vista capacita-nos a raciocinar sobre o que se chama<br />

inspiração da Bíblia, natureza e extensão da inspiração, a Bíblia como elemento<br />

histórico - registro do desdobramento histórico da revelação; a Bíblia<br />

como literatura - compêndio dos princípios de vida, mais do que um livro de<br />

regras; a Bíblia cristocêntrica - encarnação do pensamento e da vontade<br />

divinos e no pensamento humano e na linguagem”.<br />

d) A teologia da Escritura não é antinatural - A pesar de termos falado que<br />

as verdades sistem atizadas da natureza constituem a teologia natural, não<br />

devemos inferir que a teologia escriturística é fora do natural. Porque as Escrituras<br />

têm o mesmo autor que a natureza, os mesmos princípios são ilustrados<br />

em um a como na outra. Todas doutrinas da Bíblia têm sua razão na mesma<br />

natureza de Deus que constitui a base de todas as coisas materiais. O cristianismo<br />

é um a dispensação suplementar, não contradizendo ou corrigindo erros<br />

na teologia natural, porém de modo mais perfeito revelando a verdade. O cristianismo<br />

é o plano base no qual toda a criação é edificada - a verdade original<br />

e eterna cuja teologia natural é apenas um a expressão parcial. Por isso a teologia<br />

da natureza e a teologia da Escritura são interdependentes. A teologia<br />

natural não só prepara o caminho para a teologia escriturística, mas recebe o<br />

estímulo e auxílio dela. A teologia natural pode agora ser um a fonte da verdade,<br />

que, antes que a Escritura viesse, ela não poderia fornecer.<br />

J ohn C aird, Fund. Ideas of Chrístianity, 23 - “Não existe esta coisa que se<br />

chama religião natural ou religião da razão distinta da revelada. O cristianis­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 9<br />

mo é mais profunda, compreensiva e racionalmente, mais concorde com os<br />

mais profundos princípios da natureza e pensamento humanos que a religião<br />

natural; ou, como podemos situá-lo, o cristianismo é a religião natural engrandecida<br />

e feita religião revelada”. P eabody, Christianity the Religion of Nature,<br />

preleção 2 - “Revelação é o desvendamento, o descobrimento daquilo que<br />

antes já existia e exclui a idéia de novidade, de invenção, de criação.... A religião<br />

terrena revelada é a religião natural do céu.” Compare Ap. 13.8 - “o<br />

Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” = a vinda de Cristo não<br />

se fez por mudança; no verdadeiro sentido, a Cruz existiu desde a eternidade;<br />

a expiação é a revelação de um fato eterno no ser divino.<br />

Observe a ilustração de Platão da caverna que facilmente pode ser ameaçada<br />

por alguém que tinha entrado com uma tocha. A natureza é uma luz<br />

embaçada que vem da entrada da caverna; a tocha é a Escritura. Kant para<br />

J acobi, in Jacobi’s Werke, 3.523 - “Se o evangelho não tivesse ensinado as<br />

leis morais universais, a razão não teria adquirido tão perfeito discernimento<br />

delas”. A lexander M cLaren: “O s pensadores não cristãos falam agora eloqüentemente<br />

sobre o amor de Deus e até mesmo rejeitam o evangelho em<br />

nome de tal amor, chutando a escada pela qual subiram. Mas foi a cruz que<br />

ensinou ao mundo o amor de Deus e independentemente da morte de Cristo<br />

os homens podem esperar que haja um coração no centro do universo, mas<br />

nunca estão certos dele”. O papagaio fantasia que ele ensinou os homens a<br />

falar. Do mesmo modo o S r. S pencer fantasia que inventou a ética. Ele só<br />

está empregando o crepúsculo depois que o sol se pôs. D orner, Hist. Prot.<br />

Theol., 252,253 - “Na Reforma, a fé primeiro forneceu certeza científica; daí<br />

em diante continuou a banir o ceticismo na filosofia e na ciência”.<br />

2. A Escritura e o Racionalismo<br />

Apesar de que as Escrituras tornam conhecido muito do que está além do<br />

poder da razão humana desauxiliada para descobrir ou com preender plenamente<br />

seus ensinos, quando tomados juntos, de modo nenhum contradizem<br />

um a razão condicionada em sua atividade pelo santo sentimento e iluminada<br />

pelo Espírito de Deus. As Escrituras apelam para a razão, em seu amplo sentido,<br />

incluindo o poder da m ente de reconhecer Deus e as relações morais - não<br />

no sentido estrito de um simples raciocínio ou o exercício da faculdade puramente<br />

lógica.<br />

A) O ofício apropriado da razão, neste sentido amplo, é: a) Fornecer-nos as<br />

idéias primárias de espaço, tempo, causa, substância, desígnio, justiça e Deus,<br />

que são as condições de todo o subseqüente conhecim ento, b) julgar com relação<br />

à necessidade de um a revelação especial e sobrenatural da parte do homem.<br />

c) Exam inar as credenciais da comunicação que professam ser tal revelação<br />

ou dos documentos que professam registrá-la. d) Avaliar e reduzir a um sistema<br />

os fatos da revelação quando estes foram achados apropriadam ente atestados.<br />

é) Deduzir destes fatos suas conclusões naturais e lógicas. Assim a


6 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

própria razão prepara o caminho para um a revelação acim a da razão e garante<br />

um a confiança em tal revelação quando dada.<br />

D ove, Logic of the Christian Faith, 318 - A razão termina na proposição:<br />

“Conte com a revelação”. L eibnitz: “A revelação é o vice-rei que apresenta<br />

logo as suas credenciais à assembléia provincial (razão) e, depois, ele mesmo<br />

preside”. A razão pode reconhecer a verdade depois que ela se tornou<br />

conhecida, como por exemplo nas demonstrações da geometria, embora ela<br />

nunca possa descobrir a verdade por si mesma, vera ilustração de Calderwood<br />

sobre o grupo perdido nos bosques, que toma sabiamente o curso indicado<br />

por alguém que se encontra no topo da árvore com maior visão do que a dele<br />

(Philosophy of the Infinite, 126). O noviço faz bem em confiar seu guia na<br />

floresta ao menos até que aprenda a reconhecer por si mesmo as marcas<br />

chamuscadas sobe as árvores. Luthardt, Fund. Thruts, lect. viii - “A razão<br />

nunca podia ter inventado um Deus auto-humilhante, tendo como berço uma<br />

manjedoura e morrendo numa cruz”. Lessing, Zur Geschichte und Litterature<br />

(A Respeito da História e da Literatura), 6.134 - “Qual o sentido de uma revelação<br />

que não revela nada”?<br />

R itschl nega que as pressuposições de qualquer teologia baseada na<br />

Bíblia como a infalível palavra de Deus por um lado, e na validade do conhecimento<br />

de Deus obtido por processos científicos e filosóficos por outro. Porque<br />

os filósofos, cientistas e mesmo os exegetas, não concordam entre si,<br />

ele conclui que nenhum resultado fidedigno é atingível pela razão humana.<br />

Admitimos que a razão sem o amor cairá em muitos erros relativos a Deus e<br />

que, por isso, a fé é, portanto, o órgão pelo qual a fé religiosa deve ser apreendida.<br />

Reivindicamos que a fé inclui a razão e esta na sua mais elevada<br />

forma. A fé critica e julga os processos da ciência natural bem como o conteúdo<br />

da Escritura. Mas ela também reconhece, anteriormente, na ciência e na<br />

Escritura a operação do Espírito de Cristo que é a fonte e autoridade da vida<br />

cristã. R itschl ignora as relações terrenas de Cristo e, por isso, seculariza e<br />

deprecia a ciência e a filosofia. A fé na qual ele confia como a fonte da teologia,<br />

sem garantia, está separada da razão. Torna-se um padrão subjetivo e<br />

arbitrário ao qual, mesmo o ensino da Escritura deve ter precedência. Sustentamos<br />

um ponto de vista contrário; o de que observam-se resultados na<br />

ciência e na filosofia e na interpretação da Escritura como um todo e que tais<br />

resultados constituem uma revelação que tem autoridade, ver O rr, The The-<br />

ology of Ritschl', Dorner, Hist. Prot. Theoi., 1.233 - “A questionável razão na<br />

razão empírica é escrava da fé, que é a verdadeira razão nascente, não confiante<br />

em si mesma, mas defensora do cristianismo objetivo”.<br />

B) Por outro lado, o racionalismo sustenta que a razão é a fonte últim a de<br />

toda a verdade religiosa enquanto a Escritura é a autoridade só naquilo que<br />

suas revelações concordam com as conclusões prévias da razão ou pode ser<br />

dem onstrada racionalmente. Cada forma de racionalismo, portanto, comete<br />

ao menos um dos seguintes erros: d) O de confundir a razão com o simples<br />

raciocínio, ou com o exercício da inteligência lógica, b) O de ignorar a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 61<br />

necessidade de um sentimento santo como condição de toda a correta razão<br />

nos assuntos religiosos, c) O da negação da nossa dependência das revelações<br />

de Deus no nosso estado presente de pecado, ã) O de considerar a razão desa-<br />

poiada mesmo em seu estado norm al e desapaixonado, como capaz de descobrir,<br />

com preender e dem onstrar toda a verdade religiosa.<br />

Não se deve confundir razão com raciocínio, ou simples arrazoado.<br />

Vamos seguir a razão? Sim, mas não o arrazoado individual contra o testemunho<br />

dos que têm melhor informação do que nós; nem insistir na demonstração,<br />

na qual a evidência provável por si só é possível; nem confiar somente<br />

na evidência dos sentidos quando estão em jogo as coisas espirituais.<br />

Coleridge, respondendo aos que argumentavam que todo o conhecimento<br />

nos vem dos sentidos, diz: “De qualquer modo devemos trazer à luz todos os<br />

fatos como os vemos”. É isto que o cristão faz. A luz do amor revela muita<br />

coisa que, de outra forma, seria invisível. W ordsworth, Excursion, book 5<br />

(598) - “A razão desnuda não deve garantir o apoio da mente. A verdade<br />

moral não é uma estrutura mecânica edificada através de regras”.<br />

O racionalismo é a teoria matemática do conhecimento. A ética de S pinosa<br />

é uma ilustração disso. Ela deduziria o universo a partir de um axioma.<br />

O D r. Hodge muito erroneamente descreveu o racionalismo como “um abuso<br />

da razão”. Mais do que isso é o uso de uma razão anormal, pervertida, inadequadamente<br />

condicionada; ver Hodge, Syst. Theol., 1.34,39,55, e a crítica de<br />

M ille r, O Fetiche na Teologia. A expressão “intelecto santificado” apenas significa<br />

o intelecto acompanhado de justos sentimentos para com Deus e instruídos<br />

na operação sob a influência deles. Bispo B u tle r: “Observe-se a razão,<br />

mas não se deixe que criaturas como nós continuem a opor-se a um esquema<br />

infinito a ponto de não vermos a necessidade ou utilidade de todas<br />

as suas partes e a isto chamemos razão”. Newman Smith, Death’s Place in<br />

Evolution, 86 - “A descrença é uma haste imersa nas trevas da terra. Afunde-<br />

a mais e aparecerá no raio solar do outro lado da terra”. As pessoas mais<br />

desarrazoadas do mundo são as que dependem exclusivamente da razão, no<br />

sentido restrito. “Quanto mais elas exaltam a razão, mais tornam o mundo<br />

irracional”. “A galinha que choca patinhos anda com eles até à beira da água,<br />

mas pára ali e fica assustada quando eles avançam. Do mesmo modo a<br />

razão pára e a fé continua encontrando o seu elemento mais adequado no<br />

invisível. A razão são os pés que se apoiam na terra sólida; a fé são as asas<br />

que nos capacitam a voar; o homem normal é uma criatura que tem asas”.<br />

Compare yvcòcnç (1 Tm. 6 .2 0 - “falsamente chamada ciência”) com èmyvcocn.ç<br />

(2 Pe. 1.2 - “conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor” = pleno<br />

conhecimento, ou verdadeiro conhecimento).<br />

3. A Escritura e o Misticismo<br />

Como o racionalismo reconhece que muito pouca coisa vem de Deus assim<br />

o misticismo reconhece-a excessiva.


6 2 Augustus Hopkins Strong<br />

A) O Verdadeiro Misticismo - Vimos que há um a iluminação das mentes<br />

de todos os crentes pelo Espírito Santo. Contudo, o Espírito não faz nenhuma<br />

revelação nova da verdade já revelada por Cristo na natureza e nas Escrituras.<br />

A obra ilum inadora do Espírito é, portanto, a de abrir as mentes dos homens<br />

para entender as revelações prévias de Cristo. Como um iniciado nos mistérios<br />

do cristianismo, cada crente verdadeiro pode ser chamado de místico. O verdadeiro<br />

m isticismo é o mais alto conhecim ento e com unhão que o Espírito<br />

Santo concede através do uso da natureza e da Escritura como meio subordinado<br />

e principal.<br />

“Místico” = iniciado, de núco, “fechar os olhos” - provavelmente para que a<br />

alma possa ter a visão interior da verdade. Porém a verdade divina é um<br />

“mistério”, não só como algo em que alguém deve iniciar-se, mas como<br />

Ú7cep(3áA.A,o-ucya xfiç yvcooeok; (Ef. 3.19) - ultrapassando o pleno conhecimento,<br />

mesmo para o crente; verMEYER sobre Rm. 11.25 - “Não quero, irmãos, que<br />

ignoreis este mistério”. Os alemães têm a palavra Mystik com um sentido<br />

favorável, Mysticismus com um sentido desfavorável, - correspondendo, respectivamente,<br />

ao nosso verdadeiro e falso misticismo. O verdadeiro misticismo<br />

é sugerido em João 16.13 - “aquele Espírito da verdade ... vos guiará em<br />

toda a verdade”; Ef. 3.9 - “dispensação do mistério”; 1 Co. 2.10 - “Deus<br />

no-las revelou pelo seu Espírito”. N itzsch, Syst. OfChrist. Doct, 35 - “Sempre<br />

que a verdadeira religião revive, há um clamor contra o misticismo, /'.e., um<br />

conhecimento mais elevado, uma comunhão, uma atividade através do Espírito<br />

de Deus no coração”. Compare a acusação contra Paulo de que ele estava<br />

louco, em At. 26.24,25, com a sua própria vindicação em 2 Co. 5.13 - “se<br />

enlouquecemos, é para Deus”.<br />

Inge, Chrístian Mysthicism, 21 - “Harnack fala do misticismo como racionalismo<br />

aplicado à esfera acima da razão. Ele deveria ter dito razão aplicada<br />

à esfera acima do racionalismo. Sua doutrina fundamental é a unidade de<br />

toda a existência. O homem pode realizar a sua individualidade apenas transcendendo-a<br />

e achando-se na unidade maior do ser divino. O homem é um<br />

microcosmo. Ele recapitula a raça, o universo, o próprio Cristo”. Ibid., 5 -<br />

O misticismo é “a tentativa de realizar no pensamento e no sentimento a ima-<br />

nência do temporal no eterno e do eterno no temporal. Isto implica 1) que a<br />

alma pode ver e perceber a verdade espiritual; 2) que o homem, para conhecer<br />

a Deus, deve ser participante da natureza divina; 3) que, sem a santidade,<br />

ninguém pode ver o Senhor; 4) que o verdadeiro hierofante dos mistérios de<br />

Deus é o amor. A ‘scala perfectionis’ é a) a vida purificadora; b) a vida ilumina-<br />

tiva; c) a vida unificadora”. Stevens, Joanninne Theol., 239,240 - “O misticismo<br />

de J oão ... não é do tipo subjetivo que absorve a alma na autocontempla-<br />

ção e devaneio, mas objetivo e racional, que vive no mundo da realidade,<br />

apreende a verdade divinamente revelada e baseia sua experiência nela.<br />

É um misticismo que se alimenta, não dos seus próprios sentimentos e fantasias,<br />

mas de Cristo. Envolve uma aceitação e obediência a ele. O seu mote é:<br />

Perseverando em Cristo”. Como a pressão da força não pode dispensar o<br />

tipo, assim o Espírito de Deus não dispensa a revelação externa de Cristo na


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 63<br />

natureza e na Escritura. E. G. Robinson, Christian Theology, 364, - “A palavra<br />

de Deus é uma forma ou molde ao qual o Espírito Santo nos entrega quando<br />

nos recria”; cf. Rm. 6.17 - “obedecestes de coração à forma de doutrina a que<br />

fostes entregues”.<br />

B) Falso Misticismo - O m isticismo, contudo, como se usa comumente o<br />

termo, erra ao sustentar a aquisição do conhecim ento religioso pela comunicação<br />

direta de Deus e da absorção passiva das atividades humanas na divina.<br />

Parcial ou totalmente perde de vista a) os órgãos externos da revelação, da<br />

natureza e das Escrituras; b) a atividade dos poderes humanos na recepção de<br />

todo conhecimento religioso; c) a personalidade do hom em e, por conseqüência,<br />

a personalidade de Deus.<br />

Em oposição ao falso misticismo, devemos lembrar que o Espírito Santo<br />

opera através da verdade revelada exteriormente na natureza e na Escritura<br />

(At. 14.17 - “Não se deixou a si mesmo sem testemunho”; Rm. 1.20 - “as<br />

suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, ... claramente se vêem”;<br />

At. 7.51 - “vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois como os<br />

vossos pais”; Ef. 6.17 - “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”).<br />

Através desta verdade já entregue devemos provar toda a nova comunicação<br />

que contradiz ou vai além dela (1 Jo. 4.1 - “não creiais em todo espírito, mas<br />

provai se os espíritos são de Deus”; Ef. 5.10 - “aprovando o que é agradável<br />

ao Senhor”). Através destes testes podemos por à prova o Espiritismo, o Mor-<br />

monismo, Swedenborgianismo. Note a tendência mística em Francisco de<br />

Sales, em Tomás à Kempis, em Madame Guyon, em Thomas C. Upham. Tais<br />

escritores parecem, às vezes, defender uma abnegação insustentável da nossa<br />

razão e vontade e uma “absorção do homem em Deus”. Mas Cristo não nos<br />

priva da razão e da vontade; ele só nos tira a perversidade da nossa razão e<br />

o egoísmo da nossa vontade; assim restauram-se a razão e a vontade à sua<br />

clareza normal e força. Compare SI. 16.7 - “o Senhor me aconselhou; até o<br />

meu coração me ensina de noite” = Deus ensina o seu povo através do exercício<br />

das próprias faculdades deste.<br />

O falso misticismo está presente, embora, às vezes, não reconhecido.<br />

Toda expectação dos resultados sem o emprego de recursos participa dele.<br />

M artineau, Seat of Authoríty, 288 - “A vontade preguiçosa gostaria de ter a<br />

visão enquanto o olho que a apreende dorme”. Pregar sem preparação é<br />

como lançarmo-nos do pináculo de um templo e depender de que Deus mande<br />

um anjo a amparar-nos. A Ciência Cristã confiaria em agentes sobrenaturais<br />

enquanto deixa de lado os agentes naturais que Deus já providenciou;<br />

como se aquele que está se afogando confiasse na oração, recusando-se a<br />

agarrar na corda. Usando a Escritura “ad aperturam libri” é como guiar a ação<br />

de alguém lançando o dado. A llen, Jonathan Edwards, 171, nota - “Tanto<br />

C harles como John W esley concordavam em aceitar o método morávio de<br />

solucionar as dúvidas como curso de uma ação, abrindo a Bíblia ao acaso e<br />

considerando a passagem em que o olho se fixou primeiro como uma revelação<br />

da vontade de Deus sobre o assunto”; cf. W edgwood, Life of Wesley, 193;


6 4 Augustus Hopkins Strong<br />

S o u th e y , Life of Wesley, 1.216. J. G. Paton, Life, 2.74 - “Após muitas orações<br />

e lutas e lágrimas, pus-me a sós diante do Senhor e, de joelhos, lancei sorte,<br />

com um solene apelo a Deus, e veio a resposta: ‘Volte!’”. Uma única vez ele<br />

fez isso na sua vida, em esmagadora perplexidade, sem encontrar luz vinda<br />

do conselho humano. “A quem quer que tenha esta fé”, diz ele, “obedeça-lhe”.<br />

F. B. M e y e r , Chrístian Living, 18 — “É um equívoco buscar um sinal do céu;<br />

correr de conselheiro a conselheiro; tirar sorte; ou confiar em alguma coincidência<br />

fortuita. Isto não significa que Deus não possa revelar a sua vontade<br />

^ desta forma; mas que este é um comportamento duro de um filho para com o<br />

Pai. Há um caminho mais excelente”, - a saber, o próprio Cristo que é sabedoria<br />

e, quando avançamos, é certo que seremos guiados à medida em que<br />

se der um novo passo, ou a cada palavra proferida, ou decisão tomada.<br />

O nosso culto deve ser “um culto racional” (Rm. 12.1); a ação cega e arbitrária<br />

é inconsistente com o espírito do cristianismo. Este tipo de ação nos torna<br />

vítimas de temporário sentimento e presas do engano satânico. No caso de<br />

perplexidade, aguardando a iluminação e aguardando a vontade de Deus,<br />

freqüentemente nos tornaremos capazes de tomar uma decisão inteligente,<br />

porque “o que não é de fé é pecado” (Rm. 14.23).<br />

“O falso misticismo alcançou seu resultado lógico na teosofia budista. Nesse<br />

sistema o homem torna-se mais divino na extinção da sua própria pessoa-<br />

lidade. Chega-se ao Nirvana através de oito passos do ponto de vista correto,<br />

da aspiração, da palavra, da conduta, do viver, do esforço, da mente, do êxtase;<br />

Nirvana é a perda da capacidade de dizer: ‘Este ser sou eu’, e ‘Isto é meu’.<br />

Tal foi a tentativa de Hipatéia, através da sujeição própria, ao ser impelida aos<br />

braços de Jove. G eorge Eliot equivocava-se quando dizia: ‘A mulher mais<br />

feliz não tem história’. A autonegação não é auto-anulação. O sino quebrado<br />

não tem individualidade. Em Cristo tornamo-nos completos”. Cl. 2 .9 ,1 0 - “porque<br />

nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade e nele estais<br />

perfeitos”.<br />

R oyce, World and Individual, 2.248,249 - Impõe-se o homem espiritual;<br />

O homem natural é abnegado. A carnalidade do eu é a raiz de todos os males;<br />

o eu espiritual pertence ao reino mais elevado. Mas este eu espiritual jaz, a<br />

princípio, fora da alma; ele se torna nosso somente pela graça. Platão está<br />

certo quando faz das idéias eternas a fonte de toda a verdade e bondade<br />

humanas. A sabedoria vem ao homem como o vcruç de A ristóteles” . A. H.<br />

B radford, The Inner Light, ao fazer o ensino direto do Espírito Santo a fonte<br />

suficiente senão a única do conhecimento religioso, parece ignorar o princípio<br />

da evolução na religião. Deus constrói sobre o passado. A sua revelação aos<br />

profetas e apóstolos constitui a norma e correção da nossa experiência individual,<br />

mesmo quando a nossa experiência lança novas luzes sobre a revelação.<br />

4. A Escritura e o Romanismo<br />

Enquanto a história da doutrina, m ostrando a progressiva apreensão e desdobramento<br />

da verdade contida na natureza e na Escritura da parte da igreja é<br />

um a fonte subordinada da teologia, o protestantism o reconhece a Bíblia, sob<br />

Cristo, como a autoridade prim eira e final.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 65<br />

O Romanismo, por outro lado, comete o duplo erro de a) tom ar a igreja, e<br />

não a Escritura, a fonte im ediata e suficiente do conhecimento religioso; e<br />

b i de fazer a relação do indivíduo com Cristo depender de sua relação com a<br />

igreja, ao invés de fazer tal relação com a igreja depender, seguir e expressar<br />

sua relação com Cristo.<br />

Há no Catolicismo Romano um elemento místico. As Escrituras não são<br />

o completo e final padrão de fé e prática. Deus dá ao mundo, de tempo<br />

em tempo, através de papas e concílios, novas comunicações da verdade.<br />

C ipriano: “Quem não tem a igreja como sua mãe não tem Deus como seu<br />

Pai". A gostinho: “Eu não creria na Escritura, se a autoridade da igreja também<br />

me influenciasse”. Francisco de Assis e Inácio de Loyola representam a pessoa<br />

verdadeiramente obediente como um morto, movimentando-se só quando<br />

movido por seu superior; o verdadeiro cristão não tem vida própria, antes<br />

é um instrumento cego da igreja. J ohn H enry N ewman, Tracts, Theol. andEccl.,<br />

287 - “Os dogmas cristãos estavam na igreja desde o tempo dos apóstolos, -<br />

substancialmente sempre foram o que são agora”. Mas demonstra-se que<br />

isto não é verdade a respeito da concepção imaculada da Virgem Maria;<br />

a respeito do tesouro dos méritos distribuídos em indulgências; da infalibilidade<br />

do papa (ver G ore, Incarnation, 186). Em lugar da verdadeira doutrina,<br />

“Ubi Spiritus, ibi ecclesia”, o romanismo emprega a máxima, “Ubi ecclesia, ibi<br />

Spiritus”. Lutero viu nisto o princípio do misticismo quando disse: “Papatus<br />

est merus enthusiasmus”.<br />

Em resposta ao argumento romanista de que a igreja é antes da Bíblia e<br />

que o mesmo corpo que deu a verdade no princípio pode fazer acréscimos à<br />

verdade, dizemos que a palavra não escrita existiu antes da igreja e possibilitou<br />

esta mesma igreja. A palavra de Deus existiu antes que fosse escrita e<br />

por aquela palavra os primeiros discípulos bem como os posteriores foram<br />

gerados (1 Pe. 1.23 - “fostes regenerados ... mediante a palavra de Deus”).<br />

A contextura da verdade na doutrina católica romana se expressa em 1 Tm. 3.15<br />

- “a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade” = a igreja é a procla-<br />

madora da verdade, eleita por Deus; cf. Fp. 2.16 - “retendo a palavra da<br />

vida”. Mas a igreja só pode proclamar a verdade edificada sobre a verdade.<br />

Deste modo podemos dizer que a República Americana é a coluna e base da<br />

liberdade no mundo; mas isto só é verdade desde que a República seja edificada<br />

no princípio da liberdade como seu alicerce. Quando o romanista pergunta:<br />

“Onde estava a sua igreja antes de Lutero?” o protestante pode retrucar:<br />

“Onde estava o seu rosto antes de você lavá-lo? Onde estava a farinha<br />

antes que o trigo fosse para o moinho?” Lady J ane G rey, três dias antes da<br />

sua execução, em 12 de fevereiro de 1554, disse: “A minha fé está fundamentada<br />

na palavra de Deus, não na igreja; pois, se a igreja for boa, a sua fé deve<br />

ser testada pela palavra de Deus, e não a palavra de Deus ser testada pela<br />

palavra da igreja, nem ainda a minha fé”.<br />

A Igreja Romana queria manter os homens em perpétua infância - fazendo-os<br />

ir a ela em busca da verdade, ao invés de ir diretamente à Bíblia; “como<br />

a mãe tola que guarda o menino em casa para que não tope o seu artelho; e<br />

quer amá-lo mais fazendo-o permanecer sempre um bebê e assim continuar


6 6 Augustus H opkins Strong<br />

sendo a sua mãe”. M a r t e n s e n , Christian Dogmatlcs, 30 - “O romanismo está<br />

de tal modo preocupado com a construção de um sistema de salvaguardas<br />

que esquece a verdade do Cristo que ela quer garantir”. G e o r g e H e r b e r t:<br />

“Que desastre pode causar-lhe qualquer lugar, Cuja casa é repugnante<br />

enquanto ele adora a sua vassoura!” É uma doutrina meio parasita de segurança<br />

sem inteligência ou espiritualidade. O romanismo diz: “O homem para a<br />

máquina!” O protestantismo: “A máquina para o homem!” O catolicismo reprime<br />

a individualidade; o protestantismo devolve-a. Não obstante o princípio<br />

romanista aparece em igrejas ditas protestantes. O catecismo publicado pela<br />

Liga da Santa Cruz, da Igreja Anglicana, contém o seguinte: “Só ao sacerdote<br />

a criança deve confessar seus pecados, se desejar que Deus lhes perdoe.<br />

Sabe por quê? É porque Deus, quando na terra, deu aos seus sacerdotes, e<br />

só a eles, o poder de perdoar pecados. Vá ao sacerdote, que é o médico da<br />

sua alma e que cura em nome de Deus”. Mas isto contradiz Jo. 10.7 - “eu sou<br />

a porta”; e 1 Co. 3.11 - “ninguém pode pôr outro fundamento além do que já<br />

está posto, o qual é Jesus Cristo” = atinge-se a salvação pelo acesso imediato<br />

a Cristo e não há nenhuma porta entre a alma e ele.<br />

II. LIMITAÇÕES DA TEOLOGIA<br />

Apesar de a Teologia derivar seu material da dúplice revelação de Deus,<br />

ela não professa dar um exaustivo conhecim ento de Deus e de suas relações<br />

com o universo. Depois de m ostrar que material temos, devemos m ostrar que<br />

m aterial não temos. Já indicamos as fontes da Teologia; examinaremos agora<br />

suas limitações. São elas:<br />

1. Na finitude do entendimento humano<br />

Isto dá surgimento a um a classe de mistérios necessários, ou mistérios em<br />

conexão com a infinitude e incom preensibilidade da natureza divina (Jó 11.7;<br />

Rm. 11.33).<br />

Jó 1 1 . 7 - “alcançarás tu os cam inhos de Deus, ou chegarás à perfeição do<br />

Todo-poderoso?” Portanto, cada doutrina tem seu lado inexplicável. Eis aqui o<br />

sentido próprio das palavras de T e r t u lia n o: “C ertum est, quia im possibile est;<br />

quo absurdius eo verius”; de Anselm o: “Credo ut intelligam ” ; e de Abelardo:<br />

“Qui credi cito, levis corde est” . Drummond, Nat. Law in Spirít World. “D esconhece-se<br />

a ciência sem m istério; é absurdo um a religião sem m istério”. E. G.<br />

Robinson: “Um ser finito não pode captar até m esm o suas próprias relações<br />

com o Infinito”. H o v e y, Manual ofChrist. Theol., 7 - “Inferir da perfeição de Deus<br />

que todas as obras [natureza, hom em , inspiração] serão absoluta e im utavel-<br />

m ente perfeitas; inferir do perfeito am or de Deus que não pode haver pecado<br />

algum ou sofrim ento no m undo; inferir da sobera nia de Deus que o hom em<br />

não é um agente moral livre; - tudo isso é precipitação; são inferências a partir<br />

da causa para o efeito enquanto se conhece a causa de um m odo im perfeito”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 67<br />

2. No estado imperfeito da ciência natural e metafísica<br />

Isto dá surgimento a um a classe de m istérios acidentais, ou mistérios que<br />

consistem na natureza aparentem ente irreconciliável das verdades que, tomadas<br />

separadamente, são perfeitam ente compreensíveis.<br />

Somos vítimas de um astigmatismo, que permite ver só um ponto da verdade<br />

como se fossem dois. Vemos Deus e homem, sabedoria divina e liberdade<br />

humana, o natural e o sobrenatural, respectivamente, como dois fatos<br />

desconexos, quando numa visão talvez mais profunda seria apenas uma.<br />

A astronomia tem suas forças centrípetas e centrífugas, embora sejam indubitavelmente<br />

uma só. A criança não pode segurar duas laranjas ao mesmo<br />

tempo na sua mãozinha. Disse um pregador negro: “Você não pode carregar<br />

duas melancias debaixo de um braço”. S h a k e s p e a r e , Antony and Cleopatra,<br />

1 .2 - “No infinito livro secreto da natureza, Eu, pequenino, leio”. Cooke, Cre-<br />

dentials of Sciense, 34 - “O progresso do homem na ciência tem sido tão<br />

constante e rapidamente acelerado que se tem obtido mais durante a vida do<br />

ser humano que durante toda a sua história passada”. E, contudo, podemos<br />

dizer com D’A rcy, Idealism and Theology, 248 - “A posição do homem no<br />

universo é excêntrica. Só Deus é o centro. Só em torno dele orbita a verdade<br />

completamente exposta. ... Há circunstâncias em que para nós o momento<br />

adiante da verdade pode parecer retrocesso”.<br />

3. Na inadequação da língua<br />

Porque a língua é um meio pelo qual se expressa e se form ula a verdade, a<br />

invenção de um vocabulário na Teologia, com o em cada um a das outras ciências,<br />

é condição e critério de seu progresso. As Escrituras reconhecem um a<br />

dificuldade peculiar no emprego das verdades espirituais em linguagem terrena<br />

(1 Co. 2.13; 2 Co. 3.6; 12.4).<br />

1 Co. 2.13 - “não com palavras ensinadas pela sabedoria humana”; 2 Co. 3.6<br />

- “a letra mata”; 12.4 - “palavras inefáveis”. Deus se submete a condições de<br />

revelação; cf. Jo. 16.12 - “Tenho ainda muita coisa que vos dizer, mas vós<br />

não o podeis suportar agora”. Tem de ser criada a linguagem. As palavras<br />

tem de ser tomadas do emprego comum e ser postas numa aplicação mais<br />

ampla e sagrada de modo que “variem sob o peso do sentido” - p.ex., a<br />

palavra “dia”, em Gn. 1, a palavra àyánri em 1 Co. 13. yerGouLD, 1 Co. 13.12<br />

- “agora vemos como em espelho obscuramente” - metálico, cuja superfície<br />

é obscura e cujas imagens são obscuras = Agora contemplamos a Cristo, a<br />

verdade, apenas refletido na fala imperfeita - “mas então face a face” = imediatamente,<br />

sem a intervenção de um meio imperfeito. “Tão veloz como um<br />

túnel num banco de areia do pensamento, as pedras da linguagem devem ser<br />

construídas em paredes e arcos, para um futuro progresso rumo à mina ilimitada”.


6 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

4. No nosso conhecimento incompleto das Escrituras<br />

Porque não é a simples letra das Escrituras que constitui a verdade, o progresso<br />

da Teologia depende da Herm enêutica, isto é, da interpretação da Palavra<br />

de Deus.<br />

Note o progresso ao comentar, do homilético ao gramatical, ao histórico,<br />

ao dogmático, ilustrado em S c o t t , E l l ic o t t , S t a n l e y , L ig h t f o o t. J o h n R o b in s o n :<br />

“Na verdade estou persuadido de que o Senhor tem mais verdade ainda para<br />

revelar a partir da sua palavra”. Uma crítica recente mostrou a necessidade<br />

de estudar cada porção da Escritura à luz da sua origem e conexões. Tem<br />

havido uma evolução na Escritura, tão verdadeira como na ciência natural e o<br />

Espírito de Cristo que estava nos profetas causou um progresso desde a<br />

expressão germinal e típica até a completa e clara. Contudo, ainda necessitamos<br />

de apresentar a oração do SI. 119.18 - “Desvenda os meus olhos para<br />

que eu veja as maravilhas da tua lei”.<br />

5. No silêncio da revelação escrita<br />

Para nossa disciplina e prova, muito se nos oculta, do que podemos compreender<br />

com nossas atuais forças.<br />

Exemplo de silêncio da Escritura sobre a vida e morte da Virgem Maria, o<br />

aparecimento pessoal de Jesus e suas realizações no começo da sua vida, a<br />

origem do mal, o método de expiação, o estado depois da morte. A mesma<br />

coisa sobre questões sociais e políticas, tais como a escravidão, o tráfico de<br />

bebida alcoólica, virtudes domésticas, corrupção dos governantes. “Jesus<br />

estava no céu na revolta dos anjos, embora ele nos conte pouca coisa a<br />

respeito dos anjos ou do céu. Ele não faz discurso a respeito do Éden, ou<br />

de Adão, ou da queda do homem, ou da morte como resultado do pecado<br />

de Adão; e pouco diz dos espíritos desencarnados, se estão perdidos ou<br />

salvos”. Foi melhor inculcar princípios e incumbir aos seus seguidores a<br />

sua aplicação. Seu evangelho não pretendia gratificar uma vã curiosidade.<br />

Ele não desviaria a mente dos homens de perseguir uma coisa necessária;<br />

cf. Lc. 13.23,24 - “Senhor, são poucos os que se salvam? E ele lhes respondeu:<br />

Porfiai por entrar pela porta estreita, porque eu vos digo que muitos procurarão<br />

e não poderão”. O silêncio de Paulo sobre questões especulativas que<br />

ele deve ter ponderado com absorvedor interesse é a prova da sua inspiração<br />

divina. Cf. Jo. 13.7 - “O que eu faço não o sabes tu, agora, mas tu o saberás<br />

depois”. A coisa mais bela no rosto é aquilo que um quadro nunca pode<br />

expressar. Aquele que podia falar bem podia omitir bem. S t o r y : “A parte silenciosa<br />

é a melhor de cada obra nobre; De todas expressões que não podem ser<br />

expressas”. Cf. 1 Co. 2.9 - “As coisas que os olhos não viram e os ouvidos<br />

não ouviram e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou<br />

para os que o amam”; Dt. 29.29 - “As coisas encobertas são para o Senhor,<br />

nosso Deus; porém as reveladas são para nós e para os nossos filhos”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 69<br />

6. Na falta de discernimento espiritual causada pelo pecado<br />

Porque o sentimento santo é condição do conhecim ento religioso, toda a<br />

imperfeição moral no cristão individualmente, bem como na igreja, serve como<br />

embaraço na operação de um a Teologia completa.<br />

Jo. 3.3 - “aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus”.<br />

As eras espirituais produzem mais progresso para a teologia - é o testemunho<br />

da metade do século após a Reforma e a metade do século após o grande<br />

avivamento na Nova Inglaterra na época de J o n a t h a n E d w a r d s. Ueberweg,<br />

Logic (trad. de L in d s a y), 514 - “A ciência tem sofrido muita influência da vontade;<br />

e a veracidade do conhecimento depende da pureza da consciência.<br />

A vontade não tem poder algum para resistir à evidência científica; mas não<br />

se obtém evidência científica sem a lealdade contínua à vontade”. L o r d e B acon<br />

declara que o homem não pode entrar no reino da ciência do mesmo modo<br />

que não se pode entrar no reino do céu sem se tornar uma criança. D arw in<br />

descreve a sua própria mente como tendo se tornado uma espécie de máquina<br />

de triturar as leis gerais das grandes coleções de fatos que resultam na<br />

“atrofia da parte do cérebro de que dependem os mais elevados sabores”.<br />

Porém é possível semelhante atrofia anormal no caso da faculdade moral e<br />

religiosa (u e rG o R E , incarnation, 37). O Dr. A llen diz na sua Introd. Lecture at<br />

Lane Theol. Seminary. “Estamos muito alegres ao vê-los na qualidade de<br />

estudantes; mas as cadeiras dos professores estão todas ocupadas”.<br />

m . RELAÇÕES DO MATERIAL COM O PROGRESSO DA TEO­<br />

LOGIA<br />

1. É impossível um sistema perfeito de teologia<br />

Não temos esperança de construir tal sistema. Toda a ciência apenas reflete<br />

a presente aquisição da m ente humana. Nenhum a ciência é com pleta ou<br />

conclusa. Aconteça o que acontecer com as ciências da natureza e do homem,<br />

nunca se chegará a um conhecimento exaustivo da ciência de Deus. Não podemos<br />

esperar que se dem onstrem todas as doutrinas apoiados em bases racionais,<br />

ou mesmo em cada caso ver o princípio de conexão entre elas. Onde não<br />

podemos fazer isto, devemos, como em cada um a das outras ciências, estabelecer<br />

os fatos revelados em seus respectivos lugares e aguardar mais luz, ao<br />

invés de ignorá-las ou rejeitar qualquer um a delas porque não as podemos<br />

entendê-las ou não podemos entender a sua relação com as outras partes do<br />

nosso sistema.<br />

Três problemas insolúveis os egípcios transmitiram à nossa geração:<br />

1) a duplicação do cubo; 2) a trissecção do ângulo; 3) a quadratura de um


7 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

círculo. D r . J o h n s o n : “ O s dicionários são como vigias; o pior é melhor do que<br />

nenhum; não se pode esperar que seja perfeitamente verdadeiro”. H o o d fala<br />

da “Contradição” do D r . J o h n s o n , tanto “interior” quanto “exterior”. S ir W illia m<br />

T h o m s o n (L o r d e K elv in) no qüinquagésimo aniversário de magistério disse:<br />

“Uma palavra carateriza o mais árduo esforço para o avanço da ciência que<br />

eu, persistentemente, fiz por cinqüenta e cinco anos: a palavra é falha; eu não<br />

entendo mais de energia elétrica e magnética ou das relações entre o éter, a<br />

eletricidade e a matéria ponderável, ou de afinidade química, do que sei e<br />

tentei ensinar os meus alunos de filosofia natural cinqüenta anos atrás em<br />

minha primeira sessão como professor”. A l l e n , Religious Progress, menciona<br />

três tendências. “ A primeira delas diz: Destrua o novo! A segunda diz: Destrua<br />

o velho! A terceira diz: Não destrua nada! Deixe o velho gradual e silenciosamente<br />

desenvolver-se rumo ao novo, como queria E r a s m o . Devemos<br />

aceitar as contradições quer sejam intelectualmente soiucionáveis quer não.<br />

A verdade nunca prosperou forçando alguma ‘via media’. A verdade se encontra<br />

mais na união das proposições opostas, como divindade e humanidade<br />

de Cristo e graça e liberdade. B l a n c o partiu de Roma para a infidelidade;<br />

O r e s te s B r o w n s o n da infidelidade para Roma; assim os irmãos J o h n H enry<br />

N e w m a n e F r a n c is W. N e w m a n , e os irmãos G e o r g e H e r b e r t d e B e m e r t o n e<br />

L o r d e H e r b e r t d e C h e r b u r y. Um queria secuiarizar o divino, o outro divinizar o<br />

secular. Mas se um estava certo, o outro também. Adotemos ambos. Todo<br />

progresso é uma penetração mais profunda no sentido da antiga verdade e<br />

sua maior apropriação”.<br />

2. Apesar de tudo isso a teologia é progressiva<br />

É progressiva no sentido de que nosso entendim ento subjetivo dos fatos<br />

pode e na verdade se aperfeiçoa. Porém a Teologia não é progressiva no sentido<br />

de que seus fatos objetivos mudam, quer em número, quer em sua natureza.<br />

Com M artineau podemos dizer: “A religião tem sido rejeitada como não<br />

sendo progressiva; sendo imperecível, tem feito correções”. Apesar de o nosso<br />

conhecimento poder ser imperfeito, ainda terá grande valor. Nosso sucesso<br />

em construir um a Teologia dependerá da proporção que os fatos claramente<br />

expressos da Escritura têm para com as simples inferências e sobre o grau em<br />

que elas são coerentes a respeito de Cristo, pessoa e tem a centrais.<br />

O progresso da teologia está na apreensão da parte do homem, não no<br />

progresso da comunicação da parte de Deus. A originalidade na astronomia<br />

não está na criação de novos planetas, mas na descoberta dos que nunca<br />

foram vistos antes, ou no esclarecimento das relações entre aqueles de cuja<br />

existência nunca se suspeitara. R o b e r t K err E c c l e s : “A originalidade é um<br />

hábito de se voltar às origens - o hábito de garantir a experiência pessoal<br />

através da sua aplicação a fatos originais. Não se trata de uma inferência a<br />

partir de coisas novas quer da natureza, quer da Escritura, quer da consciência;<br />

em vez disso é o hábito de recorrer a fatos primitivos e garantir as expe-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 71<br />

riências pessoais que surgem do contato com tais fatos”. F is h e r , Nat. And<br />

Meth. Of Revelation, 48 - “Os céus estrelados são agora o que eram desde a<br />

antigüidade; não há um aumento no universo estelar, a não ser que surja<br />

através do aumento da capacidade e emprego do telescópio”. Não podemos<br />

imitar o ingênuo marinheiro que, quando começou a dirigir, disse que tinha<br />

“navegado através daquela estrela”.<br />

M a r t in e a u , Types, 1.492,493 - “A metafísica desde que seja verdadeira no<br />

seu desempenho, é estacionária, exatamente porque trata não do que começa<br />

ou do que termina, mas do que sempre é .... É absurdo louvar o movimento<br />

porque sempre faz o caminho, enquanto zomba do espaço porque ele ainda<br />

é o que sempre foi: como se o movimento que você prefere pudesse existir,<br />

sem o espaço que você reprova”. N e w m a n S m it h , Christian Ethics, 45,67-70,79<br />

- “O verdadeiro conservadorismo é o progresso que provém do passado e<br />

cumpre o que é bom; o falso conservadorismo é uma limitadora e desesperançada<br />

volta ao passado, e que trai a promessa do futuro. Jesus não veio<br />

‘destruir a lei ou os profetas'; ele não veio ‘destruir, mas cumprir’ (Mt. 5.17)....<br />

O último livro sobre a Ética Cristã não será escrito antes do Dia do Juízo”.<br />

J o h n M il t o n , Areopagitica: “A verdade é comparada na Escritura a uma fonte<br />

corrente; se as suas águas não fluírem em progressão perpétua, elas adoecerão<br />

na lagoa lodacenta da conformidade e tradição. O homem pode ser um<br />

herege na verdade”. Paulo em Rm. 2.16 e 2 Tm. 2.8 - menciona o “meu<br />

evangelho”. É dever de cada cristão ter seu próprio conceito sobre a verdade,<br />

conquanto respeite os dos outros. Não esperamos novos mundos, nem necessitamos<br />

de esperar novas Escrituras; mas podemos esperar progresso na<br />

interpretação de ambos. Os fatos findam, a interpretação não.


C a p í t u l o III<br />

MÉTODO DA TEOLOGIA<br />

I. REQUISITOS PARA O ESTUDO DA TEOLOGIA<br />

Os requisitos para o bem sucedido estudo da Teologia já foram em parte<br />

indicados quando se falou das suas limitações. Em que pese alguma repetição,<br />

contudo, m encionamos os seguintes:<br />

1. Uma mente disciplinada<br />

Só essa m ente pode, com paciência, coletar os fatos, sustentar em suas<br />

mãos muitos fatos de um a vez, inferir através de contínua reflexão seus princípios<br />

que estabelecem conexão, suspender um julgam ento final até que suas<br />

conclusões sejam verificadas pela Escritura e pela experiência.<br />

R o b e r t B r o w n in g , Ring and Book, 175 (Pope, 228) - “A verdade não está<br />

em nenhum lugar, embora esteja em todos, nisto; Não em uma porção absoluta,<br />

apesar de evoluída pelo todo: por fim evolui dolorosamente, sustentada<br />

por mim de modo vigoroso”. Os mestres e alunos podem dividir-se em duas<br />

classes: 1) os que já conhecem o suficiente; 2) os que querem aprender mais<br />

do que conhecem agora. O lema da Escola de Winchester na Inglaterra: “Dis-<br />

ce aut discede” [N.T.: Estuda ou retira-te]. B u t c h e r , Greek Genius, 213,230 -<br />

“Os sofistas fingiam que estavam comunicando educação quando somente<br />

estavam transmitindo resultados. A r is t ó t e l e s ilustra o método deles, dando o<br />

exemplo do sapateiro que, professando ensinar a arte de fazer sapatos indo-<br />

lores, põe na mão do aprendiz um grande sortimento de sapatos já prontos.<br />

Um espirituoso francês põe na mesma classe os que supostamente tornam<br />

popular a ciência, inteligível a metafísica e respeitável o vício. A palavra oxóA/n,<br />

que, inicialmente, significava ‘ócio’, daí ‘discussão filosófica’, e, finalmente,<br />

‘escola’, mostra o puro amor do aprendizado entre os gregos”. R o b e r t G.<br />

In g e r s o l l dizia que, em média, o clero provincial é como a terra do Potomac<br />

na fala de T o m R a n d o l p h , quase indigna do seu estado original e transformada<br />

totalmente assim pela cultura. L o t z e , Metaphysics, 1.16 - “o amolar constante<br />

da faca é tedioso se ela não se dispõe a cortar”. “Fazer os seus deveres é<br />

apenas uma diversão”, é a descrição que T u c íd id e s apresenta sobre o caráter


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 73<br />

a te n ie n s e . C h it ty p e rg u n to u a u m p a i s o b r e a s q u a lific a ç õ e s d a le i: “ O s e u<br />

filh o p o d e c o m e r s e r ra g e m s e m m a n te ig a ? ”<br />

2. Um hábito mental intuitivo distinto de um outro simplesmente lógico<br />

- ou, confiar nas convicções primitivas assim como em seu processo de<br />

raciocínio. O teólogo deve ter insight (N.T.: discernimento), assim como entendimento.<br />

Ele deve acostum ar-se a ponderar os fatos espirituais bem como os<br />

sensoriais e materiais; a ver estas coisas em suas relações interiores como<br />

também em suas formas exteriores; acalentar confiança na realidade e unidade<br />

da verdade.<br />

V in e t, Outlines of Philosophy, 39,40 - “Se eu não sinto que o bem é bem<br />

quem o provará a mim?” P a s c a l: “A lógica, que é uma abstração, pode abalar<br />

tudo. Um ser puramente intelectual será irremediavelmente cético”. C a lv in o :<br />

“Satanás é um teólogo refinado”. Algumas pessoas vêem uma mosca na<br />

porta de um celeiro à uma milha de distância, e não vêem a porta. Z e lle r ,<br />

Outlines of Greek Philosophy, 93 - “O sofista G ó r g ia s era capaz de mostrar,<br />

metafisicamente, que nada existe; que não podemos conhecer aquilo que<br />

existe; e que aquilo que conhecemos não se pode transmitir aos outros” (citado<br />

por W e n le y , Sócrates and Christ, 28). A r is t ó t e le s diferia dos moderados<br />

que pensavam ser impossível passar pelo mesmo rio duas vezes, - sustentava<br />

que isto não podia ser feito nenhuma vez (cf.. W o r d s w o r t h , Prelude, 536).<br />

D o v e , Logic ofthe Christian Faith, 1-29 e especialmente 25, dá uma demonstração<br />

da impossibilidade do movimento: Uma coisa não pode mover-se no<br />

lugar onde está; não pode mover-se nos lugares onde não está; mas o lugar<br />

onde está e os lugares onde não está são os lugares que existem; por isso<br />

uma coisa não pode mover-se. H a z a rd , Man a Creative First Cause, 109, mostra<br />

que o fundo de um poço não se move porque não recua tão rápido como o topo<br />

também não avança. Uma fotografia instantânea torna a parte superior uma<br />

mancha confusa enquanto ele se refere à parte inferior distintamente visível.<br />

A bp. W h a te ly : O s argumentos fracos freqüentemente são confiados diante do<br />

meu caminho; porém, embora não sejam mais substanciais, não é fácil destruí-los.<br />

Não se conhece proeza mais difícil do que cortar uma almofada com<br />

uma espada”. Cf. 1 Tm. 6.20 - “oposições da falsamente chamada ciência”;<br />

3.2 - “que o bispo seja ... sóbrio” — aáxppcov = “bem equilibrado”. A Escritura<br />

fala da “sã [t>yiíiç = sadia] doutrina” (1 Tm. 1.10). Contraste com 1 Tm. 6.4 -<br />

[vocrâv = doentia] “delira acerca de questões e contendas de palavras”.<br />

3. Conhecimento das ciências física, mental e moral<br />

O método para conceber e expressar a verdade da Escritura é assim afetado<br />

por nossas noções elem entares de tais ciências e as armas com as quais a<br />

Teologia é atacada e defendida são tão freqüentem ente tiradas dos arsenais<br />

que o estudante não pode permitir-se ignorá-las.


7 4 Augustus Hopkins Strong<br />

G o e t h e explica sua própria grandeza através da fuga da metafísica: Mein<br />

Kind, Ich habe es klug gemacht: Ich habe nie über’s Denken gedacht” - “Meu<br />

filho, tenho sido sábio em nunca pensar em torno de uma coisa”; ele teria sido<br />

mais sábio se tivesse ponderado mais profundamente nos princípios fundamentais<br />

da sua filosofia. Muito do sistema teológico caiu, como C a m p a n ile<br />

em Veneza, porque os seus alicerces eram inseguros. S ir W illia m H a m il t o n:<br />

“Nenhuma dificuldade levanta na teologia aquilo que antes não tinha emergido<br />

na filosofia”. N. W. T a y l o r : “Dá-me um moço na metafísica e eu não terei<br />

preocupação com ele em teologia”. P r e s id e n t e S a m s o n T a l b o t : “Amo a metafísica,<br />

porque ela trata de realidades”. A máxima “Ubi tres mediei, ibi duo athei”<br />

(Onde há três médicos, lá estão dois ateus), atesta a verdade das palavras de<br />

G a l e n o : ã p ic rc o ç ia t p ò ç te a i


5. Afeição santa para com Deus<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a 7 5<br />

Só o coração renovado pode adequadam ente sentir sua necessidade da<br />

revelação divina ou entender tal revelação quando concedida.<br />

S I. 25.14 - “O segredo do Senhor é para os que o temem”; Rm. 12.2 -<br />

“para que experimenteis qual seja ... a vontade de Deus”; cf. SI. 36.1 -<br />

“A prevaricação do ímpio fala no íntimo do seu coração”. “Não é o cérebro,<br />

mas o coração que chega ao altíssimo”. “Aprender de cor é mais que aprender<br />

através da mente, ou da cabeça (N.Trad.; “de cor” é uma locução que, em<br />

Latim, significa de coração, ou relativo ao coração, ou a partir do coração).<br />

Toda heterodoxia (N.Trad.; falsa doutrina) é precedida da heteropraxia (N.Trad.:<br />

falsa prática, ou comportamento). No “Peregrino”, de B u n y a n , o Fiel não atravessa<br />

o Pantanal do Desânimo, como fez o Cristão; e ao atravessar por cima<br />

da cerca, deve achar um caminho mais fácil para que o Cristão e o Esperançoso<br />

entrem no Castelo da Dúvida e se entreguem nas mãos do Gigante<br />

Desespero. “Grandes pensamentos vêm do coração”, diz V a u v e n a r g u e s .<br />

O pregador não pode, como fazia o D r . K a n e , acender uma fogueira com<br />

lente de gelo. A r is t ó t e l e s : “O poder de alcançar a verdade moral depende de<br />

agirmos com justiça”. P a s c a l: “Conhecemos a verdade, não só pela razão, mas<br />

pelo coração.... O coração tem razões que a razão desconhece”. H o b b e s : Até<br />

mesmo os axiomas da geometria seriam questionados se as paixões humanas<br />

não se preocupassem com eles”. M a c a u l a y : “ A lei da gravidade ainda<br />

seria controvertida se ocorresse a interferência de interesses pessoais”. N o r -<br />

d a u , Degeneration: “Os sistemas filosóficos somente apresentam as desculpas<br />

que a razão demanda para os impulsos da raça durante um dado período”.<br />

L o r d e B a c o n: “Uma tartaruga no seu passo normal vence um corredor no seu<br />

passo errado”. G o e t h e: “Tais são as inclinações como as opiniões.... A cabeça<br />

só pode compreender uma obra de arte com a acessória do coração. ... Só a<br />

lei pode dar-nos liberdade”. F ic h t e : “ N o s s o sistema de pensamento mui freqüentemente<br />

é a história do coração. ... A verdade descende da consciência.<br />

... A vontade dos homens não atende a sua razão, mas a razão é que atende<br />

a sua vontade”. O lema de N eander era: “Pectus est quod theologum facit” -<br />

“O coração é que faz o teólogo”. J o h n S t ir l in g : “Terrível é o olho que pode<br />

dividir-se a partir de um vivo coração celestialmente humano, e ainda conservar<br />

sua visão introspectiva, - tal como o olho das Górgonas”. Porém acrescentamos<br />

que esse olho não é introspectivo. E. G. R o b in s o n : “Nunca estude<br />

Teologia com sangue frio”. W . C. W il k in s o n : “A cabeça é uma agulha magnética<br />

cuja verdade aponta para um dos pólos. Mas o coração é uma massa de<br />

ferro magnético oculta. A cabeça é atraída para o seu pólo natural, a verdade;<br />

mas a maior parte é atraída pelo magnetismo mais próximo”.<br />

6. A influência iluminadora do Espírito Santo<br />

Como somente o Espírito sonda as coisas de Deus, só ele pode iluminar<br />

nossas mentes para apreendê-las.


7 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

1 Co. 2.11,12 - “ninguém sabe as coisas de Deus senão o Espírito de<br />

Deus. Mas ... foi-nos dado o espírito que provém de Deus, para que pudéssemos<br />

conhecer”. C íc e r o , Natura Deorum, 66 - Nemo igitur vir magnus sine<br />

aliquo adflato divino unquam fuit”. P r o f . B e c k d e T ü b in g e n : “Para o estudante<br />

não há nenhum caminho privilegiado que conduz à verdade; o único é o mesmo<br />

do inculto; é o da regeneração e da gradual iluminação através do Espírito<br />

Santo; sem ele, a teologia não só é uma pedra fria, como um perigoso veneno”.<br />

Como todas as verdades dos cálculos diferenciais e integrais estão<br />

envoltas no mais simples axioma da matemática, do mesmo modo toda a<br />

teologia está compreendida na declaração de que Deus é santidade e amor,<br />

ou no proto-evangelho proferido nos portais do Éden. Entretanto, as mentes<br />

embotadas não podem por si mesmas desenvolver os cálculos a partir do<br />

axioma, nem os corações pecadores desenvolver a teologia a partir da primeira<br />

profecia. É preciso que os mestres demonstrem os teoremas geométricos,<br />

e que o Espírito Santo nos mostre que o “novo mandamento”, ilustrado<br />

na morte de Cristo, é o único “antigo mandamento que tivestes desde o princípio"<br />

(1 Jo. 2.7). Os Princípios de Newton são uma revelação de Cristo do<br />

mesmo modo que as Escrituras. O Espírito Santo nos capacita a penetrar no<br />

sentido das revelações de Cristo tanto na Escritura como na natureza; a interpretar<br />

uma através da outra; e assim elaborar as demonstrações e aplicações<br />

originais da verdade; Mt. 13.52 - “Por isso, todo escriba instruído acerca do<br />

Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro<br />

coisas novas e velhas”.<br />

II. DIVISÕES DA TEOLOGIA<br />

Comumente a Teologia se divide em Bíblica, Histórica, Sistemática e Prática.<br />

1. A Teologia Bíblica tem como alvo ordenar e classificar os fatos da revelação<br />

limitando-se às Escrituras quanto ao seu m aterial e tratando a doutrina<br />

só na m edida em que ela se desenvolveu até o fim da era apostólica.<br />

Por exemplo: D e W e t t e , Biblische Theotogie\ H o f m a n n , Schriftbeweis;<br />

N it z s c h , System of Christian Doctrine. Contudo, esta última tem mais de elemento<br />

filosófico do que de Teologia Bíblica. O terceiro volume de Justificação<br />

e Reconciliação pretende ser um sistema de Teologia Bíblica; o primeiro e<br />

segundo volumes são pouco mais do que uma introdução histórica. Mas a<br />

metafísica, de realidade e fenomenalismo kantianos, penetra tão grandemente<br />

na avaliação e interpretações de R it s c h l, que torna suas conclusões parciais<br />

e racionalistas. Observe um emprego questionável do termo Teologia Bíblica<br />

para designar a parte da teologia de uma parte da Escritura separada do<br />

resto, como na Teologia Bíblica do Velho Testamento de S t e u d e l; Teologia<br />

Bíblica do Novo Testamento de S c h m id t e nas expressões comuns: Teologia<br />

Bíblica de Cristo, ou de Paulo. Estas expressões são passíveis de objeção ao<br />

indicar que os livros da Escritura têm uma origem humana. Aceitando a hipótese<br />

de que não há uma autoria divina comum da Escritura, concebe-se a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 7 7<br />

Teologia Bíblica como uma série de fragmentos correspondentes a diferentes<br />

ensinos dos vários profetas e apóstolos e sustenta-se que a teologia de Paulo<br />

não tem garantia e é um acréscimo incôngruo à teologia de Jesus.<br />

2. A Teologia Histórica traça o desenvolvim ento das doutrinas bíblicas<br />

desde o tempo dos apóstolos até os nossos dias e dá conta dos resultados deste<br />

desenvolvimento na vida da igreja.<br />

O desenvolvimento doutrinário é o progressivo desenvolvimento e absorção<br />

que a igreja assume da verdade explfcita e implicitamente contida na<br />

Escritura. Ao explicar a forma da fé cristã nas declarações doutrinárias, a<br />

Teologia Histórica é chamada História da Doutrina. Ao descrever o resultado<br />

e acompanhamento das mudanças exteriores e interiores na vida da igreja, a<br />

Teologia Histórica é chamada História da Igreja.<br />

3. A Teologia Sistemática tom a o material fornecido pelas Teologias Bíblica<br />

e H istórica e, com este material, busca edificar um todo orgânico e consistente<br />

do nosso conhecimento de Deus e de suas relações com o universo, quer<br />

este conhecimento seja originariamente derivado da natureza, quer das Escrituras.<br />

Por isso a Teologia Sistemática é chamada teologia propriamente dita; a<br />

Teologia Bíblica e a Histórica são seus estágios incompletos e preparatórios.<br />

Deve-se distinguir a Teologia Sistemática da Teologia Dogmática. No emprego<br />

estrito, Teologia Dogmática é a sistematização das doutrinas expressas<br />

nos símbolos da igreja, associando a sua base às Escrituras e à apresentação,<br />

até onde possível, da sua necessidade racional. Por outro lado, a Teologia<br />

Sistemática não começa com os símbolos, mas com as Escrituras. Ela<br />

não indaga primeiro qual a crença da igreja, mas qual a verdade de Deus<br />

revelada na sua palavra. Examina a palavra com todos os acessórios que a<br />

natureza e o Espírito lhe deram, utilizando a Teologia Bíblica e a Histórica não<br />

como mestras, mas como suas servas e auxiliares. Note aqui o emprego técnico<br />

da palavra “símbolo”, de av>|xpSáXXco, = breve lançamento conjugado, ou<br />

afirmação condensada da essência da doutrina cristã. Sinônimos: Confissão,<br />

credo, consenso, declaração, formulário, cânones, artigos de fé.<br />

O dogm atism o estim ula os resultados inevitáveis. C ontudo, dogm atism o<br />

não deriva de “dog” , com o jo vialm en te sugere Douglas J e rro ld quando diz<br />

que “o dogm atism o é o caninism o na plenitude do seu desenvolvim ento” , mas<br />

de SoKéco, penso, opino. A Teologia D ogm ática tem dois princípios: 1) A autoridade<br />

absoluta dos credos, nas decisões da igreja; 2) A aplicação de tais<br />

credos da lógica form al com o propósito de dem onstrar su a verdade, visando<br />

ao entendim ento. Na Igreja C atólica Rom ana, a autoridade decisiva não se<br />

encontra na Escritura, m as na igreja e no dogm a dado por ela. C ontrariam ente,<br />

o princípio protestante é que a E scritura decide e é ela que julga o dogm a.<br />

S eguindo Schleierm acher, A lb e rt S chw eitzer defende o pensam ento de que o


78 Augustus Hopkins Strong<br />

termo “Dogmatik” deve ser descartado como essencialmente anti-protestante<br />

e que “Glaubenslehre” deve ocupar o seu lugar; e H arnack, Hist. Dogma, 6,<br />

assinala que o “dogma sempre, no progresso da história, tem devorado seus<br />

progenitores”. Conquanto seja verdadeiro que cada novo e avançado pensador<br />

na teologia tem sido contado como herege, sempre tem havido uma fé<br />

comum “a fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd. 3) - e o estudo da Teologia<br />

Sistemática tem sido um dos principais meios de preservar esta fé no<br />

mundo. Mt. 15.13,14 - “Toda planta que o Pai celestial não plantou será<br />

arrancada. Deixai-os; são condutores cegos”; = a verdade é plantada por Deus<br />

e tem vida divina permanente. Os erros humanos não têm vitalidade permanente<br />

e por si mesmos perecem.<br />

4. Teologia Prática é um sistem a de verdades considerado como um meio<br />

de renovar e santificar o hom em ou, em outras palavras, a Teologia em sua<br />

disseminação e reforço.<br />

Pertencem a este departamento da teologia a Homilética e a Teologia Pastoral,<br />

visto que estas são apenas apresentações científicas dos métodos corretos<br />

de desdobrar a verdade cristã e de trazer aos homens e à igreja.<br />

Às vezes se afirma que há outros departamentos da teologia não incluídos<br />

nos acima mencionados. Porém eles, em sua maioria, senão todos eles,<br />

pertencem a outras esferas da pesquisa e não podem apropriadamente ser<br />

classificados dentro da teologia. A assim chamada Teologia moral, ou ciência<br />

da moral cristã, ética, ou ética teológica, na verdade, é o resultado da teologia,<br />

mas não deve confundir-se com ela. A assim chamada teologia especulativa,<br />

que trata a verdade como matéria de opinião, ou é extra-escriturísti-<br />

ca e assim pertence ao campo da filosofia da religião, ou é uma tentativa de<br />

explicar a verdade já revelada e, deste modo, entra no campo da Teologia<br />

Sistemática. “A teologia especulativa parte de alguns princípios a priori, e<br />

deles empreende determinar o que é e o que deve ser. Deduz seu esquema<br />

da doutrina das leis da mente ou de axiomas que supõe operar-se em sua<br />

constituição”. Biblia Sacra, 1852.376 - “A teologia especulativa tenta mostrar<br />

que os dogmas concordam com as leis do pensamento enquanto a filosofia<br />

da religião tenta mostrar que as leis do pensamento concordam com os dogmas”.<br />

A Enciclopédia (a palavra significa “instrução em círculo”) Teológica é<br />

uma introdução geral a todas as divisões da Teologia, juntamente com um<br />

cômputo das relações entre elas. A Enciclopédia de H e g e l era uma tentativa<br />

de apresentar os princípios e conexões de todas as ciências.<br />

As relações da teologia com a ciência e a filosofia têm sido variadamente<br />

estabelecidas, mas nenhuma melhor do que a de H. B. S mith, Faith and Philo-<br />

sophy, 18 - “A filosofia é um modo do conhecimento humano - não o conhecimento<br />

todo, mas um modo dele - o conhecimento racional das coisas”.<br />

A ciência pergunta: “O que conheço?” A filosofia pergunta: “O que posso<br />

conhecer?” W illiam J ames, Psychology, 1.145 - “A metafísica não significa<br />

nada senão um incomum esforço obstinado de pensar claramente”. A ristóteles:<br />

“A s ciências em particular são o operário que trabalha com afinco<br />

enquanto a filosofia é o arquiteto. Os operários são escravos; existe para eles


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 79<br />

um senhor livre. D este m odo é que a filo sofia governa a ciência” . Com relação<br />

à filo sofia e à ciência Lorde Bacon assinala: “A queles que têm m anejado<br />

o conhecim ento têm sido hom ens ou observadores ou raciocinadores abstratos.<br />

A queles são com o a form iga: só coletam o m aterial e o põe em uso im ediato.<br />

Os raciocinadores abstratos são com o as aranhas que fazem as teias<br />

da sua própria substância. M as a abelha assum e um m eio term o: ela colhe o<br />

seu m aterial das flores do jardim e do cam po e o transfo rm a e digere o que<br />

ajuntou através da sua própria força. Não difere da obra do filó sofo” . Novalis:<br />

“A filosofia pode não assar nenhum pão; m as ela pode apresentar-nos Deus,<br />

liberdade e im ortalidade”. P rof. D e W itt de P rinceton: “A ciência, a filo sofia e<br />

a teologia são os três grandes m odos de org an izar o universo em um sistem a<br />

intelectual. A ciência nunca desce abaixo das causas secundárias; se o faz,<br />

já não é m ais ciência, - torna-se filosofia. A filo sofia encara o universo com o<br />

um a unidade e a sua m eta é sem pre procurar encontrar a fonte e o centro<br />

desta unidade - o A bsoluto, a C ausa Prim eira. Tal m eta da filosofia é o ponto<br />

de partida para a teologia. O que a filo sofia está lutando para achar, a teologia<br />

afirm a que já achou. Por isso a teologia parte do A bsoluto, a C ausa P rim eira” .<br />

W. N. C larke, Christian Theology, 48 - A ciê ncia exam ina e classifica os fatos;<br />

a filosofia inquire os m eios espirituais. A ciê ncia procura conhecer o universo;<br />

a filosofia, entendê-lo” .<br />

Balfour, Foudantions ofBelief, 7 - “A ciência natural tem com o assunto as<br />

coisas m ateriais e eventos. A filo s o fia é a aprese n ta çã o s iste m á tica das<br />

bases do nosso conhecim ento. A m etafísica é o nosso conhecim ento sobre<br />

as realidades não fenom enais, /.e., Deus e a alm a”. Knight, Essays in Philo-<br />

sophy, 81 - “O alvo das ciências é o crescim ento do conhecim ento através da<br />

descoberta de leis em que todos fenôm enos podem ser incluídos e por meio<br />

dos quais podem ser explicados. Por outro lado, o alvo da filosofia é explicar<br />

as ciências incluindo-as e, ao m esm o tem po, transcendendo-as. A substância<br />

e essência são a sua esfe ra” . Bowne, Theory of Thoughtand Knowledge,<br />

3-5 - “ F ilosofia = doutrina do conhecimento (é a m ente passiva ou ativa no<br />

conhecim ento? - E pistem ologia) + doutrina do ser (é fundam ental que seja<br />

m ecânica e não inteligente, ou pro po sicio na l e in te lig ente ? - M etafísica).<br />

Os sistem as de Locke, H ume e Kant são proem inentem ente teorias do conhecim<br />

ento; os sistem as de S pinosa e de Leibnitz são proem inentem ente teorias<br />

do ser. H istoricam ente as teorias do ser vêm em prim eiro lugar porque o objetivo<br />

é o único determ inante do pensam ento reflexo. Porém o instrum ento da<br />

filosofia é o próprio pensam ento. Então, em prim eiro lugar, devem os estudar<br />

a Lógica, ou a teoria do pensam ento; em segundo lugar, a E pistem ologia, ou<br />

a teoria do conhecim ento; em terceiro, a M etafísica, teoria do ser”.<br />

P rof. G eorge M. Forbes sobre a Nova Psicologia: “Locke e Kant representam<br />

as duas tendências da filosofia - por um lado, a empírica, física, científica,<br />

e, por outro, a racional, metafísica, lógica. Locke fornece a base para os<br />

esquemas associativos de Hartley, M ills e Bain; Kant para o esquema idealista<br />

de Fichte, S chelling e H egel. As duas não são contraditórias, mas com-<br />

plementares e os escoceses R eid e Hamilton combinam ambas em reação<br />

contra o extremo empirismo e o ceticismo de H ume. H ickok, Porter e McC osh<br />

representam a escola escocesa na América. É exclusivamente analítica', sua<br />

psicologia é a das faculdades; representa a mente como um feixe de faculdades.


8 0 Augustus Hopkins Strong<br />

A filo sofia unitária de T. H. G reen, Edward Caird, na G rã B retanha e, na A m érica,<br />

de W. T. Harris, G eorge S. M orris e John D ewey foi um a reação contra a<br />

psicologia das faculdades, sob a influência de H egel. A segunda reação sob a<br />

influência da doutrina herbartiana da apercepção {N.Trad.: = intuição, facu ldade<br />

de apreender im ediatam ente peia consciê ncia e sem interm ediário lógico,<br />

um a idéia, um a verdade) substitui a função pela faculdade tornando todos<br />

processos fases da apercepção. G. F. Stout e J. M ark Baldwin representam<br />

esta psicologia. U m a te rc e ira reação vem da in flu ê n cia da ciência física.<br />

Todas tentativas de unificação relegam -se a um hades m etafísico. Nada há a<br />

não ser estados e processos. A única unidade são as leis da sua coexistência<br />

e sucessão. Não existe nada a priori. W undt identifica a apercepção com a<br />

vontade e con sid era-a com o um princípio unitário. K ülpe e T itchener não<br />

encontram um eu, ou um a vontade, ou um a alm a, m as tratam isto com o interesses<br />

quase sem garantia. A sua psicologia não tem alm a. A antiga psicologia<br />

era exclusivam ente estática, enquanto a nova dá ênfase ao ponto de<br />

vista genético. O crescim ento e desenvolvim ento são as idéias m estras de<br />

H erbert S pencer, P reyer, T racy, e S tanley Hall. W illiam J ames é explícito,<br />

enquanto G eorge T. Ladd é descritivo. C attel, S cripture, e M ünsterberg aplicam<br />

os m étodos de Fechner e o seu órgão é a Psichological Review. O erro<br />

deles está em sua atitude negativista. A antiga psicolo gia é necessária à<br />

suplem entação da nova. Tem m aior escopo e um a significação m ais prática.<br />

III. HISTÓRIA DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA<br />

1. Na Igreja do Oriente, pode-se dizer que a Teologia Sistem ática teve seu<br />

início e fim com J oão Damasceno (700-760).<br />

Inácio (+115 A.D. Tralles, cap. 9) dá-nos “a prim eira declaração de fé distinta<br />

com posta de um a série de proposições. Tal sistem atização form ou, mais<br />

tarde, a base de todos os esforços” (P rof. A. H. N ewman). O rígenes de A lexandria<br />

(186-254) escreveu o seu nspi ’Ap%râv; A tanásio de A lexandria (300-373)<br />

seu tratado sobre a Trindade e a D ivindade de C risto; e G regório de N issa na<br />

C apadócia (332-398) seu Aóyoç k o c t t ix t|i : i k ò ç ó |iéyaç. Hatch, Hibbert Lectures,<br />

323, considera o “De Principiig' de O rígenes com o o prim eiro sistem a com pleto<br />

de dogm a” , e considera O rígenes com o “o discípulo de C lemente de A lexandria,<br />

o prim eiro grande m estre do cristianism o filo sófico” . M as enquanto os<br />

Pais m encionados parecem ter concebido o plano de exposição ordenada<br />

das doutrinas e m ostrar o seu relacionam ento de um as com as outras, na<br />

verdade, foi J oão D amasceno (700-760), quem prim eiro executou tal plano.<br />

Seu "E k Soctiç àKpipfiç -cfjç ôp0o5ó^on nía-cecoç (Transm issão Exata da Fé O rtodoxa)<br />

pode ser consid e ra d a a m ais antig a obra de Teologia S istem ática.<br />

N eander cham a-a “o m ais im portante texto doutrinário da Igreja G rega” . Com o<br />

a Igreja G rega, em geral, J oão é esp ecu lativo , teológico, sem i-pelagiano,<br />

sacram entalista. O assim cham ado C redo dos A póstolos, na sua form a presente,<br />

não é anterior ao século quinto; ver Schaff, Creeds of Cristendom,<br />

1.19. O S r. G ladstone sugere que o C redo dos A póstolos é um desenvolvim<br />

ento da fórm ula batism al. M cG iffert, Apostles’ Creed, atribui à fraca form a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 81<br />

original uma data do terceiro quartel do segundo século, e considera provável<br />

a origem romana do seu símbolo. Foi estruturado como fórmula batismal,<br />

mas não especificamente em oposição aos ensinos de M a r c iã o , que, naquela<br />

época, causava muita perturbação a Roma. Contudo, H a r n a c k data o Credo<br />

Apostólico original no ano de 150 e Z ah n em 120.<br />

2. Na Igreja do Ocidente, (com H agenbach) podem os distinguir três períodos:<br />

a) Período do Escolasticismo, - introduzido por P e d ro L om bardo (1 1 0 0 -<br />

1 1 6 0 ), chegando ao clím ax com Tomás de A qu in o ( 1 2 2 1 - 1 2 7 4 ) e D uns S co tu s<br />

1 2 6 5 -1 3 0 8 ) .<br />

Em bora a Teologia S istem á tica tivesse tido o seu com eço na Igreja do<br />

O riente, seu desenvolvim ento lim itou-se quase totalm ente ao O cidente. A gostinho<br />

(353-430) escreveu o seu “Encheiridion ad Laurentiurri’ e a “ De Civitate<br />

Dei', J oão Scoto E rígena (t 850), Roscelino (1092-1122) e A belardo (1079-<br />

1142), na sua tenta tiva de um a explicação racional da doutrina cristã prefigu-<br />

ravam as obras dos grandes m estres escolásticos. A nselmo de C antuária (1034-<br />

1109), com seu “Prosiogion de Dei Existentia" e “ Cur Deus Homo”, tem sido,<br />

às vezes cham ado, em bora erroneam ente, o fu n d a d o r do E scolasticism o.<br />

A llen, Continuity of Christian Thought, apresenta a transcendência de Deus<br />

com o o princípio con tro la dor da teologia agostiniana e da O cidental. A Igreja<br />

O riental, sustenta ele, tinha baseado a sua teologia na im anência de Deus.<br />

Paine, Evolution of Trinitarism, m ostra que isto é errado. A gostinho era um<br />

teísta da linha m onista. Ele declara que “Dei voluntas rerum natura est” (N.Trad.:<br />

a vontade de Deus é a natureza das coisas), e considera a preservação de<br />

Deus um a criação contínua. A teologia ocidental reconhece a im anência de<br />

Deus tanto com o a sua transcendência.<br />

C ontudo, P edro Lombardo (1100-1160), o “m agister sententiarum ” , foi o<br />

prim eiro grande sistem a tizad or da Igreja O cidental e seu “ Libri Sententiarum<br />

Q uator” foi o livro de texto da Idade M édia. M estres proferiram preleções com<br />

base nas “S entenças” (Sententia = sentença, Satz, locus, ponto, artigo de fé),<br />

com o fizeram nos livros de A ristóteles, que forneceu ao E scolasticism o seu<br />

im pulso e direção. C ada doutrin a é tra ta d a na ordem das quatro causas<br />

de A ristóteles: m aterial, form al, eficiente e final. (“C ausa” aqui = requisito:<br />

1) m atéria em que um a coisa consiste, p.ex. tijolos e argam assa; 2) form a<br />

que assum e, p.ex. o plano ou projeto; 3) agente produtor, p.ex., o construtor;<br />

4) a finalidade por que foi feita, p.ex., moradia). A organização da ciência<br />

física bem como da teológica deve-se a A r is t ó t e l e s . D a n t e o chamou “o mestre<br />

dos que conhecem”. J a m e s Ten B r o e k e, Bap. Quar. fíev., jan. de 1892.1-26<br />

- “O Avivamento do Aprendizado mostrou ao mundo que o verdadeiro A r is t ó ­<br />

t e le s era muito mais aberto que o Aristóteles escolástico - informação muito<br />

bem-vinda à Igreja Romana”. Para a influência do Escolasticismo, compare<br />

os métodos literários de A g o s t in h o e de C a l v in o , - aquele nos dá o seu material<br />

em desordem, como soldados em bivaque durante a noite; este, pondo-os<br />

em ordem como os mesmos soldados formados para a batalha.<br />

C a n d l is h , art.: Dogmatic, In Encyl. Brit., 7.340 - “Ao lado de uma poderosa<br />

força intelectual tem preponderância todo o material dogmático coletado, e


8 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

crescido sem os grandes sistem as escolásticos, que têm sido com parados<br />

com as grandes cate drais góticas obra da m esm a época” . O dom inicano<br />

T omás de A quino (1221-1274), o “doctor angelicus” , agostiniano e realista, - e<br />

o franciscano Duns S cotus (1265-1308), “do ctor subtilis”, - elaboraram a te o ­<br />

logia escolástica de m odo m ais com pleto e deixaram atrás de si, em suas<br />

Summae, gigantescos m onum entos de indústria intelectual e argúcia. O escolasticism<br />

o tinha com o alvo a prova e sistem atização das doutrinas da Igreja<br />

por m eio da filo sofia de A ristóteles. Por fim , torno u-se um ilim itado charco de<br />

sutilezas e abstrações e acabou no ceticism o nom inalista de G uilherme d e<br />

O ccan (1270-1347).<br />

b) Período do Simbolismo, - representado pela Teologia Luterana de Filipe<br />

M elanchton (1497-1560) e pela Teologia Reform ada de J oão C alvino (1509-<br />

1564); aquela em conexão com a Teologia A nalítica de C alixto (1585-1656)<br />

e esta em conexão com a Teologia Federal de C occeius (1603-1669).<br />

Teologia Luterana - Os pregadores vêm antes dos teólogos; Lutero (1485-<br />

1546) era m ais pregador do que teólogo. Mas M elanchton (1497-1560), “o<br />

preceptor da A lem anha” , com o era cham ado, in corporava a teologia da Igreja<br />

Luterana em suas “Loci C om m unes” = pontos de doutrina com uns aos crentes<br />

(prim eira ediçã o agostin iana, depois s u b s ta n cia lm e n te arm iniana; um<br />

desenvolvim ento das preleções sobre a E pístola aos Rom anos). Foi seguido<br />

de C hemnitz (1522-1586), “claro e pre ciso”, o m ais culto dos discípulos de<br />

M elanchton. L eonhard H utter (1563-1616), cham ado “ Lutherus redivivus” e<br />

J oão G erhard (1582-1637) seguiram Lutero m ais do que M elanchton. “C inqüenta<br />

anos após a m orte de M elanchton, L eonhard H utter, seu sucessor na<br />

cadeira de teo log ia em W itte nb erg, num a época quando se apelava para<br />

a autoridade de M elanchton, destronava-se da parede o retrato do grande<br />

Reform ador, e se esm agava sob os pés na presença da assem bléia” (E. D.<br />

N orris, num jornal por ocasião do 609 anive rsário do S em inário de Lane).<br />

G eorge C alixto (1586-1656) seguiu M elanchton em vez de Lutero. Ele ensinava<br />

um a teologia que reconhecia o lado bom tanto na doutrina reform ada<br />

com o na rom anista e a isto cham ava “sin cretism o” . S eparava a Ética da Teologia<br />

S istem ática e aplicava a esta o m étodo analítico de investigação, com eçando<br />

com o fim , ou a causa final, de todas as coisas, a saber: a bem -aventu-<br />

rança. E em seu m étodo analítico ele foi seguido por Dannhauer (1603-1666),<br />

que tratava a teologia de um a form a alegorizante; C alóvio (1612-1686), “o<br />

m ais intransigente defensor da ortod oxia luterana e o m ais drástico polem ista<br />

contra C alixto” ; Q uenstedt (1617-1688), que H ovey cham a “culto, abrangente<br />

e lógico” ; e H ollaz (t 1730). A teologia luterana tinha com o alvo purificar a<br />

igreja existente, sustentando que aquilo que não é contra o evangelho é por<br />

ele. D ava ênfase ao princípio m aterial da R eform a: a ju stificaçã o pela fé; mas<br />

conservava m uitos costum es rom anistas não pro ib ido s expressam ente na<br />

Escritura. Kaftan, Am. Jour. Theol., 1900.716 - “ P orque a filo sofia escolar<br />

m edieval sustentava principalm ente o em prego da arm a, a teologia protestante,<br />

representando a nova fé, acom odava-se necessariam ente ao conhecim<br />

ento por ela condicionado, isto é, as form as essencialm ente católicas”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 83<br />

Teologia Reformada - A palavra ‘R eform ada” é aqui em pregada no sentido<br />

técnico, designando aquela fase da nova teo log ia que se originou na S uíça.<br />

O reform ador suíço Z w ínglio (1484-1531), diferindo de L u te ro quanto à<br />

Ceia do S enhor e quanto à Escritura, m ais do que L u te ro era cham ado pelo<br />

nom e de teólogo sistem ático. A lguns dos seus escritos podem ser considerados<br />

o com eço da teologia reform ada. M as coube a João Calvino (1509-1564),<br />

após a m orte de Zw ínglio, pôr em ordem os princípios daquela teologia em<br />

form a sistem ática. Calvino cavou canais para que o dilúvio de Z w ínglio flu ísse,<br />

com o aconteceu com M elanchton em relação a L u te ro . Seus Institutos<br />

(“Institutio R eligionis C hristianae), é um a das m aiores obras de teologia (com o<br />

obra sistem ática superior à “ Loci” de M elanchton). Calvino foi seguido por<br />

Pedro, o M ártir (1500-1562), Chamier (1565-1621) eTEODORO Beza (1519-1605).<br />

B eza levou a doutrina calvinista da predestinação ao extrem o do supralapsa-<br />

rianism o, que é m ais híper-calvinista do que calvinista. Cocceius (1603-1669)<br />

e, depois dele, W itsius (1626-1708) fizeram da teologia o centro em torno da<br />

idéia dos concertos e fundaram a teologia Federal. Leydecker (1642-1721)<br />

tratou da teologia na ordem das pessoas da Trindade. Am iraldo (1596-1664)<br />

e Plaques de Saumur (1596-1632) m odificaram a doutrina calvinista, esta através<br />

da teoria da im putação m ediata e aquela através da defesa do hipotético<br />

universalism o da graça divina. T u rre ttin (1671-1737), esclarecido e poderoso<br />

teólogo cuja obra ainda hoje é livro de texto em P rinceton e P ic te t (1655-<br />

1725), am bos federalistas m ostram a influência da filo sofia cartesiana. A teologia<br />

reform ada tinha com o alvo edifica r um a nova igreja, afirm ando que o<br />

que não deriva da Bíblia é contra ela. Dava ênfase ao princípio form al da<br />

Reform a: a autoridade única da Escritura.<br />

Em geral, enquanto a linha entre católicos e protestantes na Europa corre<br />

do Ocidente para o Oriente, a linha entre os luteranos e reformados corre do<br />

sul para o norte; a teologia reformada flui com a corrente do Reno para o<br />

norte a partir da Suíça para a Holanda e para a Inglaterra, na qual os trinta e<br />

nove Artigos representam a fé reformada, conquanto o Livro de Oração da<br />

Igreja Inglesa é substancialmente arminiano.<br />

c) Período da Crítica e da Especulação, - nas suas três divisões: a Raciona-<br />

lista, representada por S emler (1725-1791); a Transitória, por S chleierma-<br />

cher (1768-1834); a Evangélica por Nitzsch, M üller, Tholuck e Dorner.<br />

Primeira Divisão. Teologias racionalistas: Apesar de a Reforma, em grande<br />

parte, ter livrado a teologia dos laços do escolasticismo, após um certo<br />

tempo vieram outras filosofias. O exagero das forças da religião natural<br />

Leibnitzianas e Wollfianas abria o caminho para os sistemas racionalistas de<br />

teologia. B u d d e u s (1667-1729) combatia os novos princípios, mas a teologia<br />

de S em le r (1725-1791) foi edificada sobre eles e representava as Escrituras<br />

como tendo um caráter simplesmente local e temporário. M ic h a e lis (1716-<br />

1784) e D o e d e r le in (1714-1789) seguiram S em le r e a filosofia crítica de K an t<br />

(1724-1804) para quem “a revelação era problemática e a religião positiva<br />

simplesmente um meio através do qual comunicam-se as verdades práticas,<br />

assistiu grandemente a tendência para o racionalismo” (H a g e n b a c h , Doctrine


8 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Hist., 2.397). A m m o n (1766-1850) e W e g s c h e id e r (1771-1848) representavam<br />

esta filosofia. D a u b , M a r h e in e c k e e S t r a u s s (1808-1874) eram dogmáticos<br />

hegelianos. O sistema de S t r a u s s assemelhava-se “a teologia cristã como o<br />

cemitério assemelha-se a uma cidade”. S t o r r , (1746-1805), R ein h a r d (1753-<br />

1812) e K n app (1753-1825), empenhados em reconciliar a revelação com a<br />

razão, no centro evangélico, porém não eram mais nem menos influenciados<br />

pelo espírito racionalizante. Pode-se dizer que B r e t s c h n e id e r (1776-1828) e<br />

D e W et t e (1780-1849) tinham defendido uma base intermédia.<br />

Segunda Divisão. Transição para uma teologia mais escriturística. H erder<br />

(1744-1803) e J acobi (1743-1819), com a sua filosofia mais espiritual, prepararam<br />

o caminho para S c h le ie r m a c h e r (1768-1834) formar a base da sua doutrina<br />

nos fatos da experiência cristã. Os escritos de S c h le ie r m a c h e r marcaram época<br />

e tiveram grande influência no livramento que a Alemanha teve das armadilhas<br />

do racionalismo em que ela havia caído. Agora podemos falar de uma.<br />

Terceira Divisão - e nesta podemos mencionar os nomes de N ea n d e r e<br />

T h o l u c k , T w e s t e n e N it z s c h , M ü lle r e L u t h a r d t , D o r n e r e P h il ip p i, E br a r d e<br />

T h o m a s iu s , L a n g e e K a h n is , todos eles expoentes de uma teologia bem mais<br />

pura e evangélica do que era comum na Alemanha de um século atrás. Contudo,<br />

duas novas formas de racionalismo apareceram na Alemanha: uma<br />

baseada na filosofia de H e g e l, que contava entre os seus seguidores S tr a u s s<br />

e B a u r , B ie d e r m a n n , L ips iu s e P f l e id e r e r ; a outra baseada na filosofia de K a n t<br />

e defendida por R it s c h l e seus seguidores: H a r n a c k , H er m an n e K a f t a n ; aquela<br />

dava ênfase ao Cristo ideal e esta ao histórico; porém nenhuma delas reconhecia<br />

plenamente o Cristo vivo presente em cada crente (verJohnson’s Cycio-<br />

peedia, art. Theoiogy, de A. B . S t r o n g ).<br />

3. Entre os teólogos de pontos de vista diferentes da fé protestante prevale-<br />

cente, podem ser m encionados os seguintes:<br />

a) B elarmino (1542-1621), Católico Romano.<br />

A lém de B elarmino, “o m ais controvertido escritor da sua época” (B ayle), a<br />

Igreja C atólica R om ana conta entre os seus notáveis teólogos: - P etávio (1583-<br />

1652), cuja teologia dogm ática G ibbon cham a de “um a obra de incrível labor e<br />

alcance”; M elchior Canus (1523-1560), um o p osito r dos jesuítas e seus m étodos<br />

escolásticos; Bossuet (1627-1704), que idealizou o catolicism o em sua<br />

E xposição da D outrina e atacou o protestantism o na sua H istória das Igrejas<br />

P rotestantes; J ansen (1585-1638), que tento u, em o p osição aos je suítas,<br />

reproduzir a teo log ia de A gostinho, e que contou no seu poderoso auditório<br />

com Pascal (1623-1662). O ja nsenism o, no que se refere às doutrinas da<br />

graça, m as não aos sacram entos, é o protestantism o virtual dentro da Igreja<br />

C atólica Rom ana. O S im bolism o de M oehler, as “P relectiones T heologicae”<br />

de Perrone e o “C om pendium T heologiae D ogm aticae” de H urter são as últim<br />

as e as exposições de m aior aprovação da D outrina C atólica Rom ana.<br />

b ) Arm ínio (1560-1609), o opositor da doutrina da predestinação.<br />

Entre os seguidores de A rm ínio deve-se contar E pis c o p iu s (1583-1643), que<br />

levou o arminianismo aos extremos do pelagianismo; H ugo G rotius (1553-1645),


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 85<br />

jurista e estadista, autor da teoria governamental da expiação; e L im bo r c h<br />

(1633-1712), o mais completo expositor da doutrina arminiana.<br />

c) L élio S ocínio (1525-1562) e Fausto S ocínio (1539-1604), líderes do<br />

movimento unitário.<br />

As obras de Lélio Socínio e do seu sobrinho, Fausto Socínio constituíram -<br />

se o início do unitarism o m oderno. Lélio Socínio era pregador e reform ador e<br />

Fausto Socínio, o teólogo; ou, com o se expressa Baumgarten Crusius: “aquele<br />

foi o fundador do socianism o e este o fu n d a d o r da seita” . Os seus escritos<br />

estão coletados na B ibliotheca Fratrum Polonorum . O C atecism o Racoviano,<br />

que tom ou este nom e devido à cidade polonesa de Racow, contém a mais<br />

resum ida exposição dos pontos de vista deles. Em 1660, a Igreja U nitária dos<br />

Coccíneos, na Polônia, foi destruída por um a perseguição; um a ram ificação<br />

dela, na Hungria, conta com m ais de cem congregações.<br />

4. Teologia Britânica, representada pelos seguintes grupos;<br />

d) Os Batistas, J ohn Bunyan (1628-1688), J ohn G ill (1697-1771) e A ndrew<br />

Fuller (1754-1815).<br />

Parte da melhor teologia britânica é batista. Entre as obras de J o h n B u n y a n,<br />

podemos mencionar “ Verdades Abertas do Evangelho’’, apesar de que<br />

“O Peregrino” e a “Guerra Santa" são tratados teológicos em forma alegórica.<br />

M a c a u la y chama M ilto n e B unyan de as duas mentes criativas da Inglaterra<br />

durante a última parte do século XVII. “O Organismo da Divindade Prática”<br />

de J. G ill apresenta muita habilidade, apesar de que o aprendizado rabínico<br />

do autor apresenta-se numa curiosa exegese, como na análise da palavra<br />

“Abba” ele assinala: “Vós vedes que esta palavra que significa ‘Pai’ é lida da<br />

mesma forma para frente ou para trás; o que sugere que Deus é o mesmo e<br />

de qualquer modo que o vemos”. “As Cartas sobre a Divindade Sistemática”<br />

de A n d r e w F u lle r são um breve compêndio de teologia. Seus tratados sobre<br />

doutrinas especiais são marcados por um sadio juízo e um claro discernimento.<br />

Eles foram o mais influente fator de salvaguarda contra o antinomismo nas<br />

igrejas evangélicas da Inglaterra. Justificam o epíteto que R o b e r t H a l l , um<br />

dos maiores pregadores batistas, lhe deu: “sagaz”, “esclarecido”, “poderoso".<br />

b) Os Puritanos J ohn O wen (1616-1683), R ichard B axter (1615-1691),<br />

J ohn Howe (1630-1705) e Thomas R idgeley (1666-1734).<br />

O wen foi o mais rígido, do mesmo modo que Baxter o mais liberal dos<br />

puritanos. A Enciclopédia Britânica assinala: “Como pensador e escritor teológico,<br />

J ohn O wen mantém o seu próprio lugar distintamente definido entre<br />

aqueles titânicos intelectos dos quais a época era abundante. Ultrapassado<br />

por Baxter no assunto e no sentimento por H owe na imaginação e na mais<br />

elevada filosofia, não tem rival no poder do desdobramento dos ricos sentidos


86<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

da Escritura. Nos seus escritos foi proem inentem ente o grande teólogo” . Baxter<br />

escreveu um “M ethodus T heolo gia e” , e um a “Teologia C atólica” ; John Howe é<br />

conhecido principalm ente por seu “Tem plo V ivo” ; T homas R idgeley por seu<br />

“ C o rpo da D iv in d a d e ” . C harles H. S purgeon n u n ca de ixo u de e s tim u la r<br />

os seus estudantes a se fam iliarizarem com os P uritanos A dams, A mbrósio,<br />

B owden, M anton e S ibbes.<br />

c) Presbiterianos escoceses Tomás B oston (1676-1732), J ohn D ick (1764-<br />

1833) e Thomas C halmers (1780-1847).<br />

Dos presbiterianos escoceses, Boston é o mais prolífico, D ick o mais calmo<br />

e justo, C halmers o mais fervoroso e popular.<br />

ã) Os Metodistas J ohn W esley (1703-1791) e R ichard W atson (1781-1833).<br />

Dos metodistas, a doutrina de John W esley encontra-se presente na “ Teologia<br />

Cristã", coletada dos seus escritos pelo R ev. T hornley S mith. O maior livro<br />

de texto metodista é “Institutos” de W atson, que sistematizou e expôs a teologia<br />

wesleyana. Pope, recente teólogo inglês, segue o arminianismo modificado<br />

e aprimorado de W atson, enquanto W hedon e Raymond, escritores americanos<br />

recentes, defendem um arminianismo radical e extremo.<br />

e) Quacres [quakers], George Fox(1624-1691) e R obert B arclay (1648-1690).<br />

Com o Jesus, o pregador e reform ador, precedeu o teólogo Paulo; com o<br />

L utero, precedia M elanchton; com o Zwínglio precedia C alvino; com o Lélio<br />

S ocínio precedia Fausto Socínio; com o W esley precedia W atson; assim Fox<br />

precedia B arclay. Barclay escreveu um a “A polo gia à V erdadeira D ivindade<br />

C ristã”, que o D r. E. G. Robinson descreve com o “um tratado não form al de<br />

Teologia S istem ática, porém a m ais hábil exposição dos pontos de vista dos<br />

Q uacres” . G eorge Fox era reform ador, W illiam P enn o fundador social, Robert<br />

B arclay, o teólogo dos quacres.<br />

f ) Clérigos ingleses, R ic h a rd H o oker ( 1 5 5 3 -1 6 0 0 ) , G ilb e rt B u rn e t (1 6 4 3 -<br />

1 7 1 5 ) e John P e a rso n ( 1 6 1 3 - 1 6 8 6 ) .<br />

A igreja inglesa não produziu nenhum grande teólogo sistemático (veras<br />

razões em D orner, Geschichte derProtest. Theologie, 470). O judicioso H ooker<br />

ainda é o seu maior escritor teológico, apesar de que a sua obra encontra-se<br />

apenas na “Política Eclesiástica”. O B ispo B urnet é o autor da “ Exposição dos<br />

XXXIX Artigoé’, e a “ Exposição do Credo" do B ispo P earson. Ambos são livros<br />

de textos ingleses comuns. Um recente “ Compêndio de Teologia Dogmática”<br />

de Litton mostra uma tendência para a volta do arminianismo comum da Igreja<br />

Anglicana para o velho agostinianismo; assim também os “Esboços da<br />

Doutrina Cristã’ do B ispo M oule e a “Fé do Evangelho" de Mason.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

5. Teologia Americana, em duas linhas:<br />

a) O sistema Reform ado de J onathan Edwards (1706-1758), m odificado<br />

sucessivamente por Joseph Bellamy (1719-1790), S amuel Hopkins (1721-1803),<br />

Timothy Dwight (1752-1817), Nathanael Emmons (1745-1840), Leonard W oods<br />

(1774-1854), C harles G. Finney (1792-1875), Nathanael W. Taylor (1786-1858)<br />

e Horace B ushnell (1802-1876). O calvinism o assim m odificado, é freqüentemente<br />

chamado de teologia da N ova Inglaterra, ou da N ova Escola.<br />

J onathan Edwards, um dos m aiores m etafísicos e teólogos, é um idealista<br />

que suste nta que Deus é a única verd ad eira causa, quer no reino da m atéria,<br />

quer no da m ente. Ele considera o principal bem com o felicidade - um a form a<br />

de sensibilidade. A virtude é a escolha voluntária deste bem . Por isso a união<br />

com A dão nos atos e exercícios é suficiente. Esta vontade de Deus causou<br />

a identidade do ser com A dão. Isto con duziu ao siste m a de exe rcício de<br />

Hopkins e E mmons, por um lado, e à negação da parte de B elamy e de Dwight<br />

de qualquer atribuição do pecado de A dão ou depravação inata, por outro<br />

lado - em que com a últim a negação concordam m uitos outros teólogos da<br />

N ova Inglaterra que rejeitam o esquem a de exercício, com o, p.ex. S trong,<br />

T yler, S mally, Burton, W oods e Park. O D r. N. W. T aylor acrescenta um elem<br />

ento m ais distintam ente arm iniano: o poder da escolha contrária - e com<br />

este ensino da teologia de New Haven, C arlos Finney, de O berlin, substancialm<br />

ente concorda. H orace Bushnell praticam ente sustenta o ponto de vista<br />

s a b e lia n o da T rindade, e a te o ria de um a in flu ê n c ia m oral na expiação.<br />

Assim , a partir de certos princípios adm itidos por Edw ards, que sustenta principalm<br />

ente a teologia da V elha Escola, desenvolveu-se a Nova Escola.<br />

R o b e rt H a ll cham ava Edwards “ o m aior do filh os dos ho m en s” . O D r.<br />

Chalm ers considerava-o com o “o m aior dos teó lo g o s” . O D r. Fairbairn diz:<br />

“ Ele não é apenas o m aior de todos os pensadores que a A m érica produziu,<br />

m as tam bém o m ais elevado gênio especulativo do século dezoito. Em um<br />

grau bem mais elevado que Spinoza ele era ‘um hom em intoxicado de Deus’”.<br />

S ua noção fundam ental de que não há nenhum a causalidade senão a divina<br />

tornou-se a base de um a teoria da necessidade que está nas m ãos dos deís-<br />

tas a que ele se opõe e que é estranha não só ao cristianism o, m as tam bém<br />

ao teísm o. Edwards não podia ter recebido o seu idealism o de Berkeley; pode<br />

ter-lh e sido sugerido pelos escritos de Locke o u de Newton, C udw orth ou<br />

D escartes, John N o rris o u A r th u r C o llie r.<br />

b) O velho Calvinismo representado por C harles Hodge, o pai, (1797-<br />

1878) e A . A . Hodge, o filho, (1823-1886), juntam ente com Henry B. S mith<br />

(1815-1877), R obert J. B reckinridge (1800-1871), S amuel J. Baird e W illiam<br />

G. T. S hedd (1820-1894). Todos estes, apesar das pequenas diferenças, sustentavam<br />

pontos de vista sobre a depravação hum ana e graça divina em mais<br />

próxim a conform idade com a doutrina de A gostinho e C alvino e por esta<br />

razão se distinguem dos teólogos da N ova Inglaterra e seus seguidores pelo<br />

título popular de Velha Escola.<br />

8 7


88<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

A teologia da Velha Escola, com o seu ponto de vista da predestinação,<br />

exalta Deus; a teologia da Nova Escola, dando ênfase à livre vontade, exalta<br />

o homem. Ainda mais importante é notar que a Velha Escola tem como doutrina<br />

caraterística a culpa pela depravação inata. Mas entre os que sustentam<br />

tal ponto de vista, uns são federalistas e criacionistas e justificam a condenação<br />

de todos os homens por Deus baseados em que Adão representava a<br />

sua posteridade. Em geral são teólogos de Princeton, incluindo C harles H odge,<br />

A. A. H odge, e os irmãos A lexander. Contudo, entre os que sustentam a doutrina<br />

da Velha Escola sobre a depravação inata, há outros que são traducio-<br />

nistas e justificam a aplicação do pecado de Adão à sua posteridade baseados<br />

na união natural entre aquele e esta. O “Elohim Revelado” de B aird e o<br />

ensaio de S hedd sobre o pecado original (Pecado como natureza e a culpa da<br />

natureza) representam esta concepção realista do relacionamento da raça<br />

com o seu pai. R. J. Breckenridge, R. L. Dabney e J. H. T hornwell defendem o<br />

fato da corrupção inerente e culpa, mas recusam-se a admitir qualquer razão<br />

para isso, embora tendam para isso. H. B. S mith sustenta firmemente a teoria<br />

da atribuição mediata.<br />

IV. O R D E M D E T R A TA M EN T O NA T E O L O G IA S ISTEM Á T IC A<br />

1. Vários métodos de ordenação dos tópicos de um sistema teológico<br />

d) O método analítico de C a lix to com eça com o admitido fim de todas<br />

as coisas, bênçãos e daí passa para o sentido pelo qual ele é assegurado.<br />

b) O método trinitário de L eydecker e M arten sen considera a doutrina cristã<br />

um a m anifestação sucessiva do Pai, do Filho e do Espírito Santo, c) O método<br />

federal de Cocceius, de W itsius e de Boston trata a Teologia sob duas alian­<br />

ças. d) O método antropológico de C halm ers e R othe; aquele com eça com a<br />

doença do homem e passa para o remédio; este, dividindo a sua dogmática em<br />

consciência do pecado e consciência da redenção, e ) O método cristológico de<br />

Hase, Tomasius e A n drew F u lle r trata de Deus, do homem, como pressuposi­<br />

ções da pessoa e obra de Cristo. Também pode-se fazer menção./) do método<br />

histórico seguido por U rsino e adotado pela História da redenção de Jonathan<br />

Edwards e g) o método alegórico de D annhauer, no qual o homem é descrito<br />

como um peregrino, a vida como um a estrada, o Espírito Santo como uma luz,<br />

a igreja como um candeeiro, Deus como o fim e o céu como o lar; do mesmo<br />

modo é a Guerra Santa de Bunyan e o Templo V ivo de Howe.<br />

A conhecida H/st. of Redemption de Jonathan Eduards “era na realidade<br />

um sistema de teologia em forma histórica. Ela “começava e terminava com a<br />

eternidade, com todos os grandes eventos e épocas do tempo sendo visto<br />

'sub specie eternitatis’. As três palavras - céu, terra e inferno - seriam as<br />

cenas deste grande drama. Era para incluir os tópicos da teologia como fatores


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 89<br />

vivos, cada um deles em seu próprio lugar", e formando um todo completo e<br />

harmonioso; verALLEN, Jonatham Eduards, 379,380.<br />

2. O Método Sintético<br />

Que adotamos neste compêndio, é o mais com um e mais lógico de pôr em<br />

ordem os tópicos da teologia. Parte da causa para o efeito, ou, empregando a<br />

linguagem de Hagenbach (História da Doutrina), “com eça com mais elevado<br />

princípio, que é Deus, e destina-se ao homem, Cristo, a redenção e, para<br />

encerrar, o fim de todas as coisas”. Em tal form a de tratar a teologia, podemos<br />

pôr em ordem os nossos tópicos na seguinte disposição:<br />

I o A existência de Deus.<br />

2o As Escrituras, um a revelação de Deus.<br />

3o Natureza, decretos e obras de Deus.<br />

4° O homem, sem elhança original com Deus e subseqüente apostasia.<br />

5° A redenção através da obra de Cristo e do Espírito Santo.<br />

6o Natureza e leis da igreja de Cristo.<br />

T O fim do atual sistem a de coisas.


Parte II<br />

A EXISTÊNCIA DE DEUS


C a p í t u l o I<br />

ORIGEM DA NOSSA IDÉIA<br />

DA EXISTÊNCIA DE DEUS<br />

Deus é o Espírito infinito e perfeito em quem todas as coisas têm sua fonte,<br />

sustento e fim.<br />

Outras definições; Calovius: “Essentia spiritualis infinita”; Ebrard: “A fonte<br />

eterna de tudo o que é temporal”; Kahnis; “O Espírito infinito”; J ohn H owe: “Um<br />

ser eterno, não causado, independente, necessário, que tem poder ativo, vida,<br />

sabedoria, bondade e qualquer outra excelência na mais elevada perfeição<br />

em si e de si mesma”; Catecismo de Westminster: “Um Espírito infinito, eterno,<br />

imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade”;<br />

A ndrew F uller: “A primeira causa e o último fim de todas as coisas”.<br />

A existência de Deus é um a verdade primeira; em outras palavras, o conhecimento<br />

da existência de Deus é um a intuição racional. Logicamente precede<br />

e condiciona toda a observação e raciocínio. Cronologicamente, só o reflexo<br />

sobre os fenômenos da natureza e da m ente ocasiona seu surgimento na consciência.<br />

O termo intuição significa somente o conhecimento direto. Lowndes (Phil.<br />

of Primary Beliefs, 78) e M ansel (Metaphysics, 52) empregam o termo apenas<br />

para designar o nosso conhecimento direto das substâncias, como o eu e o<br />

corpo; P orter aplica-o, de preferência, ao nosso conhecimento das primeiras<br />

verdades como já foram mencionadas. Harris (Philos. Basis of Theism.,<br />

44-151, esp. 45,46) inclui ambos. Ele divide as intuições em duas classes:<br />

1. Presentes, como a autoconsciência (em virtude da qual percebo a existência<br />

do espírito e já entro em contato com o sobrenatural), e a percepção através<br />

do sentido (em virtude da qual percebo a existência da matéria, ao menos<br />

em meu próprio organismo e entro em contato com a natureza); 2. Racionais,<br />

como espaço, tempo, substância, causa, causa final, justiça, ser absoluto.<br />

Podemos aceitar esta nomenclatura, empregando os termos “primeiras verdades”<br />

e “intuições racionais” como equivalentes uma à outra, classificando<br />

as intuições racionais sob o título de 1) intuições de relações, como espaço e<br />

tempo; 2) intuições de princípios, como substância, causa, causa final, justiça;


9 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

e 3) intuição do Ser absoluto, Poder, Razão, Perfeição, Personalidade,<br />

como Deus. Sustentamos que, na ocasião em que os sentidos conhecem<br />

a) a extensão da matéria, b) sucessão, c) qualidades, d) mudança, e) ordem,<br />

f) ação, respectivamente, a mente conhece (a) espaço, (b) tempo, (c) substância,<br />

(d) causa, (e) desígnio, (f) obrigação, ao conhecermos nossa adequação,<br />

dependência e responsabilidade, a mente conhece diretamente a existência<br />

de uma Autoridade Infinita e Absoluta, Perfeição, Personalidade de que<br />

depen-demos e perante a qual somos responsáveis.<br />

B owne, Theory of Thought and Knowledge, 60 - “Quando andamos em<br />

completa ignorância dos nossos músculos, pensamos, com freqüência, na<br />

ignorância completa dos princípios que fundamentam e determinam o pensamento.<br />

Porém como a anatomia revela que o ato aparentemente simples de<br />

andar envolve uma atividade muscular altamente complexa, do mesmo modo<br />

a análise revela que o ato aparentemente simples de pensar envolve um sistema<br />

de princípios mentais”. D ewey, Psychology, 238,244 - “A percepção, a<br />

memória, a imaginação, a concepção - cada uma delas é um ato de intuição.<br />

... Cada ato concreto do conhecimento envolve uma intuição de Deus”. M arti-<br />

neau, Types, 1.459 - A tentativa de despojar a experiência de cada um dos<br />

preceitos ou intuições é “como a tentativa de raspar uma bolha na pesquisa<br />

das suas cores e seu conteúdo: in tenuem ex oculis evanuit auram”; (N.Trad<br />

desaparece dos olhos com a suave brisa) Study, 1.199 - “tente com todas as<br />

suas forças fazer algo difícil, p.ex., fechar a porta contra o furioso vento e<br />

você reconhecerá o Eu e a Natureza - vontade causai, contra a causalidade<br />

externa; 65 - “Como a Percepção nos dá a Vontade na forma de causalidade<br />

contra nós no não eu, assim a Consciência nos dá a Vontade na forma de<br />

Autoridade contra nós no não eu”; Types, 2.5 - “Na percepção, é o eu e a<br />

natureza, na moral o eu e Deus, que frente a frente estão em antítese subjetiva<br />

e objetiva”; Study, 2.2,3 - “Na experiência volitiva enfrentamos a causalidade<br />

objetiva; na experiência moral, a autoridade objetiva, - ambas são objeto<br />

do conhecimento imediato, no mesmo nível de certeza que a apreensão do<br />

mundo material exterior. Não conheço nenhuma vantagem lógica que a crença<br />

nos objetos finitos possa ostentar sobre a crença na Causa infinita e justa<br />

de tudo”; 51 - “No reconhecimento de Deus como causa destacamos a Universidade;<br />

no reconhecimento de Deus como Autoridade, destacamos a Igreja”.<br />

K ant declara que a idéia de liberdade é a fonte da nossa idéia de personalidade;<br />

esta consiste na liberdade da alma inteira sobre o mecanismo da<br />

natureza. Lotze, Metaphysics, par. 244 - “Até onde e até quando conhece a si<br />

mesma como idêntica à experiência interior, é, e é chamada tão somente por<br />

esta razão, substância”. Illingworth, Personality, Human and Divine, 32 -<br />

“Nossa concepção de substância não deriva do mundo físico, mas do mental.<br />

Antes de nada, substância é aquilo que apoia nossos sentimentos mentais e<br />

manifestações”. J ames, Will to Believe, 80 - “Como diz Kant, substância significa<br />

‘das Beharrliche’, o persistente, aquilo que será como tem sido, porque o<br />

ser é essencial e eterno”. Neste sentido temos uma crença intuitiva em uma<br />

substância permanente que apoia os nossos pensamentos e vontade e a isto<br />

chamamos alma. Mas temos também uma crença intuitiva em uma substância<br />

permanente que apoia todos fenômenos naturais e todos os eventos da<br />

história, e este ser denominamos Deus.


L PRIMEIRAS VERDADES EM GERAL<br />

1. Sua natureza<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a 95<br />

a) Negativamente - Uma verdade prim eira não é a) Verdade escrita antes<br />

da consciência sobre a substância da alm a - pois tal conhecimento passivo<br />

im plica um ponto de vista m aterialista da alma; b) O verdadeiro conhecimento<br />

de que a alm a tem posse no nascim ento - pois não se pode provar que a<br />

alma o tem; c) Um a idéia, não desenvolvida no nascimento, tem o poder de<br />

autodesenvolvimento independentem ente da observação e da experiência -<br />

pois isto contraria todo o conhecim ento das leis do desenvolvimento mental.<br />

O rígenes, Adv. Celsum, 1.4 - “Os homens não seriam culpados se não<br />

tivessem em suas mentes noções comuns de moralidade, inatas e escritas<br />

com letras divinas”. C alvino, institutes, 1.3.3 - “Os que julgam corretamente<br />

sempre concordarão em que há um indelével senso de divindade inscrito nas<br />

nossas mentes”. Fleming, Vocab. of Philosophy, art.: “Idéias inatas”- “Supõe-<br />

se que Descartes tenha pensado (e Locke dedicou o primeiro livro dos seus<br />

Ensaios à refutação da doutrina) que as idéias são inatas ou conatas à alma;<br />

/'.e., o intelecto acha a si mesmo no nascimento, ou tão logo desperta para a<br />

atividade consciente a fim de ser possuído de idéias às quais cabe-lhe apenas<br />

atribuir nomes adequados, ou juízos que ele apenas precisa expressar<br />

em proposições adequadas - /'.e., antes de qualquer experiência sobre cada<br />

objeto”.<br />

Royce, Spirit of Modem Philosophy, 77 - “Descartes ensina que, em certas<br />

famílias, a boa conduta e a queda são inatas. Contudo, naturalmente, os<br />

filhos de tais famílias precisam ser instruídos nas boas maneiras e as crianças,<br />

aprendendo a andar, parecem perfeitamente felizes por estarem livres<br />

da queda. Do mesmo modo a geometria nos é inata, mas não vem ao nosso<br />

conhecimento sem muito esforço”; 79 - Locke não encontra idéias inatas.<br />

Em resposta, ele sustenta que “as crianças, com as suas matracas, não dão<br />

sinais de consciência de que as coisas são iguais às mesmas que são iguais<br />

entre si”. S chopenhauer diz que “J acobi tem a banal fraqueza de tomar tudo o<br />

que aprendeu e aprovou antes dos quinze anos como idéias inatas da mente<br />

humana”. Bowne, Principies of Ethics, 5 - “Ninguém questiona que a experiência<br />

dos sentidos condiciona as idéias racionais e são conseqüência dela<br />

(/'.e., da experiência); do mesmo modo ninguém duvida de que a experiência<br />

mostra uma ordem sucessiva de manifestações. Mas o sensacionalista tem<br />

sempre apresentado uma curiosa cegueira sobre a ambigüidade de tal fato.<br />

Para ele, o que vem depois deve ser uma modificação daquilo que veio antes;<br />

contudo, ela pode ser aquilo, e pode ser uma nova manifestação de uma<br />

natureza ou lei imanente, apesar de condicionada. Afinidade química não é<br />

gravidade, embora aquela não se manifeste até que a gravidade estabeleça<br />

certas relações entre os elementos”.<br />

Pfleiderer, Philosophy of Religion, 1 . 1 0 3 - “Este princípio não se encontrava<br />

presente desde o começo na consciência do homem; pois, para produzir


96<br />

Augustas Hopkins Strong<br />

idéias no pensamento, a razão, que no primeiro homem da raça podia ser de<br />

tal modo pequena como nas crianças, precisa desenvolver-se claramente.<br />

Contudo, isto não exclui o fato de que havia desde o começo o impulso racional<br />

inconsciente que é base da formação da crença em Deus, por múltiplos que<br />

possam ter sido os motivos que cooperam com ele”. O eu implica o mais<br />

simples ato de conhecimento. Os sentidos nos apresentam duas coisas, p.ex.,<br />

preto e branco; mas não posso compará-los sem estabelecer a diferença para<br />

mim. Diferentes sensações não fazem nenhum conhecimento, sem um eu<br />

que as reúna. U pton, Hibbert Lectures, prel. 2 - “Pode-se provar tão facilmente<br />

a existência de um mundo exterior ao ser humano que não tem sentidos<br />

para percebê-lo, como se pode provar a existência de Deus a alguém que<br />

não tem consciência dele”.<br />

b) Positivamente - Uma verdade prim eira é um conhecimento que, apesar<br />

de desenvolvido na ocasião da observação e reflexão, não deriva nem de uma,<br />

nem de outra; ao contrário, tem tal prioridade lógica que deve ser assumida ou<br />

suposta a fim de tom ar possível qualquer observação ou reflexão. Por isso,<br />

tais verdades não são primeiro reconhecidas na ordem do tempo; algumas<br />

delas são admitidas em um período um tanto tardio no desenvolvimento da<br />

mente; para a grande m aioria dos homens elas nunca são totalmente formuladas.<br />

Contudo, constituem as suposições necessárias nas quais repousa todo o<br />

conhecimento, e a mente não só tem a capacidade inata de envolvê-los tão<br />

logo se apresentem as ocasiões adequadas, mas o seu reconhecimento é inevitável<br />

logo que a m ente começa a contar com o seu próprio conhecimento.<br />

M ansel, Metaphysics, 52, 279 - “Descrever a experiência como a causa<br />

da idéia do espaço seria tão impreciso como falar do solo em que foi plantado,<br />

como a causa do carvalho - embora o plantio no solo seja a condição<br />

para que se manifeste a força do seu fruto”. C oleridge: “Vemos antes de<br />

sabermos que temos olhos; mas uma vez tomado conhecimento disso, percebemos<br />

que os olhos devem ter preexistido para capacitar-nos a ver”. C ole-<br />

ridge fala das primeiras verdades como “aquelas necessidades da mente<br />

ou formas de pensamento, que, embora reveladas a nós pela experiência,<br />

devem ter preexistido para torná-la possível”. M cC osh, Intuitions, 48,49 -<br />

As instituições são “como a flor e o fruto, que estão na planta desde o seu<br />

embrião, mas não podem ser realmente formados enquanto não tenham existido<br />

caule, ramos, e folhas”. P orter, Human Inteilect, 501, 519 - “Não se pode<br />

conhecer algumas verdades ou assenti-las antes de tudo”. Algumas chegam<br />

ao fim de tudo. A intuição moral freqüentemente se desenvolve tarde e às<br />

vezes, até mesmo, por ocasião de um castigo físico. “Todo homem é tão<br />

ocioso quanto lhe permitam as circunstâncias”. A nossa ociosidade física é<br />

ocasional; nossa ociosidade mental é freqüente; nossa ociosidade moral é<br />

incessante. Somos excessivamente ociosos para pensar e especialmente para<br />

pensar em religião. Por conta dessa depravação da natureza humana devemos<br />

esperar que, finalmente, a intuição para Deus se desenvolva. O homem se


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

esquiva do contato com Deus e de pensar em Deus. Na verdade o seu desagrado<br />

da intuição para Deus o leva, não raro, a negar todas as outras intuições,<br />

mesmo as de liberdade e de justiça. Daí a moderna “psicologia sem alma”.<br />

S churman, Agnosticism and Religion, 105-115 - “A idéia de Deus ... se<br />

desenvolve mais tardiamente na consciência clara ... e deve ser mais tardia<br />

porque é a unidade da diferença entre o eu e o não eu, porque estes são<br />

pressupostos”. Mas “ela não tem menor valor em si; não atribui menos fidedigna<br />

certeza de realidade que a consciência do eu ou a do não e u .... A consciência<br />

de Deus é o prius lógico da consciência do eu e do mundo. Mas, como<br />

já se observou, não o (prius) cronológico; porque, conforme a profunda<br />

observação de Aristóteles, o que vem em primeiro lugar na natureza das<br />

coisas é a ordem do desenvolvimento final. Exatamente porque Deus é o<br />

primeiro princípio do ser e do conhecer, ele deve ser o último a manifestar-se<br />

e a ser conhecido. ... O finito e o infinito são conhecidos simultaneamente e é<br />

tão impossível conhecer um sem conhecer o outro como apreender um ângulo<br />

sem os lados que o formam”.<br />

2. Seus critérios<br />

São três os critérios pelos quais as verdades prim eiras devem ser testadas:<br />

b) Sua universalidade. Isto não significa que o homem concorda com elas<br />

ou as entenda quando propostas em forma científica, mas que todos os homens<br />

manifestam um a crença prática nelas através da linguagem, das ações e das<br />

expectações.<br />

b) Necessidade. Não significa que é im possível negar estas verdades, mas<br />

que a mente é com pelida por sua própria constituição a reconhecê-las com<br />

base na ocorrência de condições próprias e em pregá-las em seus argumentos<br />

para provar sua não existência.<br />

c) Independência e prioridade lógicas. Significa que estas verdades não<br />

podem ser resolvidas em nenhum a outra; que elas pressupõem a aquisição de<br />

todos os outros conhecim entos e, portanto, não podem derivar de nenhuma<br />

outra fonte que não seja um poder cognitivo da mente.<br />

Exemplos da negação reconhecida e formal das primeiras verdades: o<br />

positivista nega a causalidade; o idealista nega a substância; o panteísta nega<br />

a pessoalidade; o necessitário nega a liberdade; o niilista nega a sua própria<br />

existência. De igual modo o homem pode argumentar que não há necessidade<br />

de uma atmosfera; mas ainda enquanto ele argumenta, ele respira. É um<br />

exemplo de argumento arrasador para demonstrar a liberdade da vontade.<br />

Admito minha própria existência ao duvidar dela; pois “cogito, ergo sum”, como<br />

o próprio Descartes insiste, na verdade, significa “cogito, scilicet sum”; H. B.<br />

S mith: “Declaração é análise, não prova”. Ladd, Philosophy of Knowledge, 59<br />

- “O cogito, no Latim bárbaro = cogitans sum: pensar é ser consciente de si<br />

mesmo”. B entham - “A palavra deve é de impostura de autoridade e precisa<br />

ser banida do reino da moral”. S pinoza e H egel, na verdade, negam a cons­<br />

97


9 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

ciê ncia própria quando fazem do hom em um fenôm eno do infinito. Royce<br />

assem elha o hom em que nega a pessoalidade para aquele que sai da sua<br />

própria casa e declara que ninguém m ora nela porque, quando olha para<br />

dentro da janela, não vê ninguém .<br />

O Prof. J ames, em sua Psichology, admite a realidade de um cérebro, mas<br />

recusa-se a admitir a realidade de uma alma. Esta é essencialmente a posição<br />

do materialismo. Porém esta suposição de um cérebro é metafísica,<br />

embora o autor reivindique estar escrevendo uma psicologia sem metafísica.<br />

Ladd, Philosophy of Mind, 3 - “O materialista crê na causa própria ao explicar<br />

a origem da mente a partir da matéria, mas, quando se lhe pede que veja na<br />

mente a causa da mudança física, no mesmo instante ele se torna um simples<br />

fenomenalista”. Royce, Spirit of Modem Philosophy, 400 - “Eu sei que<br />

todos seres, desde que saibam apenas contar, acham que três e dois são<br />

cinco. Talvez os anjos não saibam contar; mas, se eles souberem, este axioma<br />

é verdadeiro também para eles. Se eu encontrasse um anjo que declarasse<br />

que a sua experiência ocasionalmente havia mostrado que três e dois não<br />

são cinco, eu saberia de uma vez que tipo de anjo era ele”.<br />

II. A E XIST Ê N C IA DE DEUS, U M A P R IM E IR A VERD AD E<br />

I. Que o conhecimento da existência de Deus responde ao primeiro critério<br />

da universalidade é evidente a partir das seguintes considerações:<br />

d) É fato reconhecido que a grande m aioria dos homens na verdade tem<br />

reconhecido a existência de um ser ou seres espirituais de quem eles supõem<br />

depender.<br />

Os Vedas declaram: “Há apenas um Ser - não um segundo”. M ax M üller,<br />

Origin and Growth of Religion, 34 - “Não se invocam os seres visíveis, sol,<br />

lua, e estrelas, mas algo que não pode ser visto”. As tribos inferiores têm<br />

consciência, têm medo da morte, crêem em bruxas, fazem propiciação ou<br />

exorcizam os maus fados. Mesmo o adorador de fetiche, que chama a pedra<br />

ou a árvore um deus, mostra que já tem a idéia de Deus. Não devemos medir<br />

as idéias dos pagãos pela sua capacidade de expressão, nem julgar a crença<br />

da criança na existência do seu pai pelo seu sucesso ao desenhar um<br />

quadro dele.<br />

b) As raças e nações que, a princípio, parecem destituídas de tal conhecimento,<br />

uniformemente, têm sido encontradas com o possuindo-o, de modo que<br />

nenhum a tribo de que temos conhecim ento pode ser considerada desprovida<br />

de um objeto de culto. Podemos adm itir que tal conhecim ento será visto como<br />

verdadeiro mais adiante.<br />

M offat, que relata certas tribos africanas destituídas de religião, foi corrigido<br />

pelo testemunho do seu genro, L ivingstone: “A existência de Deus e de


T e o l o g ia S is t e m á t jc a<br />

uma vida íu\ura é reconhecida em toda a parte da Áírica”. Onde os homens<br />

são os mais destituídos de qualquer conhecimento formulado de Deus, as<br />

condições do despertar da idéia são as mais ausentes. Uma macieira pode<br />

ser de tal modo condicionada que nunca produza maçã. “Não julgamos os<br />

carvalhos pelo não crescimento, ou espécimens sem flores nos confins do<br />

Círculo Ártico”. A presença de um ocasional cego, ou surdo ou mudo não<br />

anula a definição de que o homem é uma criatura que vê, ouve e fala. B owne,<br />

Principies of Ethics, 154 - “Não precisamos tremer por causa da matemática,<br />

mesmo que se encontrem algumas tribos que desconhecem a tabuada. ...<br />

Sempre nos deparamos com a existência sub-moral e sub-racional no caso<br />

de crianças; e, se encontrássemos isto em outra parte, não teria maior importância”.<br />

V ítor H ugo: “Alguns homens negam o infinito; alguns também negam o<br />

sol; são cegos”. G ladden, What is Left?, 148 - “O homem pode escapar da<br />

sua sombra indo para o escuro; se vem para a luz, ei-la de volta. Do mesmo<br />

modo o homem pode ser mentalmente tão indisciplinado que não reconheça<br />

estas idéias; mas aprenda ele a utilizar a razão e reflita sobre os seus próprios<br />

processos mentais e conhecerá que tais processos são idéias necessárias”.<br />

c) Corrobora esta conclusão o fato de que os indivíduos em terras pagãs ou<br />

cristãs que professam não ter qualquer conhecim ento de um poder ou poderes<br />

superiores a eles m anifestam indiretam ente a existência de tal idéia em suas<br />

mentes e sua influência positiva sobre eles.<br />

C omte diz que a ciência conduz Deus à fronteira e daí o lança fora agradecendo<br />

os serviços prestados. Mas H erbert S pencer afirma a existência de<br />

uma “Força de que não se concebe limite algum de tempo e de espaço, da<br />

qual todos os fenômenos presentes na consciência são manifestações”.<br />

A intuição de Deus, embora formalmente excluída, está contida implicitamente<br />

no sistema de S pencer, na forma de “irresistível crença” num Ser Absoluto,<br />

que distingue a sua posição da de C omte; ver H. S pencer, que diz: “Uma verdade<br />

deve tornar-se sempre mais clara - uma inescrutável existência manifesta<br />

em toda a parte, que nem podemos encontrar e cujo princípio ou fim não<br />

podemos conceber - aquela certeza absoluta de que estamos sempre na<br />

presença de uma energia infinita e eterna da qual procedem todas as coisas”.<br />

O S r. S pencer admite unidade na Realidade subjacente. Frederick Harrison,<br />

escarnecendo, pergunta-lhe: “Por que não dizer ‘forças’ em vez de ‘força’?”<br />

Enquanto H arrison nos dá um ideal moral supremo sem base metafísica,<br />

S pencer dá-nos um princípio metafísico último sem propósito moral final.<br />

A idéia de Deus é a síntese das duas: “São apenas luzes que partem de Ti, e<br />

tu, ó Senhor, és mais do que elas” (T ennyson, in Memoriam).<br />

S ólon fala de Deus como ó 0eóç e como tò Oeíov, e S ó fo c le s como ó ^éyaç<br />

Oeóç. O termo para Deus é idêntico em todas línguas indo-européias e, por<br />

isso, pertence a uma época anterior à separação daquelas línguas. Na Eneida<br />

de V irg ílio , Mezêncio é um ateu e despreza os deuses e confia só na lança e<br />

em seu braço direito; mas, quando lhe trazem o cadáver de seu filho, seu


100<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

prim eiro ato é levantar as m ãos ao céu. H ume era cético, mas disse a Ferguson,<br />

em um a noite estrelada: “Adão, Deus existe” ! V oltaire orou num a tem pestade<br />

trovejante nos Alpes. S helley escreveu seu nom e no livro de visitantes na<br />

pousada em M ontanvert, e acrescentou: “ Dem ocrata, filantropo, ateu”; contudo,<br />

ele gostava de pensar num “fino espírito penetrando o universo” ; e ta m ­<br />

bém escreveu: “A quele perm anece, m uitos m udam e passam ; a luz do Céu<br />

brilha sem pre, a som bra da terra vo a ” . S trauss adora o C osm os porque “a<br />

ordem e a lei, a razão e a bondade” são a sua alm a. R enan confia na bondade,<br />

no desígnio, nos fins. C harles Darwin, Life, 1.274 - “Nas m inhas extrem as<br />

flutuações, nunca fui ateu, no sentido de negar a existência de Deus”.<br />

d) Este acordo entre indivíduos e nações tão amplam ente separados no<br />

tempo e no espaço pode ser satisfatoriamente explicado supondo que tem sua<br />

base, não em circunstâncias acidentais, mas na natureza do homem como tal.<br />

As diversificadas e im perfeitamente desenvolvidas idéias do supremo ser que<br />

prevalecem entre os homens são levadas em conta de m elhor forma como<br />

falsas interpretações e perversões de um a convicção intuitiva comum a todos.<br />

H uxley, Lay Sermons, 163 - “Há selvagens sem Deus, em qualquer sentido<br />

apropriado da palavra; mas não há nenhum sem espíritos”. M artineau,<br />

Study, 2.353, retruca com propriedade: “Ao invés de fazer outros povos volta-<br />

rem-se para os espíritos e daí um apropriar-se de nós mesmos [e atribuir<br />

outro a Deus, podemos acrescentar] por imitação, partimos do senso de continuidade<br />

pessoal, e depois atribuímos os mesmos predicativos de outros,<br />

sob as figuras que conservam a maior parte do elemento físico e perecível”.<br />

G rant A llen descreve as mais elevadas religiões como “um grosseiro desenvolvimento<br />

de um fungóide”, que se reuniu em torno do culto ancestral. Mas<br />

isto faz derivar o maior do menor. S ayce, Hibbert Lectures, 358 - “Não vejo<br />

nenhum traço de culto ancestral na literatura babilônica que tenha sobrevivido<br />

até nós” - isto parece fatal para o ponto de vista de H uxley e de A llen de<br />

que a idéia de Deus deriva da primitiva crença do homem nos espíritos dos<br />

mortos. C. M. T yler, in Am. Jour. Theol., jan., 1899.144 - “Parece impossível<br />

deificar um morto, a não ser que haja uma consciência primitiva embrionária<br />

anterior ao conceito de divindade”.<br />

Renouf, Religion of Ancient Egypt, 93 - “Toda a mitologia do Egito ... gira<br />

em torno das histórias de Rá e Osíris. ... Descobriram-se textos que identificam<br />

Osíris e Rá. ... Conhecem-se outros textos em que Rá, Osíris, Ámon e<br />

outros deuses desaparecem, a não ser como simples nomes, e afirma-se a<br />

unidade de Deus na mais nobre linguagem da religião monoteísta”. Estes<br />

fatos são mais antigos que qualquer culto aos ancestrais. “Eles apontam para<br />

uma idéia original da divindade acima da humanidade” (ver H il l , Genetic<br />

Philosophy, 317). Podemos acrescentar a idéia do elemento sobre-humano,<br />

antes de considerarmos o animismo ou culto aos ancestrais em uma religião.<br />

Tudo o que o homem primitivo via na sua natureza sugeria tal elemento<br />

sobre-humano, especialmente a vista dos altos céus e aquilo que ele conhece<br />

de causalidade relacionado com eles.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 101<br />

2. Ver-se-á que o conhecimento da existência de Deus responde ao segundo<br />

critério da necessidade, considerando-se:<br />

a) Que o homem, sob circunstâncias adequadas à manifestação deste conhecimento,<br />

não pode deixar de reconhecer a existência de Deus. A contem plação<br />

da existência finita, inevitavelm ente sugere a idéia de um ser infinito como<br />

seu correlato. Quando a m ente percebe a sua finitude, dependência, responsabilidade,<br />

im ediata e necessariam ente percebe a existência de um ser infinito e<br />

incondicionado de quem ela depende e perante o qual ela é responsável.<br />

Não podemos reconhecer o finito como tal a não ser comparando-o com<br />

um padrão já existente - o Infinito. M ansel, Limits of Religious Thought, prel. 3<br />

- “A constituição da nossa mente nos compele a crer na existência de um Ser<br />

Absoluto e Infinito - crença que parece impor um complemento da nossa<br />

consciência do relativo e do finito”. Fisher, Jour. Chr. Philos., jan. 1883.113 —<br />

“O ego e o não ego, cada um condicionado pelo outro, pressupõe um ser não<br />

condicionado de que eles dependem. O ser não condicionado é a pressuposição<br />

de todo o nosso conhecimento”. O ser dependente percebido implica<br />

um independente; o independente é perfeitamente autodeterminante; autodeterminação<br />

é Personalidade infinita. J ohn W atson, in Philos. Re v., set.<br />

1893.526 - “Não há consciência do eu sem a consciência de outros eus e de<br />

outras coisas; não há consciência do mundo sem a consciência da Realidade<br />

simples que ambos pressupõem”. E. C aird, Evolution of Religion, 64-68 -<br />

Cada ato da consciência implica elementos primários: “a idéia do objeto, ou<br />

do não eu; a idéia do sujeito, ou do eu; e a idéia da unidade que pressupõe a<br />

diferença entre o eu e o não eu que agem e reagem numa relação recíproca”.<br />

b) Que o homem, em virtude da sua humanidade, tem capacidade para a<br />

religião. Tal reconhecida capacidade para a religião é prova de que a idéia de<br />

Deus é necessária. Se a mente, na ocasião própria, não desenvolvesse esta<br />

idéia, não haveria nada no hom em para o que a religião pudesse apelar.<br />

“É a sugestão do Infinito que distancia a linha do horizonte, vista acima da<br />

terra ou do mar, muito mais do que as belezas de qualquer paisagem limitada”.<br />

Em situações de choque e de perigo, esta intuição racional torna-se cognos-<br />

cível; o homem se torna cada vez mais consciente da existência de Deus do<br />

que da existência dos seus companheiros e instintivamente clama por auxílio<br />

da parte de Deus. Nos mandamentos ou reprimendas de natureza moral a<br />

alma reconhece um Legislador e Juiz de cuja voz a consciência é simplesmente<br />

um eco. A ristóteles chamava o homem de “um animal político”; há<br />

mais verdade na declaração de Sabatier, de que “o homem é um religioso<br />

incurável”. São Bernardo: “Noverim me, noverim te”. O. P. G iffort: “Como a<br />

nata do leite que, em condições adequadas não sobe, não é leite, do mesmo<br />

modo o homem que, no tempo proprio, não apresenta nenhum conhecimento<br />

de Deus, não é homem; é bruto”. Entretanto, não se deve esperar nata de um<br />

leite congelado. Há necessidade de condições e ambiente próprios.


102<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

É o reconhecimento de uma personalidade divina na natureza que constitui<br />

o maior mérito e encanto da poesia de W ordsworth. Em sua obra Abadia<br />

de Tintem, ele fala de “Uma presença que me perturba com a alegria de pensamentos<br />

elevados; um senso de algo muito mais profundamente mesclado<br />

Cuja moradia é a luz dos sóis poentes e o redondo oceano e o ar vivente, e o<br />

céu azul e, na mente do homem: Um movimento e um espírito que impele<br />

todas as coisas pensantes, todos os objetivos de todo pensamento, e rola<br />

através de todas as coisas”. R obert B rowning vê Deus na humanidade, como<br />

W ordsworth vê Deus na natureza. Na sua Hohenstiel-Schwangau ele escreve:<br />

“Eis a glória concebida, ou sentida ou conhecida em todos: Eu tenho uma<br />

mente - Não minha, mas como se o fosse - porque é a dupla alegria que faz<br />

todas as coisas por mim e eu em seu favor”. J ohn R uskin sustenta que a fonte<br />

da beleza no mundo é a presença de Deus. Ele nos diz que, em sua juventude,<br />

tinha “uma contínua percepção da santidade na natureza toda, desde as<br />

menores às mais vastas coisas - um misto instintivo de temor e prazer, uma<br />

indefinível comoção tal como às vezes imaginamos indicar a presença de um<br />

espírito desencarnado”. Porém o Espírito que nós vemos é encarnado. N itzsch,<br />

Chrístian Doctríne, par. 7 - “A não ser que a consciência inata de Deus como<br />

uma predisposição operante preceda a educação e a cultura, nada há que<br />

estas consigam realizar”.<br />

c) Que aquele que nega a existência de Deus deve tacitamente assumir tal<br />

existência em seu próprio argumento, em pregando processos lógicos cuja validade<br />

se apoia no fato da existência de Deus. A plena prova disto se encontra<br />

no subtítulo seguinte.<br />

“Deus sabe que eu sou ateu” - é o absurdo que dá início à desaprovação<br />

da existência divina. C utler, Beginnings of Ethics, 22 - “Mesmo os niilistas,<br />

cujo primeiro princípio é que Deus e o dever são grandes espantalhos a<br />

serem abolidos, admitem que Deus e o dever existem e são impelidos pelo<br />

senso do dever a aboli-los”. S ra. B rowning, The Cry of the Human: ‘“Não há<br />

Deus’, diz o néscio; Porém ninguém diz: ‘Não há tristeza’; E a natureza sempre<br />

clama por fé; Na amarga necessidade tomará emprestado; Olhos que o<br />

pregador não pode ensinar Pelas sepulturas à beira do caminho levantam-se;<br />

e os lábios dizem, ‘Deus tem piedade’, nunca dizem, ‘Louvado seja Deus”’.<br />

D r. W. W. K een, chamado para tratar da afasia de um irlandês, disse: “Bem,<br />

Dennis, como vai você?” “Oh! doutor, eu não posso falar!” “Mas, Dennis, você<br />

está falando”. “Oh! doutor, há muitas palavras que eu não sei falar!” “Bem,<br />

Dennis, vou tentar ajudá-lo. Veja se você não pode dizer: ‘cavalo’”. “Oh! querido<br />

doutor, ‘cavalo’ é uma palavra que eu não sei dizer!”<br />

3. Pode-se m ostrar que o conhecimento da existência de Deus responde ao<br />

terceiro critério da independência lógica e prioridade da seguinte maneira:<br />

a) Im plica todos outros conhecimentos como condição e fundamentação<br />

lógica. A validade dos mais simples atos mentais, tais como percepção senso-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 103<br />

rial, consciência própria e m em ória depende da aceitação de que existe um<br />

Deus que constituiu as nossas mentes de m odo a dar-nos o conhecimento das<br />

coisas como são.<br />

P fleiderer, Philos. of Religion, 1.88 - “Não se deve encontrar a base da<br />

ciência e do conhecimento em gerai, nem no sujeito, nem no objeto per se,<br />

mas só no pensar divino a combinar os dois, que, como base comum das<br />

formas de ser em todas as coisas, possibilita a correspondência entre aquele<br />

e este, ou, em uma palavra, possibilita o conhecimento da verdade”. 91 -<br />

“Pressupõe-se a crença religiosa em todo o conhecimento cientifico, como<br />

base da sua possibilidade”. Este é o pensamento do SI. 36.9 - “Na tua luz<br />

veremos a luz”. A. J. Balfour, Foundations of Belief, 303 - “Não se pode<br />

provar a uniformidade da natureza a partir da experiência, pois é ela que<br />

possibilita a prova da experiência. ... Admita-o e acharemos que os fatos se<br />

conformam com ela. ... 309 - Só se pode estabelecer a uniformidade da natureza<br />

com o auxílio desse mesmo princípio que necessariamente está comprometido<br />

nas tentativas de prová-lo. ... Deve haver um Deus que justifique a<br />

nossa confiança nas idéias inatas”.<br />

Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 276 - “A reflexão mostra que a<br />

comunidade de inteligências individuais só é possível através de uma Inteligência<br />

totalmente abrangente, originadora e criadora das mentes finitas”.<br />

A ciência apoia-se no postulado de uma ordem mundial. H uxley: “O objetivo<br />

da ciência é a descoberta da ordem racional que permeia o universo”. Esta<br />

ordem racional pressupõe um Autor racional. D ubois, New Englander, nov.<br />

1890.468 - “Admitimos a uniformidade e a continuidade, ou não podemos ter<br />

ciência. Uma Vontade Criativa inteligente é uma hipótese científica genuína<br />

[postulado?] que a analogia sugere e a experiência confirma, não contradizendo<br />

a lei fundamental da uniformidade, mas explicando-a”. R itchie, Darwin<br />

and Hegel, 18 - “A natureza como um sistema é uma suposição subjacente<br />

às mais antigas mitologias: preenche esta concepção no objetivo da mais<br />

tardia ciência”. Royce, Relig. Aspect of Philosophy, 435 - “Existe uma coisa<br />

que se chama erro; mas o erro é inconcebível a não ser que haja uma sede<br />

da verdade, um Pensamento ou uma Mente que inclui tudo; é por isso que a<br />

referida Mente existe”.<br />

b) Só se pode confiar nos mais com plicados processos da mente, tais como<br />

a indução e a dedução, supondo um a divindade pensante que fez as várias<br />

partes do universo e os vários aspectos da verdade corresponderem -se uns aos<br />

outros e às faculdades investigadoras do homem.<br />

Argumentamos a partir de uma maçã para com as outras que estão na<br />

árvore. A partir da queda de uma maçã N ewton raciocinou sobre a gravita-<br />

ção na lua e em todo o sistema solar. A partir da química do nosso mundo<br />

Rowland raciocinou sobre a de Sírius. Em todos esses raciocínios admite-se<br />

um pensamento unificador e uma Divindade pensante. Este é o “emprego<br />

científico da imaginação” de T yndall. Diz ele: “Alimentado pelo conhecimento


1 04 Augustus Hopkins Strong<br />

em parte adquirido e ligado pela cooperação da razão, a imaginação é o mais<br />

poderoso instrumento da física; descobridora”. O que T yndall chama de “imaginação”<br />

é, na verdade, o discernimento relativo aos pensamentos de Deus,<br />

o grande Pensador. O discernimento prepara o caminho para o raciocínio<br />

lógico; não é um simples produto do raciocínio. Por esta razão G oethe chama<br />

a imaginação “Die Vorschule des Denkens”, “a pré-escola do pensamento”.<br />

P eabody, Christianity, the Religion of Nature, 23 - “A indução é um silogismo<br />

cujo termo constante são os imutáveis atributos de Deus”. Porter, Hum.<br />

Intellect, 492 - “A indução apoia-se na suposição, quando demanda como<br />

base, que existe uma Divindade pessoal ou pensante”; 658 - “Ela não tem<br />

sentido ou validade a não ser que admitamos que o universo é constituído de<br />

tal modo que pressupõe um originador não condicionado, mas absoluto de<br />

suas forças e leis”; 662 - “Analisamos os vários processos do conhecimento<br />

em suas suposições subjacentes e achamos que a subjacente a todas é a de<br />

uma Inteligência auto-existente que o homem não só pode, mas deve conhecer<br />

para que possa conhecer outras coisas mais”. Harris, Philos. Basis of<br />

Theism, 81 - “Os processos de pensamento reflexivo implicam que o universo<br />

se fundamenta na razão e em sua manifestação”; 560 - “A existência de<br />

um Deus pessoal é um dado necessário do conhecimento científico”.<br />

c) N ossa crença prim itiva na causa final ou, em outras palavras, nossa convicção<br />

de que todas as coisas têm o seu fim, que o desígnio permeia o universo,<br />

envolve um a crença na existência de Deus. Adm itindo que há um universo,<br />

que é um todo racional, um sistema de relações de pensamento, admitimos a<br />

existência de um pensador absoluto, de cujo pensamento o universo é expressão.<br />

P fleiderer, Philos. of Religion, 1.81 - “Só se pode pensar no real se se<br />

tratar de um pensam ento realizado, previam ente elaborado, que pode repetir-<br />

se. Por isso, o real, para ser objeto do nosso pensam ento, deve ter sido realizado<br />

a partir da criação, de um a Razão divina eterna que se apresenta ao<br />

nosso pensar cognitivo” . R oyce, World and Individual, 2.41 - “A teologia universal<br />

constitui a essência de todos os fa to s” . A. H. B radford, The Age of<br />

Faith, 142 - “O sofrim ento e a tristeza são universais. Q ue r Deus possa ou<br />

não im pedi-los e, por isso, ele nem é benéfico, nem am oroso; ou será que ele<br />

não pode im pedi-los e consequentem ente há algum a coisa m aior que Deus<br />

e, por isso, não há Deus? M as eis aqui o em prego da razão no raciocínio<br />

individual. O raciocínio no indivíduo necessita a razão absoluta ou universal.<br />

Se há uma razão absoluta, então o universo e a história são administrados<br />

em harmonia com a razão; nesse caso o sofrimento e a tristeza nem podem<br />

ser sem sentido, nem finais, porque seriam uma contradição da razão. Não é<br />

possível no universal e absoluto aquilo que, no homem, contradiz a razão”.<br />

d) Nossa crença prim itiva na obrigação m oral ou, em outras palavras, nossa<br />

convicção de que o direito tem autoridade universal, envolve a crença na<br />

existência de Deus. Admitindo que o universo é um todo moral, admitimos a<br />

existência de um a vontade absoluta, de cuja justiça o universo é expressão.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 105<br />

P fleiderer, Philos. of Religion, 1 :88 - “A base da obrigação moral não é<br />

encontrada nem no sujeito nem na sociedade, mas somente na vontade universal<br />

e divina que combina a ambas ... 103 - A idéia de Deus é a unidade da<br />

verdade e do bem, ou das duas idéias mais altas que nossa razão pensa<br />

como razão teorética, mas requer como razão prática ... Na idéia de Deus nós<br />

encontramos a única síntese do mundo que é - o mundo da ciência e do<br />

mundo que deve ser - o mundo da religião.” S eth, Ethical Principies, 425 -<br />

“Isto não é uma demonstração matemática. A filosofia jamais é uma ciência<br />

exata. É, pelo contrário, oferecida como o único fundamento suficiente da<br />

vida moral ... A vida de bondade ... é uma vida baseada na convição de que<br />

sua fonte e sua propagação estão no Eterno e no Infinito.” Como verdade e<br />

bondade finitas só são compreensíveis à luz de algum princípio absoluto que<br />

fornece a elas um padrão ideal, desse modo a beleza finita é inexplicável<br />

exceto quando ali existe um padrão perfeito com o qual pode ser comparado.<br />

A beleza é mais do que o agradável ou o útil. Proporção, ordem, harmonia,<br />

unidade na diversidade - tudo isto são características da beleza. Todas elas,<br />

porém, implicam um ser intelectual e espiritual, de quem elas procedem e por<br />

quem elas podem ser medidas. Tanto a beleza física quanto a moral, em<br />

coisas e seres finitos, são símbolos e manifestações daquele que é o autor e<br />

amante da beleza e que é em si mesmo a infinita e absoluta beleza. A beleza<br />

na natureza e nas artes mostra que a idéia da existência de Deus é logicamente<br />

independente e anterior. 1/erCousiN, The True, The Beautiful, and the<br />

Good, 140-153; Kant, Metaphysic of Ethics, que sustenta que a crença em<br />

Deus é a pressuposição necessária da crença no dever.<br />

Repetindo estes quatro pontos de outra form a - a intuição de um a razão<br />

absoluta é d) pressuposição necessária de todos os outros conhecimentos de<br />

modo que não podem os conhecer a existência de qualquer coisa sem, antes de<br />

mais nada, adm itir que Deus existe; b) a base necessária de todo o pensamento<br />

lógico de modo que não podemos confiar em qualquer dos nossos processos<br />

de raciocínio a não ser admitindo que um a divindade pensante construiu nossas<br />

mentes com relação ao universo e à verdade; c) a implicação necessária de<br />

nossa crença prim itiva no desígnio de modo que podem os adm itir que todas as<br />

coisas existem com um propósito, fazendo um a pressuposição de que existe<br />

um Deus proponente - pode considerar o universo como um pensamento somente<br />

postulando a existência de um Pensador absoluto; e d) o fundamento necessário<br />

da nossa convicção de obrigação moral de m odo que podemos crer na<br />

autoridade universal do direito, só adm itindo que existe um Deus de justiça<br />

que revela sua vontade tanto na consciência do indivíduo como na moral do<br />

universo em toda a sua extensão. Não podem os provar que Deus é; mas podemos<br />

m ostrar que, para a existência de qualquer conhecimento, pensamento,<br />

razão, consciência, o hom em precisa adm itir que Deus é.<br />

Eis o que J acobi diz a respeito do belo: “Es kann gewiesen aber nicht<br />

bewiesen werden” - pode-se mostrar, mas não provar. Bowne, Metaphysics,


106<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

472 - “O nosso conhecimento objetivo a respeito do finito deve apoiar-se na<br />

confiança ética no infinito”; 480 - “O teísmo é o postulado absoluto de todo<br />

conhecimento, ciência e filosofia”; “Deus é o fato mais certo do conhecimento<br />

objetivo”. Ladd, Biblia Sacra, out. 1877.611-616- “Cogito ergo Deus est. Somos<br />

constrangidos a postular um ser que não é nós mesmos e que age em favor<br />

da racionalidade assim como da justiça”. W. T. Harris: “Até mesmo a ciência<br />

natural é impossível, onde a filosofia ainda não ensinou que a razão fez o<br />

mundo e que a natureza é a revelação do racional”.<br />

Pascal: “A N atureza confunde o pirrônico e a Razão confunde o dogm ático.<br />

T em os um a in capacid ade de de m on stra ção que aquele não pode v e n ­<br />

cer; tem os um a concepção da verd ade que este não pode pertu rb a r” . “Não<br />

existe nenhum incrédulo! Q ua lq u e r que diz ‘A m a n h ã ’, ‘o D e sconhecido’, ‘o<br />

F uturo’, co n fia que a F orça sozinh a não ousa repudiar” . J ones, Robert Browning,<br />

314 - “ Na verd ade não podem os pro var D eus com o um a con clu são de<br />

um silogism o, porque ele é a prim eira hipótese de todas as pro vas” . R obert<br />

B rowning, Hohenstiel-Schwangau: “ Eu sei que ele está ali, com o eu estou<br />

aqui, com a m esm a prova, que parece não p ro var nada, e isto vai além das<br />

form as fa m ilia re s de p ro va” ; Paracelsus, 27 - “C o n h e cer con siste em abrir<br />

cam inho pelo qual o e sp le ndor ap risio n a d o pode e sca p a r em vez de efetuar<br />

a en tra d a de um a luz que se supõe e s ta r do lado de fo ra ” . T ennyson, O<br />

Santo G raal: “Q ue as visõ es da noite ou do dia ven ha m quando quiserem e<br />

m uitas vezes. ... Nos m om entos quando ele sente que não pode m orrer e<br />

não con he ce nenhum a visão de si m esm o, e ne nh um a de Deus nos altos,<br />

nem daquele S e r que ressu scitou” ; O A ntigo S ábio, 548, - “Tu não podes<br />

provar o Inom inável, ó m eu filho! nem podes pro var o m undo em que tu te<br />

m oves. Tu não podes pro var que tu és só um corpo, nem que tu és só esp í­<br />

rito, nem que tu és am bos em um. Tu não podes pro var que tu és im ortal,<br />

não, nem ainda que tu és m ortal. Ora, m eu filh o, tu não podes provar que<br />

eu, que falo contigo, não estou em conversa con tigo m esm o. P orque nada<br />

que m erece prova pode-se provar, nem rejeitar: P ortanto, sê sábio, apega-<br />

te sem pre ao lado m ais ensolarad o da dúvida e sobe em esca la da para a fé<br />

além das form as da fé ” .<br />

III. O U T R A S SU PO ST A S FONTES D A N O SSA IDÉIA<br />

Nossa prova de que a idéia da existência de Deus é um a intuição racional<br />

não se com pletará enquanto não mostrarmos que são insuficientes as tentativas<br />

de contar, por outros meios, a origem da idéia e requerem como pressuposição<br />

a própria intuição que elas suplantariam ou reduziriam a um a posição<br />

secundária. Reivindicamos que isto não pode derivar de qualquer outra fonte<br />

que não seja um a força cognitiva originária da mente.<br />

1. Não da revelação exterior, quer com unicada a) através das Escrituras,<br />

quer b) através da tradição; pois, a menos que o homem tivesse de outra fonte


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

um conhecimento prévio da existência de um Deus a partir do qual pudesse<br />

vir um a revelação, esta não teria nenhum a autoridade para ele.<br />

a) H. B. S mith, Faith and Philosophy, 18 - “Uma revelação tem como certo<br />

que aquele a quem ela se faz tem algum conhecimento de Deus, embora<br />

possa ampliá-lo e purificá-lo”. Não podemos provar Deus a partir da autoridade<br />

das Escrituras e daí provar as Escrituras a partir de Deus. A própria idéia<br />

da Escritura como revelação pressupõe a crença em um Deus que pode fazê-<br />

la. N ewman S myth, New Englander, 1878.355 - Não podemos derivar do relógio<br />

de sol nosso conhecimento da existência de um astro deste tipo. O relógio<br />

de sol pressupõe o sol e não pode ser entendido sem um prévio conhecimento<br />

deste. W uttke, Christian Ethics, 2.103 - “A voz do ego divino não vem<br />

primeiro à consciência do ego do indivíduo a partir de fora; ao contrário disto,<br />

cada revelação externa pressupõe a interna; deve ecoar vindo de dentro do<br />

homem algo ligado à revelação exterior para ser reconhecido e aceito como<br />

divino”.<br />

Fairbairn, Studies in Philos. of Relig. and Hist., 21.22 - “Se o homem<br />

depende da revelação externa para a sua idéia de Deus, então ele deve ter<br />

aquilo que, com felicidade, Schelling expressou, denominando de ‘um ateísmo<br />

original da consciência’. Em tal caso a religião não pode estar enraizada<br />

na natureza do homem; ela deve ser implantada a partir de fora”. S churman,<br />

Beliefin God, 78 - “A revelação primitiva de Deus dotara o homem da capacidade<br />

de apreender sua origem divina. Tal capacidade, como qualquer outra,<br />

realiza-se apenas na presença de condições apropriadas”. C larke, Christian<br />

Theology, 112 - “A revelação não pode demonstrar a existência de Deus,<br />

porque deve admiti-la; mas manifestará sua existência e caráter aos homens<br />

e lhes servirá como a principal fonte de certeza a respeito de Deus porque<br />

lhes ensinará o que não poderiam conhecer por outros meios”.<br />

b) Nem a nossa idéia de Deus vem primeiramente da tradição porque<br />

“esta só pode perpetuar o que já foi originado” (P atton). Se o conhecimento<br />

assim transmitido é o de uma revelação primitiva, então, aplica-se o argumento<br />

já estabelecido - que a própria revelação pressupunha naqueles que<br />

primeiro a receberam e pressupõe naqueles a quem é transmitida algum<br />

conhecimento de um ser de quem tal revelação poderia vir. Se o conhecimento<br />

assim transmitido é somente o dos resultados dos raciocínios da raça,<br />

então o conhecimento de Deus vem originariamente da razão - explicação<br />

que consideraremos adiante.<br />

Semelhantes respostas devem ser dadas a muitas explicações comuns<br />

sobre a crença do homem em Deus. “Primus in orbe deos fecit timor” (Primeiro<br />

o medo na terra fez um deus); a Imaginação fez a religião; os Sacerdotes<br />

inventaram a religião; a Religião é matéria de imitação e moda. Porém perguntamos<br />

ainda: O que causou o medo? Quem fez a imaginação? O que<br />

tornou possível os sacerdotes? O que tornou natural a imitação e a moda?<br />

Dizer que o homem adora somente porque vê outros homens adorarem é tão<br />

absurdo como dizer que o cavalo come feno porque vê outros cavalos comerem-no.<br />

Deve haver na alma fome a ser satisfeita ou as coisas exteriores<br />

nunca atrairiam o homem à adoração. Os sacerdotes nunca poderiam impor<br />

107


108<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

aos homens com tanta continuidade se não houvesse na natureza humana<br />

uma crença universal em um Deus que pudesse comissionar os sacerdotes<br />

como seus representantes. Por si mesma a imaginação requer alguma base<br />

de realidade, que aumenta à medida que a civilização avança. O fato de que<br />

a crença na existência de Deus amplia o apoio sobre a raça, que aumenta a<br />

cada século, mostra que, ao invés de o medo ter causado a crença em Deus,<br />

a verdade é que a crença em Deus causou o temor; na verdade, “o temor do<br />

Senhor é o princípio de toda a sabedoria” (SI. 111.10).<br />

2. Não da experiência, quer esta signifique a) percepção sensorial e reflexão<br />

do indivíduo (Locke), b) os resultados acumulados das sensações e associações<br />

das gerações passadas da raça (Herbert S pencer), quer c) o real contato<br />

da nossa natureza sensitiva com Deus, realidade supra-sensível, através<br />

do sentimento religioso (Newman S myth).<br />

A prim eira forma desta teoria é inconsistente com o fato de que a idéia de<br />

Deus não é a idéia de um objeto sensível ou material, nem um a combinação de<br />

tais idéias. Porque o espiritual e o infinito são opostos diretos do material e<br />

finito, nenhum a experiência destes pode contar com a nossa idéia daqueles.<br />

Com Locke (Essay on Hum. Understanding, 2.1.4), experiência é receptividade<br />

passiva das idéias pela sensação e pela reflexão. A teoria da “tábula<br />

rasa” de Locke confunde a ocasião das nossas idéias primitivas com a causa<br />

destas. Para a sua afirmação: “Nihil est in intellectu nisi quod ante fuerit<br />

in sensu” (N.Trad.: Nada há no intelecto, que não esteja anteriormente no<br />

sentido), L eibnitz responde: “Nisi intellectus ipse” (N.Trad.: a não ser o próprio<br />

intelecto). Às vezes a consciência é chamada a fonte do nosso conhecimento<br />

de Deus. Mas a consciência, como um simples conhecimento acessório de<br />

nós mesmos, ou dos nossos estados, não é propriamente a fonte de qualquer<br />

outro conhecimento. O alemão Gottesbewusstsein = não a “consciência de<br />

Deus”, mas o “conhecimento de Deus”; Bewusstsein aqui = não um “com-<br />

ciência”, mas o “ser-ciência”.<br />

F raser, Locke, 143-147 - As sensações são os tijolos e a associação a<br />

argamassa, do edifício mental. B owne, Theory of Thought and Knowtedge, 47<br />

- “Desenvolver a linguagem permitindo que os sons se associem e evoluam o<br />

sentido por si mesmos? Contudo este é o exato paralelo da filosofia cujo<br />

objetivo é edificar a inteligência a partir da sensação. ... 52 - “Aquele que não<br />

sabe ler debalde olha para o sentido de uma página impressa e debalde procura<br />

auxiliar a sua deficiência utilizando óculos fortes”. Contudo, mesmo que<br />

a idéia de Deus fosse um produto da experiência, não teríamos a garantia de<br />

rejeitá-la como irracional. verBROOKS, Foundations ofZoology, 132 - “Não há<br />

nenhum antagonismo entre os que atribuem o conhecimento à experiência e<br />

os que o atribuem à nossa razão inata; entre os que atribuem o desenvolvimento<br />

do germe a condições mecânicas e os que o atribuem à potencialidade<br />

inerente do próprio germe; entre os que sustentam que toda a natureza estava<br />

latente no vapor cósmico e os que crêem que tudo na natureza tem uma


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 109<br />

intenção imediata e predeterminada”. Todos estes podem ser métodos do<br />

Deus imanente.<br />

A segunda forma da teoria está aberta à objeção de que mesmo a primeira<br />

experiência do prim eiro hom em do mesmo m odo que a últim a experiência do<br />

homem pressupõe tal intuição assim como outras intuições e portanto não<br />

podem ser a sua causa. Contudo, mesmo que esta teoria da origem fosse correta,<br />

ainda assim seria impossível pensar no objeto da intuição como se não<br />

existisse, ainda representaria para nós a mais elevada m edida de certificação<br />

atualmente ao alcance do homem. Se a evolução das idéias destina-se à verdade<br />

ao invés da falsidade, é a parte da sabedoria que age sobre a hipótese de que<br />

a nossa prim itiva crença é verdadeira.<br />

M artineau, Study, 2.26 - “A natureza tanto é digna de confiança em seus<br />

processos, como em suas dádivas”. Bowne, Examination of Spencer, 163,164<br />

- “Devemos nós buscar a verdade nas mentes dos macacos pré-humanos,<br />

ou nas cegas excitações de qualquer massa primitiva? Nesse caso podemos,<br />

na verdade, pôr de lado toda a nossa ciência, mas, juntamente com ela, pôr<br />

de lado a grande doutrina da evolução. A filosofia-experiência não pode escapar<br />

a esta doutrina; ou os pronunciamentos positivos da consciência da nossa<br />

natureza devem ser aceitos como se apresentam ou toda a verdade deve<br />

ser declarada impossível”.<br />

C harles Darwin, em uma carta escrita um ano antes da sua morte, referin-<br />

do-se às suas dúvidas quanto à existência de Deus, pergunta: “Podemos nós<br />

confiar nas convicções da mente de um macaco?” Podemos responder: “Podemos<br />

confiar nas conclusões de alguém que outrora foi bebê”? Bowne, Ethics,<br />

3 - “A gênese e emergência de uma idéia são uma coisa; sua validade é bem<br />

outra. O valor lógico da química não pode ser decidido recitando princípios da<br />

alquimia; e o valor lógico da astronomia independe do fato de que ela começou<br />

com a astrologia. ... 11 - Mesmo que o homem viesse do macaco, não<br />

teríamos necessidade de tremer pela validade da sua tabela de multiplicação<br />

ou da Regra Áurea. Se temos discernimento moral, não importa como o<br />

adquirimos; e se não temos tal discernimento, não há auxílio algum para qualquer<br />

teoria psicológica. ... 159 - Não devemos apelar para os selvagens e<br />

bebês a fim de encontrar o que é natural para a mente humana.... No caso de<br />

qualquer coisa que está sob a lei do desenvolvimento podemos achar a sua<br />

verdadeira natureza, não retrocedendo às suas rudes origens, mas estudando<br />

o resultado acabado”. D owson, Mod. Ideas of Evolution, 13 - “Se a idéia de<br />

Deus for o fantasma de um cérebro símio, podemos confiar na razão ou consciência<br />

em qualquer outra matéria? Não podem a ciência e a filosofia por si<br />

mesmas ser semelhantes a fantasias, envoltas por mero acaso ou pelo elemento<br />

desarrazoado?” Mesmo que o homem viesse do macaco, não há como<br />

explicar suas idéias através das dele: “O homem é o homem porque o é”.<br />

Devemos julgar os princípios pelos fins, não os fins pelos princípios.<br />

O importante não é como ocorre o desenvolvimento do olho nem como era<br />

imperfeito o sentido da visão, já que o olho agora nos dá a informação correta


110<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

dos objetos exteriores. Do mesmo modo não importa como se originaram as<br />

intuições de justiça e de Deus, visto que agora elas nos dão o conhecimento<br />

da verdade objetiva. Temos que admitir como certo que a evolução das idéias<br />

não vêm a partir do sentido para o não sentido. C. H. L ewes, Study of Psycho-<br />

logy, 122 - “Podemos entender a ameba e o pólipo só através da luz refletida<br />

do estudo do homem”. S eth, Ethical Principies, 429 - “O carvalho explica o<br />

fruto até de modo mais veraz que o oposto”. S idgwick: “Ninguém apela do<br />

senso de belo do artista para o da criança”. Os maiores matemáticos não são<br />

menos verdadeiros porque podem ser apreendidos só pelo exercício do intelecto.<br />

Não se atribui nenhuma importância estranha ao que se sentiu ou se<br />

pensou em primeiro lugar". Robert B rowning, Paracelsus: “O homem, tendo<br />

descoberto, imprime para sempre a sua presença a todas as coisas inertes.<br />

... Um refluxo suplementar da'luz ilustra todos os graus inferiores, explica<br />

cada passo anterior no círculo”. O homem, com as suas mais elevadas idéias,<br />

mostra o sentido e conteúdo de tudo o que se destina a ele. Ele é o último<br />

degrau na subida da escada e, a partir deste mais elevado produto e de suas<br />

idéias, podemos inferir quem é o seu Criador.<br />

B ixby, Crisis in Morais, 162,245 - “A evolução dá ao homem apenas tamanha<br />

altura que ele pode ao menos discernir as estrelas da verdade moral que<br />

outrora estiveram abaixo do horizonte. Isto é muito diferente de dizer-se que<br />

as verdades morais são apenas produtos transmitidos da experiência da utilidade.<br />

... O germe da idéia de Deus como da idéia de direito devem ter estado<br />

no homem logo que ele se tornou homem; ganhando do bruto, ela o tornou<br />

um homem. A razão não é apenas um registro dos fenômenos físicos e da<br />

experiência de prazer e de dor: é também criativa. Discerne a unidade das<br />

coisas e a supremacia de Deus”. S ir C harles Lyell: “A presunção é enorme<br />

porque todas as nossas faculdades, embora sujeitas a errar, são verdadeiras<br />

na essência e apontam para os reais objetivos. A faculdade religiosa no<br />

homem é, de todas, uma das mais fortes. Existiu nas mais primitivas eras e,<br />

ao invés de desgastar-se ante o avanço da civilização, torna-se cada vez<br />

mais forte e hoje é mais desenvolvida entre as mais elevadas raças do que<br />

jamais fora antes. Penso confiar seguramente que ela aponta para uma grande<br />

verdade”. Fisher, Nat. and Meth. of Rev., 137, cita A gostinho: “Securus<br />

judicat orbis terrarum” (N.Trad.: O universo seguro julga as terras), e diz-nos<br />

que se admite ser o intelecto um órgão do conhecimento, embora possa ter<br />

evoluído. Mas, se o intelecto é digno de confiança, também a natureza o é.<br />

G eorge A. G ordon, The Christ of To-day, 103 - “Para H erbert S pencer, a história<br />

humana é apenas um incidente da história natural e suprema é a força.<br />

Para o cristianismo a natureza é tão somente o começo e o homem a sua<br />

consumação. O que é que dá a mais elevada revelação da vida da árvore: a<br />

semente, ou o fruto?”<br />

A terceira parte da teoria parece fazer Deus um objeto sensorial a reverter<br />

a apropriada ordem do conhecimento e sentimento, a ignorar o fato de que em<br />

todo o sentimento há pelo menos algum conhecim ento de um objeto e a esquecer<br />

que a validade deste mesmo sentimento só pode ser mantida admitindo<br />

anteriormente a existência de um a divindade racional.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 111<br />

N ewman S myth diz-nos que o sentimento vem em primeiro lugar; a idéia<br />

em segundo. Não se negam as idéias intuitivas, mas declara-se que são<br />

reflexos diretos dos sentimentos no pensamento. São elas a percepção imediata<br />

daquilo que ele sente que existe. Considera-se idealista o conhecimento<br />

direto de Deus pela intuição; considera-se que, chegar-se a Deus por inferência,<br />

é uma tendência racionalista.<br />

Admitimos que, mesmo no caso dos impenitentes, grande perigo, grande<br />

regozijo, grande pecado freqüentemente transformam a intuição racional de<br />

Deus em intuição perceptível aos sentidos. Contudo, não se pode afirmar que<br />

a intuição perceptível aos sentidos seja comum a todos os homens. Não fornece<br />

fundamento ou explicação de uma capacidade universal para a religião.<br />

Sem a intuição racional, não seria possível a intuição perceptível aos sentidos,<br />

visto que é só o racional que capacita o homem a receber e a interpretar<br />

o elemento perceptível aos sentidos. A própria confiança que depositamos no<br />

sentimento pressupõe uma crença intuitiva em um Deus verdadeiro e bom.<br />

Em 1869 T ennyson dizia: “Sim, é verdade que há momentos quando a carne<br />

nada é para mim; quando eu sei e sinto que a carne é a visão; Deus e o<br />

elemento espiritual são o elemento real; ele me pertence mais do que as<br />

minhas mãos e pés. Você pode dizer-me que as minhas mãos e os meus pés<br />

são apenas símbolos imaginários da minha existência; posso até crer em<br />

você; mas você nunca, nunca pode convencer-me de que o eu não é uma<br />

Realidade eterna e de que o espiritual não é a minha parte real e verdadeira”.<br />

3. Não do raciocínio, porque:<br />

d) A verdadeira aparição deste conhecim ento na grande m aioria das mentes<br />

não resulta de qualquer processo consciente de raciocínio. Por outro lado,<br />

com base na ocorrência de condições próprias, ele lampeja sobre a alma a<br />

rapidez e força de um a revelação imediata.<br />

b) O poder da fé do homem na existência de Deus não é proporcional ao<br />

poder da faculdade de raciocinar. Por outro lado, o hom em de m aior poder<br />

lógico é freqüentem ente um inveterado cético, enquanto o de fé não oscilante<br />

está entre os que não podem mesmo entender os argumentos da existência de<br />

Deus.<br />

c) Há mais neste conhecimento que o raciocínio jamais poderia ter fornecido.<br />

O homem não lim ita a sua crença em Deus às conclusões do argumento.<br />

Os argumentos da existência divina, valiosos para os propósitos a serem mostrados<br />

daqui para frente, não bastam por si mesmos para garantir nossa convicção<br />

de que existe um ser infinito e absoluto. Aparecerá apoiado no exame<br />

que um argumento a priori só é capaz de provar um a proposição abstrata e<br />

ideal, mas nunca pode conduzir-nos à existência de um Ser real. Parece que os<br />

argumentos aposteriori da existência m eram ente finita, nunca podem demonstrar<br />

a existência do infinito. Nas palavras de S ir W m. Hamilton - “Uma demonstração<br />

do absoluto a partir do relativo é logicam ente absurda como em tal


112<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

silogismo podemos colecionar na conclusão o que não está distribuído nas<br />

prem issas” - em resumo, a partir das premissas finitas não podemos tirar conclusão<br />

infinita.<br />

S ir W m. Hamilton: "Saindo do particular, admitimos que não é possível, em<br />

nossas mais elevadas generalizações, transcendermos o finito”. E. G. Robin-<br />

son: “A mente humana revela maior provisão do que jamais contiveram os<br />

grandes reservatórios”. Existe mais na idéia de Deus do que poderia ter escoado<br />

de um tão pequeno funil como é o raciocínio humano. Uma simples palavra,<br />

uma nota acidental, ou uma atitude de oração sugere a idéia a uma criança.<br />

H elen Keller contou a Phillips Brooks que ela sempre soubera que há<br />

um Deus, mas não o conhecia pelo nome. Ladd, Philosophy of Mind, 119 —<br />

“Há uma tola suposição de que nada se pode conhecer ao certo a não ser que<br />

seja alcançado como resultado de um processo silogístico, ou que, quanto<br />

mais complicado e sutil for tal processo, mais certa é a conclusão. O conhecimento<br />

por inferência sempre depende da certeza superior do conhecimento<br />

imediato”. G eorge Duncan, in Memorial ofNoah Porter, 246 - “Toda a dedução<br />

apoia-se num prévio processo de indução, ou nas intuições de tempo e espaço<br />

que envolvem Infinito e Absoluto”.<br />

d) Nem os homens chegam ao conhecim ento da existência de Deus por<br />

inferência; pois a inferência é silogismo condensado e, como forma de raciocínio,<br />

está igualmente aberto à objeção já mencionada. Vimos, contudo, que<br />

todo processo lógico se baseia na aceitação da existência de Deus. Evidentem<br />

ente o que se pressupõe em todo raciocínio não pode ser provado pela razão.<br />

Referimo-nos, naturalmente, à inferência, mediata, porque na imediata<br />

(p.ex., “Todos os governantes são justos; logo, nenhum dos governantes<br />

injustos governa bem”) não há nenhum raciocínio e nem progresso no pensamento.<br />

A inferência mediata é raciocínio - é silogismo condensado; e o que é<br />

muito condensado pode ampliar-se em forma lógica regular. Inferência dedutiva:<br />

“O negro é uma criatura como eu; logo aquele que bate no negro é uma<br />

criatura como eu”. Inferência indutiva: “O primeiro dedo fica antes do segundo;<br />

logo fica antes do terceiro”.<br />

Flint, Theism, 77 e H erbert, Mod. Realism Examed, chegariam ao conhecimento<br />

da existência de Deus pela inferência. Esta declara que Deus é inde-<br />

monstrável, mas, quanto à sua existência, infere-se como a dos nossos<br />

semelhantes. Replicamos, porém, que, neste último caso, só inferimos o finito<br />

a partir do finito, mas, no caso de Deus, infere-se o infinito a partir do finito.<br />

Contudo, este processo de raciocínio pressupõe a existência de Deus como<br />

Razão absoluta, pelo processo já demonstrado.<br />

Substancialmente, H. B. S mith, Introd. to Chr. Theol., 84-133, e Diman, Theistic<br />

Argument, 316,364, ambos cometem o mesmo erro dos que admitem um elemento<br />

intuitivo, mas empregam-no só para suprir a insuficiência do raciocínio.<br />

Consideram que a intuição nos fornece apenas uma idéia abstrata, que<br />

não contém em si nenhuma prova da existência de um verdadeiro ser que


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

corresponde à idéia e que só chegamos ao ser real pela inferência dos fatos<br />

da nossa natureza espiritual e do nosso mundo exterior. Replicamos, entretanto,<br />

com as palavras de M cC osh, que “as intuições, em primeiro lugar, diri-<br />

gem-se individualmente aos objetos”. Não conhecemos o infinito no abstrato,<br />

mas o espaço e o tempo infinitos, e o Deus infinito.<br />

S churman, Belief in God, 43 - “Sou incapaz de atribuir à nossa crença em<br />

Deus uma certeza mais elevada que aquela que possuímos através da hipótese<br />

da ciência ... 57 - A abordagem mais próxima que a ciência faz à nossa<br />

hipótese da existência de Deus encontra-se na afirmação da universalidade<br />

da lei ... baseada na convicção da unidade e na conexão sistemática de toda<br />

a realidade ... 64 - Só se pode encontrar esta unidade no espírito autocons-<br />

ciente”. O defeito deste raciocínio é que ele não nos dá nenhum elemento<br />

necessário ou absoluto. Exemplos de hipóteses são a nebulosa na astronomia,<br />

a lei da gravitação, a teoria atômica da química, o princípio da evolução.<br />

Nenhuma destas é logicamente independente ou tem prioridade. Cada uma<br />

delas é provisória e cada uma pode ser ultrapassada por nova descoberta.<br />

Não é o caso da idéia de Deus. Todas as outras pressupõem esta idéia como<br />

condição de cada processo mental e garantia da sua validade.<br />

IV. CONTEÚDO DESTA IN TU IÇÃO<br />

1. Neste conhecimento fundamental de que Deus é, necessariamente está<br />

implicado que, em certa extensão, o homem conhece intuitivamente o que<br />

Deus é, a saber, a) a Razão na qual se baseiam os processos mentais; tí) um a<br />

Força superior de que o homem depende; c) um a Perfeição que impõe a lei<br />

sobre a natureza moral; d) um a Personalidade que pode ser reconhecida na<br />

oração e no louvor.<br />

Sustentar que temos um a intuição racional de Deus de modo nenhum implica<br />

que é impossível um a intuição presente de Deus. Tal intuição presente talvez<br />

fosse característica do hom em decaído; às vezes pertence ao cristão; será<br />

um a bênção do céu (Mt. 5.8 - “os limpos de coração verão a Deus” ; Ap. 22.4<br />

- “verão a sua face”). As experiências dos hom ens de apreenderem Deus face<br />

a face, em perigo ou senso de culpa, dão algum a razão para crer que um<br />

conhecimento de Deus pela sua presença é condição norm al da humanidade.<br />

Mas como esta intuição da presença de Deus não está no nosso estado universal<br />

atual, reivindicamos aqui somente que todo o hom em tem um a intuição<br />

racional de Deus.<br />

Convém lembrar, contudo, que a perda do am or a Deus obscureceu até<br />

mesmo a intuição racional, de modo que a revelação da natureza nas Escrituras<br />

necessita de ser despertada, confirm ada e aum entada e a obra do Espírito<br />

de Cristo no sentido de tom ar conhecida pela amizade e comunhão. Assim,<br />

a partir do conhecimento a respeito de Deus, conhecem os Deus (Jo. 17.3 -<br />

113


114 Augustus Hopkins Strong<br />

“A vida eterna é esta, que te conheçam a ti” ; 2 Tm. 1.12 - “Eu sei em quem<br />

tenho crido”).<br />

P latão dizia que a substância não pode ser nenhum cm oi5ev sem algo à<br />

oTSev. Harris, Philosophical Basis of Theism, 208 - “Através da intuição racionai<br />

o homem sabe que o Ser absoluto existe; seu conhecimento daquilo que<br />

é progressivo, como progressivo é o conhecimento do homem e da natureza”.<br />

H utton, Essays: “Uma presença assombrosa assusta o homem atrás e<br />

adiante. É um mal a que ele não pode escapar. Dá novos sentidos aos seus<br />

pensamentos e novo terror aos seus pecados. Torna-se intolerável. O homem<br />

é levado a estabelecer um ídolo esculpido segundo a sua própria natureza,<br />

que tomará o seu lugar - um Deus não moral que não perturbará o seu sonho<br />

de descansar. É uma Vida e uma vontade justa, não uma simples idéia de<br />

justiça que importuna tanto os homens”. Porter, Hum. Int., 661 - “O Absoluto<br />

é um Agente pensante”. A intuição não se desenvolve na certeza; o que se<br />

desenvolve é a ansiedade por aplicá-la e o poder de expressá-la. A intuição<br />

não é complexa; complexo é o Ser intuitivamente conhecido.<br />

O conhecimento de uma pessoa torna-se conhecimento pessoal através<br />

da verdadeira comunicação ou revelação. Em primeiro lugar vem o conhecimento<br />

intuitivo de Deus, o qual todo homem possui - a suposição de que<br />

existe uma Razão, uma Força, uma Perfeição, uma Pessoalidade que torna<br />

correto o pensamento e possível a ação. Em segundo lugar, vem o conhecimento<br />

do ser de Deus e os atributos que a natureza e a Escritura fornecem.<br />

Em terceiro lugar, surge o conhecimento pessoal vindo através da experiência,<br />

derivado da verdadeira reconciliação e intercomunicação com Deus, através<br />

de Cristo e do Espírito Santo. S tearns, Evidence of Christian Experience,<br />

208 - “A experiência cristã verifica as reivindicações da doutrina pela experimentação,<br />

transformando o conhecimento provável em conhecimento real”.<br />

Biedermann, citado por P fleiderer, Grundriss, 18 - “Deus se revela ao espírito<br />

humano, 1. como uma Base infinita, na razão; 2. como uma Norma infinita,<br />

na consciência; 3. como uma Força infinita, na ascendência à verdade religiosa,<br />

à bem-aventurança e à liberdade”.<br />

Objetarei eu a esta experiência cristã, só porque relativamente poucos a<br />

possuem e não estou entre eles? Porque eu não vi as luas de Júpiter, como<br />

duvidarei do testemunho do astrônomo quanto à sua existência? A experiência<br />

cristã como a visão das luas de Júpiter, não é possível a todos. C larke,<br />

Christian Theoiogy, 113 - “Quem tiver prova completa da realidade da bondade<br />

de Deus deve submetê-la ao teste experimental. Deve tomar o bom Deus<br />

como real e receber a confirmação que se seguirá. Quando a fé atinge Deus,<br />

ela o encontra.... Aqueles que o encontram serão os mais sensatos e os mais<br />

verdadeiros do seu gênero e as suas convicções estarão entre as mais seguras<br />

entre os homens. ... Os que vivem em comunhão com o bom Deus crescerão<br />

em bondade, e apresentarão evidência prática da sua existência além<br />

do testemunho oral que possam dar”.<br />

2. As Escrituras, portanto, não tentam provar a existência de Deus, mas,<br />

por outro lado, tanto admitem como declaram que o conhecim ento de Deus é


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

universal (Rm. 1.19-21,28,32; 2.15). Deus embutiu a evidência desta verdade<br />

fundam ental na própria natureza do hom em de m odo que em parte algum a há<br />

ausência de testem unho a seu respeito. O pregador pode, com confiança,<br />

seguir o exemplo da Escritura admitindo-a. M as deve tam bém explicitamente<br />

declará-la como faz a Escritura. “Pois os seus atributos invisíveis, o seu eterno<br />

poder e divindade, são claram ente vistos desde a criação do m undo.”<br />

(xaG opaxai - espiritualm ente vistos); o órgão para este propósito é a voúç<br />

(voofyieva); mas, então - eles são “percebidos m ediante as coisas criadas”<br />

ítoTç 7ravrijj.aGiv, Rm. 1.20).<br />

Sobre Rm. 1.19-21, verW Eiss, Biblische Theologie des Neuen Testament,<br />

251, nota; i/ertambém os comentários de Meyer, A lford, T holuck e W ordsworth;<br />

tò yvcootov toí3 Geou = não “o que se pode conhecer”, mas “aquilo que se<br />

conhece” de Deus; vooúp.£va KccGopâ-coci = vêem-se claramente no que é<br />

percebido pela razão - voo-úp.eva expressa o modo de KaGopâ-uca (M eyer);<br />

comp. Jo. 1.9; At. 17.27; Rm. 1.28; 2.15. Sobre 1 Co. 15.34, ver C alderwood,<br />

Philosophy of Infinite, 466 — àyvco aíav 6eot> Tivèç ê x o u ai = não possuais o<br />

conhecimento de Deus especialmente exaltado, que pertence aos crentes<br />

em Cristo (cf. 1 Jo. 4.7 - “qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a<br />

Deus”). Sobre Ef. 2.12, ver Pope, Theology, 1.240 - â6 e o i èv KÓqiep opõe-<br />

se a estar em Cristo, e significa mais abandonado de Deus do que negá-lo ou<br />

ignorá-lo inteiramente.<br />

E. G. R obinson: “A primeira afirmação da Bíblia não é que existe um Deus,<br />

mas que ‘no princípio criou Deus os céus e a terra’ (Gn. 1.1). A crença em<br />

Deus nunca foi e nunca pode ser o resultado de argumento lógico; doutra<br />

forma a Bíblia nos apresentaria provas”. Muitos textos em que se confia como<br />

provas da existência de Deus são simplesmente explicações da idéia de Deus;<br />

p.ex., SI. 94.9,10 - “Aquele que fez o ouvido não ouvirá? E o que formou o<br />

olho não verá? Aquele que interroga as nações não as castigará? E o que dá<br />

ao homem o conhecimento não saberá?” Platão diz que Deus sustenta a<br />

alma pelas raízes dela, pelo que não precisa demonstrar à alma o fato da sua<br />

existência. M artineau, Seat of Authority, 308, diz com precisão que a Escritura<br />

e a pregação só interpretam o que já está no coração ao qual se dirige: “Lançando<br />

um sopro quente ao interior dos oráculos ocultos na invisível tinta, ele<br />

os torna articulados e deslumbrantes como o manuscrito na parede. O divino<br />

Vidente não tem para vós a sua revelação, mas capacita-vos a receber a<br />

vossa própria. Esta relação mútua só é possível através da presença comum<br />

de Deus na consciência da humanidade”. S hedd, Dogmatic Theology, 1.195-<br />

220 - “A terra e o céu causam as mesmas impressões sensíveis nos órgãos<br />

de um bruto que os causam nos deüm homem; mas o bruto nunca discerne<br />

as ‘coisas invisíveis’ de Deus ‘tanto o seu eterno poder como a sua divindade”’<br />

(Rm. 1.20).<br />

Nossa atividade subconsciente, até onde é normal, está sob a orientação<br />

da Razão imanente. A sensação, antes de resultar em pensamento, tem em<br />

si elementos locais fornecidos pela mente - não nossa, mas do infinito. Cristo<br />

o Revelador de Deus, revela-o na vida mental de cada homem e o Espírito<br />

U 5


1 16 Augustus Hopkins Strong<br />

Santo pode ser o princípio da consciência própria no homem como também<br />

em Deus. Harris, God the Creator, diz-nos que “o homem encontra a Razão<br />

que é eterna e universal revelando-se no exercício da sua própria razão”.<br />

S avage, Vida após a Morte, 268 - “Como você sabe que a sua consciência<br />

subliminar não fere a Onisciência e apossa-se dos fatos do universo?” Contudo,<br />

S avage nega esta sugestão e, erroneamente, favorece a teoria do espírito.<br />

Ver pp. 295-329 deste livro.<br />

C. M. Barrows, Proceedings ofSoc. for Psychical Research, vol. 12, parte<br />

30, pp. 34-36 - “Existe um agente subliminar. Que pensar se este é somente<br />

um Ator inteligente, enchendo o universo com a sua presença, como o éter<br />

faz com o espaço; o Inspirador comum de toda a humanidade, hábil músico,<br />

presidindo sobre muitas flautas e teclas e tocando através de cada um, que<br />

música se ouvirá? O eu subliminar é uma fonte universal de energia e cada<br />

homem é um canal da correnteza. Cada eu pessoal está contido nela, e<br />

assim cada homem se torna unido a cada ser humano. Nesta Força profunda,<br />

o último fato atrás do qual a análise não pode ir, todos efeitos psíquicos<br />

e físicos encontram sua origem comum”. Esta afirmativa necessita de<br />

ser qualificada pela declaração da natureza ética do homem e personalidade<br />

distinta; ver nesta obra o Monismo Ético, no cap. III. Mas há aqui uma<br />

verda-de como aquela que C oleridge procurava expressar em sua Harpa Eólia:<br />

“E o que acontece se toda a Natureza animada for apenas harpas diversamente<br />

estruturadas, que tremem no pensamento, quando por elas passa,<br />

Plástica e vasta, uma brisa intelectual, a um só tempo a alma de cada um, e o<br />

Deus de todos?”<br />

D orner, System of Theology, 1.75 - “O conhecimento de Deus é a verdadeira<br />

firmeza da nossa própria consciência. ... Visto que é só na consciência<br />

de Deus que a mais íntima personalidade do homem vem à luz, de igual<br />

modo, por meio do entrelaçamento da consciência de Deus e do mundo, este<br />

mundo é visto em Deus (sub specie eternitatis), e a certeza do mundo obtém<br />

primeiro a segurança absoluta do seu espírito”. Royce, Spirit ofMod. Philosophy,<br />

sinopse na N. Y. Nation: “O único fato indubitável é a existência de um eu<br />

infinito, um Logos, ou uma mente terrena (345). Isto se torna claro, I. Porque<br />

o idealismo mostra que as coisas reais não são nada mais, nem nada menos<br />

que idéias, ou ‘possibilidade de experiência’; mas a mera ‘possibilidade”, como<br />

tal, nada é e o mundo das experiências ‘possíveis’, até onde ela é real, deve<br />

ser o mundo da experiência verdadeira para um certo eu (367). Se, então, há<br />

um mundo real, ele tem tudo enquanto existe como ideal e mental mesmo<br />

antes de tornar-se conhecido pela mente particular com a qual nós concebemos<br />

entrar em conexão (368). II. Mas há um mundo real; pois, quando eu<br />

penso em um objeto, quando eu me refiro a ele, não só tenho em mente uma<br />

idéia semelhante a ele porque eu o tenho por objeto, seleciono-o, em certa<br />

medida eu já o possuo. Então, o objeto já está presente em essência no meu<br />

eu oculto (370). Como a verdade consiste no conhecimento de conformidade<br />

com uma cognição do seu objeto, que, por si pode conhecer uma verdade<br />

que inclui tanto a idéia como o objeto. Este conhecedor é o Eu Infinito (374).<br />

Em essência sou idêntico a isso (371); é o meu eu maior (372); e só este eu<br />

maior é (379). Inclui toda a realidade, e conhecemos outras mentes finitas,<br />

porque estamos unidos a elas” (409).


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 117<br />

É instrutiva a experiência de G eorge J ohn R omanes. Durante anos ele não<br />

pôde reconhecer nenhuma Inteligência pessoal no controle do universo. Cometeu<br />

quatro equívocos: 1. Esqueceu-se de que só o amor pode ver, que Deus<br />

não se revela simplesmente ao intelecto, mas apenas ao homem como um<br />

todo; à mente integral, que a Escritura chama “os olhos do coração” (Ef. 1.18).<br />

Finalmente, a experiência da vida ensinou-lhe a fraqueza do mero raciocínio<br />

e levou-o a depender mais dos sentimentos e intuições. Então, como se<br />

poderia dizer, ele deu ao raio X do cristianismo uma oportunidade de fotografar<br />

Deus na sua alma. 2. Começou pelo fim errôneo, mais com a matéria do<br />

que com a mente, mais com as categorias de causa e efeito do que com o<br />

certo e o errado e, deste modo, envolveu-se na ordem mecânica e tentou<br />

interpretar o reino moral através dela. Resultado: em vez de reconhecer a<br />

liberdade, a responsabilidade, o pecado, a culpa, descartou-os como pretensos.<br />

Porém o estudo da consciência e da vontade o puseram no caminho<br />

certo. Ele aprendeu a levar em conta o que ele encontrava, em vez de voltar-<br />

se para alguma coisa mais e, desta forma, veio a interpretar a natureza pelo<br />

espírito em vez de interpretar o espírito pela natureza. 3. Tomou as partes<br />

pelo cosmos, em vez de considerá-lo como um todo. Seu antigo pensamento<br />

insistia em encontrar uma determinação em cada parte em separado, ou em<br />

nenhuma parte. Porém, ao chegar à maior maturidade reconheceu que seria<br />

sábio e razoável tratá-lo como um todo ordenado. Entendendo que isto é um<br />

universo, não conseguiu desembaraçar-se da idéia de uma Mente organizadora.<br />

Passou a ver que o Universo, como um pensamento, implica a existência<br />

de um Pensador. 4. Fantasiou que a natureza exclui Deus, em vez de<br />

saber que ela é o único método de operação de Deus. Quando aprendeu<br />

como se fez uma determinada coisa, a princípio concluiu que Deus e natureza<br />

não são mutuamente exclusivos. Deste modo, passou a não ver dificuldade<br />

até mesmo na aceitação dos milagres e da inspiração; porque o Deus que<br />

está no homem e de cuja mente e vontade a natureza é apenas a expressão,<br />

pode revelar-se, se necessário, de formas especiais. Portanto, G eorges John<br />

Romanes voltou a orar, voltou a Cristo, e voltou à igreja.


C a p í t u l o II<br />

EVIDÊNCIAS CORROBORATIVAS<br />

DA EXISTÊNCIA DE DEUS<br />

Em bora o conhecim ento da existência de Deus seja intuitivo, pode ser<br />

explicado e confirmado por argumentos tirados do próprio universo e das idéias<br />

abstratas da mente humana.<br />

Nota 1. Tais argumentos são prováveis, mas não demonstrativos. Por esta<br />

razão eles se suplementam um ao outro e constituem -se um a série cumulativa<br />

de evidências em sua natureza. Embora tomados de um a forma isolada, nenhum<br />

deles pode ser considerado absolutam ente decisivo, juntos fornecem um a cor-<br />

roboração de nossa convicção prim itiva da existência de Deus, que é de grande<br />

valor prático e em si mesmos suficientes para aglutinar a ação moral do<br />

homem.<br />

B u t l e r , Analogy, Introd., Bohn’sed., 72 —A evidência provável admite graus<br />

desde a mais elevada certeza moral até a mais baixa presunção. Contudo a<br />

probabilidade é o guia da vida. Em matéria de moral e religião, não vamos<br />

esperar uma evidência matemática ou demonstrativa, mas apenas a provável<br />

e a mais leve preponderância de tal evidência pode ser suficiente para cegar<br />

a nossa ação moral. A verdade da nossa religião como a verdade das matérias<br />

comuns, deve ser julgada pela total evidência global; porque, ao acrescentarem-se<br />

as supostas provas, não só aumentam a evidência, mas multipli-<br />

cam-na. D o v e , Logic of Christian Faith, 24 - O valor dos argumentos, tomados<br />

englobadamente, é muito maior do que o de qualquer um isolado. Ilustração<br />

da água, do ar e do alimento juntos, não separadamente, sustentando a vida;<br />

o valor de 1000 de libras não está no papel, na estampa, na escrita, na assinatura,<br />

tomadas separadamente. Um feixe de varas não pode ser quebrado,<br />

apesar de que cada vara do feixe o pode separadamente. A resistência do<br />

feixe é a força do todo. L o r d B a c o n , Essay on Atheism: “Uma mirrada filosofia<br />

inclina a mente do homem para o ateísmo, mas o seu aprofundamento aproxima<br />

a mente humana da religião. Por algum tempo a mente do homem respeita<br />

algumas causas secundárias separadas, pode às vezes apoiar-se nelas<br />

e não ir mais adiante, porém, quando olha para o encadeamento delas confederadas<br />

e unidas, sente-se necessidade de voar para a Providência e para<br />

Divindade”. M u r p h y, S cientific Bases of Faith, 221-223 - “A prova de um Deus


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 119<br />

e de um mundo espiritual que nos deve satisfazer consiste em numerosas<br />

linhas de prova divergentes e convergentes”.<br />

No caso em que só se alcança a evidência circunstancial, muitas linhas da<br />

prova convergem e embora nenhuma das linhas alcance a marca, a conclusão<br />

para a qual todas apontam torna-se a única racional. Duvidar de que haja uma<br />

Londres, ou de que houve um Napoleão, seria indicar insanidade; contudo, só<br />

a evidência provável demonstra a existência de Londres e de Napoleão. Não<br />

há nenhuma eficácia coativa no argumento da existência de Deus; mas o mesmo<br />

se pode dizer de todo o raciocínio não demonstrativo. É possível outra<br />

interpretação dos fatos, mas nenhuma outra é tão satisfatória como a de que<br />

Deus é; ver Fisher, Nature and Method of Revelation, 129. P rof. Rogers:<br />

“Se nos negócios práticos fomos levados a hesitar em agir até que tivéssemos<br />

demonstrada a certeza absoluta, nunca deveríamos começar a nos mover”.<br />

Por esta razão um velho oficial indiano aconselhou um jovem juiz a “dar sempre<br />

o seu veredicto, mas sempre evitar de apresentar os seus fundamentos.<br />

Bowne, Philos. of Theism, 11-14 - “Ao invés de duvidar de cada coisa que<br />

oferece condições para tal, melhor é não duvidar de nada até que sejamos<br />

compelidos a isso. ... Na sociedade, é melhor admitirmos que os homens são<br />

verdadeiros, e só duvidarmos quando houver razão especial, do que admitirmos<br />

que todos homens são mentirosos e crermos só quando a isso formos<br />

compelidos. Por isso, em todas as nossas investigações progredimos mais<br />

se admitirmos a veracidade do universo e da nossa própria natureza do que<br />

duvidarmos de ambos. ... O primeiro método parece mais rigoroso, mas só<br />

pode ser aplicado à matemática, que é ciência puramente subjetiva. Quando<br />

tratamos da realidade, o método aproxima o pensamento de uma pausa.<br />

... A lei que a lógica estabelece é: Não se pode crer em nada que não seja<br />

provado. A lei que a mente na verdade segue é: O que quer que a mente<br />

demande para a satisfação de seus interesses subjetivos e tendências pode-<br />

se admitir como real na ausência de uma refutação positiva”.<br />

Nota 2. Um a consideração destes argumentos pode tam bém servir para<br />

explicar o conteúdo de um a intuição que reconstituiu o elemento obscuro e<br />

apenas sem iconsciente por falta de reflexão. N a verdade, os argumentos são<br />

esforços da m ente que já tem um a convicção da existência de Deus de dar a si<br />

m esm a um relato final de sua crença. U m a exata apreciação do seu valor lógico<br />

e de sua relação com a intuição que buscam expressar de forma silogística<br />

é essencial para qualquer adequada refutação ao raciocínio ateísta e panteísta.<br />

D iman, Theistic Argument, 363 - “Não tenho reivindicado que a existência<br />

até mesmo deste Ser se pode demonstrar como podemos fazer com as verdades<br />

abstratas da ciência. Tenho só reivindicado que o universo, como um<br />

grande fato, demanda uma explicação racional e que a mais racional que se<br />

pode dar é a concepção fornecida de um tal Ser. A razão apoia-se nesta<br />

conclusão e recusa apoiar-se em qualquer outra”. Rückert: “Wer Gott nicht<br />

fühlt in sich und allen Lebens-kreisen, dem werdet ihr nicht ihn beweisen mit<br />

Beweisen”. Harris, Philos. Basis of Theism, 307 - “A teologia depende da


1 2 0 Augustus Hopkins Strong<br />

ciência noética (que se origina no intelecto) e empírica para dar a ocasião a<br />

que surja a idéia do Ser Absoluto e fornecer o conteúdo à idéia”. A ndrew<br />

Fuller, Part ofSyst. of Divin., 4.283, questiona “se a argumentação em favor<br />

da existência de Deus não criou mais céticos do que crentes”. Até onde isto é<br />

verdade, deve-se a um exagero nos argumentos e uma exagerada noção do<br />

que se deve esperar deles.<br />

“Evidências do cristianismo?” diz C oleridge, “estou cansado dessa palavra”.<br />

Quanto mais o cristianismo foi provado, menos se creu nele. O aviva-<br />

mento religioso sob W hitefield e W esley fizeram o que todos os apologistas<br />

do século dezoito não conseguiram; ele despertou as intuições do homem<br />

para a vida, e praticamente as fez reconhecer Deus. M artineau, Types, 2.231<br />

- O homem pode “dobrar os joelhos diante do Zeitgeist (espírito do tempo),<br />

enquanto dá as costas para o consenso de todas as eras”; Seat of Authority,<br />

312 - “Nosso raciocínio nos leva a explicitar o teísmo porque parte do teísmo<br />

implícito”. Illingworth, Div. And Hum. Personality, 81 - “As provas são tentativas<br />

de dar conta e explicar e justificar algo que já existe; decompor um elevado<br />

complexo através de um juízo imediato em seus elementos constituintes,<br />

nenhum dos quais, quando isolado, pode ter a plenitude ou ação conjunta<br />

da convicção original como um todo.”<br />

B owne, Philos. of Theism, 31,32 - A demonstração é o único paliativo para<br />

socorrer na ignorância do insight. ... Quando chegamos ao argumento em<br />

que se destina a natureza toda, o argumento parece ser fraco ou forte conforme<br />

a natureza é débil ou plenamente desenvolvida. O argumento moral em<br />

favor do teísmo não pode parecer forte a alguém que não tem consciência.<br />

O argumento a partir dos interesses cognitivos esvaziará quando não há<br />

nenhum interesse desse tipo. As pequenas almas acharão muito pouco que<br />

exige explicação ou que desperta surpresa e estarão satisfeitos com um ponto<br />

de vista correspondentemente pequeno da vida e da existência. Em tal<br />

caso não podemos esperar um acordo universal. Só podemos proclamar a fé<br />

que está em nós na esperança de que esta proclamação não possa existir<br />

sem alguma resposta em outras mentes e corações. ... Só temos provável<br />

evidência da conformidade da natureza ou do sentimento dos amigos.<br />

Também não podemos provar através da lógica. As mais profundas convicções<br />

não são as certezas da lógica, mas as da vida”.<br />

Nota 3. Os argumentos da existência divina podem ser reduzidos a quatro:<br />

I) Cosmológico; II) Teleológico; III) Antropológico; IV) Ontológico. Exam iná-los-emos<br />

em sua ordem, procurando determ inar as precisas conclusões a<br />

que respectivam ente conduzem e, então, certificar de que m aneira os quatro<br />

podem ser combinados.<br />

I. ARGUMENTO COSMOLÓGICO<br />

Não se trata de um argumento do efeito para a causa; pois a proposição de<br />

que cada efeito deve ter um a causa é sim plesm ente idêntico e apenas significa


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 2 1<br />

que o evento causado deve ter um a causa. Ao invés disso é um argumento da<br />

existência com eçada para um a causa suficiente de tal começo e pode ser pre-<br />

: s im ente estabelecido da seguinte maneira:<br />

Tudo o que começa, quer substância, quer fenômeno, deve sua existência a<br />

ig u m a causa produtiva. O universo, pelo menos no que se refere à sua forma<br />

presente, é algo começado e deve sua existência a um a causa que corresponde<br />

à sua produção. Tal causa deve ser indefinidam ente grande.<br />

Convém notar que este argumento move-se no reino da natureza. A partir<br />

da constituição do homem e início neste planeta ele é considerado sob um<br />

outro título (ver Argumento Antropológico). Não só a observação pessoal,<br />

mas o testemunho da geologia garante-nos que a presente forma do universo<br />

não é eterna no passado, mas teve um início. Freqüentemente Locke, C larke<br />

e Robert H all têm reivindicado que este argumento é suficiente para conduzir<br />

a mente a uma Primeira Causa Eterna e Infinita. Por esta razão prosseguimos<br />

mencionando<br />

1. Defeitos do Argumento Cosmológico<br />

d) É impossível m ostrar que o universo, no que tange à sua substância, teve<br />

um começo. A lei da causalidade declara, não que cada coisa tem um a causa -<br />

pois, então, o próprio Deus teria um a causa - porém, ao invés disto, que cada<br />

coisa iniciada, ou em outras palavras, que cada evento ou mudança tem uma<br />

causa.<br />

H ume, Phil. Works 2.411 sg., declara, com razão, que nós nunca vimos um<br />

mundo feito. Muitos filósofos em terras cristãs, como Martineau, Essays, 1.206<br />

e as opiniões prevalecentes dos tempos pré-cristãos sustentam que a matéria<br />

é eterna. Bowne, Metaphysics, 107 - “Para o próprio ser, a razão reflexiva<br />

nunca exige uma causa, a menos que o ser mostre sinais de dependência.<br />

A mudança é que primeiro ocasiona a demanda de uma causa”. M artineau,<br />

Types, 1.291 - “Não é a existência como tal que exige uma causa, mas o<br />

surgimento daquilo que não existia anteriormente. A lei intelectual da causalidade<br />

é a lei dos fenômenos não da entidade”.<br />

b) Aceitando que o universo, no que se refere aos seus fenômenos, teve<br />

uma causa, é impossível m ostrar que se requer qualquer outra além da que<br />

existe em si mesma, como supõem os panteístas.<br />

Flint, Theism, 65 -0 argumento cosmológico por si só prova a força; e<br />

esta sozinha não é Deus. “A inteligência deve caminhar com ela para fazer<br />

com que o Ser possa chamar-se Deus”. D iman, Theistic Argument “O argumento<br />

cosmológico sozinho não pode decidir se a força que causa a mudança


1 2 2 Augustus Hopkins Strong<br />

é a mente perene auto-existente, ou a perene matéria auto-existente”. Só a<br />

inteligência fornece base para uma resposta. No universo apenas a mente<br />

nos capacita a inferir a mente do criador. Porém o argumento a partir da inteligência<br />

não é o Cosmológico, mas o Teológico e a este pertencem todas as<br />

provas da divindade a partir da ordem e combinação na natureza.<br />

U pton, Hibbert Lectures, 201-296 - A ciência tem que ver com as mudanças<br />

que uma porção do universo visível causa em outra porção. A filosofia e a<br />

teologia tratam da Causa Infinita que faz existir e sustenta toda a série de<br />

causas finitas. Acaso perguntamos nós a causa das estrelas? A ciência diz:<br />

A nebulosa ígnea, ou um retrocesso infinito de causas. A teologia diz: Admite-<br />

se; mas este retrocesso infinito demanda, para sua explicação, a crença em<br />

Deus. Devemos tanto crer em Deus como numa infinda série de causas finitas.<br />

Deus é a causa de todas as causas, a alma de todas as almas: “Centro e<br />

alma de cada esfera, Contudo, quão perto de cada coração que ama”! Não<br />

necessitamos somente da ciência para pensar em qualquer começo.<br />

c) Admitindo que o universo deva ter tido um a causa exterior a si, é impossível<br />

m ostrar que tal causa não foi causada, i.e. consiste em um a série infinita<br />

de causas dependentes. O princípio da causalidade não requer que todas as<br />

coisas começadas remontem a um a causa não causada; dem anda que atribuamos<br />

um a causa, mas não um a causa primeira.<br />

O m esm o ocorre com toda a série de causas. O m aterialista se sente na<br />

obrigação de encontrar um a causa para esta série, tão logo ela tem início.<br />

Porém a própria hipótese de um a série infinita de causas exclui a idéia de tal<br />

início. Um a cadeia infinita não tem nenhum elo extrem o ( versus R obert Hall);<br />

um a sucessão sem causa e eterna não necessita de causa ( versus C larke e<br />

Locke). J ulius M üller, Doctrin of Sin, 2.128, diz que o retrocesso até chegarm<br />

os a um a causa que não é em si m esm a um efeito não pode satisfazer o<br />

princípio causai - aquele que é a causa sur, Aids to Study of German Theology,<br />

15-17 - A inda que o universo seja eterno, a sua natureza contingente e relativa<br />

requer que postulem os um C riador eterno. D iman, Theistic Argument, 86 -<br />

“C onquanto a lei de causa não conduz logicam ente à conclusão de um a causa<br />

prim eira, com pele-nos a afirm á-la”. R etrucam os que não é a lei da causa<br />

que nos com pele a afirm á-la, porque esta, certam ente “não nos leva, pela<br />

lógica, à conclusão” . Se inferim os um a causa não causada, fazem o-lo, não<br />

por processo lógico, m as em virtude da crença intuitiva que há em nós. Assim<br />

pensam S ecrétan e W hewell, em Indications of a Creator, e em Hist. ofScien-<br />

tific Ideas, 2.321,322 - “A m ente se refugia na suposição de um a C ausa Prim<br />

eira a pa rtir de um em prego in consistente com a sua própria natureza” ;<br />

inferim os necessariam ente um a C ausa P rim eira em bora as ciências paleon-<br />

tológicas apenas apontam -na, m as não nos conduzem a ela”.<br />

d) Admitindo que a causa do universo não foi em si mesma causada, é<br />

im possível m ostrar que esta causa não seja finita, como o próprio universo.<br />

O princípio causai requer um a causa não m aior que a suficiente para o efeito.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 123<br />

Por isso, não podem os inferir um a causa infinita a não ser que o universo<br />

seja infinito e isto im plica em adm itir um infinito para provar um infinito. Porém<br />

nenhum núm ero pode ser infinito porque qualquer núm ero, em bora grande,<br />

pode receber o acréscim o de um a unidade, o que m ostra que anteriorm ente<br />

não era infinito. M esm o aqui nós vem os que as form as m ais aceitas do A rgum<br />

ento C osm ológico são obrigadas a avaliar-se sobre a intuição do infinito<br />

a fim de sup le m entar o processo lógico. Versus M artineau, Study, 1.418 -<br />

“Em bora não possam os inferir diretam ente a infinitude de Deus a partir de<br />

um a criação lim itada, indiretam ente podem os excluir qualquer outra posição<br />

recorrendo à ilim itada cena da existência (espaço)” . Isto, porém , garantiria<br />

igualm ente a nossa crença na infinitude dos nossos sem elhantes. Ou se trata<br />

do argum ento de C larke e G illespie (ver abaixo o A rgum ento O ntológico).<br />

S chiller, Die Gròsse Welt, parece defender a existência do universo ilim itado.<br />

Ele mostra um espírito causado, buscando o limite da criação. Um segundo<br />

peregrino encara-o a partir dos espaços além, com as seguintes palavras:<br />

Steh! du segelst umsohnst, - vor dir Unendichkeit” - “Eia! em vão tu vagueias;<br />

diante de ti, só o infinito”.<br />

2. O valor do Argumento Cosmológico, é, pois, tão somente este; prova a<br />

existência de um a causa do universo indefinidam ente grande. Quando vamos<br />

além disto e inquirimos se esta é um a causa do ser, ou simplesmente uma<br />

causa da m udança do universo; se é um a causa independente do universo ou é<br />

um a com ele; se é um a causa eterna ou um a causa dependente de outra; se é<br />

inteligente ou não, infinita ou finita, una ou múltipla, este argumento não nos<br />

pode garantir.<br />

II. ARGUMENTO TELEOLÓGICO<br />

Este não é um argumento do desígnio para o designador; pois que o desígnio<br />

im plica um designador é um a proposição idêntica. Pode-se estabelecer<br />

mais corretam ente o seguinte: A ordem e a colocação útil, permeando um<br />

sistema im plicam respectivam ente inteligência e propósito como a causa de<br />

tal ordem e colocação. Porque a ordem e a colocação útil permeiam o universo<br />

deve existir um a inteligência adequada à produção dessa ordem e um a vontade<br />

adequada a dirigir a colocação para fins úteis.<br />

Etimologicamente, “argumento teleológico” = argumento destinado aos fins,<br />

ou causas finais, isto é, “causas que, começando com um pensamento, ela-<br />

boram-se em um fato como um fim, ou um resultado (Porter, Human Intelect,<br />

592-618); a saúde, p.ex., é a causa fina! do exercício, enquanto este é a<br />

causa daquela. Esta definição do argumento se ampliaria o bastante para<br />

abranger a prova de uma inteligência oriunda da constituição do homem. Este,<br />

contudo, é tratado como parte do Argumento Antropológico, que ihe sucede,


1 2 4 Augustus Hopkins Strong<br />

e o Argumento Teleológico abrange apenas a prova de uma inteligência<br />

determinante provinda da natureza. Por isso, Kant, Crítica da Razão Pura,<br />

chama-o de argumento físico-teológico.<br />

H icks, Critique of Design-Arguments, 347-389, apresenta dois argumentos<br />

em vez de um: 1) o da ordem para a inteligência ao qual ele chama de<br />

Eutaxiológico; 2) o argumento da adaptação para o propósito a que ele restringe<br />

o nome Teleológico. Ele sustenta que a verdadeira teleologia não pode<br />

provar a inteligência porque, quando fala nos “fins”, afinal de contas, deve<br />

admitir a própria inteligência que ele procura provar; já se estabeleceu anteriormente<br />

que ela apenas prova o exercício intencional de uma inteligência.<br />

“As circunstâncias, forças, ou agentes que convergem para um resultado<br />

racional definido implicam volição - implicam que se pretende este resultado<br />

- a volição e o fim. Esta é a premissa maior da nova teleologia”. Ele faz objeção<br />

à expressão “causa final”. Na verdade, o fim não é a causa - é um motivo.<br />

O elemento caraterístico da causa é o poder de produzir um efeito. Os fins<br />

não têm tal poder. A vontade pode escolhê-los, ou rejeitá-los. Admitida a inteligência,<br />

os fins não podem prová-la.<br />

Concordamos com isto no ponto principal e consideramos um valioso<br />

auxílio para o estabelecimento e compreensão do argumento. Na própria<br />

observação da ordem, contudo, assim como no argumento a partir dela<br />

somos obrigados a admitir a mesma inteligência que estabelece a disposição<br />

total. Em vista disso, não vemos nenhuma objeção em fazer da Eutaxiologia a<br />

primeira parte do Argumento Teleológico como fizemos acima.<br />

1. Mais explicações<br />

a) A premissa m aior expressa um a convicção primitiva. Isto não é invalidado<br />

pelas objeções: a) de que a ordem e a colocação útil podem existir sem<br />

propósito - pois a nossa própria constituição mental nos compele a negar isto<br />

em todos os casos onde a ordem e a colocação perm eiam um sistema; b) de<br />

que a ordem e a colocação útil podem resultar da simples operação de forças e<br />

leis físicas - pois estas mesmas forças e leis implicam, ao invés de excluir,<br />

um a inteligência e vontade originadoras e superintendentes.<br />

J anet, Final Causes, 8, nega que a finalidade seja uma convicção primitiva<br />

como a causalidade e chama-a resultado de uma indução. Por isso ele<br />

prossegue a partir 1) das marcas da ordem e colocação útil 2) para a finalidade<br />

na natureza e, a seguir, 3) para uma causa inteligente da referida finalidade,<br />

ou pré-conformidade com o evento futuro”. Do mesmo modo também,<br />

D iman, Theistic Argument, 105, reivindica simplesmente que, como a mudança<br />

requer uma causa, assim a mudança ordenada requer uma causa inteligente.<br />

Contudo, já mostramos que a indução e o argumento de cada gênero<br />

pressupõem uma crença intuitiva na causa final. A natureza não a dá; mas<br />

ela também não nos dá a causa eficiente. A mente nos dá ambas e as dá de<br />

forma tão clara baseada na experiência como depois de um milheiro. Ladd:<br />

“As coisas têm uma mente em si: também nós não podemos lembrá-las”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 125<br />

O D uque de A rgyll disse a Darwin que lhe parecia totalmente impossível atribuir<br />

os ajustes da natureza a qualquer outro agente que não seja a mente.<br />

“Bem”, disse Darwin, “esta impressão freqüentemente tem-me assediado com<br />

uma força intensa. Mas, então, outras vezes, ela me parece tudo e a seguir<br />

ele passou as mãos sobre os olhos, como que indicando uma visão alheia à<br />

vista. O Darwinismo não é uma refutação dos fins da natureza, mas apenas<br />

uma teoria particular relativa ao meio em que os fins se realizam no mundo<br />

orgânico. Darwin começaria com um germe infinitesimal e faria todo o subseqüente<br />

desenvolvimento não teológico.<br />

a) M omerie, Christianity and Evolution, 72 - “Só dentro dos estreitos limites<br />

é que se produzem, casualmente, os arranjos aparentemente propositais.<br />

E, por isso, à medida que os sinais do propósito se desenvolvem, a suposição<br />

da sua origem acidental diminui”. Elder, Ideas from Nature, 81,82 - “A uniformidade<br />

dos mármores de um menino mostra que eles são produto<br />

do desígnio. Quando se trata de um único pode ser acidental, mas uma<br />

dúzia não. Do mesmo modo a uniformidade atômica indica a manufatura”.<br />

Dr. C arpenter: “O ateísta é como um homem que examina o mecanismo de<br />

um grande moinho e, achando que todo ele é movido por um eixo que se<br />

origina de uma parede de tijolos, infere que o eixo é a explicação suficiente<br />

para o que ele vê e que não há nenhuma força motora atrás de si”. Lord<br />

K elvin: “A idéia ateísta não é disparatada”. J. G. Paton, Life, 2.191 - “A perfuração<br />

de um poço na ilha de Aniwa convence o chefe canibal Namakei de que<br />

Yahweh Deus, o Invisível, existe.<br />

b) Bowne, Review of Herbert Spencer, 231-247 - “A lei não é uma causa;<br />

é um método. O homem não pode apresentar o próprio fato a ser explicado<br />

como razão suficiente”. M artineau, Essays, 1.144 - “Damasco padronizado,<br />

não feito pelo tecelão, mas pelo tear”? Dr. Stevenson: “A casa não requer<br />

nenhum arquiteto porque é construída por especialistas em pedras e por carpinteiros”?<br />

J oseph C ook: “A lei natural sem Deus não é mais do que uma luva<br />

sem mão e tudo que se faz com a mão de Deus calçada na natureza, não é a<br />

luva que faz, mas a mão. A evolução não é uma força; é um processo; não é<br />

uma operatória, mas um método de operação. Um livro não é escrito pelas<br />

leis de soletração e da gramática mas de acordo com tais leis. Do mesmo<br />

modo, as leis do calor, da eletricidade, da gravitação, da evolução não escrevem<br />

o livro do universo, mas este é escrito de conformidade com tais leis”.<br />

G. F. W right, Ant. and Orig. of Hum. Race, lecture IX - “A evolução não pode<br />

fornecer evidência que afaste da natureza o desígnio. Ela pode retrocedê-lo<br />

a um ponto mais remoto da entrada, aumentando a nossa admiração na<br />

força do Criador no cumprimento dos desígnios ulteriores por processos diferentes”.<br />

A evolução é o método de Deus. Ela se refere ao como, não ao por quê,<br />

dos fenômenos e, por isso, não é inconsistente com o desígnio, porém é a<br />

sua nova e mais elevada ilustração. H enry W ard B eecher: “N o atacado, o<br />

desígnio é maior do que no varejo”. Francês Power C obbe: “É singular o fato<br />

de que, sempre que achamos como se faz uma coisa, nossa primeira conclusão<br />

parece indicar que não foi Deus quem a fez”. Porque iríamos dizer: “Quanto<br />

maior é a lei menor é Deus”? O teísta faz referência aos fenômenos como<br />

uma causa que se conhece por si mesma e sabe-se o que ela está fazendo;


1 2 6 Augustus Hopkins Strong<br />

o ateísta faz referência a eles como uma força de que nada se conhece e não<br />

se sabe o que ela está fazendo (B o w n e ). G e o r g e J o h n R o m a n e s dizia que, se<br />

Deus fosse imanente, todas as causas naturais deveriam parecer mecânicas<br />

e não há argumento nenhum contra a origem divina que prove que se devem<br />

a causa natural: “As causas na natureza não tornam óbvia a necessidade de<br />

uma causa nela”. S h a l e r , Interpretation of Nature, 47 - A evolução mostra<br />

que a direção dos negócios está sob o controle de algo como a nossa inteligência:<br />

“A evolução soletra o propósito”. C l a r k e , Christ. Theology, 105 -<br />

“A moderna doutrina da evolução tem despertado a existência de inúmeros<br />

fins dentro do universo, mas não o grande fim em favor do próprio universo”.<br />

H u x l e y, Criquitiques and Addresses, 274,275,307 - “Os pontos de vista teleo-<br />

lógico e mecânico do universo não são mutuamente excludentes”. S ir W illiam<br />

H a m il t o n , Metaphysics: “A inteligência se põe em primeiro lugar na ordem da<br />

existência. As causas finais precedem as causas eficientes”.<br />

b) A prem issa m enor expressa um princípio operante de toda a ciência, a<br />

saber, que todas as coisas têm o seu uso, que a ordem perm eia o universo e que<br />

os métodos da natureza são racionais. Evidências disto aparecem na correlação<br />

dos elementos químicos uns com os outros; na adequação do mundo inanimado<br />

que é a base e suporte da vida; nas formas típicas e na unidade do<br />

plano que aparece na criação orgânica; na existência e cooperação das leis<br />

naturais; na ordem cósm ica e compensações.<br />

Esta premissa m enor não é invalidada pelas seguintes objeções: d) Que<br />

freqüentem ente entendemos mal o fim na verdade submetido pelos eventos<br />

naturais e objetos; pois o princípio não é que conhecem os necessariamente o<br />

verdadeiro fim, mas que necessariamente cremos que há um certo fim em<br />

cada caso da ordem e colocação sistemáticas, b) Que a ordem do universo é<br />

m anifestamente imperfeita; pois, se isto fosse aceito, argumentaríamos, não a<br />

ausência da invenção, um certo tipo de razão da imperfeição, ou nas limitações<br />

da própria inteligência inventora, ou na natureza do fim que se procura<br />

(como, por exemplo, a correspondência com o estado moral e provação dos<br />

pecadores).<br />

As evidências de ordem e colocação útil encontram-se tanto na indefinidamente<br />

pequena como na indefinidamente grande. As moléculas são artigos<br />

manufaturados; e as compensações do sistema solar que guarnecem<br />

aquele achatamento da órbita terrestre resultarão num arredondamento dessa<br />

mesma órbita, como mostra uma inteligência bem mais transcendente que<br />

a nossa; i/e rC o o K E , Religion and Chemistry, and Credentials of Sciense, 23 -<br />

“O belo é a harmonia das relações que a perfeita adequação produz; a lei é o<br />

princípio prevalecente que sustenta essa harmonia. Por isso, tanto o belo<br />

como a lei implicam desígnio. A partir da energia, da adequação do belo, da<br />

ordem, do sacrifício, demonstramos o poder, a habilidade, a perfeição, a lei, e<br />

o amor numa Inteligência Suprema. O cristianismo implica desígnio e é a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 2 7<br />

complementação do seu argumento”. P fle id e r e r , Philos. Religion, 1.16 8 - “Uma<br />

boa definição do belo é a intencionalidade imanente, o cenário teieoiógico da<br />

realidade ideal, o brilho da Idéia através dos fenômenos”.<br />

B o w n e , Philos. of Theism, 85 - “O desígnio nunca é casual. Ele é apenas<br />

ideal e a sua realização demanda uma causa eficiente. Se o gelo não deve<br />

afundar existe alguma estrutura molecular que faça o seu volume maior que o<br />

de um peso igual ao da água”. J a c k s o n , Theodore Parker, 355 - “Os órgãos<br />

rudimentares são como as letras mudas em muitas palavras: ambos testemunham<br />

uma história passada; e há uma inteligência na sua preservação”.<br />

Diman, Theistic Argument: “Observamos não somente a mudança no mundo,<br />

que é a base do Argumento Cosmológico, mas percebemos que tal mudança<br />

age de acordo com uma regra fixa e invariável; na natureza inorgânica, na<br />

ordem geral, ou na regularidade; na ordem orgânica, especial ou na adaptação".<br />

B o w n e , Review of H. Spencer, 113-115, 224-230: “A ciência indutiva se<br />

apoia no postulado de que o racional e o natural são um”. K a n t : “O anatomista<br />

deve admitir que nada no homem existe em vão”.<br />

a) É fruto do desígnio que os rios sempre cortam grandes cidades? que as<br />

cidades são sempre fundadas em centros de jogatina? As plantas são feitas<br />

em benefício do homem e o homem em benefício dos vermes? V o lta ir e:<br />

“Os narizes são feitos para os óculos - vamos usá-los”! Pope: “Enquanto o<br />

homem exclama ‘tudo existe para o meu uso’, retruca o venturoso néscio: ‘em<br />

meu benefício’”. Não se colhem as cerejas no frio do inverno quando não têm<br />

bom sabor e as uvas no calor do verão quando o vinho novo se transforma<br />

em vinagre? A natureza divide os melões em seções por conveniência ao<br />

serem saboreados pela família? A corticeira é feita para arrolhar as garrafas?<br />

A criança a quem se perguntou por que existe sal no oceano, respondeu que<br />

isto se deve à existência do bacalhau, confundindo a causa final com a causa<br />

eficiente. O professor pergunta: “Que são marsupiais”? O aluno responde:<br />

“São animais que têm bolsas”. “Para quê?”, pergunta o professor. Resposta<br />

do aluno: “Para esconder-se dentro dela quando perseguidos”. Por que<br />

os dias são mais longos no verão do que no inverno? Porque esta é a propriedade<br />

de todos objetos naturais: alongarem-se sob a influência do calor.<br />

Um professor da cidade de Hiena ensinava que os médicos não existem por<br />

causa da doença, mas as doenças é que existem para que possa haver médicos.<br />

K epler era um quixotesco astrônomo. Discutia as reivindicações de onze<br />

diferentes donzelas de se tornarem a sua segunda esposa e comparava os<br />

planetas a animais correndo pelo céu. Muitas das objeções ao desígnio surgem<br />

da confusão de uma parte da criação com o todo ou uma estrutura no<br />

processo de desenvolvimento com uma estrutura completa.<br />

b) A lp h o n s e d e C a s t il e ofendeu-se com o sistema ptolomaico e insinuou<br />

que, se ele tivesse sido consultado na criação, teria sugerido progressos mais<br />

valiosos. L a n g e , em sua History of Materialism, ilustra alguns dos métodos da<br />

natureza com milhões de barris de armas atirando em todas direções para<br />

matar apenas uma lebre; comprando dez mil chaves ao acaso para entrar<br />

num compartimento fechado; edificando uma cidade para obter uma casa.<br />

Não é um exagero o gelo que cobre os pólos? O ataque à natureza de J ohn<br />

S t u a r t M ill em sua obra póstuma, Essays on Religion, 29 - “A natureza fere<br />

o homem, quebra-o como se sobre uma roda o lançasse para ser devorado


1 2 8 Augustus Hopkins Strong<br />

pelos animais selvagens, esmaga-o com pedras como o primeiro mártir cristão,<br />

mata-o de fome, congela-o com o frio, envenena-o com a rápida ou lenta<br />

peçonha das suas exalações e centenas de outras terríveis mortes, tais como<br />

a engenhosa crueldade jamais ultrapassada por N á b is ou por D o m ic ia n o ” .<br />

A doutrina da evolução responde muitas destas objeções, mostrando que<br />

a ordem e a colocação útil no sistema como um todo é necessária e adquirida<br />

ao baixo preço pela imperfeição e sofrimento nos estágios iniciais de desenvolvimento.<br />

Impõe-se a pergunta: O sistema como um todo implica um desígnio?<br />

Minha opinião é que não há nenhum valor quanto a utilidade de uma complicada<br />

máquina para cujo propósito eu ignoro. Se eu me posto no começo de<br />

uma estrada e não sei aonde ela me conduz, presumo que ela assinale um<br />

destino mais direto. B o w n e , Philos. of Theism, 20-22 - “Para contrabalançar<br />

as impressões que a aparente desordem e a imoralidade operam em nós,<br />

temos de admitir que o universo, em sua raiz, não é apenas racional e bom.<br />

Isto é fé, mas um ato do qual depende toda a vida moral”. Metaphysics, 165 -<br />

“O mesmo argumento que nega a mente na natureza nega a mente no homem”.<br />

F is h e r , Nat. And Meth. of Re v., 2 6 4 - “Há cinqüenta anos, quando o guindaste<br />

tocou o topo da torre da Catedral de Colônia, ainda por terminar, não havia<br />

evidência nenhuma do desígnio da estrutura toda”? Embora aceitemos que,<br />

enquanto não podemos com J o h n S t u a r t M ill explicar as imperfeições do<br />

universo por quaisquer limitações da Inteligência que a planejou, não nos<br />

dispomos a considerá-las como se pretendessem corresponder ao estado<br />

moral e provação dos pecadores que Deus previu e proveu para a criação.<br />

2. Defeitos do Argumento Teleológico<br />

Estes se ligam não às premissas, mas à conclusão que se busca tirar delas.<br />

d) O argumento não pode provar um Deus pessoal. A ordem e colocações<br />

úteis do universo só podem ser os mutantes fenômenos de um a inteligência e<br />

vontade pessoais, como supõe o panteísmo. A finalidade só pode ser a ima-<br />

nente.<br />

Existe uma coisa que se chama finalidade imanente e inconsciente. O espírito<br />

nacional, sem o propósito estabelecido, constrói a língua. A abelha trabalha<br />

inconscientemente para os seus fins. Estráton de Lâmpsaco considerava<br />

o mundo como um grande animal. Neander: “A obra divina parte de dentro<br />

para fora”. J o h n F is k e : “O argumento do relógio tem sido superado pelo da<br />

flor”. Iv e r a c h , Theism, 91 - “O efeito da evolução tem sido somente o de transferir<br />

a causa da mera influência externa operando de fora para um princípio<br />

racional imanente”. M a r t in e a u , Study, 1.349,350 - “De modo nenhum o teís-<br />

mo comprometeu a doutrina de um Deus exterior ao mundo ... nem a inteligência<br />

requer, para alcançar seu objetivo, que se exteriorize”.<br />

N ew m an S m y t h , Place of Death, 62-80 - “O universo existe em alguma<br />

Inteligência toda permeável. Suponha que você possa ver um pequeno monte<br />

de tijolos, fragmentos de metal, e pedaços de argamassa, formando-se<br />

gradualmente nas paredes e estrutura interna do edifício, acrescentando-se


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 2 9<br />

o material necessário à medida que a obra avança e, por fim, apresentando<br />

em seu acabamento uma fábrica mobiliada com máquinas variadas e bem<br />

trabalhadas. Ou uma locomotiva contendo um processo de auto-reparo para<br />

compensar o desgaste, aumentando o seu tamanho, soltando de si, com relativa<br />

freqüência, pedaços de latão ou de ferro dotados de capacidade de<br />

desenvolver-se passo a passo em outras locomotivas capazes de correr e<br />

reproduzir-se, por sua vez, em novas locomotivas”. Do mesmo modo, a natureza,<br />

em suas partes separadas, pode parecer mecânica, mas no seu todo<br />

ela é racional. Weismann não “nega a força diretiva”; tal força é “a retaguarda<br />

do mecanismo como sua causa final ... que deve ser teleológica”.<br />

Por serem impressionantes estas evidências da inteligência no universo<br />

como um todo e em número aumentado à luz da evolução, devemos ainda<br />

sustentar que a natureza por si só não pode provar que esta inteligência<br />

é pessoal. Hopkins, Miscellanies, 18-36 - “Até onde existe essa inteligência<br />

impessoal e adaptável na criação irracional, não podemos necessariamente<br />

inferir a partir de leis imutáveis um Deus livre e impessoal”. Ver F is h e r , Super-<br />

natural Origin of Christianity, 576-578. K ant mostra que o argumento não prova<br />

a inteligência independentemente da palavra (Critique, 370). Devemos trazer<br />

a mente ao mundo, se quisermos achá-la nele. Deixe o homem ausente e<br />

a natureza não poderá ser apropriadamente interpretada: a inteligência e a<br />

vontade na natureza podem ainda estar inconscientes. Porém, no caso do<br />

homem, somos obrigados a ter a idéia da inteligência e da vontade na natureza<br />

a partir do mais elevado tipo de inteligência que conhecemos, isto é, a<br />

dele. “Nullus in microcosmo spiritus, nullus in macrocosmo Deus” “Recebemos<br />

apenas o que damos e, na nossa vida, só vive a Natureza”.<br />

Por isso, o Argumento Teleológico necessita de ser suplementado pelo<br />

Antropológico, isto é, da constituição mental e moral do homem. Por si só, ele<br />

não prova a existência de um Criador. Porque a justiça pertence só à pessoa-<br />

lidade, este argumento não pode provar a justiça de Deus. F l in t , Theism, 6 6<br />

- “A força e a inteligência, por si só, não se constituem Deus, embora sejam<br />

infinitas. Um ser pode possuí-las e, se não houver justiça, pode tratar-se de<br />

um diabo”. Vemos aqui novamente a necessidade da sua suplementação pelo<br />

Argumento Antropológico.<br />

b) M esmo que este argumento pudesse provar a pessoalidade na inteligência<br />

e na vontade que originou a ordem do universo, não poderia provar ou a<br />

unidade, ou a eternidade, ou a infinitude de Deus; a unidade - pois as colocações<br />

úteis do universo poderiam ser o resultado da unicidade do conselho, ao<br />

invés de a unicidade da essência, na inteligência inventiva; a eternidade - pois<br />

um demiurgo criado talvez pudesse ter designado o universo; nem a infinitude<br />

- porque todas as marcas da ordem e colocação dentro da nossa observação<br />

simplesmente são finitas.<br />

D iman, Theistic Argument, 114 afirm a que todos os fenôm enos do universo<br />

se devem à m esm a fonte - visto que todos, de igual m odo, estão sujeitos ao<br />

m esm o m étodo de seqüência, p.ex. gravitação - e que a evidência nos aponta


1 3 0 Augustus H opkins Strong<br />

irresistivelmente para alguma causa explicativa. Podemos considerar esta<br />

afirmação somente como um pronunciamento de uma crença primitiva numa<br />

causa primeira, não como a conclusão de uma demonstração lógica porque<br />

conhecemos uma parte infinitesimal do universo. Do ponto de vista de<br />

uma Razão Absoluta, contudo, podemos cordialmente assentir com as palavras<br />

de F. P. P a t t o n : “Quando consideramos a ‘correnteza da tendência’,<br />

o ‘incognoscível de S p e n c e r ’, o ‘mundo da vontade’ de S c h o p e n h a u e r e a elaborada<br />

defesa da finalidade como o produto da inteligência inconsciente de<br />

H a r t m a n n , podemos perguntar se os teístas com a sua crença em um Deus<br />

pessoal não estão de posse da única hipótese que pode salvar a linguagem<br />

destes escritores da acusação de ausência de sentido e de delírio idiota”<br />

(Journ. Christ. Philos, abr. 1883,283-307).<br />

O mundo antigo, que tinha apenas a luz da natureza, cria em muitos deuses.<br />

W illia m J a m e s , Will to Believe, 44 - “Se houver um divino Espírito do<br />

universo, a natureza, tal como a conhecemos, possivelmente não é a última<br />

palavra para o homem. Ou não há um espírito revelado na natureza, ou ele se<br />

revela inadequadamente nela; e (como tem admitido as mais elevadas religiões)<br />

o que chamamos de natureza visível, ou este mundo, deve ser apenas<br />

um véu e uma aparência superficial cujo significado pleno reside num elemento<br />

suplementar invisível, um outro mundo”. B o w n e , Theory of Thougth<br />

and Knowledge, 234 - “Mas a inteligência não é em si mesma um mistério<br />

dos mistérios? ... Sem dúvida, o intelecto é um grande mistério. ... Porém há<br />

uma escolha neles. Alguns mistérios deixam outras coisas claras, e alguns<br />

deixam as deixam tão obscuras e impenetráveis como sempre. Naquele caso<br />

encontra-se o mistério da inteligência. Isto torna possível a compreensão de<br />

todas as coisas exceto ela mesma”.<br />

3. O valor do Argumento Teleológico é sim plesmente este: prova a partir<br />

de suas colocações úteis e exemplos de ordem que claramente tivemos um<br />

começo, ou, em outras palavras, a partir da harm onia do universo, que existe<br />

um a inteligência e um a vontade adequadas ao seu plano. Mas este argumento<br />

não pode garantir-nos se esta inteligência e esta vontade são pessoais ou<br />

impessoais, se o criador ou m oldador é um ou são muitos, se é finito ou infinito,<br />

se eterno ou deve seu ser a outro, se necessário ou livre.<br />

Contudo, nisto damos um passo a frente. O poder causativo que provamos<br />

através do Argumento Cosmológico transform ou-se num a força inteligente e<br />

voluntária.<br />

J o h n S t u a r t M il l, Three Essays on Theism, 168-170 - “No presente estado<br />

do nosso conhecimento, as adaptações da natureza fornecem um grande<br />

balanço da probabilidade em favor da causa através da inteligência”. L ad d<br />

sustenta que, sempre que um ser age sobre o seu semelhante, cada um sofre<br />

mudanças de estado que pertencem à sua própria natureza sob certas circunstâncias.<br />

A ação de um corpo sobre o outro nunca consiste em transferir o<br />

estado de um para o outro. Por isso não há mais dificuldade nos seres que


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 131<br />

são díspares agirem sobre um outro do que em seres semelhantes. Não transferimos<br />

idéias para outras mentes, - apenas despertamo-las para que desenvolvam<br />

as suas próprias. Do mesmo modo a força não é positivamente trans-<br />

ferível. B o w n e , Philos. of Theism, 49, começa com “a concepção das coisas<br />

que interagem segundo a lei e formam um sistema inteligível. Não se pode<br />

construir tal sistema através do pensamento sem que se suponha que um ser<br />

unitário é a realidade fundamental do sistema. 53 - Nenhuma passagem de<br />

influências ou forças terá valor para cobrir a lacuna, quando as coisas são<br />

consideradas independentes. 5 6 - 0 próprio sistema não pode explicar esta<br />

interação porque o sistema é formado apenas dos seus membros. Neles deve<br />

haver algum ser que é a realidade deles e de que em certo sentido são fases<br />

e manifestações. A saber, há um monismo fundamental”. Substancialmente<br />

este é o ponto de vista de L o t z e . F a l c k e n b e r g , Geschichte der neueren Philo-<br />

sophie, 454, mostra como o ponto de vista de L o tz e de que a sua suposição<br />

da unidade monística e continuidade não explicam como a mudança de condição,<br />

como a equiparação e compensação seguem a mudança de estado de<br />

qualquer coisa. L o t z e explica esta realidade através da concepção ética de<br />

uma Pessoa de total extensão.<br />

m . ARGUMENTO ANTROPOLÓGICO<br />

Este é um argumento da condição m oral e m ental do homem para com a<br />

existência de um Autor, Legislador e um Fim. As vezes é chamado de Argumento<br />

Moral.<br />

O título comum “Argumento Moral” é demasiadamente limitado, porque<br />

parece levar em conta apenas a consciência do homem, enquanto o argumento<br />

que este título tão imperfeitamente designa, na verdade, procede da<br />

natureza intelectual do homem do mesmo modo que a moral. Ao escolher a<br />

designação que adotamos, desejamos, contudo, resgatar do simples termo<br />

médico “Antropologia” - um termo a que ele atribuiu uma significação muito<br />

limitada e que, ao empregá-lo, implica que o homem é somente um animal,<br />

para o qual a Antropologia é apenas o estudo de Ia bête humaine. A Antropologia<br />

não é somente a ciência da natureza física do homem, sua origem, e<br />

relacionamentos, mas também a que trata do seu mais elevado ser espiritual.<br />

Por isso, em Teologia, o termo Antropologia designa a divisão da matéria que<br />

trata da natureza espiritual e seus dotes, seu estado original e subseqüente<br />

apostasia. Por isso, como argumento a partir da natureza mental e moral do<br />

homem, podemos, com perfeita propriedade, chamar o presente argumento<br />

de Antropológico.<br />

É um argumento complexo e pode dividir-se em três partes.<br />

1. A natureza intelectual e moral do homem deve ter tido como seu autor um<br />

Ser intelectual e moral. Os elementos da prova são os seguintes: a) O homem,<br />

como ser intelectual e moral, teve um com eço no planeta, b) As forças mate­


1 3 2 Augustus Hopkins Strong<br />

riais e inconscientes não fornecem causa suficiente para a consciência, razão<br />

e vontade livre do homem, c) O homem, como um efeito, pode referir-se a<br />

um a causa possuidora de natureza autoconsciente e moral, em outras palavras,<br />

pessoalidade.<br />

Este argumento é parte de uma aplicação dos princípios tanto do Argumento<br />

Cosmológico como do Teleológico ao homem. F lin t, Theism, 74 - “Embora<br />

a causalidade não envolva o desígnio, nem o desígnio a bondade, contudo<br />

este envolve a causalidade, e a bondade envolve tanto a causalidade como o<br />

desígnio”. J a c o b i: “A natureza oculta Deus; o homem o revela”.<br />

O homem é um efeito. A História das eras geológicas prova que o homem<br />

nem sempre existiu e, mesmo que as criaturas inferiores fossem seus proge-<br />

nitores, seu intelecto e liberdade não são eternos a parte ante. Consideramos<br />

o homem não como um ser físico, mas espiritual. T h o m p s o n , Christian Theism,<br />

75 - “Toda a verdadeira causa deve ser suficiente para explicar o efeito”.<br />

L o c k e , Essays, book 4, cap. 10 - “A inteligência que cogita não pode ser<br />

produzida a partir da que não o faz”.<br />

Ainda que o homem tivesse sempre existido, não precisaríamos abandonar<br />

o argumento. Deveríamos partir, não do começo da existência, mas do<br />

começo dos fenômenos. Eu poderia ver Deus no mundo, do mesmo modo<br />

que vejo o pensamento, a vontade, no meu companheiro. F u l l e r t o n, Plain<br />

Argument for God: Eu não infiro a respeito de você, como a causa da existência<br />

do seu corpo: Reconheço que você está presente e operante através do<br />

seu corpo. As mudanças que ele apresenta no gesto e na fala revelam uma<br />

pessoalidade através deles. Deste modo não preciso argumentar sobre um<br />

Ser que outrora causou a natureza e a história; reconheço um Ser presente,<br />

exercendo sabedoria e poder, através de sinais tais que revelam pessoalidade<br />

no homem. A natureza é por si mesma o Relojoeiro manifestando-se no<br />

próprio processo da feitura do relógio. Este é o sentido do nobre Epílogo à<br />

Dramatis Personae de R o b e r t B r o w n in g , 252 - “Aquele rosto, longe de desvanecer-se,<br />

desenvolve-se, Ou decompõe-se, mas recompõe-se, Torna-se o<br />

meu universo que sente e conhece”. “Esse é o Rosto de Cristo; é assim que<br />

eu o sinto”. A natureza é expressão da mente e da vontade de Cristo, do<br />

mesmo modo que o meu rosto o é da minha mente e da minha vontade.<br />

Porém em ambos os casos, formando a retaguarda e cobrindo o rosto,<br />

acha-se uma pessoalidade da qual este é apenas a expressão parcial e temporária.<br />

B o w n e , Philos. Theism, 10 4 ,10 7 - “Os meus companheiros agem como se<br />

tivessem pensamento, sentimento e vontade. Assim a natureza olha como<br />

se o pensamento, o sentimento e a vontade servissem de sua retaguarda.<br />

Se negarmos a mente na natureza, devemos negá-la no homem. Contudo, se<br />

não existir uma mente controladora na natureza, também não pode existir no<br />

homem porque, se o poder básico é cego e necessário, então tudo depende<br />

também do que é necessitado”. L e C o n t e , em Royce’s Conception of God, 44<br />

- “Só existe um lugar no mundo onde podemos adquirir os fenômenos físicos,<br />

sob o véu da matéria, a saber, o nosso cérebro e nele encontramos o eu, a<br />

pessoa. Não será razoável que, se pudermos adquiri-lo sob o véu da natureza,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 3 3<br />

do mesmo modo achemos uma Pessoa? Porém a admitir-se isto, podemos<br />

deduzir uma Pessoa infinita e, portanto, a única Pessoalidade completa que<br />

existe. A pessoalidade perfeita não é apenas a consciência própria, mas a<br />

existência própria. Elas são apenas imagens imperfeitas, como se fossem<br />

fragmentos separados da Pessoalidade infinita de Deus”.<br />

Personalidade = consciência própria + determinação própria com vista a<br />

fins morais. O bruto tem inteligência e vontade, mas nem tem percepção própria,<br />

nem consciência, nem vontade livre. D im a n , Theistic Argument, 91,251 -<br />

“Suponha que ‘as intuições da faculdade moral sejam resultados da experiência<br />

recebida da raça lentamente organizados’; ainda, tendo achado que o<br />

universo oferece evidência de uma causa supremamente inteligente, podemos<br />

crer que a natureza moral do homem oferece a mais elevada ilustração<br />

do seu modo de operar”; 358 - “Explicaremos as formas inferiores da vontade<br />

pelas mais elevadas, ou as mais elevadas pelas inferiores”?<br />

2. A natureza m oral do hom em prova a existência de um Legislador e juiz<br />

santo. Os elem entos da prova são: d) A consciência reconhece a existência de<br />

um a lei m oral que tem autoridade suprema, b) Os sentimentos de abandono do<br />

mal e temores do julgamento são conseqüências das conhecidas violações desta<br />

lei moral, c) Porque esta lei moral não é auto-im posta e porque as ameaças de<br />

julgam ento não são auto-executadas defendem respectivam ente a existência<br />

de um a vontade santa que impôs a lei e do poder punitivo que executará as<br />

ameaças da natureza moral.<br />

Ver, do B is p o B u t l e r , Sermons on Human Nature, in Works, Bohn’s ed,<br />

385-414. A grande descoberta de Butler é a da consciência na constituição<br />

moral do homem: “Se ela tivesse a mesma força que a justiça, se tivesse o<br />

mesmo poder com que manifesta a autoridade, governaria o mundo de um<br />

modo absoluto”. Consciência = justiça moral da alma - sem lei, sem policiamento,<br />

mas com juiz; ver abaixo Antrologia. D im a n , Theistic Argument, 251 -<br />

“A consciência não depõe uma lei; adverte-nos da sua existência; e não só da<br />

lei, mas do propósito - não nosso, mas dos outros, missão a ser realizada”.<br />

Ver M u r p h y , Scientific Bases of Faith, 218, seg. Isto prova a pessoalidade do<br />

Legislador porque os seus pronunciamentos não são abstratos, como os da<br />

razão, mas encontram-se na natureza do mandamento; eles não estão no<br />

modo indicativo, mas no imperativo; o mandamento diz: “farás”, ou “não farás”.<br />

Isto convence a vontade.<br />

H u t t o n , Essays, 1.11 - “A consciência é um Moisés ideal, e os trovões de<br />

um Sinai invisível”; o ateu não considera a consciência como clarabóia, aberta<br />

para penetrar na natureza humana uma infinita aurora vinda do alto, mas<br />

como um arco polido ou domo, completando e refletindo todo o edifício<br />

embaixo”. Porém a consciência não pode ser um simples reflexo e expressão<br />

da natureza, pois ela reprime e condena-a. T u l l o c k , Theism: “Como a agulha<br />

magnética, a consciência indica a existência de uma Força desconhecida que,<br />

de longe, controla suas vibrações e treme diante da sua presença”. Nero passa<br />

noites de terror vagando pelos salões da sua Casa Dourada. K a n t sustenta


1 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

que a fé no dever requer fé num Deus que defenderá e galardoará o dever -<br />

ver Crítica da Razão Pura, 359-387.<br />

Kant, em sua Metafísica da Ética, representa a ação da consciência com o<br />

“conduzindo um processo perante a corte” e acrescenta: “Agora que ele é<br />

acusado diante da sua consciência seria absurdo im aginar que seja justo a<br />

própria pessoa exercer a função de ju iz no tribunal; em tal circunstância, o<br />

acusador sem pre perderia a sua causa. Por isso a consciência deve repre­<br />

sen tar para si sem pre um a outra pessoa com o Juiz, a não ser que pretenda<br />

entrar em contradição consigo m esm a”. Ver tam bém Crítica da Razão Prática,<br />

W erke, 8.214 - “Dever, sublim e e poderoso nom e, que nada tens em ti<br />

que atraia ou lucre, porém a m ais de safia do ra subm issão; e ainda não am eaças<br />

dirigir a vontade através daquilo que pode despertar o terror natural ou<br />

aversão, m as som ente divagar sobre a Lei; a Lei, que por si m esm a descobre<br />

entrada na m ente e m esm o quando nós desobedecem os, contra a nossa v ontade<br />

com pele-nos à reverência, um a Lei em cuja presença todas inclinações<br />

se tornam m ais surdas, m esm o quando se tornam ocultam ente rebeldes; que<br />

origem existe que seja digna de ti? O nde podes encontrar a raiz da tua nobre<br />

descendência, que orgulhosam ente rejeitas todo o reinado com as inclinações?<br />

O Arcebispo Temple responde em suas Bampton Lect., 58,59, “ Esta Lei<br />

eterna é o próprio Eterno, o Deus O nipotente” . R o b e rt B r o w n in g : “ Dentro de<br />

mim o senso de que eu tenho um débito G arante-m e - Em algum lugar deve<br />

haver A lguém , pronto a cum prir o seu dever. T udo se volta para o seguinte:<br />

O nde há o dever existe a conseqüente aceitação: procura A quele que aceita<br />

o dever” .<br />

S alter, Ethicai Religion, citada no artigo de P fleiderer sobre M oralidade<br />

sem Religião, Am. Jour. Theol., 3.237 - “A terra e as estrelas não criam a lei<br />

da gravidade a que elas obedecem ; nem o hom em , ou os exércitos dos seres<br />

racionais no universo unidos, criam a lei do dever”. A vontade expressa no<br />

im perativo m oral é superiora nossa porque doutra form a não haveria ordens.<br />

C ontudo ela é uma com a nossa com o a vid a de um organism o está unida à<br />

dos seus m em bros. A teonom ia não é heteronom ia, m as a m ais elevada autonom<br />

ia, a garantia da nossa liberdade pessoal contra tod a a servidão hum ana.<br />

S êneca: “ Deo parere libertas est” (A liberdade se parece com Deus). K n ig h t,<br />

Essays in Philosophy, 272 - “Na consciência vem os um ‘alter e g o’, em nós<br />

em bora não de nós, m as outra P essoalidade apoiando-nos”. M artineau, Types,<br />

2.105 - “Só um a pessoa pode ter autoridade sobre outra pessoa. ... Um ser<br />

solitário sem natureza sensível no universo não sentiria nenhum dever” ; 1.26<br />

- “Com o a P ercepção nos dá a V ontade na form a de Causalidade contra nós<br />

no Non-Ego, do m esm o m odo a C onsciência nos dá a V ontade na form a de<br />

Autoridade em oposição com pleta a nós n e le .... 2.7 - “ Não podem os deduzir<br />

os fenôm enos do caráter a partir de um agente que nada possui” . Hutton,<br />

Essays, 1.41,42 - “Q uando desobedecem os à consciência, a Força interna<br />

deixou de mover-nos; retirou-se apenas para observar- vigiar com o nos m ol­<br />

dam os a nós m esm os”. C ardeal N ewman, Apology, 377 - “Se não fosse pela<br />

voz que tão claram ente fala à m inha consciência e ao m eu coração, eu seria<br />

um ateu ou um panteísta, ou um politeísta ao exam inar cuidadosam ente o<br />

m undo”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 135<br />

3. A natureza emotiva e voluntária do homem prova a existência de um ser<br />

: _e pode fornecer em si um objeto satisfatório do sentimento humano e de um<br />

fim que manifestará as mais elevadas atividades do homem e garantirá o seu<br />

~_is elevado progresso.<br />

Só um ser que possui poder, sabedoria, santidade e bondade e tudo isto<br />

infinitamente maior do que conhecemos na terra pode atender a demanda da<br />

alma humana. Não há dúvida de que tal ser existe. Caso contrário, não seria<br />

suprida a maior necessidade do homem e a crença em uma mentira seria mais<br />

produtiva virtude do que a crença na verdade.<br />

Feuerbach cham a Deus “o reflexo do pró prio hom em arru in a d o ” ; “a consciê<br />

ncia de Deus = a co n sciê n cia de si m esm o” ; “a religião é um sonho da<br />

alm a hum ana” ; “a teo log ia toda é um a a n tro p o lo g ia ” ; “o hom em fez Deus à<br />

sua im a ge m ” . Porém a co n sciê n cia m ostra que o hom em não reconhece em<br />

Deus apenas um seu sem elhante, m as tam bé m o seu antagônico. Não com o<br />

G aleno: P iedade = co n sciê n cia + in s ta b ilid a d e ” . As m ais refinadas m entes<br />

são as do tipo debilitado; ver A gostinho, Confessions, 1.1 - “Tu nos fizeste<br />

para ti, e o meu coração não tem repouso enquanto não descansa em ti” . Sobre<br />

John S tu a r t M ill - “um a m ente que não pôde ach ar Deus e um a m ente que<br />

não pôde agir sem D eus” . Comte, em seus últim os dias, construiu um o b je ­<br />

to de ad ora ção na H um anidade U niversal e in ventou um ritual que H uxle y<br />

ch a m a “ C a to lic is m o minus C ris tia n is m o ” . Ver ta m b é m T y n d a l l , Belfast<br />

Address: “Se eu não cresse, dizia-m e certa oca siã o um grande hom em , que<br />

existe um a Inteligê ncia no cerne das coisas, m in ha vid a na terra seria intole<br />

rá ve l” .<br />

A última linha do Peregrino de S c h ille r diz: “Und das Dort ist niemals Hier<br />

(“O ali nunca está aqui”). O finito nunca satisfaz. T e n n y s o n , Tw o Voices\ “Eis a<br />

vida de que os nossos nervos são escassos, Oh vida, não morte, por cuja<br />

causa ofegamos; Mais vida, mais completa eu quero”. S e th , Ethical Principies,<br />

419 - “Um universo moral, um Ser moral absoluto, é o ambiente indispensável<br />

da vida ética, sem o qual não pode atingir o desenvolvimento perfeito.<br />

... Há um Deus moral, ou isto não é universo". Jam es, Will to Believe, 116 —<br />

“Deus é o mais adequado objeto possível das mentes estruturadas como a<br />

nossa para conceber como enganosa a raiz do universo. Qualquer coisa sem<br />

muito de Deus não é um objeto racional, qualquer coisa mais do que Deus<br />

não é possível, se o homem não necessita de um objeto de conhecimento,<br />

sentimento e vontade”.<br />

Romanes, Thoughts on Religion, 41 - “Falar da R eligião do incognoscível,<br />

Religião do C osm ism o, a Religião da Hum anidade, em que não se reconhece<br />

a pessoalidade da P rim eira C ausa não tem sentido do m esm o m odo que falar<br />

do am or de um triângulo ou da racionalidade do equador” . Dizia-se que, no<br />

sistem a de C omte, “derram ando-se o vinho da presença real, pedia-se que<br />

adorássem os a taça vazia” . “Q uerem os um objeto de devoção e C omte nos<br />

brinda com espelho” (M artineau). H uxley dizia que ele adoraria a selvageria<br />

dos m acacos logo que a dos positivistas racionalizassem o conceito de hum a­


1 3 6 Augustus Hopkins Strong<br />

nidade. Trata-se apenas da humanidade ideal, seu elemento divino que pode<br />

ser adorado. Uma vez concebido isto, não podemos nos satisfazer enquanto<br />

isto não se realize em algum lugar ou em alguém, como em Jesus Cristo.<br />

U p t o n , Hibbert Lectures, 265-272 - H u x le y crê que a evolução é “um processo<br />

lógico materializado”; que nada permanece exceto o fluxo de energia e<br />

“a ordem racional o permeia”; Na sua primeira parte deste processo, a natureza,<br />

não existe moralidade nem benevolência. Mas o processo termina com a<br />

produção do homem, que pode ser a causa daquele apenas utilizando a guerra<br />

moral contra as forças naturais que o impelem. Ele deve ser benévolo e<br />

justo. Não diremos nós, em que pese o ponto de vista do Sr. H u x l e y, que isto<br />

deixa claro em que consiste a natureza do sistema e que deve existir um Ser<br />

benévolo e justo que a põe em ordem? M a r t in e a u , Seat of Authority, 63-68 -<br />

“Embora se conheça a autoridade do mais elevado incentivo, ela não pode<br />

ser criada; por enquanto ela está em mim e acima de mim. ... A autoridade a<br />

que a consciência me introduz, embora emergindo na consciência, é objetiva<br />

em todos nós e necessariamente se refere à natureza das coisas independentemente<br />

dos acidentes da nossa constituição. Ela não depende de nós, é<br />

independente. Todas as mentes nascidas no universo são introduzidas à presença<br />

de uma justiça real, tão certamente como numa cena de um espaço<br />

real. A percepção revela um outro ser além de nós mesmos; a consciência<br />

revela um mais elevado que nós mesmos”.<br />

Contudo, livremente devemos admitir que este argumento a partir das<br />

aspirações do homem só tem peso se supusermos que existe um Deus sábio,<br />

verdadeiro, santo e benévolo, que constituiu as nossas mentes para que<br />

o seu pensamento e sentimentos correspondam à verdade e a ele mesmo.<br />

Um ímpio poderia ter-nos constituído tal lógica que nos induziria ao erro.<br />

Por isso, o argumento é o desenvolvimento e expressão da nossa idéia de<br />

Deus. L u t h a r d , Fundamental Truths: “A natureza é como um documento<br />

escrito contendo apenas consoantes. Nós é que devemos fornecer as vogais<br />

que o decifrarão. A não ser que portemos conosco a idéia de Deus, a natureza<br />

mostrar-se-nos-á apenas muda”.<br />

d) Defeitos do Argumento Antropológico', a) não pode provar um criador<br />

do universo material, b) Não pode provar a infinitude de Deus. c) Não pode<br />

provar a misericórdia de Deus. Mas<br />

b) O valor do Argumento é que ele nos assegura da existência de um ser<br />

pessoal, que nos dirige em justiça e que é o próprio objeto do sentimento<br />

supremo e serviço. M as se este Ser é o criador original de todas as coisas, ou<br />

simplesmente o autor da nossa existência, quer seja ele infinito ou finito, quer<br />

seja ele um Ser de simples justiça ou tam bém de misericórdia, este argumento<br />

não nos garante.<br />

Entre os argumentos da existência de Deus, contudo, atribuímos a este o<br />

lugar principal, visto que ele acrescenta às idéias de poder causativo (que<br />

derivamos do Argumento Cosmológico) e da inteligência criativa (que deri-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

'• amos do Argumento Teleológico), as bem mais amplas idéias de pessoalidade<br />

e justo senhorio.<br />

S ir W illia m H a m il t o n , Works of Reid, 2 .9 7 4 , n o ta U ; Lectures on Metaph.,<br />

1.33 - “Os únicos argumentos válidos da existência de Deus e da imortalidade<br />

da alma encontram-se na natureza moral do homem”; “a teologia depende<br />

inteiramente da psicologia, pois, com a prova da natureza moral do homem<br />

permanece em pé ou cai a da existência de Deus”. Porém D im a n , Theistic<br />

Argument, 244, muito apropriadamente rebate este argumento a partir da<br />

natureza do homem como única prova da divindade: “Seria mais adequado<br />

mostrar os atributos do Ser cuja existência já tem sido provada a partir de<br />

outras fontes”; “por isso o Argumento Antropológico depende tanto do Cos-<br />

mológico e do Teleológico como estes dependem daquele”.<br />

Contudo, o Argumento Antropológico é necessário para suplementar as<br />

conclusões dos dois outros. Aqueles que, como H e r b e r t S p e n c e r , reconhecem<br />

um Ser infinito e absoluto, Poder e Causa, podem ainda deixar de reconhecer<br />

o referido ser como espiritual e pessoal somente porque não reconhecem<br />

a si mesmos como tais, isto é, não reconhecem a razão, a consciência e<br />

a livre vontade do homem. O agnosticismo na filosofia envolve-o na religião.<br />

R. K. E c c l e s : “Todas as línguas mais avançadas escrevem as palavras ‘Deus’<br />

e ‘E u ’ com letra maiúscula”. C o o k , Religion and Chemistry. “Deus é amor;<br />

mas a natureza não pode prová-lo e é para atestá-lo que o Cordeiro foi morto<br />

desde a fundação do mundo”.<br />

Na filosofia, tudo depende do nosso ponto de partida, quer da natureza ou<br />

do eu, quer do elemento necessário quer do livre. Por isso, em certo sentido,<br />

na prática devemos começar com o Argumento Antropológico e, a partir daí<br />

empregar o Cosmológico e o Teleológico para garantir a aplicação das conclusões<br />

que temos tirado do homem para natureza. Como Deus está frente a<br />

frente ao homem na Consciência e diz-lhe: “Tu”; semelhantemente o homem<br />

está com relação a Deus na Natureza e pode dizer-lhe “Tu”. M u lfo r d, Republic<br />

of God, 28 - “Como a pessoalidade do homem tem seu fundamento na pessoalidade<br />

de Deus, assim também a realização da sua própria pessoalidade<br />

pelo homem aproxima-o mais de Deus”.<br />

É muito comum em tais circunstâncias tratar o que se chama os Argumentos<br />

Histórico e Bíblico da existência de Deus - aquele argumentando, a partir<br />

da unidade da história, este a partir da Bíblia; tal unidade deve, em cada<br />

caso, ter a sua causa e explicação na existência de Deus. É uma razão suficiente<br />

para não discutir estes argumentos; sem a prévia crença na existência<br />

de Deus, ninguém verá unidade nem na história, nem na Bíblia. O pintor T urner<br />

expôs um quadro que parecia um nevoeiro e uma nuvem até que ele lhe deu<br />

uma pincelada escarlata. Foi o que bastou para dar-lhe o verdadeiro ponto de<br />

vista e o resto tornou-se inteligível. Deste modo, a vinda de Cristo e o seu<br />

sangue tornaram inteligíveis tanto as Escrituras como a história humana. Ele<br />

ostenta em seu cinto a chave de todos mistérios. Schopenhauer, que não<br />

conhecia a Cristo, não admitia a filosofia da história. Considerava a história<br />

um simples jogo fortuito do capricho do indivíduo. P a s c a l: “Jesus Cristo é o<br />

centro e o objeto de todas as coisas; aquele que não o conhece ignora a<br />

natureza e a si mesmo”.<br />

1 3 7


1 3 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

IV. ARGUMENTO ONTOLÓGICO<br />

Este argumento infere a existência de Deus a partir de idéias abstratas e<br />

necessárias da mente humana. Apresenta-se em três formas:<br />

1. D e S am u el C larke<br />

Espaço e tempo são atributos da substância ou ser. Mas espaço e tempo<br />

são, respectivamente, infinito e eterno. Portanto, deve haver um a substância<br />

infinita e eterna ou Ser a quem pertencem tais atributos.<br />

G illespie apresenta o argumento de um m odo um tanto diferente. Espaço e<br />

tempo são modos de existência. M as eles são respectivam ente infinitos e eternos.<br />

Por isso, certam ente há um ser infinito e eterno que subsiste em tais<br />

modos. Porém replicamos:<br />

Espaço e tempo nem são atributos de substância, nem modos de existência.<br />

Se válido, o argumento provaria que Deus não é mente, mas matéria, pois não<br />

poderia ser mente, mas só matéria, da qual o espaço e o tempo seriam ou<br />

atributos ou modos.<br />

O Argumento Ontológico é chamado freqüentemente de argumento a priorí,<br />

isto é, daquilo que é logicamente anterior, ou mais antigo que a experiência, a<br />

saber, nossas idéias intuitivas. Todas as formas do Argumento Ontológico,<br />

neste sentido, são a príori. Para o ponto de vista contrário ver C a l d e r w o o d ,<br />

Moral Philos., 226 - “Começar, como C l a r k e , com a proposição de que ‘algo<br />

existia desde a eternidade’, é virtualmente propor um argumento depois de<br />

ter admitido o que falta ser provado. A forma do argumento a priorí de G ille s p ie,<br />

partindo da proposição de que ‘a infinitude da extensão existe necessariamente’,<br />

está sujeita à mesma objeção com a desvantagem de atribuir a<br />

Deus uma propriedade da matéria.”<br />

H. B. Smith diz que B r o u g h a m interpretou mal C l a r k e: “O argumento de<br />

C la r k e está na sua sexta proposição e supõe a existência provada daquilo<br />

que vem antes. Seu alvo aqui é estabelecer a infinitude e onipresença deste<br />

Primeiro Ser. Ele não prova a existência a partir da imensidão”. Porém retrucamos<br />

que, ele nem pode provar a infinidade de Deus a partir da imensidão<br />

do espaço. Espaço e tempo não são substâncias nem atributos, mas relações.<br />

A doutrina de que espaço e tempo são atributos ou modos da existência<br />

de Deus tende ao panteísmo materialista como o de Spinosa, que defende<br />

que a “substância una e simples” (substantia una et unica) nos é conhecida<br />

através dos dois atributos: pensamento e extensão; mente = Deus no modo<br />

do pensamento; matéria = Deus no modo da extensão. D o v e , Logic of the<br />

Christian Faith, 127, diz, com propriedade que um Deus extenso é um Deus<br />

material; “espaço e tempo nem são atributos da matéria, nem da mente”;<br />

“devemos ter a idéia moral no mundo natural não a idéia natural no mundo<br />

moral”. H. M. S t a n l e y, on Space and Sciense, in Philos. Rev., Nov. 1898; 615


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 3 9<br />

- “O espaço não é cheio de coisas, m as as coisas são espaçosas. ... Espaço<br />

é um a form a de aparecim ento dinâm ico” . P r o f. C. A. S t r o n g : “O m undo com ­<br />

posto de consciência e outras existências não se encontra no espaço, em bora<br />

possa estar em algo de que o espaço é o s ím bolo” .<br />

2. De Descartes<br />

Temos a idéia de um Ser infinito e perfeito. Esta idéia não pode ser derivada<br />

de coisas imperfeitas e finitas. Portanto, deve haver um Ser infinito e per-<br />

:eito que é a sua causa.<br />

Porém respondemos que este argumento confunde a idéia de infinito com<br />

um a idéia infinita. A idéia que o hom em tem do infinito não é infinita, mas<br />

finita e de um efeito finito não podemos argumentar um a causa infinita.<br />

Esta form a do argum ento O ntológico, conquanto seja a priorí, baseada na<br />

idéia necessária da m ente hum ana é, diferentem ente das outras form as do<br />

m esm o argum ento, a posteríori, raciocinando a pa rtir desta idéia, com o um<br />

efeito, para a existência de um S er que é a sua causa. A rgum ento a posteríori<br />

= daquilo que é m ais tardio para o que é m ais antigo, isto é, do efeito para a<br />

causa. Os A rgum entos C osm ológico, Teleológico e A ntropológico são a pos-<br />

teriori. D este tipo é o de D escartes; ver D escartes, Meditação, 3: Haec idea<br />

quae in nobis est requirit Deum pro causa; D eusque proinde existit” . A idéia<br />

na m ente dos hom ens é a im pressão do nom e do trabalh ador indelevelm ente<br />

estam pada no seu trabalho - a som bra projetada na alm a hum ana pelo Ser<br />

invisível de cuja existência e presença obscuram ente ela nos inform a. Blunt,<br />

Dict. of Theol., 739; Saisset, Pantheism , 1.54 - “ D escartes restringe o fato da<br />

consciência, enquanto Anselmo a concepção ab stra ta” ; “O argum ento de Des­<br />

c a rte s podia ser considerado um ram o do A rgum ento A ntropológico ou Moral,<br />

pelo fato de que este últim o procede da constituição hum ana e não das suas<br />

idéias abstratas” .<br />

3. De A n s e l m o<br />

Temos a idéia de um Ser absolutam ente perfeito. Porém a existência é um<br />

atributo da perfeição. Deve existir um ser absolutam ente perfeito.<br />

Respondemos que este argumento confunde existência ideal com existência<br />

real. Nossas idéias não são a m edida da realidade externa.<br />

A nselmo, Poslogion, 2 - “Id quod m ajus cogitari nequit, non potest esse in<br />

intellectu solo”. A prem issa m aior aqui não é que todas idéias perfeitas im plicam<br />

a existência do objeto que elas representam , porque então, com o Kant<br />

contrapõe, eu poderia argum entar da m inha idéia perfeita de um a nota de<br />

$100 que eu realm ente possuía, o que está longe do fato. Deste m odo eu<br />

tenho um a idéia perfeita de um m au ser, de um centauro, de nada, - m as não


1 4 0 Augustus Hopkins Strong<br />

se segue que o mau ser, o centauro, ou que o nada existe. O argumento é<br />

mais exatamente da idéia do Ser absoluto e perfeito - de “que, não se pode<br />

conceber maior do que ele”. Só pode haver um ser assim como uma só idéia<br />

com esta mesma caraterística.<br />

Contudo, mesmo que se entenda deste modo, não podemos argumentar<br />

a partir desta idéia em favor da existência real de tal ser. C a s e , Physical fíea-<br />

lism, 173 - “Deus não é uma idéia e consequentemente não se pode inferir a<br />

partir de simples idéias”. B o w n e , Philos. Theism, 4 3 - 0 Argumento Ontológico<br />

“apenas assinala que a idéia do perfeito deve incluir a da existência; mas<br />

nada há que mostre que a idéia autoconsistente representa uma realidade<br />

objetiva”. Imagino a serpente do mar, o Jinn das Mil e Uma Noites, “A Antropofagia<br />

e os homens cujas cabeças crescem sob os seus ombros”. O Cavalo<br />

Alado de Uhland tinha todas as virtudes possíveis, mas faltava-lhe só uma, -<br />

não tinha vida. Se cada idéia perfeita implica a realidade do seu objetivo,<br />

pode haver cavalo com dez patas e árvores com raízes no ar.<br />

“O argumento de Anselmo implica”, diz F is h e r , in Journ. Chríst. Philos.,<br />

jan., 1883.114, que a existência in Re. é um elemento constituinte do conceito.<br />

Concluir-se-ia a existência do ser a partir da definição de uma palavra.<br />

Esta inferência só se justifica com base no realismo filosófico”. D o v e ,<br />

Logic ofthe Christ. Faith, 141 - “O Argumento Ontológico é a fórmula algébrica<br />

do universo que conduz a uma conclusão válida sobre a existência<br />

real só quando a enchemos de objetos que conhecemos nos argumentos a<br />

posteríori.<br />

D o r n e r , Glaubenslehre, 1.197, dá-nos a melhor afirmativa do Argumento<br />

Ontológico: “A razão pensa em Deus como existente. Se não fosse a razão,<br />

não se pensaria na existência de Deus. A razão só existe quando se admite<br />

que Deus é”. Porém, evidentemente, isto não é argumento; é uma vivida afirmação<br />

da suposição necessária da existência de uma Razão absoluta que<br />

condiciona e valida a nossa.<br />

Apesar de que esta últim a deve ser considerada a mais perfeita forma do<br />

Argumento Ontológico, é evidente que nos conduz a um a conclusão ideal, não<br />

a um a existência real. Em comum com as duas formas anteriores do argumento,<br />

contudo, admite tacitam ente, com o já existindo na m ente humana, aquele<br />

conhecimento da existência de Deus que derivaria da demonstração lógica.<br />

Tem valor, portanto, para m ostrar o que Deus deve ser, se é que ele existe.<br />

Mas a existência de um Ser infinitam ente grande, Causa pessoal, Criador e<br />

Legislador, tem sido provada nos argumentos anteriores; pois a lei da parcim<br />

ônia requer que apliquemos as conclusões dos três primeiros argumentos<br />

àquele único Ser e não a muitos. A este Ser devemos agora atribuir a infinitude<br />

e a perfeição, idéia na qual se assenta a base do Argumento Ontológico -<br />

não porque são demonstradamente dele, mas porque a nossa constituição mental<br />

não nos perm itirá pensar de outra forma. Assim, revestindo-o de toda a perfeição<br />

que a mente hum ana pode conceber e esta na ilim itada plenitude, temos<br />

aquele que com justiça chamamos Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

M c C o s h , Div. Gov., 12, n o ta - “É neste lugar, se não nos enganamos, que<br />

entra a idéia do infinito. Não se pode provar (como defende K a n t ) que a capacidade<br />

que a mente humana tem de formar tal idéia ou, mais do que isto, sua<br />

crença intuitiva, num Infinito que sente ser-lhe impossível formar um conceito<br />

adequado da existência de um Ser infinito; mas estamos convencidos de que<br />

os meios pelos quais a mente se capacita de revestir a Divindade, mostra-se<br />

existir em outras bases, com os atributos da infinitude, isto é, de ver este ser,<br />

poder, bondade, e todas as suas perfeições como infinitas”. E ven F l in t, Theism,<br />

68, que sustenta que chegamos à existência de Deus por inferência, fala das<br />

“condições necessárias do pensamento e sentimento e aspirações inerradi-<br />

cáveis que nos impõem idéias da existência absoluta, infinitude e perfeição, e<br />

nunca nos permitirão negar estas perfeições a Deus, nem atribuí-las a qualquer<br />

outro ser”. A crença em Deus não é a conclusão de uma demonstração,<br />

mas a solução de um problema. C a l d e r w o o d , Moral Philosophy, 226 - “Ou se<br />

admite a questão toda logo de início, ou não se atinge o infinito”.<br />

C l a r k e, Christian Teoiogy, 97-114, divide a sua prova em duas partes:<br />

I. Evidência da Existência de Deus a partir do ponto partida intelectual: Faz-<br />

se a descoberta da Mente no universo, 1. inteligibilidade do universo para<br />

conosco; 2. através da idéia da causa; 3. através da presença dos fins do<br />

universo. II. Evidência da existência de Deus a partir do elemento religioso:<br />

Faz-se a descoberta do bom Deus, 1. através da natureza religiosa do<br />

homem; 2. através do grande dilema - Deus: o melhor ou o pior; 3. através da<br />

experiência espiritual do homem especialmente no cristianismo. Deste modo,<br />

até onde a prova do D r. C la r k e pretende ser uma afirmativa, não de uma<br />

crença primitiva, mas de um processo lógico, devemos sustentar que ela é<br />

defeituosa, do mesmo modo que as três formas de prova que vimos fornecer<br />

alguma evidência corroborativa da existência de Deus. Por isso D r . C la r k e,<br />

com muita propriedade, acrescenta: A religião não se produz através da prova<br />

da existência de Deus e não será destruída pela sua insuficiência em algumas<br />

mentes. A religião existia antes do argumento; de fato é a preciosidade<br />

da religião que induz a buscar toda a confirmação possível da realidade de<br />

Deus”.<br />

As três formas de provar a existência de Deus já mencionadas - o Argumento<br />

Cosmológico, o Teleológico e o Antropológico - podem ser comparadas<br />

a três arcos de uma ponte sobre um largo e veloz rio. A ponte tem apenas<br />

dois defeitos, mas bem sérios. O primeiro é que não se pode avançar para<br />

ela; a extremidade da borda aquém não existe; não se pode entrar na ponte<br />

do argumento lógico a não ser que se admita a validade dos processos lógicos;<br />

esta suposição tem como certo, de início, a existência de um Deus que<br />

induziu nossas faculdades a agirem corretamente; avançamos para a ponte,<br />

não por um processo lógico, mas somente por um salto da intuição e admitindo,<br />

logo ao começo, a própria coisa que se pretende provar. O segundo defeito<br />

da assim chamada ponte do argumento é que, quando se caminha, nunca<br />

se sai. Também falta a conexão com a outra margem. Todas as premissas<br />

com que argumentamos, sendo finitas, garantem-nos apenas a extração de<br />

uma conclusão finita. O argumento não pode atingir o Infinito e só Um merece<br />

ser chamado Deus. Não podemos sair da nossa ponte lógica por processo<br />

lógico, mas somente por outro salto final da intuição e admitindo mais uma<br />

141


1 4 2 Augustus Hopkins Strong<br />

vez a existência do Ser infinito que em vão temos procurado alcançar por<br />

mero argumento. Parece haver aqui uma referência a Jó 11.7 - “Porventura<br />

alcançarás os caminhos de Deus, ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso?”<br />

Como processo lógico este é defeituoso, visto que toda lógica bem como<br />

toda observação para sua validade depende da pressuposta existência de Deus<br />

e, visto que este processo particular, m esm o admitindo a validade da lógica<br />

em geral, não garante a conclusão de que Deus existe, exceto com base na<br />

suposição de que nossas idéias abstratas de infinitude e de perfeição se apliquem<br />

também ao Ser a quem o argumento nos conduziu.<br />

Porém, apesar de que ambos os fins da ponte lógica são totalmente falhos,<br />

o processo pode servir e na verdade serve a um propósito mais útil que o da<br />

simples demonstração, a saber, o de despertar, explicando e confirmando uma<br />

convicção que, apesar de a mais fundamental de todas, pode ter sido parcialm<br />

ente adormecida por falta de pensamento.<br />

M o r e l l, Philos. Fragments, 177,179 - “De fato, não podemos provar a<br />

existência de um Deus através de um argumento lógico do mesmo modo em<br />

que não o podemos no que tange a um mundo externo; mas também não<br />

podemos ao menos obter tão forte convicção prática de um como do outro”.<br />

“Chegamos a uma crença científica na existência de Deus do mesmo modo<br />

em que o fazemos em qualquer outra verdade humana possível. Admitimo-lo,<br />

como uma hipótese absolutamente necessária a fim de explicar os fenômenos<br />

do universo; e então as evidências de cada quadrante começam a convergir<br />

para ele, até que, com o passar do tempo, o senso comum da humanidade,<br />

cultivada e iluminada por todo o conhecimento acumulado, pronuncie a<br />

validade da hipótese com uma voz raramente menos decisiva e universal que<br />

no caso das nossas mais elevadas convicções científicas”.<br />

F is h e r , Supernat. Origin of Christianity, 572 - “Qual é, então, o propósito e<br />

qual a força dos vários argumentos da existência de Deus? Respondemos<br />

que tais provas são os diferentes modos em que a fé se expressa e busca<br />

confirmação. Neles concebe-se ou define-se a fé ou o objeto desta e neles<br />

não se encontra a corroboração arbitrária, mas a substancial e valiosa daquilo<br />

que a fé extrai da própria alma. Por isso, tais provas nem são, por um lado,<br />

suficientes para criar e sustentar a fé, nem, por outro lado, para desprezá-las<br />

como se não tivessem valor algum. A. J. B a r r e t t : “ O s argumentos, em si<br />

mesmos, não são tanto uma ponte, mas cabos que sustentam firmes a grande<br />

ponte pênsil da intuição, através da qual atravessamos o abismo entre o<br />

homem e Deus. Ou, conquanto não sejam uma escada pela qual podemos<br />

alcançar o céu, são o Ossa no Pélion de cuja altura combinada podemos<br />

divisá-lo”.<br />

A n s e l m o : “Negligentia mihi videtur, si postquam confirmati sumus in fide<br />

non studemus quod credimus intelligere”. B r a d l e y, Apperence and Reality.<br />

“A metafísica é a descoberta das más razões por que cremos no instinto; mas<br />

descobrirmo-las não é menos que um instinto”. Il l in g w o r t h , Div. and Hum.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 4 3<br />

Personality, Lect. III - “A crença num Deus pessoal é juízo instintivo ju s tificado<br />

pro gre ssivam e nte pela razão” . K night, Essays in Philosophy, 241 -<br />

“Os argum entos são m em oriais históricos dos esforços da raça hum ana para<br />

vin dica r a si m esm a a existência de um a realidade da qual ela está consciente,<br />

m as que não pode definir perfe itam e nte”. H. Fielding, The Hearts of Men,<br />

313 - “Os credos são a gram ática da religião. Eles são para a religião o que a<br />

gram ática é para a fala. As palavras são a expressão da nossa vontade; a<br />

gram ática é a teoria form ada posteriorm ente. A fala nunca procede da gram ática,<br />

m as ocorre o contrário. Com o a fala procede e m uda a partir de causas<br />

desconhecidas, a gram ática deve segui-la” . Pascal: “O coração tem razões<br />

que a própria razão desconhece” . Francês P ower C obbe: “As instituições são<br />

‘tuiçõ es’ de D eus”.<br />

H egel, em sua Logic, p. 3, falando da disposição relativa às provas da<br />

existência de Deus como o único meio de produzir fé em Deus, diz: “Tal doutrina<br />

encontraria seu paralelo se disséssemos que comer é impossível antes<br />

de ter adquirido o conhecimento das propriedades químicas, botânicas e<br />

zoológicas do nosso alimento; e que devemos adiar a digestão até que tenhamos<br />

terminado o estudo da anatomia e da fisiologia”. É um erro supor que<br />

não há vida religiosa sem uma teoria correta da vida. Devo recusar-me a<br />

beber água ou a respirar o ar até que eu possa fabricá-los por mim mesmo?<br />

Algumas coisas nos são dadas. Entre elas estão “a graça e a verdade” (Jo. 1.17;<br />

cf. 9). Mas sempre há os que não querem receber nada de graça e insistem<br />

em operar todo o seu conhecimento, assim como toda a salvação, através do<br />

seu próprio processo. O pelagianismo, com a sua negação das doutrinas da<br />

graça é apenas um desenvolvimento de um racionalismo que se recusa a<br />

aceitar as verdades primitivas a menos que sejam demonstradas logicamente.<br />

Visto que a existência da alma, do mundo, e de Deus não pode ser provada<br />

por este processo, o racionalismo é levado a reduzir ou a interpretar falsamente<br />

os pronunciamentos da consciência e disso resultam alguns sistemas<br />

a serem mencionados a seguir.


C a pít u l o III<br />

EXPLICAÇÕES ERRÔNEAS<br />

E CONCLUSÃO<br />

Qualquer explicação correta do universo deve postular um conhecimento<br />

intuitivo da existência do mundo externo, de si mesmo, e de Deus. O desejo da<br />

unidade científica, contudo, tem ocasionado tentativas de reduzir estes três<br />

fatores a um e, conform e um e outro destes três, tem sido considerado como o<br />

princípio todo inclusivo, tem resultado em M aterialism o, Idealismo M aterialista<br />

ou Panteísmo Idealista. Um sistem a que podem os designar como Monis-<br />

mo Ético satisfaz mais a contento este impulso científico.<br />

Podemos resumir o presente capítulo da seguinte forma: 1. Materialismo:<br />

Universo = átomos. Resposta: Os átomos nada podem fazer sem a força e<br />

não podem ser coisa alguma (inteligível) sem as idéias. 2. Idealismo Materialista:<br />

Universo = Força + Idéias. Resposta: As Idéias pertencem à Mente e a<br />

Força só pode ser exercida pela Vontade. 3. Panteísmo Idealista: Universo =<br />

Mente e Vontade Imanentes e Impessoais. Resposta: O espírito no homem<br />

mostra que o Espírito Infinito deve ser Mente e Vontade Transcendentes e<br />

Pessoais. Destas três formas de erro somos levados a uma conclusão que<br />

podemos denominar 4. Monismo Ético: Universo = Manifestação finita, parcial,<br />

graduada da Vida divina; a matéria é a autolimitação de Deus sob a lei<br />

da necessidade; a humanidade é a autolimitação sob a lei da liberdade;<br />

a Encarnação e a Expiação são as autolimitações de Deus sob a lei da<br />

graça. O Monismo Metafísico, ou a doutrina de uma Substância, Princípio<br />

ou Base do Ser, é consistente com o Dualismo Psicológico, ou a doutrina<br />

de que a alma é, por um lado, pessoalmente distinta da matéria e, por outro,<br />

de Deus.<br />

I. MATERIALISMO<br />

O M aterialism o é o m étodo de pensam ento que dá m aior prioridade à<br />

m atéria do que à mente nas explicações do universo. Com base neste ponto de<br />

vista os átomos materiais constituem a realidade últim a e fundamental de que<br />

todas as coisas, quer racionais, quer irracionais, são apenas combinações e


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 4 5<br />

fenômenos. A força é considerada como um a propriedade universal e inseparável<br />

da matéria.<br />

O elemento de verdade no materialism o é a realidade do mundo externo.<br />

Seu erro está em considerar o mundo externo como tendo existência original e<br />

independente e considerar a m ente como seu produto.<br />

O materialismo considera os átomos como tijolos com cujo universo material<br />

é construída a casa em que moramos. S ir W illia m T h o m s o n (L o r d K elvin)<br />

imagina que, se uma gota de água fosse aumentada ao tamanho da nossa<br />

terra, os átomos em que ela consiste pareceriam maiores do que as bolinhas<br />

de vidro de um menino, e ainda bem menores que as bolas de bilhar. Todas<br />

coisas, visíveis e invisíveis, são feitas destes átomos. A mente, com todas as<br />

suas atividades, é uma combinação ou fenômeno de átomos. “Man ist was er<br />

iszt: ohne Phosphor kein gedanke” (A pessoa é o que come: sem fósforo, não<br />

há nenhum pensamento). A ética é um bilhete de passagem; e a adoração,<br />

como o calor, é um tipo de movimento. Contudo, A g a s s iz , espirituosamente<br />

perguntou: “Então, os pescadores são mais inteligentes que os agricultores,<br />

porque eles comem tanto peixe e, por isso, ingerem mais fósforo”?<br />

E evidente que muito do que se atribui aos átomos, na realidade pertence<br />

à força. Prive da força os átomos e tudo o que sobra é extensão, que = espaço<br />

= zero. Contudo, “se se estendem os átomos, estes não podem ser os<br />

últimos, porque a extensão implica divisibilidade e aquilo que se concebe<br />

como divisível não pode ser o último elemento filosófico. Porém, se os átomos<br />

não se estendem, conseqüentemente uma infinita multiplicação e combinação<br />

deles não pode produzir uma substância extensa. Além do mais, não<br />

se concebe um átomo que nem é substância extensa, nem substância pensante.<br />

O último elemento real é a força, que não pode ser exercida pelo nada,<br />

mas, como veremos doravante, só um Espírito pessoal pode exercê-la porque<br />

só ele possui as caraterísticas da realidade, a saber, definibilidade, unidade<br />

e atividade”.<br />

Não só a força, mas também a inteligência, deve ser atribuída aos átomos<br />

antes de poderem explicar qualquer operação da natureza. H e r s c h e l não só<br />

diz que “a força da gravitação parece assemelhar-se à de uma vontade universal”,<br />

mas os próprios átomos, ao reconhecerem-se uns aos outros para<br />

combinarem-se, mostram em grande parte “a presença da mente”. L a d d ,<br />

Introd. to Philosophy, 269 - “Um distinto astrônomo disse que cada corpo no<br />

sistema solar comporta-se como se soubesse precisamente como deveria<br />

fazê-lo em consonância com a sua própria natureza e com o comportamento<br />

de cada um dos outros corpos no mesmo sistema solar. ... Cada átomo já<br />

percorreu incontáveis milhões de milhas com incontáveis milhões de pares,<br />

muitos dos quais requeriam importante modificação no seu modo de mover-<br />

se sem jamais apartarem-se do seu passo correto ou ritmo”. J. P. C o o k e , Cre-<br />

dentials of Science, 104, 177, sugere que há algo mais necessário do que os<br />

átomos para explicar o universo. Deve-se admitir uma Inteligência correlata.<br />

Por si mesmo, os átomos seriam como um montão de pregos soltos, que<br />

necessitam de ser magnetizados para manterem-se unidos. Precisariam ser<br />

resolvidas todas as estruturas e desaparecer todas as formas da matéria se


1 4 6 Augustus Hopkins Strong<br />

se quisesse afastar a Presença que as sustenta. O átomo, como as mônadas<br />

de Leibnitz, é “parvus in genere deus” - “um deus pequenino na sua natureza”<br />

- tão somente por ser a expressão da mente e da vontade de um Deus<br />

imanente.<br />

P latão fala dos homens que ficam “deslumbrados quando se aproximam<br />

de coisas materiais”. Não percebem que as próprias coisas materiais, visto<br />

que só podem ser interpretadas em termos de espírito, devem ser na essência<br />

espirituais. O materialismo é a explicação de um mundo do qual conhecemos<br />

alguma coisa - o mundo da mente - através de um mundo do qual quase<br />

nada conhecemos - o da matéria. U p t o n , Hibbert Lectures, 297, 298 - “Como<br />

estão os átomos materiais e as moléculas cerebrais? Eles não têm existência<br />

real a não ser como objeto do pensamento e, por isso, o próprio pensamento,<br />

que você diz que os átomos produzem, voltam a ser a precondição da sua<br />

própria existência”. Com isto concordam as palavras do D r . L a d d : “ O conhecimento<br />

da matéria envolve repetidas atividades da sensação e da reflexão, da<br />

inferência indutiva e da dedutiva, da crença intuitiva na substância. Tudo isto<br />

são atividades da mente. Só quando ela tem vida autoconsciente obtém-se<br />

qualquer conhecimento do que é a matéria ou do que ela pode fazer.... Tudo<br />

aquilo que está sempre sujeito a estados mutantes é real. O que toca, sente,<br />

vê é mais real do que o tocado, sentido, visto”.<br />

H. N. G a r d n e r , Presb. Ftev., 1885.301, 665, 666 - “A mente dá à matéria<br />

seu principal sentido - por isso a matéria por si só nunca pode explicar o<br />

universo”. G o r e , Incarnation, 31 - “A mente não é um produto da natureza,<br />

mas seu constituinte necessário, considerado como um sistema ordenado<br />

cognoscível”. F r a s e r , Philos. of Theism: “Um ato imoral deve proceder de um<br />

agente imoral; não se conhece um efeito físico que origina sua causa física”.<br />

A matéria orgânica ou inorgânica pressupõe uma mente; mas não é verdade<br />

que a mente pressupõe a matéria. L e C o n t e : “Se eu pudesse remover a cobertura<br />

do seu cérebro, o que eu veria? Só alterações físicas. Mas quanto a você<br />

- o que você pode perceber? A consciência, o pensamento, a emoção, a<br />

vontade. Agora, tome o exterior da natureza, o Cosmos. De fora, o observador<br />

só vê fenômenos físicos. Mas não deve haver também neste caso - por<br />

outro lado - fenômenos psíquicos, o Eu, a Pessoa, a Vontade”?<br />

A impossibilidade de encontrar na matéria, considerada como simples átomos,<br />

quaisquer atributos de uma causa, tem levado a um abandono geral<br />

deste velho materialismo de D e m ó c r it o , E p ic u r o , L u c r é c io , C o n d il l a c, H o lb a c h,<br />

F e u e r b a c h , B ü c h n e r; e o Idealismo Materialista tomou o seu lugar, que, ao invés<br />

de considerar a força como uma propriedade da matéria, considera-a como<br />

manifestação da força. Por isso, a partir desta seção, passaremos ao sistema<br />

de forças e de idéias. Há um quarto de século, J o h n T y n d a l l, em seu discurso<br />

de abertura como Presidente da Associação Britânica em Belfast, declarou<br />

que, na matéria, dever-se-ia encontrar a promessa e a potência de cada forma<br />

de vida. Mas, em 1898, S ir W illia m C r o o k e s , em seu discurso como Presidente<br />

daquela mesma Associação Britânica, reverteu o apotegma e declarou<br />

que, na vida, ele via a promessa e a potência de cada forma da matéria.<br />

Em acréscimo ao erro geral indicado acim a objetamos a este sistema do<br />

seguinte modo:


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 4 7<br />

1. Em conhecendo a matéria, a m ente se julga necessariamente diferente<br />

em gênero e em nível mais elevado do que a m atéria que ela conhece.<br />

1) Expomos aqui simplesmente uma convicção intuitiva. Ao usar seu<br />

organismo físico e ao pôr a natureza exterior a seu serviço, a mente reconhece-se<br />

diferente da matéria e superiora ela. VerMARTiNEAU, citado na Brit. Quar.,<br />

April, 1882.173, e no artigo do P r e s id e n t e T h o m a s H il l, Bibliotheca Sacra, abril,<br />

1852.353 - “Tudo o que, na verdade, a ação sentido-percepção dá é existência<br />

do eu consciente, flutuando no ilimitado espaço e no ilimitado tempo rodeado<br />

e apoiado pela ilimitada força. A matéria móvel, que inicialmente pensamos<br />

ser a grande realidade, é apenas a sombra do nosso verdadeiro ser, que<br />

é imaterial”. H a r r is , Philos. Basis of Theism, 317 - “Imagine um ser infinitesi-<br />

mal no cérebro, vigiando a ação das moléculas, mas omitindo o pensamento.<br />

Do mesmo modo a ciência observa o universo, mas omite Deus”.<br />

R o b e r t B r o w n in g , “ o mais sutil afirmador da alma em cântico”, faz o Papa,<br />

em Anel e o Livro, dizer: “A mente não é matéria, nem provém da matéria,<br />

mas do alto”. De igual modo o P r e s id e n t e F r a n c is W a y l a n d : “O que é a mente”?<br />

“O que é a matéria”? “Não vai ao caso”. S u l l y, The Human Mind, 2.369 -<br />

“A consciência é uma realidade inteiramente distinta dos processos materiais<br />

e, por isso, não pode ser resolvida neles. O materialismo faz o que é conhecido<br />

imediatamente (nossos estágios mentais) subordinado àquilo que só indiretamente<br />

ou por inferência se conhece (coisas exteriores). Contudo, é um<br />

absurdo uma entidade material existente per se fora da relação com uma<br />

mente pensante”. Como os materialistas elaboram a sua teoria, a sua assim<br />

chamada matéria torna-se cada vez mais etérea, até, finalmente, chegar a<br />

um estágio quando não se pode distinguir daquilo que os outros chamam de<br />

espírito. M a r t in e a u : “A matéria que eles descrevem é tão excessivamente<br />

inteligente, que a tudo supera, mesmo ao escrever Hamlet e ao descobrir a<br />

sua própria evolução. Em resumo, mas ao soletrar o seu nome, ela não parece<br />

diferir apreciavelmente dos nossos velhos amigos: Mente e Deus”. A. W .<br />

M o m e r ie , Christianity and Evolution, 54 - “Um ser consciente da sua unidade<br />

não pode, possivelmente, ser formado de numerosos átomos inconscientes<br />

da sua diversidade. Qualquer pessoa que pensa ser isto possível é capaz de<br />

afirmar que meia dúzia de tolos poderiam resultar em um sábio”.<br />

2. Visto que os atributos da mente - d) identidade contínua, b) atividade<br />

própria, c) não relacionam ento com o espaço - são diferentes em gênero e de<br />

nível mais elevado que os atributos da matéria, é racional concluir que a m ente<br />

é em si m esm a diferente da m atéria em gênero e mais elevada em nível que<br />

esta.<br />

Este é um argumento a partir das qualidades específicas que é subjacente<br />

às qualidades e as explica, a) A memória prova a identidade pessoal. Não<br />

se trata de uma identidade de átomos materiais, porque os átomos mudam.<br />

As moléculas que vêm não podem lembrar as que partiram. Há alguma parte<br />

imutável no cérebro, organizado, ou não? O organizado desaparece; o desor­


1 4 8 Augustus Hopkins Strong<br />

ganizado = a alma. b) A inércia mostra que a alma move-se a si mesma. Duas<br />

porções são necessárias, e estas, para a ação útil, requerem o ajuste através<br />

de uma força que não pertence à matéria. Evolução do universo é inexplicável<br />

a não ser que a matéria seja movida primeiro por alguma força exterior a<br />

si mesma, c) As mais elevadas atividades da mente independem das condições<br />

físicas. A mente controla e domina o corpo. Ela não pára de desenvolver-se<br />

mesmo quando o corpo pára de crescer. Quando o corpo se aproxima<br />

da dissolução, a mente, com freqüência, afirma-se mais notadamente.<br />

K a n t : “A unidade da apreensão é possível por causa da unidade transcendental<br />

da autoconsciência”. Obtenho a minha idéia de unidade a partir do eu<br />

indivisível. S t o u t , Manual of Psichology, 53 - “Até onde a matéria existe, independentemente<br />

da presença de um sujeito cognitivo, não pode ter propriedades<br />

materiais, tais como extensão, dureza, cor, peso etc. ... O mundo dos<br />

fenômenos materiais pressupõe um sistema de atuação imaterial. Neste se<br />

origina a consciência individual. Alguns dizem que este agente é o pensamento,<br />

outros, que é a vontade". A. J. D u b o is , in Century Magazine, dez.<br />

1894.228 - Visto que cada pensamento envolve um movimento molecular no<br />

cérebro e este movimenta o universo inteiro, a mente é o segredo do universo<br />

e não devemos interpretar a natureza como a expressão de um propósito<br />

subjacente. A ciência é a mente que segue os traços desta. Não pode haver<br />

mente sem uma antecedente. O fato de que todos os seres humanos têm os<br />

mesmos modos mentais mostra que estes não se devem somente ao meio<br />

ambiente. B o w n e : “As coisas agem sobre a mente e esta reage com o conhecimento.<br />

O conhecimento não é uma aquisição passiva, mas uma construção<br />

ativa”. W u n d t: “Somos compelidos a admitir que o desenvolvimento físico não<br />

é a causa, porém é muito mais; é o efeito do desenvolvimento psíquico”.<br />

P a u l C a r u s , Soul of Man, 52-64, define a alma como “a forma de um organismo”,<br />

e a memória como “o aspecto psíquico da preservação da forma na<br />

substância viva”. Isto parece dar prioridade ao organismo ao invés de dá-la à<br />

alma, sem considerar o fato de que sem a alma não se concebe o organismo.<br />

A argila não pode ser o ancestral do oleiro, nem a pedra o ancestral do<br />

pedreiro, nem a madeira, do carpinteiro. W. N. C l a r k e , Christian Theology, 99<br />

- “A inteligibilidade do universo para nós é forte e evidência sempre presente<br />

de que há uma Mente racional que invade todas as coisas e, a partir dela, o<br />

universo recebe a sua caraterística”. À máxima “cogito, ergo sum” devemos<br />

acrescentar a outra: “Intelligo, ergo Deus est”. P f l e id e r e r , Philos. Relig., 1 .2 7 3<br />

- “Toda a filosofia idealística dos tempos modernos é, de fato, a elaboração e<br />

o embasamento da convicção de que o Espírito ordena a Natureza como um<br />

meio subserviente visando aos seus fins eternos; por isso não é, como pensava<br />

o naturalismo pagão, um e todos, a última e mais elevada das coisas,<br />

mas tem sobre si o Espírito e os fins morais, como seu Senhor e Mestre”.<br />

A percepção pela qual as coisas são conhecidas precede-as na ordem lógica<br />

e, por isso, não pode ser explicada através delas ou derivar delas.<br />

3. Por isso, não a matéria, mas a mente deve ser considerada como a entidade<br />

original e independente a menos que se possa cientificam ente demonstrar<br />

esta é material na sua origem e natureza. Mas são reconhecidamente falhas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 4 9<br />

todas tentativas de explicar o psíquico a partir do físico, o orgânico a partir do<br />

inorgânico. Quando muito, o que se pode reivindicar é que as mudanças psíquicas<br />

são sempre acompanhadas de mudanças físicas e que o inorgânico é o<br />

esteio do orgânico. Apesar de que se desconhece a exata conexão entre a m ente<br />

e o corpo, o fato de que a continuidade das mudanças físicas é insolúvel<br />

quando da atividade psíquica tom a certo que a m ente não é um a transform ação<br />

da força física. Se os fatos da sensação indicam a dependência da mente<br />

em relação ao corpo, os fatos da volição igualm ente indicam a dependência do<br />

corpo em relação à mente.<br />

O químico pode produzir substâncias orgânicas, mas não organizadas.<br />

A vida não pode ser produzida a partir da matéria. Mesmo nas coisas vivas só<br />

o plano pode garantir o progresso. A multiplicação da vantagem desejada no<br />

esquema darwiniano requer um pensamento selecionado; a saber, afinal de<br />

contas, a seleção natural é artificial. J o h n F is k e , Destiny ofthe Creature, 109 -<br />

“A fisiologia do cérebro diz-nos que, durante a vida presente, apesar de que o<br />

pensamento e o sentimento sempre se manifestam em conexão com uma<br />

forma peculiar da matéria, ainda não pode haver nenhuma possibilidade do<br />

pensamento e o sentimento serem produtos da matéria. Nada pode ser mais<br />

grosseiramente anticientífico do que a famosa nota de C a b a n is , de que o cérebro<br />

segrega o pensamento como o fígado segrega a bílis. Nem mesmo se<br />

deve dizer que se processa no cérebro. O que se processa no cérebro é uma<br />

série admiravelmente complexa de movimentos moleculares com os quais o<br />

pensamento e o sentimento são de alguma desconhecida forma correlatos,<br />

não como efeitos ou como causas, mas como concomitantes”.<br />

A “harmonia preestabelecida” de L e ib n it z indica a dificuldade de definir a<br />

relação entre a mente e a matéria. Elas são como dois relógios inteiramente<br />

desconexos, um dos quais tem o mostrador e indica a hora através dos ponteiros,<br />

enquanto o outro simultaneamente indica a mesma hora por seu aparelho<br />

de bater as horas. Para L e ib n it z o mundo é um agregado de almas atômicas<br />

que conduz almas absolutamente separadas. Não há nenhuma ação<br />

real de um sobre o outro. Tudo na mônada é o desenvolvimento de sua atividade<br />

não estimulada. Contudo, há uma harmonia entre todos eles ordenada<br />

desde o começo pelo Criador. O desenvolvimento interno de cada mônada<br />

ajusta-se de tal modo a todas as outras que produz a falsa impressão de que<br />

elas são mutuamente influenciadas entre si. A teoria de L e ib n itz envolve a<br />

completa rejeição da liberdade da vontade humana no sentido libertário. Para<br />

escapar desta arbitrária conexão da mente e da matéria na harmonia preestabelecida<br />

de L e ib n it z , S p in o z a rejeita a doutrina cartesiana das duas substâncias<br />

criadas por Deus e sustenta que há apenas uma substância, a saber, o<br />

próprio Deus.<br />

Há um fluxo aumentado de sangue para a cabeça nos tempos de atividade<br />

mental. Às vezes, no calor intenso da composição literária, o sangue brota<br />

com fartura através do cérebro. Nenhuma diminuição da atividade física acompanha<br />

os maiores esforços da mente, mas um maior aumento dela. “A consciência<br />

causa mudanças físicas, porém a recíproca não é verdadeira. Dizer


1 5 0 Augustus Hopkins Strong<br />

que a mente é uma função do movimento é dizer que a mente é uma função<br />

de si mesma, porque o movimento só existe em função da mente. É melhor<br />

supor que os elementos físicos e psíquicos são apenas um, do mesmo modo<br />

que o som do violino é a mesma coisa que a vibração. A volição é uma causa<br />

na natureza porque tem atuação cerebral do seu lado anverso e inseparável.<br />

Mas, se não há movimento sem a mente, então não pode haver universo sem<br />

Deus”. ... 34 - Porque dentro dos limites da experiência humana só se conhece<br />

a mente associada com o cérebro, não se segue que a mente não pode<br />

existir sem ele. A explicação de H elm h o ltz sobre o efeito de uma das sonatas<br />

de Beethoven no cérebro pode ser perfeitamente corrigida, mas a explicação<br />

do efeito causado por um músico pode igualmente ser corrigida dentro da sua<br />

categoria”.<br />

H er b er t S p e n c e r , Principies of Psichology, 1. par. 56 - “Duas coisas coexistem:<br />

a mente e a ação nervosa; mas não podemos imaginar de que forma<br />

elas se relacionam”. T y n d a l l, Fragments of Science, 120 - “É impossível pensar<br />

na passagem da física do cérebro para os fatos”. S c h u r m a n , Agnosticism<br />

and Religion, 95 - “Facilmente se crê que a metamorfose das vibrações para<br />

as idéias conscientes é um milagre em comparação com a flutuação do ferro<br />

(2 Re. 6.6), ou a transformação da água em vinho”. Bain, Mind and Body, 131<br />

- Não há rompimento na continuidade física.<br />

4. Negando a prioridade do espírito, a teoria m aterialista não pode fornecer<br />

nenhum a causa suficiente das mais elevadas caraterísticas do universo existente,<br />

a saber, sua inteligência pessoal, suas idéias intuitivas, sua livre vontade,<br />

seu progresso moral, sua crença em Deus e na imortalidade.<br />

H e r b e r t , Modern Realism Examined. “O materialismo não tem nenhuma<br />

evidência física da existência da consciência nos outros. Como ele declara<br />

que os nossos semelhantes são destituídos de iivre vontade, deve declarar<br />

também que o são de consciência; deve chamá-los, do mesmo modo que os<br />

brutos, de puros autômatos. Se o elemento físico é tudo, nem Deus, nem o<br />

homem existem”. Alguns dos mais antigos seguidores de Descartes costumavam<br />

chutar os seus cães e bater neles, rindo enquanto eles ganiam, chamando-os<br />

de “máquinas de chiar”. H u x l e y, que chama os brutos de “autômatos<br />

conscientes”, crê no gradual banimento daquilo que chamamos espírito e<br />

espontaneidade de todas as regiões do pensamento humano; trata-se apenas<br />

de um efeito sem causa".<br />

C l e r k M a x w e l l, Life, 428 - “Tenho olhado para a maior parte dos sistemas<br />

filosóficos e nada vi que opere sem um Deus”. P r e s id e n t e E. B. A n d r e w s:<br />

“A mente é a única coisa substantiva neste universo; tudo o mais é adjetivo.<br />

A matéria não é primordial, mas é uma função do espírito”. T h e o d o r e P a r k e r :<br />

“O homem é o mais elevado produto da sua própria história. O descobridor<br />

não encontra nada de tamanha estatura e grandeza como ele mesmo; nada<br />

tão valioso como ele. A maior estrela acha-se no pequeno terminal do telescópio<br />

- ela olha, e não indaga, e nem vê”.<br />

O materialismo faz do homem “uma comitiva sério-cômica de figuras de<br />

cera ou de graciosos elencos de barro” (Bowne). O homem é “o mais gracioso


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 151<br />

dos relógios”. Mas se não existisse nada a não ser a matéria, não poderia<br />

haver materialismo porque um sistema de pensamento como este implica<br />

consciência. M a r t in e a u , Types, prefaces, xii, xiii - “É a irresistível alegação da<br />

consciência moral que primeiro me induziu a rebelar-me contra os limites da<br />

concepção simplesmente científica. Tornou-se incrível para mim que nada<br />

era possível a não ser o real”. D e w e y, Psichology, 84 - “Sem elementos ideais<br />

o mundo seria o lar formado de quatro paredes e um teto para proteger do frio<br />

e da chuva; a mesa, uma refeição para animais; e o túmulo, um buraco na<br />

terra”. O m a r K h a y y á m , Rubaiat, estrofe 72 - “E aquela tigela invertida chamam<br />

de Céu, sob o qual, engaiolados vivemos e morremos, levantamos as mãos<br />

pedindo-lhe auxílio - porque a impotência nos impele tanto a você como a<br />

mim”. V íto r H u g o : “Você diz que a alma nada é a não ser o resultado das<br />

forças corpóreas? Por que, então, a minha alma se mostra mais luminosa<br />

quando as minhas forças corporais começam a fracassar? O inverno cobre a<br />

minha cabeça, e a eterna primavera domina o meu coração. ... Quanto mais<br />

me aproximo do fim, mais claramente ouço as imortais sinfonias dos mundos,<br />

que me convidam”.<br />

D im a n , Theistic Argument, 348 - “O materialismo nunca pode explicar o<br />

fato de que a matéria sempre está combinada com a força. Princípios coordenados?<br />

então se trata de dualismo ao invés de monismo. Força causa da<br />

matéria? então preservamos a unidade, mas destruímos o materialismo; porque<br />

ligamos a matéria a uma fonte imaterial. Atrás da multiplicidade das forças<br />

naturais devemos postular alguma força simples - que nada pode a não<br />

ser a mente coordenadora”. M a r k H o p k in s resume o materialismo na Princen-<br />

ton Rev., nov. 1879.490, da seguinte maneira: “1. O homem, que é uma pessoa,<br />

é feito por uma coisa, isto é, matéria. 2. A matéria deve ser adorada<br />

como criadora do homem, se ela deve ser alguma coisa (Rm. 1.25). 3. O homem<br />

deve adorar a si mesmo - o seu Deus é o ventre”.<br />

H. IDEALISMO MATERIALISTA<br />

O idealismo propriamente dito é o método de pensamento que considera<br />

todo o conhecimento como versado só com os sentimentos da mente perceptiva.<br />

Seu elemento de verdade consiste no fato de que tais sentimentos da mente<br />

perceptiva são condições do nosso conhecim ento. Seu erro está em negar que<br />

através destes e nestes conhecem os aquilo que existe independentemente da<br />

nossa consciência.<br />

O idealismo dos nossos dias é principalm ente m aterialista. Define a matéria<br />

e a m ente de igual modo em termos de sensação e considera ambos como<br />

lados opostos ou m anifestações sucessivas de um a força subjacente e desconhecida.<br />

O moderno idealismo subjetivo é o desenvolvimento de um princípio fundado<br />

desde L o c k e . Ele deriva todo o nosso conhecimento da sensação; a<br />

mente apenas combina as idéias que a sensação fornece, mas não dá matéria


1 5 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

alguma propriamente sua. Berkeley sustenta que exteriormente podemos estar<br />

certos somente das sensações; não se pode estar certo de qualquer mundo<br />

exterior sem a mente. O idealismo de B erkeley, contudo, é objetivo; porque<br />

ele sustenta que, conquanto as coisas não existem independentes da consciência,<br />

elas independem da nossa consciência, a saber, na mente de Deus,<br />

que na filosofia correta toma o lugar de um mundo exterior que não tem a<br />

mente como a causa das nossas idéias. De igual modo, Kant defende existências<br />

fora das nossas mentes embora as considere como desconhecidas e<br />

desconhecíveis. Em oposição a estas formas de idealismo objetivo devemos<br />

colocar o subjetivo de Hume, que sustenta que internamente também não<br />

podemos estar certos de qualquer coisa que não sejam os fenômenos mentais;<br />

conhecemos pensamentos, sentimentos e vontade, mas não conhecemos<br />

a substância mental dentro deles, mais do que a substância material de<br />

fora; nossas idéias são uma fieira de contas sem qualquer fieira; não necessitamos<br />

de causa alguma para estas idéias, no mundo exterior, na alma, ou<br />

em Deus. M ill, S pencer, Bain e Tyndall são humistas (seguidores de) e é ao<br />

idealismo subjetivo deles que nos opomos.<br />

Todos eles consideram o átomo material como um simples centro de força,<br />

ou uma causa hipotética das sensações. Por isso a matéria é uma manifestação<br />

da força como para o velho materialismo a força era uma propriedade<br />

da matéria. Mas se matéria, mente e Deus são apenas sensações, então o<br />

corpo não é nada mais que sensações. Não há nenhum corpo com a finalidade<br />

de ter sensações e nenhum espírito, a não ser o humano e o divino, que as<br />

produzam. J ohn S tuart M ill, Examination of Sir William Hamilton, 1.234-253,<br />

faz das sensações as únicas fontes originais do conhecimento. Ele define a<br />

matéria como “uma possibilidade permanente da sensação”, e a mente como<br />

“uma série de sentimentos despertos para ela mesma”. Deste modo, Huxley<br />

chama a matéria “tão somente um nome da causa desconhecida dos estados<br />

da consciência”; apesar disso, ele também declara: “Se sou compelido a<br />

escolher entre o materialismo de um homem como Büchner e o materialismo<br />

de Berkeley, optarei por Berkeley”. Ele defende a prioridade da matéria e<br />

ainda considera-a totalmente ideal. Visto que J ohn S tuart M ill, de todos os<br />

materialistas idealistas, dá as mais precisas definições da matéria e da mente,<br />

tentaremos mostrar a inadequação deste modo de tratar o assunto.<br />

Porter sustenta que a percepção original dá-nos somente os sentimentos<br />

do nosso próprio aparelho sensorial do corpo; como causa deles adquirimos<br />

o conhecimento da extensa exterioridade. S ir W illiam Hamilton: “A sensação<br />

própria não tem nenhum objetivo a não ser um sujeito-objeto”. Mas Porter e<br />

H amilton sustentam que, através destas sensações conhecemos aquilo que<br />

existe independentemente das nossas sensações. O realismo natural de<br />

H amilton, contudo, é um exagero da verdade. Bowne, Introd. To Psych. Theory,<br />

257, 258 - “No desejo de S ir W illiam H amilton de não ter nenhum intermédio<br />

na percepção, ele se sente forçado a sustentar que cada sensação é sentida<br />

onde parece estar e por isso a mente ocupa o corpo inteiro. Do mesmo modo<br />

ele foi obrigado a afirmar que o objeto da visão não é a coisa em si, mas os<br />

raios de luz e, mesmo que o próprio objeto tivesse ao menos trazido à consciência.<br />

Assim ele chegou ao absurdo de que o verdadeiro objetivo da percepção<br />

é algo de que somos totalmente inconscientes”. Seguramente não


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

podemos estar imediatamente conscientes do que está fora do nosso conhecimento.<br />

J a m e s , Psychology, 1.11 - “Os órgãos terminais são telefones, e as<br />

células cerebrais são os receptores que a mente ouve”.<br />

Existe, contudo, um idealismo que não está aberto às objeções de Hamilton,<br />

às quais os filósofos modernos, em sua maioria, aderiram. É o idealismo<br />

objetivo de Lotze. Ele argumenta que nada conhecemos sobre a extensão do<br />

mundo a não ser através do ar ou do éter, e o interpretamos como som, luz,<br />

movimento, conforme eles afetam nossos nervos auditivos, ópticos, ou táteis.<br />

Mas a única força que conhecemos imediatamente é a da nossa vontade;<br />

afinal de contas não podemos entender a matéria, ou devemos entendê-la<br />

como o produto de uma vontade comparável à nossa. As coisas são apenas<br />

“leis concretas de ação”, ou idéias divinas a que a vontade divina deu a realidade<br />

permanente. Já vimos na seção anterior que os átomos não podem<br />

explicar o universo; eles pressupõem tanto as idéias como a força. Agora<br />

podemos ver que tal força pressupõe a vontade e tais idéias pressupõem a<br />

mente. Mas como se pode ainda reivindicar que esta mente não é autocons-<br />

ciente e que esta vontade não é pessoal, passaremos na seção seguinte a<br />

considerar o Panteísmo Idealista de que tais reivindicações são caraterísti-<br />

cas. O Idealismo Materialista, na verdade é apenas a residência em meio ao<br />

caminho entre o Materialismo e o Panteísmo em que a lógica da inteligência<br />

não encontra nenhum abrigo permanente.<br />

Lotze, Outlines of Metaphysics, 1 5 2 - “Pelo exposto, a objetividade do<br />

nosso conhecimento consiste em que não é despropositado tratá-lo como<br />

simples aparência; mas põe diante de nós um mundo cuja coerência se ordena<br />

na busca da injunção da Realidade única do mundo, a profundidade do<br />

entendimento, o Bem. Por isso, o nosso conhecimento possui mais verdade<br />

do que se copiasse exatamente um mundo que não tem valor em si mesmo.<br />

Embora não compreenda tudo o que é fenômeno que se apresenta à vista,<br />

ainda entende qual é o seu sentido total; é como o espectador que compreende<br />

a significação estética daquilo que ocorre no palco de um teatro e não<br />

obteria nada de essencial se ele fosse ver ao lado o mecanismo pelo qual<br />

alteram-se os efeitos no referido palco”. P ro f. C. A. S tro n g : “A percepção é<br />

uma sombra lançada sobre a mente por uma coisa em si mesma”. A sombra<br />

é o símbolo da coisa; e, como as sombras não têm alma nem vida, pode<br />

parecer que os objetos físicos também não têm alma e são mortos, conquanto<br />

a realidade simbolizada nunca é a da presença de uma alma e de uma<br />

vida. A consciência é uma realidade. A única existência que podemos conceber<br />

é de natureza mental. Toda a existência em favor da consciência é, na<br />

verdade, da consciência. A sombra do cavalo o acompanha, mas não o ajuda<br />

a puxar a carroça. O evento cerebral é apenas o estado mental em si mesmo<br />

considerado a partir do ponto de vista da percepção”.<br />

A ris tó te le s : “A natureza da substância antecede ao relacionamento” = não<br />

pode haver relacionamento sem coisas que se relacionem. Fichte: O conhecimento,<br />

exatamente porque é conhecimento, não é realidade; não vem em<br />

primeiro lugar, mas em segundo". V e it c h , Knowing and Being, 2 1 6 , 2 1 7 , 2 9 2 ,<br />

2 9 3 - “O pensamento nada pode fazer, senão como um sinônimo do Pensador.<br />

Nem o consciente finito, nem o infinito, sozinhos ou juntos, podem constituir<br />

um objeto exterior ou explicar a sua existência. Esta logicamente precede<br />

1 5 3


154 Augustus Hopkins Strong<br />

a sua percepção. Percepção não é criação. Não é o pensar que faz o ego,<br />

mas o ego que faz o pensar”. S eth, Hegelianism and Personality. “Os pensamentos<br />

divinos pressupõem um Ser divino. Os pensamentos de Deus não<br />

constituem o mundo real. A força real não se encontra neles; ela está no Ser<br />

divino, como vontade viva e ativa”. Eis aqui o erro fundamental de H egel, que<br />

considera o universo simplesmente como uma idéia e tributa pouco pensamento<br />

ao Amor e à Vontade que o constituem.<br />

A este ponto de vista podemos apresentar as seguintes objeções:<br />

1. Sua definição de m atéria como um a “perm anente possibilidade de sensação”<br />

contradiz nosso juízo intuitivo de que, conhecendo os fenômenos da<br />

matéria, temos o conhecimento direto da substância como fenômenos subjacentes,<br />

distintos das nossas sensações, e exteriores à mente que as experimenta.<br />

B owne, Metaphysics, 432 - “Provavelmente pode-se desconhecer a possibilidade<br />

de um odor ou gosto ser a causa da cor amarelada de uma laranja,<br />

a não ser para a mente que entende que dois mais dois são cinco”. M artineau,<br />

Study, 1.102-112 - “Se as impressões exteriores são telegrafadas para o<br />

cérebro, a inteligência deve receber a mensagem no começo assim como<br />

liberá-la no fim. ... É o objeto exterior que dá a possibilidade, não a possibilidade<br />

que dá o objeto exterior. A mente não pode ser tanto a sua própria<br />

cognita como a sua cognitio. Não se pode dispensar uma base de apoio para<br />

os pés, ou a atmosfera para as asas”. Professor C harles A. Strong: “Kant<br />

sustenta que as coisas em si mesmas têm como retaguarda os fenômenos<br />

físicos bem como as coisas em si têm como retaguarda os fenômenos mentais;<br />

o seu pensamento é que as coisas em que formam a retaguarda da força<br />

física são idênticas às coisas em si como retaguarda dos fenômenos mentais.<br />

E visto que os fenômenos mentais, nesta teoria, não são espécimes da<br />

realidade e a realidade manifesta-se indiferentemente através delas e dos<br />

fenômenos físicos, naturalmente ele conclui que nós não temos base para<br />

supor que a realidade seja semelhante ou, que devemos concebê-la com<br />

‘weder Materie noch ein denkend Wesen’, ‘nem matéria nem ser pensante’,<br />

uma teoria do desconhecível. Seria o caso também do Impensável e do Indi-<br />

zível!” Ralph W aldo Emerson era um idealista subjetivo; mas, quando chamado<br />

a inspecionar uma carga de madeira de um fazendeiro, disse aos seus<br />

companheiros: “Desculpem-me por um momento, meus amigos; temos que<br />

dar atenção a estes assuntos, como se fossem reais”.<br />

2. Sua definição de m ente como “um a série de sentimentos conscientes<br />

dela m esm a” contradiz nosso juízo intuitivo de que, conhecendo os fenômenos<br />

da mente, temos conhecimento direto de um a substância espiritual de que<br />

tais fenômenos são manifestações, que retém sua identidade independentem<br />

ente de nossa consciência e que, neste conhecer, ao invés de ser o recipiente<br />

passivo das impressões vindas de fora sempre age a partir de dentro através de<br />

um a força que lhe é própria.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 5 5<br />

J ames, Psichology, 1.226 - “ É com o se o fato psíquico elem entar não fosse<br />

pensamento, ou este pensamento, ou aquele pensamento, mas o meu pensamento<br />

e todo ele possuído. O fato consciente universal não é o de que ‘os<br />

pensam entos e sentim entos existem ’, m as o de que ‘eu penso’, e ‘eu sin to”’.<br />

O Professor J ames é compelido a dizer isto apesar de que ele começa a sua<br />

obra Psicologia sem insistir na existência de uma alma. Hamilton, Reid, 443 -<br />

“Acaso suporei que o pensamento subsiste por si mesmo? ou que as idéias<br />

podem sentir prazer ou dor”? R. T. S mith, Man’s Knowledge, 44 - “Dizemos<br />

‘minhas noções e minhas paixões’ e, quando empregamos tais expressões,<br />

implicamos que o nosso eu central se sente algo diferente das noções<br />

ou paixões que lhe pertencem, ou caraterizam-no durante um certo tempo”.<br />

Lichtenberg: “Deveríamos dizer: ‘Pensa-se’; do mesmo modo que dizemos:<br />

‘Brilha’, ou ‘Chove”. Então as faculdades são uma arma sem um general, ou<br />

uma locomotiva sem um maquinista? Neste caso não deveríamos ter, sensações;<br />

mas ser sensações.<br />

P rofessor C. A. Strong: “Tenho conhecimento de outras mentes. Este<br />

conhecimento não empírico - que transcende as coisas em si não derivam da<br />

experiência nem do raciocínio e, ao admitir que semelhantes conseqüências<br />

(movimentos inteligentes) devem ter semelhantes antecedentes (pensamentos<br />

e sentimentos) e, ao admitir também instintivamente que existe algo fora<br />

da minha mente - isto refuta o fenomenalismo pós-kantiano. Percepção e<br />

memória também envolvem transcendência. Em ambas eu transcendo os<br />

limites da experiência de modo tão verdadeiro como no meu conhecimento<br />

de outras mentes. Na memória eu reconheço um passado, distinto do presente.<br />

Na percepção eu conheço uma possibilidade de outras experiências<br />

semelhantes ao presente e isto só dá um senso de permanência e realidade.<br />

A percepção e a memória refutam o fenomenalismo. Convém admitir as coisas<br />

em si a fim de preencher as lacunas entre as mentes individuais e dar coerência<br />

e inteligibilidade ao universo e desta forma evitar o pluralismo. Se a matéria<br />

pode influenciar e mesmo extinguir as nossas mentes, ela deve ter alguma<br />

força de si mesma, alguma existência de si mesma. Se a consciência é<br />

um produto evolutivo, deve ter surgido de fatos mentais mais simples. Porém<br />

tais fatos mentais são apenas outro nome para as coisas em si mesmas. Um profundo<br />

instinto pré-racional compele-nos a reconhecê-los porque não se pode<br />

demonstrá-los logicamente. Devemos admiti-los para dar continuidade e inteligibilidade<br />

às nossas concepções do universo”.<br />

3. Até onde esta teoria considera a m ente como o anverso da m atéria ou<br />

como um mais tardio e mais elevado desenvolvim ento da matéria, m era referência<br />

tanto da mente como da m atéria a um a força subjacente não poupa a<br />

teoria de quaisquer dificuldades do já m encionado materialismo puro; porque,<br />

neste caso, tam bém a força é considerada como puramente física e se<br />

nega a prioridade do espírito.<br />

H erbert S pencer, Psychology, citado por Fiske, Cosmic Philosophy, 2.80 -<br />

“A mente e a ação nervosa são faces subjetivas e objetivas da mesma coisa.


1 5 6 Augustus Hopkins Strong<br />

Contudo ainda continuamos totalmente incapazes de ver, ou mesmo de imaginar,<br />

como ambas se relacionam. A mente ainda continua a ser para nós<br />

algo como o reinado de outras coisas”. Ow en, Anatomy of Vertebrates, citado<br />

por T albot, Bap. Quar., Jan. 1871.5 - “Tudo que eu sei sobre a matéria e a<br />

mente em si é que aquela é um centro exterior da força e esta um centro<br />

interior”. New Engtander, set. 1883.636 - “Se o átomo for simplesmente um<br />

centro da força e não uma coisa real em si, então ele é uma essência<br />

supersensívei, um ser imaterial. Fazer de algo imaterial a fonte da mente consciente<br />

é fazer algo tão maravilhoso como uma alma imortal ou um Criador<br />

pessoal”. Martineau, Study, 102-130, e Relig. and Mod. Materialism, 2 5 -<br />

“Se se toma a mente para construir o universo, como pode a negação da<br />

mente constituí-lo”?<br />

D avid H ill, Genetic Philosophy, 200,201, parece negar que o pensamento<br />

precede a força ou que a força precede o pensamento: “Objetos, ou coisas do<br />

mundo exterior, podem ser os elementos do processo do pensamento em um<br />

assunto cósmico sem que eles mesmos estejam conscientes. ... Uma verdadeira<br />

análise e uma gênese racional requerem o igual reconhecimento dos<br />

elementos da experiência tanto objetiva quanto subjetiva sem prioridade de<br />

tempo, separação no espaço ou ruptura do ser. Até onde as nossas mentes<br />

podem penetrar a realidade, descoberta nas atividades do pensamento, em<br />

qualquer lugar enfrentamos uma Razão Dinâmica”. No relato do D r. H ill<br />

sobre a gênese do universo, contudo, vem em primeiro lugar o inconsciente e<br />

dele parece derivar o consciente. A consciência do objeto é apenas o anverso<br />

do objeto da consciência. Isto é, segundo assinala Martineau, Study, 1.341,<br />

fazer o mar embarcar no navio”. Preferimos grandemente o ponto de vista de<br />

Lotze, 2.641 - “As coisas são atos do Infinito operadas só dentro das mentes<br />

ou estados que o Infinito não experimenta em parte alguma a não ser nas<br />

mentes. ... As coisas e os eventos são a soma das ações que o mais elevado<br />

Princípio apresenta em todos espíritos de modo tão uniforme e coerente que,<br />

para tais espíritos pode parecer um mundo de coisas substanciais e eficientes<br />

que existem no espaço fora delas”. Os dados dos quais extraímos nossas<br />

inferências quanto à natureza do mundo exterior mental e espiritual é mais<br />

racional atribuir ao mundo uma realidade espiritual do que aquela de que a<br />

nossa experiência não tem nenhum conhecimento.<br />

4. Até onde esta teoria sustenta a força subjacente de que a m atéria e a<br />

mente são m anifestações em qualquer sentido inteligentes e voluntárias, torna<br />

necessária a suposição de que há um Ser inteligente e voluntário que exerce<br />

tal força. As sensações e as idéias, contudo, só são explicáveis como manifestações<br />

da Mente.<br />

Muitos recentes pensadores cristãos como M urphy, Scientific Bases of<br />

Faith, 13-15, 29-36, 42-52, definiriam a mente como uma função da matéria,<br />

a matéria como função da força, a força como função da vontade e, conseqüentemente,<br />

o poder de um Deus onipresente e pessoal. Toda força, exceto<br />

a da vontade livre do homem, é a vontade de Deus. Escritores como Herschel,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Lectures, 460; A rgyll, Reign of Law, 121-127; W allace, ort Nat. Selection,<br />

363-371; M artineau, Essays, 1.63, 121, 145, 265; Bowen, Metaph. and Ethics,<br />

146-162, são levados à sua conclusão em grande parte pelas considerações<br />

^e que nenhuma coisa morta pode ser uma causa própria; essa vontade é a<br />

única causa de que temos conhecimento imediato; que as forças da natureza<br />

são inteligíveis só quando consideradas como esforços da vontade. Por isso<br />

a matéria é o centro da força - a expressão da mente e da vontade de Deus<br />

regular e, como se fosse, automática. As causas secundárias na natureza<br />

são apenas atividades secundárias da grande Primeira Causa.<br />

Bowne sustenta também este ponto de vista em sua Metaphysics. Ele considera<br />

como real apenas a pessoalidade. A matéria é fenomenal, embora<br />

seja uma atividade da vontade divina fora de nós. Por isso, o fenomenalismo<br />

de Bowne é um idealismo objetivo, altamente preferível ao de B erkeley, que,<br />

na verdade, defende a energia de Deus, mas só dentro da alma. Este idealismo<br />

de Bowne não é panteísmo, pois sustenta que, conquanto não haja causas<br />

secundárias na natureza, o homem é uma segunda causa com uma pessoalidade<br />

distinta da de Deus e elevada acima da natureza pelas forças da vontade<br />

livre. Contudo, Royce, Religious Aspect of Philosophy, and The World<br />

andthe Individual, faz a consciência do homem uma parte ou aspecto de uma<br />

consciência universal e, assim, em vez de fazer Deus vir à consciência no<br />

homem, faz o homem vir à consciência em Deus. Enquanto em um ponto de<br />

vista este esquema parece poupar a pessoalidade de Deus, pode-se duvidar<br />

que garanta igualmente a pessoalidade do homem ou abra espaço para a<br />

liberdade, a responsabilidade, o pecado e a culpa do homem. Bowne, Philos.<br />

Theism, 175 - “A ‘razão universal’ é um termo de classe que não denota<br />

nenhuma existência possível e que tem realidade só na existência possível<br />

de que se abstrai”. Bowne reivindica que o finito impessoal só tem procedimento<br />

de um outro quando um pensamento ou ato o tem para com o seu<br />

sujeito. Não há nenhuma existência substancial a não ser em pessoas. Seth,<br />

Hegelianismo e Pessoalidade: “O neokantismo erige a Deus a simples forma<br />

da consciência própria em geral, isto é, confunde consciência überhaupt<br />

(genérica) com uma consciência universal’.<br />

Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 318-348 - “Há na existência<br />

algo que não seja eu mesmo? Sim. Para escapar ao solipsismo devo admitir<br />

ao menos outras pessoas. Existe o mundo de objetos que só aparecem para<br />

mim? Não; ele existe também para os outros, de modo que vivemos num<br />

mundo comum. E este mundo comum consiste em algo mais do que uma<br />

semelhança de impressões nas mentes infinitas, de modo que além dele não<br />

há nada? Este ponto de vista não pode ser desaprovado, mas concorda tão<br />

mal com a nossa experiência total que é praticamente impossível. Então, o<br />

mundo das coisas é uma existência contínua de algum tipo finito independente<br />

do pensamento e da consciência? Este ponto de vista não pode ser demonstrado,<br />

mas é o único que não envolve dificuldades insuperáveis. O que é a<br />

natureza e onde fica o lugar desta existência cósmica? Eis a questão entre o<br />

Realismo e o Idealismo. O Realismo vê as coisas existirem num espaço real<br />

e como verdadeiras entidades ontológicas. O Idealismo tanto as vê como o<br />

espaço em que elas estão existindo só, como para úma Inteligência cósmica<br />

e independente de serem elas absurdas e corrtráditórias. As coisas inde-<br />

1 5 7


1 5 8 Augustus Hopkins Strong<br />

pendem do nosso conhecimento total, de uma grosseira materialidade que é<br />

a antítese e negação da consciência”.<br />

III. PANTEÍSMO IDEALISTA<br />

Panteísmo é o método de pensam ento que concebe o universo como o<br />

desenvolvim ento de um a substância inteligente e voluntária, em bora impessoal,<br />

que atinge a consciência só no homem. Portanto, identifica Deus, não<br />

com cada objeto individualm ente no universo, mas com a totalidade das coisas.<br />

O Panteísm o corrente nos nossos dias é idealista.<br />

Os elementos de verdade no Panteísmo são a inteligência e a voluntarieda-<br />

de de Deus e sua im anência no universo; seu erro está em negar a pessoalidade<br />

e transcendência de Deus.<br />

O panteísmo nega a existência real do finito ao mesmo tempo que priva o<br />

infinito da sua consciência própria e liberdade. H utton, Popular Pantheism, in<br />

Essays, 1.56-76 - “O ‘creio em Deus’ do panteísta é uma contradição. Ele diz:<br />

‘Eu percebo o exterior diferente de mim mesmo; porém, ao refletir mais tarde,<br />

percebo que tal exterioridade era em si mesmo um agente percebedor’.<br />

Assim, o objeto de adoração afinal de contas é o próprio adorador”. H arris,<br />

Philosophical Basis of Theism, 173 - “O homem é uma garrafa nas águas do<br />

oceano, por pouco tempo distinguível por sua limitação dentro da garrafa,<br />

mas perdida outra vez no oceano tão logo estes frágeis limites se quebrem”.<br />

M artineau, Types, 1.23 - A simples imanência exclui o Teísmo; a transcendência<br />

conserva-o ainda possível; 211-225 - O panteísmo declara que “não<br />

existe nada a não ser Deus; ele não é apenas causa, mas efeito total; ele é<br />

tudo em todos”. Espinosa tem sido chamado falsamente “o homem intoxicado<br />

de Deus”. “Ao contrário, Spinoza trouxe Deus para o universo; foi Malebran-<br />

che que o transfigurou em Deus”.<br />

O bramanismo tardio é panteísta. R owland W illiams, Christianity and<br />

Hinduism, citado em M osley, Miracles, 284 - “No estado final a pessoalidade<br />

desvanece. Você não aceita, diz o brâmane, o termo ‘vazio’ como descrição<br />

adequada da natureza misteriosa da alma, mas você a apreenderá claramente<br />

no estado fina! para tornar-se um pensamento, conhecimento, regozijo<br />

invisível e intocável - o que vem a ser o próprio Deus”. Flint, Theism, 69 -<br />

“Onde se deseja o fim da existência, como entre os hindus, há marcante incapacidade<br />

de pensar em Deus como causa ou vontade e constante tendência<br />

inveterada para o panteísmo”.<br />

H egel nega a transcendência de Deus: “Deus não é um espírito além das<br />

estrelas; ele é um espírito em todo espírito”; o que significa que Deus, o<br />

impessoal e inconsciente Absoluto, vem apenas à consciência do homem.<br />

Se o sistema eterno dos pensamentos abstratos fossem por si mesmos conscientes,<br />

o consciente finito desapareceria; daí a alternativa: ou\não Deus />u<br />

não homem. S tirling: “A Idéia, desta forma concebida, é um ídofo-eegofsur-<br />

do, invisível e a teoria é a mais desesperançada jamais apresentada à huma-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

nidade”. Trata-se de uma autolatria prática, ou autodeificação. O mundo<br />

reduz-se a um mero processo de lógica; o pensamento pensa; há pensamento<br />

sem pensador. A esta doutrina de H egel podemos opor as seguintes notas<br />

de Lotze: “Não podemos fazer a mente o equivalente ao infinitivo pensar,<br />

sentimos para que isto possa ser aquilo que pensa; a essência das coisas<br />

não pode ser ou a existência ou a atividade; ela deve ser aquilo que existe e<br />

aquilo que age. Pensar não significa nada se deixarmos de fora o conceito de<br />

um sujeito distinto daquelas e de que eles procedem”. Para H egel, o Ser é o<br />

Pensamento; para S pinosa o ser tem Pensamento + Extensão; parece que a<br />

verdade é que o ser tem Pensamento + Vontade e pode revelar-se na extensão<br />

e na evolução (Criação).<br />

Contudo, para outros filósofos, H egel se interpreta de outra forma. O P rof.<br />

H. Jones, Mind, Jul., 1893, 289-306, reivindica que a Idéia fundamental de<br />

Hegel não é o Pensamento, mas o ato de Pensar: Para ele o universo não é<br />

um sistema de pensamentos, mas uma realidade pensante manifesta mais<br />

completamente no homem. ... A realidade fundamental é a inteligência universal<br />

cuja operação devemos procurar detectar em todas as coisas. No fundo<br />

toda realidade é explicável como Espírito, ou Inteligência, pelo que a nossa<br />

ontologia deve ser uma Lógica e as leis das coisas devem ser as do ato de<br />

pensar". De igual modo, S te r r e tt, Studies in Hegeís Philosophy of Religion,<br />

17, cita a Lógica de Hegel, tradução para o inglês de W allace, 89,91,236:<br />

“A Substância de Spinoza é, como se fosse, um escuro abismo sem forma,<br />

que devora todo conteúdo definido como totalmente nulo e, a partir dele, nada<br />

produz que tenha subsistência positiva em si. ... Deus é Substância; contudo,<br />

não é menos que Pessoa Absoluta”. Isto é essencial para a religião; entretanto,<br />

diz Hegel, Spinoza nunca o percebeu: “Tudo depende da percepção da<br />

Verdade Absoluta, não simplesmente como Substância, mas como Sujeito”.<br />

Deus é um Espírito autoconsciente e autodeterminante. Fica excluída a<br />

necessidade. O homem é livre e imortal. Os homens não são componentes<br />

mecânicos de Deus, nem perdem a sua identidade, apesar de que verdadeiramente<br />

se acham nele. Com esta avaliação do sistema de Hegel concordam<br />

substancialmente Cairo, Erdmann e M u lfo rd . Este é o “Mais Elevado Panteísmo”<br />

de Tennyson.<br />

S eth, Ethical Principies, 440 - “Hegel concebe a superioridade do seu<br />

sistem a ao spinozism o consistente na substituição do S ujeito pela S ubstância.<br />

O verdadeiro A bsoluto deve conter relações ao invés de aboli-las; o verdadeiro<br />

m onism o deve incluir o pluralism o e não excluí-lo. A quele que, com o<br />

a S ubstância de S pinoza, ou o A bsoluto hegeliano, não é capaz de pensar<br />

nos m uitos, não pode se r o verdadeiro Uno - a unidade da m ultiplicidade. ...<br />

Visto que o m al existe, S chopenhauer substitui o P anlogism o de Hegel, que<br />

afirm a a identidade do racional e do real, um im pulso cego da vida, para a<br />

Razão absoluta ele substitui um a Vontade irra cional” - sistem a de pessim ismo<br />

prático. A lexander, Theories of \A/ill, 5 - “S pinoza não reconhece distinção<br />

entre a vontade e a afirm ação ou negaçãQ Jntelectual”. H egel cham a a Identidade<br />

ou o A bsoluto de S chelling “a noite infinita em que todas as vacas são<br />

pretas” - um a alusão ao Fausto de G oethe, parte 2, ato 1, onde se acrescentam<br />

as palavras: “e os gatos são pardos” . Em bora a preferência de Hegel pelo<br />

term o Sujeito, em lugar de S ubstância, tenha levado m uitos a sustentar que<br />

159


1 6 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

ele cria em uma pessoalidade de Deus distinta da do homem, sua ênfase na<br />

Idéia, e seu relativo desprezo aos elementos do Amor e da Vontade, fica ainda<br />

a dúvida se a sua Idéia é algo mais que a inteligência inconsciente e impessoal<br />

- na verdade menos materialista que a de Spinoza, contudo, abrem-se<br />

muitas das mesmas objeções.<br />

Objetamos a este sistem a da seguinte maneira:<br />

1. Sua idéia de Deus contradiz-se a si m esm a porque ela o faz infinito,<br />

em bora consistindo só no finito; absoluto, em bora existindo na relação necessária<br />

com o universo; supremo, em bora contendo em si um processo de auto-<br />

evolução e dependência da autoconsciência do homem; sem autodeterminação,<br />

contudo, a causa de tudo o que existe.<br />

S aisset, Pantheism, 148 - “Um Deus imperfeito, embora a perfeição surja<br />

da imperfeição”. S hedd, HistoryofDoctríne, 1 .1 3 - “O panteísmo aplica a Deus<br />

um princípio de desenvolvimento e imperfeição, que só pertence ao finito”.<br />

C alderwood, Moral Philos., 245 - Seu primeiro requisito é o momento, ou o<br />

movimento, que assume mas não explica”. Aplica-se aqui o sarcasmo de Caro:<br />

“O vosso Deus ainda não foi feito - ele ainda está em processo de fabricação”<br />

. Ver H. B. S mith, Faith and Philosophy, 25. O panteísm o é um ateísm o<br />

prático, pois o espírito im pessoal é apenas um a força cega e necessária.<br />

A ngelus S ilesius: “W ir beten ‘Es gescheh’, m ein H err und Gott, dein W ille’;<br />

Und s ie ’, Er hat nicht W ill’, - Er ist ein ew ’ge S tille” - o que Max M üller traduz<br />

da seguinte form a: “R ogam os, Senhor, nosso Deus: Faze a tua santa vonta­<br />

de’; e vê! Deus não tem vontade; ele está calm o e tranq üilo”. A ngelus Silesius<br />

consiste n te m e n te faz Deus d e p e n d e r da co n s c iê n c ia pró p ria no hom em :<br />

“Eu sei que Deus não pode viver um instante sem mim; ele deve deixar o<br />

espírito se eu deixar de existir”. S eth, Hegelianism and Personality. “O hege-<br />

lianismo destrói tanto Deus como o homem. Reduz o homem a um objeto do<br />

Pensador universal e deixa-o sem qualquer verdadeira pessoalidade”. O panteísmo<br />

é um jogo de solitário, em que Deus joga em ambos os lados.<br />

2. A sua suposta unidade substancial não somente carece de prova, mas<br />

contradiz diretamente nossos juízos intuitivos.<br />

M artineau, Essays, 1.158 - “Mesmo para imanência deve haver algo em<br />

que se pode abrigar e, para a vida, sobre o que se pode apoiar para agir”.<br />

Muitos deles confundem harmonia entre duas e absorção em uma. “Na Escritura<br />

nunca encontramos o universo chamado de to jcâv, porque isto sugere a<br />

idéia da unidade contida em si mesma; em lugar disto temos (^m toda parte tà<br />

Ttávta”. A Bíblia reconhece o elemento de verdade no panteísmo - Deus é<br />

‘por todos’; também o elemento de verdade no misticismo* - Deus está ‘em<br />

vós todos’; mas acrescenta o elemento transcendência que kmbos deixam de<br />

reconhecer - Deus é ‘acima de todos’ (Ef. 4.6). G. D. B. PEPPÈRi-“Âquele que<br />

é sobre todos e em todos é, contudo, distinto de todos. Se alguém é acima de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 161<br />

alguma coisa, ele não é aquela mesma coisa sobre a qual ele é. Se alguém<br />

está em alguma coisa deve ser distinto dela. E do mesmo modo o universo<br />

sobre o qual e no qual Deus está deve-se pensar como alguma coisa distinta<br />

de Deus. A criação não pode ser idêntica a Deus ou uma simples forma de<br />

Deus”. Contudo, acrescentamos que pode ser uma manifestação de Deus de<br />

quem depende como os nossos pensamentos e atos são manifestações da<br />

nossa mente e vontade e dependem delas embora eles não sejam a nossa<br />

mente e a nossa vontade.<br />

Pope escreve: “Todos são apenas partes de um estupendo todo; A eles<br />

pertence a natureza corpórea; e Deus é a sua alma”. Mas Case, Phisical<br />

Realism, 193, replica: “Não é assim. A natureza é para Deus o que as obras<br />

são para os homens; e, como as obras dos homens não são o seu corpo,<br />

assim também a natureza não é o corpo de Deus”. Matthew A rnold, on Heine’s<br />

Grave: “O que somos nós todos senão um modo, um simples modo da vida<br />

Do Ser em quem existimos Que é o único de todas as coisas em um”? Hovey,<br />

Studies, 51 - “A Escritura reconhece o elemento de verdade no panteísmo,<br />

mas também ensina a existência de um mundo de coisas, animadas e inanimadas,<br />

distintas de Deus. Ele representa os homens como propensos a adorar<br />

a criatura em lugar do Criador. Descreve-os como pecadores dignos de<br />

morte ... agentes morais, ... para ele, os homens são, literalmente, partes de<br />

Deus mais do que os filhos partes dos seus pais, como os súditos são parte<br />

do seu rei”. A. F. J. Behrends: “A verdadeira doutrina está entre dois extremos;<br />

o do dualismo grosseiro, que faz Deus e o mundo duas entidades contidas<br />

em si mesmas, e um monismo substancial em que o universo tem apenas<br />

uma existência fenomenal. Não se trata de nenhuma entidade da substância,<br />

nem de divisão da divina. O universo é eternamente dependente do produto<br />

não simplesmente fabricado do Verbo divino. A criação é principalmente um<br />

ato espiritual”. P rof. Forbes: “A matéria existe numa dependência subordinada<br />

a Deus. O corpo de Cristo é o Cristo exteriorizado, manifesto à percepção<br />

sensível. Quando apreendo a matéria, estou apreendendo a mente e a vontade<br />

de Deus. Este é o mais elevado tipo de realidade. Nem a matéria nem os<br />

espíritos finitos são meros fenômenos”.<br />

3. Não atribui nenhum a causa suficiente ao fato do universo que é do nível<br />

mais elevado e, portanto, carece da m aior explicação, a saber, a existência de<br />

inteligências pessoais. Uma substância que em si m esm a é inconsciente e está<br />

sob a lei da necessidade não pode produzir seres que são autoconscientes e<br />

:vres.<br />

Gess, Foudations of our Faith, 36 - “O instintó animal e o espírito de uma<br />

nação que elabora a sua linguagem, poderiarfi fornecer analogias se, como<br />

resultado, produzissem personalidades, mas não o oposto. Tais tendências<br />

não se originam por si mesmas; são recebidas'dajjma fonte exterior”. Seth,<br />

Freedom as na Ethical Postulate, 47 - “Se o homem é um 'imperium in império’,<br />

não uma pessoa, mas apenas um aspecto ou expressão quer do universo<br />

quer de Deus, então ele não pode ser livre. O homem pode ser desperso-


1 6 2 Augustus Hopkins Strong<br />

nalizado na natureza ou em Deus. Através da concepção da nossa própria<br />

personalidade chegamos à de Deus. Para desenvolver a nossa personalidade<br />

na de Deus seria necessário negar a própria grandeza divina, invalidando<br />

a concepção através da qual se chegou a ela”. B r a d l e y , Appearance and<br />

Reatity, 551, é ainda mais ambíguo: “A relação positiva de cada aparência<br />

para com a Realidade é como um adjetivo; e é como a presença da realidade<br />

perante as suas aparências em diferentes graus e com diversificados valores;<br />

achamos que esta dupla verdade é o centro da filosofia”. Ele protesta<br />

tanto contra “uma transcendência vazia” como contra um “raso panteísmo”.<br />

A imanência hegeliana e o conhecimento, afirma ele, identificam Deus e o<br />

homem. Porém Deus é mais do que o homem ou do que o pensamento deste.<br />

Deus é espírito e vida - melhor entendido a partir do eu humano, com seus<br />

pensamentos, sentimentos e vontade. É necessário que a transcendência<br />

qualifique a imanência. “Deus não é Deus até que se torne tudo em todos e,<br />

um Deus que é tudo em todos não é o Deus da religião. Deus é um aspecto,<br />

e isto pode apenas significar uma aparência do Absoluto”.<br />

4. Portanto, contradiz as afirmações da nossa natureza m oral e religiosa ao<br />

negar a liberdade e responsabilidade do homem; fazendo Deus incluir em si<br />

todo o mal assim como todo o bem; e excluindo toda oração, todo louvor e<br />

toda esperança de imortalidade.<br />

A consciência é a testemunha eterna contra o panteísmo. Ela dá testemunho<br />

da nossa liberdade e responsabilidade e declara que as distinções morais<br />

não são ilusórias. R e n o u f , Hibbert Lect, 234 - “Está fora da condescendência<br />

para com a linguagem popular que os sistemas panteístas podem reconhecer<br />

as noções de certo e errado, de iniqüidade e pecado. Se tudo, na verdade,<br />

emana de Deus, não pode haver pecado. E os mais capazes filósofos que<br />

têm sido conduzidos aos pontos de vista panteístas debalde têm-se empenhado<br />

em harmonizar tais pontos de vista com o que entendemos por noção<br />

de pecado ou mal moral. A grande obra sistemática de S p in o s a intitula-se<br />

‘Ética’; porém podemos encontrar a verdadeira ética consultando os Elementos<br />

de Euclides”. H o d g e , Sistematic Theoi., 1.299-330 - “O panteísmo é fatalista.<br />

Em tal teoria, dever = prazer; direito = poder; pecado = bom de se fazer.<br />

Satanás, do mesmo modo que Gabriel, é um desenvolvimento de Deus.<br />

Os efeitos práticos do panteísmo sobre a moral popular e a vida, onde quer<br />

que tenha prevalecido, tanto na índia budista como na China, demonstram<br />

sua falsidade”.<br />

W o r d s w o r t h : “Volte os olhos para o alto céu! o industrioso sol Já corre em<br />

meio ao seu curso; Ele não pode parar ou desviar-se; Porém nosso^ espíritos<br />

imortais o podem”. P r e s id e n t e J o hn H . H a r r is : “Você nunca pede a opinião do<br />

ciclone a respeito dos dez mandamentos”. B o w n e , Philos. of Theism, 245 -<br />

“O panteísmo torna o homem um autômato. Mas como pode umlautômato ter<br />

deveres”? Principies of Ethics, 18 - “A Ética é definida como W ciência da<br />

conduta e apoia-se nas convenções da linguagem contam com aheebertura<br />

total do fato de que não há nenhuma ‘conduta’ neste caso. Se o homem é, na<br />

verdade, um autômato, bem podemos falar da conduta dos ventos do mesmo


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

moáo que âa corvdula de um set humano; e um \ta\ado sobte os movvmenlos<br />

planetários do sistema solar é tão verdadeiramente ético como um tratado<br />

sobre os movimentos humanos é a ética do homem”, Porque falta um claro<br />

reconhecimento da pessoalidade quer humana, quer divina, a Ética de H e g e l<br />

é desprovida de todo o alimento espiritual, - sua “Rechtsphilosophie” tem<br />

sido chamada de “repasto de fibras”. Contudo, o P r o f e s s o r J o n e s , Mind, jul.,<br />

1893.304, diz-nos que a tarefa de H eg e l é “descobrir que concepção do princípio<br />

simples ou unidade fundamental é por si só e coaduna-se com as diferenças<br />

que apresenta. Ele acha que o ‘S e i não abre espaço para diferenças;<br />

elas o potencializam excessivamente.... Ele acha, ainda, que a Realidade<br />

só pode existir como consciência própria absoluta, como um Espírito, que é<br />

universal e que a si mesmo se conhece em todas as coisas. Em tudo isto ele<br />

trata não somente dos pensamentos, mas da Realidade”. Contudo, a vindica-<br />

ção do P r o f . J o n e s a respeito de H e g e l ainda deixa por decidir se aquele<br />

filósofo considera a consciência própria da parte de Deus distinta da dos<br />

seres finitos, ou se inclui somente estes.<br />

S. Nossa convicção intuitiva da existência de um Deus de perfeição absoluta<br />

compele-nos a conceber um Deus possuído de cada um a das mais altas<br />

qualidades e atributos dos homens e, portanto, especialmente daquilo que constitui<br />

a principal dignidade do espírito humano, sua personalidade.<br />

D im a n, Theistic Argument, 328 - “ N ã o te m o s d ire ito d e r e p re s e n ta r a c a u s a<br />

s u p r e m a c o m o in fe r io r a n ó s m e s m o s , e m b o r a o fa ç a m o s q u a n d o a d e s c r e ­<br />

v e m o s c o m e x p r e s s õ e s d e r iv a d a s d a c a u s a fís ic a ” . M iv a r t, Lessons from<br />

Nature, 351 - “ N ã o p o d e m o s c o n c e b e r q u a lq u e r c o is a c o m o im p e s s o a l, a in d a<br />

q u e d e n a tu r e z a m a is e le v a d a q u e a n o s s a ; q u a lq u e r s e r q u e n ã o te n h a<br />

c o n h e c im e n to e v o n ta d e d e v e s e r in d e fin id a m e n te in fe r io r à q u e le q u e o s te m ” .<br />

L o tz e s u s te n ta , c o m v e r d a d e , n ã o q u e D e u s é s u p r a - p e s s o a l, m a s infra-p e s ­<br />

s o a l e v ê q u e s ó n o S e r in fin ito e s tá a a u to - s u fic iê n c ia e, p o r is s o , a p e s s o a li­<br />

d a d e p e rfe ita . K n ig h t , Essays in Philosophy, 224 - “A c a r a te r ís tic a ra d ic a l d a<br />

p e s s o a lid a d e é a s o b r e v iv ê n c ia d o e u p e r m a n e n te s o b to d a s a s fa s e s in c o n s ­<br />

ta n te s o u e fê m e r a s d a e x p e riê n c ia ; a s a b e r, a id e n tid a d e p e s s o a l q u e e s tá<br />

e n v o lv id a n a a fir m a ç ã o ‘e u s o u ’ . ... É a lim ita ç ã o u m a c e s s ó rio n e c e s s á rio<br />

d e s s a n o ç ã o ” ? S e t h , Hegelianism: “Como e m n ó s h á m a is para nós mesmos<br />

d o q u e para os outros, d o m e s m o m o d o e m D e u s h á m a is p e n s a m e n to para<br />

ele mesmo d o q u e o p r ó p rio D e u s nos m a n ife s ta . A d o u tr in a d e H e g e l é a d a<br />

im a n ê n c ia s e m a tr a n s c e n d ê n c ia ” . H e in r ic h H e in e fo i a lu n o e a m ig o ín tim o d e<br />

H e g e l. D iz e le : “Eu e r a jo v e m e m e s e n tia o r g u lh o s o e e ra a g ra d á v e l a m in h a<br />

v a n g lo r ia q u a n d o e u a p r e n d ia d e H e g e l q u e o v e r d a d e ir o D e u s n ã o e ra , c o m o<br />

c ria a m in h a a v ó , o D e u s q u e v iv ia n o c é u , p o ré m e ra , e m v e z d is s o , eu-mes-<br />

mo aqui na terra”. J o h n F is k e , Idea of God, x v i - “Visto q u e a n o s s a rio ç ã o d e<br />

fo r ç a é p u ra m e n te u m a g e n e r a liz a ç ã o d a s n o s s a s s e n s a ç õ e s s u b je tiv a s d e<br />

re s is tê n c ia s u p e ra d a , d ific ilm e n te h á m e n o s a n tr o p o m o r fis m o n a e x p re s s ã o<br />

‘Poder Infinito’ d o q u e e m ‘Pessoa Infinita’. D e v e m o s s im b o liz a r a divindade<br />

d e a lg u m a fo r m a q u e te m s e n tid o p a r a n ó s ; n ã o p o d e m o s s im b o liz á - la c o m o<br />

1 6 3


1 6 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

física; temos de simbolizá-la como psíquica. Por isso podemos dizer: Deus é<br />

Espírito. Isto implica pessoalidade de Deus”.<br />

6. Sua objeção à pessoalidade divina, que diante do Infinito não pode haver<br />

na eternidade passada nenhum non-ego que invoque a autoconsciência, se<br />

refuta considerando que mesmo a cognição do non-ego por parte do homem<br />

logicamente pressupõe conhecim ento do ego, do qual o non-ego se distingue;<br />

que, na mente absoluta, a autoconsciência não pode ser condicionada, como<br />

no caso da mente finita, ao contato com o não-eu; e que, se a distinção do eu<br />

em relação ao não-eu fosse condição essencial da autoconsciência divina, as<br />

eternas distinções pessoais na natureza divina ou estados eternos da mente<br />

divina poderiam fornecer tal condição.<br />

P f l e id e r e r , Die Fteligion, 1.163,190 sgt. - “A autoconsciência não é primordialmente<br />

uma distinção entre o ego e o não ego, porém, ao invés disto, é<br />

uma distinção entre o próprio ser e ele mesmo, isto é, entre a unidade do eu<br />

e a pluralidade do seu conteúdo. ... Antes que a alma estabeleça distinção<br />

entre o eu e o não eu, ela deve conhecer o eu - ou não poderá perceber tal<br />

distinção. Seu desenvolvimento tem conexão com o conhecimento do não<br />

eu, porém isto se deve, não ao fato da pessoalidade, mas da pessoalidade<br />

finita. O homem maduro pode viver por muito tempo com seus próprios recursos.<br />

Deus não precisa de um outro, para estimular a atividade mental. A fini-<br />

tude é um embaraço no desenvolvimento da nossa personalidade”. L o t z e ,<br />

Microcosm, vol. 3, cap. 4; trad. na N. Ingl. mar., 1881.191-200 - “O espírito<br />

finito, não tendo por si mesmo condições de existência, só pode conhecer o<br />

ego na ocasião em que conhece o não ego. Por isso o infinito não é limitado.<br />

Só ele tem existência independente que não é introduzida nem desenvolvida<br />

através qualquer coisa a não ser ele mesmo, mas, numa atividade interior<br />

sem início nem fim, sustenta-se a si mesmo”.<br />

D o r n e r , Glaubenslehre: “Pessoalidade Absoluta = consciência perfeita do<br />

eu e perfeito poder sobre o eu. Nós necessitamos de algo exterior para despertar<br />

a nossa consciência - apesar de que a autoconsciência vem [logicamente]<br />

antes da consciência do mundo. É o ato da alma. S ó depois de se<br />

distinguir o eu do próprio eu pode-se conscientemente distinguir o eu de um<br />

outro ser”. Revista Bristish Quarteriy, jan. 1874.32, nota; jul 1884.108 -<br />

“O ego só é pensante em relação ao não ego; mas o ego é vivente muito<br />

tempo antes de qualquer relacionamento. S h e d d , Dogm. Theol., 1.185,186 -<br />

No esquema panteísta, “Deus se distingue do mundo e, conseqüentemente,<br />

encontra o sujeito que o objeto requer;... no esquema cristão, Deus se distingue<br />

de si mesmo não a partir de algo que não seja ele mesmo”.<br />

Sobre o panteísmo, i/erMARTiNEAU, Study of Reiigion, 2.141-194resp . 192<br />

- “A pessoalidade de Deus consiste na sua atuação voluntáriaxomo causa<br />

livre numa esfera não comprometida, isto é, a que transcendei a da lei ima-<br />

nente. Mas também isto constitui precisamente sua infinitudé, estendendo<br />

sua influência depois que ela cobriu o real, sobre todo o possível, comandando


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 165<br />

alternativas indefinidas. Embora você possa negar sua infinitude sem prejuízo<br />

da sua pessoalidade, não pode negar esta sem sacrificar aquela: porque<br />

há um modo de ação - o preferencial, o próprio que distingue os seres racionais<br />

- do qual você o exclui”; 341 - “Os metafísicos que, na impaciência de<br />

distingir, insistem em levar o mar a bordo de uma embarcação, não só a inundam,<br />

o pensamento que ela defende, como abandonam uma infinitude que,<br />

quando não penetra nenhum olho e não cochicha a nenhum ouvido, contradizem-se<br />

na sua própria afirmação”.<br />

Para o ponto de vista oposto, ver B ie d e r m a n n , Dogmatik, 638-647 - “ S ó o<br />

homem, espírito finito, é pessoal; Deus, espírito absoluto, não o é. Contudo,<br />

na religião as relações mútuas de intercâmbio e comunhão são sempre pessoais.<br />

... Pessoalidade é o único termo adequado pelo qual podemos representar<br />

a concepção teísta de Deus”. B r u c e , Providential Order, 76 - “Scho-<br />

penhauer não nivela por cima a força cósmica à humana, mas nivela por<br />

baixo a força de vontade à cósmica. Spinosa sustenta que o intelecto em<br />

Deus não é mais semelhante ao do homem do que a estrela da constelação<br />

do Cão ao cão. H a r t m a n n acrescentou o intelecto à vontade de S c h o p e n h a u e r ,<br />

porém o intelecto é inconsciente e nada entende das distinções morais”. ...<br />

Panteísmo = Deus consiste em todas as coisas; Teísmo = Todas as coisas<br />

consistem em Deus, base delas, não a sua soma. O espírito no homem mostra<br />

que o Espírito infinito deve ser uma Mente e uma Vontade pessoal e transcendente.<br />

IV. MONISMO ÉTICO<br />

M onismo Ético é o método de pensamento que sustenta um a só substância,<br />

base, ou princípio do ser, isto é, Deus, mas tam bém sustenta os fatos éticos da<br />

transcendência de Deus assim como sua im anência e a pessoalidade de Deus<br />

distinta da pessoalidade do homem, garantindo-a.<br />

Embora não admitamos aqui a autoridade da Bíblia, reservando a nossa<br />

prova disto à divisão seguinte sobre As Escrituras, uma Revelação de Deus,<br />

podemos, contudo, citar passagens que mostram que a nossa doutrina não é<br />

inconsistente com os ensinos da Escritura Sagrada. A imanência de Deus<br />

está implicada em todas declarações da sua onipresença, como por exemplo:<br />

SI. 139.7 sq. - “Para onde me irei do teu Espírito, ou para onde fugirei da tua<br />

face”? Jr. 23.23,24 - “Eu sou apenas Deus de perto, diz o Senhor, e não<br />

também Deus de longe? ... não encho os céus e a terra”? At. 17.27,28 - “não<br />

está longe de cada um de nós; porque nele vivemos, nos movemos, existimos”.<br />

A transcendência de Deus está implicada em passagens tais como:<br />

1 Re. 8.27 - “Eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter”;<br />

SI. 113.5 - “que habita nas alturas”; Is. 57.15 - “o Alto e crSublime que habita<br />

na eternidade”. j<br />

Eis a fé que A g o s t in h o sentia: “ Ó Deus, tu nos fizeste para ti e o nosso<br />

coração não repousa enquanto não descansar em ti. ... E^nãro poderia ser, ó<br />

meu Deus, não poderia ser afinal de contas se tu não fosses comigo; se eu


1 6 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

não estivesse em ti, de quem são todas as coisas, por quem são todas as<br />

coisas, em quem são todas as coisas”. E A n s e l m o , Proslogion, faia s o b re a<br />

natureza divina: “É a essência do ser, o princípio da existência, de todas as<br />

coisas. ... Sem partes, sem as diferenças, sem acidentes, sem mudanças,<br />

pode-se dizer, em certo sentido, que só ela existe porque, comparadas a ela,<br />

as outras coisas que aparecem não têm existência. O Espírito imutável é tudo<br />

o que é e ela é isto sem limite de modo simples e intérmino. É a Existência<br />

perfeita e absoluta. O resto proveio da não entidade e para lá voltará se não<br />

for sustentada por Deus. Ela não existe por si mesma. Neste sentido só o<br />

Criador existe; as coisas criadas não”.<br />

1. Enquanto o M onismo Ético abrange o elem ento de verdade contido no<br />

Panteísm o - a verdade de que Deus está em todas as coisas e que todas as<br />

coisas estão em Deus - considera esta unidade científica inteiramente consistente<br />

com os fatos da ética - liberdade, responsabilidade, pecado e culpa do<br />

homem; em outras palavras, o M onismo M etafísico, ou a doutrina da substância,<br />

base ou princípio do ser, é qualificado pelo Dualismo psicológico, ou<br />

doutrina de que a alma é pessoalm ente distinta, por um lado da m atéria e, por<br />

outro, de Deus.<br />

O Monismo Ético defende os fatos éticos da liberdade do homem e a transcendência<br />

e pessoalidade de Deus; é o monismo da livre vontade em que a<br />

pessoalidade tanto humana como divina, o pecado e a justiça, Deus e o mundo<br />

permanecem - dois em um, um em dois - em sua antítese moral bem<br />

como em sua unidade natural. L a d d , Introd. to Philosophy. “ O dualismo é submissão,<br />

na história e nas salas da razão, a uma filosofia monística. ... Alguma<br />

forma do monismo filosófico é indicada pelas pesquisas da psicofísica e pela<br />

filosofia da mente que constrói sobre princípios alicerçados em tais pesquisas.<br />

Como realidades correlatas, o corpo e a mente devem ter uma espécie<br />

de base comum. ... Eles se completam na Realidade última; têm a sua vida<br />

entrelaçada como expressões daquela Vida que é imanente nos dois. ... Apenas<br />

alguma forma do monismo que satisfará os fatos e verdades a que tanto<br />

o realismo como o idealismo apelam podem ocupar o lugar da filosofia verdadeira<br />

e final.... Deste modo, o monismo deve construir seus princípios quanto<br />

à preservação, ou pelo menos não contradizer e destruir as verdades implicadas<br />

na distinção entre o eu e o não eu, ... entre o moralmente bom e o moralmente<br />

mau. Nenhuma forma de monismo que erige seu sistema sobre as<br />

ruínas dos princípios e ideais fundamentalmente éticos pode persistentemente<br />

sustentar-se”. ... Filosofia da Mente, 411 - “O dualismo deve ser diluído em<br />

alguma solução monística última. O Ser do mundo de què todos os seres em<br />

particular constituem-se apenas partes e devem assim concebidos como o<br />

que nele pode ter a base de todas existências e atividades iKterrel^cionadas.<br />

... Este Princípio é a Outra Mente Absoluta”. ?<br />

D o r n e r , Hist. Doct. Person ofChrist, II, 3.101, 231 - “A unidade da essência<br />

em Deus e no homem é a grande descoberta da época presente. ... A carate-<br />

rística marcante de toda a Cristologia recente é o empenho em assinalar a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 6 7<br />

unidade essencial, Deus e homem. Para a teologia dos nossos dias o divino<br />

e o humano não são magnitudes mutuamente excludentes, mas conexas.<br />

... Contudo, a fé postula uma diferença entre o mundo e Deus, entre os que a<br />

religião procura unir. A fé não quer um relacionamento consigo mesma ou<br />

com suas representações e pensamentos; isto seria um monólogo; a fé deseja<br />

um diálogo. Por isso não combina com um monismo que reconhece só<br />

Deus, ou só o mundo; contrapõe tal monismo como este. A dualidade é, de<br />

fato, uma condição da verdadeira unidade vital. Mas dualidade não é dualismo.<br />

Ela não tem nenhuma pretensão de opor-se à demanda pela unidade’’.<br />

P r o f e s s o r S m a l l de Chicago: “Com raras exceções de cada lado, toda a<br />

filosofia atual é monística em suas pretensões ontológicas; é dualística em<br />

seus procedimentos metodológicos”. A. H. B r a d f o r d , The Age of Faith, 71 -<br />

“Os homens e Deus são, em substância, os mesmos, embora não idênticos<br />

como indivíduos”. A teologia de cinqüenta anos atrás era simplesmente individualista<br />

e ignorava a verdade complementar da solidariedade. Do mesmo<br />

modo pensamos a respeito dos continentes e ilhas do nosso globo separados<br />

uns dos outros. O dissociável mar é considerado como uma barreira absoluta<br />

entre eles. Mas se se pudesse secar o oceano, ver-se-ia que, durante todo o<br />

tempo tinha havido conexões submarinas e a unidade escondida de todas as<br />

terras apareceria. Do mesmo modo a individualidade dos seres humanos,<br />

real como é, não é apenas realidade. Há o fato mais profundo da vida comum.<br />

Mesmo os grandes picos das montanhas da personalidade são distinções<br />

superficiais comparadas com a unidade orgânica em que elas estão arraigadas,<br />

em que elas se aprofundam e de que todas elas, como os vulcões, recebem<br />

às vezes rápidos e transbordantes impulsos de discernimento, emoção<br />

e energia.<br />

2. Em contraste com os dois erros do Panteísm o - a negação da transcendência<br />

de Deus e a negação da pessoalidade de Deus - o M onismo Ético sustenta<br />

que o universo, ao invés de ser um com Deus e contérmino com Deus, é<br />

apenas um a m anifestação finita e progressiva da Vida divina: A M atéria é a<br />

autolimitação de Deus sob a lei da Necessidade; a Hum anidade é a autolimita-<br />

ção de Deus sob a lei da Liberdade; a Encarnação e a Expiação a autolimitação<br />

de Deus sob a lei da Graça.<br />

O universo se relaciona com Deus/do mesmo modo que os meus pensamentos<br />

se relacionam com o pensadór, que sou eu. Eu sou maior do que os<br />

meus pensamentos e os meus pensamentos variam em valor moral. O Monismo<br />

Ético remonta a um começo, enquàhtCLO^anteísmo considera o universo<br />

coeterno com Deus. O Monismo Ético afirma a transcendência de Deus,<br />

enquanto o panteísmo considera Deus aprisionado no universo. O Monismo<br />

Ético afirma que o céu dos céus não podem contê-lo, mas que, contrariamente,<br />

o universo tomado em seu todo, com seus elementos e forças, seus sóis e<br />

sistemas solares são apenas um leve bafejo da boca divina ou uma gota de<br />

orvalho caída sobre a franja das suas vestes. U p t o n , Hibbert L e c t “O Eterno<br />

está presente em cada coisa finita e sente-se e se conhece a sua presença


1 6 8 Augustus Hopkins Strong<br />

em cada alma racional; porém ainda não está quebrada em individualidades;<br />

ao contrário, sempre permanece um e a mesma substância eterna, um e o<br />

mesmo princípio unificador, presente de modo imanente e indivisível em cada<br />

um dos que formam a incontável pluralidade dos indivíduos finitos em que<br />

o entendimento analítico dos homens disseca o Cosmos”. J a m e s M a r t in e a u ,<br />

abr. 1895.559 - “O que é a natureza senão a província dos comprometidos<br />

com Deus e a habitual causalidade? E o que é o Espírito senão a província da<br />

livre causalidade atendendo às necessidades e sentimentos dos seus filhos?<br />

... Deus não é um arquiteto aposentado, que pode a qualquer momento ser<br />

chamado a fazer reparos. A natureza não é por si mesma ativa e a atuação de<br />

Deus não é intrometida”.<br />

Muitos poetas mostram sua simpatia por esta doutrina. “Cada nova criação<br />

vigorosa, Improvisação divina, procede do coração de Deus”. R o bert B ro w ning<br />

assevera a imanência de Deus; Hohenstiel-Schwahgau: “Eis a glória que em<br />

tudo que se concebe Ou se sente, ou se conhece, Reconheço uma mente -<br />

não a minha, mas semelhante a ela - para duplo regozijo, Faz tudo em meu<br />

benefício e eu em seu benefício”; P o p e , The Ring and Book. “Tu, que neste<br />

lugar a mim és representado do modo como o concebe a minha alma - Sob a<br />

tua imensurabilidade, na minha amplitude atômica! A mente humana, o que é<br />

senão uma lente convexa, que converge todos os pontos espalhados Colhidos<br />

da imensidão do céu, Para nele reunir, seja o nosso céu pela terra,<br />

O nosso Conhecido Desconhecido, nosso Deus revelado ao Ser humano”?<br />

Mas B r o w n in q também afirma a transcendência de Deus; Morte no Deserto:<br />

“O homem não é Deus, mas tem como fim servi-lo, Como um Senhor a ser<br />

obedecido, uma causa a ser defendida, Como algo a ser lançado, algo a ser<br />

transformado”; em Véspera de Natal, o poeta escarnece: “Importante tropeço<br />

De acrescentar, ele, o sábio e humilde, é também um só com o Criador”.<br />

Assim também o Alto Panteísmo de T e n n y s o n “ O sol, a lua as estrelas, os<br />

mares, os montes, e as planícies, não são estas, Ó minha alma, a visão daquele<br />

que reina? As trevas são o mundo para ti; tu mesmo és o motivo; Pois não<br />

ele, mas tu és tudo, tu, que tens o poder de sentir o ‘eu sou eu’? Fala-lhe tu,<br />

porque ele ouve e o espírito pode encontrar-se com o espírito; Ele está mais<br />

perto do que o sopro do que as mãos e os pés. E o ouvido do homem não<br />

pode ouvir e nem o olho pode ver; Mas se pudéssemos ver e ouvir não seria<br />

Ele mesmo esta visão”?<br />

3. A im anência de Deus, como um a substância, base e princípio do ser, não<br />

destrói, mas garante a individualidade e os direitos de cada porção do universo<br />

de m odo que há variedade de nível e dotação. No caso dos seres morais,<br />

determ ina-se o grau do reconhecim ento voluntário e apropriação do divino.<br />

Enquanto Deus é tudo, ele também está em tudo; faz assim o universo uma<br />

m anifestação graduada e progressiva de si mesmo tanto no seu amor pela retidão<br />

como na sua oposição ao mal moral.<br />

Tem-se acusado que esta doutrina do monismo envolve necessariamente<br />

indiferença moral; que a presença divina em todas as coisas quebra todas as


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

distinções de nível e torna as coisas iguais umas às outras; que se legitima e<br />

se consagra o mal do mesmo modo que o bem. Isto é verdade a respeito do<br />

monismo panteístico, mas não o é a respeito do monismo ético; porque este<br />

é o monismo que reconhece o fato ético da inteligência e da vontade pessoais<br />

tanto em Deus como no homem e, com estes, o propósito de Deus<br />

tornar o universo uma variada manifestação de si mesmo. A adoração de<br />

gatos, de touros e de crocodilos no antigo Egito, e a deificação da luxúria nos<br />

templos bramânicos da índia eram expressões de um monismo não ético,<br />

que não via em Deus atributos morais e identificava Deus com as suas manifestações.<br />

Como ilustração dos equívocos em que os críticos do monismo<br />

podem cair por falta de discriminação entre o monismo que é panteísta e<br />

o monismo que é ético, fazemos a seguinte citação de E m m a M a r ie C a il l a r d :<br />

“As partes integrantes de Deus estão, nas premissas monísticas, enganosas,<br />

sensualistas, assassinas, de mau humor dos maus pensadores em cada descrição.<br />

Seus crimes e suas paixões intrinsecamente entram na experiência<br />

divina. O Indivíduo infinito em sua inteireza pode, na verdade, rejeitá-las, mas<br />

estes maus indivíduos finitos não se constituem partes dele, em menor escala<br />

que os rebentos de uma árvore, embora não sejam árvore e, embora a<br />

árvore transcenda qualquer ou todas elas, apesar de que se constituem partes<br />

dela. Pode aquele cuja consciência universal inclui e define toda a consciência<br />

finita ser outra coisa a não ser a responsável por todas ações e motivos<br />

finitos”?<br />

A esta acusação podemos responder com as palavras de B o w n e , The<br />

Divine Immanence, 130-133 - “O vinho novo da imanência tem aquecido<br />

algumas cabeças fracas a ponto de pôr todas as coisas no mesmo nível, e<br />

considerar os homens e camundongos como se fossem de igual valor. Porém<br />

nada há na dependência de todas as coisas relativamente a Deus que remova<br />

as suas distinções valorativas. Um conversador confuso deste tipo foi<br />

levado a dizer que ele não tinha nenhuma dificuldade quanto à noção de um<br />

homem divino, como também cria em uma ostra divina. Outros têm utilizado a<br />

doutrina para cancelar as diferenças morais; porque, se Deus estiver em<br />

todas as coisas e, se todas as coisas representam a sua vontade, qualquer<br />

coisa está certa. Mas isto é muito precipitado. Sem dúvida, mesmo a vontade<br />

má não independe de Deus, mas vive, e se move, e existe na vontade divina<br />

e através dela. Porém, pelo seu poder misterioso de individualidade e de<br />

autodeterminação, a vontade má é capaz de assumir uma atitude de hostilidade<br />

para com a lei divina que imediatamente vindica para si através das<br />

reações próprias.<br />

“Tais reações não são divinas no sentido ideal ou mais elevado. Elas nada<br />

representam daquilo que Deus deseja ou de que ele se deleita; mas são divinas<br />

como coisas a serem feitas sob certas circunstâncias. No caso do bem, a<br />

reação divina se distingue daquela que é contra o mal. Ambas são divinas por<br />

representarem a ação de Deus, mas só a primeira o é por representar a aprovação<br />

e simpatia da parte de Deus. Todas as coisas prestam serviço, diz<br />

Spinoza. As coisas boas prestam serviço e este as favorece. As coisas más<br />

também prestam serviço de uma forma completa. Segundo J o n a t h a n E d w a r d s ,<br />

os ímpios são úteis ‘pelo que eles representam e pelo de que dispõem’. Como<br />

‘vasos de desonra’ eles podem revelar a majestade de Deus. Por isso nada<br />

1 6 9


1 7 0 Augustus Hopkins Strong<br />

há na imanência divina em sua forma defensável, que cancele as distinções<br />

morais, ou minorem a retribuição. A reação divina contra a iniqüidade é ainda<br />

mais solene nesta doutrina. O cerceamento de Deus é o eterno e inevitável<br />

ambiente; e somente quando estamos em harmonia com ele é que podemos<br />

ter paz. ... O que Deus pensa a respeito do pecado e qual a preocupação da<br />

sua vontade pode-se claramente perceber nas conseqüências naturais que<br />

advêm do referido pecado. ... Na própria lei temos de encarar Deus face a<br />

face; e as conseqüências naturais têm um sentido sobrenatural”.<br />

4. Porque Cristo é o Logos de Deus, o Deus imanente, Deus revelado na<br />

Natureza, na Humanidade, na Redenção, o M onismo Ético reconhece o universo<br />

criado, sustentado, e governado pelo mesmo ser que, no curso da histó­<br />

ria, m anifestou-se em forma hum ana e fez a expiação pelo pecado do homem<br />

na morte no Calvário. O segredo do universo e a chave para os seus mistérios<br />

encontram -se na Cruz.<br />

Jo. 1.1-4, 14, 18 - “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e<br />

o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram<br />

feitas por intermédio dele; e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava<br />

a vida e a vida era a luz dos homens.... E o Verbo se fez carne e habitou entre<br />

n ó s.... Ninguém jamais viu a Deus. O Filho unigênito que está no seio do Pai,<br />

este o fez conhecer”. Cl. 1 .1 6 ,1 7 - “porque nele foram criadas todas as coisas<br />

que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações,<br />

sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para<br />

ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele”.<br />

Hb. 1.2,3 - “pelo Filho ... por quem ele também fez o mundo ... sustentando<br />

todas as coisas pela sua palavra do seu poder”; Ef. 1.22,23 - “igreja, que é<br />

o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” = preenche<br />

todas as coisas com tudo o que elas contêm de verdade, beleza e bondade;<br />

Cl. 2.2,3,9 - “mistério de Deus - Cristo, em quem estão escondidos todos os<br />

tesouros da sabedoria e da ciência. ... porque nele habita corporalmente a<br />

plenitude da divindade”.<br />

Este ponto de vista da relação do universo com Deus lança o fundamento<br />

para uma aplicação cristã da recente doutrina filosófica. A matéria não mais é<br />

cega e morta, mas é de natureza espiritual, não no sentido de que ela é espírito,<br />

mas no sentido de que é a manifestação contínua do espírito, do mesmo<br />

modo que os meus pensamentos são uma manifestação viva e contínua de<br />

mim mesmo. Contudo, a matéria não consiste em idéias, pois estas, desprovidas<br />

de um objeto externo e de um sujeito interno, ficam suspensas no ar.<br />

As idéias são o produto da Mente. Porém só se conhece a matéria como a<br />

operação da força, e a força é produto da Vontade. Visto que esta força opera<br />

de forma racional, só pode ser o produto do Espírito. O sistema de forças que<br />

chamamos universo é o produto imediato da mente e da vontade de Deus; e,<br />

porque Cristo é a mente e a vontade de Deus em exercício, Cristo é o Criador<br />

e Sustentador do universo. A natureza é o Cristo onipresente, manifestando<br />

Deus às criaturas.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 171<br />

Cristo é o princípio da coesão, atração, interação não só no universo físico,<br />

mas também no intelectual e no moral. Em todo o nosso conhecimento, o<br />

conhecedor e a coisa conhecida estão “ligados por algum Ser que é a realidade<br />

deles”; este ser é Cristo, “luz que alumia todo homem (Jo. 1.9). Nós conhecemos<br />

em Cristo, assim como “nele vivemos, nos movemos e existimos”<br />

(At. 17.28). Como a atração gravitacional e o princípio da evolução apenas<br />

são nomes para Cristo, do mesmo modo ele é a base do raciocínio indutivo e<br />

o suporte da unidade moral na criação. Sou constrangido a amar o meu próximo<br />

como a mim mesmo porque ele tem em si a mesma vida que está em<br />

mim: a vida de Deus em Cristo. O Cristo em quem toda a humanidade<br />

é criada e em quem ela consiste, sustenta o universo moral, trazendo todo<br />

homem para si e, conseqüentemente para Deus. Através dele Deus “reconcilia<br />

consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que<br />

estão nos céus” (Cl. 1.20).<br />

Como o Panteísmo = imanência exclusiva = Deus aprisionado, assim o<br />

Deísmo = transcendência exclusiva = Deus banido. O Monismo Ético defende<br />

a verdade contida em cada um destes sistemas, enquanto evita os seus<br />

erros. Fornece a base para uma nova interpretação de muitas doutrinas teológicas<br />

e filosóficas. Ajuda-nos a entender a Trindade. Se dentro dos limites<br />

do ser divino podem existir multidões de pessoalidades finitas, torna-se mais<br />

fácil compreender como dentro dos mesmos limites pode haver três pessoalidades<br />

eternas e infinitas; na verdade, a integração da consciência de plural<br />

em uma consciência divina de total alcance pode encontrar analogia na integração<br />

da consciência subordinada na pessoalidade una do ser humano.<br />

O Monismo Ético, porque é ético, abre espaço para a vontade humana e<br />

para a sua liberdade. Conquanto o homem não pode romper o limite natural<br />

que o une a Deus, pode romper o espiritual e introduzir na nova criação um<br />

princípio de discórdia e mal. Amarre firme um cordão em torno do seu dedo;<br />

você o isola em parte, diminui a sua nutrição, provoca atrofia e enfermidade.<br />

Do mesmo modo se tem dado a cada agente pensante e moral o poder, a<br />

espiritualidade para isolar-se de Deus conquanto naturalmente ele ainda<br />

esteja ligado a Deus. Como a humanidade é criada em Cristo e vive só nele,<br />

o isolamento próprio do homem consiste na sua separação. Simon, Redemp-<br />

tion of Man, 339 - “Rejeitar Cristo não é tanto recusar tornar-se um com ele,<br />

como é recusar continuar a ser um com ele e não deixar que ele seja a nossa<br />

vida”. Todos os homens são naturalmente um com Cristo através do nascimento<br />

físico antes de se tornarem moralmente um com ele através do nascimento<br />

espiritual. Os homens podem posicionar-se contra ele e opor-se a ele<br />

para sempre. Isto o nosso Senhor dá a entender quando nos diz que há varas<br />

naturais de Cristo, que não “estão na videira” ou que não “produzem frutos” e<br />

por isso “são lançadas fora”, “secam-se” e “são queimadas” (Jo. 15.4-6).<br />

Contudo, o Monismo Ético, porque é Monismo, capacita-nos a entender o<br />

princípio da Expiação. Embora a santidade de Deus nos constranja a punir o<br />

pecado, o Cristo que se juntou ao pecador deve compartilhar do seu castigo.<br />

Aquele que é a vida da humanidade deve tomar sobre o seu próprio coração<br />

o fardo da vergonha e da pena que pertence aos seus membros. Amarre o<br />

cordão em torno do seu dedo; não é só o dedo que sofre mas também o<br />

coração; a vida de todo o sistema ergue-se para expulsar o mal, para desatar


172 Augustus Hopkins Strong<br />

o cordão, para livrar o membro enfermo e sofredor. A humanidade está ligada<br />

a Cristo como o dedo ao corpo. Visto que a natureza humana está entre<br />

“todas coisas” que “subsistem” ou mantém-se unida em Cristo (Cl. 1.17), e o<br />

pecado do homem é uma autoperversão de uma parte do próprio corpo de<br />

Cristo, todo ele deve ser ferido pelo ferimento auto-aplicado; “convinha que<br />

Cristo padecesse” (At. 17.3). S im o n , Redemption of Man, 321 - “Se o Logos é<br />

o Mediador da imanência divina na criação, especialmente no homem; se os<br />

homens são diferenciações da efluente energia divina; e se o Logos é o princípio<br />

imanente controlador de toda a diferenciação - isto é, o princípio de<br />

toda a forma - não deve haver autoperversão de todas estas diferenciações<br />

que reagem naquele que é o seu princípio constitutivo”? Uma explicação mais<br />

completa das relações do Monismo Ético com outras doutrinas deve estar<br />

reservada ao nosso tratamento da Trindade, Criação, Pecado, Expiação,<br />

Regeneração.


Parte III<br />

AS ESCRITURAS, UMA REVELAÇÃO<br />

DA PARTE DE DEUS


C a p í t u l o I<br />

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES<br />

I. R A Z Õ E S A PRIO RI P A R A E SP E R A R U M A R E V E L A Ç Ã O DA<br />

PARTE DE DEUS<br />

1. Necessidades da natureza do homem<br />

A natureza intelectual e m oral do homem, para preservar-se da constante<br />

deterioração, e garantir seu desenvolvim ento e progresso, requer um a revelação<br />

de autoridade e auxílio da verdade religiosa de um mais elevado e mais<br />

completo tipo que qualquer outro a que, em seu presente estado de pecado,<br />

pode atingir sem o uso de forças auxiliares. A prova desta proposição é em<br />

parte psicológica e em parte histórica.<br />

A) Prova psicológica - a) Nem a razão, nem a intuição lançam luz sobre<br />

certas questões cuja solução é da mais elevada importância para nós; por exemplo,<br />

Trindade, expiação, perdão, m étodo de adoração, existência pessoal após<br />

a morte, b) M esm o a verdade a que chegam os através dos nossos poderes<br />

naturais necessita da confirmação divina e autoridade quando dirige as mentes<br />

e vontades pervertidas pelo pecado, c) Para quebrar esta força do pecado e<br />

fornecer estím ulo para o esforço moral necessitam os de um a revelação especial<br />

do aspecto m isericordioso e auxiliador da natureza divina.<br />

a) Bremen Lectures, 72, 73; P latão, Segundo Alcibíades, 22, 23; Fedo, 85<br />

- tó y o u Geíou tivóç Jâmblico, jtepi toí) n-uSayopiKov fkou, cap. 28. Esquilo, em<br />

Agaménon, mostra quão completamente a razão e a intuição deixaram de<br />

suprir o conhecimento de Deus necessário ao homem: “O renome é espalhafatoso”,<br />

diz ele, “e não deve perder o senso de que Deus é a maior dádiva.<br />

... Ser louvado de modo ultrajante é grave; porque aos olhos de tal pessoa<br />

Zeus lança a pedra fulminante. Pelo que, na verdade, eu decido por tantas<br />

coisas e não por mais prosperidade do que a sua inveja não possa vigiar”.<br />

Embora os deuses pudessem ter seus preferidos, eles não gostavam dos<br />

homens como tais, mas tinham inveja deles e os odiavam. W illiam J ames, Is<br />

Life Worth Living? Intern. Jour. Ethics, out., 1895.10 - “Tudo o que sabemos<br />

de bom e de belo procede da natureza, mas nada menos do que conhecemos


1 7 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

do mal. ... Para uma mulher de baixa reputação não devemos nenhuma fidelidade<br />

moral. ... Se há um Espírito divino do universo, ou da natureza tal como<br />

a conhecemos, é possível que, para o homem, não seja ela a última palavra.<br />

Ou o Espírito não se revela na natureza, ou revela-se de forma inadequada; e<br />

como todas as religiões elevadas tem admitido, o que chamamos de natureza<br />

visível, ou denominamos este mundo, deve ser apenas um véu e uma apresentação<br />

superficial cujo pleno sentido reside num outro mundo, ou num mundo<br />

invisível”.<br />

b) Versus S ócrates: O s hom ens só fazem o que é certo se o conhecem .<br />

P fleiderer, Philos. of Relig., 1.219 - “ Em oposição à opinião de S ócrates de<br />

que a m aldade apoia-se na ignorância, A ristóteles já lem brava o fato de que<br />

a prática do bem nem sem pre está com binada com o seu conhecim ento, por­<br />

que isso tam bém depende das paixões. Se a m aldade consistisse apenas na<br />

falta de conhecim ento, então os teoricam ente m ais cultos deveriam ser os<br />

m elhores, o que ninguém se arrisca a afirm ar” . W. S. L illy, Shibboleths: “Com<br />

freqü ên cia sustenta-se que a ignorância é a raiz de todos os m ales. Porém só<br />

o conhecim ento não transfo rm a o caráter. Ele não pode m inistrar a um a m en­<br />

te enferm a. Não pode con verter a vontade m á em boa. Pode conduzir o crim e<br />

por diferentes canais e torná-lo m enos fácil de detectar. Não m uda as propenso<br />

es tía lu ra s üo h o m e m ou a s u a d is p o s iç ã o âe gratW icà-las a custa de<br />

outras. O conhecim ento faz o hom em bom m ais poderoso para o bem e o<br />

m au m ais poderoso para o mal. E é só isso que ele pode faze r” . G ore, Incar-<br />

nation, 174 - “ Não devem os sub e stim a r o m étodo do argum ento, porque<br />

Jesus e Paulo ocasionalm ente o em pregaram na form a socrática, m as devem<br />

os reconhecer que ele não é a base do siste m a cristão, nem o m étodo<br />

prim ordial do cristianism o” . Martineau, in Nineteenth Century; 1.331, 531 e<br />

Types, 1.112 - “ Platão diluiu a idéia do que é certo naquilo que é bom e isto<br />

ainda indistintam ente se m escla com a do verdadeiro e do belo”.<br />

c) Versus T homas Paine: “A religião natural ensina-nos, sem qualquer possibilidade<br />

de equívoco, tudo o que é necessário e apropriado para ser conhecido".<br />

P latão, Laws, 9.854, c, “Sede bons; m as, se não puderdes, suicidai-<br />

vo s” . Farrar, Darkness and Dawn, 75 - “ P latão diz que o hom em nunca<br />

conhecerá Deus en qu an to ele não se tiv e r revelado na ap arê ncia de um<br />

hom em sofred or e que, quando tudo estiver à beira da destruição, o m esm o<br />

Deus veja a aflição do universo e, pondo-se ao lem e, restaure-o à ordem ” .<br />

Prom eteu, tipo da hum anidade, nunca será libertado “enquanto um deus não<br />

desça a ele nas negras profundezas do T á rta ro ” . De igual m odo, S êneca<br />

ensina que o hom em não pode salvar-se a si m esm o” . Diz ele: “Você acha<br />

estranho que o hom em se dirija aos deuses? Deus vem aos hom ens, sim,<br />

para dentro dos hom ens” . S om os pecadores; os pensam entos de Deus não<br />

são os nossos, nem os seus cam inhos o são. Por isso ele deve torná-los<br />

conhecidos a nós, ensinar-nos o que som os, o que é o verdadeiro am or e o<br />

que é do seu agrado. S haler, Interpretation of Nature, 227 - “O inculcam ento<br />

das verdades m orais só pode efetuar-se com sucesso de m odo pessoal; ...<br />

dem anda influência da pessoalidade; o peso da im pressão depende da voz e<br />

do olho de um m estre”. A saber, não só precisam os exercer autoridade, com o<br />

tam bém a m anifestação do amor.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 7 7<br />

B) Prova histórica - a) O conhecim ento da verdade m oral e religiosa das<br />

nações e épocas em que se desconhece a revelação especial é grosseira e crescentemente<br />

imperfeito, b) A verdadeira condição do hom em nos tempos pré-<br />

cristãos e nas modernas terras pagãs é de extrem a depravação moral, c) Com<br />

tal depravação há um a convicção geral de desamparo e da parte das mais<br />

nobres naturezas um anseio e esperança de cima.<br />

Pitágoras: “Não é fácil conhecer [os deveres], a não ser que o próprio<br />

Deus, ou alguma pessoa que os tenha recebido dele, ou os obtenha através<br />

dos seus recursos, os ensine aos homens”. S ócrates: “Aguardemos com<br />

paciência, até que tenhamos a certeza do conhecimento de como devemos<br />

nos portar para com Deus e para com o homem”. “Aguardaremos alguém,<br />

seja Deus, seja um homem inspirado, que nos instrua sobre os nossos deveres<br />

e que afastemos as trevas dos nossos olhos”. Discípulo de Platão: “Façamos<br />

da probabilidade a nossa jangada enquanto navegamos pela vida, a não<br />

ser que possamos ter um meio de transporte mais seguro e garantido, como<br />

deve ser alguma comunicação divina”. Platão pensava três coisas a respeito<br />

de Deus: 1. que ele nasceu com uma alma racional; 2. que ele nasceu grego;<br />

e 3. que ele viveu nos dias de Sócrates. Contudo, com todas estas vantagens<br />

é provável que ele tivesse apenas uma jangada em que navegava por mares<br />

estranhos ao pensamento além das suas próprias profundidades e aguardava<br />

“uma mui firme palavra dos profetas” (2 Pe. 1.19).<br />

2. Pressuposição de um suprimento<br />

O que conhecem os de Deus através da natureza fornece base para a esperança<br />

de que estas carências de nosso ser intelectual e moral encontrarão um<br />

suprimento correspondente na form a de um a revelação divina especial. Argumentamos<br />

isto a partir de:<br />

a) Nossa convicção necessária da sabedoria de Deus. Tendo feito o homem<br />

um ser espiritual, para fins espirituais, pode-se esperar que ele forneça os<br />

meios necessários para assegurar tais fins. b) Sua verdadeira, em bora incompleta,<br />

revelação já dada na natureza. Visto que Deus, na verdade, empreendeu<br />

tom ar-se conhecido aos homens, podem os esperar que ele com pletará a obra<br />

que começou, c) A conexão geral da carência e suprimento. Quanto mais elevadas<br />

as nossas necessidades, mais intrincados e engenhosos são, em geral,<br />

os artifícios para ir ao seu encontro, d) Analogias da natureza e da história.<br />

Sinais de bondade reparadora na natureza e tolerância no providencial trato<br />

levam-nos a esperar que, conquanto se execute a justiça divina, Deus pode<br />

tom ar conhecido o caminho da restauração dos pecadores.<br />

a) Houve dois estágios na fuga que o Dr. D uncan fez do panteísmo: 1. quando<br />

ele primeiro creu na existência de Deus e “dançou de alegria o brig o’


1 7 8 Augustus Hopkins Strong<br />

Dee”; e 2. quando, sob a influência de M alan, ele veio a crer que Deus devia<br />

conhecê-lo”. Na história do velho Leitor da Aldeia, a mãe sucumbiu completamente<br />

quando o seu filho parecia tornar-se cada vez mais tolo, mas as suas<br />

lágrimas conquistaram-no e o mudaram. Laura B ridgeman era cega, surda e<br />

muda e tinha apenas um leve sentido do paladar e do olfato. Quando sua<br />

mãe, após longa separação, foi visitá-la em Boston, o seu coração materno<br />

estava grandemente aflito, supondo que sua filha não viesse a reconhecê-la.<br />

Finalmente, com um sinal que era peculiar à mãe, ela perfurou o véu da<br />

insensibilidade, o que proporcionou um momento feliz para ambas. Do mesmo<br />

modo, Deus, nosso Pai, tenta revelar-se às nossas almas cegas, surdas e<br />

mudas. A agonia da cruz é o sinal do pesar pela insensibilidade do ser humano<br />

causada pelo pecado. Se ele é o Criador do ser humano, sem dúvida<br />

procurará adequá-lo à comunhão consigo para o que foi designado.<br />

b) G ore, Incarnation, 52, 53 - “A natureza é o primeiro volume incompleto<br />

que demanda um segundo que é Cristo”, c) R. T. S mith, Man's Knowledge<br />

of Man and of God, 228 - “Os mendigos não fazem os seus pedidos num<br />

deserto onde não há quem lhes atenda. Eles têm recebido um suprimento<br />

suficiente para manter vivo o senso de necessidade”, d) Na ordem natural<br />

da cura das escoriações nas plantas e na soldadura dos ossos quebrados<br />

na criação animal, na provisão de agentes medicinais para a cura de doenças<br />

humanas e especialmente no adiamento da aplicação do castigo sobre<br />

o transgressor e o espaço concedido a ele para que se arrependa, temos<br />

algumas indicações que, se não contraditadas por outra evidência, podem<br />

levar-nos a considerar o Deus da natureza como o da paciência e misericórdia.<br />

O tratado de Plutarco “De Sera Numinis Vindicta” é uma prova de que<br />

este pensamento tinha ocorrido entre os pagãos. Na verdade, é possível<br />

duvidar de que uma religião pagã continue a existir livremente sem algum<br />

elemento de esperança. Contudo, este próprio adiamento na execução do<br />

juízo divino gerou dúvida sobre a existência de um Deus que, ao mesmo<br />

tempo é bom e justo. “A Verdade perene no patíbulo, O Erro sempre no trono”,<br />

é um escândalo para o governo divino que só o sacrifício de Cristo pode<br />

remover plenamente.<br />

O problema também se apresenta no Velho Testamento. Em Jó 21 e nos<br />

Salmos 17, 37, 49, 73 há respostas parciais; ver Jó 21.7 - “Por que razão<br />

vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se esforçam em poder?” 24.1 - “Visto<br />

que do Todo-poderoso se não encobriram os tempos, por que não vêem os<br />

seus dias os que o conhecem?” O Novo Testamento sugere a existência de<br />

uma testemunha da bondade de Deus entre os pagãos, enquanto, ao mesmo<br />

tempo, declara que só Cristo traz o pleno conhecimento e a salvação. Compare<br />

At. 14.17 - “contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos<br />

lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de<br />

mantimento e de alegria o vosso coração”; 17.25-27 - “ele mesmo é quem dá<br />

a vida a respiração e todas as coisas; e, de um só, fez todas as gerações de<br />

hom ens.... para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, pudessem<br />

achar”; Fim. 2.4 - “a benignidade de Deus te leva ao arrependimento”;<br />

3.25 - “para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes<br />

cometidos sob a paciência de Deus”; Ef. 3.9 - “e demonstrar a todos qual seja<br />

a dispensação do mistério, que, desde os séculos, esteve oculto em Deus,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 179<br />

que tudo criou”; 2 Tm. 1.10 - “nosso Salvador Jesus Cristo, o qual aboliu a<br />

morte e trouxe à luz a vida e a incorrupção, peio evangelho”.<br />

Concluímos esta seção sobre as razões a priori esperando um a revelação<br />

da parte de Deus no reconhecim ento de que os fatos garantem que o grau de<br />

expectação que chamam os esperança podem os m elhor cham ar de grau de<br />

expectação de segurança: e isto em razão de que, enquanto a consciência dá<br />

prova de que Deus é um Deus de santidade, não temos, à luz da natureza, igual<br />

evidência de que Deus é um Deus de amor. A razão ensina ao homem que,<br />

como pecador, m erece condenação; mas ele não pode, só a partir da razão,<br />

saber que Deus terá m isericórdia dele e prover-lhe salvação. Suas dúvidas só<br />

podem ser removidas pela voz do próprio Deus garantindo-lhe a “redenção ...<br />

o perdão ... dos delitos” (Ef. 1.7) e revelando-lhe o caminho pelo qual o perdão<br />

se tom ou possível.<br />

A consciência não conhece nenhum perdão, nem Salvador. Hovey, Manual<br />

of Christian Theology, 9, parece-nos ir longe demais quando diz: “Mesmo o<br />

sentimento natural e a consciência fornecem alguma diretriz para bondade e<br />

a santidade de Deus, embora seja necessário muito mais da parte daquele<br />

que se submete ao estudo da teologia cristã”. Admitimos que o sentimento<br />

natural dá alguma diretriz para a bondade de Deus, mas consideramos a<br />

consciência apenas como um reflexo da santidade de Deus e da sua aversão<br />

ao pecado. Concordamos com A lexander M cLaren: “O amor de Deus necessita<br />

de prova? Sim, como mostra o paganismo. Há deuses cheios de vícios,<br />

deuses descuidados, deuses cruéis, deuses belos em abundância; mas onde<br />

há um deus que ama”?<br />

II. A S M A R C A S D A R E V E L A Ç Ã O QUE O H O M EM PODE E S­<br />

P E R A R<br />

1. Quanto à sua substância<br />

Podemos esperar que esta mais tardia revelação não se contraponha, mas<br />

confirme e amplie o conhecimento de Deus que derivamos da natureza enquanto<br />

remedeia os defeitos da religião natural e lança luz sobre os seus problemas.<br />

Isaías apela para as anteriores comunicações da verdade da parte de<br />

Deus: Is. 8.20 - “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta<br />

palavra, nunca verão a minha alva”. Malaquias segue o exemplo de Isaías;<br />

Mq. 4.4 - “Lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo”. O próprio nosso<br />

Senhor baseou seus argumentos nos primitivos pronunciamentos de Deus:<br />

Lc. 24.27 - “Começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o<br />

que dele se achava em todas Escrituras”.


1 80 Augustus Hopkins Strong<br />

2. Quanto ao seu método<br />

Esperamos que ele siga os métodos de Deus no procedimento em outras<br />

com unicações da verdade.<br />

B ispo B utler (Analogy, parte ii, cap. iii) nega que haja qualquer possibilidade<br />

de julgar a príori como se dará uma revelação divina. “Nós não somos<br />

nenhum tipo de juizes por antecipação”, diz ele, “por cujos métodos, ou em<br />

cuja proporção se espera que esta luz e instrução sobrenaturais nos sejam<br />

fornecidas”. Porém o B ispo B utler, um pouco mais tarde, em sua grande obra<br />

(parte ii, cap. iv) mostra que o plano progressivo de Deus na revelação tem<br />

analogia com os lentos e sucessivos passos através dos quais Deus cumpre<br />

os seus fins na natureza. Sustentamos que a revelação na natureza fornece<br />

algumas suposições sobre a revelação da graça como, por exemplo, as que<br />

aparecem abaixo.<br />

L eslie Stephen, Niniteenth Century, fev. 18 91.18 0 - “B utler respondeu o<br />

argumento dos deístas, de que o Deus do cristianismo é injusto, argumentando<br />

que o Deus da natureza era igualmente injusto. J ames M ill, admitindo<br />

a analogia, recusa-se a crer em ambos os Deuses. O D r. M artineau diz, por<br />

semelhantes razões, que B utler ‘escreveu um dos mais terríveis argumentos<br />

ao ateísmo jamais produzidos’. Do mesmo modo o argumento da ‘morte<br />

ou da cura’ de J. H. N ewman é, em sua essência, ou que Deus não revelou<br />

nada, ou fez revelações em algum outro lugar além da Bíblia. Seu argumento,<br />

como o de Butler, pode ser de tal modo bem persuasivo ao ceticismo como à<br />

crença”. A esta acusação de L eslie S tephen respondemos que ele é convincente<br />

só na medida em que ignoramos o fato do pecado humano. Admitindo<br />

este fato, o nosso mundo passa a ser de disciplina, provação e redenção<br />

e, tanto o Deus da natureza como o Deus do cristianismo são escoimados<br />

de toda a suspeita de injustiça. A analogia entre os métodos de Deus no<br />

sistema cristão e os seus métodos na natureza torna-se um argumento a<br />

favor daqueles.<br />

d) Do contínuo desenvolvim ento histórico; para ele que seja dado em germe<br />

às primitivas eras e seja mais com pletam ente desenvolvido quando a raça<br />

estiver preparada para recebê-lo.<br />

Exemplos de desenvolvimento contínuo na comunicação de Deus encon-<br />

tram-se na história geológica; no desenvolvimento das ciências; na educação<br />

progressiva do indivíduo e da raça. Nenhuma outra religião, a não ser o cristianismo,<br />

mostra “um firme progresso da visão de um Caráter infinito desdobrando-se<br />

em favor do homem por um período de muitos séculos”. A rthur H.<br />

H allan, John Brown’s Rab and his Friends, 282 - “A Revelação é uma aproximação<br />

gradual do Ser irífinito com os recursos e pensamentos da humanidade<br />

finita”. Uma centelha pode incendiar uma cidade ou o mundo; porém o<br />

décuplo do calor desta centelha, desde que amplamente fracionado, não<br />

incendiará coisa alguma.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 181<br />

b) Do pronunciamento a um a simples nação e a simples pessoas nessa nação<br />

para que possa através delas ser comunicado à humanidade.<br />

Cada nação representa uma idéia. Como o grego tinha o gênio da liberdade<br />

e do belo, e o romano da organização e da lei, a nação hebréia tinha “o<br />

gênio da religião” (R enan); contudo, esta última teria sido inútil sem o auxílio e<br />

supervisão divinos especiais, como testemunham outras produções desta mesma<br />

raça semítica, tais como Bel e o Dragão, no Velho Testamento Apócrifo;<br />

os evangelhos do Novo Testamento Apócrifo; e, por fim, o Talmude e o Corão.<br />

Os Apócrifos do Velho Testamento relatam que, quando Daniel foi lançado<br />

pela segunda vez na cova dos leões, um anjo agarrou Habacuque, pelos<br />

cabelos, na Judéia, e o levou com uma tigela de sopa para dar a Daniel no<br />

jantar. Sete leões e Daniel entre eles permaneceram sete dias e sete noites.<br />

Tobias parte da casa de seu pai para garantir a sua herança e o seu cachor-<br />

rinho vai junto. Nas barrancas de um grande rio um grande peixe ameaça<br />

devorá-lo, mas ele o captura e despoja. Finalmente, retorna com sucesso à<br />

casa do pai juntamente com o cachorrinho. Nos Evangelhos Apócrifos, Jesus<br />

leva água em seu manto quando da quebra do seu cântaro; faz passarinhos<br />

de barro no dia de sábado, e, repreendido, os faz voar; fere de morte um<br />

grupo de jovens, e, a seguir, amaldiçoa seus acusadores com a cegueira;<br />

zomba dos seus mestres e ressente-se do controle. Mais tarde, lendas<br />

muçulmanas declaram que Maomé causou trevas ao meio-dia; depois disso,<br />

a lua voou para ele, rodeou sete vezes a Caaba, curvou-se, entrou na sua<br />

manga direita, cortou em duas metades; lançando-se, depois, à esquerda e a<br />

duas metades; retirou-se para o extremo oriente e para o extremo ocidente<br />

reuniu-as. Estes produtos da raça semítica mostram que nem a influência do<br />

ambiente nem um gênio nativo da religião fornecem uma explicação adequada<br />

das nossas Escrituras. Como a chama no altar de Elias não foi causada<br />

por varas mortas, mas pelo fogo do céu, do mesmo modo a inspiração do<br />

Onipotente pode explicar a única revelação do Velho e do Novo Testamentos.<br />

Os hebreus vêem Deus na consciência. Porque a mais genuína expressão<br />

da sua vida “devemos ver sob a superfície, na alma, onde a adoração e a<br />

aspiração encontram-se face a face com Deus” (G enung, Epic of the Inner<br />

Life, 28). Mas a religião do hebreu precisava ser suplementada pela vista de<br />

Deus na razão e na beleza do mundo. Os gregos tinham a beleza do conhecimento<br />

e do senso estético. B utcher, Aspects of the Greek Genius, 34 -<br />

“Os fenícios ensinaram a escrita aos gregos, mas foram estes que escreveram”.<br />

Aristóteles foi o iniciador da ciência e além da raça ariana, ninguém, a<br />

não ser os sarracenos, jamais sentiu o impulso científico. Porém os gregos<br />

evidenciaram o seu problema solucionando todas as quantidades desconhecidas.<br />

Pensavam que nunca teriam obtido a aceitação universal e estabilidade<br />

se não fosse a jurisprudência e imperialismo romanos. A Inglaterra contribuiu<br />

com o seu governo constitucional e a América com o seu sufrágio universal<br />

e liberdade religiosa. Um pensamento tão definido a respeito de Deus incorporou-se<br />

a cada nação e cada uma tem uma mensagem para a outra. At. 17.26<br />

- Deus “fez de toda geração dos homens para habitar sobre toda a face da<br />

terra determinando os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habi­


182 Augustus Hopkins Strong<br />

tação”; Rm. 3.1,2 - “Qual é, logo, a vantagem do judeu? ... primeiramente as<br />

palavras de Deus lhe forma confiadas”. A escolha da nação hebréia por Deus,<br />

como guardadora e comunicadora da verdade religiosa, tem analogia com a<br />

das outras nações, com relação à verdade estética, científica, e política.<br />

H egel: “Nenhuma nação que exerceu um papel de peso e ativo na história<br />

do mundo jamais produziu a partir do simples desenvolvimento de uma só<br />

raça as linhas estáveis de relacionamento sangüíneo. Deve haver diferenças,<br />

conflitos, um conjunto de forças opostas”. A consciência do hebreu, o pensamento<br />

do grego, a organização do latino, a lealdade pessoal do teutônico,<br />

devem unir-se para formar um todo perfeito. “Enquanto a igreja grega era<br />

ortodoxa, a latina era católica; enquanto os gregos tratavam das duas vontades<br />

em Cristo, os latinos tratavam da harmonia das nossas vontades para<br />

com Deus; enquanto os latinos salvavam através de uma corporação, os teu-<br />

tônicos salvavam através de uma fé pessoal”. B ereton, Educational Review,<br />

nov. 1901.339 - O problema da França é o das ordens religiosas; o da Alemanha,<br />

da construção da sociedade; o da América, do capital e trabalho”.<br />

P fleiderer, Philos. Religion, 1.183,184 - “As grandes idéias nunca vieram<br />

das massas, mas de indivíduos marcados. Contudo, quando propostas, estas<br />

idéias despertaram nas massas um eco que mostra que elas tinham estado<br />

inconscientemente adormecidas nas almas dos outros”. Surgem as horas e<br />

aparece um N ewton, que interpreta a vontade de Deus na natureza. Do mesmo<br />

modo, um Moisés ou um Paulo que interpretam a vontade de Deus na<br />

moral e na religião. Os poucos grãos de trigo encontrados no punho fechado<br />

da múmia egípcia ter-se-iam perdido totalmente se um grão tivesse sido<br />

semeado na Europa, um outro na Ásia, outro na África e, por fim, um outro na<br />

América; plantados juntos todos num pote de argila e o seu produto no leito<br />

de um jardim e, mais tarde o seu produto, no campo de um agricultor, haveria<br />

o trigo do novo Mediterrâneo suficiente para distribuir ao mundo todo. Deste<br />

modo Deus seguiu o seu método comum concedendo a verdade religiosa<br />

a princípio a uma única nação através da qual pôde transmitir-se à humanidade<br />

toda.<br />

c) Da preservação escrita de docum entos transm itidos por aqueles a quem<br />

originariamente foi comunicada.<br />

Para o conhecimento da história do passado dependemos principalmente<br />

dos alfabetos, dos escritos, dos livros; todas as grandes religiões do mundo<br />

são religiões de livros; os carênios (da Birmânia) esperavam que os seus<br />

mestres da nova religião lhes trouxessem um livro. Porém note que as falsas<br />

religiões têm escrituras, mas não a Escritura; seus livros sagrados não têm o<br />

princípio da unidade fornecido pela inspiração divina. H. P. S mith, Biblical Scho-<br />

larship and Inspiration, 68 - “Maomé descobriu que as Escrituras dos judeus<br />

eram a fonte da religião deles. Chamou-os ‘povo do livro’, e empenhou-se em<br />

construir um código similar para os seus discípulos. Nele Deus é o único que<br />

fala; o profeta conhece todo o seu conteúdo por revelação direta; seu estilo<br />

arábico é perfeito; seu texto é incorruptível; é a autoridade absoluta na lei, na<br />

ciência e na história”. O Corão é uma grosseira paródia humana da Bíblia;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 183<br />

suas exageradas pretensões sobre a divindade, sem dúvida, são a melhor<br />

prova da sua origem puramente humana. Por outro lado, a Escritura não tem<br />

essas reivindicações para si mesma, mas aponta Cristo como a única e final<br />

autoridade. Neste sentido, podemos dizer como C larke, Chrístian Theology,<br />

20 - “O cristianismo não é uma religião do livro, mas uma religião da vida.<br />

A Bíblia não nos dá Cristo, mas Cristo no-la dá”. Ademais, é verdade que,<br />

para o nosso conhecimento de Cristo, dependemos totalmente da Escritura.<br />

Ao dar a sua revelação ao mundo, Deus seguiu o seu método comum de<br />

transmitir e preservar documentos através da escrita. Contudo, recentes<br />

investigações tornam agora provável que a expectação que os carênios<br />

tinham de um livro foi a sobrevivência do ensino dos missionários nestorianos<br />

que, no começo do século oitavo, penetraram os lugares mais remotos da<br />

Ásia e deixaram no muro da cidade de Singuádu ao noroeste da China uma<br />

tábua como monumento dos seus trabalhos.<br />

3. Quanto à sua certificação<br />

Podemos esperar que esta revelação seja acom panhada da evidência de<br />

que seu autor é o mesmo que anteriorm ente reconhecem os com o o Deus da<br />

natureza. Esta evidência deve constituir-se a) num a manifestação do próprio<br />

Deus; b) no mundo exterior assim como no interior; c) só o poder ou conhecimento<br />

de Deus pode fazê-lo; e ã) como tal não pode ser contraditado pelo mal<br />

ou equivocado pela alma cândida. Em resumo, podem os esperar que Deus<br />

ateste pelos milagres e pela profecia a m issão e autoridade divinas daqueles a<br />

quem ele com unica um a revelação. Tal sinal parece ser necessário, não só<br />

para assegurar ao recipiente original que a suposta revelação não é um capricho<br />

da sua própria imaginação, mas tam bém dar autoridade à revelação recebida<br />

por um só indivíduo e transm itida a todos (compare Jz. 6.17,36-40 - Gideão<br />

pede um sinal para si; 1 Re. 18.36-38 - Elias pede um sinal para os outros).<br />

M as para que a nossa prova positiva de uma reveiação divina possa não ser<br />

obstada pela suspeita de que os elem entos m iraculosos e proféticos na história<br />

da Escritura criem um a pressuposição contra sua credibilidade convém ocupar-<br />

mo-nos neste ponto do assunto geral dos m ilagres e profecia.<br />

m . O S M IL A G R E S, U M ATESTAD O D A R E V E L A Ç Ã O DIVIN A<br />

1. D efinição de M ilagre<br />

a) Definição prelim inar<br />

M ilagre é um evento perceptível aos sentidos, produzido com um propósito<br />

religioso pela atuação im ediata de Deus; portanto, um evento que, apesar


184 Augustus Hopkins Strong<br />

de não contrariar qualquer lei da natureza, se plenam ente conhecida, não se<br />

explica sem a atuação direta de Deus.<br />

Esta definição corrige várias concepções errôneas de milagre: - d) M ilagre<br />

não é a suspensão ou violação de um a lei natural; porque a lei natural está em<br />

operação na época em que ocorre o milagre como anteriormente, b) Não é um<br />

produto súbito de agentes naturais - sim plesm ente previstos por aquele que o<br />

opera; é o efeito de um a vontade exterior à natureza, c) Não é um evento sem<br />

causa; porque tem sua causa direta na volição de Deus. d) Não é um ato irracional<br />

ou caprichoso de Deus; mas um ato de sabedoria realizado segundo as<br />

leis imutáveis de seu ser de modo que, nas m esm as circunstâncias, segue-se o<br />

m esmo curso, é) Não é contrário à experiência; porque não é contrário à experiência<br />

de um a nova causa seguida de um novo efeito, f) Não é m atéria de<br />

experiência interior como a regeneração e a iluminação; mas um evento perceptível<br />

aos sentidos e que em tudo pode servir como prova objetiva de que o<br />

seu operador é divinam ente com issionado como m estre religioso.<br />

A definição acima tem a intenção simplesmente de referir-se aos milagres<br />

da Bíblia, ou, em outras palavras, aos eventos que professam atestar uma<br />

revelação divina contida nas Escrituras. O Novo Testamento designa estes<br />

eventos de uma dupla forma, focalizando-os, quer subjetivamente, produzindo<br />

efeitos sobre os homens, quer objetivamente, revelando o poder e a sabedoria<br />

de Deus. Naquele primeiro aspecto eles são chamados té p a r a , ‘maravilhas’,<br />

e enceta ‘sinais’, (João 4.48; At. 2.22). Neste segundo são chamados<br />

Svváneiç, ‘poderes’ e epya ‘obras’ (Mt. 7.22; Jo. 14.11). VerH. B. Smith, Lect.<br />

On Apologetics, 90-116, esp. 94 - “cnmeíov, sinal, marcando o propósito ou<br />

objetivo, o fim moral, colocando o evento em conexão com a revelação”.<br />

A Versão da União Bíblica uniforme e adequadamente traduz -cépaç por ‘maravilha’,<br />

5úva|iiç por ‘milagre’, êpyov por ‘obra’, e arm etov por ‘sinal’. Goethe,<br />

Fausto: “Alies Vergángliche ist nur ein Gleichniss: Das Unzulàngliche wird<br />

hier Ereigniss” - “Todo o transitório é uma parábola; o inatingível aparece<br />

como um fato sólido”. Assim os milagres do Novo Testamento são parábolas<br />

em ação; Cristo abre os olhos ao cego para mostrar que ele é a luz do mundo;<br />

multiplica os pães para mostrar que ele é o pão da vida; ressuscita os mortos<br />

para mostrar que ele levanta os homens da morte dos delitos e pecados.<br />

UerBROADus, Com. de Mateus, Casa Publicadora Batista, 1 9 4 9 ,1ã vol. p. 144a.<br />

Contudo, um grande grupo de físicos cristãos, no suposto interesse<br />

de uma lei natural demanda uma modificação desta definição de milagre.<br />

Tal modificação é proposta por B a b b a g e , Ninth Bridgewater Treatise, cap. viii.<br />

Ele ilustra o milagre com uma ação de uma máquina calculadora, que apresenta<br />

ao observador numa sucessão regular a série de unidades a partir de<br />

um até dez milhões, mas dá um salto e mostra, não dez milhões e um, mas<br />

cem milhões; E ph r a im P e a b o d y ilustra o milagre como um relógio de catedral<br />

que apenas soa uma vez em cada cem anos; contudo, ambos resultados<br />

devem-se tão somente à construção original das respectivas máquinas.<br />

B a b b a g e e P e a b o d y negam que o milagre se deve à atuação direta ou indireta


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 185<br />

de Deus, e consideram-no pertencente a uma ordem mais elevada da natureza.<br />

Deus só é o autor do milagre no sentido de que, no princípio, ele instituiu<br />

as leis da natureza e no tempo próprio providenciou o seu resultado. A favor<br />

deste ponto de vista tem-se reivindicado que ele não dispensa a operação<br />

divina, mas apenas a recua para a origem do sistema enquanto ainda sustenta<br />

que a obra de Deus é essencial, não só para sustentar o sistema, mas<br />

também para inspirar o mestre religioso ou líder no conhecimento necessário<br />

à predição da obra incomum do sistema. A maravilha está limitada à profecia<br />

que pode igualmente atestar uma revelação divina.<br />

Mas é claro que um milagre deste tipo não tem muito da ‘sinalização’<br />

necessária se a finalidade é cumprir o seu propósito. Apresenta a grande<br />

vantagem de que o milagre, como a princípio se define, possui uma providência<br />

muito especial como um atestado da revelação - a saber, a vantagem de<br />

que, enquanto a providência especial fornece alguma garantia de que esta<br />

revelação vem de Deus, o milagre dá garantia plena de que ele vem de Deus.<br />

Visto que o homem pode por meios naturais apossar-se do conhecimento<br />

das leis físicas, o verdadeiro milagre que Deus opera e o pretenso milagre<br />

que só o homem opera, estão nesta teoria bem menos fácil de distinguir-se<br />

entre si: Cortez, por exemplo, poderia enganar Montezuma predizendo um<br />

eclipse solar. Certos milagres típicos, como a ressurreição de Lázaro, recusam-<br />

se ser classificados como eventos pertencentes ao reino da natureza, no sentido<br />

em que esta se emprega comumente. Contudo, o nosso Senhor parece<br />

excluir claramente uma teoria como esta quando diz: “Se eu expulso demônios<br />

pelo dedo de Deus” (Lc. 11.20); Mc. 1.41 - “Eu quero; sê limpo”. O ponto<br />

de vista de B a b b a g e é inadequado, não só porque deixa de reconhecer qualquer<br />

exercício imediato da vontade no milagre, mas porque considera a natureza<br />

como uma simples máquina que pode operar independentemente de<br />

Deus - um método de concepção puramente deística. Sobre este ponto de<br />

vista muitos dos produtos da mera lei natural poderiam ser chamados milagres.<br />

Os milagres seriam apenas a manifestação ocasional de uma ordem da<br />

natureza mais elevada, como o cometa que ocasionalmente invade o sistema<br />

solar. W illia m E l d e r , Ideas from Nature: “A planta do século que vimos crescer<br />

desde a nossa infância pode não desabrochar suas flores até que cheguemos<br />

à velhice, porém, não obstante, a súbita maravilha é natural”. Contudo,<br />

se interpretarmos a natureza mais que dinamicamente, e a considerarmos<br />

como a operação regular da vontade divina ao invés de considerarmos a operação<br />

automática de uma máquina, há muita coisa que podemos adotar neste<br />

ponto de vista. O milagre pode ser tanto natural como sobrenatural. Podemos<br />

sustentar com B a b b a g e que ele tem seus antecedentes naturais, enquanto, ao<br />

mesmo tempo, sustentamos que ele é produzido pela atuação imediata de<br />

Deus. A seguir, apresentaremos, portanto, uma definição alternativa e preferível,<br />

que, a nosso juízo, tem ambos méritos já mencionados.<br />

b) Definição Alternativa e preferível<br />

M ilagre é um evento na natureza em si m esm o tão extraordinário e tão<br />

coincidente com a profecia ou a determ inação de um mestre religioso ou um


186 Augustus Hopkins Strong<br />

líder que garante plenam ente a convicção da parte dos que o testem unham que<br />

Deus o operou com o desígnio de certificar que o m estre ou líder foi comissionado<br />

por ele.<br />

Esta definição tem algumas marcantes vantagens em comparação com a<br />

anterior: - a) Reconhece a im anência de Deus e sua atuação im ediata na natureza<br />

ao invés de assum ir um a antítese entre as leis da natureza e a vontade de<br />

Deus. b) Considera o m ilagre sim plesmente como um ato extraordinário do<br />

mesmo Deus que já está presente em todas operações naturais e que está revelando<br />

nelas seu plano geral, c) Sustenta que a lei natural como método da<br />

atividade regular de Deus de modo nenhum exclui os esforços do seu poder<br />

quando estes garantiriam m elhor seu propósito na criação, d) Permite a possibilidade<br />

de que todos os milagres tenham suas explicações naturais e daí em<br />

diante sejam atribuídos a causas naturais enquanto tanto os milagres como<br />

suas causas naturais podem ser apenas nom es da única e m esm a vontade de<br />

Deus. é) Harm oniza as reivindicações tanto da ciência como da religião: da<br />

ciência, permitindo quaisquer possíveis ou prováveis antecedentes físicos do<br />

milagre; da religião, sustentando que estes mesmos antecedentes juntam ente<br />

com o milagre devem ser interpretados como sinais da comissão especial de<br />

Deus através daquele cujo ensino ou liderança o m ilagre se opera.<br />

A g o s t in h o , que declara que “Dei voluntas rerum natura est” (A natureza<br />

das coisas é a vontade de Deus), define o milagre em De Civitade Dei, 21.8 -<br />

“Portentum ergo fit non contra naturam, sed contra quam est nota natura”<br />

(Não há milagre na natureza, mas no que se observa nela). Ele diz também,<br />

que o nascimento é mais miraculoso do que a ressurreição porque é mais<br />

maravilhoso que algo que nunca havia começado a ser, do que qualquer coisa<br />

que tinha sido e deixou de ser e começasse a ser outra vez. E. G. R o b in s o n ,,<br />

104 - “O natural é obra de Deus. Ele o originou. Não há nenhuma separação<br />

entre o natural e o sobrenatural. O natural é sobrenatural. Deus opera em<br />

todas as coisas. Cada fim, embora atingido por processos mecânicos, é tão<br />

verdadeiramente o fim de Deus como se ele o operasse através de um milagre”.<br />

S h a l e r , Interpretation of Nature, 141, considera o milagre como algo<br />

excepcional, embora sob o controle da lei natural; o elemento latente na natureza<br />

manifestando-se subitamente; a resultante revolução da lenta acumulação<br />

das forças naturais. No incêndio do Hotel Windsor o madeiramento aquecido<br />

e carbonizado subitamente irrompeu em chamas. A chama é bem diferente<br />

do simples calor, mas pode ser o resultado de uma temperatura regularmente<br />

crescente. A natureza pode ser a ação regular de Deus; o milagre, o seu<br />

único resultado. A ação regular de Deus pode ser inteiramente livre, embora<br />

o seu resultado extraordinário possa ser inteiramente natural. Com estas qualificações<br />

e explicações podemos adotar a afirmação de B ie d e r m a n n , Dogma-<br />

tik, 581-591 - “Tudo é milagre; por isso a fé enxerga Deus em toda a parte;<br />

Nada é milagre; pelo que a ciência não enxerga Deus em lugar algum”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Os escritores da Bíblia nunca consideram os milagres como infrações da<br />

lei. B p . S o u t h a m p t o n , Place of Miracles, 18 - “O historiador ou profeta hebreu<br />

considera os milagres apenas como a emergência na experiência sensível da<br />

força divina que estava desde o princípio, embora de modo invisível, controlando<br />

o curso da natureza”. H astings’ Bible Dictionary, 4.117 - “O hebreu não<br />

sentiria a força do milagre surgindo da noção da lei porque ele não tinha<br />

noção de lei natural”. S I. 77.19,20 - “Pelo mar foi o teu caminho, e tuas veredas,<br />

pelas grandes águas e as tuas pegadas não se conheceram” = Eles e<br />

nós não as conhecemos e por que meios precisos operou-se o livramento, ou<br />

por que trilha se efetuou a passagem do Mar Vermelho; tudo o que sabemos<br />

é que “Guiaste o teu povo, como a um rebanho, pela mão de Moisés e de<br />

Arão”. J . M. W h it o n , Miracles and Supernatural Religion: “O sobrenatural está<br />

na própria natureza, no seu próprio cerne, como a sua própria vida; não se<br />

trata de uma força exterior interferindo no curso da natureza, mas uma força<br />

interior vitalizando-a e operando através dela”. G r if fith-J o n e s , Ascent through<br />

Christ, 35 - “O milagre, ao invés de um sortílego ‘monstro’, no dizer de Emerson,<br />

somente testemunha o aspecto de outra forma desconhecido ou irreconhecível<br />

do caráter divino”. S h e d d , Dogm. Theol, 1.533 - “Fazer o sol e Lázaro<br />

levantarem-se, demanda onipotência; mas a forma como a onipotência<br />

opera em um caso difere da outra”.<br />

Milagre é uma operação direta de Deus; porém, porque todos processos<br />

naturais são operações imediatas de Deus, não é preciso negar o emprego<br />

destes processos naturais, aonde quer que eles se dirijam, no milagre. Deste<br />

modo, as maravilhas do Velho Testamento, como a destruição de Sodoma e<br />

de Gomorra, a separação do Mar Vermelho e do Jordão, a invocação do fogo<br />

do céu por Elias e a destruição do exército de Senaqueribe são obras de<br />

Deus quando se considera que foram operadas pelo emprego de recursos<br />

naturais. No Novo Testamento Cristo transformou a água em vinho, tomou<br />

cinco filões para torná-los pães, como em dez mil vinhas hoje as torna em<br />

mosto ao molhar a terra e em dez mil campos está transformando o carbono<br />

em cereais. O nascimento virginal de Cristo pode ser um exemplo extremo de<br />

partenogênese, que o P r o f e s s o r L o e b , de Chicago, demonstrou ocorrer em<br />

outra forma de vida, além das inferiores e que ele crê ser possível em todos.<br />

A ressurreição de Cristo pode ser uma ilustração do poder do normal e perfeito<br />

espírito humano tomar para si um corpo próprio e ser o tipo e profecia da<br />

grande mudança quando deixarmos a nossa vida e a retomarmos. O cientista<br />

pode ainda achar que a sua descrença não se refere apenas a Cristo, mas<br />

também à ciência. Todo milagre pode ter seu lado natural, embora no momento<br />

não sejamos capazes de discerni-lo; e ainda que isto fosse verdade, o argumento<br />

cristão não se enfraqueceria nem um pouquinho porque ainda o milagre<br />

evidenciaria a extraordinária obra do Deus imanente e a concessão do<br />

seu conhecimento ao profeta ou apóstolo que se tornou seu instrumento.<br />

Este ponto de vista do milagre torna inteiramente desnecessário e irracional<br />

o tratamento que alguns teólogos modernos fazem para harmonizar<br />

as narrativas da Escritura. Há uma credulidade do ceticismo que minimiza<br />

o elemento miraculoso na Bíblia e o trata como mítico ou legendário apesar<br />

da nítida evidência de que ele pertence ao reino da história real. P f l e id e r e r ,<br />

Philos. Relig., 1.295 - “As lendas miraculosas surgem de dois modos: em<br />

187


188 Augustus Hopkins Strong<br />

parte da idealização do rea\ e em parte da realização do ideai. ... Toda ocorrên<br />

cia pode ob ter em fa v o r do ju íz o religioso a sig n ific a ç ã o de um sinal<br />

ou prova do poder, da sabedoria, da ju stiça de Deus, governante do m undo.<br />

... As histórias m iraculosas são realizações poéticas de idéias religiosas”.<br />

P fle id e re r cita o apotegm a de G oethe: “O m ilagre é o filho queridinho da fé” .<br />

F o ste r, Finality of the Christian Religion, 128-138 - “ H onram os m ais as narrativas<br />

dos m ilagres bíblicos quando procuram os entendê-los com o poesias” .<br />

R its c h l define os m ilagres com o “aquelas ocorrências que têm conexão com<br />

a exp eriência relativa ao auxílio especial de D eus” . Ele apresenta dúvida<br />

sobre a ressurreição corpórea de C risto e m uitos da sua escola negam isso.<br />

Não p re cisa m o s in te rp re ta r a ressu rreiçã o de C risto com o sim ples aparição<br />

do seu espírito aos discípulos. Gladden, Seven Puzzling Books, 202 -<br />

“ Nas m ãos do hom em perfeito e espiritual as forças da natureza são dóceis e<br />

tratadas com o se não fossem nossas. A ressu rreiçã o de C risto é apenas<br />

um sinal da superiorid ade da vid a do espírito perfeito sobre as condições<br />

exteriores. Ela pode estar em perfeito acordo com a natureza” . M y e r s , Human<br />

Personality, 2.288 - “ Faço um a predição de que, com o conseqüência da nova<br />

evidência, daqui a um século todos hom ens razoáveis crerão na ressurreição<br />

de C risto” . P odem os acrescentar que o próprio Jesus apresenta indícios de<br />

que a operação de m ilagres daqui em diante será um a m anifestação com um<br />

e natural da nova vida que ele concede: Jo. 14.12 - “A quele que crê em mim<br />

tam bém fará as obras que eu faço e as fará m aiores do que estas, porque eu<br />

vou para meu Pai”.<br />

A crescentam os num erosas opiniões antigas e m odernas a respeito dos<br />

m ilagres; todas no intento de m ostrar a necessidade de defini-los desta form a<br />

para não se c h o c a r com as ju s ta s reivin d ica ções da ciência. A ristóte les:<br />

“A natureza não é cheia de episódios com o um a tragé dia ruim ” . Shakespeare,<br />

A ll’s Well that Ends Well, 2.3.1 - “Dizem que os m ilagres já passaram ; e<br />

tem os nossas pessoas filosofantes que m odernizam e fam iliarizam as coisas<br />

sobrenaturais e sem causa. Por isso é que dam os pouca im portância aos<br />

terrores, ocultando-nos no aparente conhecim ento quando deveríam os nos<br />

sub m eter a um tem or desconhecido” . H ill, Genetic Philosophy, 334 - “A ciência<br />

biológica e a psicológica unem -se para afirm a r que cada evento orgânico<br />

ou psíquico deve ser explicado nos term os dos seus antecedentes im ediatos<br />

e só assim podem ser explicados. Por isso não há necessidade algum a, não<br />

há lu ga r nenhum para interferências. Se a existência de Deus depende da<br />

evidência de um a intervenção e atuação sobrenatural, a fé no elem ento divino<br />

parece destruir-se na m ente cie ntífica” . Theodore P arker: “ Em Deus não<br />

há capricho; por isso não há m ilagre na natureza” . A rm our, Atonement and<br />

Law, 15-33 - “O m ilagre da redenção, com o todos os m ilagres, ocorre por<br />

intervenção de um a força adequada, não da suspensão da lei. A redenção<br />

não é ‘a grande e xce ção’. É a m ais com pleta revelação e vindicação da lei”.<br />

G ore, Lux Mundi, 320 - “A redenção não é natural, m as sobrenatural - isto é,<br />

em vista da falsa natureza que o hom em fez para si excluindo Deus. Caso<br />

contrário, a obra da redenção é apenas a reconstrução da natureza que Deus<br />

projetou” . Abp. Trench: “O m undo da natureza é um a testem unha integral do<br />

m undo do espírito, procedentes da m esm a m ão, desenvolvendo-se a partir<br />

da m esm a raiz e constituindo-se para a m esm a finalidade. Os caracteres da


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 189<br />

natureza que em toda parte encontram o olho não são uma escrita comum,<br />

mas uma escritura sagrada; são os hieróglifos de Deus”. P a s c a l: “A natureza<br />

é a imagem da graça”. P r e s id e n t e M a r k H o p k in s : “O cristianismo e a razão<br />

perfeita são idênticos”.<br />

2. Possibilidade do Milagre<br />

Um evento na natureza pode ser causado por um agente nela em bora acima<br />

dela. Isto é evidente nas seguintes considerações:<br />

a) As forças e leis inferiores na natureza freqüentem ente contrapõem e<br />

transcendem as mais elevadas (forças e leis mecânicas pelas químicas e as<br />

químicas pelas vitais), conquanto ainda as forças e leis inferiores não são<br />

suspensas ou aniquiladas, mas surgem em mais elevadas, e assistem em propósitos<br />

com plem entares no que são diferentes quando deixadas ao léu do seu<br />

destino.<br />

J a m e s R o b e r t s o n , Early Religion of Israel, 23 - “Acaso é impossível haver<br />

coisas únicas no mundo? É científico afirmar que não haja”? G o r e , Incarnati-<br />

on, 48 - “A Evolução vê a natureza numa ordem progressiva em que há<br />

novos departamentos, ganha vigorosos níveis, desconhece os fenômenos<br />

anteriores. Quando apareceu a vida orgânica, o futuro não se assemelhava<br />

ao passado. O mesmo aconteceu quando o homem apareceu. Cristo é uma<br />

nova natureza - o Verbo criativo que se fez carne. Espera-se que, com a nova<br />

natureza ele apresente novos fenômenos. Dele irradiará nova energia vital<br />

controladora das forças materiais. Os milagres são os acessórios adequados<br />

à sua pessoa”. Podemos acrescentar que, como Cristo é o Deus imanente,<br />

ele está presente na natureza e, ao mesmo tempo, acima dela, e a sua firme<br />

vontade é a essência de toda lei natural; transcende a todos óbices passados<br />

dessa vontade. O Infinito não é um ser de infinda monotonia. W illia m E ld e r,<br />

Ideas from Nature, 156 - “Deus não está, sem esperança, limitado ao seu<br />

processo, como íxion, preso à sua roda” (íxion = deus grego condenado a ser<br />

amarrado no inferno a uma roda e a girá-la sem cessar).<br />

b) A vontade hum ana age sobre seu organismo físico e sobre a natureza e<br />

produz resultados que a natureza deixada ao léu do seu destino, nunca cumpriria<br />

enquanto ainda não se suspende ou viola nenhum a lei da natureza. A gravi-<br />

tação ainda opera sobre o machado enquanto o homem o levanta à superfície<br />

da água - pois o machado ainda tem seu peso (cf. 2 Re. 6.5-7)<br />

Versus H u m e, Philos. Works, 4.130 - “Milagre é violação das leis da natureza”.<br />

Os apologistas cristãos com freqüência têm desnecessariamente se<br />

embaraçado ao aceitarem a definição de H u m e . O estigma é totalmente desmerecido.<br />

Se o homem pode manter o machado na superfície da água<br />

enquanto a gravitação age sobre ele, não há dúvida de que Deus também


190<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

pode, através da palavra do profeta, fazer o ferro flutuar enquanto a gravita-<br />

ção age sobre ele. Mas este último é um milagre. M a n s e l, Essay on Miracles,<br />

em Aids to Faith, 26, 27 “Depois que a maior onda da estação fixou a pedra no<br />

alto da praia, eu posso removê-la um pouco mais adiante sem alterar a força<br />

do vento, ou da onda, ou do clima à distância de um continente. A. A. H o d g e :<br />

Retirar um novo registro do órgão não o impede de funcionar nem destrói a<br />

harmonia dos outros registros. A bomba não suspende a lei da gravitação,<br />

nem o lançamento de uma bola no ar. Se a gravitação não agisse, a velocidade<br />

da bola para cima não diminuiria e a bola nunca retornaria. “A gravitação<br />

atrai o ferro para baixo. Mas o magneto vence essa atração e traz o ferro para<br />

cima. Contudo aqui não há suspeita ou violação das leis, mas uma harmoniosa<br />

obra de duas leis, cada qual na sua esfera. Não é a vida, mas a morte<br />

que é a lei da natureza. Não obstante, os homens vivem. A vida é sobrenatural.<br />

Só uma força adicional às simples obras da natureza causam a existência<br />

da vida. Do mesmo modo a vida espiritual emprega as leis da natureza e as<br />

transcende” (Sunday School Times). G l a d d e n , What Is Leffí 60 - “Onde quer<br />

que esteja o pensamento, a escolha, o amor, você encontra algo que não<br />

está sob o domínio de uma lei rígida. São atributos da livre pessoalidade”.<br />

W illia m J a m e s : “Precisamos substituir o ponto de vista pessoal da vida pelo<br />

impessoal e mecânico. O racionalismo mecânico é a mais estreita e parcial<br />

indução dos fatos - isto não é ciência”.<br />

c) Em toda causalidade livre há um a atuação sem meio. O homem age sobre<br />

a natureza exterior através do seu organism o físico, mas, ao movê-lo, ele age<br />

diretam ente sobre a matéria. Em outras palavras, a vontade hum ana pode<br />

valer-se de meios só porque ela tem o poder de agir inicialm ente sem eles.<br />

A . J. B a l f o u r , Foundations of Belief, 311 - “Não é só a Divindade que<br />

intervém no mundo das coisas. Toda alma viva, em sua medida e grau, faz o<br />

mesmo”. De qualquer forma, cada alma ao seu redor, age assim com relação<br />

ao princípio do milagre. P h illip s B r o o k s , Life, 2.350 - “A prática de todos feitos<br />

miraculosos não é uma abolição do milagre assim como o brilho solar,<br />

inundando o mundo, não é a extinção do sol”. G e o r g e A dam S m it h, sobre Is.<br />

33.14 - “fogo devorador... chamas eternas”: “Se olhamos para um incêndio<br />

através de um vidro enfumaçado, vemos prédios desmoronando, mas não<br />

vemos fogo. Assim também a ciência vê os resultados, mas não a força que<br />

os produz; vê a causa e o efeito, mas não vê Deus”. P. S . H e n s o n : “ A corrente<br />

em um fio elétrico é invisível mesmo circulando uniformemente. Corte o fio e<br />

insira um pedaço de carvão entre os dois terminais rompidos e você terá um<br />

arco de luz que afasta a escuridão. Do mesmo modo o milagre é apenas uma<br />

interrupção momentânea na operação das leis uniformes, o que fornece luz<br />

por muito tempo”; ou, melhor dizendo, a mudança momentânea no método<br />

operacional pelo qual a vontade de Deus toma nova forma de manifestação.<br />

d) O que a vontade humana, considerada como força sobrenatural, e o que<br />

as forças químicas e vitais da própria natureza são visivelmente capazes de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

^nmprir não pode ser considerado como além do poder de Deus, porquanto<br />

rle habita e controla o universo. Se a vontade do homem pode agir diretamente<br />

sobre a m atéria em seu organismo físico, Deus pode operar imediatamente<br />

5: bre o sistem a que ele criou e sustenta. E m outras palavras, se há um Deus, e<br />

se ele é um ser pessoal, os milagres são possíveis. A impossibilidade dos<br />

milagres só pode ser sustentada nos princípios do ateísmo ou do panteísmo.<br />

Cox, Miracles, Argumento e Desafio: “É preferível o antropomorfismo ao<br />

hilomorfismo”. N e w m a n S m y t h , Old Faiths in a New Light, cap. 1 - “Milagre não<br />

é um súbito golpe aplicado na cara da natureza, mas o emprego desta, conforme<br />

a sua capacidade w\eteute, attavés das u\ais elevadas torças”. Oubq\%,<br />

Science and Miracle, New Englander, jul., 1889.1-32 - Três postulados:<br />

1) Todas partículas do universo atraem-se reciprocamente; 2) A vontade do<br />

homem é livre; 3) Cada volição se faz acompanhar da ação cerebral correspondente.<br />

Por isso cada uma das nossas volições muda através do universo<br />

inteiro; ver também Century Magazine, dez, 18 9 4 .2 2 9 - A s condições nunca<br />

são dúplices na mesma natureza; tudo resulta da vontade, por sabermos que<br />

pelo menos o nosso pensamento abala o universo; milagre é tão somente a<br />

ação da vontade em condições singulares; o começo da vida, a origem da<br />

consciência, são milagres embora estritamente naturais; a oração, e a mente<br />

que a estrutura são condições que, na natureza, a Mente não pode ignorar.<br />

Cf. SI. 115.3 - “o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” = sua<br />

força onipotente e liberdade afastam todas objeções a priori sobre os milagres.<br />

Se Deus não é só uma força, mas uma pessoa, então os milagres são<br />

possíveis.<br />

e) Tal possibilidade dos milagres tom a-se duplam ente segura aos que vêem<br />

em Cristo o Deus im anente m anifesto às criaturas. O Logos, ou a Razão divina,<br />

que é o princípio de todo o desenvolvim ento e evolução, pode tornar Deus<br />

conhecido tão somente por meio de sucessivas concessões novas de sua energia.<br />

Porque todo o progresso im plica em incremento e Cristo é a única fonte<br />

da vida, toda a história da criação é testem unha da possibilidade do milagre.<br />

A. H. S t r o n g , Christin Creation, 16 3 -16 6 - “Este conceito de evolução é o<br />

de Lotze. Esse grande filósofo cuja influência é mais poderosa do que qualquer<br />

outra neste pensamento, não considera o universo como um pienum ao<br />

qual nada se pode acrescentar por meio da força. Ele considera o universo<br />

mais como um organismo plasmável ao qual novos impulsos podem-se conceder<br />

a partir daquele de cujo pensamento e vontade o universo é expressão.<br />

Tais impulsos, uma vez concedidos, continuam no organismo e daí em diante<br />

sujeitam-se à sua lei. Embora tais impulsos venham de dentro, não partem de<br />

um mecanismo finito, mas do Deus imanente. “A expressão de R o b e r t B r o w -<br />

n in g , 'Tudo è amor, mas tudo é lei’ ( B r o w n in g faz um jogo de palavras ‘love’<br />

\ aswK «src\\sK\, «srcv<br />

meuXos p\ane\as e todas opetações da naluteza são teMeNações de um<br />

191


1 9 2 Augustus Hopkins Strong<br />

Deus pessoal e presente, mas não se deve interpretar como se Deus corresse<br />

em trilhas, entre as quais ele está bitolado a um mecanismo inevitável de<br />

manifestações de poder único e surpreendente.<br />

“O homem constrói uma casa. Ao lançar o alicerce ele emprega pedra<br />

e argamassa, mas faz as paredes de madeira e o forro de folha-de-flandres.<br />

Na superestrutura ele se vale de leis diferentes das que se aplicam no alicerce.<br />

Há continuidade não material, mas de planejamento. O desenvolvimento<br />

desde o porão até ao sótão requer quebras aqui e ali, e o emprego de novas<br />

forças; de fato, sem o emprego dessas novas forças, seria impossível a evolução<br />

da casa. Agora substitua o alicerce e a superestrutura por coisas vivas<br />

como a crisálida e a borboleta; imagine a força de trabalho a partir não de<br />

fora, mas de dentro; e você observará que a verdadeira continuidade não<br />

exclui novos começos, mas envolve-os.”<br />

“A evolução, então, depende do incremento de forças somadas à continuidade<br />

do plano. Há possibilidade de novas criações porque o Deus ima-<br />

nente não se cansa. O milagre é possível porque Deus não está muito distante,<br />

mas bem próximo para atender quaisquer necessidades que o universo<br />

moral possa requerer. São possíveis a regeneração e as respostas à oração<br />

pelo mesmo motivo de que são elas o objetivo para o qual o universo foi<br />

construído. Se fôssemos deístas, crendo em um Deus distante e em um universo<br />

mecânico, a evolução e o cristianismo seriam irreconciliáveis. Mas porque<br />

cremos em um universo dinâmico de que o Deus pessoal e vivo é a fonte<br />

interior da energia, a evolução é apenas a base, o alicerce e o cenário do<br />

cristianismo, a silenciosa e regular obra daquele que, na plenitude dos tempos,<br />

profere a sua voz em Cristo e na Cruz”.<br />

A afirmação do ponto de vista do próprio Lotze pode encontrar-se em seu<br />

Microcosmos, 2.479 sq. O P rofessor J ames T en B roeke interpretou-a da<br />

seguinte forma: “Ele faz a possibilidade do milagre depender da ação e reação<br />

próximas e íntimas entre o mundo e o Absoluto pessoal, em cuja conseqüência<br />

os movimentos do mundo natural realizam-se só através do Absoluto,<br />

com a possibilidade de variação no curso geral das coisas, conforme os<br />

fatos existentes e o propósito do divino Governante”.<br />

3. Probabilidade dos M ilagres<br />

A) Reconhecem os que, até onde confinamos nossa atenção à natureza, há<br />

um a predisposição contra os milagres. A experiência atesta a uniform idade da<br />

lei natural. A uniform idade geral é necessária para tom ar possível um cálculo<br />

racional do futuro, e um a ordem própria da vida.<br />

G. D. B. P epper: “Onde não há lei, não há ordem e não pode haver milagre.<br />

O milagre pressupõe a lei e a importância atribuída aos milagres é o<br />

reconhecimento do reino da lei. Porém a fabricação e lançamento de um navio<br />

podem ser regidos por uma lei do mesmo modo que a navegação após o seu<br />

lançamento. Do mesmo modo a introdução de uma ordem espiritual mais<br />

elevada em uma ordem simplesmente natural constitui um novo e único evento”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Alguns apologistas cristãos têm cometido o erro de afirmar que o milagre era<br />

anteriormente tão provável como qualquer outro evento, mas, na verdade, só a<br />

sua improbabilidade antecedente lhe dá o valor de prova da revelação.<br />

B) Mas negamos que esta uniform idade da natureza seja absoluta e universal.<br />

a) Não é um a verdade da razão que não pode ter nenhum a exceção, a não<br />

ser que o todo seja m aior que as partes, b) A experiência não poderia garantir<br />

um a crença na uniform idade universal a não ser que a experiência fosse idêntica<br />

ao conhecim ento absoluto e universal, c) Sabemos, ao contrário, com<br />

base na geologia, que tem havido lapsos nesta uniform idade, tais como a<br />

introdução da vida vegetal, da animal e da hum ana que não pode ser tida<br />

senão como m anifestação de um poder sobrenatural.<br />

a) Compare a probabilidade de o sol levantar-se amanhã cedo, com a<br />

certeza de que dois mais dois são quatro. H uxley, Lay Sermons, 158, com<br />

indignação nega que há um ‘deve’ em torno da uniformidade da natureza:<br />

“Ninguém tem o direito de dizer a priori que qualquer assim chamado evento<br />

miraculoso é impossível”. W ard, Naturalism and Agnosticism, 1.84 - “Não há<br />

nenhuma evidência para afirmar-se que a massa do universo é quantitativamente<br />

definida e imutável”; 108, 109 - Por que se admite com tanta confiança<br />

que uma rígida e monótona uniformidade é a única, ou a mais elevada indicação<br />

da ordem, a de um Espírito eternamente vivo, acima de tudo? Como é<br />

que depreciamos os artigos industrializados e preferimos os que apresentam<br />

o impulso artístico, ou a adequação do caso individual, livre para dar forma<br />

e fazer o que literalmente é manufaturado (feito à mão)? ... Tão perigoso<br />

como os argumentos teleológicos genericamente sejam, podemos ao menos<br />

com confiança dizer que o mundo não foi destinado a tornar fácil a ciência.<br />

... Chamar de mecânicos os versos de um poeta, a política de um estadista, a<br />

ponderação de um juiz, implica, como Lotze assinala, notável disparate, embora<br />

isto implique, também, precisamente tais caraterísticas - exatidão e inva-<br />

riabilidade - em que M axwell nos mostra um sinal do elemento divino”. Sem<br />

dúvida não devemos, então, insistir em que a sabedoria divina deve sempre<br />

correr em sulcos, que ela deve sempre ser repetitiva, nunca deve apresentar-<br />

se em atos exclusivos como na encarnação e na ressurreição.<br />

b) S. T. C oleridge, Table Talk, 18 de dezembro de 1831 - “A luz que a<br />

experiência nos fornece é uma lanterna na popa do navio e só brilha nas<br />

ondas que deixamos atrás de nós”. Hobbes: “A experiência nada conclui de<br />

modo universal”. B rooks, Foundations of Zoology, 131 - “A evidência só nos<br />

pode dizer o que aconteceu, mas nunca nos garantir que o futuro deve ser<br />

semelhante ao passado; 132 - A prova de que toda a natureza é mecânica<br />

não seria inconsistente com a crença de que tudo na natureza é sustentado<br />

imediatamente pela Providência e que a minha vontade explica alguma coisa<br />

na determinação do curso dos eventos”. Royce, World and Individual, 2.204 -<br />

“A uniformidade não é absoluta. A natureza é um reino da vida e do sentido<br />

mais vasto e nós, seres humanos, fazemos parte dele; a sua unidade final<br />

está na vida de Deus. O ritmo da pulsação cardíaca tem sua regularidade<br />

193


1 9 4 Augustus Hopkins Strong<br />

normal, embora sua persistência seja limitada. A natureza pode constar simplesmente<br />

de hábitos da vontade livre. Cada região deste mundo universalmente<br />

consciente pode ser o centro de onde procede a nova vida consciente<br />

para a comunicação com todos os mundos”. R eitor Fairbairn: “Natureza é<br />

Espírito”. Preferimos dizer: “A natureza é a manifestação do espírito, da regularidade<br />

da liberdade”.<br />

c) Outras quebras na uniformidade da natureza são a vinda de Cristo e a<br />

regeneração da alma humana. Harnack, Whatis Christianity, 18, sustenta que,<br />

embora não haja nenhuma interrupção na obra da lei natural, esta não é ainda<br />

plenamente conhecida. Conquanto não haja nenhum milagre, há uma fartura<br />

de milagrosos. O poder da mente sobre a matéria vai além das nossas concepções<br />

atuais. Bowne, Philosophy of Theism, 210 - Os efeitos não são mais<br />

conseqüências das leis do que as leis conseqüências dos efeitos = tanto as<br />

leis como os efeitos são exercícios da vontade divina. K ing, Reconstruction in<br />

Theology, 56 - Não devemos sustentar a uniformidade da lei, mas a sua uni-<br />

versalidade; porque a evolução tem estágios sucessivos e novas leis entram<br />

e dominam o que não aparecia anteriormente. O novo e mais elevado estágio<br />

é praticamente um milagre do ponto de vista do inferior.<br />

C) Porque a invocação da lei m oral na constituição e curso da natureza<br />

m ostra que a natureza existe, não para si mesma, mas para a contemplação e<br />

uso dos seres morais, é provável que o Deus da natureza produza os efeitos<br />

além dos da lei natural, sempre que haja fins morais suficientemente importantes<br />

a serem servidos por ela.<br />

Sob a expectação da uniformidade acha-se a intuição da causa final; por<br />

isso aquela pode ocasionar esta. Ver Porter, Human Intelect, 592-615 -<br />

“As causas eficientes e as finais podem entrar em conflito e então as eficientes<br />

dão lugar às finais. Eis o milagre. S hedd, Dogm. Theol., 1.534,535 -<br />

“A ordem do universo não é um fim; é um meio e, como todos outros meios,<br />

deve abrir caminho quando o fim pode ser promovido de forma melhor sem<br />

ela. É um marco da mente fraca idolatrar a ordem e o método; apegar-se a<br />

formas estabelecidas de negócios quando dificultam ao invés de desenvolvê-<br />

los. Balfour, Foundations of Belief, 357 - “A estabilidade dos céus à vista de<br />

Deus é menos importante que o desenvolvimento moral do espírito humano”.<br />

Isto é o que prova a Encarnação. O cristão vê em sua minúscula terra a cena<br />

da maior revelação de Deus. A superioridade do elemento espiritual sobre o<br />

físico ajuda-nos a ver a nossa verdadeira dignidade na criação, a dirigir o<br />

nosso corpo, a vencer os nossos pecados. O sofrimento de Cristo nos mostra<br />

que Deus não é um espectador indiferente à dor humana. Ele se sujeita às<br />

nossas condições ou, ao invés disso, revela-nos o eterno sofrimento de Deus<br />

por causa do nosso pecado. A expiação capacita-nos a solucionar o problema<br />

do pecado.<br />

D) A existência da desordem moral conseqüente dos atos livres da vontade<br />

humana, portanto, m uda a pressuposição contra os m ilagres em pressuposição


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 9 5<br />

em seu favor. O não aparecim ento dos m ilagres, neste caso, seria a maior das<br />

maravilhas.<br />

S tearns, Evidence of Christian Experience, 331-335 - Deste modo, a consciência<br />

pessoal que o homem sente a respeito do pecado e acima de tudo a<br />

sua experiência pessoal da graça regeneradora, constituirá a melhor preparação<br />

para o estudo dos milagres. “Não se pode provar o cristianismo a não<br />

ser para uma consciência má”. Com precisão disse o moribundo V inet:<br />

“O maior milagre que eu conheço é a minha conversão. Eu estava morto e<br />

estou vivo; era cego e vejo; era escravo e sou liberto; era inimigo de Deus e<br />

amo-o; a oração, a Bíblia, a comunhão dos cristãos eram para mim a fonte do<br />

profundo ennui (tédio); agora são os prazeres do mundo que me entediam e<br />

a piedade é a fonte de toda a minha alegria. Eis o milagre! E se Deus foi<br />

capaz de operá-lo, nada há de que ele seja incapaz”.<br />

Contudo os elementos físico e moral não são “como que separados por<br />

um machado”. A natureza é apenas um estágio inferior ou uma forma imperfeita<br />

da revelação da verdade, da santidade e do amor de Deus. Ela abre o<br />

caminho para o milagre sugerindo, embora de forma obscura, as mesmas<br />

caraterísticas essenciais da natureza divina. A ignorância e o pecado precisam<br />

de um novo descortino. G. S. L ee, The Shadow Christ, 84 - “A coluna de<br />

nuvem era a lâmpada noturna obscura que o Senhor conservava queimando<br />

acima dos seus infantes para mostrar-lhes que ele estava ali. Eles não sabiam<br />

que a çrópria noite era Deus”. Por que temos presentes de Natal em lares<br />

cristãos? É porque os pais não amam os seus filhos em outros tempos? Não;<br />

mas é porque a mente se torna preguiçosa ante a generosidade meramente<br />

regular e há necessidade de dons especiais a despertar-lhe a gratidão. Deste<br />

modo, as nossas mentes preguiçosas e desamorosas necessitam de testemunhos<br />

especiais sobre a misericórdia divina. Será que só Deus silencia para<br />

as tolas uniformidades de ação? Será que só o Pai celeste é incapaz de produzir<br />

comunicações especiais de amor? Então, por que os milagres e aviva-<br />

mentos da religião não são constantes e uniformes? Porque as bênçãos uniformes<br />

seriam consideradas simplesmente mecânicas.<br />

E ) Como a crença na possibilidade dos m ilagres se apoia na nossa crença<br />

na existência de um Deus pessoal, assim a crença na probabilidade dos milagres<br />

se apoia na nossa crença de que Deus é um ser moral e benevolente.<br />

Aquele que não tem nenhum Deus, a não ser um Deus de ordem física considerará<br />

os milagres como um a im portante introm issão na referida ordem. Mas<br />

aquele que cede ao testemunho da consciência e considera Deus como o Deus<br />

de santidade verá que a falta de santidade do hom em tom a a interposição<br />

miraculosa de Deus mais necessária ao hom em e mais apropriada a Deus.<br />

Nosso ponto de vista sobre os milagres, portanto, será determinado pela nossa<br />

crença em um Deus moral, ou amoral.<br />

Filo, Life of Moses, 1.88, falando dos m ilagres das codornizes e da água<br />

que jorrou da rocha, diz que “todas estas inesperadas e extraordinárias coisas


1 9 6 Augustus Hopkins Strong<br />

são divertimentos e brinquedos de Deus”. Ele crê que há lugar para arbitrariedade<br />

no procedimento divino. Contudo, a Escritura representa o milagre como<br />

um ato extraordinário e não arbitrário. É “a sua obra, a sua estranha obra ... o<br />

seu ato, o seu estranho ato” (Is. 28.21). O método extraordinário de Deus é<br />

o do crescimento e desenvolvimento regulares. C hadwick, Unitarianism, 72 -<br />

“A natureza é econômica. Se ela quer uma maçã, desenvolve uma folha;<br />

se quer um ramo, desenvolve uma vértebra. Sempre formulamos um bom<br />

pensamento a respeito da coluna vertebral; e se foi uma sugestão sadia de<br />

Goethe, agora pensamos melhor a respeito dela”.<br />

É prático, mas bem errôneo, admitir que o milagre requer um exercício<br />

maior de poder do que aceitarem-se os processos comuns naturais da parte<br />

de Deus. Porém as nossas medidas de tal poder não se aplicam a um Ser<br />

onipotente. A questão não se prende ao poder, mas à racionalidade e ao<br />

amor. O milagre implica uma limitação, bem como um desdobramento da parte<br />

daquele que o opera. Por isso não se trata de um método de ação divina<br />

comum; é adotado somente quando não bastam os regulares; freqüentemente<br />

parece acompanhado de um sacrifício de sentimento da parte de Cristo<br />

(Mt. 17.17 - “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e<br />

até quando vos sofrerei? Trazei-mo aqui”; Mc. 7.34 - “levantando os olhos ao<br />

céu, suspirou e disse: Efatá, isto é, abre-te”; cf. Mt. 12.39 - “Uma geração má<br />

e adúltera pede um sinal, porém não se lhe dará outro sinal, senão o do<br />

profeta Jonas”.<br />

F) Do ponto de vista do monismo ético a probabilidade do milagre toma-se<br />

ainda maior. Porque Deus não é sim plesm ente a razão intelectual, mas a razão<br />

moral do mundo, as perturbações na sua ordem devidas ao pecado são matéria<br />

que o afetam mais profundamente. Cristo, a vida do sistema todo, assim como<br />

a humanidade, deve sofrer; e porque temos evidência de que ele é m isericordioso<br />

e justo é provável que ele retificará o mal através de recurso extraordinário<br />

quando não forem suficientes os recursos sim plesmente ordinários.<br />

Como a criação e a providência, como a inspiração e a regeneração, o<br />

milagre é uma obra em que Deus limita-se a si mesmo, através de um novo e<br />

peculiar exercício do seu poder, como parte de um processo de amor condescendente<br />

e como recurso para ensinar a humanidade sob o senso do<br />

ambiente e o fardo do pecado o que não aprenderia de outro modo. Contudo,<br />

a limitação própria é a própria perfeição e glória de Deus, porque sem ela<br />

nenhum amor que a si mesmo se sacrifica seria possível [ve rp. 9 F). Por isso,<br />

defende-se a probabilidade dos milagres não só a partir da santidade de Deus,<br />

mas também do seu amor. O seu desejo de salvar os homens dos seus pecados<br />

deve ser de natureza infinita. A encarnação, a expiação, a ressurreição, quando<br />

se nos tomam conhecidas, recomendam-se, não só como satisfação das<br />

nossas necessidades humanas, mas como dignas da perfeição moral de Deus.<br />

Um argumento em favor da probabilidade do milagre pode ser tirado das<br />

concessões deTHOMAS H. H uxley, um dos seus principais opositores modernos.<br />

Em diferentes lugares, ele nos diz que o objetivo da ciência é “a descoberta


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 9 7<br />

da ordem racional que permeia o universo!^ apesar do seu agnosticismo<br />

declarado é um testemunho inconsciente da Razão e Vontade, base de todas<br />

as coisas. Diz-nos, ainda, que não há necessidade alguma na uniformidade<br />

da natureza: “Quando mudamos ‘faremos’ por ‘devemos’, introduzimos uma<br />

idéia de necessidade que não tem nenhuma garantia nos fatos observados, e<br />

nem de que eu posso descobri-la em parte alguma”. Ele fala da “iniqüidade<br />

infinita que assistiu o curso da história humana”. Contudo, não tem esperança<br />

de que o homem possa salvar-se a si mesmo: “Eu gostaria de, em breve,<br />

adorar a selvageria dos macacos”, como a concepção panteísta de humanidade<br />

racionalizada. Ele admite que Jesus Cristo é “o mais nobre ideal que a<br />

humanidade jamais adorou”. Por que ele não avançou e admitiu que Jesus<br />

Cristo com muito maior veracidade representa a Razão infinita no cerne das<br />

coisas e que a sua pureza e amor, demonstrados através do sofrimento e da<br />

morte tornam provável que Deus empregará extraordinários recursos em<br />

favor do livramento do homem? É de duvidar que H u xley reconhecesse a sua<br />

própria pecaminosidade pessoal tão plenamente como reconhecia a da<br />

humanidade em geral. Fizesse ele isso, e teria desejado aceitar o milagre até<br />

mesmo apoiado na mais leve base atribuída por Hume, a qual passaremos<br />

doravante a mencionar.<br />

4. O testemunho necessário p a ra p ro v a r um m ilagre<br />

Não é m aior do que o requisito para provar a ocorrência de qualquer outro<br />

evento incomum, mas perfeitam ente possível.<br />

Hume, na verdade, argum entava que o m ilagre é tão contraditório a toda a<br />

experiência humana que é mais razoável crer em qualquer soma de falso testemunho<br />

do que crer que um m ilagre seja possível.<br />

A forma original do argumento pode ser encontrada em H u m e, Philosophical<br />

Works, 4.124-150. Ver também Bíblia Sacra, out. 1867.615. O argumento<br />

sustenta, em substância, que as coisas são impossíveis porque são improváveis.<br />

Ele ridiculariza a credulidade daqueles que “comprimem os seus<br />

punhos contra os postes E ainda insistem em ver os espíritos”, apoia o filósofo<br />

alemão que declara não crer em milagre mesmo que veja com os seus<br />

próprios olhos. O cristianismo é tão miraculoso que produz o milagre para<br />

fazer alguém crer nele.<br />

O argumento é falaz porque:<br />

a) É acusável de petitio principi, fazendo a nossa experiência pessoal a<br />

m edida de toda a experiência humana. O m esm o princípio tom aria impossível<br />

a prova de qualquer fato novo. M esmo operando um milagre, Deus nunca o<br />

poderia provar.<br />

b) Envolve um a autocontradição porque procura derrotar a nossa fé no<br />

testemunho humano acrescentando ao contrário a experiência geral dos homens


1 9 8 Augustus Hopkins Strong<br />

de que conhecemos só a partir do testem unho. Tal experiência geral, contudo,<br />

é simplesmente negativa e não pode neutralizar a que é positiva a não ser<br />

apoiada em princípios que invalidariam todo o testem unho qujalquer que seja.<br />

c) Requer crença em um a m aravilha m aior do que aquelas que escapariam.<br />

Que a m ultidão de homens inteligentes e honestos se uniriam contra todos os<br />

seus interesses na deliberada e persistente falsidade sob as circunstâncias narradas<br />

no registro do N ov o Testam ento, envolve um a m udança nas seqüências da<br />

natureza bem mais incríveis do que os milagres de Cristo e de seus apóstolos.<br />

a) John S tu a r t M ill, Essays on Theism, 2 1 6 -2 4 1 , admite que, mesmo que<br />

tivesse ocorrido um milagre, seria impossível prová-lo. Nisto ele só repete<br />

Hume, Miracles, 1 1 2 - “O padrão último através do qual determinamos todas<br />

polêmicas que podem surgir derivam sempre da experiência e da observação”.<br />

Porém neste ponto a nossa experiência pessoal torna-se o padrão através<br />

do qual se julga toda experiência humana. W hately, Hist. Doubts, relativas<br />

a Napoleão Bonaparte, mostra que a mesma regra exigiria que<br />

negássemos a existência do grande francês, porque as conquistas dele contrariam<br />

toda experiência e as nações civilizadas nunca tinham sido subjugadas<br />

anteriormente. O Periódico Londrino de 18 de junho de 1888, pela primeira<br />

vez em pelo menos cem anos ou em 3 1 .2 0 0 edições, apareceu com a data<br />

errada e em algumas páginas lia-se 17 de junho apesar de que esse dia era<br />

domingo. Contudo esse jornal o teria admitido em uma corte de justiça como<br />

evidência de um casamento. A verdadeira maravilha não é a falha na experiência,<br />

mas a sua continuidade sem a falha.<br />

b) Lyman A bbott: “Se o Velho Testamento contasse a história de uma batalha<br />

naval entre o povo judeu e um pagão, em que todos os navios dos pagãos<br />

fossem absolutamente destruídos e nenhum só homem entre os judeus foi<br />

morto, todos os céticos teriam escarnecido da narrativa. Agora todos crêem<br />

na narrativa, exceto os que moram na Espanha” (Trata-se do fato histórico da<br />

Invencível Armada). Há pessoas que, de igual modo, recusam-se a investigar<br />

os fenômenos do hipnotismo, segundo a vista, a clarividência e a telepatia,<br />

declarando a priori que todas essas coisas são impossíveis. Desacredita-se a<br />

profecia no sentido de predição. Com base no mesmo princípio, o telégrafo<br />

sem fio poderia ser denunciado como uma impostura. O filho de Erin, acusado<br />

de homicídio, defendeu-se dizendo: “Meritíssimo, eu posso trazer cinqüenta<br />

pessoas que não me viram cometer tal ato”. A nossa fé no testemunho não<br />

pode dever-se à experiência.<br />

5. F orça E videnciai dos M ilagres<br />

a) Os milagres são os acessórios e atestados naturais das novas com unicações<br />

da parte de Deus. As grandes épocas dos m ilagres - representadas por<br />

M oisés, pelos profetas, pela prim eira e pela segunda vindas de Cristo - coincidem<br />

com as grandes épocas da revelação. Os milagres servem para atrair a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 1 9 9<br />

atenção para um a nova verdade e cessam quando esta nova verdade ganhou<br />

curso e apoio.<br />

Os milagres não estão disseminados uniformemente em todo o curso da<br />

história. Poucos são registrados durante os 2.500 anos no período entre Adão<br />

e Moisés. Quando o Cânon do Novo Testamento se completou e a evidência<br />

interna da Escritura atingiu a plenitude da sua força, os atestados exteriores<br />

através do milagre ou são afastados ou começam a desaparecer. As maravilhas<br />

espirituais da regeneração permanecem e por estas o caminho tem sido<br />

preparado pelo longo progresso desde os milagres do poder operado por<br />

Moisés até os da graça operados por Cristo. Os milagres desapareceram<br />

porque mais recentes e mais elevadas provas os tornaram desnecessários.<br />

Melhores coisas do que estas estão agora em evidência. T homas Fuller:<br />

“Milagres são cueiros da igreja infante”. John Foster: “Os milagres são o grande<br />

sino do universo que convoca os homens para o sermão de Deus”. H enry<br />

W ard B eecher: “O s milagres são as parteiras das grandes verdades morais;<br />

as velas acendem antes do nascer do sol, mas apagam-se após o seu aparecimento”.<br />

Illingworth, Lux Mundi, 210 - “Quando nos dizem que os milagres<br />

contradizem a experiência, apontamos para a ocorrência diária do<br />

milagre espiritual da regeneração e perguntamos: ‘Que é mais fácil? Dizer<br />

ao paralítico: Perdoados te são os teus pecados, ou: Levanta-te e anda?’<br />

(Mt. 9.5)”.<br />

Os milagres e a inspiração caminham juntos; se aqueles permanecem na<br />

igreja, esta também. A. J. G ordon, Ministry ofthe Spirít, 167 - “Os apóstolos<br />

foram comissionados para falar por Cristo até que as Escrituras do N.T., voz<br />

de autoridade dele, se completassem; o primeiro ser dotado de autoridade ad<br />

interim para perdoar pecados, e o segundo com autoridade in perpetud'.<br />

O Dr. Gordon traça uma analogia entre o carvão, que é a luz solar fossilizada,<br />

e o Novo Testamento que é a inspiração fossilizada. S abatier, Philos. Religi-<br />

on, 74 - “A Bíblia está bem livre dos prodígios da mitologia oriental. Os grandes<br />

profetas - Isaías, Amós, Miquéias, Jeremias, João Batista, não operaram<br />

nenhum milagre. A tentação de Jesus no deserto é uma vitória da consciência<br />

moral sobre a religião do mero prodígio físico”. T rench diz que os milagres<br />

agrupam-se em torno da fonte do reino teocrático sob o governo de Moisés e<br />

de Josué, e em torno da restauração desse reino sob Elias e Eliseu. No A.T.,<br />

os milagres refutam os deuses do Egito sob Moisés, o Baal fenício sob Elias<br />

e os deuses da Babilônia sob Daniel.<br />

b) Os milagres geralm ente certificam a verdade da doutrina não direta,<br />

mas indiretamente; de outra forma um novo m ilagre necessitaria acompanhar<br />

cada nova doutrina ensinada. Os m ilagres, em prim eiro lugar e diretamente,<br />

certificam a com issão e autoridade divinas de um m estre religioso e, portanto,<br />

garantem a aceitação das suas doutrinas e aceitação das ordens de Deus, quer<br />

sejam comunicadas em intervalos, quer juntos, oralm ente ou em documentos<br />

escritos.


200 Augustus Hopkins Strong<br />

As exceções do que se afirmou acima são bem poucas e ocorrem apenas<br />

em casos que não envolvem alguma doutrina fragmentária, mas toda comissão<br />

e autoridade de Cristo. Jesus apeia para os seus milagres como prova da<br />

verdade do seu ensino em M t. 9.5,6 - “Que é mais fácil? Dizer ao paralítico:<br />

Perdoados te são os teus pecados, ou: Levanta-te e anda? Ora, para que<br />

saibais que o Filho do Homem tem na terra autoridade para perdoar pecados<br />

- disse então ao paralítico: Levanta-te, toma a tua cama e vai para a tua<br />

casa”; 12.28 - “se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é consequentemente<br />

chegado a vós o Reino de Deus”. Do mesmo modo Paulo em<br />

Rm. 1.4 diz que Jesus “foi declarado Filho de Deus em poder... pela ressurreição<br />

dos mortos”. M a ir , Chrístian Evidences, 223, cita de Natural Religion,<br />

181 - “Conta-se que o teofilântropo Larévellière-Lépeaux confidenciou a<br />

Talleyrand seu desapontamento com o insucesso na tentativa de trazer à voga<br />

um tipo de cristianismo melhorado, um tipo de racionalismo benévolo, que ele<br />

inventara para ir ao encontro dos anseios de uma era benévola. ‘Sua propaganda<br />

não vingou’, disse ele. ‘O que teria acontecido’? perguntou. O ex-bispo<br />

Talleyrand educadamente lamentou, temeu ser difícil a tarefa de descobrir<br />

uma nova religião, e mais difícil do que imaginava, tão difícil que não tinha<br />

condições de aconselhá-lo. ‘Ainda’, depois de alguns momentos de reflexão,<br />

‘há um plano que você poderia pelo menos tentar: Eu recomendaria que você<br />

fosse crucificado e ressuscitasse ao terceiro dia”.<br />

c) Portanto, os milagres, não são as únicas evidências. O poder sozinho<br />

não prova a comissão divina. A pureza da vida e a doutrina devem acompanhar<br />

os milagres para garantir-nos que um mestre religioso veio da parte de<br />

Deus. Os milagres e a doutrina sustentam -se um ao outro e fazem parte de um<br />

todo. A evidência interna do sistema cristão pode ter m aior força em certas<br />

mentes e em certas épocas do que a evidência externa.<br />

O aforismo de Pascal - “as doutrinas devem ser julgadas pelos milagres e<br />

os milagres pelas doutrinas” - necessita de ser suplementado pela afirmação<br />

de M ozley de que “um fato sobrenatural é a própria prova de uma doutrina<br />

também sobrenatural, conquanto esta não é a própria prova de um fato<br />

sobrenatural”. E. G. Robinson, Chrístian Theology, 107, “defende os milagres,<br />

mas não faz deles um apoio para o Cristianismo. ... Quantidade nenhuma de<br />

milagres pode convencer um bom homem da comissão divina de um homem<br />

reconhecidamente mau; nem, por outro lado, qualquer tipo de poder miraculoso<br />

basta para silenciar as dúvidas de um ser humano de má índole.<br />

... O milagre é uma certificação só para aquele que pode perceber o seu<br />

sentido. ... A igreja cristã tem em si a ressurreição sobrescrita. Sua própria<br />

existência é a prova da ressurreição. Doze homens nunca poderiam tê-la fundado,<br />

se Cristo tivesse permanecido na tumba. A igreja viva é a sarça ardente<br />

que não se consumiu”. G ore, Incarnation, 57 - “Após a ressurreição, Jesus<br />

não apareceu aos incrédulos, mas só aos crentes, o que significa a coroação<br />

de uma fé já existente, não a criação de uma fé que não existia”.<br />

Chrístian Union, 11 de jul. de 1891 - “Se a antecipada ressurreição de<br />

Joseph Smith tivesse ocorrido, nada acrescentaria à autoridade dos Mórmons”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 0 1<br />

Schurman, Agnosticism and Religion, 57 - “Os milagres são apenas sinos a<br />

chamar os povos primitivos para a igreja. Doces como a música que outrora<br />

faziam, os ouvidos modernos os acham desagradáveis e desentoados e suas<br />

notas dissonantes afugentam almas piedosas que, resignadas, entrariam no<br />

templo de adoração”. Uma nova definição de milagre que reconhece sua possível<br />

classificação como ocorrências extraordinárias na natureza, embora vendo<br />

em toda ela a obra do Deus vivo, pode remover tal preconceito. Bispo de<br />

S outhampton, Place of Miracles, 53 - “Sozinhos, os milagres não podem produzir<br />

convicção. Os fariseus os atribuíam a Belzebu. Embora Jesus tivesse<br />

feito tantos sinais, não creram. ... Embora fossem operados com tanta freqüência,<br />

raramente constituíam-se um apelo para a evidência do evangelho.<br />

Eram apenas sinais da presença de Deus no mundo. Por si só o milagre não<br />

tem força evidenciai. O único teste distintivo dos milagres divinos em oposição<br />

aos satânicos é o caráter moral e o propósito de quem os opera; em vista<br />

disto, por sua força na apreciação anterior, os milagres dependem do caráter<br />

e personalidade de Cristo (79). Os mais antigos apologistas não se valiam<br />

dos milagres. Estes não tinham valor a não ser em conexão com a profecia.”<br />

Os milagres são a revelação de Deus não a sua prova.<br />

d) Contudo, os milagres cristãos não perdem o seu valor evidenciai no<br />

correr dos tempos. Quanto mais elevada for a estrutura da vida e da doutrina<br />

cristãs m aior a necessidade da sua segurança. A autoridade de Cristo como<br />

mestre de verdade sobrenatural apoia-se em seus milagres e especialmente no<br />

da sua ressurreição. O m ilagre a que a igreja rem onta como a fonte da sua vida<br />

leva consigo irresistivelm ente todos os outros mil registrados na Escritura; só<br />

nele podemos firm ar com segurança a prova de que as Escrituras são uma<br />

revelação de autoridade da parte de Deus.<br />

Os milagres de Cristo são simples correlatos da Encarnação - a própria<br />

insígnia da sua realeza e divindade. Contudo, através da mera evidência<br />

externa podemos mais facilmente provar a ressurreição do que a encarnação.<br />

Em nossos argumentos para com os céticos não devemos começar com<br />

a jumenta de Balaão, ou o peixe que engoliu Jonas, mas com a ressurreição<br />

de Cristo; admitido isto, todos os outros milagres bíblicos parecerão apenas<br />

preparação natural, acessórios, ou conseqüências. G. F. W right, Biblia<br />

Sacra, 1889.707 - “As dificuldades criadas pelo caráter miraculoso do cristianismo<br />

podem ser comparadas às assumidas pelo construtor quando se deseja<br />

grande permanência na estrutura que foi levantada. É mais fácil lançar o<br />

alicerce de uma estrutura temporária do que a de uma que deve resistir por<br />

séculos”. P ressencé: “A tumba vazia de Cristo foi o berço da igreja e, se neste<br />

fundamento da fé a igreja tem-se equivocado, afirmo que ela deve ter necessidade<br />

de lançar-se junto aos restos mortais, não de um homem, mas de uma<br />

religião”.<br />

P residente S churman crê que a ressurreição de Cristo seja um “quadro<br />

obsoleto de uma verdade eterna - o fato de uma vida contínua com Deus.<br />

Harnack, Wesen des Christenthums, 102, pensa que não há nenhuma união


202 Augustus Hopkins Strong<br />

consistente dos relatos da ressurreição de Cristo contidos nos evangelhos;<br />

aparecem dúvidas sobre uma ressurreição literal e física; contudo, o cristianismo<br />

remonta a uma fé invencível na vitória de Cristo sobre a morte. Mas por<br />

que crer nos evangelhos quando falam da simpatia de Cristo e descrer deles<br />

quando falam do poder miraculoso? Não temos direito de confiar na narrativa<br />

quando nos apresentam as palavras de Cristo “Não chores” à viúva de Naim,<br />

(Lc. 7.13), e desconfiar dela quando nos fala da ressurreição do seu filho.<br />

As palavras “Jesus chorou" pertencem inse^aravelmente à história de que<br />

faz parte a expressão “Lázaro, sai para fora” (Jo. 11.25,43). É improvável que<br />

os discípulos tivessem crido num tão estupendo milagre como o da ressurreição<br />

de Cristo, se não tivessem antes visto outras manifestações do poder<br />

miraculoso da parte dele. O próprio Cristo é o grande milagre. A sua concepção<br />

como o Salvador ressurrecto e glorificado só pode ser explicada pelo<br />

fato de que ele ressuscitou. E. G. Robinson, Theology, 109 - “A igreja atesta o<br />

fato da ressurreição exatamente do mesmo modo que atesta a origem divina<br />

da igreja. Como uma evidência, a ressurreição depende da existência da igreja<br />

que a proclama”.<br />

e) A ressurreição do Nosso Senhor Jesus Cristo - pela qual significamos a<br />

saída do sepulcro em corpo e em espírito - é dem onstrada pela evidência<br />

como variada e conclusiva que nos prova qualquer fato da história antiga.<br />

Sem ela o próprio cristianism o é inexplicável como a falha das modernas teorias<br />

racionalistas m ostram no seu aparecim ento e progresso.<br />

Ao discutir a evidência da ressurreição de Jesus, defrontamo-nos com<br />

três teorias racionalistas:<br />

I. Teoria do desmaio, de Strauss. Ele sustenta que Jesus na verdade não<br />

morreu. O frio e as especiarias despertaram-no. Respondemos que o sangue<br />

e a água e o testemunho do centurião (Mc. 15.45) provam que ele estava<br />

realmente morto. A pedra removida e a força imediata de Jesus logo depois,<br />

são inconsistentes com o desmaio e suspensa animação imediatamente<br />

antes. Como foi preservada a sua vida? aonde ele foi? quando ele morreu? a<br />

não morte dele implica mentira da parte dele ou da parte dos seus discípulos.<br />

II. Teoria do espírito, de Keim. Na verdade morreu, mas apareceu apenas<br />

o seu espírito. O espírito deu aos discípulos um sinal da sua vida contínua,<br />

uma espécie de telegrama do céu. Porém respondemos que o telegrama não<br />

foi verdadeiro porque afirmou que o seu corpo ressuscitou do sepulcro.<br />

O sepulcro estava vazio e as peças de linho mostraram uma saída ordeira.<br />

O próprio Jesus negou que fosse um espírito sem corpo: “um espírito não tem<br />

carne nem ossos, como vedes que eu tenho (Lc. 24.39). A “sua carne viu<br />

corrupção” (At. 2.31)? O ladrão arrependido ressuscitou dos mortos como<br />

ele? G odet, Lectures in Defence ofthe Chrístian Faith, prel. i: Um dilema para<br />

os que negam o fato da ressurreição de Cristo: ou o seu corpo permaneceu<br />

nas mãos dos seus discípulos ou foi entregue aos judeus. Se os discípulos o<br />

retivessem, seriam impostores: mas os racionalistas modernos não defendem<br />

isto. Se os judeus o retiveram, por que não o apresentaram como evidência<br />

contra os discípulos?


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 0 3<br />

111. Teoria da visão, de R enan. Jesus morreu e não houve nenhuma aparição<br />

objetiva até mesmo do seu espírito. Maria Madalena foi vítima de alucinação<br />

subjetiva contagiante. Isto ocorreu porque os judeus esperavam que o<br />

Messias operasse milagres e que ressuscitaria dentre os mortos. Respondemos<br />

que os discípulos não esperavam a ressurreição de Jesus. As mulheres<br />

não foram ao sepulcro para ver o Redentor ressuscitado, mas para embalsamar<br />

um corpo morto. Tomé e os que çaminhavam para Emaús abandonaram<br />

toda esperança. Quatrocentos anos tinham-se passado desde os dias<br />

dos milagres; João Batista “não fez nenhum sinal” (Jo. 10.41); os saduceus<br />

diziam “não haver ressurreição” (Mt. 22.23). Houve treze aparições diferentes:<br />

1. a Maria Madalena; 2. a outras mulheres; 3. a Pedro; 4. aos caminhantes<br />

de Emaús; 5. aos doze; 6. novamente, após oito dias, aos doze; 7. junto<br />

ao mar da Galiléia; 8. na montanha na Galiléia; 9. a quinhentas pessoas na<br />

Galiléia; 10. a Tiago; 11. ascensão em Betânia; 12. a Estêvão; 13. a Paulo, no<br />

caminho de Damasco. Paulo descreve o aparecimento de Cristo a ele como<br />

algo não subjetivo, mas objetivo e implica que os aparecimentos anteriores<br />

de Cristo aos outros também foram objetivos: “por derradeiro de todos [os<br />

aparecimentos físicos], ... me apareceu também a mim” (1 Co. 15.8). Bruce,<br />

Apologetics, 396 - “O interesse e intenção de Paulo em classificar ambas<br />

juntas era nivelar a sua própria visão [de Cristo] à objetividade das cristofanias<br />

primitivas. Ele cria que os onze, particularmente Pedro, tinham visto o Cristo<br />

ressurrecto com os olhos do seu corpo e reivindicava para si uma visão do<br />

mesmo tipo”. Paulo tinha uma natureza sã e forte. Visões subjetivas não transformam<br />

vidas humanas; a ressurreição moldou os apóstolos; eles não criaram<br />

a ressurreição. Tais aparições logo cessaram, diferentemente da lei das<br />

alucinações, que aumentam em freqüência e intensidade. É impossível explicar<br />

as ordenanças, o dia do Senhor, e até o próprio cristianismo, se Jesus<br />

não ressuscitou dentre os mortos.<br />

A ressurreição de nosso Senhor ensina três importantes lições: 1) Mostra<br />

que a sua obra da expiação completou-se e obteve a aprovação divina:<br />

2) Que ele é o Senhor de tudo e que deu uma suficiente prova externa do<br />

cristianismo; 3) Forneceu a base e penhor da nossa ressurreição e deste<br />

modo “trouxe à luz a vida e a incorrupção” (2 Tm. 1.10). Convém lembrar que<br />

a ressurreição foi o único sinal sobre o qual o próprio Jesus apoiou as suas<br />

reivindicações - “o sinal de Jonas” (Lc. 11.29); e que a ressurreição não é só<br />

uma prova do poder de Deus, mas do poder do próprio Cristo: Jo. 10.18 -<br />

“tenho poder para a dar e para tornar a tomá-la”; 2.19 - “Derribai este templo,<br />

e em três dias o levantarei”. ... 21 - “ele falava do templo do seu corpo”.<br />

6. Falsos M ilagres<br />

Porque só um ato operado por Deus pode, com propriedade, ser chamado<br />

de milagre, segue-se que os eventos surpreendentes operados pelos espíritos<br />

maus ou por homens através do uso de agentes além do nosso conhecimento<br />

não têm o direito a esta designação. As Escrituras reconhecem a sua existência,<br />

mas os chamam de “prodígios de m entira” (2 Ts. 2.9).


2 0 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Estes falsos milagres em várias épocas m ostram que a crença neles é natural<br />

à raça e em algum lugar deve existir a verdade. Servem para m ostrar que<br />

nem todas ocorrências sobrenaturais são divinas e m ostrar a necessidade de<br />

cuidadoso exame antes de aceitá-las como divinas.<br />

Os falsos milagres comumente podem distinguir-se dos verdadeiros: d) pela<br />

conduta imoral que os acompanha ou doutrina contrária à verdade já revelada<br />

- como no espiritismo moderno; V) por suas características interiores de inanidade<br />

e extravagância - como na liquefação do sangue de São Januário, ou<br />

nos milagres do Novo Testamento Apócrifo; c) pela insuficiência de objetivos<br />

que se propõem a prom over - como no caso de Apolônio de Tiana, ou dos<br />

m ilagres que se dizem acompanhar a publicação das doutrinas da Imaculada<br />

C m ceãçãa e.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 205<br />

da corrupção. Ora, como Cristo veio para destruir a morte, e quer redimir o<br />

corpo da escravidão da corrupção, se a igreja tem as primícias ou o penhor<br />

deste poder, é porque recebe o poder sobre as enfermidades e sobre o penhor<br />

da morte".<br />

Em resposta aos que defendem a cura pela fé em geral devemos admitir<br />

que a natureza é plasmável nas mãos de Deus; que ele pode operar milagres<br />

quando e onde lhe apraz; e que ele prometeu, com certas limitações bíblicas<br />

e racionais, estimular a oração da fé na cura de enfermidades. Mas inciina-<br />

mo-nos a crer que, ultimamente, Deus responde tal oração, não através de<br />

um milagre, mas de uma providência especial e de incentivo, fé e vontade,<br />

agindo desta forma diretamente através do seu Espírito sobre a alma e só<br />

indiretamente sobre o corpo. As leis da natureza são, genericamente a vontade<br />

de Deus; ignorá-las e desusá-las significa presunção e desrespeito ao<br />

próprio Deus. A promessa da Escritura quanto à fé sempre é expressa e<br />

subentende o emprego dos recursos à disposição: devemos operar a nossa<br />

salvação pela mesma razão que é Deus quem a opera em nós; não adianta<br />

ao homem que está se afogando orar se ele se recusa a segurar a corda que<br />

lhe é lançada. Os remédios e os médicos são a corda que Deus nos lança;<br />

não podemos esperar um auxílio milagroso, enquanto negligenciarmos o<br />

auxílio que Deus já nos deu; recusar este auxílio é praticamente negar a revelação<br />

de Cristo na natureza. Por que não vivemos sem comer do mesmo<br />

modo em que pretendemos recuperar a saúde sem tomar remédio? A fé na<br />

alimentação é tão racional como a fé na cura. Excetuar casos de doença a<br />

partir desta regra geral quanto ao emprego dos meios não tem nenhuma<br />

garantia nem na razão nem na Escritura. A expiação comprou a salvação<br />

completa e a qualquer dia a salvação será nossa. Mas a morte e a deprava-<br />

ção ainda continuam, não como uma pena, mas como um castigo. O mesmo<br />

acontece com a doença. Hospitais para doenças incuráveis e a morte mesmo<br />

para os que defendem a cura pela fé mostra que eles também são compelidos<br />

a reconhecer um limite à aplicação da promessa do Novo Testamento.<br />

Com base na discussão anterior não devemos considerar a assim chamada<br />

Ciência Cristã nem cristã nem científica. A S r a. M ary B aker G. E ddy nega a<br />

autoridade de toda aquela parte da revelação que Deus fez ao homem na natureza,<br />

e que sustenta que as leis da natureza podem ser desconsideradas com<br />

impunidade pelos que têm apropriada fé. B isp o La w r e n c e de Massachusetts:<br />

“Um dos erros da Ciência Cristã é a negligência do conhecimento acumulado,<br />

do fundo de informação armazenado nestes séculos cristãos. Tal conhecimento<br />

é tão magnífica dádiva de Deus como a obtida através da revelação<br />

direta. Ao rejeitar o conhecimento acumulado e a capacidade profissional, a<br />

Ciência Cristã rejeita o dom de Deus”. As professadas curas da Ciência Cristã<br />

são, na maioria, explicáveis pela influência da mente sobre o corpo, através<br />

da hipnose ou da sugestão. Os distúrbios mentais podem tornar o leite<br />

materno um veneno para o filho; a excitação mental é causa comum da indigestão;<br />

a depressão mental induz a desarranjos intestinais; a mente deprimida<br />

e as condições morais tornam uma pessoa suscetível à gripe, à pneumonia,<br />

à febre tifóide. Lendo o relato de um acidente no qual o corpo é dilacerado<br />

ou mutilado, sentimos a dor no mesmo lugar em nós mesmos; quando a mão<br />

de um filho é esmagada, a da mãe, embora a certa distância incha; os stigmata


2 0 6 Augustus Hopkins Strong<br />

medievais resultaram, provavelmente, da impressão contínua dos sofrimentos<br />

de Cristo.<br />

Porém os estados mentais tanto podem prejudicar como podem ajudar o<br />

corpo. A esperança mental facilita a cura da enfermidade. O médico auxilia o<br />

paciente inspirando-lhe esperança e coragem. A imaginação opera maravilhas<br />

especialmente no caso de perturbações nos nervos. Dizem que a Ciência<br />

Cristã cura as enfermidades deste tipo. De tempo em tempo os faquires,<br />

os mesmerianos e os impostores têm empregado estes recursos das forças<br />

mentais subjacentes. Induzindo a expectação, inculcando coragem, despertando<br />

a vontade paralisada, indiretamente têm causado mudanças físicas que<br />

se confundem com o milagre. T ácito nos fala da cura de um cego pelo imperador<br />

Vespasiano. Sem dúvida as curas têm sido operadas pelo toque real na<br />

Inglaterra. Visto que tais maravilhas têm sido feitas pelos íridios curandeiros,<br />

não podemos considerá-los como se tivessem qualquer caráter cristão específico<br />

e quando, como no caso atual, vemo-lo utilizado na disseminação de<br />

uma falsa doutrina a respeito do pecado, de Cristo, da expiação e da igreja,<br />

devemos classificá-los como “prodígios de mentira” de que há advertência<br />

em 2 Ts. 2.9.<br />

IV. PR O F E C IA ATESTAN DO U M A R E V E L A Ç Ã O DIVIN A<br />

Consideramos profecia no seu sentido estrito de simples predição, reservando<br />

para um capítulo subseqüente sua consideração como interpretação da<br />

vontade divina em geral.<br />

1. D efinição<br />

Profecia é a predição de eventos futuros em virtude da comunicação direta<br />

de Deus - predição, portanto, que, apesar de não contrariar quaisquer leis da<br />

m ente humana, se plenam ente conhecidas, sem a atuação divina, não se explicariam<br />

suficientemente.<br />

Ao discutir o assunto da profecia, enfrentamos, logo no começo, a controvérsia<br />

de que não há e nunca houve, predição real de eventos futuros além<br />

do que é possível à presciência natural. Este é o ponto de vista de Kuenen,<br />

Prophts and Profecy in Israel. Pfleiderer, Philos. Relig., 2.42, nega qualquer<br />

predição direta. A profecia em Israel, sugere ele, é somente a consciência da<br />

retidão de Deus proclamando os seus ideais do futuro e declarando que a<br />

vontade de Deus é o ideal moral do bem e da lei da história do mundo, de<br />

modo que a sorte das nações condiciona-se à atitude para com o propósito<br />

de Deus: “O erro fundamental da apologética vulgar é que ela confunde profecia<br />

com a adivinhação dos pagãos - salvação nacional sem caráter”. W.<br />

R obertson S mith, Encyc. Britannica, 19.821, diz-nos que a “predição pormenorizada<br />

ocupa um lugar bem secundário nos escritos dos profetas; ou, ao<br />

invés disto, na verdade, o que parece serem predições em pormenores são,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

via de regra, apenas livres ilustrações poéticas de princípios históricos, que<br />

nem receberam, nem demandaram um cumprimento exato”.<br />

Como no caso dos milagres, nossa fé em um Deus imanente, que não é<br />

outro senão o Logos ou o grande Cristo, dá-nos um ponto de vista a partir do<br />

qual podemos harmonizar as controvérsias dos naturalistas e sobrenaturalis-<br />

tas. Profecia é um ato imediato de Deus; porém, visto que todo gênio natural<br />

se deve também à atuação energética de Deus, não precisamos negar o<br />

emprego dos dons naturais de profecia no homem. Os exemplos de telepatia,<br />

de pressentimento, e de uma segunda visão que a Sociedade de Pesquisa<br />

Psicológica demonstrou serem fatos esclarecem que a predição, na história<br />

da revelação divina, pode ser somente uma intensificação de uma força<br />

latente sob o impulso extraordinário do Espírito divino no mesmo grau em<br />

todos homens. O autor de toda a grande obra da imaginaçãi criativa sabe<br />

que uma força mais elevada do que a dele o possui. Em toda razão humana<br />

há uma atividade natural da Razão divina ou Logos que é “a luz que alumia a<br />

todo homem” (Jo. 1.9). Deste modo há uma atividade natural do Espírito Santo<br />

e aquele que completa o círculo da consciência divina também completa o<br />

da consciência humana, dá o senso do eu a cada alma, torna valiosos ao<br />

homem tanto os dons naturais como os dons espirituais de Cristo; cf. Jo. 16.14<br />

- “há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”. O mesmo Espírito que<br />

no princípio “pairava sobre a face das águas” (Gn. 1.2) também paira sobre a<br />

humanidade e é ele que, segundo a promessa de Cristo, deve “anunciar o<br />

que há de vir” (Jo. 16.13). O dom da profecia pode ter o seu lado natural,<br />

como o dos milagres, embora, ao fim, possa explicar-se apenas como resultado<br />

de uma obra extraordinária da qual o Espírito de Cristo que, em certo<br />

grau, se manifesta na razão e consciência de cada homem; cf. 1 Pe. 1.11 -<br />

“indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que<br />

estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo<br />

haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.<br />

A. B. Davidson, em seu artigo sobre Profecia e Profetas, in Hastings’ Bible<br />

Dictionary, 4.120,121, dá pouco peso a este ponto de vista de que a profecia<br />

se baseia no poder natural da mente humana: “Os argumentos pelos quais<br />

G iesebrecht, Berufsgabung, 13 sgs., apoia a teoria de uma ‘faculdade do pressentimento’<br />

têm pouca força convincente. Supõe-se que esta faculdade reve-<br />

la-se particularmente na aproximação da morte (Gn. 28 e 49). Os contemporâneos<br />

das mais religiosas personagens têm atribuído a eles um dom profético.<br />

A resposta de J ohn K nox aos que lhe creditam tal dom merece ser lida: ‘Minha<br />

segurança não são as maravilhas de Merlin, nem ainda as tenebrosas sentenças<br />

da profecia profana. Mas, em primeiro lugar, a nítida verdade da palavra<br />

de Deus; em segundo lugar, a invencível justiça do eterno Deus; e, em<br />

terceiro lugar, o curso comum das suas punições e pragas desde o começo<br />

são a minha segurança e a minha base’”. Conquanto Davidson admita o cumprimento<br />

de algumas das específicas predições da Escritura, a serem daqui a<br />

pouco mencionadas, sustenta que “tais pressentimentos, até onde podemos<br />

observar sua autenticidade, são principalmente fruto da consciência ou da<br />

razão moral. A verdadeira profecia apoia-se em bases morais. Em toda parte<br />

o futuro ameaçador se prende ao mal ocorrido na palavra ‘portanto’ (Mq. 3.12;<br />

Is. 5.13; Am. 1.12)”. Sustentamos com Davidson o elemento moral na profecia,<br />

2 0 7


2 0 8 Augustus Hopkins Strong<br />

mas também reconhecemos uma força na humanidade normal que ele minimiza<br />

ou nega. Reivindicamos que a mente humana, mesmo em sua operação<br />

comum e secular, apresenta índices ocasionais de transcendência das limitações<br />

dos nossos dias. Se crermos na atividade contínua da Razão divina na<br />

do homem, não temos necessidade alguma de duvidar da possibilidade de<br />

uma perspicácia quanto ao futuro e esta é necessária nas grandes épocas da<br />

história religiosa. Expositor’s Greek Testament, 2.34 - “Savonarola predisse<br />

em 1496 a tomada de Roma, o que aconteceu em 1527 e isto não só em<br />

termos gerais, mas em pormenores. Suas palavras concretizaram-se literalmente<br />

quando as Igrejas de São Pedro e de São Paulo tornaram-se, como o<br />

profeta predisse, estábulos para os cavalos dos conquistadores”.<br />

2. Relação da profecia com os m ilagres<br />

Os milagres são certificações do processo de revelação a partir do poder<br />

divino; a profecia é um a certificação do processo de revelação a partir do<br />

conhecimento divino. Só Deus pode conhecer as contingências do futuro. Pode-<br />

se argumentar a possibilidade e probabilidade da profecia na m esm a base que<br />

a possibilidade e probabilidade dos milagres. Como evidência da revelação<br />

divina, contudo, a profecia possui duas vantagens sobre os milagres, a saber:<br />

a) A prova, no caso da profecia, não deriva de testemunho antigo, mas está<br />

sob as nossas vistas, b) A evidência dos m ilagres não pode tornar-se mais<br />

forte enquanto cada novo cumprimento se acrescenta ao argumento da profecia.<br />

3. Requisitos na profecia, considerados como Evidência da Revelação<br />

a) O pronunciamento deve estar distante do evento, b) Não deve existir<br />

coisa alguma que sugira que o evento seja simples presciência natural, c) O pronunciam<br />

ento deve estar livre de am bigüidade, d ) Contudo, não deve ser muito<br />

preciso quanto ao assegurar seu próprio cum prim ento, e) O evento predito<br />

deve segui-la no tempo devido.<br />

Hume: “Todas profecias são verdadeiros m ilagres e som ente assim podem<br />

ser adm itidos com o prova de qualquer revelação” , a) C entenas de anos m ediaram<br />

entre algum as predições do A.T. e o seu cum prim ento, b) S tanley exem ­<br />

plifica a sagacidade natural de Burke, que o capacitou a predizer a Revolução<br />

Francesa. M as Burke tam bém predisse em 1793 que a França seria repartida<br />

com o a Polônia entre um a confederação de forças hostis. Canning tam bém<br />

predisse que as colônias sul-am ericanas cresceriam com o os Estados Unidos.<br />

D’Israeli predisse que a nossa C onfederação do Sul se tornaria uma<br />

nação independente. Ingersoll predisse que, dentro de dez anos, haveria um a<br />

relação de dois teatros para cada igreja, c) A m bigüidade das profecias ilustrada<br />

pelo oráculo de Delfos: “A trave ssand o o rio, tu destróis um a grande<br />

nação” - o oráculo não determ ina se dele m esm o ou do inim igo, d) S trauss


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 0 9<br />

sustenta que a própria profecia do A.T. determinou os eventos ou as narrativas<br />

dos evangelhos, e) C a r d a n , matemático italiano, predisse o dia e a hora<br />

da sua própria morte e suicidou-se no exato momento para provar que a predição<br />

era verdadeira. O Senhor faz do cumprimento das suas predições a<br />

prova da sua divindade na controvérsia com os falsos deuses: Is. 41.23 -<br />

“Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois<br />

deuses”; 42.9 - “Eis que as primeiras coisas passaram, e novas coisas eu<br />

vos anuncio, e, antes que venham à luz, vo-las faço ouvir".<br />

4. Caraterísticas G erais da P rofecia nas E scrituras<br />

à) Sua grande quantidade - ocupando grande porção da Bíblia e estendendo-se<br />

por centenas de anos. b) Sua natureza ética e religiosa - os eventos<br />

futuros são considerados como desenvolvim entos e resultados da presente atitude<br />

dos homens para com Deus. c) Sua unidade na diversidade - tendo como<br />

ponto central Cristo, o verdadeiro servo de Deus e libertador do seu povo.<br />

d) Seu verdadeiro cum prim ento quando considera muitas das predições - conquanto<br />

parecendo não cumprimentos, explicam -se pela sua natureza figurativa<br />

e condicional.<br />

A. B. Davidson, em Hastings’ Bible Dictionary, 4.125, sugere razões para o<br />

aparente não cumprimento de algumas predições: A profecia é poética e figurada;<br />

não deve haver muita pressão sobre os pormenores; eles são apenas<br />

ornamentos da idéia. Em Is. 13.16 - “As suas crianças serão despedaçadas<br />

... e a mulher de cada um, violada” - o profeta dá um quadro ideal do saque<br />

da cidade; estas coisas, na verdade não aconteceram, mas Ciro entrou na<br />

Babilônia “em paz”. Contudo, permaneceu a verdade essencial de que a cidade<br />

caiu nas mãos do inimigo. A predição de Ezequiel sobre a cidade de Tiro,<br />

Ez. 26.7-14, é reconhecida em Ez. 29.17-20 como tendo sido cumprida não<br />

nos pormenores, mas na sua essência - o verdadeiro evento foi a quebra do<br />

poder de Tiro por Nabucodonozor. Is. 17.1 - “Eis que Damasco será tirada e<br />

já não será cidade, mas um montão de ruínas” - deve ser interpretado como<br />

predizendo a extinção do seu domínio, visto que Damasco provavelmente<br />

nunca deixou de ser cidade. A natureza condicional da profecia explica outros<br />

aparentes casos não cumpridos. As predições freqüentemente eram ameaças<br />

que podiam ser revogadas pelo arrependimento. Jr. 26.13 - “melhorai os<br />

vossos caminhos ... e arrepender-se-á o Senhor do mal que falou contra vós”.<br />

Jn. 3 .4 - “Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.... 10 - E Deus viu as<br />

obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu<br />

do mal que lhes faria e não o fez”; cf. Jr. 18.8; 26.19.<br />

Exemplos do verdadeiro cumprimento da profecia encontram-se, segundo<br />

D avidson, na predição que Samuel fez de algumas coisas que aconteceriam<br />

a Saul e que a história declara que aconteceram. Jeremias predisse a<br />

morte de Hananias no ano que ocorreu (Jr. 28 esp. vs. 16,17). Micaías predisse<br />

a derrota e morte de Acabe em Ramote-Gileade (1 Re. 22 esp. vs. 25 e<br />

34). Isaías predisse o fracasso da coalizão do norte na sujeição de Jerusalém


210 Augustus Hopkins Strong<br />

(Is. 7); a ruína de Damasco, em dois ou três anos, e do norte de Israel diante<br />

dos assírios (Is. 8 e 17); o insucesso de Senaqueribe no domínio de Jerusalém<br />

e a dispersão do seu exército Os. 37.34-37). E, de um modo geral, independentemente<br />

dos pormenores, as principais predições dos profetas relativas<br />

a Israel e às nações verificaram-se na história, por exemplo, em Amós 1<br />

e 2. As principais predições dos profetas referem-se à iminente queda dos<br />

reinos de Israel e de Judá; ao que está além disso, a saber, a restauração do<br />

reino de Deus; e quanto ao estado do povo em sua condição de felicidade<br />

final”. Sobre as predições do exílio e volta de Israel, ver especialmente<br />

Am. 9.9 - “Porque eis que darei ordem e sacudirei a casa de Israel entre<br />

todas as nações, assim como se sacode o grão no crivo, sem que caia na<br />

terra um só grão. ... 1 4 - E removerei o cativeiro do meu povo Israel e reedi-<br />

ficarei as cidades assoladas”. Mesmo que aceitemos a teoria da M-autoria do<br />

livro de Isaías, ainda temos a predição da volta dos judeus da Babilônia e a<br />

designação de Ciro como agente de Deus, em Is. 44.28 - “quem diz de Ciro:<br />

É meu pastor e cumprirá tudo o que me apraz; dizendo também a Jerusalém:<br />

Sê edificada; e ao tempio: Funda-te”; ver G eorge A dam S mith, Hastings’ Bible<br />

Dictionary, 2.493. Frederico, o Grande disse ao seu capelão: “Dá-me em<br />

uma palavra a prova da origem divina da Bíblia”; o capelão bem respondeu:<br />

“Os judeus, Majestade”. No caso dos judeus temos ainda mesmo agora os<br />

únicos fenômenos de um povo sem terra e uma terra sem povo, embora ambos<br />

estivessem previstos séculos antes deste evento.<br />

5. Profecia m essiânica em g eral<br />

d) Predições diretas dos eventos - com o as profecias veterotestamentárias<br />

sobre o nascimento, sofrimento e subseqüente glória de Cristo, b) Profecia<br />

geral do Reino no Velho Testamento e seu triunfo gradual, c) Tipos históricos<br />

em um a nação e em indivíduos - como Jônatas e Davi. d) Prefigurações do<br />

futuro em ritos e ordenanças - como no sacrifício, na circuncisão, e na páscoa.<br />

6. Profecias especiais pronunciadas p o r Cristo<br />

a) Quanto à sua morte e ressurreição, b) Quanto aos eventos ocorrentes<br />

entre a sua morte e a destruição de Jerusalém (multidão de impostores; guerras<br />

e rumores de guerras; fom e e peste), c) Quanto à destruição de Jerusalém<br />

e a política judaica (Jerusalém sitiada pelos exércitos; abominação da desolação<br />

no lugar santo; fuga dos cristãos; miséria; massacre; dispersão), d) Quanto<br />

à difusão do evangelho pelo mundo todo (a Bíblia já era o livro de mais<br />

ampla circulação no mundo).<br />

A mais importante caraterística da profecia é o elemento messiânico; ver<br />

Lc. 24.27 - “começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o<br />

que dele se achava em todas Escrituras”; At. 10.43 - “a este dão testemunho


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

todos os profetas”; Ap. 19.10 - “o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”.<br />

Os tipos pretendem ser semelhança, designação de prefigurações; p.ex:.<br />

Jonas e Davi são tipos de Cristo. A natureza típica de Israel apoia-se no profundo<br />

fato da comunidade de vida. Como vida de Deus, o Logos é a base da<br />

humanidade universal e interpenetra em cada parte, pelo que desta humanidade<br />

universal se desenvolve genericamente Israel; de Israel, como nação,<br />

surge o Israel espiritual; de Israel espiritual, Cristo segundo a carne, - o alto<br />

da pirâmide encontra o clímax e culminação nele. Daí as predições relativas<br />

ao “Servo do Senhor” (Is. 42.1-7), e ao “Messias” (Is. 61.1; Jo. 1.41), cumprem-se<br />

em parte em Israel, mas de um modo perfeito só em Cristo. S abatier,<br />

Phitos. Religion, 59 - “Se, potencialmente, a humanidade não fosse em certo<br />

sentido Emanuel, Deus conosco, nunca teria produzido do seu seio aquele<br />

que nasceu e revelou este bendito fyome”.<br />

No A.T., o Senhor é o Redentor do seu povo. Ele opera através de juizes,<br />

profetas, mas ele mesmo continua sendo o Salvador; “só o elemento divino<br />

neles é que salva”; “Ao Senhor pertence a salvação” (Jn 2.9; Rev. e At. do<br />

Brasil). O Senhor se manifesta no reinado de Davi sob a monarquia; em Israel,<br />

o Servo do Senhor, durante o exílio; e no Messias, ou Ungido, no período pós-<br />

exílico. Devido à sua consciente identificação com o Senhor, Israel é sempre<br />

um povo com visão avançada. Cada novo juiz, rei ou profeta é considerado<br />

um arauto do futuro reino de justiça e paz. Tais pronunciamentos terrenos são<br />

aguardados com arrebatadora expectação; os profetas expressam-na em termos<br />

que transcendem as possibilidades do presente; quando ela deixa de ser<br />

plenamente realizada, a esperança messiânica simplesmente se transfere<br />

para um futuro mais distante. Cada profecia em separado tem a sua roupagem<br />

fornecida pelas circunstâncias imediatas e encontra sua ocasião em<br />

algum evento da história contemporânea. Mas gradualmente fica evidente<br />

que só um Rei e Salvador ideal e perfeito pode preencher os requisitos da<br />

profecia. Só quando Cristo aparece, torna-se manifesto o real sentido das<br />

várias predições do Velho Testamento. Então o homem é capaz de combinar<br />

as profecias aparentemente inconsistentes de um sacerdote que é ao mesmo<br />

tempo um rei (SI. 110) e de um régio Messias ao mesmo tempo sofredor<br />

(Is. 53). Não nos basta perguntar o que significa o próprio profeta ou o que<br />

entendiam por profecia os seus ouvintes. Isto eqüivale a considerar a profecia<br />

como tendo um só autor e este humano. No espírito do homem em cooperação<br />

com o de Cristo, o Espírito Santo (1 Pe. 1.11 - “o Espírito de Cristo que<br />

estava neles”; 2 Pe. 1.21 - “a profecia nunca foi produzida por vontade de<br />

homem algum; mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito<br />

Santo”). Toda profecia tem uma dupla autoria: humana e divina; o mesmo<br />

Cristo que falou através dos profetas operou o cumprimento das suas<br />

palavras.<br />

Não é de estranhar que aquele que através dos profetas proferiu predições<br />

relativas a si mesmo tenha sido, quando encarnado, o profeta por excelência<br />

(Dt. 18.15; At. 3.22 - “Porque Moisés disse: O Senhor, vosso Deus,<br />

levantará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvi-<br />

reis”). Nas predições de Jesus encontramos a chave própria para a interpretação<br />

da profecia em geral e a evidência de que, conquanto nenhuma das<br />

três teorias - dos preteristas, dos continuístas, dos futuristas - fornece uma<br />

2 1 1


212 Augustus Hopkins Strong<br />

explicação exaustiva, mas cada uma tem seu elemento de verdade. Nosso<br />

Senhor fez o cumprimento da predição da sua própria ressurreição um teste<br />

da sua comissão divina: foi “o sinal do profeta Jonas” (Mt. 12.39). Ele prometeu<br />

que os seus discípulos teriam os dons da profecia: Jo. 15.15 - “Já não vos<br />

chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas<br />

tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho<br />

feito conhecer; 16.13 - “aquele Espírito da verdade ... vos anunciará o que há<br />

de vir”. Ágabo predisse a fome e o aprisionamento de Paulo (At. 11.28; 21.10);<br />

Paulo predisse heresias (At. 20.29,30), naufrágio (At. 27.10, 21-26), “o<br />

homem do pecado” (2 Ts. 2.3), a segunda vinda de Cristo e a ressurreição<br />

dos santos (1 Ts. 4.15-17).<br />

7. Sobre o duplo sentido da Profecia<br />

d) Certas profecias aparentemente contêm um a plenitude de sentido que<br />

não se esgota no evento a que mais obvia e literalm ente se referem. Uma<br />

profecia que teve um cum prim ento parcial em um tem po não distante do seu<br />

pronunciam ento pode achar seu principal cum prim ento em um evento bem<br />

distante. Porque os princípios da adm inistração de Deus sempre se repetem e<br />

ampliam a ilustração na história as profecias que já tiveram cumprimento parcial<br />

podem ter ciclos inteiros ainda diante de si.<br />

Na profecia há uma ausência de perspectiva; como nos quadros japoneses<br />

o próximo e o longe parecem eqüidistantes; como nos pontos de vista<br />

diluídos, o futuro imediato se funde num futuro imensuravelmente bem distante.<br />

A vela que brilha através de uma abertura envia a sua luz através de<br />

uma área sempre crescente; as seções de um triângulo correspondem-se<br />

umas às outras, porém quanto mais distantes maiores se tornam que as mais<br />

próximas. O chalé junto à montanha pode parecer um gato preto sobre um<br />

monte de lenha, ou uma pinta na vidraça. “Uma montanha que parece estar<br />

pouco atrás de outra encontra-se numa abordagem mais próxima quando há<br />

um maior afastamento dela”. O pintor, ao reduzir, reúne coisas ou partes que<br />

são relativamente distantes umas das outras. O profeta é um pintor cujas<br />

reduções são sobrenaturais; ele parece livre da lei do espaço e do tempo e é<br />

arrebatado para a intemporalidade de Deus, vê os eventos da história “sub<br />

specie eternitatis”. A profecia é um esboço de um mapa. Mesmo o profeta não<br />

pode aclarar o rascunho. A ausência de perspectiva na profecia pode explicar<br />

o equívoco de Paulo na Carta aos Tessalonicenses, e a necessidade das<br />

suas explicações em 1 Ts. 2.1,2. Em Is. 10 e 11, a queda do Líbano (Assíria)<br />

está em conexão imediata com o aparecimento do ramo (Cristo); em Jr. 41.51,<br />

a captura e completa destruição da Babilônia estão em conexão recíproca,<br />

sem que se perceba o intervalo de mil anos entre ambas.<br />

Contudo, exemplos de duplo sentido da profecia podem ser encontrados<br />

em Is. 7.14-16; 9.6,7 - “uma virgem conceberá e dará à luz um filho, ... um<br />

filho se nos deu” - comparado com Mt. 1.22,23, onde a profecia se aplica a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 213<br />

Cristo (verM eyer in loco)', Os. 11.1 - “Do Egito chamei a meu filho” - que<br />

originariamente se refere à chamada da nação do Egito - em Mt. 2.15 refere-se<br />

a Cristo, que incorporou e consumou a missão de Israel; SI. 118.22,23 -<br />

“A pedra que os edificadores rejeitaram tornou-se a cabeça de esquina” - que<br />

originariamente se referia à nação judaica, conquistada, retirada e jogada<br />

como inútil, mas divinamente destinada a um futuro de importância e grandeza,<br />

é mencionada po/ Jesus em Mt. 21.42 como sendo ele mesmo, a verdadeira<br />

incorporação de Israel. W illiam Arnold S tevens, em The Man of Sin,<br />

Baptist Quar. Rev., jul. 1889. 328-360 - Como em Dn. 11.36, o grande inimigo<br />

da fé, que “se levantará e se engrandecerá sobre todo deus”, é Antíoco Epifa-<br />

nes, rei da Síria, assim “o homem do pecado” descrito por Paulo em 2 Ts. 2.3<br />

é o corrupto e ímpio judaísmo da era apostólica. Ele tinha o seu assento no<br />

templo de Deus, mas estava sentenciado à destruição ao vir o Senhor na<br />

queda de Jerusalém. Mas mesmo este segundo cumprimento da profecia não<br />

exclui um outro futuro e final. Broadus em Mateus. - Em Is. 41.8 até o cap. 53,<br />

as predições relativas ao “servo do Senhor “ fizeram uma gradual transição<br />

de Israel até o Messias; aquele só em 41.8, e o Messias também aparece em<br />

42.1 sg., e Israel sumindo de vista no cap. 53.<br />

A mais notável ilustração do duplo sentido da profecia, contudo, deve ser<br />

encontrada em Mt. 24 e 25, especialmente 24.34 e 25.31, onde a profecia de<br />

Cristo sobre a destruição de Jerusalém passa a ser uma profecia do fim do<br />

mundo. A damson, The Mind in Chríst, 183 - “Para ele a história é a roupa de<br />

Deus e, por isso, uma constante repetição de posições realmente semelhantes,<br />

caleidoscópicas combinações de umas poucas verdades, como os variados<br />

fatos em que elas devem ser incorporadas”. A. J. G ordon: “A profecia não<br />

se tornou mais rapidamente em história, do que a história em profecia”. Lorde<br />

Bacon: “A s profecias divinas têm elasticidade e cumprimento germinativo através<br />

de muitos anos, embora a altura ou plenitude delas podem referir-se<br />

a uma época”. De igual modo há uma multiplicidade de sentidos na Divina<br />

Comédia de D ante. C. E. N orton, Inferno, xvi - “A narrativa espiritual do poeta<br />

é tão vivida e consistente que tem toda a realidade de um relato de uma<br />

verdadeira experiência; mas internamente e abaixo flui uma corrente de alegoria<br />

não menos consistente e dificilmente menos contínua que a própria<br />

narrativa”. A. H. S trong, The Great Poets andiheir Theology, 1 1 6 - “0 próprio<br />

Dante contou-nos que há quatro sentidos separados que ele pretende apresentar<br />

na história. Há o literal, o alegórico, o moral e o analógico. No Salmo<br />

114.1 temos as palavras: “Quando Israel saiu do Egito...”. Isto, diz o poeta,<br />

pode ser tomado literalmente como a verdadeira libertação do antigo povo de<br />

Deus; ou alegoricamente, como a redenção do mundo através de Cristo; ou<br />

moralmente, como o resgate da escravidão do pecado; ou analogicamente<br />

como a passagem tanto da alma como do corpo da vida inferior da terra para<br />

a mais elevada vida no céu. Deste modo, a partir da Escritura, D ante ilustra o<br />

método do seu poema”.<br />

b) Nem sempre o profeta estava consciente do sentido das suas profecias<br />

(1 Pe. 11.11). Basta que suas profecias constituam um a prova da revelação<br />

divina, se é que se podem dem onstrar correspondências entre elas e os verda-


2 1 4 Augustus Hopkins Strong<br />

deiros eventos são tais que indicam sabedoria e propósito divinos ao transmi-<br />

ti-las - em outras palavras, basta que o Espírito inspirador conheça o seu sentido,<br />

mesmo que o profeta inspirado não o conheça.<br />

Não há inconsistência com este ponto de vista; ao contrário, confirma-se<br />

que o evento próximo, e riaõ o cumprimento distante, principalmente com<br />

freqüência, se não com exclusividade, na mente do profeta quando escreveu.<br />

A Escritura declara que os profetas nem sempre entendiam as suas próprias<br />

predições: 1 Pe. 1.11 - “indagando que tempo ou que ocasião de tempo o<br />

Espírito de Cristo, que estava neles, indicava anteriormente testificando os<br />

sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.<br />

Emerson: “Ele mesmo da parte de Deus não podia ser livre; edificava mais do<br />

que sabia”. K eble: “Como as criancinhas balbuciam e falam do céu, assim<br />

são os pensamentos além dos seus pensamentos para os altos bardos”.<br />

W estcott: Preface to Com. on Hebrews, vi - “Ninguém limitaria o ensino<br />

das palavras do poeta ao que está bem claro em sua mente. Menos ainda<br />

podemos supor que aquele que é inspirado para dar a mensagem de Deus a<br />

todas as eras vê a plenitude da verdade que a vida toda serve para iluminar”.<br />

A lexander M cLaren: “Pedro ensina que os profetas judeus predisseram os<br />

eventos da vida de Cristo e especialmente os seus sofrimentos; que eles<br />

agiram deste modo como órgãos do Espírito de Deus; que eram de modo tão<br />

completo órgãos de uma voz mais elevada que não entendiam a significação<br />

das suas próprias palavras, mas eram mais sábios do que sabiam e tinham<br />

que sondar qual era o tempo e quais as caraterísticas das coisas estranhas<br />

que eles prediziam; e que pela revelação aprenderam que ‘a visão é ainda<br />

para muitos dias’ (Is. 24.22; Dn. 10.14). Se Pedro estava certo em sua concepção<br />

da natureza da profecia messiânica, muitos sábios dos nossos dias<br />

estão errados”. M atthew A rnold, Literature and Dogma: “Não podiam os ideais<br />

proféticos ser sonhos poéticos e a correspondência entre eles e a vida<br />

de Jesus, até onde é real, apenas um curioso fenômeno histórico?” B ruce,<br />

Apologetics, 359, retruca: “Tal ceticismo só é possível àqueles que não têm fé<br />

num Deus vivo, que realiza propósitos na história”. Isto só pode comparar-se<br />

à descrença do materialista que considera a constituição física do universo<br />

explicável pelo concurso fortuito dos átomos.<br />

8. Propósito da Profecia - até onde não se cum priu<br />

a) Não capacitar-nos a m apear os porm enores do futuro; mas b) dar segurança<br />

geral do poder de Deus e sabedoria previdente e a certeza de seu triunfo;<br />

e c) fornecer, depois do cumprimento, a prova de que Deus viu o fim desde o<br />

começo.<br />

Dn. 12.8,9 - “Eu, pois, ouvi, mas não entendi; por isso, eu disse: Senhor<br />

meu, qual será o fim dessas coisas? E ele disse: Vai, Daniel, porque estas<br />

palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim”; 2 Pe. 1.19 - a profecia<br />

é “uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça” = não até


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 215<br />

que os raios do dia possam dificultar os objetos de serem vistos; 20 - “nenhuma<br />

profecia da Escritura é de particular interpretação” = só Deus, através do<br />

evento, pode interpretá-la. S ír Isaac N ewton: “Deus não deu as profecias para<br />

satisfazer a curiosidade dosjiomens capacitando-os a entender antecipadamente<br />

as coisas, mas para que, depois de cumpridas, pudessem ser interpretadas<br />

não pelo próprio intérprete, mas pelo evento manifesto ao mundo e<br />

pela providência do mesmo Deus”. A lexander M cLaren: “Os grandes tratados<br />

da Escritura nos são obscuros até que a vida os explique e, a partir daí, nos<br />

venham com a força de uma nova revelação, como as antigas mensagens<br />

enviadas através de uma faixa de pergaminho escrita, enrolada num bastão e<br />

ininteligível, a não ser que o destinatário tenha um bastão correspondente<br />

que a envolva”. A. H. S trong, The Great Poets and their Theology, 23 -<br />

“Arquíloco, poeta que viveu aproximadamente em 700 d.C., fala de ‘uma aflitiva<br />

scytale' - a scytale era um bastão no qual se enrolava uma faixa de couro<br />

com a finalidade de escrever em sentido oblíquo, de sorte que a mensagem<br />

inscrita na faixa não pudesse ser lida a não ser que se enrolasse em outro<br />

bastão do mesmo tamanho; visto que só o remetente e o destinatário possuíam<br />

bastões de idênticos tamanhos, a scytale atendia a finalidade de uma<br />

mensagem cifrada”.<br />

A profecia é como a sentença alemã: não pode ser entendida apenas ao<br />

ler a última palavra. A. J. G ordon, Ministry of the Spirit, 48 - “A providência de<br />

Deus é como a Bíblia hebraica; para entendê-la, devemos começar do fim<br />

para trás”. Contudo o D r. G ordon parece afirmar que tal entendimento é possível<br />

mesmo antes do seu cumprimento: “Cristo não tinha conhecimento do<br />

dia do fim enquanto no seu estado de humilhação; mas conhece-o agora.<br />

Mostrou o seu conhecimento no Apocalipse e temos recebido a ‘Revelação<br />

de Jesus Cristo a qual Deus deu para mostrar aos seus servos as coisas que<br />

brevemente devem acontecer’ (Ap. 1.1)”. Contudo, um estudo dos múltiplos<br />

e conflitantes pontos de vista dos assim chamados intérpretes da profecia<br />

nos leva a preferir o ponto de vista do D r. G ordon ao de B riggs, Messianlc<br />

Prophecies, 49 - “O primeiro advento é a solução de toda a profecia do Velho<br />

Testamento; ... o segundo dará a chave para a profecia do Novo Testamento.<br />

É ‘o Cordeiro, que foi morto’ (Ap. 5.12)... o único que abre o livro selado, que<br />

resolve os enigmas do tempo e os símbolos da profecia”.<br />

N itzsch: “É condição essencial da profecia que não perturbe a relação<br />

do homem com a história”. Na medida em que se olvida este pormenor e<br />

admite-se erroneamente que o propósito da profecia é capacitar-nos a mapear<br />

os eventos exatos do futuro antes que aconteçam, o estudo da profecia ministra<br />

uma doentia imaginação e desvia a atenção de uma dúvida cristã prática.<br />

Calvino: “Aut insanum inveniet aut faciet”; ou, na tradução de Lorde Brougham:<br />

“O estudo da profecia, ou acha o homem louco, ou o torna tal”. Os adeptos do<br />

segundo advento geralmente não buscam conversões. O D r. C umming advertia<br />

as mulheres do seu rebanho que não deveriam estudar a profecia assim<br />

como não deveriam negligenciar os deveres de casa. Paulo tem isto em mente<br />

em 2 Ts. 2.1,2 - “pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo ... que não vos<br />

movais facilmente do vosso entendimento ... como se o dia do Senhor já<br />

estivesse perto”; 3.11 - “Porque ouvimos que alguns de vós andam desordenadamente”.


216 Augustus Hopkins Strong<br />

9. Poder Evidenciai da P rofecia - quando cum prida<br />

A profecia, como os milagres, não é a única evidência da comissão divina<br />

dos escritores e ensinadoreslfo Escritura. É somente um a certificação corro-<br />

borativa que se une aos milagres para provar que o ensinador religioso veio de<br />

Deus e fala com autoridade divina. Não podemos, contudo, dispensar a parcela<br />

de evidências, pois, a não ser que a morte e a ressurreição de Cristo sejam eventos<br />

previstos e preditos por ele mesmo, assim como pelos profetas antigos,<br />

perdemos sua principal prova de autoridade como m estre da parte de Deus.<br />

S tearns, Evidertce of Christian Experience, 338 - “A própria vid a do cristão<br />

é um cum prim ento progressivo da profecia de que aquele que aceita a<br />

graça de C risto nascerá de novo, santificado e salvo. Por isso o cristão pode<br />

crer no poder que Deus tem de predizer e nas verdadeiras predições de Deus”.<br />

Stanley L eathes, O. T. Prophecy, xvii - “Se não tiverm os acesso ao sobrenatural,<br />

não terem os acesso a D eus” . Nas nossas discussões sobre a profecia,<br />

devem os lem brar que antes de fa ze r a verdade do cristianism o elevar ou cair<br />

em qualquer passagem que tenha sido considerada com o predição, devem os<br />

estar certos de que a passagem trata de um a predição e não sim plesm ente<br />

de um a descrição figurativa. G ladden, Seven Puzzling Bible Books, 195 -<br />

“O livro de Daniel não é uma profecia, é um a p o ca lip se.... O autor [de tais livros]<br />

põe as suas palavras na boca de algum em inente e scrito r histórico ou tra d icional.<br />

Isto se pode exe m plificar com o Livro de Enoque, a A ssunção de M oisés,<br />

Baruque, 1, 2 Esdras e os O ráculos S ibilinos. A form a enigm ática indica<br />

pessoas sem declarar-lhes o nom e e os eventos históricos com o form as de<br />

anim ais ou com o operação da natureza. ... O livro de Daniel não pretende<br />

ensinar-nos história. Ele não retrocede ao século sexto a.C., m as ao seg undo.<br />

É um tipo de conto que os ju deus cham avam de H aggada. Seu alvo é<br />

A ntíoco Epifanes, que, por suas m anifestações ocasionais de m elancolia, foi<br />

cham ado Epifanes, ou A ntíoco, o Louco” .<br />

Qualquer que possa ser a conclusão quanto à autoria do livro de Daniel,<br />

devemos reconhecer nele um elemento que realmente se cumpriu. Os mais<br />

radicais intérpretes não fixam a sua data para mais tarde do que 183 a.C.<br />

O nosso Senhor vê no livro uma referência clara a si mesmo (Mt. 26.64 - “o<br />

Filho do Homem assentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as<br />

nuvens do céu”; cf. Dn. 7.13; e com ênfase repete algumas predições do<br />

profeta ainda não cumpridas (Mt. 24.15 - ‘Quando virdes, pois, a abominação<br />

da desolação, de que falou o profeta Daniel; cf. Dn. 9.27; 11.31; 12.11).<br />

Por isso o livro de Daniel deve ser tido como valioso não só por suas lições,<br />

mas também por suas predições de Cristo e do triunfo universal do seu reino<br />

(Dn. 2.45 - “do monte foi cortada uma pedra, sem mãos”).<br />

Rem ovida esta pressuposição originariam ente existente contra os milagres<br />

e a profecia, podem os agora considerar as leis da evidência e determ inar as<br />

regras a seguir no cálculo do peso do testem unho da Escritura.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

V. PRIN CÍPIO S DE E VID Ê N CIA H IST Ó R IC A A P L IC Á V E IS À<br />

PR O VA DE U M A R E V E L A Ç Ã O DIVIN A.<br />

L Quanto à evidência docum entária.<br />

a) Os documentos aparentem ente antigos, que não têm em sua face as mar-<br />

:as de falsificação e achados na custódia própria, presume-se que sejam genuínos<br />

até que não haja evidência em contrário. Os documentos do Novo Testamento,<br />

porque se encontram na custódia da igreja, depositária natural e legítima,<br />

por esta regra, devem ser considerados genuínos.<br />

O s d o c u m e n to s c ris tã o s n ã o fo r a m e n c o n tr a d o s , c o m o o liv ro d o M ó rm o n ,<br />

e m u m a c a v e rn a , o u n a c u s tó d ia d e a n jo s . M a r t in e a u , Seat of Authority. 322 -<br />

“ O p r o fe ta M ó rm o n , q u e n ã o p o d e fa la r e m D e u s c o m o d ia b o p e rtin h o , e s tá<br />

b e m d e a c o rd o c o m a h is tó ria d e a m b o s o s m u n d o s e c o m is s io n a d o p a ra<br />

re c e b e r a s e g u n d a te r r a p r o m e t id a ” . W a s h in g t o n G l a d d e n , Who Wrote the<br />

Bible? - “A p a r e c e u u m a n jo a S m ith e c o n to u - lh e o n d e e n c o n tr a r ia e s te liv ro ;<br />

fo i à c la r e ir a d e s ig n a d a e a c h o u n u m a c a ix a d e p e d r a u m v o lu m e d e s e is<br />

p o le g a d a s d e g r o s s u ra , fo r m a d o d e fin a s p la c a s d e o u ro , d e o ito p o r s e te<br />

p o le g a d a s u n id a s p o r tr ê s a n é is d e o u ro ; e s ta s p la c a s e ra m r e c o b e r ta s c o m<br />

u m a e s c r itu r a n a ‘lín g u a e g íp c ia r e fo r m a d a ’ ; c o m e s te liv ro e s ta v a m o s ‘U rim<br />

e T u m im ’ , u m p a r d e ó c u lo s s o b r e n a tu r a is , a tr a v é s d o s q u a is e le fo i c a p a z d e<br />

le r e tra d u z ir ta l ‘lín g u a e g íp c ia r e fo r m a d a ” ’. S a g e b e e r , The Bible in Court, 113<br />

- “ S e o liv ro R a z ã o (u m d o s liv ro s c o n tá b e is ) d e u m a e m p r e s a s e m p re fo i<br />

re c e b id o e c o n s id e r a d o c o m o u m R a z ã o , s e u v a io r n ã o é c o n te s ta d o d e s d e<br />

q u e s e ja im p o s s ív e l c o n ta r c o m o s e u g u a r d a - liv r o s p a r tic u la r p a ra c u id a r<br />

d e le . ... A E p ís to la a o s H e b r e u s n ã o s e r ia m e n o s v a lio s a c o m o e v id ê n c ia s e<br />

s e p r o v a r q u e fo i e s c r ita p o r P a u lo ” .<br />

b) As cópias de antigos documentos, feitas pelos mais interessados em sua<br />

fidedignidade, presum e-se que correspondam aos originais apesar de que<br />

estes não existem. Porque é do interesse da igreja ter cópias fiéis, a carga de<br />

prova repousa no opositor aos docum entos cristãos.<br />

Baseada na evidência de uma cópia dos seus próprios registros, porque<br />

os originais se perderam, a Casa dos Lordes decidiu reivindicar a nobreza;<br />

não há manuscrito de Sófocles mais antigo do que o décimo século, conquanto<br />

ao menos dois manuscritos do N.T. remontam ao quarto século. Frederick<br />

G eorge K enyon, Handbook to Textual Criticism of N. T.: “Devemos o nosso<br />

conhecimento da maior parte das grandes obras da literatura grega e latina -<br />

Ésquilo, S ófocles, T ucídides, H orácio, Lucrécio, T ácito e muitos mais - a<br />

manuscritos produzidos desde 900 a 1500 anos após a morte dos seus autores;<br />

enquanto do N.T. temos duas excelentes e quase completas cópias num<br />

intervalo de 250 anos. Ademais, dos escritores clássicos temos como regra<br />

2 1 7


2 1 8 Augustus Hopkins Strong<br />

só umas poucas vintenas de cópias (freqüentemente menos) uma ou duas<br />

das quais destacam -se como decididam ente superiores às demais;<br />

porém, do N.T. temos mais de SÕOO cópias (além de grande número de versões)<br />

e muitas de valor distinto e intendente”. A mãe de T ischendorf chama-<br />

va-o Lobgott porque o temor de que o seu bebê nasceria cego não se tornou<br />

verdadeiro. Nenhum ser humano jamais teve uma visão tão aguda do que<br />

ele. Ele passou a sua vida decifrando velhos manuscritos que outros olhos<br />

não podiam ler. O manuscrito Sinaítico que ele descobriu recua-nos três<br />

séculos do tempo dos apóstolos.<br />

c) Ao determ inar o fato, segundo o lapso de tempo considerável, permite-<br />

se à evidência docum entária m aior peso do que a testem unha oral. Nem a<br />

memória, nem a tradição podem prolongar a confiança de dar relatos absolutamente<br />

corretos de fatos particulares. Os docum entos do Novo Testamento,<br />

portanto, são de m aior peso na evidência do que seria a tradição, mesmo que<br />

houvesse um lapso de apenas trinta anos após a morte dos atores nas cenas<br />

que eles relatam.<br />

A Igreja Católica Romana, nas suas lendas dos santos, mostra quão vivida<br />

a simples tradição pode tornar-se corrompida. Abraão Lincoln foi assassinado<br />

em 1865, embora sermões pregados no aniversário de nascimento<br />

atualmente excluem-no do Unitarismo, do Universalismo e da Ortodoxia, conforme<br />

crê o próprio pregador.<br />

2. Quanto ao testemunho em g eral<br />

a) Quanto aos fatos, a questão não é se é possível que o testemunho seja<br />

falso, mas se há probabilidade de que seja verdadeiro. É estranho, portanto,<br />

perm itir que o nosso exame das testem unhas da Escritura seja prejudicado<br />

pela suspeita, simplesmente porque a sua história é sagrada.<br />

Não deve haver nenhum preconceito contra a verdade; a mente deve<br />

estar aberta; deve haver aspiração normal após os sinais de comunicação da<br />

parte de Deus. A telepatia, os quarenta dias de jejum, a partenogênese, tudo<br />

isto pode, por antecedência, ter parecido incrível. Agora vemos que teria sido<br />

mais racional admitir sua existência na apresentação de adequada evidência.<br />

b) Prova-se um a proposição de fato quando se estabelece através da sua<br />

verdade a evidência competente e satisfatória. Evidência competente é a natureza<br />

daquilo que se admite estar provado. Evidência satisfatória soma de provas<br />

que via de regra satisfazem um a m ente sem preconceitos que está além da<br />

dúvida razoável. Provam-se, contudo, os fatos escriturísticos quando estabelecidos<br />

pelo tipo e grau de evidência que, em assuntos da vida comum satis-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 219<br />

\<br />

fazem a m ente e a consciência de um hom em comum. Quando temos este tipo<br />

e grau de evidência é irracional querer mais.<br />

Em matéria de moral e religião a evidência competente não precisa ser<br />

matemática nem mesmo lógica. Os casos de crime, em sua maioria, são<br />

decididos com base na evidência circunstancial. Não determinamos a nossa<br />

escolha dos amigos e dos companheiros através dos estritos processos de<br />

raciocínio. O coração e a cabeça devem permitir que uma voz e uma evidência<br />

competente incluam considerações que partem das necessidades morais<br />

da alma. Contudo, a evidência não requer demonstração. Até mesmo um leve<br />

balanço da probabilidade, quando nada mais certo se alcança, pode ser suficiente<br />

para constituir uma prova racional e determinar a nossa ação moral.<br />

c) N a ausência de circunstâncias que geram suspeita deve-se presumir que<br />

cada testemunho é digno de crédito até que se prove o contrário; a carga de<br />

impedimento de seu testem unho está no opositor. O princípio que leva os<br />

homens a darem verdadeiro testem unho dos fatos é mais forte do que aquele<br />

que os leva a dar falso testemunho. Portanto, é injusto com pelir o cristão a<br />

estabelecer a credibilidade de sua testem unha antes de continuar a aduzir o<br />

testemunho deles; é igualmente injusto perm itir o testemunho não corroborado<br />

de um escritor profano para preponderar o de um escritor cristão. Os testemunhos<br />

cristãos não devem ser considerados interesseiros e, portanto, não<br />

fidedignos; porque eles fizeram os cristãos contrários aos seus interesses terrenos<br />

e porque eles não puderam resistir à força do testemunho. Variados relatos<br />

entre eles deviam ser avaliados como avaliamos os relatos dos escritores<br />

profanos.<br />

O r e la to q u e J o ã o fa z d e J e s u s d ife r e d o d o s s in ó tic o s ; p o ré m d e s e m e ­<br />

lh a n te m o d o e p r o v a v e lm e n te p e la m e s m a ra z ã o , o re la to d e P latão a r e s p e i­<br />

to d e S ó c r ates d ife re d o d e X e n o f o n t e . C a d a u m v iu e d e s c re v e u o la d o do<br />

s e u fo c o q u e , p o r n a tu r e z a m a is s e a d e q u a v a à c o m p r e e n s ã o ; c o m p a r e a<br />

V e n e z a d e C a n a l e t t o c o m a d e T u r n e r ; n a q u e le o q u a d r o d e u m e x p e rie n te<br />

p in to r, n e s te a v is ã o d e u m p o e ta q u e v ê o s p a lá c io s d o s d o g e s g lo r ific a -<br />

d o s p e lo a r e n é v o a e d is tâ n c ia . Em C r is to h á u m “ e s c o n d e r ijo d a s u a fo r ç a ”<br />

(Hc. 3.4); “ q u ã o p o u c o é o q u e te m o s o u v id o d e le ” ! (Jó 26.14); m a is d o q u e<br />

S h a k e s p e a r e, e le é “ a m e n te m ir ió id e ” ; n ã o s e p o d e e s p e r a r q u e e v a n g e lis ta<br />

a lg u m o c o n h e ç a o u d e s c r e v a s e n ã o “ e m p a r te ” (1 C o . 13.12). F r an c ê s P o w er<br />

C o b b e , Life, 2.402 - “T o d o s n ó s , s e r e s h u m a n o s q u e s o m o s , a s s e m e lh a m o -<br />

n o s a d ia m a n te s , q u e tê m d iv e r s a s fa c e ta s d o n o s s o c a r á te r ; e, c o m o s e m p re<br />

a p r e s e n ta m o s u m a d e la s a u m a p e s s o a e o u tra a o u tra p e s s o a , v ia d e re g ra<br />

h á u m v ig o r o s o la d o a s e r v is to e m u m a g e m a p a r tic u la r m e n te b r ilh a n te ” . E. P.<br />

T e n n e y , Coronation, 45 - “A v id a s e c r e ta e p o d e r o s a q u e e le [o h e ró i d a h is tó ­<br />

ria ] c o n d u z ia e r a c o m o a lg u m a s c o r r e n te s : p r o fu n d a s , la rg a s , flu e n te s , q u e ,<br />

in v is ív e is , flu e m p e la s v a s ta s e e r m a s flo r e s ta s . T ã o a m p la e v a r ia d a é a


2 2 0 Augustus Hopkins Strong<br />

natureza deste homem que todos os cursos da vida poderiam medrar em<br />

seus recônditos; e os seus vizinhos poderiam tocá-lo e conhecê-lo somente<br />

do lado a que se lhes assemelhava”.<br />

d) Uma leve porção de testemunho, até que não seja contraditada, prepon-<br />

dera sobre grande soma de testem unho simplesmente negativo. O silêncio de<br />

um a segunda testemunha, ou o testem unho dela, não pode contrabalançar o<br />

testem unho positivo de um a prim eira testem unha ocular. Portanto, devemos<br />

valorizar o silêncio dos escritores profanos a respeito dos fatos narrados na<br />

Escritura exatam ente como devemos valorizá-lo se os fatos sobre os quais<br />

eles silenciam foram narrados por literatos profanos, ao invés de serem narrados<br />

por escritores da Bíblia.<br />

Os monumentos egípcios não fazem nenhuma menção da destruição de<br />

Faraó e seu exército; mas, então, os despachos de Napoleão não mencionam<br />

a derrota em Trafalgar. Na sepultura dele nos Inválidos de Paris, as<br />

paredes têm a inscrição de nomes de uma multidão de lugares em que ocorreram<br />

as suas batalhas, mas Waterloo, a cena da sua grande derrota, não<br />

está registrada. Do mesmo modo Senaqueribe, nunca se refere à destruição<br />

do seu exército na época de Ezequias. Napoleão reuniu 450.000 homens em<br />

Dresden para invadir a Rússia. Em Moscou a neve se incumbiu de derrotá-lo.<br />

Em uma noite 20.000 cavalos morreram de frio. Não é sem razão que, em<br />

Moscou, no aniversário da retirada da França, lê-se nas igrejas a exultação<br />

do profeta pela queda de Senaqueribe. J am es R o b e r t s o n , Early History of Israel,<br />

395, nota - W h a t e ly, Historie Doubts, chama a atenção para o fato de que o<br />

principal jornal parisiense em 1814, no mesmo dia em que os exércitos aliados<br />

entraram em Paris como conquistadores, não faz nenhuma menção a tal<br />

evento. A batalha de Poitiers em 732, que efetivamente registrou a expansão<br />

do maometismo através da Europa, nenhuma vez referiu-se a isto nos anais<br />

monásticos da época. S ir T h o m as B r o w n e viveu durante as guerras civis e a<br />

Commonwealth, mas não há uma única sílaba nos seus escritos a esse respeito.<br />

Sale diz que os maometanos consideram a circuncisão como uma instituição<br />

divina antiga; o rito esteve em uso muitos anos antes de Maomé,<br />

embora não seja mencionado no Corão”.<br />

Embora admitamos que J o s e fo não faz menção a Jesus, temos um paralelo<br />

em T u c íd id e s , que nunca menciona S ó c r a t e s , a mais importante personagem<br />

dos vinte anos que abrangeram a sua história. Contudo W ie s e l e r ,<br />

J a h r b u c h für die T h e o l o g ie, 23.98, defende a genuinidade essencial da passagem<br />

geralmente rejeitada sobre Jesus em J o s e f o , Antigüidades Judaicas,<br />

18.3.3, omitindo, contudo, como interpoladas as expressões “se, com efeito,<br />

é correto chamá-lo homem”; “este é o Cristo”; “ele apareceu redivivo ao terceiro<br />

dia conforme a profecia”; a serem genuínas, estas provariam ser Josefo<br />

um cristão; ou, segundo os antigos relatos, não o seria. J o s e fo viveu de 34 a,<br />

possivelmente, 114 d.C. Na verdade ele fala de Cristo; porque ele registra<br />

(20.9.1), que A lb in o “reuniu o sinédrio de juizes e lhes apresentou o irmão de<br />

Jesus, chamado o Cristo, cujo nome era Tiago e alguns outros ... e os livrou


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 2 1<br />

de serem apedrejados”. R ush R h e e s , Life of Jesus of Nazareth, 22 - “Para<br />

mencionar mais completamente Jesus seria preciso alguma aprovação da<br />

sua vida e ensino. Isto condenaria o seu próprio povo que ele desejava fosse<br />

recomendado à consideração dos gentios e parece que, covardemente silenciou<br />

a respeito do assunto, mais notadamente àquela geração do que ele<br />

escreve de um modo mais completo”.<br />

e) “O crédito devido ao registro das testem unhas depende: primeiro, da sua<br />

capacidade; segundo, da sua honestidade; terceiro, do número e consistência<br />

do seu testemunho; quarto, da conform idade do seu testem unho com a experiência;<br />

e quinto, da coincidência do seu testem unho com as circunstâncias<br />

colaterais” . Confiantes submetemos os testem unhos a cada um dos referidos<br />

testes.


C a í t u l o II<br />

PROVAS POSITIVAS DE QUE AS<br />

ESCRITURAS SÃO A REVELAÇÃO DIVINA<br />

I. GENUIDADE DOS DOCUM ENTOS CRISTÃOS, ou prova de que os<br />

livros do Velho e do N ovo Testam entos foram escritos na época e pelos<br />

homens ou classe de homens a que lhes foram atribuídos.<br />

A presente discussão compreende a primeira parte e só esta, da doutrina<br />

do Cânon ( kccvcóv, cana, vara; daí, regra, padrão). É importante observar que<br />

a determinação do Cânon, ou lista dos livros da Escritura Sagrada, não é<br />

obra da igreja como entidade organizada. Nós não recebemos estes livros<br />

dos Pais ou dos Concílios. Recebemo-los, como os Pais e os Concílios os<br />

receberam, porque temos evidência de que eles sãos os escritos dos<br />

homens, das classes de homens, cujos nomes eles detêm, merecem crédito,<br />

e são inspirados. Se a epístola citada em 1 Co. 5.9 fosse descoberta e universalmente<br />

julgada autêntica, podia ser alinhada às outras de Paulo e faria<br />

parte do Cânon ainda que estivesse perdida por 1 800 anos. B r uce, Apologetics,<br />

321 - “De um modo abstrato o Cânon é uma Questão aberta. Ele nunca pode<br />

ser outra coisa além dos princípios do Protestantismo que nos impedem de<br />

aceitar como finais as decisões dos concílios eclesiásticos, quer antigos, quer<br />

modernos. Mas praticamente a questão do Cânon está encerrada”.<br />

A Confissão de Westminster diz que a autoridade da Palavra de Deus “não se<br />

apoia na evidência histórica; não se apoia na autoridade dos Concílios; não<br />

se apoia no consenso do passado ou na excelência da matéria; mas no Espírito<br />

de Deus, que testemunha aos nossos corações a respeito da sua autoridade<br />

divina”. C l a r k e , Christian Theology, 24 - “Para nós o valor das Escrituras<br />

não depende de sabermos quem as escreveu. No A.T. metade das<br />

passagens é de autoria incerta. Novas datas significam nova autoria. A crítica<br />

é um dever, porque a data da autoria concede meios de interpretação.<br />

As Escrituras são poderosas porque Deus está nelas e porque elas descrevem<br />

a entrada de Deus na vida do homem”.<br />

S aintine, Picciola, 782 - “Por acaso uma fraca vara proveu o homem da<br />

sua primeira seta, sua primeira caneta, seu primeiro instrumento musical”?<br />

Hugh Macmillan: “A idéia dos primeiros instrumentos de corda a princípio<br />

derivou do som da corda do arco reíesado, quando o arqueiro atirava as<br />

setas; a lira e a harpa que discorrem a mais suave música de paz foram<br />

inventadas por aqueles que, a princípio, ouviam o seu som inspirador no


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 2 3<br />

estímulo para a batalha. Do mesmo modo não há música tão deleitável em<br />

meio às altercações discordantes do mundo, transformando tudo em música<br />

e harmonizando terra e céu, como quando o coração surge da melancolia da<br />

ira e da vingança e converte o seu arco em harpa e entoa ao Senhor o cântico<br />

do infinito perdão”. G e o r g e A d a m S m it h , Mod. Cristicism and Preaching<br />

of O. 7., 5 - “A igreja nunca renunciou a sua liberdade de revisar o Cânon.<br />

No começo, a liberdade não pode ser maior que a que vem depois. O Espírito<br />

Santo não abandona os líderes da igreja. Os escritores apostólicos em lugar<br />

algum definem os limites do Cânon mais do que Jesus o fez. Na verdade eles<br />

empregaram escritos extracanônicos. Cristo e os apóstolos em lugar nenhum<br />

impediram a igreja de crer em todos ensinos do A.T. Cristo discrimina e proíbe<br />

a interpretação literal do seu conteúdo. Muitas interpretações apostólicas<br />

desafiam o nosso senso de verdade. Boa parte da sua exegese era temporária<br />

e falsa. O julgamento deles é que boa parte do que está no A.T. é rudimentar.<br />

Isto abre a questão do desenvolvimento na revelação e justifica a tentativa<br />

de fixar a ordem histórica. A crítica do N.T. a respeito do A.T. dá liberdade<br />

para o criticismo, e a necessidade, e a sua obrigação. O criticismo do A.T. não<br />

é, como o de Baur a respeito do N.T., resultado de um raciocínio hegeliano a<br />

priori. A partir do tempo de Samuel temos uma história real. Os profetas não<br />

apelam para os milagres. Há mais evangelho no livro de Jonas quando tratado<br />

como parábola. O A.T. é uma gradual revelação ética de Deus. Poucos<br />

entendem que a igreja de Cristo tem a mais elevada garantia para o seu<br />

Cânon do A.T. do que para o do N.T. O A.T. é o resultado do criticismo no mais<br />

amplo sentido da palavra. Mas o que a igreja assim atingiu pode a qualquer<br />

momento revisar”.<br />

Reservamos para um ponto um tanto tardio a prova da credibilidade e a<br />

inspiração das Escrituras. Por ora apresentamos a sua genuinidade como<br />

apresentaríamos a de outros livros religiosos, como o Corão, ou documentos<br />

seculares como as Catilinárias de C íc e r o . A genuinidade no sentido em que<br />

empregamos o termo não implica necessariamente autenticidade (/.e. veracidade<br />

e autoridade). Podem ser genuínos os documentos que são escritos<br />

integralmente ou em parte por outras pessoas além daquelas cujos nomes<br />

constam, desde que pertençam à mesma classe. A Epístola aos Hebreus,<br />

embora não escrita por Paulo, é genuína porque procede de alguém que pertence<br />

à classe apostólica. A adição de Dt. 34, após a morte de Moisés, não<br />

invalida a genuinidade do Pentateuco; nem a teoria de um mais tardio Isaías,<br />

mesmo que fosse aceita, desaprovaria a genuinidade dessa profecia; em<br />

ambos os casos as adições foram feitas por homens da classe profética.<br />

1. Genuinidade dos Livros do Novo Testamento<br />

Não precisamos acrescentar provas da existência dos livros do Novo Testamento<br />

antes do terceiro século, pois possuím os manuscritos dos que têm<br />

pelo menos catorze séculos e, porque no terceiro século as referências a eles<br />

tem-se entretecido em toda a história e literatura. Portanto, começamos a nossa<br />

prova mostrando que estes documentos não só existiram, mas eram geralmente<br />

aceitos como genuínos antes do fim do segundo século.


2 2 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Orígines nasceu por volta do início de 186 A.D.; contudo, T r e g e lle s diz-<br />

nos que as obras de Orígenes contêm citações abrangendo 2/3 do Novo Testamento.<br />

Hatch, Hibbert Lectures, 12 - “Os primitivos anos do cristianismo,<br />

em certos aspectos, eram como os nossos primeiros anos de vida. ... Estes<br />

são sempre os mais importantes para a nossa educação. Nesse período aprendemos,<br />

a duras penas conhecemos, com esforço e luta e inocentes equívocos,<br />

a empregar os nossos olhos e ouvidos, a medir a distância e a direção,<br />

por um processo que se desenvolve através de passos inconscientes até a<br />

certeza de que sentimos a nossa maturidade. ... Por esse processo inconsciente<br />

é que o pensamento cristão dos primeiros séculos adquiriu gradualmente<br />

a forma que encontramos quando ele emerge na humanidade do quarto<br />

sécuio”.<br />

A) Todos livros do Novo Testamento, com a única exceção de 2 Pedro, não<br />

só foram recebidos como genuínos, mas foram usados numa forma mais ou<br />

menos colecionada, na últim a m etade do segundo século. Estas coleções de<br />

escritos, tão vagarosam ente transcritos e distribuídos, im plicam a longa existência<br />

continuada dos livros em separado e proíbem -nos de fixar sua origem<br />

em data posterior à prim eira m etade do segundo século.<br />

(a) Tertuliano (160-230) apela para o ‘Novo Testam ento’ formado pelos<br />

‘Evangelhos’ e ‘A póstolos’. Ele garante a genuinidade dos quatro evangelhos,<br />

de Atos, de 1 Pedro, de 1 João, das 13 epístolas de Paulo e do Apocalipse;<br />

em resumo, vinte e um dos vinte e sete livros do nosso Cânon.<br />

S a n d a y, Bampton Lectures for 1893, confia que os três primeiros evangelhos<br />

assumiram a sua presente forma antes da destruição de Jerusalém. Seu<br />

pensamento, contudo é de que o primeiro e terceiro evangelhos e provavelmente<br />

o segundo são de origem composta. Não foi depois de 125 A.D. que os<br />

quatro evangelhos ganharam reconhecida e excepcional autoridade. Professores<br />

de Andover, Divinity of Jesus Chríst, 40 - “O mais antigo dos quatro<br />

evangelhos foi escrito por volta do ano de 70. O mais primitivo, ora perdido,<br />

que em grande parte está preservado em Lucas e Mateus, provavelmente foi<br />

escrito poucos anos antes”.<br />

(b) O Cânon M uratoriano no Ocidente e a Peshito no Oriente (com uma<br />

data comum de cerca de 160) em seus catálogos dos escritos do Novo Testamento<br />

simultaneamente com plem entam um ao outro as ligeiras deficiências, e<br />

juntas testem unham o fato de que cada livro do nosso atual Novo Testamento,<br />

a exceção de 2 Pedro foi recebido como genuíno.<br />

H o v e y , Manual of Christian Theology, 50 - “O fragmento no Cânon, descoberto<br />

por Muratori em 1738, provavelmente foi escrito em 170 A.D., em Grego.<br />

Começa com as últimas letras de uma sentença que deve ter sido uma<br />

referência a Marcos e continua a falar do Terceiro Evangelho como tendo sido


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 2 5<br />

escrito pelo médico Lucas, que não viu o Senhor; a seguir, fala do Quarto<br />

Evangelho como tendo sido escrito por João, discípulo do Senhor, a pedido<br />

dos seus companheiros de discipulado e dos presbíteros”. B a c o n , N. T. Intro-<br />

duction, 50, apresenta o Cânon Muratoriano por completo; 30 - “T eó f ilo de<br />

A n t io q u ia (181-190) é o primeiro a mencionar um evangelho pelo nome, citando<br />

Jo. 1.1 como sendo de ‘João, um daqueles que foram vasos do Espírito”.<br />

(c) O Cânon de M arcião (1 4 0 ), apesar de rejeitar todos os evangelhos<br />

menos o de Lucas e todas epístolas menos dez das de Paulo, mostra, contudo,<br />

que naquela época prim itiva “os escritos apostólicos eram considerados como<br />

regra de doutrina original e com pleta”. M esmo M arcião, contudo, não nega a<br />

genuinidade dos escritos que por razões doutrinárias ele rejeita.<br />

O gnóstico M a r c iã o era inimigo de todo o judaísmo e considerava-crDeus<br />

do A.T. uma divindade restrita, inteiramente diferente do Deus do N.T. M a r ­<br />

c iã o era “ipso Paulo paulinior” (mais paulino do que o próprio Paulo) - na<br />

expressão francesa “plus loyal que le roi” ou no ditado em português “mais<br />

realista do que o rei” . Ele sustentava que o cristianismo era algo inteiramente<br />

novo e que se opunha a tudo que apareceu antes dele. O seu Cânon consistia<br />

em duas partes: o “Evangelho” (Lucas, com o seu texto truncado pela<br />

omissão dos hebraísmos) e o Apostólicon (as epístolas de Paulo). A epístola<br />

a Diogneto, de um autor desconhecido, e a epístola de Barnabé, participavam<br />

do ponto de vista de M a r c iã o . O nome de Deus foi mudado de Yahweh para<br />

Pai, Filho e Espírito Santo. O ponto de vista de M a r c iã o tinha prevalecido; o<br />

Velho Testamento ter-se-ia perdido para a Igreja Cristã. A revelação de Deus<br />

teria sido privada da sua prova a partir da profecia. O desenvolvimento a<br />

partir do passado e a conduta divina da história judaica teriam sido negados.<br />

Porém sem o Velho Testamento, como sustentava H. W. B e e c h e r, o Novo<br />

Testamento estaria despido de um cenário; nossa principal fonte de conhecimento<br />

sobre os atributos naturais de Deus - poder sabedoria e verdade -<br />

estariam removidos; o amor e a misericórdia revelados no Novo Testamento<br />

pareceriam caraterísticas de um ser fraco que não podia fortalecer a lei ou<br />

inspirar respeito. Uma árvore tem tanto fôlego sob a terra como sobre ela;<br />

deste modo as raízes da revelação do Deus do Velho Testamento são tão<br />

extensas e necessárias como o tronco, os ramos e as folhas do Novo Testamento.<br />

B) Os cristãos e Pais Apostólicos que viveram na prim eira m etade do<br />

segundo século não só citam estes livros e fazem -lhes alusão, mas testificam<br />

que eles foram escritos pelos próprios apóstolos. Portanto, somos compelidos<br />

a recuar bem mais sua origem, a saber, ao prim eiro século, quando viveram os<br />

apóstolos.<br />

(d) Irineu (1 2 0 -2 0 0 ) menciona e cita os quatro evangelhos pelo nome e<br />

entre eles o evangelho segundo João: “M ais tarde, João, o discípulo do Senhor,


226 Augustus Hopkins Strong<br />

que se reclinava sobre o seu peito, igualm ente, publicou um evangelho,<br />

enquanto morava em Éfeso, na Á sia”. Irineu era discípulo e amigo de Pou-<br />

carpo (80-166), que pessoalm ente conheceu o apóstolo João. O testemunho<br />

de Irineu é virtualm ente a evidência de Policarpo, contem porâneo e amigo do<br />

Apóstolo, de que cada um dos evangelhos foi escrito pela pessoa que leva o<br />

seu nome.<br />

A este testemunho objeta-se que Ir in eu diz que há quatro evangelhos porque<br />

há quatro quadrantes do mundo e quatro criaturas vivas nos querubins.<br />

Porém respondemos que Irineu aqui não está firmando a sua própria razão<br />

de aceitar quatro e não mais que quatro evangelhos, mas o que ele concebe<br />

que a razão de Deus é que ordena que haja quatro. Nada nos garante nesta<br />

suposição que ele aceitasse quatro evangelhos em qualquer çutra base além<br />

do testemunho de que eles eram o produto de homens apostólicos.<br />

De igual modo, C r is ó s t o m o compara os quatro evangelhos a uma carruagem<br />

e quatro: Quando o Rei da Glória estiver montado nela, receberá as<br />

aclamações triunfais de todos os povos. Do mesmo modo J e r ô n im o : Deus<br />

cavalga no querubim e, porque há quatro querubins, deve haver quatro evangelhos.<br />

Entretanto, tudo isto é um esforço primitivo na filosofia da religião e<br />

não um esforço para demonstrar o fato histórico. L. L. P a in e , Evolution of Tri-<br />

nitarianism, 319-367, apresenta o ponto de vista radical da autoria do quarto<br />

evangelho. Ele sustenta que o apóstolo João morreu no ano 70 A.D., ou logo<br />

depois, e Irineu confundiu os dois homônimos que Papias tão claramente<br />

distinguiu: o apóstolo João e o presbítero João. Do mesmo modo que H a r n a-<br />

c k , P a in e supõe que o evangelho foi escrito por João, o presbítero, contemporâneo<br />

de P a p ia s . Entretanto, respondemos que o testemunho de Ir in e u implica<br />

uma longa tradição anterior. R. W. D a l e , Living Christ and Four Gospels, 145<br />

- “Veneração religiosa tal como aquela com que Irineu considerava estes<br />

livros é de um lento desenvolvimento. Eles devem ter ocupado um importante<br />

lugar na igreja até onde alcança a memória humana”.<br />

(.b) Justino, o M á rtir (falecido em 148) fala das ‘memórias (à7to|_ivr||io-<br />

veú^xata) de Jesus C risto’ e suas citações, apesar de às vezes feitas de memória,<br />

evidentem ente aparecem nos nossos evangelhos.<br />

A este testemunho objeta-se: 1) J u s t in o , o M á r t ir , emprega o termo ‘memórias’<br />

em lugar de ‘evangelho’. Respondemos que em outra parte ele emprega<br />

o termo ‘evangelhos’ e identifica as memórias com eles: Apologia, 1.66 -<br />

“Os apóstolos, nas memórias compostas por eles, as quais eram chamadas<br />

evangelhos,” /.e., não memórias, mas evangelhos, o que era propriamente o<br />

título ou os registros escritos. Ao escrever a sua Apologia a M a r c o A u r é lio e a<br />

M a r c o A n t o n in o , imperadores pagãos, escolheu o termo ‘memórias’, ou ‘memo-<br />

rabilia’, que X e n o f o n te empregara como título da sua narrativa de Sócrates,<br />

tão somente para evitar expressões eclesiásticas não familiares aos seus<br />

leitores e pudesse recomendar os seus escritos aos amantes da literatura


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 2 7<br />

clássica. Note que Mateus deve ser acrescentado a João, a fim de justificar<br />

a repetida afirmação de Justino de que havia “memórias” do nosso Senhor<br />

“escritas pelos apóstolos”, e que Marcos e Lucas foram adicionados para<br />

justificar sua posterior afirmação de que tais memórias foram compiladas<br />

pelos “seus apóstolos e os que os seguiram”. Em analogia ao emprego da<br />

palavra ‘memória’ por Justino encontra-se o termo ‘domingo’, em vez de<br />

sábado (Sabath): Apologia 1.67 - “No dia chamado ‘domingo’, todos os que<br />

moram em cidades ou no campo reúnem-se num lugar, e lêem-se as memórias<br />

dos apóstolos e os escritos dos profetas”. Eis aqui o emprego dos nossos<br />

evangelhos nos cultos públicos, com igual autoridade às Escrituras do A.T.;<br />

de fato, J u s t in o cita constantemente as palavras e atos da vida de Jesus a<br />

partir da fonte escrita, empregando a palavra yéypcxtitcu.<br />

Objeta-se ao testemunho de J u s t in o : 2) Citando as palavras vindas do céu<br />

no batismo do Salvador, ele as faz dizer: “Meu filho, hoje te gerei”, citando,<br />

deste modo, o SI. 2.7 e mostrando que ele não conhecia o nosso atual evangelho,<br />

Mt. 3 .1 7. Respondemos que provavelmente isto foi um lapso de<br />

memória perfeitamente natural numa época quando os evangelhos existiam<br />

de uma forma tão incômoda como eram os rolos manuscritos. J u s t in o também<br />

se refere ao Pentateuco em dois fatos que não se encontram nele;<br />

porém não devemos, a partir disso, argumentar que ele não possuía o nosso<br />

atual Pentateuco. As peças de T er ê n c io são citadas por C íc e r o e H o r á c io e<br />

não precisamos nem mais testemunhas e nem mais antigas para aceitarmos<br />

a sua genuinidade, - embora C íc e r o e H o r á c io tivessem escrito cem anos<br />

depois de T e r ê n c io . É injusto recusar semelhante evidência quanto aos evangelhos.<br />

J u s t in o tinha um modo de combinar em um as palavras de diferentes<br />

evangelistas - uma insinuação que T a c ia n o , seu aluno, provavelmente seguiu<br />

ao compor o seu Diatessarão.<br />

( c) P a p ia s (80-164), a quem Irineu cham a ‘ouvinte de João’, testifica que<br />

M ateus “escreveu no dialeto hebraico os oráculos sagrados (xà X óyia)” e que<br />

"Marcos, o intérprete de Pedro, escreveu segundo Pedro, (uoxepov riexpco)<br />

(ou sob a direção de Pedro), um relato não sistem ático (oú tá ^ e i)” dos eventos<br />

e discursos.<br />

A este testem unho objeta-se: 1) Papias não podia ter tido o nosso evangelho<br />

de M ateus, porque este é grego. R eplicam os, ou com B leek, que Papias<br />

supôs erroneam ente que um a tradução hebraica que ele possuía de M ateus<br />

fosse o texto original; ou, com W eiss, que o texto original de M ateus tinha sido<br />

escrito em hebraico, enquanto o nosso texto atual de M ateus é um a versão<br />

am pliada do m esm o. A Palestina, com o o atual país de G ales, era um te rritó ­<br />

rio bilíngüe; M ateus, com o Tiago, podia escrever tanto em hebraico com o em<br />

grego. Enquanto B. W. Bacon data o escrito de Papias tão tardio com o 145-<br />

160 A.D., L ightfoot o data de 130 A.D. N esta últim a data Papias facilm ente<br />

poderia lem brar as histórias que lhe foram contadas até de 80 A.D., peios<br />

hom ens m ais jovens na época quando o S enhor ainda viveu, m orreu, ressuscitou<br />

e ascendeu ao céu. A obra de Papias tinha com o título Aoyícov K upiaK âv<br />

èÇíiyricnç - “ E xposição dos O ráculos relativos ao S e n h o r” = C om entários


2 2 8<br />

Augustus H opkins Strong<br />

sobre os Evangelhos. Dois destes evangelhos eram Mateus e Marcos. O ponto<br />

de vista de W eiss mencionado acima tem sido criticado apoiado no fato de<br />

que as citações do Velho Testamento em discursos de Jesus em Mateus são<br />

todos tirados não do hebraico, mas da Septuaginta. W e s t c o t t responde a<br />

esta crítica sugerindo que, ao traduzir o seu evangelho hebraico para o grego,<br />

Mateus substituiu a sua versão oral dos discursos de Cristo pela destes já<br />

existentes no evangelho oral comum. Há uma base oral comum do verdadeiro<br />

ensino, o “depósito” - xfiv 7iapa0fiKtiv - confiado a Timóteo (1 Tm. 6.20;<br />

2 Tm. 1.12,14), a mesma história contada muitas vezes e recebida para ser<br />

contada da mesma forma. As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas são versões<br />

independentes deste testemunho apostólico. Em primeiro lugar veio a<br />

crença; em segundo lugar, o ensino oral; em terceiro os evangelhos escritos.<br />

Admite-se que o nome oriental para “joio” tenha vindo do oriental zawan,<br />

(Mt. 13.25) transliterado para o grego ÇiÇávux; o evangelho original foi escrito<br />

em aramaico. M orison, Coment.on Mathews, é de opinião que Mateus escreveu<br />

originariamente em hebraico uma coleção de frases de Jesus Cristo, que<br />

os nazarenos e ibionitas acrescentaram, em parte vindas da tradição, e em<br />

parte da tradução do seu evangelho completo até que o resultado fosse o<br />

assim chamado Evangelho dos Hebreus; mas que Mateus escreveu o seu<br />

próprio evangelho em grego depois de ter escrito as frases em hebraico.<br />

O pensamento do professor W. A. S tevens é que Papias provavelmente fez<br />

alusão ao autógrafo original que Mateus escreveu em aramaico, mas que<br />

depois ampliou e traduziu para o gregõr~<br />

Ao testemunho de Papias também se objeta; 2) Marcos é o mais sistemático<br />

de todos evangelistas; apresenta os eventos como um verdadeiro analista<br />

em ordem cronológica. Respondemos que, no que concerne à ordem cronológica,<br />

Marcos é sistemático; no que concerne à ordem lógica, ele é o menos<br />

sistemático de todos os evangelistas, mostrando pouco poder de agrupamento<br />

histórico tão discernível em Mateus. Mateus tinha como objetivo retratar uma<br />

vida mais do que registrar uma cronologia. Ele agrupa os ensinos de Jesus<br />

nos capítulos 5, 6 e 7; seus milagres em 8 e 9; suas orientações aos apóstolos<br />

no capítulo 10; em 11 e 12 descreve a crescente oposição; no 13 enfrenta<br />

esta oposição com as suas parábolas; o restante do evangelho descreve a<br />

preparação do nosso Senhor para a morte, a sua caminhada para Jerusalém,<br />

a consumação da sua obra na cruz e na ressurreição. Eis o verdadeiro sistema,<br />

um arranjo filosófico do material, comparado com o método de Marcos<br />

que é eminentemente o menos sistemático.<br />

(d) Os Pais Apostólicos, - C lem ente de Roma (falecido em 101), Inácio de<br />

A ntioquia (martirizado em 115), e P olicarp o (80-166), companheiros e ami­<br />

gos dos apóstolos, deixaram -nos em seus escritos mais de uma centena de<br />

citações dos escritos do Novo Testamento ou alusões a eles e entre estes, está<br />

representado cada livro, exceto as quatro epístolas menores (2 Pedro, Judas,<br />

2 e 3 João).<br />

Embora simples testemunhos, devemos ter em mente que eles estão<br />

entre os principais das igrejas da sua época e que expressam a opinião das


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 2 9<br />

suas próprias igrejas. “Como estandartes de um exercito oculto, ou picos de<br />

uma fileira de montanhas distantes, representam e são sustentados pelos<br />

grupos compactos contínuos”. Num artigo de P. W. Calkins, M c C l in to c k e a<br />

Enciclopédia de S t r o n g , 1.315-317, citações dos Pais Apostólicos em grande<br />

número colocam-se lado a lado com as passagens do Novo Testamento, das<br />

quais eles fazem citações ou alusões. Um exame de tais citações e alusões<br />

convence-nos de que estes Pais possuíam todos os principais livros do Novo<br />

Testamento. Nash, Ethics and Revelation, 11 - “ In á c io diz a P o lic a r p o: ‘Os tempos<br />

chamam por ti como os ventos chamam pelo piloto’. Assim os tempos<br />

chamam pela reverente e destemida erudição na igreja”. Somos persuadidos<br />

de que tal erudição já demonstrou a genuinidade dos documentos do N.T.<br />

(e) Nos evangelhos sinóticos, a ausência de toda menção do cumprimento<br />

de todas profecias de Cristo a respeito da destruição de Jerusalém é evidência<br />

de que estes evangelhos foram escritos antes da ocorrência do referido evento.<br />

Em Atos dos Apóstolos, universalm ente atribuído a Lucas, temos um a alusão<br />

ao ‘primeiro tratado’, ou o evangelho do m esm o autor, que deve, portanto, ter<br />

sido escrito antes do fim do prim eiro aprisionam ento de Paulo em Roma e<br />

provavelmente com o auxílio e sanção do apóstolo.<br />

At 1.1 - “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo o que Jesus<br />

começou não só a fazer, mas a ensinar”. Se Atos foi escrito em 63 A.D., dois<br />

anos após a chegada de Paulo a Roma, então o “primeiro tratado”, o evangelho<br />

segundo Lucas dificilmente pode datar de após o ano de 60; visto que a<br />

destruição de Jerusalém ocorreu em 70, Mateus e Marcos devem ter publicado<br />

os seus evangelhos quando muito cedo, em 68, quando as multidões ainda<br />

estavam vivas e tinham sido testemunhas oculares dos eventos da vida de<br />

Jesus. F is h e r , Nature and Method of Revelation, 180 - “Seja qual for a consideração<br />

de uma data mais tardia [do que a tomada de Jerusalém] evitar-se-ia<br />

ou explicar-se-ia a aparente conjunção da destruição da cidade e do templo<br />

com a Parousia. ... Deste modo, Mateus aparece depois do começo da luta<br />

mortal dos romanos contra os judeus, ou entre os anos de 65 e 70. O evangelho<br />

de Marcos ainda é o mais antigo. A linguagem das passagens relativas à<br />

Parousia, em Lucas, é consistente com a suposição de que ele escreveu<br />

depois da queda de Jerusalém, mas não da suposição de que foi muito mais<br />

tarde”.<br />

C) Nos evangelhos sinóticos, a ausência de toda menção do cumprimento<br />

de todas profecias de Cristo a respeito da destruição de Jerusalém é evidência<br />

de que estes evangelhos foram escritos antes da ocorrência do referido evento.<br />

Em Atos dos Apóstolos, universalm ente atribuído a Lucas, temos um a alusão<br />

ao ‘prim eiro tratado’, ou o evangelho do mesmo autor, que deve, portanto, ter<br />

sido escrito antes do fim do prim eiro aprisionam ento de Paulo em Roma e<br />

provavelm ente com o auxílio e sanção do apóstolo.


2 3 0 Augustus Hopkins Strong<br />

(d) Há evidência de que as igrejas prim itivas tom aram todo o cuidado para<br />

elas mesmas assegurarem-se da genuinidade destes escritos antes de aceitá-los.<br />

Evidências das precauções são as seguintes: Paulo, em 2 Ts. 2.2, estimula<br />

as igrejas a tomarem cuidado, “não vos movais facilmente do vosso entendimento,<br />

nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavras, quer por<br />

epístola”; 1 Co. 5.9 - “Já vos tenho escrito que não vos associeis com os que<br />

se prostituem”; Cl. 4.16 - “E, quando esta epístola tiver sido lida entre vós,<br />

fazei também que o seja na igreja dos laodicenses; e a que veio de Laodicéia,<br />

lede-a vós também”. M e lit o (169), Bispo de Sárdis, que escreveu um tratado<br />

sobre o Apocalipse de João, foi à Palestina para certificar-se in loco sobre os<br />

fatos relativos ao Cânon do A.T. e, como resultado dessas investigações,<br />

excluiu os Apócrifos. R y l e , Cânon of O. T., 203 - “ M e l it o , bispo de Sárdis,<br />

enviou a um amigo uma lista das Escrituras do A.T. que ele professava ter<br />

obtido através de uma cuidadosa pesquisa, em viagem à Síria, no Oriente.<br />

O seu conteúdo concorda com o Cânon hebreu, exceto na omissão de Ester”.<br />

Serapião, bispo de Antioquia (191-213, Abbot), diz: “Recebemos Pedro e<br />

outros apóstolos como Cristo, mas, como homens sábios, rejeitamos aqueles<br />

escritos falsamente atribuídos a eles”. G e o g e H. F e r r is , Baptist Congress,<br />

1899.94 - “Serapião, depois de permitir a leitura do Evangelho de Pedro em<br />

cultos públicos, decidiu-se, finalmente, contra ele, não porque pensasse não<br />

haver um quinto evangelho, mas porque na sua opinião ele não foi escrito por<br />

Pedro”. T e r t u lia n o (160-230) dá um exemplo de deposição de um presbítero<br />

na Ásia Menor por publicar uma pretensa obra de Paulo.<br />

0b) O estilo dos escritos do Novo Testamento e sua plena correspondência<br />

a tudo o que conhecemos das terras e tempos em que eles professam ter sido<br />

escritos fornecem convincente prova de que eles pertencem à era apostólica.<br />

Note a mescla de Latim e Grego, como no caso de c7ceKo-uA,á,ta>p (Mc. 6.27)<br />

e KEv-ttipuov (Mc. 15.39) de Grego e Aramaico em jtpaoicd jip a o ia í (Mc. 6.40)<br />

e pSéXuyiaa Tfjç èpri(a.á>aecoç (Mt. 24.15); isto dificilmente teria ocorrido após o<br />

primeiro século. Compare os anacronismos de estilo e a descrição em “Henry<br />

Esmond” de T h a c k e r a y, que, a despeito dos estudos especiais do autor e de<br />

sua determinação de excluir todas as palavras e expressões que se originaram<br />

no seu século, foi frustrado pelos erros históricos que M a c a u l a y, em seus<br />

momentos mais remissos, dificilmente teria cometido. J a m e s R u s s e l l L o w e ll<br />

disse a T h a c keray que “different to” não tinha um século de existência. “Hang<br />

it, no!” replicou T h a c k e r a y. Diante desta falha, da parte do autor de grande<br />

habilidade literária, ao construir uma história com a pretensão de ter sido<br />

produzida um século antes da sua época e que podia servir de teste de crítica<br />

histórica, podemos bem considerar o sucesso dos nossos evangelhos em<br />

foco testes tais como uma demonstração prática de que eles não foram escritos<br />

depois da era apostólica, mas nela mesma.<br />

(c) A genuinidade do quarto evangelho é confirmada pelo fato de que Taciano<br />

(155-170), o assírio, discípulo de Justino, repetidam ente citava-o sem nomear


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 231<br />

o autor e compôs um a harmonia dos quatro evangelhos a que chamou de Dia-<br />

tessarão; enquanto B asílides (130) e V alentino (150), os Gnósticos, também<br />

o citam.<br />

A obra cética intitulada “ R eligião S obrenatura l” , publicada em 1874, diz:<br />

“N inguém parece te r visto a H arm onia de T a c ia n o , provavelm ente pela sim ­<br />

ples razão de que tal obra não existia” ; e “não há nenhum a evidência de<br />

conexão do E vangelho de Taciano com os do nosso C ânon” . C ontudo, em<br />

1876, em Veneza foi publicado em Latim o C om entário de Efrém S írio sobre<br />

T a c ia n o ; com eçava assim : “No princípio era o Verbo (Jo. 1.1). Em 1888, o<br />

Diatessarão foi publicado em Rom a na form a de um a tradução arábica feita<br />

no século dezessete a partir da Siríaca. J. R e n d el H a rris, na Contemp. Review,<br />

1893.800 sq., diz que a recuperação do D iatessarão de Taciano pospôs indefinidam<br />

ente o funeral literário de S. João. Os críticos avançados, sugere ele,<br />

são assim eham ados porque correm à frente dos fatos que eles discutem .<br />

Os evangelhos devem ter estado bem estabelecidos na igreja cristã quando<br />

T a c ia n o se propôs a combiná-los. S r a . A. S . L e w is , em S. S. Times, 23 jan.<br />

1904 - os evangelhos foram traduzidos para o Siríaco antes de 160 A.D.<br />

Segue-se que o documento grego do qual eles foram traduzidos era mais<br />

velho ainda e, visto que um inclui o evangelho de S. João, o outro também o<br />

inclui. H e m p h il l, Literature of the Second Century, 183-231, dá o nascimento<br />

de Taciano por volta de 120 A.D. e a data do Diatessarão em 172 A.D.<br />

A diferença no estilo entre o Apocalipse e o evangelho de João se deve ao<br />

fato de que aquele foi escrito durante o exílio de João em Patmos, sob o<br />

império de Nero em 67 ou 68 iogo depois que João deixou a Palestina e fixou<br />

sua residência em Éfeso. Até então ele falara Aramaico e o grego lhe era<br />

relativamente pouco familiar. O evangelho foi escrito trinta anos depois, provavelmente<br />

por volta de 67, quando o Grego tinha se tornado para ele como<br />

se fosse a sua língua materna. Expressões e idéias que indicam uma autoria<br />

comum entre o Apocalipse e o evangelho são as seguintes: “o Cordeiro de<br />

Deus”, “o Verbo de Deus”, “O Verdadeiro” como um epíteto aplicado a Cristo,<br />

“os ju d e u s” com o inim igos de Deus, “m aná” , “aqueles que o traspassaram ”.<br />

No quarto evangelho temos à^voç, em Ap. temos àpvíov, talvez melhor para<br />

distinguir “o Cordeiro do diminutivo xò 0r|píov, “o animal”. Comuns tanto ao<br />

evangelho como ao Ap. temos noieív, “fazer” [a verdade]; 7ceputateív, sobre a<br />

conduta moral; àVr|9ivóç, “genuíno”; 8i\|/âv, rceivâv, os mais elevados desejos<br />

da alma; ctktivovv èv, jioiixaíveiv, óSriyevv; também ‘vencer’, ‘testemunho’, ‘noivo’,<br />

‘Pastor’, ‘água da vida’. No Apocalipse há solecismos gramaticais: nominativo<br />

em lugar do genitivo, 1.4 - à^ó ó âv; nominativo em lugar de acusativo,<br />

7.9 - etSov... õxXoç ko7.úç; acusativo em lugar do nominativo, 20.2 - t o v Spáicovta<br />

ó ckpiç. Semelhantemente em Rm. 12.5 - tó 5é koc0’ êiç em lugar de to 5è kocS^<br />

eva, onde xaxá perde essa regência - solecismo freqüente nos escritores<br />

gregos tardios. Emerson lembrava Jones Very que certamente o Espírito Santo<br />

escreve em boa gramática. O Apocalipse parece mostrar que Emerson estava<br />

errado.<br />

O autor do quarto evangelho fala de João na terceira pessoa. Mas C ésar<br />

fala de si mesmo do mesmo modo em seus Comentários. H a r n a c k considera


2 3 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

tanto o quarto evangelho como o Apocalipse como obra do Presbítero ou<br />

Ancião, aquele escrito não depois de 110 A.D.; este de 93-96, mas é uma<br />

revisão de um ou mais apocalipses judaicos. V is c h e r expôs este ponto de<br />

vista do Apocalipse; P o r t e r sustenta substancialmente a mesma coisa em<br />

seu artigo sobre o Livro de Apocalipse no Hastings’ Bible Dictionary, 4.239-<br />

266. “É óbvia a vantagem das hipóteses de V is c h e r - H a r n a c k que coloca a<br />

obra original na época de Nero e a edição revista e cristianizada na época de<br />

Domiciano”. (S a n d a y, Inspiration, 371,372 descarta esta hipótese que levanta<br />

mais dificuldades do que as remove. Ele põe o Apocalipse entre a morte de<br />

Nero e a destruição de Jerusalém por Tito). M a r t in e a u , Seat ofAuthority, 227,<br />

apresenta objeções morais à autoridade apostólica, e considera o Apocalipse,<br />

desde 4.1-22.5, como um documento puramente judaico que data de<br />

66-70, suplementado e revisado por um cristão e editado não antes de 136:<br />

“Quão estranho é termos pensado que é possível alguém que assiste no<br />

ministério de Jesus escrever ou editar um livro mesclando ferozes conflitos<br />

messiânicos em que, com espada, veste ensangüentada, chama furiosa, vara<br />

de ferro, como seus emblemas, conduz a marcha militar e esmaga o lagar da<br />

ira de Deus até que o dilúvio de sangue chegue aos freios dos cavalos com a<br />

especulativa cristologia do segundo século, sem uma memória da sua vida,<br />

uma caraterística do seu olhar, uma palavra da sua voz, um retrospecto às<br />

montanhas da Galiléia, aos tribunais de Jerusalém, a estrada rumo a Betânia<br />

onde a sua'ímagem deve ser vista para sempre”!<br />

Contudo, a força desta afirmativa é grandemente quebrada se considerarmos<br />

que o apóstolo João, em seus primeiros dias, foi um dos “Boanerges,<br />

que significa: filhos do trovão” (Mc. 3.17), mas tornou-se nos últimos anos o<br />

apóstolo do amor: 1 Jo. 4.7 - “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o<br />

amor é de Deus”. A semelhança do quarto evangelho com a epístola, esta,<br />

sem dúvida, obra do apóstolo João, indica a mesma autoria que a do evangelho.<br />

T hayer assinala que “a descoberta do evangelho segundo Pedro afasta<br />

meio século de discussão. Breve como é o documento recuperado, atesta<br />

indubitavelmente todos os nossos quatro livros canônicos”. R id d l e, em Popular<br />

Com., 1.25 - “Se um falsário escreveu o quarto evangelho então Belzebu<br />

tem estado expulsando demônios por estes dezoito séculos”.<br />

(d) A Epístola aos Hebreus parece ter sido aceita durante o prim eiro século<br />

depois que foi escrita (assim testemunham C lem ente d e Roma, Justino, o<br />

M á rtir, e a versão Peshito). Então, por dois séculos especialm ente nas igrejas<br />

de Rom a e do Norte da Á frica e provavelm ente porque suas características<br />

eram inconsistentes com a tradição de uma autoria paulina, duvidava-se de<br />

sua genuinidade (T ertuliano, Cipriano, Irineu, o Canon Muratoriano). No fim<br />

do quarto século, Jerônimo examinou a evidência e decidiu em seu favor;<br />

A gostinho fez o mesmo; o terceiro Concilio de Cartago form alm ente o reco­<br />

nheceu (397); desde essa época as igrejas latinas se uniram ao Oriente, rece­<br />

bendo-a, e assim definitivam ente se rem oveu a dúvida final.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 3 3<br />

A Epístola aos Hebreus, cujo estilo é tão diferente do empregado pelo<br />

apóstolo Paulo, provavelmente foi escrita por A p o l o , judeu alexandrino,<br />

“varão eloqüente e poderoso nas Escrituras” (At. 18.24); porém, não obstante,<br />

pode ter sido escrita por sugestão e sob a direção de Pauio e, conseqüentemente,<br />

na essência, paulina. A. C . K e n d r ic k , no American Commentary on<br />

Hebrews, assinala que, conquanto o estilo de Paulo seja predominantemente<br />

dialético e só em breves momentos torna-se retórico ou poético, na Epístola<br />

aos Hebreus predomina o estilo retórico, livre de anacolutos, sempre dominado<br />

pela emoção. Ele sustenta que estas caraterísticas apontam para Apolo<br />

como o seu autor. Estabeleça também um contraste do método que Paulo<br />

utiliza para citar o A.T.: “está escrito” (Rm. 11.8; 1 Co. 1.31; Gl. 3.10) com o de<br />

Hebreus: “diz ele” (8.5,13), “disse” (4.4). Paulo cita o A.T. cinqüenta e sete<br />

vezes, mas nunca deste modo. Hb. 2.3 - “a qual, começando a ser anunciada<br />

pelo Senhor, foi-nos depois, confirmada pelos que a ouviram” - mostra que o<br />

escritor não recebeu o evangelho de primeira mão. L u t e r o e C alv in o viram<br />

corretamente nisto uma prova decisiva de que Paulo não é o autor porque ele<br />

sempre insistia no caráter primário e independente do seu evangelho. A princípio,<br />

H a r n a c k supunha que a epístola tivesse sido escrita por Barnabé aos<br />

cristãos de Roma, 81-96 A.D. Com o passar do tempo, contudo, ele a atribui<br />

a Priscila, mulher de Áqüila ou à autoria conjunta. A majestade da sua dicção,<br />

contudo, parece desfavorável a este ponto de vista. W illia m T. C . H a n n a :<br />

“As palavras do autor... são comandadas grandiosamente e se movem numa<br />

estratégia militar como um aumento de uma onda de maré”. P l u m p t r e , Intro-<br />

duction to N.T., 37, e no Expositorvol. I, considera o autor da epístola o mesmo<br />

da Apócrifa Sabedoria de Salomão, esta composta antes, aquela depois<br />

da conversão do escritor ao cristianismo. Talvez a nossa conclusão mais<br />

segura seja a de Orígenes: “Só Deus sabe quem a escreveu”. Contudo, H a r ­<br />

nac k assinala: “Já se foi o tempo em que a nossa antiga literatura cristã,<br />

Introd. to N.T., tinha sido considerada como um entrelaçamento de ilusões e<br />

falsificações. A mais antiga literatura da igreja é, nos pontos essenciais e, na<br />

maior parte dos seus pormenores, verdadeira e fidedigna”.<br />

(e) Quanto a 2 Pedro, Judas e 2 e 3 João, epístolas mais freqüentemente<br />

tidas como espúrias, podemos dizer que, apesar de não termos nenhuma evidência<br />

externa conclusiva anterior a 160 A.D. e, no caso de 2 Pedro, nenhuma<br />

anterior a 230-250 A.D., podemos argum entar em favor da sua genuinidade<br />

não só por suas características internas do estilo literário e valor moral, mas<br />

tam bém pela sua aceitação geral desde o terceiro século como verdadeiras<br />

produções dos homens ou classes de hom ens que lhes dão os nomes.<br />

F ir m ilia n o (250), bispo de Cesaréia, na Capadócia, é a primeira clara testemunha<br />

de 2 Pedro. O r íg e n e s (230) cita-a, mas, ao fazê-lo, admite que a sua<br />

genuinidade é questionada. O Concilio de Laodicéia (372) foi o primeiro<br />

a recebê-la no Cânon. Com este mesmo reconhecimento e aceitação de<br />

2 Pedro, compare a perda das últimas obras de A r is t ó t e l e s durante cento e<br />

cinqüenta anos após a sua morte e o reconhecimento delas como genuínas


2 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

tão logo foram recuperadas da adega da família de Neleu na Ásia; a primeira<br />

publicação de algumas cartas de L u t e r o por D e W ette após o lapso de trezentos<br />

anos, embora sem ocasionar dúvida quanto à sua genuinidade; ou a<br />

ocultação do Tratado de Doutrina Cristã de Milton, entre os trastes do Diário<br />

Oficial de Londres, de 1677 a 1823. S ir W illia m H a m ilto n queixava-se de que<br />

havia tratados de C u d w o r t h , B e r k e le y e C o l l ie r ainda não publicados e mesmo<br />

desconhecidos de seus editores, biógrafos e colegas de metafísica, mas<br />

ainda do mais elevado interesse e importância. 2 Pedro provavelmente<br />

foi remetido do Oriente pouco antes do martírio de Pedro; a distância e a<br />

perseguição podem ter impedido a sua rápida circulação nos outros países.<br />

S a g e b e e r , The Bible in Court, 114 - “Pode ter-se perdido o razão (livro contábil)<br />

ou a sua autenticidade ao longo do tempo ser objeto de dúvida, mas, uma<br />

vez descoberto e provado é considerado fidedigno como qualquer parte dos<br />

res gestae (feitos ilustres)”.<br />

Os que duvidavam da genuinidade de 2 Pedro insistiam em que a epístola<br />

fala dos “vossos apóstolos”, do mesmo modo em que Jd. 17 sobre “os apóstolos”,<br />

como se o escritor não se contasse entre eles. Mas 2 Pedro começa com<br />

“Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo”, e Judas, “irmão de Tiago” (vs.<br />

1) era irmão do nosso Senhor, mas não apóstolo. H o v e y , Introd. to N. T., xxxi -<br />

“A mais antiga passagem manifestamente baseada em 2 Pedro parece estar<br />

na assim chamada Segunda Epístola do Romano C le m e n t e , 16.3, que agora<br />

se sabe tratar-se de uma homilia cristã da metade do segundo século”. O r íg en<br />

e s (nascido em 186) testifica que Pedro deixou uma epístola, “e talvez uma<br />

segunda de que se discute”. Também ele diz: “João escreveu o Apocalipse e<br />

uma epístola de poucas linhas; e pode ser que uma segunda e uma terceira;<br />

porque riênvfõdos admitem que sejam genuínas”. Também ele faz citação de<br />

Tiago e de Judas acrescentando que se duvida da sua canonicidade.<br />

H a r n a c k considera 1 Pedro, 2 Pedro, Tiago e Judas escritos respectivamente<br />

por volta de 160,170,130 e 130, mas não pelos homens aos quais são<br />

atribuídos - a atribuição a estes autores é adição feita mais tarde. H o r t assinala:<br />

“Se alguém me perguntasse, eu diria que o balanço do argumento é<br />

contra 2 Pedro, mas no momento em que ajo assim devo começar a pensar<br />

que eu devo estar errado”. S a n d a y , Oracles of God, 73 nota, considera os<br />

argumentos favoráveis a 2 Pedro não convincentes, mas o mesmo ocorre<br />

com os argumentos contrários. Ele não pode ir além do non liquet (não evidente).<br />

Ele se refere a S a l m o n , Introd. to N. T., 529-559, ed. 4, expressando o<br />

seu ponto de vista. Porém mais tarde as conclusões de S a n d ay são mais radicais.<br />

Em suas Bampton Lect. sobre a Inspiração, 348,399, diz: 2 Pedro “é<br />

provavelmente ao menos nesta extensão uma contrapartida que aparece sob<br />

o nome que não é o do verdadeiro autor”.<br />

C h a s e, em Hastings’ Bible Dict. 3:806-817, diz que “a primeira peça de<br />

certa evidência é a passagem de O r íg e n e s citada por E u s é b io , embora dificilmente<br />

se admite dúvida de que a Epístola fosse conhecida por C le m e n t e de<br />

A le x a n d r ia . ... Não encontramos nenhum traço da epístola no período quando<br />

a tradição dos dias apostólicos ainda estava viva. ... Não é a obra do apóstolo,<br />

mas do segundo século ... adiantar-se sem qualquer motivo sinistro ... a<br />

personificação do apóstolo, um artifício literário e não uma fraude religiosa ou<br />

controvertida. A adoção de tal veredicto só pode causar perplexidade quando


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

a promessa do Senhor de guiar a sua igreja for considerada como total infalibilidade”.<br />

Contra este veredicto apresentamos a dignidade do valor espiritual<br />

de 2 Pedro - evidência interna que, a nosso juízo, faz a balança pender para<br />

a autoria apostólica.<br />

(/) Sobre nenhum a outra hipótese além da sua genuinidade pode a aceitação<br />

geral destas quatro epístolas, desde o terceiro século, e de todos os outros<br />

livros do Novo Testamento, desde a metade do segundo século, ser satisfatoriamente<br />

levada em conta. Se tivessem sido meras coleções de lendas flutuantes,<br />

não poderiam ter garantida am pla circulação como livros sagrados pelos<br />

quais os cristãos responderiam com o próprio sangue. Se tivessem sido forjados,<br />

as igrejas, em geral, nem poderiam ter sido enganadas quanto à sua não<br />

existência prévia, nem teriam sido induzidas unanim em ente a fingir que elas<br />

eram antigas e genuínas. Contudo, tanto quanto outros relatos sobre a origem<br />

delas, inconsistentes com a sua genuinidade, agora correntes, continuamos a<br />

examinar mais detidam ente os mais im portantes destes pontos de vista.<br />

A genuinidade do Novo Testamento como um todo ainda seria demons-<br />

trável mesmo que houvesse dúvida quanto a um ou dois dos seu livros.<br />

Não importa o 2- Alcibíades não foi escrito por Platão, ou Péricles por<br />

S hakespeare. O Concilio de Cartago em 397 deu lugar no Cânon aos Apócrifos<br />

do A.T., mas os Reformadores os cortaram. Sobre o Apocalipse Z wínglio<br />

diz: “Não é um livro bíblico” e L utero fala de modo desfavorável a respeito da<br />

Epístola de Tiago. O juízo da cristandade em geral é mais fidedigno que as<br />

impressões particulares de qualquer erudito cristão. Sustentar que os livros<br />

do N.T. foram escritos no segundo século por outras pessoas que não são as<br />

que levam os seus nomes não é somente uma falsidade, mas uma conspiração<br />

de falsidade. Deve haver vários falsários da obra e, visto que os seus<br />

escritos maravilhosamente concordam, deve ter havido uma conspiração<br />

entre eles. Contudo, tais homens têm sido esquecidos, enquanto os nomes<br />

de escritores bem mais fracos do segundo século têm sido preservados.<br />

G. H. W r ig h t, Scientific Aspects of Chrístian Evidences, 343 - “Há na lei<br />

civil ‘estatutos de limitações’ determinando que o reconhecimento de um fato<br />

proposto durante um certo período será considerado como sua evidência conclusiva.<br />

Por exemplo: se alguém permanece na posse da terra sem ser perturbado<br />

durante um certo número de anos, presume-se que tenha o direito de<br />

reivindicá-la e a ninguém é dado o direito de contestá-lo”. M air, Evidences, 99<br />

- “É possível que não tenhamos um décimo da evidência de que as igrejas<br />

primitivas aceitassem os livros do N.T. como produções genuínas dos seus<br />

autores. Temos apenas o seu veredicto”. Wynne, em Literature ofthe Second<br />

Century, 58 - “Aqueles que abriram mão das Escrituras são vistos por seus<br />

companheiros cristãos como ‘traditores’, traidores, desistiram basicamente<br />

daquilo que deveriam ter entesourado como a coisa mais preciosa da vida.<br />

Porém todos os seus livros eram igualmente sagrados. Alguns eram essenciais<br />

à fé e outros não o eram. Por isso estabeleceu-se a distinção entre os<br />

2 3 5


2 3 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

canônicos e os não canônicos. A consciência geral dos cristãos tornava-se<br />

um registro cada vez mais distinto”. A tal registro confere-se o mais elevado<br />

respeito e reforço à carga comprobatória sobre o opositor.<br />

D) Teorias racionalistas quanto à origem dos evangelhos. São tentativas de<br />

elim inar o elemento miraculoso dos registros do Novo Testamento e reconstruir<br />

a história sagrada apoiada nos princípios do naturalismo.<br />

Contra elas apresentamos a objeção geral de que são anticientíficas em seu<br />

princípio e método. Exam inar os docum entos do Novo Testamento na suposição<br />

de que toda a história é um desenvolvim ento natural e que, portanto, os<br />

milagres são impossíveis, é fazer da história m atéria não de testemunho, mas<br />

de especulação apriori. N a verdade torna im possível toda a história de Cristo<br />

e dos apóstolos porque as testem unhas cujo depoim ento quanto aos milagres é<br />

desacreditado não pode mais ser considerado digno de crédito no relato da<br />

vida e doutrina de Cristo.<br />

Há meio século, na Alemanha, era famoso “o homem que avança com o<br />

seu machado através da espessura do arvoredo” (SI. 74.5), do mesmo modo<br />

que entre os índios norte-americanos ele não era contado como o homem<br />

que não podia mostrar a sua cabeleira. Os críticos felizmente escalpam-se<br />

reciprocamente. N icoll, The Church’s One Foundation, 15 - “Como os mascarados<br />

no passado, os críticos céticos mandavam alguém adiante deles varrer<br />

com uma vassoura o palco, limpando-o para a apresentação do drama. Se<br />

admitirmos no limiar do estudo do evangelho que tudo que se refere à natureza<br />

do milagre é possível, as perguntas específicas decidem-se antes que os<br />

críticos comecem a operar a todo vapor". M atthew A rnold: “Nossa religião<br />

popular atualmente concebe o nascimento, o ministério e a morte de Cristo<br />

como impregnados de prodígios, transbordantes de milagres, e os milagres<br />

não acontecem". Esta pressuposição influencia as investigações de K uenen e<br />

de A. E. A bbott, em seu artigo na Encyciopaedia Britannica sobre os evangelhos.<br />

Damos atenção especial a quatro teorias baseadas nesta suposição.<br />

Ia) A teoria do M ito de S trauss (1808-1874)<br />

Segundo este ponto de vista, os evangelhos são cristalizações das idéias<br />

messiânicas na história que por muitas gerações encheram a cabeça dos homens<br />

de imaginação na Palestina. O mito é um a narrativa de que tais idéias inconscientemente<br />

se revestem e cujo elemento de engano intencional e deliberado<br />

está ausente.<br />

Este primitivo ponto de vista de S trauss, que se identificou com o seu<br />

nome mudou nos últimos anos para um outro mais avançado que ampliou o<br />

sentido da palavra ‘mito’ de modo a incluir todas as narrativas que brotam de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 3 7<br />

um a idéia teológica e que adm itiam a existência de ‘fraudes piedosas’ nos<br />

evangelhos. Baur, diz ele, prim eiro o convenceu de que o autor do quarto<br />

evangelho tinha não raro com posto m eras fábulas sabendo que eram ficçõe s”.<br />

O espírito animador tanto dos velhos pontos de vista como dos novos é o<br />

mesmo. S tra u ss diz: “Sabemos com certeza o que Jesus não era e o que ele<br />

não fez, a saber, nada de sobre-humano e sobrenatural”. Nenhum evangelho<br />

pode reivindicar esse grau de credibilidade histórica que seria requerido para<br />

fazer-nos abater a razão até ao ponto de crer nos milagres”. Ele chama a<br />

ressurreição de Cristo “ein weltgeschichtlicher Humbug (um disparate histórico<br />

terreno)”. “Se os evangelhos realmente são documentos históricos, não<br />

podemos excluir o milagre da vida da história de Jesus”. Vatke, Einleitung in<br />

A.T., 210,211 estabelece diferença entre mito e saga ou lenda: O critério do<br />

puro mito é que é impossível a experiência enquanto a saga é uma tradição<br />

de antigüidade remota; o mito tem em si só o elemento da crença, a saga tem<br />

em si o elemento de história. Sabatier, Philos. Religion, 37 - “O mito só é falso<br />

na aparência. O Espírito divino pode valer-se das ficções da poesia do mesmo<br />

modo que o arrazoado da lógica. Quando o coração é puro, as veias da<br />

fábula sempre permitem que a face da verdade brilhe. E não ocorre a infância<br />

na maturidade e na “idade senil?”<br />

É claro que o amor infantil pela verdade não é o espírito animador de<br />

Strauss. Ao contrário, seu espírito é o da crítica sem remorso e da intransigente<br />

hostilidade ao sobrenatural. Com muita propriedade se tem dito que ele<br />

reuniu todas as objeções anteriores dos céticos quanto à narrativa do evangelho<br />

e as arremessou em uma massa exatamente como qualquer saduceu<br />

no tempo do julgamento de Jesus tinha posto todos os escárnios e chacotas,<br />

todos os tapas e insultos, toda vergonha e cusparada despedida contra a<br />

face do Redentor. Uma octogenária e santa senhora alemã sem suspeita disse<br />

que “seja como for ela nunca podia estar interessada” na Leben Jesu (Vida<br />

de Jesus) de S trauss que o seu filho cético lhe dera como leitura religiosa.<br />

A obra é quase totalmente destrutiva. Só o último capítulo sugeria o ponto de<br />

vista do próprio Strauss sobre o que Jesus é.<br />

Se for verdadeiro o dito de L u te ro de que “o coração é o melhor teólogo”,<br />

S trau ss deve ser considerado destituído da principal qualificação para a sua<br />

tarefa. Encyclopaedia Brítannica, 2 2 .5 9 2 - “A mente de Strauss é quase<br />

exclusivamente analítica e crítica, sem profundidade de sentimento religioso,<br />

ou penetração filosófica, ou simpatia histórica. Sua obra é raramente construtiva<br />

e, exceto quando trata do espírito aparentado, ele fracassa como historiador,<br />

biógrafo e crítico, ilustrando de modo marcante o princípio profundamente<br />

verdadeiro de G oethe de que a amorosa simpatia é essencial à crítica<br />

produtiva”. P fle id e re r, Strauss’s Life of Jesus, xix - “Strauss mostra que a<br />

igreja forma tradições mitológicas a respeito de Jesus por causa da fé nele<br />

como Messias; mas ele não mostra como a igreja veio pela fé de que o Jesus<br />

de Nazaré é o Messias”.<br />

Objetamos à Teoria M ito de S trauss, da seguinte maneira:<br />

d) O tempo entre a m orte de Cristo e a publicação dos evangelhos foi muito<br />

curto para o desenvolvimento e consolidação de tais histórias míticas. Os mitos,


238<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

ao contrário, como dão testemunho os hindus, os gregos, os romanos e os<br />

escandinavos são o lento desenvolvim ento de séculos.<br />

b) O prim eiro século não foi um a época em que tal formação era possível.<br />

Ao invés de ser um a época crédula e im aginativa foi de investigação histórica<br />

e de saduceísmo em m atéria de religião.<br />

H orácio, Odes 1.34 e 3.6, denuncia a negligência e a esquaiidez dos templos<br />

pagãos e Juvenal, Sátira 2.150 diz que “Esse aliquid manes et subterra-<br />

nea regna Nec pueri credunt”. [Nem as crianças acreditam que haja algum<br />

manes (espírito bom) e reinos subterrâneos”]. A rnold de Rugby: “Ah, essas<br />

idéias de homens escrevendo histórias mitológicas entre os tempos de Lívio e<br />

uie de Paulo confundindo-os com realidades!” A pergunta cética de Pilatos, “o<br />

que é a verdade?” (Jo. 18.38) é o que de melhor representa a época. “Já se<br />

foi a era mitológica quando uma idéia se apresentava de forma abstrata -<br />

independente da narrativa”. A seita judaica dos saduceus mostra que o espírito<br />

racionalista não está confinado a gregos e romanos. A pergunta de João<br />

Batista, (Mt. 11.3) “És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro?” e a<br />

resposta do nosso Senhor, (11.4,5) “Ide e anunciai a João as coisas que ouvis<br />

e vedes: os cegos vêem ... os mortos são ressuscitados”, mostram que os<br />

judeus esperavam que o Messias operasse milagres; contudo, João 10.41 -<br />

“João não fez sinal algum” não mostra nenhuma inclinação irresistível de<br />

investir os mestres populares de poderes miraculosos.<br />

c) Os evangelhos não podem ser um desenvolvim ento mítico de idéias e<br />

expectações judaicas porque, em suas principais características, eles contrariam<br />

diretamente estas idéias e expectações. O casmurro e exclusivo nacionalismo<br />

dos judeus não podia ter feito surgir um evangelho para todas as nações,<br />

nem as suas expectações de um m onarca temporal podia ter conduzido à história<br />

de um M essias sofredor.<br />

Os Apócrifos do A.T. mostram quão limitada era a visão dos judeus.<br />

2 Esdras 6.55,56 diz que o Onipotente fez o mundo “por causa de nós”; outros<br />

povos, embora “também originados de Adão”, “são apenas como a saliva”.<br />

Toda a multidão deles está apenas diante do Eterno “semelhantes a uma gota<br />

imunda que cai do casco” (C. G eikie, S. S. Times). O reino de Cristo difere<br />

daquele que os judeus esperavam, tanto pela sua espiritualidade como pela<br />

sua universalidade (B ruce, Apologetics, 8). Não existe nenhum impulso missionário<br />

no mundo pagão; por outro lado, para o tribal é uma blasfêmia fazer<br />

conhecido o seu deus a um estranho (N ash, Ethics and Revelation, 106).<br />

Os evangelhos apócrifos mostram que tipo de mitos na época do N.T. teriam<br />

sido elaborados: Conta-se que de uma moça demoníaca Satanás saiu em<br />

forma de um moço (B ernard, em Literature ofthe Second Century, 99-136).<br />

d) A crença e propagação de tais mitos são inconsistentes com o que sabemos<br />

dos caracteres sóbrios e das vidas auto-sacrificiais dos apóstolos.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 3 9<br />

e) A teoria m ítica não pode explicar a aceitação dos evangelhos entre os<br />

gentios, que não tinham nada das idéias e expectações judaicas.<br />

f) Ela não pode explicar o próprio cristianism o com a sua crença na crucificação<br />

e ressurreição de Cristo e as ordenanças que comemoram estes fatos.<br />

Como a existência da República dos Estados Unidos é prova de que houve<br />

outrora uma Revolução, do mesmo modo o cristianismo é uma prova da<br />

morte de Cristo. A mudança do sétimo dia para o primeiro, na observância do<br />

Sabbath (guarda do descanso) nunca poderia ter ocorrido em uma nação tão<br />

“sabatária” se o primeiro dia da semana não tivesse sido a celebração da<br />

verdadeira ressurreição. Do mesmo modo não se pode explicar a Páscoa<br />

Judaica e o Dia da Proclamação da Independência, o batismo e a Ceia do<br />

Senhor, senão como monumentos e memoriais de fatos históricos do começo<br />

da igreja cristã.<br />

2a) Teoria da Tendência, de B aur (1792-1860)<br />

Sustenta que os evangelhos se originaram na m etade do segundo século e<br />

foram escritos sob nomes supostos como um meio de ocultar tendências opostas<br />

judaicas e gentílicas na igreja. “Estas grandes tendências nacionais acham<br />

sua satisfação, não nos eventos correspondentes a elas, mas na elaboração das<br />

ficções conscientes”.<br />

B aur data o quarto evangelho de 160-170 A.D.; Mateus de 130; Lucas<br />

150; Marcos de 150-160. Baur nunca indaga quem era Cristo. Ele volta a sua<br />

atenção para os documentos. Se estes se provam anti-históricos, não há<br />

necessidade de examinar os fatos, pois não há fatos para examinar. Ele indica<br />

a pressuposição destas investigações, quando diz: “O principal argumento<br />

para a origem mais tardia dos evangelhos deve sempre continuar a ser esta,<br />

que separadamente e ainda mais quando reunidos eles dão um relato da vida<br />

de Jesus que implica impossibilidades” - /'.e., os milagres. Por isso ele queria<br />

remover a autoria deles para bem distante do tempo de Jesus a fim de considerar<br />

os milagres como invenções. Baur sustenta que em Cristo unem-se o<br />

espírito universalista da nova religião, e a forma particularista da idéia messiânica<br />

judaica; alguns dos seus discípulos dão ênfase a uma, alguns a outra;<br />

daí o primeiro conflito, mas por fim a reconciliação. E. G. Robinson interpreta<br />

Baur da seguinte maneira: “Paulo = Protestante; Pedro = sacramentalista;<br />

Tiago = ético; Paulo + Pedro + Tiago = Cristianismo. A pregação protestante<br />

deve residir mais na ética - casos de consciência - menos na mera doutrina,<br />

como regeneração e justificação”.<br />

Baur era estranho às necessidades da sua própria alma e, deste modo,<br />

ao caráter real do evangelho. Um dos seus amigos e conselheiros escreveu,<br />

após a morte dele, em termos laudatórios: “A sua natureza era inteiramente<br />

objetiva. Nenhum traço de necessidade pessoal ou de luta se discerne<br />

em conexão com as suas investigações sobre o cristianismo”. A avaliação


2 4 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

da posteridade talvez se expresse no juízo da Escola de Tübingen feito<br />

por Harnack: “O possível quadro esboçado não era o real, e a chave com<br />

que ele tentou resolver todos os problemas não bastou para o mais simples.<br />

... Os pontos de vista de Tübingen na verdade foram forçados a submeter-se<br />

a modificações. A respeito do desenvolvimento da igreja no segundo século<br />

pode-se dizer seguramente que a hipótese da Escola de Tübingen provou-se<br />

em toda a parte inadequada, muito errônea, e hoje só é sustentada por poucos<br />

eruditos”.<br />

Objetamos a Teoria-tendência de Baur da seguinte maneira:<br />

a) A crítica destrutiva a que sujeita os evangelhos, se aplicada aos documentos<br />

seculares, privar-nos-ia de qualquer conhecim ento certo do passado e tornaria<br />

toda a história impossível.<br />

A suposição de um artífice é em si mesma desfavorável a um cândido<br />

exame dos documentos. Uma perversa perspicácia pode desacreditar as evidências<br />

de um oculto animus nas mais simples e ingênuas produções literárias.<br />

b) As tendências doutrinárias antagônicas que professa achar nos vários<br />

evangelhos são mais satisfatoriamente explicadas apenas como aspectos consistentes<br />

variantes do mesmo sistem a de verdade sustentado pelos apóstolos.<br />

Baur exagera as diferenças doutrinárias e oficiais entre os principais apóstolos.<br />

Pedro não foi simplesmente um cristão judaizante, mas o primeiro pregador<br />

aos gentios e a sua doutrina parece ter sido subseqüentemente influenciada<br />

em grande parte pela de Paulo {ver Plumptre, sobre 1 Pedro 68-80).<br />

Paulo não foi exclusivamente um cristão helenizante, mas invariavelmente<br />

dirigia o evangelho aos judeus antes de se dirigir aos gentios. Os evangelistas<br />

apresentam quadros de Jesus de diferentes pontos de vista. Como o<br />

escultor parisiense constrói o seu busto com o auxílio de uma dúzia de fotografias<br />

do seu propósito, todas partindo de diferentes pontos de vista, do<br />

mesmo modo a partir dos quatro exemplares que nos são fornecidos por<br />

Mateus, Marcos, Lucas e João devemos construir a sólida e simétrica vida de<br />

Cristo. A mais profunda realidade que estabelece a reconciliação dos diferentes<br />

pontos de vista possíveis é o verdadeiro Cristo histórico. Marcus Dods,<br />

Expositor's Greek Testament, 1675 - “Não se trata de dois Cristos, mas de<br />

um, que é a pintura dos quatro evangelhos: divergente no contorno e na frente<br />

do rosto, mas recíproco complemento ao invés de uma contradição”.<br />

G odet, Introd. to Gospel Collection, 272 - Mateus mostra a grandeza de<br />

Jesus - é o seu retrato em tamanho grande; Marcos, a sua incansável atividade;<br />

Lucas, a sua benéfica compaixão; João, a sua divindade essencial.<br />

Mateus escreveu, inicialmente a Lógia Aramaica. Esta foi traduzida para o<br />

Grego e completada com uma narrativa do ministério de Jesus para as igrejas<br />

gregas fundadas por Paulo. Não foi Mateus que fez esta tradução, nem se<br />

valeu do texto de Marcos (217-224). E. D. Burton: Mateus = cumprimento da<br />

profecia feita no passado; Marcos = manifestação do poder presente. Mateus


)<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 4 1<br />

é o argumento a partir da profecia; Marcos, a partir do milagre. Mateus, no<br />

que se refere à profecia, causou maior impressão nos leitores judeus; Marcos,<br />

como poder, mais se adaptou aos gentios. O P rof. B urton sustenta que<br />

Marcos se baseia só nas tradições orais; Mateus, na Lógia (seu verdadeiro<br />

evangelho) e outras notas fragmentares; enquanto Lucas tem origem mais<br />

completa nos manuscritos e em Marcos.<br />

c) É incrível que produções de tal poder literário e tão elevado ensino religioso<br />

como os evangelhos teriam surgido em meados do segundo século, ou<br />

que teriam sido publicados sob nomes supostos para fins velados.<br />

O caráter geral da literatura do segundo século é ilustrado pelo fanático<br />

desejo de m artírio da parte de Inácio, cujo valo r H erm as atribui ao rigor ascético,<br />

nas insípidas alegorias de Barnabé, na crença na fênix da parte de Clem<br />

ente de Rom a e nos absurdos dos E vangelhos A pócrifos. O autor do quarto<br />

evangelho entre os escritores do segundo século teriam sido um a m ontanha<br />

entre os m ontículos. W y n n e , Literature ofthe Second Century, 60 - “Os escritos<br />

apostólicos e subapostólicos diferem entre si com o um a pepita de ouro<br />

puro difere de um bloco de quartzo com veias do precioso m etal brilhando<br />

através dele”. D o rn e r, Hist. Doct. Person Christ., 1.1.92 - “Ao invés dos escritores<br />

do segundo século, m arcando um avanço na era apostólica, ou desenvolvendo<br />

o germ e que os apóstolos lhes deram , o segundo século m ostra um<br />

grande retrocesso; seus escritores não foram capazes de reter ou com preender<br />

tudo o que lhes tin h a sido da do” . M artineau, Seat of Authority, 291 -<br />

“ E scritores bárbaros, não só na fala, e rudes na arte, m as tam bém freqüentem<br />

ente pueris nos conceitos, apaixonados no tem peram ento, e crédulos na<br />

sua fé. As lendas de Papias, as visões de Hermas, a im becilidade de Irineu, a<br />

fúria de T e r t u u a n o , o rancor e indelicadeza de J e r ô n im o , a intem pestiva intolerância<br />

de Agostinho, não podem deixar de atu rd ir e repelir o estudante; e,<br />

se ele se volta para o m ais m anso Hipólito, é introduzido por um a chocada de<br />

trinta heresias que tristem ente dissipam o seu sonho da unidade da igreja”.<br />

Não podem os a p lica r aos escritores do segundo século a pergunta de Inger-<br />

soll na controvérsia Shakespeare-Bacon: “S erá possível que Bacon deixaria os<br />

m elhores filhos do seu cérebro na soleira da porta de Shakespeare e apenas<br />

conservasse em casa os deform ados?”<br />

d) A teoria requer de nós que creiamos em um a anom alia moral, a saber,<br />

que um fiel discípulo de Cristo no segundo século pudesse ser culpado de<br />

fabricar um a vida do mestre, e reivindicar autoridade para isto na base de que<br />

o autor tinha sido um com panheiro de Cristo ou de seus apóstolos.<br />

“Genial posicionamento dos religionários jesuíticos” - com mente e coração<br />

suficientes para o evangelho segundo João e que, ao mesmo tempo com<br />

sangue frio têm a sagacidade suficiente para retirar dos seus escritos cada<br />

traço de desenvolvimento da autoridade da igreja pertencente ao segundo<br />

século. O recém-descoberto “Ensino dos Doze Apóstolos”, talvez datado da


2 4 2 Augustus Hopkins Strong<br />

primeira parte do referido século, mostra que tal combinação é impossível.<br />

As teorias críticas supõem que aquele que conheceu Cristo como homem<br />

não podia considerá-lo como Deus. Lowrie, Doctríne of St. John, 12 - “Se S.<br />

João escreveu, não é possível dizer que o gênio de S. Paulo impingiu à igreja<br />

uma concepção originariamente estranha aos apóstolos”. Fairbairn bem mostrou<br />

que, se o cristianismo tivesse sido somente o ensino ético do Jesus<br />

humano, teria desaparecido da terra como as seitas dos fariseus e dos sadu-<br />

ceus; por outro lado, se a doutrina do Logos fosse somente a do Cristo divino,<br />

teria desaparecido como as especulações de P latão e de A ristóteles; porque<br />

o cristianismo une a idéia do eterno Filho de Deus com a do encarnado Filho<br />

do homem é adequado a uma religião universal e se tornou igual a ela; ver<br />

Fairbairn, Philosophy of the Christian Religion, 4, 15 - “Sem o encanto pessoal<br />

do Jesus histórico, os credos ecumênicos nunca teriam sido formulados ou<br />

tolerados e, sem a concepção metafísica de Cristo, a religião cristã há muito<br />

teria deixado de viver. ... Não é o Jesus de Nazaré que entrou tão poderosamente<br />

na história; é o Cristo deificado que se tornou objeto de crença, de<br />

amor e de obediência como o Salvador do mundo. ... As duas partes da doutrina<br />

cristã combinam-se no nome ‘Jesus Cristo’”.<br />

e) Esta teoria não pode dar conta da aceitação universal dos evangelhos no<br />

fim do segundo século entre as com unidades am plam ente separadas onde a<br />

reverência pelos escritos dos apóstolos era m arca de ortodoxia e onde as heresias<br />

gnósticas teriam feito novos docum entos sujeitos a suspeita e exame<br />

minucioso.<br />

A bbot, Genuineness ofthe Fourth Gospel, 52, 80, 88, 89. Se doutrina joa-<br />

nina do Logos fosse proposta na primeira na irietade do segundo século, teria<br />

imediatamente garantido a rejeição daquele evangelho pelos gnósticos, que<br />

atribuíram a criação, não ao Logos, mas aos sucessivos “eons”. Como os<br />

gnósticos, sem hesitação, vieram a aceitar como genuíno aquilo que na sua<br />

época tinha surgido nas igrejas? Conquanto B asílides (130) e Valentino (150),<br />

que eram gnósticos, citam o quarto evangelho, não discutem a sua genuinidade<br />

nem sugerem que fosse de origem recente. B ruce, em sua Apologetics,<br />

diz a respeito de Baur: “Ele cria na plena suficiência da teoria hegeliana do<br />

desenvolvimento através do antagonismo. Essa tendência ele viu em toda a<br />

parte. Qualquer coisa que se adiciona, proporcionando mais conteúdo à pessoa<br />

e ao ensino de Jesus do que se presta ao estágio inicial de desenvolvimento,<br />

deve ser considerado espúrio. Se encontramos Jesus em qualquer<br />

dos evangelhos reivindicando ser uma pessoa sobrenatural, tais textos<br />

podem, com a máxima confiança, ser postos de lado como espúrios, porque<br />

tal pensamento não pode pertencer ao estágio inicial do cristianismo”. Porém<br />

tal concepção, sem dúvida, existiu no segundo século e antagonizava diretamente<br />

as especulações dos gnósticos. F. W. Farrar, sobre Hb. 1 2 - “A palavra<br />

eon foi empregada mais tarde pelos gnósticos para descrever as várias<br />

emanações pelas quais eles tentavam ao mesmo tempo ampliar e estabelecer<br />

uma ponte sobre o abismo entre o humano e o divino. Sobre essa lacuna


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

imaginária João lançou a arca da encarnação ao escrever: ‘O Verbo se fez<br />

carne’ (Jo. 1.14)”. Um documento que contraditava tanto os ensinos gnósticos<br />

não podia, no segundo século, ter sido citado por eles mesmos sem discutir<br />

a sua genuinidade se não tivesse sido há muito reconhecido nas igrejas<br />

como obra do apóstolo João.<br />

f) O reconhecim ento de B aur de que as epístolas aos Romanos, aos Gála-<br />

tas e aos Coríntios foram escritas por Paulo no prim eiro século é fatal para a<br />

sua teoria visto que estas epístolas testificam não só os milagres no período<br />

em que foram escritos, mas os principais eventos da vida de Jesus e o milagre<br />

da sua ressurreição como fatos já há m uito reconhecidos na igreja cristã.<br />

Baur, PauI der Apostei (O Apóstolo Paulo), 276 - “Nunca houve a mais leve<br />

suspeita da não autenticidade lançada sobre estas epístolas (Gálatas, 1 e 2<br />

Coríntios e Romanos) e elas apresentam de tal modo o caráter da origem pau-<br />

lina que não se concebe nenhuma base para a afirmação de dúvidas críticas<br />

neste caso”. Ao discutir a aparição de Cristo a Paulo no caminho de Damasco,<br />

Baur explica o elemento exterior a partir o interior: Paulo traduziu a intensa e<br />

súbita convicção da verdade da religião cristã numa cena exterior. Porém isto<br />

não pode explicar o som exterior que os seus companheiros ouviram.<br />

3a) Teoria Rom ance de R enan (1823-1892)<br />

Esta teoria admite um a base de verdade nos evangelhos e sustenta que<br />

todos eles pertencem ao século da m orte de Jesus. A expressão “Segundo”<br />

M ateus, M arcos, etc., contudo, significa^só que M ateus, M arcos, etc., escreveram<br />

estes evangelhos em substância. R enan reivindica que os fatos da vida<br />

de Jesus foram tão sublimados pelo entusiasmo e tão obscurecidos com a fraude<br />

piedosa que os evangelhos na form a presente não podem ser aceitos como<br />

genuínos; em resumo, os evangelhos devem ser considerados como romances<br />

históricos que só se fundamentam no fato.<br />

O animus desta teoria é claramente apresentado em Renan’s Life of<br />

Jesus, prefácio à 138 edição - “Se os milagres e a inspiração de certos livros<br />

são reais, meu método é detestável. Se os milagres e a inspiração dos livros<br />

são crenças sem realidade, meu método é bom. Porém a questão a respeito<br />

do sobrenatural decide-se, para nós, com absoluta certeza através da simples<br />

consideração de que não há lugar para se crer em algo a respeito de que<br />

o mundo não oferece nenhum traço experimental”. “No seu todo”, diz R enan,<br />

“eu admito como autênticos os quatro evangelhos canônicos. Na minha opinião,<br />

todos datam do primeiro século e os autores são, de um modo geral,<br />

aqueles que lhes são atribuídos”. Ele considera Gálatas, 1 e 2 Coríntios e<br />

Romanos “indiscutíveis e não discutidos”. Fala deles como “textos de autenticidade<br />

absoluta, sinceridade completa e isentos de lendas” (Les Apôtres,<br />

2 4 3


2 4 4 Augustus H opkins Strong<br />

xxix; Les Évangiles, xi). Entretanto, ele nega a Jesus a “sinceridade para consigo<br />

mesmo”; atribui a ele “artifício inocente” e tolerância à fraude piedosa,<br />

como, por exemplo, no caso das histórias de Lázaro e da sua própria ressurreição.<br />

“Não basta conceber o bem: é necessário que ele seja bem sucedido;<br />

para cumprir isso, é preciso, pelo menos, seguir as veredas puras. ... Sua<br />

consciência não perdeu nenhuma pureza original; sua missão o oprimia. ...<br />

Acaso ele negligenciou a sua natureza elevada e, vítima da sua própria grandeza,<br />

lamentou que não tivesse permanecido como um simples artesão?”<br />

Deste modo R enan “pinta mais tarde a vida de Cristo como uma miséria e<br />

mentira, embora ele requeira de nós que nos curvemos diante deste pecador<br />

e de seu superior, Xáquia-Múni, como semideuses” (verNicon, The Church’s<br />

One Foundation, 62, 63). Da imaginação altamente errônea operada a respeito<br />

de Maria Madalena, diz ele: “Ó divino poder do amor! sagrados momentos<br />

em que a paixão de alguém cujos sentidos foram enganados nos dá um<br />

Deus ressurrecto!” Ver R e n a n , Life of Jesus, 21.<br />

A esta Teoria-romance de Renan objetamos:<br />

a) Ela envolve um tratamento arbitrário e parcial dos documentos cristãos.<br />

A reivindicação de que um escritor não só tomou emprestado dos outros, mas<br />

interpolou ad libitum (a seu bel-prazer), é contraditada pela concordância<br />

essencial dos m anuscritos citados pelos Pais e agora existentes.<br />

S egundo M air, Christian Evidences, 153, R enan data M ateus de 84 A.D.;<br />

M arcos de 76; Lucas de 94; João de 125. Estas datas m arcam um considerável<br />

recuo das posições que Baur assum iu. Em seu capítulo sobre os Recentes<br />

Reveses na Crítica Negativa, Mair atribui este resultado às tardias descobe<br />

rta s rela tiva s à E pístola de B arnabé, a R e fu tação de H ipólito a todas<br />

H eresias, as H om ilias C lem entinas e o D iatessarão de Taciano: “Conform e<br />

B aur e seus seguidores im ediatos, possuím os m enos de um quarto do N.T.<br />

pertencendo ao prim eiro século. P ara H ilgenfeld, atual cabeça da escola<br />

de B aur, tem os m enos de três quartos p e rte n ce n te s ao prim eiro século,<br />

conquanto sub sta n cia lm e n te a m esm a coisa se po de dizer a respeito de<br />

H olzmann. S egundo R enan, tem os distintam ente m ais de três quartos do N.T.<br />

incidindo no prim eiro século e, conseqüentem ente, dentro da era apostólica.<br />

Isto indica seguramente um retrocesso bem decidido e extraordinário desde o<br />

tempo do grande assalto de B a u r , isto é, dentro dos últimos cinqüenta anos”.<br />

Podemos acrescentar que a outorga da autoridade dentro da era apostólica<br />

torna nula a hipótese de Renan de que os documentos do N.T. foram ampliados<br />

através de uma fraude piedosa pelo que eles não podem ser aceitos<br />

como relatos fidedignos de tais eventos como milagres. A própria tradição<br />

oral atingiu uma forma tão fixa que os muitos manuscritos empregados pelos<br />

Pais estavam em substancial acordo com respeito a estes mesmos eventos e<br />

a tradição oral no Oriente transmite-nos sem séria alteração narrativas muito<br />

mais longas que as dos nossos evangelhos. Os Pundita Rambai podem repetir,<br />

após um lapso de vinte anos, porções dos livros sagrados hindus em uma<br />

quantidade muito grande do conteúdo do nosso Velho Testamento. Muitos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 4 5<br />

homens cultos em Atenas conheciam de cor toda a liíada e a Odisséia de<br />

H o m e r o . A memória bem como a reverência conservam as narrativas do evangelho<br />

livres da corrupção que R enan supõe.<br />

b) Atribui a Cristo e aos apóstolos um fervor alternado de entusiasmo<br />

romântico e falsa pretensão de poder m iraculoso que são inteiramente irre-<br />

conciliáveis com a m anifesta sobriedade e santidade de suas vidas e ensinos.<br />

Se Jesus não operou milagres, ele foi um impostor.<br />

Sobre Ernest Renan, His Life and the Life of Jesus, ver A. H. Strong, Christ<br />

in Creation, 332-363, especialmente 356 - “Renan atribui a origem do cristianismo<br />

à predominância de uma suscetibilidade aos sentimentos místicos na<br />

Palestina. Para ele Cristo é a encarnação da simpatia e das lágrimas, ternos<br />

impulsos e apaixonados ardores, cujo gênio nativo era comover os corações<br />

dos seres humanos. Para ele, verdade ou falsidade faziam pouca diferença;<br />

era válida qualquer coisa que confortasse o pobre ou tocasse os mais refinados<br />

sentimentos da humanidade; êxtases, visões, trejeitos derretidos, eram<br />

os segredos do seu poder. A religião era uma superstição benéfica, uma doce<br />

ilusão - excelente como bálsamo, consolo para a multidão ignorante, que<br />

nunca podia filosofar ainda que tentasse. Deste modo, o rio do evangelho,<br />

como diria alguém, se volta para a fonte de homens e mulheres cujos cérebros<br />

destilaram choro dos seus olhos e a perfeição da espiritualidade acaba<br />

por tornar-se um tipo de ébrio monasticismo. ... Quão diferente do forte e<br />

santo amor de Cristo, que salva o homem aproximando-o da verdade, e que<br />

reivindica a imitação deste tão somente porque, sem amar a Deus e a aima,<br />

ele não tem a verdade. Deste ponto de vista, quão inexplicável é o fato de que<br />

um puro cristianismo em toda a parte tem despertado o intelecto das nações<br />

e que cada avivamento, como a Reforma, é seguido de poderosos saltos da<br />

civilização para frente. Acaso foi Paulo levado por sonhos místicos e entusiasmo<br />

irracional? Que digam a aguda habilidade dialética das suas epístolas<br />

e a sua profunda firmeza nos grandes assuntos da revelação! Porventura tem<br />

a igreja de Cristo sido um grupo de choramingas sentimentalistas? Que testemunhe<br />

a morte heróica dos mártires em favor da verdade! Ele deve ter uma<br />

tacanha idéia do que ele é e mais ainda de quem é o Deus que o fez e crer<br />

que os mais nobres espíritos da raça surgiram para a grandeza através da<br />

abnegada vontade e da razão e tornaram-se influentes em todas as eras pela<br />

auto-resignação”.<br />

c) Deixa de dar conta da força e progresso do evangelho como sistema<br />

direto oposto ao sabor e predisposição natural dos homens - sistema que substitui<br />

a verdade por rom ance e a lei por impulso.<br />

A. H. S t r o n g , Christ in Creation, 358 - “E se mais tarde os triunfos do<br />

cristianismo são inexplicáveis com base na teoria de Renan, como explicar o<br />

seu fundamento? O doce campônio da Galiléia, querido pelas mulheres por<br />

causa da sua beleza, fascinando a iletrada multidão com o seu discurso dócil


2 4 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

e seus ideais poéticos, confortando e enchendo de esperança os pobres,<br />

possuído de um poder sobrenatural que, a princípio, ele supõe não muito<br />

digno de negar e, por fim, gratifica a multidão fingindo exercer, levado por<br />

oposição a polêmicas e invectivas até que o agradável jovem rabi se torna um<br />

obscuro gigante, e obstinado fanático, feroz revolucionário, cuja denúncia<br />

contra os poderosos o leva à cruz, o que há dentro dele que explica a maravilha<br />

moral que chamamos cristianismo e o começo do seu império no mundo?<br />

Nem as deliciosas pastorais como as do primeiro período de Jesus, nem a<br />

febre apocalíptica como a do segundo período, segundo o evangelho de<br />

Renan, fornecem qualquer explicação racional para esse poderoso movimento<br />

que varreu a terra e revolucionou a fé da humanidade”.<br />

B erdoe, Browning, 47 - “Se Cristo não fosse Deus, sua vida no palco da<br />

história do mundo não poderia ter possibilidade alguma de possuir a força<br />

vitalizadora e compulsiva que as páginas de Renan em toda a parte descortinam.”<br />

Ao esforçar-se por destruir a fé em Cristo, R enan fortaleceu-a.<br />

Ao discutir o aparecimento de Cristo a Paulo no caminho de Damasco,<br />

R enan explica a interiorização a partir da exteriorização, invertendo precisamente<br />

a conclusão de Baur. Paulo considerou uma súbita tempestade, o clarão<br />

de um relâmpago, um súbito ataque de febre oftálmica como aparição do<br />

céu. Porém retrucamos que um perspicaz e racional observador não poderia<br />

ter sido enganado desta forma. Nada poderia torná-lo o apóstolo aos gentios<br />

a não ser a visão real do Cristo glorificado e a revelação simultânea da santidade<br />

de Deus, o seu próprio pecado, o sacrifício do Filho de Deus, sua eficácia<br />

universal, a obrigação que lhe foi imposta de proclamá-la até o fim da terra.<br />

4a) A Teoria <strong>Desenvolvimento</strong> de Harnack (nascido em 1851)<br />

Esta teoria sustenta que o cristianism o é um desenvolvim ento dos germes<br />

destituídos tanto de dogma como de milagre. Jesus era um mestre de ética e o<br />

evangelho original é mais claram ente representado pelo Sermão do Monte.<br />

A influência grega e especialm ente a da filosofia alexandrina acrescentaram a<br />

este evangelho um elemento teológico e sobrenatural e assim mudaram o cristianismo<br />

de um a vida para um a doutrina.<br />

H arnack data Mateus de 70-75; Marcos de 65-70; Lucas de 78-93; o quarto<br />

evangelho de 80-110. Ele não considera o quarto evangelho nem o Apocalipse<br />

como obras do apóstolo João, mas de João, o presbítero. Faz uma<br />

separação entre o quarto evangelho e o seu prólogo e considera este como<br />

prefácio adicionado após a composição original a fim de capacitar o leitor<br />

helenista a entendê-lo. “O próprio evangelho”, diz H arnack, “não contém<br />

nenhuma idéia do Logos; ele não se desenvolveu a partir de uma idéia do<br />

Logos, como floresceu em Alexandria; ele só está em conexão com a referida<br />

idéia. O próprio evangelho baseia-se no Cristo histórico; este é o assunto de<br />

todas as suas afirmações. Tal traço histórico, de modo algum pode ser dissolvido<br />

por qualquer tipo de especulação. A memória do que é verdadeiramente<br />

histórico ainda é muito poderosa para admitir neste ponto quaisquer influên­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

cias gnósticas. A idéia de Logos no prólogo é a do judaísmo de Alexandria, o<br />

Logos de Filo, e deriva, por fim, da expressão ‘Filho do homem’ do livro de<br />

Daniel. ... O quarto evangelho, que não procede do apóstolo João e não tem<br />

essa pretensão, não pode ser empregado como fonte histórica no sentido<br />

comum da palavra.... O autor o administra com soberana liberdade; transpõe<br />

ocorrências e as põe a uma luz que lhes é estranha; por si só compõe os<br />

discursos de acordo com seu próprio pensar, e ilustra elevados pensamentos<br />

inventando situações para eles. É difícil reconhecer que uma verdadeira tradição<br />

na sua obra não possa ter falhas. Contudo, para a história de Jesus,<br />

dificilmente, em qualquer parte isso pode ser levado em conta; muito pouco<br />

se pode tomar a partir dele e, assim mesmo, com reservas. ... Por outro lado,<br />

ele é uma fonte de primeira linha para as respostas à questão de quais os<br />

vivos pontos de vista da pessoa de Jesus, que luz e que calor o evangelho<br />

trouxe ao ser”.<br />

À Teoria-desenvolvimento de Harnack objetamos:<br />

a) O Sermão do M onte não é a súm ula do evangelho, nem a sua forma<br />

original. M arcos é o mais original dos evangelhos, contudo, omite o Sermão<br />

do M onte e é proem inentem ente o evangelho do operador de milagres.<br />

b) Todos os quatro evangelhos dão ênfase não à vida e ensino ético de<br />

Cristo, mas à sua morte e ressurreição. M ateus im plica a divindade de Cristo<br />

quando afirma seu conhecimento absoluto do Pai (11.27), seu juízo universal<br />

(25.32), sua autoridade suprema (28.18) e sua onipresença (28.20), enquanto<br />

a expressão “Filho do Hom em ” im plica que ele tam bém é “Filho de Deus”.<br />

Mt. 11.27 - “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai: e ninguém<br />

conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele<br />

a quem o Filho o quiser revelar”; 25.32 - “e todas as nações serão reunidas<br />

diante dele, e apartará uns dos outros como o pastor aparta dos bodes as<br />

ovelhas; 28.18 - “É-me dado todo o poder no céu e na terra”; 28.20 - “e eis<br />

que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos”. Estas<br />

palavras de Jesus no evangelho de Mateus mostra que o conceito da grandeza<br />

de Cristo não era peculiar a João: “Eu estou” transcende ao tempo; “convosco”<br />

transcende ao espaço. Jesus fala “sub specie eternitatis”; seu pronunciamento<br />

eqüivale ao de João 8.58 - “antes que Abraão existisse, eu sou”, e<br />

ao de Hb. 18.8 - “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente”.<br />

Paulo declara em Ef. 1.23 que ele é aquele que “cumpre tudo em todos”, isto<br />

é, onipresente.<br />

A. H. S t r o n g , Philos. and Religion, 206 - A expressão “Filho do homem”<br />

indica que Cristo é mais que homem: “Suponha que eu intentasse proclamar-<br />

me ‘Filho do homem’. Quem não perceberia nisso uma impertinência, a não<br />

ser que eu reivindicasse ser algo mais. ‘Filho do Homem? Mas o que de que?<br />

Será que cada ser humano chama a si mesmo este ser?’ Quando se assume<br />

o título de ‘Filho do homem’ por sua designação caraterística, como o fez<br />

Jesus, está implicado que há algo estranho neste ser o Filho do homem; que<br />

esta não é a sua condição e dignidade originais; que ser Filho do homem é<br />

2 4 7


2 4 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

uma condescendência da parte dele. Em resumo, quando Cristo chama a si<br />

mesmo Filho do homem está implicado que ele veio de um nível mais elevado<br />

para habitar nesta nossa humilde terra. E deste modo, quando nos perguntam:<br />

‘Que pensais vós do Cristo? de quem ele é filho?’ não devemos responder<br />

simplesmente que ele é o Filho do homem, mas também Filho de Deus”.<br />

Sanday: “O Filho é assim chamado primordialmente como encarnado. Mas porque<br />

ele também é a essência da Encarnação necessariamente é mais do que<br />

isso. É necessário ter as suas raízes na eternidade de Deus”. Gore, Incarna-<br />

tion, 65, 73 - “Cristo, o Juiz final, dos sinóticos, não está dissociado do elemento<br />

divino, do Ser eterno, do quarto evangelho”.<br />

c) A preexistência e expiação de Cristo não podem ser consideradas acréscimo<br />

ao evangelho original visto que acham expressão em Paulo, que escreveu<br />

antes dos nossos evangelistas e em suas epístolas antecipou a doutrina do<br />

Logos de João.<br />

d) Podemos adm itir que a influência grega, apesar da filosofia alexandrina,<br />

ajudou os escritores do Novo Testamento a discernir o que já estava presente<br />

na vida e obra e ensino de Jesus; mas como o m icroscópio, que descobre, mas<br />

não cria, nada acrescenta à substância da fé.<br />

G ore, Incarnation, 62 - “A divindade, a encarnação, a ressurreição de<br />

Cristo não representam uma soma à crença original dos apóstolos e de seus<br />

primeiros discípulos, pois todas estas são reconhecidas como matéria incontroversa<br />

de fé nas quatro grandes epístolas de Paulo escritas numa data em<br />

que a maior parte dos que viram o Cristo ressurrecto ainda estava viva”.<br />

A filosofia alexandrina não é a fonte da doutrina apostólica, mas apenas a<br />

forma como a doutrina foi apresentada, a luz lançada sobre aquela que produziu<br />

este sentido. A. H. S trong, Chríst in Creation, 146 - “Por isso, quando<br />

nos encaminhamos para o evangelho de João, encontramos nele tão somente<br />

o desdobramento da verdade que substancialmente existiu no mundo nos<br />

últimos setenta an os.... Se a filosofia platonizante de Alexandria assistiu neste<br />

desenvolvimento genuíno da doutrina cristã, então tal filosofia é um auxílio<br />

providencial à inspiração. O microscópio não inventa; ele só descobre. Paulo<br />

e João nada acrescentam à verdade de Cristo; o seu instrumental filosófico é<br />

apenas um microscópio que aclara a visão da verdade já existente”.<br />

P fleiderer, Philos. Religion, 1.126 - “A concepção metafísica do Logos,<br />

imanente no mundo e ordenadora segundo a lei, estava cheia de conteúdo<br />

religioso e moral. Em Jesus o princípio cósmico da natureza tornou-se um<br />

princípio religioso de salvação”. K ilpatrick sustenta que H arnack ignora a<br />

autoconsciência de Jesus; não interpreta racionalmente o livro de Atos quando<br />

menciona o primitivo culto a Jesus na igreja antes que a filosofia grega a<br />

tivesse influenciado; refere-se às peculiaridades intelectuais das concepções<br />

dos escritores do N.T. nas quais Paulo insiste tão somente na fé de todo o<br />

povo cristão como tal; esquece a idéia da união com Deus garantida através<br />

da obra expiatória e reconciliadora do Redentor pessoal que transcende<br />

totalmente ao pensamento grego e fornece a solução para o problema em<br />

que a sua filosofia sem fundamento tateia.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

e) Apesar de que M arcos nada diz sobre o nascim ento virginal porque sua<br />

história se lim ita ao que os apóstolos testem unharam dos feitos de Jesus,<br />

Mateus parece dar-nos a história de José e Lucas dá a história de M aria -<br />

ambas naturalm ente publicadas só depois da ressurreição de Jesus.<br />

f) O m aior entendim ento da doutrina depois da m orte de Cristo foi predito<br />

pelo próprio Nosso Senhor (Jo. 16.12). O Espírito Santo deveria trazer à memória<br />

os seus ensinos e transm itir a todos a verdade (16.13) e os apóstolos deveriam<br />

continuar a obra do ensino que ele começou.<br />

João 16.12,13 - “Ainda tenho muito que vos dizer, mas não o podeis suportar<br />

agora. Mas, quando vier aqueie Espírito da verdade, ele vos guiará em<br />

toda a verdade”; At. 1.1 - “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo o<br />

que Jesus começou não só a fazer, mas a ensinar”. A. H. S trong, Christ in<br />

Creation, 1 4 6 - “Que o discípulo amado, depois de meio século de meditação<br />

sobre o que tinha visto e ouvido de Deus manifesto em carne teria penetrado<br />

mais profundamente no sentido daquela maravilhosa revelação não apenas<br />

deixa de surpreender; é precisamente o que o próprio Jesus predisse. O nosso<br />

Senhor tinha muitas coisas a dizer aos seus discípulos, mas naquele tempo<br />

eles não estavam preparados para ouvi-las. Ele prometeu que o Espírito<br />

Santo traria à memória deles tanto a sua própria pessoa como as suas palavras<br />

e os conduziria em toda a verdade. E aí está todo o segredo do que se<br />

chama acréscimo ao cristianismo original. Até onde elas estão contidas na<br />

Escritura, são descobertas e desdobramentos, não especulações e invenções.<br />

Não são adições, mas elucidações, não vãs imaginações, mas interpretações<br />

corretas. ... Quando mais tarde a teologia, então, lança fora o<br />

sobrenatural e o dogmático, como se não viessem de Jesus, mas das epístolas<br />

de Paulo e do quarto evangelho, o nosso argumento é que Paulo e João<br />

não só são inspirados e são, com autoridade, intérpretes de Jesus, vendo<br />

eles mesmos e fazendo-nos ver a plenitude da divindade que habita nele”.<br />

Enquanto Harnack, a nosso juízo, erra em seu ponto de vista de que Paulo<br />

contribuiu para os elementos do evangelho o qual ele mesmo originariamente<br />

não possuía, mostrou-nos bem claramente muitos dos elementos que ele foi<br />

o primeiro a reconhecer. Em sua Wesen des Christenthums, 111, ele nos conta<br />

que há poucos anos um célebre teólogo protestante declarou que Paulo,<br />

com sua teologia rabínica, era um destruidor da religião cristã. Outros o têm<br />

considerado como fundador dessa religião. Mas a maioria o tem visto como o<br />

apóstolo que melhor entendeu o seu Senhor e fez o máximo para continuar a<br />

sua obra. Harnack sustenta que Paulo, logo no começo, compreendeu de um<br />

modo definido o evangelho: 1) como uma redenção completa e uma salvação<br />

presente - o Cristo crucificado e ressurrecto propiciando acesso a Deus<br />

e com isso justiça e paz; 2) como algo novo que afasta da lei a religião;<br />

3) significativo para todos e, conseqüentemente, também para os gentios, na<br />

verdade, substituindo o judaísmo; 4) expresso não simplesmente em termos<br />

gregos, mas também humanos, Paulo tornou o evangelho compreensível ao<br />

mundo. O islamismo, que surgiu na Arábia, ainda é uma religião árabe.<br />

O budismo continua a ser uma religião Hindu. O cristianismo existe em todas<br />

2 4 9


2 5 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

as terras. Paulo deu uma nova vida ao império romano e inaugurou a cultura<br />

cristã no Ocidente. Ele transformou a religião local em universal. Contudo,<br />

segundo Harnack, a sua influência tendia para a indevida exaltação da organização<br />

e do dogma e da inspiração do A.T. - pontos nos quais, a nosso ver,<br />

Paulo assumiu uma base sóbria e salvou a verdade cristã para o mundo.<br />

2. Genuinidade dos Livros do Velho Testamento<br />

Porque quase metade do Velho Testamento é de autoria anônima e alguns<br />

de seus livros podem ser atribuídos a caracteres históricos definidos por classificação<br />

conveniente ou personificação literária, para nós genuinidade é<br />

honestidade de propósito e liberdade de qualquer coisa falsa ou intencionalm<br />

ente enganosa a respeito da época ou autoria dos documentos.<br />

M ostramos a genuinidade dos livros do Velho Testamento:<br />

a) A partir do testemunho do Novo Testamento, no qual, a não ser seis,<br />

citam-se ou faz-se alusão a todos os livros do Velho Testamento como genuínos.<br />

O N.T. mostra coincidências na linguagem com os livros Apócrifos do A.T.,<br />

mas contém só uma citação direta deles; enquanto, exceto Juizes, Eclesias-<br />

tes, Cânticos dos Cânticos, Ester, Esdras e Neemias, cada livro do cânon<br />

hebraico é empregado ou para ilustração, ou para prova. A única citação do<br />

Apócrifo se encontra em Jd. 14 e, com toda a probabilidade, extraída do livro<br />

de Enoque. Embora V olkmar date este livro de 132 A.D. e, embora alguns<br />

críticos sustentem que Judas tenha citado só a tradição primitiva da qual o<br />

autor do livro de Enoque fez uso mais tarde, o peso da erudição moderna se<br />

inclina para a opinião de que o mesmo livro foi escrito, quando muito de 170-70<br />

a.C., e que é dele que Judas faz citação; Sanday, Bampton Lect. on Inspiration,<br />

95 - “Se Paulo pôde citar poetas gentios (At. 17.28; Tt. 1.12), é difícil entender<br />

por que Judas não poderia fazer o mesmo com uma obra que, sem dúvida,<br />

estava no mais alto padrão entre os fiéis”; enquanto Jd. 14 nos dá a única<br />

e expressa citação de um livro Apócrifo, o mesmo livro, nos versos 6 e 9<br />

contém alusões ao livro de Enoque e à Assunção de Moisés. Em Hb. 1.3,<br />

temos palavras extraídas de Sabedoria 7.26; e Hb. 11.34-38 é uma reminis-<br />

cência de 1 Mc.<br />

b) A partir do testemunho das autoridades judaicas antigas e modernas que<br />

declaram que os mesmos livros são sagrados, e só eles, que agora compreendem<br />

as nossas Escrituras do Velho Testamento.<br />

Josefo enumera vinte e dois destes livros “que, com justiça, gozam de<br />

crédito”. Nossa atual Bíblia Hebraica tem vinte e quatro; separa Rute de Juizes<br />

e o livro de Lamentações do de Jeremias. F ilo (20 a.C.) nunca cita um<br />

livro Apócrifo, apesar de que ele cita quase todos os livros do A.T. G eorge<br />

A dam S mith, Modem Criticism and Preaching, 1 - “Os fatos não apoiam a teoria


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 5 1<br />

que atribui o Cânon do A.T. a uma simples decisão da igreja judaica nos dias<br />

da sua inspiração. O desenvolvimento do Cânon do A.T. foi gradual. Virtualmente<br />

ele começou em 621 a.C. com a aceitação do livro de Deuteronômio<br />

por toda a tribo de Judá e a adoção da Lei, ou os cinco primeiros livros do<br />

A.T., com Neemias em 445 a.C. A seguir, vieram os profetas antes de 200<br />

а.C. e os Hagiógrafos a partir de um ou dois séculos mais tarde. A definição<br />

estrita da última divisão não estava completa no tempo de Cristo. Ele parece<br />

dar testemunho da Lei, dos Profetas e dos Salmos; Nem Cristo, nem os seus<br />

apóstolos fazem qualquer citação de Esdras, Neemias, Ester, Cânticos dos<br />

Cânticos, ou Eclesiastes; este último ainda não era reconhecido por todas<br />

escolas judaicas. Porém, conquanto Cristo seja a principal autoridade sobre<br />

0 A.T., ele também foi o seu primeiro crítico. Ele rejeitava algumas partes da<br />

Lei e era indiferente a muitas outras. Ampliou o sexto e o sétimo mandamentos<br />

e reverteu o “olho por olho”, e a permissão do divórcio; tocou no leproso<br />

e considerou lícitos todos os alimentos; desprezou a observância literal do<br />

Sábado; não deixou nenhum mandamento a respeito do sacrifício, do culto<br />

no templo, circuncisão, mas, através da instituição da Nova Aliança ab-rogou<br />

estes sacramentos da Velha. Os apóstolos apelaram para os escritos não<br />

canônicos”. G ladden, Seven Puzzling Bible Books, 68-96 - “Surgiram dúvidas<br />

na época do nosso Senhor quanto à canonicidade de várias partes do A.T.,<br />

especialmente Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos e Ester”.<br />

c) A partir do testemunho da tradução da Septuaginta, que data da primeira<br />

metade do terceiro século ou de 280 a 180 a.C.<br />

Os manuscritos da Septuaginta contêm, na verdade, os Apócrifos do A.T.,<br />

mas os escritores destes não reconhecem a sua própria obra como pertencente<br />

ao nível das Escrituras, que consideram distintos de todos outros livros<br />

(Eclesiástico, prólogo, e 48.24; tb. 24.23,27; 1 Mc. 12.9; 2 Mc. 6.23; 1 Ed. 1.28;<br />

б.1; Br. 2.21) Assim também os antigos e modernos judeus. No prólogo ao<br />

livro apócrifo de Eclesiástico lê-se “a Lei e os profetas e os demais livros”, o<br />

que mostra que até 130 a.C., data provável de Eclesiástico, reconhecia-se<br />

uma tríplice divisão dos livros judaicos sagrados. Contudo, a partir desta afirmação<br />

de que o avô de Jesus também escreveu, parece evidente que o autor<br />

não concebia tais livros como se eles constituíssem um cânon completo.<br />

1 Mc. 12.9 (80-90 a.C.) fala dos “livros sagrados que estão agora em nossas<br />

mãos”. Hastings’ Bible Dictionary, 3.611 - “O A.T. foi o resultado de um processo<br />

gradual que começou com a sanção do Hexateuco por Esdras e Neemias<br />

e praticamente encerrou com as decisões do Concilio de Jâmnia” - Jâm-<br />

nia é a antiga Jabne, 7 milhas ao sul do lado ocidental de Tiberíades, onde se<br />

reuniu um concilio de rabinos ao mesmo tempo entre 90 e 118 A.D. Tal Concilio<br />

decidiu em favor de Cântico dos Cânticos e Eclesiastes e encerrou o<br />

cânon do A.T..<br />

J osefo diz que a versão grega do Pentateuco que faz parte da Septuaginta<br />

foi feita no reinado de Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito, por volta de 270 ou<br />

280 a.C., e por sua ordem. “A lenda diz que foi feita por setenta e duas pessoas<br />

em setenta e dois dias. Contudo, críticos modernos supõem que esta versão


2 5 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

dos vários livros é obra não de diferentes mãos, mas de épocas separadas.<br />

É provável que, a princípio, só o Pentateuco, tivesse sido traduzido e os<br />

demais livros gradualmente; mas crê-se que a tradução foi completada no<br />

segundo século a.C.” (Century Dictionary in vocé). Por isso fornece importante<br />

testemunha sobre a genuinidade dos nossos documentos do A.T. D river,<br />

Introd. to O. T. Lit., xxxi - “A opinião, freqüentemente encontrada nos livros<br />

modernos, de que o cânon do A.T. foi encerrado por Esdras ou na sua época,<br />

não tem nenhum fundamento na antigüidade. Tudo o que pode ser tratado<br />

como histórico nos relatos dos trabalhos literários de Esdras limita-se à Lei”.<br />

d) A partir das indicações de que logo depois do exílio e recuando aos<br />

tempos de Esdras e Neem ias (500-450 a.C.), o Pentateuco juntam ente com o<br />

livro de Josué não só existia mas era considerado possuidor de autoridade.<br />

2 Mc. 2.13-15 indica que Neemias fundou uma biblioteca e há uma tradição<br />

de que uma “Grande Sinagoga” se reuniu nessa época para determinar o<br />

Cânon. Mas o Hastings, Dictionary, 4.644, afirma que “a Grande Sinagoga<br />

originariamente não era uma instituição, mas uma reunião. Reuniu-se de uma<br />

vez por todas e, tudo o que se diz a esse respeito, salvo o que lemos em<br />

Neemias, mais tarde, é pura fábula dos judeus”. De igual modo não se deve<br />

causar dependência da tradição de que Esdras miraculosamente restaurou<br />

as antigas Escrituras que se perderam durante o exílio. Clemente de Alexandria<br />

diz: “Visto que as Escrituras desapareceram no cativeiro de Nabucodo-<br />

nosor, Esdras (forma grega de Ezra) o Levita, o sacerdote, no tempo de Arta-<br />

xerxes, rei dos persas, tendo sido inspirado no exercício da profecia, restaurou<br />

novamente as Escrituras antigas por inteiro”. Porém a obra agora dividida em<br />

1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias, menciona Dario Codomano (Ne. 12.22),<br />

datado de 336 a.C. A máxima prova da tradição é que, cerca de 300 a.C., o<br />

Pentateuco, em certo sentido era atribuído a Moisés.<br />

e) A partir do testemunho do Pentateuco Samaritano, que data do tempo de<br />

Esdras e Neemias (500-450 a.C.).<br />

Os samaritanos foram trazidos de “Babel, e de Cuta, e de Ava, e de Hamate,<br />

e de Sefarvaim (2 Re. 17.6,24,26) pelo rei da Assíria, para apossar-se<br />

do lugar do povo de Israel que foi levado cativo para a sua própria terra.<br />

Os colonizadores trouxeram consigo os seus deuses pagãos, e as incursões<br />

de animais selvagens que a interrupção da lavoura ocasionou fez surgir a<br />

crença de que o Deus de Israel se opunha a eles. Por isso foi mandado um<br />

dos sacerdotes judeus cativos para ensinar-lhes “o costume do Deus da terra”<br />

e ele lhes ensinou como deviam temer ao Senhor (2 Re. 17.27,28). Como<br />

resultado eles adotaram o ritual judaico, mas combinaram o culto do Senhor<br />

com o das suas imagens de escultura (33). Quando os judeus voltaram da<br />

Babilônia e começaram a reconstruir os muros de Jerusalém, os samaritanos<br />

ofereceram-lhes auxílio, mas os judeus não o aceitaram (Ed. 4 e Ne. 4). Surgiu<br />

hostilidade entre judeus e samaritanos - que continuou não só na época


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 5 3<br />

de Cristo, mas até os nossos dias. Visto que o Pentateuco Samaritano substancialmente<br />

coincide com o dos Hebreus, fornece-nos um passado definido<br />

no que de correto existe quase em sua forma presente. Ele testemunha a<br />

existência do nosso Pentateuco essencialmente em sua forma atual como no<br />

tempo de Esdras e Neemias.<br />

G reen, Higher Criticism of the Pentateuch, 44, 45 - “Depois de expulsos<br />

pelos judeus, os samaritanos, para substanciar a sua reivindicação de procederem<br />

do antigo Israel, avidamente aceitaram o Pentateuco que lhes foi trazido<br />

por um renegado sacerdote”. W. Robertson Smith, Encyclopaedia Brítannica,<br />

21.244 - “A lei sacerdotal que se baseia totalmente na prática dos sacerdotes<br />

de Jeru salém anterior ao cativeiro, reduziu-se à forma após o<br />

exílio, e Esdras publicou-a como a lei da reconstrução do Templo de Sião.<br />

Por isso os samaritanos devem ter derivado o seu Pentateuco dos judeus<br />

conforme as reformas de Esdras, /.e., após 444 a.C. . Antes disso, o samari-<br />

tanismo não pode ter existido formalmente em tudo, ao que sabemos; mas<br />

houve uma comunidade pronta a aceitar o Pentateuco”.<br />

f) A partir da descoberta do “livro da lei” no templo, no ano dezoito do rei<br />

Josias, ou em 621 a.C.<br />

2 Re. 22.8 - “Então, o sumo sacerdote Hilquias disse ao escrivão Safã:<br />

Achei o livro da Lei na Casa do Senhor”. 23.2 - “ O livro do concerto” foi lido<br />

diante do povo pelo rei, que o proclamou ser a lei da terra. C urtis, Hastings’<br />

Bible Dict., 3.596 - “O mais antigo escrito da Lei ou livro de instrução divina<br />

de que ou de cuja ordem se tem um autêntico relato, é Deuteronômio ou sua<br />

principal parte representada como encontrada no templo no ano 18 do rei<br />

Josias (621 a.C.) e proclamada pelo rei como a lei da terra. Daí em diante<br />

Israel teve a lei escrita que ao crente piedoso se determinava observasse de<br />

dia e de noite (Js 1.8; SI. 1.2); e deste modo a Tora, como literatura sagrada,<br />

começava em Israel. A lei tinha como objetivo a aplicação correta dos princípios<br />

mosaicos”. Ryle, Hastings’ Bible Dict. 1.602 - A lei do Deuteronômio<br />

representa uma ampliação e desenvolvimento do antigo código contido em<br />

Ex. 20-23 e precede a formulação final do rito sacerdotal que só recebeu sua<br />

última forma no último período da revisão da estrutura do Pentateuco”.<br />

A ndrew Harper, sobre Deuteronômio, em Expositor’s Bible: “Deuteronômio<br />

não reivindica ter sido escrito por Moisés. Fala-se dele na terceira pessoa<br />

na introdução e na estrutura histórica, conquanto as palavras de Moisés estejam<br />

na primeira. Nas partes onde o autor fala por si mesmo, a expressão<br />

‘além do Jordão’ significa o ocidente do referido rio; a única exceção encon-<br />

tra-se em Dt. 3.8, que não pode originariamente ter sido parte da fala de<br />

Moisés. Porém o estilo de ambas as partes é o mesmo e, se as partes que<br />

estão na terceira pessoa são de um autor tardio, as que estão na primeira<br />

também o são. Ambas diferem dos outros discursos de Moisés no Pentateuco.<br />

Pode o autor ser um escritor contemporâneo que escreve as palavras de<br />

Moisés como João apresentou as de Jesus? Não, porque Deuteronômio compreende<br />

apenas o livro da aliança, em Ex. 20-23. Ele emprega o JE, mas não<br />

o P, com o qual o JE se acha entrelaçado. Mas o JE aparece em Josué


2 5 4 Augustus Hopkins Strong<br />

e contribui com ele um relato da morte de Josué. JE fala dos reis de Israel<br />

(Gn. 36.31-39). Deuteronômio nitidamente pertence aos primeiros séculos do<br />

reino, ou à metade dele”.<br />

B acon, Genesis of Genesis, 43-49 - “A lei no Deuteronômio era tão curta<br />

que Safã pôde lê-la em voz alta diante do rei (2 Re. 2.10) e o rei pôde lê-la<br />

toda diante do povo (23.2); compare a leitura do Pentateuco por uma semana<br />

inteira (Ne. 8.2-18). Foi na forma de aliança; difere por causa das maldições;<br />

era uma expansão e modificação de uma Tora de Moisés, totalmente dentro<br />

da legítima província do profeta, codificada a partir da forma tradicional de<br />

pelo menos um século antes. Essa Tora existente foi atribuída a Moisés e<br />

agora acha-se incorporada como “o livro do concerto” (Ex. 24.7). Por isso o<br />

ano de 620 é o terminus a quo de Deuteronômio. A data do código sacerdotal<br />

é 444 a.C”. Sanday, Bampton Lectures, 1893, admite “1) a presença de um<br />

considerável elemento no Pentateuco que, em sua presente forma, muitos<br />

defendem ser mais antiga que o cativeiro; 2) a composição do livro de Deuteronômio,<br />

não faz tempo, ou não faz muito tempo antes da sua promulgação<br />

pelo rei Josias em 621, que deste modo se torna a data pivô na história da<br />

literatura hebraica”.<br />

g) A partir das referências nos profetas Oséias (743-737 a.C.) e Amós (759-<br />

745) a um curso do ensino e revelação divinos estendendo-se até os dias deles.<br />

Os. 8.12 - “Escrevi para eies as grandezas da minha lei”; afirma-se aqui<br />

não só a existência de uma lei anterior ao profeta, mas de uma lei escrita.<br />

Todos os críticos admitem que o livro de Oséias é uma produção genuína do<br />

profeta, a qual data do seu oitavo século a.C. Am. 2.4 - “rejeitaram a lei do<br />

Senhor e não guardaram os seus estatutos”; eis uma prova de que, mais de<br />

um século antes do descobrimento de Deuteronômio no templo, Israel conhecia<br />

a lei de Deus. Fisher, Nature and Method of Revelation, 26,27 - “O elevado<br />

plano encontrado pelos profetas não se encontrou num só limite. ... Deve<br />

ter havido uma raiz que se estendia pela terra”. K urtz assinala que “os mais<br />

tardios livros do A.T. seriam uma árvore sem raízes se a composição do Pentateuco<br />

fosse transferida para um período mais tardio na história hebraica”.<br />

Se à palavra ‘Pentateuco’ substituirmos as palavras ‘Livro do concerto’, concordaremos<br />

com as palavras de Kurtz. Há evidência suficiente de que, antes<br />

de Oséias e Amós, Israel possuía uma lei escrita-compreendida em Ex. 20-24<br />

- mas o Pentateuco, como o conhecemos hoje, incluindo Levítico, parece<br />

não datar de muito antes de Jeremias, 445 AC. A lei levítica, contudo, foi tão<br />

somente a codificação dos estatutos e costumes cuja origem é bem anterior e<br />

que se crê ser a expansão natural dos princípios da legislação mosaica.<br />

L eathes, Structure of O.T., 5 4 - “O zelo pela restauração do templo após o<br />

exílio implica que bem antes ele tinha sido o centro da política nacional, que<br />

havia um rito e uma lei antes do exílio”. Present Day Tracts, 3.52 - As instituições<br />

levíticas não podiam ter sido estabelecidas por Davi. É inconcebível que<br />

ele “pudesse ter tomado uma tribo inteira e não sobrasse nenhum traço de<br />

tão revolucionária medida como o seqüestro das suas propriedades para fazê-<br />

los ministros religiosos”. J ames Robertson, Earty History of Israel: “A variada


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 5 5<br />

literatura de 850-750 a.C. implica a existência da leitura e escrita há bom<br />

tempo. Amós e Oséias sustentam no período pós-mosaico o mesmo esquema<br />

da história que os críticos modernos declaram não ser históricos, mas<br />

tardios. O século oitavo a.C. foi um período grandemente histórico quando<br />

Israel teve um relato a dar de si mesmo e da sua história. Os críticos apelam<br />

para os profetas, mas os rejeitam quando estes dizem que outros mestres<br />

ensinaram a mesma verdade antes deles e quando declaram que a sua<br />

nação recebeu o ensino de uma religião melhor e abriu mão dele, isto é, que<br />

tinha havido lei muito antes daquela época. Os reis não legislaram. Os sacerdotes<br />

propuseram-na. Deve ter havido um sistema de leis mais antigo do que<br />

admitem os críticos e também uma referência mais antiga ao seu culto, aos<br />

grandes eventos que fizeram deles um povo separado”. D illman recua mais e<br />

declara que Moisés pressupõe “um estágio preparatório da mais elevada<br />

religião em Abraão”.<br />

h) A partir das repetidas declarações da Escritura de que o próprio Moisés<br />

escreveu um a lei para o seu povo confirmadas pela evidência da atividade<br />

literária e legislativa em outras nações bem antes dessa época.<br />

Ex 24.4 - “Moisés escreveu todas as palavras do Senhor”; 34.27 - “Disse<br />

mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras; porque conforme o teor<br />

destas palavras tenho feito um concerto contigo e com Israel; Nm. 33.2 -<br />

“E escreveu Moisés as suas saídas, segundo as suas jornadas, conforme o<br />

mandado do Senhor”; Dt. 31.9 - “E Moisés escreveu esta lei e a deu aos<br />

sacerdotes, aos filhos de Levi, que levaram a arca do concerto do Senhor, e a<br />

todos os anciãos de Israel”; 22 - “Assim Moisés escreveu este cântico naquele<br />

dia e o ensinou aos filhos de Israel”; 24-26 - “E aconteceu que, acabando<br />

Moisés de escrever as palavras desta Lei num livro, até de todo as acabar,<br />

deu ordem Moisés aos levitas que levassem a arca do concerto do Senhor,<br />

dizendo: Tomai este livro da Lei e ponde-o ao lado da arca do concerto do<br />

Senhor, vosso Deus para que ali esteja por testemunha contra ti”. É possível<br />

que a Lei aqui mencionada seja só “o livro do concerto" (Ex. 20-24) e os<br />

discursos de Moisés em Deuteronômio tenham sido transmitidos oralmente.<br />

Mas o fato de que Moisés era “instruído em toda a sabedoria dos egípcios”<br />

(At. 7.22), juntamente com o fato de que a arte de escrever já era conhecida<br />

no Egito por muitas centenas de anos antes dele, torna mais provável que a<br />

maior porção do Pentateuco era de sua composição.<br />

K eyon, Hastings’ Dict., artigo: Escrita, data os Provérbios de Ptah-hotep, a<br />

primeira composição registrada no Egito, de 3580-3586 a.C. e afirma o livre<br />

emprego da escrita entre os habitantes sumerianos da Babilônia tão antigos<br />

como 4000 a.C. Os estatutos de Hamurábi, rei da Babilônia, comparam-se<br />

por extensão aos de Levítico, embora datem do tempo de Abraão, 2 200 a.C.;<br />

na verdade, Hamurábi é agora considerado por muitos como o Anrafel de<br />

Gn. 14.1. Contudo, tais estatutos antedatam Moisés em setecentos anos.<br />

É interessante observar que Hamurábi professa ter recebido seus estatutos<br />

diretamente do deus Sol de Sipar sua cidade capital. Kelso, Princeton Theol.<br />

Rev., juI., 1905.399-412 - Fatos “autenticam a data tradicional do livro do


2 5 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

concerto, lançam a fórmula profetas e lei, restauram a veiha Lei e Profetas e<br />

põem em perspectiva histórica a tradição de que Moisés foi o autor da legislação<br />

sinaítica”.<br />

Como a controvérsia com relação à genuinidade dos livros do Velho Testamento<br />

vieram com as reivindicações da mais alta crítica em geral e do Pentateuco<br />

em particular reunimos notas separadas sobre estes assuntos.<br />

A Alta Crítica em Geral. Alta Crítica não significa a critica em qualquer<br />

sentido insidioso, do mesmo modo que a Crítica da Razão Pura de Kant também<br />

não era um exame desfavorável ou destrutivo. É tão somente uma investigação<br />

desapaixonada da autoria, data e propósito dos livros da Escritura à<br />

luz da sua composição, estilo, e caraterísticas internas. Como a Baixa Crítica,<br />

a Alta é uma crítica de estrutura. Um ilustre francês descreveu a crítica literária<br />

como alguém que destrói uma boneca para obter a serragem que há dentro<br />

dela. Isto pode ser feito com espírito cético ou hostii e pode haver pouca<br />

dúvida de que algumas das mais elevadas críticas do A.T. tenham iniciado os<br />

seus estudos com predisposição contra o sobrenatural, o que tem viciado<br />

todas as conclusões. Tais pressuposições são freqüentemente inconscientes,<br />

mas nenhuma menos influente. Quando o Bispo Colenso examinou o<br />

Pentateuco e Josué, descartou qualquer intenção de atacar a narrativa miraculosa<br />

como tal; é como se ele tivesse dito: “meu querido peixinho, você não<br />

precisa ter medo de mim; eu não quero capturá-lo; eu só pretendo esgotar a<br />

água em que você vive”. Para muitos eruditos as águas parecem muito vagarosas<br />

no Hexateuco e, na verdade, em todo o A.T.<br />

S hakespeare fez mais: incorporou muitas das velhas crônicas de Plutarco<br />

e H olinshed e muitos contos italianos e tragédias antigas de outros escritores;<br />

mas Péricles e T ito A ndrônico ainda são tidos como de S hakespeare. Ainda<br />

agora falamos da “Gramática Hebraica de Gesênius”, apesar de que, das<br />

suas vinte e sete edições, catorze foram publicadas após a sua morte. Falamos<br />

do “Dicionário de Webstei", embora haja no seu todo milhares de palavras<br />

e definições que W ebster nunca viu. Francis B rown: “Um escritor moderno<br />

domina mais velhos registros e escreve um livro totalmente novo. O mesmo<br />

não acontece com os historiadores orientais. O que veio por ultimo, diz R enan,<br />

‘absorve os seus antecessores sem assimilá-los, de sorte que os mais recentes<br />

têm em seus fragmentos as obras anteriores num estado rudimentar’.<br />

O Diatessarão de Taciano é paralelo à estrutura composta dos livros do A.T.<br />

Uma passagem desenvolve as seguintes: Mt. 21.12a, Jo. 21.12a; Mt. 21.12b;<br />

Jo. 12.14b, 15; Mt. 21 12c, 13; Jo. 12.16; Mc. 11.16; Jo. 2.17-22; todos suce-<br />

dem-se sem quebra”. G ore, Lux Mundi, 353 - “Nada há materialmente inverí-<br />

dico, embora haja algo acrítico a atribuir a toda a legislação, ao atribuí-la toda<br />

a Moisés agindo sob o mando divino. Apenas uma parte da coleção dos Salmos<br />

proveio de Davi e o mesmo acontece com os Provérbios de Salomão”.<br />

Os opositores da Alta Crítica têm muito a dizer como réplica. S ayce, Early<br />

Historyofthe Hebrews, sustenta que os primeiros capítulos de Gênesis foram<br />

copiados de fontes babilônicas, mas insiste em data mosaica ou pré-mosaica<br />

da sua cópia. H ilprecht, contudo, declara que a fé monoteísta de Israel nunca


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

podia proceder “da babilônica montanha de deuses - do mausoléu cheio de<br />

corrupção e de ossos humanos”. B issell, Genesis Printed in Colors, Introd., iv<br />

- “É improvável que tantas histórias documentares existissem há tanto tempo<br />

e que, existindo, o compilador tivesse tentado combiná-las. É estranho que o<br />

mais antigo fosse J e que fosse empregada a palavra ‘Yahweh’ enquanto<br />

mais tarde P empregasse ‘Elohim’, quando ‘Yahweh’ seria mais adequado ao<br />

Código Sacerdotal.... xiii - As tábuas babilônicas contêm numa narrativa contínua<br />

os mais proeminentes fatos das alegadas seções eloístas, como os<br />

jeovistas de Gênesis e os apresentam especialmente na ordem bíblica. Várias<br />

centenas de anos antes de Moisés o que os críticos chamam dois fosse um.<br />

É um absurdo dizer que a unidade se deve a um redator do período do exílio<br />

em 444 a.C. Aquele que crê que Deus se revela ao homem primitivo como um<br />

Deus, verá na história acadiana uma corrupção politeísta da monoteísta original”.<br />

Não devemos avaliar a antigüidade de um par de botas pelo remendo<br />

que o sapateiro acrescentou; nem devemos avaliar a antigüidade de um livro<br />

da Escritura pelas glosas e explicações posteriormente acrescidas pelos editores.<br />

O London Spectator assinala sobre o problema homérico: “É impossível<br />

que um poema, ou obra de arte, de primeiro nível se produza sem a mente<br />

de um grande mestre que, a princípio, concebe o todo como um refinado<br />

touro vivo se desenvolve a partir de salsichas de boi”. A seguir, veremos ainda<br />

que estes pronunciamentos atribuem valor elevado à unidade do Pentateuco<br />

e ignoram algumas evidências marcantes do seu desenvolvimento gradual e<br />

de sua estrutura composta.<br />

A Autoria do Pentateuco em particular. Recentes críticos, especialmente<br />

Kuenen e R obertson S mith, têm sustentado que o Pentateuco é mosaico só no<br />

sentido de ser um agrupamento da lei tradicional em desenvolvimento gradual,<br />

que foi codificado, quando muito tarde, no tempo de Ezequiel e, com o<br />

desenvolvimento do espírito e ensino do grande legislador, recebeu por<br />

ficção legal o nome de Moisés que lhe foi atribuído. Por isso, a verdadeira<br />

ordem da composição é: 1) O Livro do Concerto (Ex. 20-23); 2) Deuteronômio;<br />

3) Levítico. Entre as razões atribuídas a este ponto de vista estão os<br />

fatos: a) que Deuteronômio termina com o relato da morte de Moisés e, por<br />

isso, não podia ter sido escrito por ele; b) que os levitas, no livro de Levítico,<br />

são meros servos dos sacerdotes enquanto em Deuteronômio os sacerdotes<br />

são os levitas em exercício; isto é, todos os levitas são sacerdotes; c) que os<br />

livros de Juizes e 1 Samuel com o seu registro de sacrifícios oferecidos em<br />

muitos lugares não apresentam nenhuma evidência de que Samuel ou a<br />

nação de Israel tivesse qualquer conhecimento de uma lei que limitasse o<br />

culto a um santuário local.<br />

Em resposta tem-se argumentado 1) que Moisés pode ter escrito não em<br />

forma autobiográfica, mas, através de um escriba (talvez Josué) e que este<br />

pode ter completado a história em Deuteronômio com o relato da história de<br />

Moisés; 2) que Esdras ou os profetas que lhe sucederam podem ter sujeitado<br />

o Pentateuco a uma recensão e acrescentado notas explicativas; 3) que os<br />

documentos de épocas anteriores podem ter sido incorporados, durante a<br />

sua composição por Moisés, ou subseqüentemente por seus sucessores;<br />

4) que a aparente falta de distinção entre as diferentes classes de levitas em<br />

Deuteronômio podem ser explicadas pelo fato de que, conquanto Levítico foi<br />

2 5 7


2 5 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

escrito com pormenor exato para os sacerdotes, Deuteronômio é o registro<br />

de um sumário geral e a orla da lei dirigido ao povo em geral e, por isso,<br />

naturalmente menciona o clero como um todo; 5) que o silêncio do livro de<br />

Juizes quanto ao ritual mosaico pode ser explicado pelo propósito do livro de<br />

contar apenas a história geral e pela probabilidade de que, no tabernáculo,<br />

observava-se um ritual que o povo em geral ignorava. Os sacrifícios em<br />

outras partes acompanhavam apenas as manifestações divinas especiais que<br />

tornavam o destinatário temporariamente um sacerdote. Ainda que se provasse<br />

que a lei relativa a um santuário central não fosse observada não mostraria<br />

a não existência da lei, nem que a violação do segundo mandamento<br />

por Salomão prova sua ignorância do decálogo ou a negligência medieval do<br />

N.T. pela Igreja Romana prova que o N.T. não existia. Não podemos argumentar<br />

que “onde não havia transgressão não havia lei” (W atts, New Apolo-<br />

getic, 83 e a The Newer Cristicism).<br />

À luz de recente pesquisa, contudo, não podemos considerar satisfatórias<br />

estas respostas. W oods, em seu artigo sobre o Hexateuco, Hastings’ Dict.,<br />

2.365, apresenta uma declaração moderada dos resultados da alta crítica<br />

que se nos recomenda como mais fidedigna. Ele a chama de teoria da estra-<br />

tificação e sustenta que “alguns documentos mais ou menos independentes<br />

que tratam da mesma série de eventos foram compostos em diferentes períodos<br />

ou diferentes auspícios e mais tarde combinados de modo que o nosso<br />

atual Hexateuco, que nada mais é que o Pentateuco + Josué, contém estes<br />

vários estratos literários diferentes. ... Eis as principais bases para que se<br />

aceite a hipótese da estratificação: 1) que as várias peças literárias, com poucas<br />

exceções, encontram-se para exame para arranjo através das caraterís-<br />

ticas comuns em grupos relativamente pequenos; 2) que uma consecução<br />

original da narrativa pode freqüentemente ser traçada entre o que, na sua<br />

presente forma são os fragmentos isolados.<br />

Pode-se entender melhor isto através da seguinte ilustração. Suponhamos<br />

um problema deste tipo: Dada uma colcha de retalhos, aplique o caráter<br />

das peças originais de que foram feitos os retalhos. Notamos em primeiro<br />

lugar que, conquanto as cores bem podem mesclar-se, embora possam formar<br />

um todo bonito e completo, muitas das peças não são do mesmo material,<br />

da mesma textura, do mesmo padrão, cor etc. Ergo (logo, portanto), elas<br />

foram feitas de peças de estofo bem diferente. ... Mas suponhamos que mais<br />

tarde cheguemos a descobrir que muitos dos retalhos, embora agora separados,<br />

são semelhantes uns aos outros quanto ao material, textura, etc.,<br />

podemos conjeturar que estes foram cortados de uma única peça. Porém<br />

provaremos isto além de qualquer dúvida razoável, se encontrarmos diversos<br />

retalhos, quando não os unirmos, de modo que o padrão de um seja a<br />

continuação de outro; e ainda mais, se todos os de igual tipo formam, por<br />

assim dizer, quatro grupos; cada um dos quais foi anteriormente uma peça<br />

do estofo, embora as peças de cada um estejam em falta, porque, sem<br />

dúvida, não se exigiu que cada qual formasse o todo. Mas estreitaremos<br />

mais a analogia do Hexateuco se supusermos que, em certas partes, a colcha<br />

de retalhos que pertence, digamos, a dois destes grupos combina a tal<br />

ponto que forme um padrão subsidiário dentro de um padrão maior da colcha<br />

inteira; evidentemente foram costuradas umas das suas partes às outras;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 5 9<br />

podemos estreitar mais se supusermos que, além dos retalhos mais importantes,<br />

acrescentaram-se outros menores enfeites, bordados, etc. a fim de<br />

melhorar o efeito do todo”.<br />

Em seguida, o autor deste artigo assinala três partes do Hexateuco que<br />

diferem essencialmente entre si. Há três códigos distintos: o do Concerto (C<br />

= Ex. 20.22-23.33 e 24.3-8), o do Deuteronômio (D) e o Sacerdotal (P) (= do<br />

Inglês Priest). Tais códigos relacionam-se peculiarmente com a narrativa do<br />

Hexateuco. Por exemplo, em Gênesis, “a grande parte do livro divide-se em<br />

grupos de maiores ou menores pedaços, em geral parágrafos ou capítulos<br />

que se distinguem, respectivamente, pelo emprego exclusivo de Elohim ou<br />

de Yahweh como o nosso Deus”. Chamemos tais porções de J e E. Porém<br />

encontraremos tão estreitas afinidades entre C e JE que podemos considerá-los<br />

substancialmente um. Veremos que a parte maior das narrativas,<br />

diferentemente das leis de Êxodo e de Números pertencem a JE, enquanto,<br />

com exceções especiais, as porções legais pertencem a P. Nos últimos<br />

capítulos de Deuteronômio e em todo o livro de Juizes encontramos elementos<br />

do JE. Neste livro encontramos também elementos que estão em<br />

conexão com D.<br />

“Convém observar que não encontramos aqui e ali trechos separados no<br />

Hexateuco, que, pelos seus caracteres, pertencem a estas três fontes, JE, D<br />

e P, mas trechos que apresentarão freqüentemente conexão através de uma<br />

óbvia continuidade do assunto quando reunidos a pedaços de remendos na<br />

mencionada ilustração. Por exemplo: Selerm ossem parar Gn. 11.17-32; 12.4b,<br />

5; 13.6a, 11b, 12e; 16.1a, 3, 15 16; 17; 19.29; 21.1a, 2b-5; 23; 25.7-11a -<br />

passagens principalmente com outras bases atribuídas a P, obteremos um<br />

quase contínuo e completo, apesar de muito conciso, relato da vida de Abraão”.<br />

Podemos admitir a substancial correção do ponto de vista assim proposto.<br />

Isto simplesmente mostra o verdadeiro método de D fazer o registro da sua<br />

revelação. Podemos acrescentar que qualquer erudito que admita que Moisés<br />

não escreveu o relato da sua morte e sepultamento no último capítulo<br />

de Deuteronômio ou que reconheçam dois relatos diferentes da criação em<br />

Gênesis caps. 1 e 2 já começaram uma análise do Pentateuco e aceitaram os<br />

princípios essenciais da alta crítica.<br />

II. CREDIBILIDADE DOS ESCRITORES DA BÍBLIA<br />

Tentaremos provar isto apenas sobre os escritores dos evangelhos; pois, se<br />

eles são testemunhas dignas de crédito, a credibilidade do Velho Testamento,<br />

de que eles dão testemunho, vem como conseqüência.<br />

1. Eles são testemunhas capazes ou competentes, isto é, possuem real<br />

conhecimento relativo aos fatos que professam, d) Tiveram oportunidade de<br />

observar e inquirir, b) Eram homens sóbrios e de discernim ento e não podiam<br />

por si mesmos ser enganados, c) As circunstâncias eram tais que os eventos de<br />

que eles testemunhavam im pressionavam de m odo profundo as suas mentes.


2 6 0 Augustus Hopkins Strong<br />

2. Eles são testemunhas honestas. Isto é evidente ao considerar que: a) Seu<br />

testemunho não põe em perigo os interesses terrenos, b) A elevação moral de<br />

seus escritos e a sua m anifesta reverência pela verdade e pelo seu constante<br />

inculcar relativo m ostra que eles não eram enganadores intencionais, mas<br />

homens de bem. c) Há indicações menores da honestidade destes escritores no<br />

elemento circunstancial de sua narrativa, na ausência de expectação de que<br />

elas seriam questionadas na sua liberdade de toda a disposição de protegê-las<br />

ou proteger os apóstolos de qualquer censura.<br />

3. Os escritos dos evangelistas recíproca e simultaneamente apoiam-se.<br />

Apresentamos sua credibilidade com base no número e consistência do seu<br />

testemunho. Conquanto haja suficiente discrepância ao m ostrar que não tem<br />

havido conluio entre eles, há concorrência bastante para tornar a falsidade<br />

deles todos infinitam ente improvável. Quatro pontos sob este tópico merecem<br />

menção: a) Os evangelistas são testem unhas independentes. Isto suficientemente<br />

se dem onstra nas tentativas de provar que qualquer um deles abreviou<br />

ou transcreveu o outro, b) As discrepâncias entre eles não são nada irreconci-<br />

liáveis com a verdade dos fatos registrados, mas só apresentam os fatos sob<br />

novas luzes ou com porm enor adicional, c) O fato de que estas testemunhas<br />

eram amigas de Cristo não diminui o valor de seu depoimento unido, visto que<br />

seguiram Cristo só porque estavam convencidas de que os fatos eram verdadeiros.<br />

d) Conquanto um a testem unha dos fatos do cristianismo podia estabelecer<br />

sua verdade, a evidência com binada das quatro testem unhas nos dá<br />

garantia pela fé nos fatos do evangelho tal como não possuímos de nenhum<br />

outro fato na historia antiga qualquer que seja. A m esm a regra que recusa a<br />

crença nos eventos registrados nos evangelhos “lançaria dúvida sobre qualquer<br />

evento na história”.<br />

Ninguém assina ou pode assinar duas vezes precisamente do mesmo<br />

modo. Por isso, quando duas assinaturas apostas pela mesma pessoa, são<br />

precisamente iguais, conclui-se com segurança que uma delas é falsa. Compare<br />

o testemunho combinado dos evangelistas com o dos nossos cinco sentidos.<br />

“Admitamos”, diz o D r. C. E. R ider, “que as possibilidades de equívoco<br />

sejam de um décimo, quando empregamos só os nossos olhos, um vigésimo,<br />

quando empregamos só os nossos ouvidos, um quarenta avos só o tato; quais<br />

serão elas, se empregarmos todos ao mesmo tempo? O verdadeiro resultado<br />

se obtém multiplicando estas proporções. Isto resulta um para oito mil”.<br />

4. Conformidade do testemunho do evangelho com a experiência. Já mostramos<br />

que, aceitando a realidade do pecado e a necessidade de um a atestada<br />

revelação de Deus, os milagres não podem fornecer pressuposição alguma


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 6 1<br />

contra o testemunho dos que registram tal revelação, mas como essencialmente<br />

pertencem a tal revelação, os milagres podem ser provados pelo mesmo tipo<br />

e grau de evidência como se requer na prova de qualquer fato extraordinário.<br />

Podemos declarar, então, que nas histórias do Novo Testamento não há nenhum<br />

registro de fatos não testemunhados na experiência com um - nos quais, portanto,<br />

podemos crer se a evidência em outros respeitos é suficiente.<br />

5. Coincidência deste testemunho com os fatos e circunstâncias colaterais.<br />

Sob este tópico podemos fazer referência a) às inúmeras correspondências<br />

entre as narrativas dos evangelistas e a história contemporânea; b) o insucesso<br />

de cada tentativa longe de m ostrar que a história sagrada é contraditada por<br />

qualquer simples fato derivado de outras fontes; c) a infinita improbabilidade<br />

de que esta pequena e incom pleta harm onia sempre deve ter sido assegurada<br />

em narrativas fictícias.<br />

6. Conclusão a partir do argumento para a credibilidade dos escritores dos<br />

evangelhos. Tendo sido provado que estes escritores são testemunhas dignas<br />

de crédito, suas narrativas, incluindo os relatos dos milagres e profecias de<br />

Cristo e de seus apóstolos devem ser aceitos como verdadeiros. M as Deus não<br />

operaria milagres ou revelaria o futuro para atestar reivindicações de falsos<br />

mestres. Cristo e seus apóstolos devem, portanto, ter sido o que eles reivindicavam<br />

ser, mestres enviados por Deus e a sua doutrina, revelação de Deus aos<br />

homens.<br />

Nenhum apologista moderno apresenta o argumento para a credibilidade<br />

do N.T. com maior clareza e força do que Paley, Evidences, caps. 8-10 -<br />

“Nenhum fato histórico é mais certo do que os primitivos propagadores do<br />

evangelho voluntariamente sujeitaram-se a viver em fadiga, perigo e sofrimento<br />

no prosseguimento da sua empreitada. A natureza do empreendimento,<br />

o caráter das pessoas que nele se empenharam, a oposição dos seus<br />

princípios às expectações fixadas do país em que no início os impulsionavam,<br />

sua indisfarçável condenação da religião dos outros países, sua total<br />

falta de poder, autoridade ou força tornam, no mais elevado grau, provável<br />

que este deve ter sido o caso.<br />

“A probabilidade aumenta quando conhecemos o destino do Fundador da<br />

instituição, o qual foi morto por atentado e pelo que também sabemos do<br />

cruel tratamento dos convertidos à instituição trinta anos após o seu início -<br />

ambos pontos atestados pelos escritores pagãos e, uma vez admitidos, achamos<br />

incrível que os primeiros emissários da religião, que exerciam seu ministério<br />

entre os que tinham destruído o seu Mestre, e mais tarde entre os que<br />

perseguiram os convertidos, sairiam impunes ou continuariam no propósito<br />

tranqüilos e seguros.


262 Augustus Hopkins Strong<br />

“Tal probabilidade defendida pelo testemunho estrangeiro, evolui, penso<br />

eu, para a certeza histórica através da evidência dos nossos próprios livros,<br />

através dos relatos de um escritor que foi companheiro de pessoas cujos<br />

sofrimentos ele relata, pelas cartas das próprias pessoas, através de predi-<br />

ções das perseguições atribuídas ao Fundador da religião, que as predições<br />

não seriam inseridas nesta história, muito menos os estudos se fixariam, se<br />

não estivessem de acordo com o evento e que, mesmo que falsamente atribuídas<br />

a ele, só poderiam sê-lo porque o evento as sugeria; por fim, através<br />

de incessantes exortações ao fortalecimento e à paciência e por seriedade a<br />

repetição e urgência sobre o assunto que deveria diferentemente ter aparecido<br />

se não tivesse havido naquela época alguma chamada extraordinária para<br />

o exercício de tais virtudes. Escreveu-se, penso eu, com suficiente evidência<br />

que, tanto os mestres quanto os convertidos à religião em conseqüência da<br />

nova profissão seguiram um novo curso de vida e conduta.”<br />

“A questão seguinte é para que faziam isso. Era para uma história miraculosa<br />

do mesmo gênero, visto que para a prova de que o Jesus de Nazaré<br />

devia ser recebido como Messias, ou como mensageiro de Deus, eles nem<br />

tinham, nem podiam basear-se em qualquer coisa a não ser nos milagres. ...<br />

Se isto é assim, a religião deve ser verdadeira. Estes homens não podiam ser<br />

enganadores. Bastava não darem testemunho para que eles pudessem ter<br />

evitado todos estes sofrimentos e viver tranqüilamente. Homens em tais circunstâncias<br />

fingiriam ter visto o que nunca viram; afirmariam fatos de que não<br />

tinham conhecimento algum; andariam mentindo a fim de ensinar a virtude e,<br />

embora não só convencidos de que Cristo era um impostor, mas, tendo visto<br />

o sucesso da sua impostura na crucificação, ainda persistiam em trazer sobre<br />

si, por nada e, com pleno conhecimento das conseqüências, a inimizade, o<br />

ódio, o perigo e a morte?”<br />

Contudo, os que sustentam isto requerem que creiamos que os escritores<br />

da Bíblia eram “vilões cujo fim não era outro senão ensinar a honestidade, e<br />

mártires sem a mínima perspectiva de honra ou vantagem”. A impostura deve<br />

ter um motivo. A devoção própria dos apóstolos é a mais forte evidência da<br />

verdade, pois até mesmo Hume declara que “não podemos fazer uso de um<br />

argumento mais convincente em prova da honestidade do que provar que as<br />

ações atribuídas a quaisquer pessoas contrariam o curso da natureza e que<br />

nenhum motivo humano, em tais circunstâncias, poderia induzi-los a tal conduta”.<br />

III. O CARÁTER SOBRENATURAL DO ENSINO DA ESCRITURA<br />

1. O ensino da E scritura em g eral<br />

A) A Bíblia é obra de um a mente:<br />

a) Apesar da variedade da sua autoria e da grande separação de seus escritores<br />

““"“3 si no tempo, há uma unidade de assunto, espírito e objetivo em seu todo.<br />

Começamos aqui um novo departamento das evidências cristãs. Deste<br />

modo temos acrescentado apenas a evidência externa. Agora voltamos a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 6 3<br />

nossa atenção para a evidência interna. A relação entre aquela e esta parece<br />

ser sugerida em duas perguntas de Cristo em Mc. 8.27,29 - “Quem dizem os<br />

homens que eu sou? ... quem dizeis que eu sou?” A unidade na variedade<br />

apresentada na Escritura é uma das principais evidências internas. Tal unidade<br />

está indicada na palavra “Bíblia”, no singular. Contudo, a palavra original<br />

era “Bíblia” no plural. O mundo passou a ver uma unidade no que outrora<br />

eram fragmentos: os muitos “bíblia" (livros) tornaram-se uma Bíblia. Num sentido<br />

a controvérsia de R. W. E merson é verdadeira: “A Bíblia não é somente<br />

um livro”. Ela é formada de sessenta e seis, escritos por quarenta autores de<br />

todos os níveis: pastores, pescadores, sacerdotes, estadistas, reis, compondo<br />

suas obras num período de dezessete séculos. Evidentemente não é possível<br />

nenhum conluio entre eles. O ceticismo tende sempre a atribuir às Escrituras<br />

maior variedade de autoria e data, mas tudo isto aumenta a maravilha<br />

da unidade da Bíblia. Se é notável a unidade em meia dúzia de escritores, é<br />

de estarrecer o mesmo fato em se tratando de quarenta. Os bem diversos<br />

instrumentos desta orquestra executam uma música perfeita; por isso sentimos<br />

que eles são regidos por um maestro e compositor”. Contudo, o mesmo<br />

Espírito que inspirou a Bíblia ensina a sua unidade. A unidade não é exterior<br />

ou superficial, mas interior e espiritual.<br />

b) Nenhum pronunciamento moral ou religioso de todos estes escritores<br />

foi contraditado ou derrotado pelos pronunciam entos dos que vieram mais<br />

tarde, mas todos constituem um sistema consistente.<br />

Devemos aqui estabelecer a distinção entre a forma exterior e a substância<br />

moral e religiosa. Jesus declara em Mt. 5.21,22,27,28,33,34,38,39,43,44,<br />

“Ouvistes o que foi dito aos antigos ... eu porém vos digo” e, à primeira vista,<br />

parece que ele veio ab-rogar alguns dos mandamentos originais. Mas ele<br />

também declara nesta conexão: Mt. 5.17,18 - “Não penseis que vim destruir<br />

a Lei ou os profetas; eu não vim destruir, mas cumprir. Porque, em verdade<br />

vos digo que, até que o céu e a terra passem nem um j nem um til se omitirá<br />

da Lei sem que tudo seja cumprido”. Os novos mandamentos de Cristo apenas<br />

revelam o sentido oculto dos antigos. Ele não os cumpre na sua forma<br />

natural, mas em seu espírito essencial. Deste modo, o N.T. completa a revelação<br />

do A.T. e dá à Bíblia uma unidade perfeita. Nesta unidade a Bíblia ocupa<br />

um lugar ímpar. Os livros religiosos hindus, persas e chineses não contêm<br />

nenhum sistema de fé consistente. Há progresso na revelação desde os mais<br />

antigos até os mais recentes livros da Bíblia, mas não através de sucessivos<br />

passos de falsidade; há progresso a partir do menos para o mais claro desdobramento<br />

da verdade. A verdade total, em germe, encontra-se no proto-evan-<br />

gelho proferido aos nossos primeiros pais (Gn. 3.15 - a semente da mulher<br />

esmagaria a cabeça da serpente).<br />

c) Cada um desses escritos, quer antigos quer tardios, têm representado<br />

idéias morais e religiosas em grande avanço na época em que apareceram e<br />

essas idéias ainda dirigem o mundo.


2 6 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Todas as nossas idéias com todo o espírito progressista do cristianismo<br />

moderno devem-se às Escrituras. As nações clássicas não tinham tais idéias<br />

nem tal espírito a não ser quando os herdaram dos hebreus. A profecia de<br />

V irgílio em sua quarta Écloga, sobre a vinda de uma virgem e do reino de<br />

Saturno e a volta do período áureo era apenas o eco dos livros sibilinos e da<br />

esperança de um Redentor com a qual os judeus fermentaram o mundo<br />

romano todo.<br />

d) É impossível dar conta dessa unidade sem supor tal sugestão sobrenatural<br />

e controle que a Bíblia, enquanto em suas variadas partes escrita por agentes<br />

humanos, é ainda igualmente a obra de um a inteligência sobre-humana.<br />

Podemos contrastar as contradições e refutações que seguem simplesmente<br />

as filosofias humanas com a harmonia entre os diferentes escritores<br />

da Bíblia - p.ex., o idealismo hegeliano e o materialismo de Spencer. Hegel é<br />

“um nome para jurar como também pelo qual jurar”. O Dr. S tirling, Secret of<br />

Hegel, “guarda todo o segredo para si, se é que o conhece”. Uma ocasião um<br />

francês perguntou a H egel se ele não podia englobar e expressar sua filosofia<br />

em uma sentença. “Não”, respondeu Hegel, “pelo menos em francês”. Se for<br />

verdadeira a máxima de T a lle yra n d de que aquilo que não for inteligível não é<br />

francês, a resposta de Hegel está correta. H egel dizia a respeito dos seus<br />

discípulos: “I<br />

G oeschel, G abler, D aub, M arheinecke, Erdmann, são a ala direita de H egel,<br />

ou representantes ortodoxos e seus seguidores no cam po da teologia. H egel<br />

é seguido por A lexander e B radley na Inglaterra, m as contraditado por S eth e<br />

S chiller. U pton, Hibbert Lectures, 279-300, dá grandioso valor à sua posição<br />

e influência: Hegel é todo pensam ento e vontade. A oração não tem nenhum<br />

efeito para Deus; é um fenôm eno parapsicológico. Não existe livre vontade; o<br />

pecado hum ano assim com o a santidade é m anifestação do Eterno. A evolução<br />

é um fato, m as só a evolução fatalista. C ontudo, H egel prestou o grande<br />

serviço de substituir o conhecim ento da realidade em favo r da relatividade<br />

opressiva kantiana e, através do banim ento da antiga noção de m atéria com o<br />

substância m isteriosa inteiram ente diferente e incom patível com as propriedades<br />

da m ente. Ele tam bém prestou o grande serviço de m ostrar que as<br />

interações m atéria e m ente só se^explicam pela presença do Todo Absoluto<br />

em cada parte, em bora estivesse grandem ente errado ao explicar que a idéia<br />

da unidade Deus/hom em além dos seus lim ites próprios e ao negar que Deus<br />

deu à vontade do hom em qualquer poder de se colocar em antagonism o à<br />

vontade do próprio Deus. H egel presta um grande serviço ao m ostrar que não<br />

podem os conhecer nem m esm o a parte se não conhecerm os o todo, mas<br />

erra ao ensinar, com o T. S. G reen, que as relações constituem a realidade<br />

da coisa. Ele priva tanto a existência física com o a psíquica do grau de individualidade<br />

ou de independência essencial tanto à ciência com o à religião.<br />

Não querem os a m era idéia, m as a sua verd adeira força; não o mero pensam<br />

ento, m as a verd ad eira vontade.<br />

B) A mente que fez a Bíblia é a m esm a que fez a alma, porque a Bíblia<br />

adapta-se divinamente à alma:


a) M ostra completo conhecimento da alma.<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 6 5<br />

A Bíblia se destina a todas as partes da natureza do homem. Existem a<br />

Lei e as Epístolas em benefício da razão do homem; os Salmos e os Evangelhos<br />

para os sentimentos; os Profetas e as Revelações para a sua imaginação.<br />

Daí a popularidade das Escrituras. Sua variedade sustenta os homens.<br />

A Bíblia entrelaçou-se à vida moderna. Lei, literatura, arte, tudo isso molda a<br />

sua influência.<br />

b) Julga a alma - contraditando suas paixões, revelando sua culpa e humilhando<br />

seu orgulho.<br />

Nenhum produto da mera natureza humana pode contemplá-la e condená-la.<br />

A Bíblia nos fala a partir de um nível mais elevado. As palavras da<br />

mulher samaritana aplicam-se a todo o orbe da revelação divina; conta-nos<br />

todas as coisas que fazemos (Jo. 4.29). Um brâmane declarou que Rm. 1,<br />

com toda a sua descrição dos vícios pagãos, deve ter sido forjado depois que<br />

os missionários vieram à índia.<br />

c) Vai ao encontro das mais profundas necessidades da alma - através de<br />

soluções de seus problemas, revelações do caráter de Deus, apresentações do<br />

caminho do perdão, consolações e promessas de vida e de morte.<br />

Nem Sócrates, nem S êneca realçaram a natureza, a origem e as conseqüências<br />

do pecado cometido contra a santidade de Deus, nem assinalaram o<br />

caminho do perdão e da renovação. A Bíblia nos ensina o que a natureza não<br />

pode, isto é: a criação de Deus, a origem do mal, o método da restauração, a<br />

certeza do estado futuro e o princípio do galardão e do castigo.<br />

d) Contudo, silencia a respeito de muitas questões para as quais os escritos<br />

de origem puramente hum ana buscam prover soluções.<br />

Compare o relato da infância de Jesus com as fábulas dos Apócrifos do<br />

N.T.: observe as raras afirmações da Escritura relativas ao futuro com as<br />

revelações de Maomé e Swedenborg sobre o Paraíso.<br />

e) H á abismos infinitos e inesgotáveis alcances de sentido na Escritura,<br />

que a diferenciam de outros livros e que nos com pelem a crer que seu autor<br />

deve ser divino.<br />

S ir W alter Scott, no seu leito mortal: “Traze-me o livro!” “Que livro?” disse<br />

Lockhart, seu genro. “Há apenas um livro”, disse o moribundo. R eville<br />

conclui um Ensaio na Revue des deux Mondes (1864): “Um dia começou a<br />

perguntar numa assembléia que livro condenava o homem à prisão perpétua


266<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

e a quem seria permitido levar à cela a não ser um livro. O grupo era formado<br />

de católicos, protestantes, filósofos e até mesmo de materialistas, mas todos<br />

concordavam em que a sua escolha recairia sobre a Bíblia”.<br />

2. Sistem a M o ral do Novo Testamento<br />

Geralm ente admite-se a perfeição deste sistema. Todos admitirão que ele<br />

ultrapassa grandem ente qualquer outro sistem a conhecido entre os homens.<br />

Entre suas características distintivas podem ser mencionadas:<br />

a) Sua compreensibilidade, incluindo todos os deveres do homem em seu<br />

código, mesmo os geralmente menos compreendidos e negligenciados enquanto<br />

não permite nenhum vício qualquer que seja.<br />

O budismo considera a vida familiar como pecaminosa. Muitos filósofos<br />

antigos condenavam o suicídio. Entre os espartanos, o furto era louvável; só<br />

quando apanhados roubando considerava-se crime. Os tempos clássicos desprezavam<br />

a humildade. T homas Paine dizia que o cristianismo cultivava “o<br />

espírito de um bajulador” e J. S. Mill afirmava que Cristo ignorava os deveres<br />

para com o estado. Contudo, Pedro estimula os cristãos a acrescentarem à<br />

sua fé a varonilidade, a coragem, o heroísmo (2 Pe. 1.5 - “acrescentai à<br />

vossa fé a virtude”), e Paulo declara que o estado é uma instituição de Deus<br />

(Rm. 13.1 - “Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não<br />

há autoridade que não venha de Deus e as autoridades foram ordenadas por<br />

Deus”). A defesa patriótica da unidade nacional e da liberdade sempre tem o<br />

seu principal estímulo e base nestas injunções da Escritura. E. G. Robinson:<br />

“A ética cristã não contém nenhuma partícula de palha - é feita toda de puro<br />

trigo”.<br />

b) Sua espiritualidade, não aceitando nenhum a conform idade simplesmente<br />

exterior com os preceitos justos, mas julgando toda ação através dos pensamentos<br />

e motivos dos quais ela surge.<br />

A superficialidade da moral pagã é bem ilustrada pelo tratamento do<br />

cadáver de um sacerdote em Sã: Cobre-se o corpo com folhas douradas e<br />

depois deixa-se apodrecer e brilhar. O paganismo divorcia a religião da ética.<br />

As observâncias exteriores e cerimoniais tomam o lugar da pureza do coração.<br />

Por outro lado, o Sermão da Montanha pronuncia a bênção somente<br />

sobre o estado interior da alma. SI. 51.6 - “Eis que amas a verdade no íntimo<br />

e no oculto me fazes conhecer a sabedoria”; Mq. 6.8 - “o que é que o Senhor<br />

pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a beneficência e andes<br />

humildemente com teu Deus?”<br />

c) A simplicidade, inculcando princípios ao invés de impor regras; reduzindo<br />

estes princípios a um sistem a orgânico; e estabelecendo conexão deste


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 6 7<br />

sistema com a religião, resumindo todo o dever humano a um a ordem do amor<br />

a Deus e ao próximo.<br />

O cristianismo não apresenta nenhum extenso código de regras como o<br />

dos fariseus ou dos jesuítas. Tais códigos sucumbem sob o seu próprio peso.<br />

As leis do estado de Nova Iorque constituem apenas uma biblioteca própria<br />

que são de domínio exclusivo dos juristas. Conta-se que o maometano tem<br />

registrados sessenta e cinco mil exemplos especiais em que o leitor é orientado<br />

como agir corretamente. O mérito do sistema de Jesus é que todos os<br />

requisitos se reduzem a um. Mc. 12.29-31 - ‘‘Ouve, Israel, o Senhor, nosso<br />

Deus, é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração,<br />

e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas<br />

forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é;<br />

Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do<br />

que estes”. W endt, Teaching of Jesus, 2.384,814, chama a atenção para a<br />

unidade interior do ensino de Jesus. A doutrina de que Deus é um Pai amoroso<br />

aplica-se com incontestável consistência. Jesus confirmava tudo o que é<br />

verdadeiro no A.T. e punha de lado o que é indigno. Ele não ensina tanto a<br />

respeito de Deus e do seu reino e da comunhão ideal entre Deus e o homem.<br />

A moralidade é a expressão necessária e natural da religião. Em Cristo, ensino<br />

e vida se mesclam. Ele representa a religião que ensina.<br />

d) Sua praticabilidade, exemplificando seus preceitos na vida de Jesus Cristo;<br />

e enquanto declara a depravação e incapacidade do hom em de guardar a<br />

lei, fornecendo motivos para a obediência e o auxílio do Espírito Santo para<br />

torná-la possível.<br />

A revelação tem dois lados: A lei moral e a provisão para o cumprimento<br />

da lei moral, que foi quebrada. Os sistemas pagãds^podem incitar reformas<br />

temporárias e podem aterrorizar com ameaças de castigo. Mas só a graça<br />

regeneradora de Deus pode tornar boa a árvore de tal sorte que o seu fruto<br />

também seja bom (Mt. 12.33). Há diferença entre tocar o pêndulo do relógio e<br />

dar corda neste: aquilo pode pô-lo temporariamente em movimento, mas isto<br />

pode garanti-lo regular e permanente. O sistema moral do N.T. não é meramente<br />

uma lei; é também graça: Jo. 1.17 - “a lei foi dada por Moisés; a graça<br />

e a verdade vieram por Cristo”. O trato do D r. W illiam A shmore representa um<br />

chinês num poço. Confúcio olha para o poço e diz: “Se você tivesse feito o<br />

que eu lhe disse você nunca teria entrado aí”. Buda olha para dentro do poço<br />

e diz: “Se você estivesse aqui em cima eu lhe mostraria o que fazer”. Deste<br />

modo procedem tanto Confúcio quanto Buda. Jesus salta para dentro do poço<br />

e ajuda o pobre chinês a sair.<br />

No Congresso de Religiões em Chicago foram propostos muitos ideais de<br />

vida, mas nenhuma religião a não ser o cristianismo mostrou que há poder<br />

para realizar tais ideais. Quando J oseph C ook desafiou os sacerdotes das<br />

religiões antigas a responderem a pergunta de Lady M acbeth: “Como limpar o<br />

vermelho desta mão direita?” os sacerdotes emudeceram. Mas o cristianismo


2 6 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

declara que “o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado”<br />

(1 Jo. 1.7). E. G. Robinson: O cristianism o, é diferente de todas as outras<br />

religiões porque 1) é um a religião histórica; 2) porque torna a lei abstrata em<br />

um a pessoa a s e r am ada; 3) porque fornece um a dem onstração do am or de<br />

Deus em Cristo; 4) porque provê a expiação do pecado e o perdão do pecador;<br />

5) porque dá força para cum prir a lei e san tifica a vida. Bowne, Philos. of<br />

Theism, 249 - “O cristianism o, tornando a lei m oral a expressão da Santa<br />

V ontade, tirou aquela lei da abstração im pessoal e garantiu-lhe o triunfo final.<br />

Os princípios m orais podem ser o que eram antes, m as a prática m oral é<br />

sem pre diferente. Até m esm o a terra tem outra aparência agora que tem um<br />

céu acim a dela” . Francis P ow er Cobbe, Life, 92 - “A proeza do cristianism o<br />

não foi inculcar um a nova m oralidade, nem m esm o um a m oralidade sistemática]<br />

partir da Introdução de um novo espírito para a m oralidade; com o o próprio<br />

C risto disse, um ferm ento para a m assa inform e” .<br />

Podemos argumentar que um sistema moral tão puro e perfeito, visto que<br />

ultrapassa todos os poderes humanos de invenção e corre contra os sabores<br />

e paixões naturais dos homens, deve ter tido uma origem sobrenatural, divina.<br />

Os sistemas pagãos de moralidade, via de regra, são defeituosos por não<br />

fornecer para a ação moral do homem nenhum exemplo, regra, motivo ou fim<br />

suficientes. Eles não podem fazer isso porque praticamente identificam Deus<br />

com a natureza e não conhecem a clara revelação da sua santa vontade.<br />

O homem é abandonado ao seu próprio ser e, visto que ele não é concebido<br />

como totalmente responsável e livre, permite-se que os baixos impulsos<br />

assim como os elevados influam e o egoísmo não seja considerado como<br />

pecado. Como o paganismo não reconhece a depravação, do mesmo modo<br />

não reconhece a sua dependência da graça divina e a sua virtude é a justiça<br />

própria. O paganismo é o vão esforço do homem para elevar-se a Deus; o<br />

cristianismo é a descida de Deus ao homem para salvá-lo. Martineau, 1.15,16<br />

chama a atenção para a diferença entre a ética psicológica do paganismo e a<br />

do cristianismo. A ética psicológica começa com a natureza; e, achando na<br />

natureza a regra uniforme da necessidade e a operação da cáusa e do efeito,<br />

chega por fim ao homem e aplica-lhe a mesma regra, extinguindo deste modo<br />

toda fé na personalidade, na liberdade, na responsabilidade, no pecado e na<br />

culpa. A ética psicológica, ao contrário, sabiamente começa com aquilo que<br />

melhor conhecemos, isto é, o homem; e, achando nele a livre vontade e um<br />

propósito moral, continua a exteriorizar-se na natureza e interpreta-a como a<br />

manifestação da mente e vontade de Deus.<br />

“A ética psicológica é peculiar ao cristianismo. ... Outros sistemas começam<br />

com a parte exterior e consideram a alma como homogênea ao universo<br />

aplicando à alma o princípio da necessidade que prevalece fora dela.<br />

... Na religião cristã, por outro lado, o interesse, o mistério do mundo concen-<br />

tram-se na natureza humana. ... O senso de pecado - sentimento que não<br />

deixou traço nenhum em Atenas - envolve uma consciência de alienação<br />

pessoal do Bem Supremo; a aspiração pela santidade dirige-se à união de<br />

sentimento e vontade com a fonte de toda a Perfeição; o agente da transformação<br />

do homem a partir da velha alienação para a nova reconciliação é<br />

uma Pessoa de quem os elementos divino e humano dependem; e o Espírito<br />

santificador pelo qual eles são sustentados nas alturas mais puras da vida,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

é uma viva ligação da comunhão entre a mente deles e a Alma das almas.<br />

... Deste modo, a Natureza, para a consciência cristã, imerge no acidental e<br />

no neutro”. Medindo-nos a nós mesmos pelos padrões humanos, alimentamos<br />

o orgulho; medindo-nos a nós mesmos pelos padrões divinos, alimentamos<br />

a humildade. As nações pagãs, ao identificar Deus com a natureza ou<br />

com o homem, não são progressivas. A arquitetura plana do Partenon, com<br />

suas linhas paralelas à terra, tipifica a religião pagã; os arcos aspirados da<br />

catedral gótica simbolizam o cristianismo.<br />

S terrett, Studies in Hegel, 33, diz que Hegel carateriza a religião chinesa<br />

como a da medida, ou conduta temperada; o bramanismo, como a da Fantasia,<br />

ou inebriante vida de sonhos; o budismo como o auto-envolvimento; a do<br />

Egito, como a embrutecida relação do Enigma, simbolizado pela Esfinge; a<br />

da Grécia, como a religião do Belo; a judaica, como a religião da Sublimidade;<br />

e o cristianismo, como a religião absoluta da verdade e liberdade plenamente<br />

reveladas. Em tudo isto Hegel deixa de firmar-se nos elementos da Vontade,<br />

da Santidade, da Vida, que caraterizam o judaísmo e os distinguem de todas<br />

outras religiões. R. H. Hutton: “O judaísmo nos ensina que a natureza deve<br />

ser interpretada pelo nosso conhecimento de Deus, não Deus pelo conhecimento<br />

da Natureza”. Lyman A bbott; “O cristianismo não é uma nova vida, mas<br />

uma nova força; não é uma convocação para uma nova vida, mas o seu oferecimento]<br />

não uma reordenação da velha lei, mas o poder de Deus para a<br />

salvação; não o amor a Deus e ao homem, mas a mensagem do Cristo que<br />

nos ama e nos ajudará na vida do amor”.<br />

B eyschlag, N. T. Theology, 5,6 - “O cristianismo postula a abertura do<br />

coração do Deus eterno para o coração do homem que vem a ele. O paganismo<br />

apresenta o coração do homem desatinadamente agarrando-se à bainha<br />

das vestes de Deus e, confundindo a Natureza, sua veste majestosa, com o<br />

próprio Deus. Só na Bíblia o homem se fixa nas manifestações exteriores de<br />

Deus rumo ao próprio Deus”.<br />

Em contraste com o sistema cristão de moralidade, os defeitos dos sistemas<br />

pagãos são de tal modo marcantes e fundamentais que constituem uma<br />

forte evidência corroborativa da origem divina da revelação escriturística.<br />

Em vista do que, aduzimos alguns fatos e referências relativas aos sistemas<br />

pagãos em particular.<br />

1. CONFUCIONISM O. C onfúcio (Kung-fu-tse), 551-478 a.C., contemporâneo<br />

de P itágoras e de B uda. S ócrates nasceu dez anos após a morte de<br />

Confúcio. Mêncio (371-278) foi discípulo de C onfúcio. Matheson, em Faiths of<br />

the Wolrd(St. Giles Lectures), 73-108, reivindica que o confucionismofoi “uma<br />

tentativa de substituir uma moralidade por uma teologia”. Contudo, Legge,<br />

Present Day Tracts, 3. n- 18, mostra que isto é um equívoco. C onfúcio<br />

somente deixou a religião onde ela se encontrava. Deus, ou o Céu, é adorado<br />

na China, mas só pelo imperador. A religião chinesa parece uma sobrevivência<br />

do culto da família patriarcal. O pai de família era o único chefe e sacerdote.<br />

Na China, embora a família se expandisse na tribo, e a tribo na nação, o<br />

2 6 9


2 7 0 Augustus Hopkins Strong<br />

pai ainda conservava a sua exclusiva autoridade e, como pai do seu povo, só<br />

o imperador oferecia oficialmente sacrifício a Deus. Entre Deus e o povo o<br />

abismo se ampliou tanto que se pode dizer que o referido povo praticamente<br />

não tinha conhecimento de Deus, ou comunicação com ele. Dr. W. A. P.<br />

Martin: “O confucionismo degenerou-se numa mistura de panteísmo e tornou-se<br />

a adoração a uma ‘anima mundi’, sob formas diretivas da natureza<br />

visível”.<br />

Dr. W illiam A shmore, numa carta particular: “O povo comum da China tem:<br />

1) O culto ancestral e o culto a heróis deificados; 2) Geomancia, ou a crença<br />

na força controladora dos elementos da natureza; mas atrás destes e antedatando-os,<br />

há 3) o culto do Céu e da Terra, ou Pai e Mãe, dualismo bem antigo;<br />

isto também pertence ao povo comum, embora uma vez por ano o imperador,<br />

como um tipo de sumo sacerdote do seu povo, ofereça sacrifício no altar do<br />

Céu; neste só ele atua. ‘Joss’ afinal não é uma palavra chinesa. É uma forma<br />

degenerada da palavra em Português ‘Deus’. A palavra ‘pidgin’ igualmente é<br />

uma tentativa de dizer ‘business’ [negócio, ocupação], (big-i-ness ou bidgin).<br />

Por isso ‘Joss-pidgin’ significa simplesmente ‘culto divino’, ou culto prestado<br />

ao Céu e à Terra, ou aos espíritos de qualquer tipo, bons ou maus. Há muitos<br />

deuses, uma Rainha do Céu, um Rei do Hades, Deus da Guerra, deus da<br />

literatura, deuses das montanhas, vales correntezas, uma deusa da bexiga,<br />

da gestação e de todos os negócios dos seus deuses. A mais elevada<br />

expressão chinesa é ‘Céu’, ou ‘Supremo Céu’, ou ‘Céu Azul’. Esta é a indicação<br />

sobrevivente de que em tempos mais remotos eles tinham conhecimento<br />

de uma Força suprema, inteligente e pessoal que dirigia tudo”. O Sr. Yugoro<br />

C hiba mostrou que os clássicos chineses permitiam o sacrifício por todo o<br />

povo. Mas também é verdade que o sacrifício ao “Supremo Céu” está praticamente<br />

limitado ao imperador que, como o sumo sacerdote judeu, oferece<br />

uma vez por ano pelo seu povo.<br />

C onfúcio nada fez para estabelecer a moralidade em base religiosa.<br />

Na prática, as relações dos seres humanos entre si são as únicas em consideração.<br />

Usufruem-se a benevolência, a retidão, a propriedade, a sabedoria,<br />

a sinceridade, mas não se diz nenhuma palavra sobre o relacionamento do<br />

homem para com Deus. O amor a Deus não é um mandamento - não se<br />

pensa nisto como uma coisa possível. Embora o ser humano seja teoricamente<br />

uma ordenança de Deus, o homem é uma iei para si mesmo. O primeiro<br />

mandamento de Confúcio é o da piedade filial. Mas isto inclui a adoração<br />

dos ancestrais mortos e há tanto exagero como sepultar da vista os deveres<br />

relativos ao marido para com a mulher e do pai para com o filho. C onfúcio<br />

torna um dever do filho matar o assassino do pai, assim como Moisés insiste<br />

numa pena retaliativa com derramamento de sangue. Ele tratava os seres<br />

invisíveis e superiores com respeito, mas mantinha-os a distância. Reconhecia<br />

o “Céu” da tradição; mas ao invés de aumentar o nosso conhecimento a<br />

seu respeito, abafava qualquer pergunta. Dr . Legge: “Tenho estado lendo<br />

livros chineses por mais de quarenta anos e qualquer exigência do amor a<br />

Deus, ou menção a qualquer que realmente o ame ainda está para passar<br />

pelos meus olhos”.<br />

Ezra Abbot afirma que Confúcio deu uma regra áurea em forma tanto<br />

positiva quanto negativa. Contudo, parece que Dr. Legge, Religions of China,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 271<br />

1 -58, nega-o. Wu Ting Fang, outrora ministro chinês para Washington, admite<br />

a afirmação de que Confúcio deu uma regra áurea apenas em sua civilização<br />

agressiva, que por isso, tornou-se dominante. A regra áurea que Confúcio<br />

deu é: “Não façais aos outros o que não quiserdes que eles vos façam”. Compare<br />

isto com Isócrates: “Sede para os vossos pais o que quiserdes que os<br />

vossos filhos sejam para vós. ... Não façais aos outros as coisas que vos<br />

façam irar quando os outros vo-las fizerem”; Heródoto: “Aquilo que eu punir<br />

em outro homem, eu, por mim mesmo, evitarei”; A ristóteles: “Devemos nos<br />

portar para com os nossos amigos como queremos que eles se portem para<br />

conosco”; Tobias 4.15 - “Não faças a ninguém aquilo que detestas”; Filo:<br />

“O que detestas suportar, não lho faças”; Sêneca nos manda: “dá como queres<br />

receber”; R abino Hillel: “O que quer que vos aborreça, não o façais a<br />

outrem; eis a lei completa e o demais é explicação”. (Em espanhol: “manos<br />

qui non dais qui esperais?”; no Brasil: “Deus lhe dê em dobro o que você me<br />

deseja”).<br />

Broadus, American Commentary on Matthew, 161 (O tradutor faz citação<br />

da E dição em P ortuguês, C om entário de M ateus, John A. Broadus, Vol. I,<br />

1949, C asa P ublicadora Batista, p. 234a) “Deve notar-se que os ditos de Confúcio,<br />

Isócrates e dos três m estres judaicos, são m eram ente negativos; o de<br />

Sêneca lim ita-se a dar e o de A ris tó te le s lim ita-se ao tratam ento dos am igos.<br />

Nosso S enhor dá um a regra de ação positiva, e para todos os hom ens”. Ele<br />

ensina que eu estou incum bido de fa ze r aos outros tudo o que eles poderiam<br />

com ju stiça desejar que eu lhes fizesse. Por isso a regra áurea requer uma<br />

suplem entação, para m ostrar o que os outros podem com ju stiça desejar, a<br />

saber, em prim eiro lugar a glória de Deus e o be m -estar deles com o segunda<br />

e incidental conseqüência. O cristianism o fornece este padrão divino e perfeito;<br />

a falha do confucionism o é que não tem nenhum padrão m ais elevado que<br />

a convenção hum ana. C onquanto o confucionism o exclua o politefsm o, a idolatria<br />

e a deificação do vício é um sistem a sem profundidade e tantalizante,<br />

porque não reconhece a corrupção hereditária da natureza hum ana, nem fornece<br />

rem édio algum para o mal m oraTa-fíao ser as “doutrinas dos sábios” .<br />

“O coração do hom em ” , diz, “é de m odo natural perfeitam ente íntegro e correto”<br />

. O pecado é apenas “um a doença, a ser curada com a autodisciplina; a<br />

dívida deve ser cancelada pelos atos m eritórios; rem ove-se a ignorância através<br />

do estudo e da contem plação”.<br />

2. OS SISTEMAS HINDUS. O bramanismo, expresso nos Vedas, data de<br />

1000 a 1500 a.C. Como C aird (em Faiths of the World, St. Giles Lectures,<br />

preleção i) mostrou que ele se originou na contemplação da força na natureza<br />

independente da Pessoalidade moral que opera na natureza e através dela.<br />

Na verdade, podemos dizer que todo o paganismo é uma escolha humana do<br />

Deus amoral em lugar de um Deus moral. O bramanismo é um sistema de<br />

panteísmo, “uma consagração falsa ou ilegítima do finito”. Todas as coisas<br />

são manifestação de Brama. Por isso o mal é deificado do mesmo modo que<br />

o bem. Muitos milhares de deuses são adorados como representações parciais<br />

do princípio vivo que se move através de tudo. “Quantos deuses têm os<br />

hindus” perguntava o Dr. Duff à sua classe. Henry Drummond pensava que<br />

houvesse vinte e cinco. “Vinte e^ n co ?” retrucou indignado o professor; “vinte


2 7 2 Augustus Hopkins Strong<br />

e cinco milhões de milhões!” Enquanto os antigos Vedas apresentam um culto<br />

à natureza relativamente puro, mais tarde o bramanismo se torna o culto do<br />

vicioso, e do vil, do não natural e do cruel. Jaganata (= Vishnu, sob seu avatar<br />

Krishna, que significa: Senhor do Mundo. O verdadeiro centro é Krishna.<br />

Jaganata e Puri, e as cerimônias com ele relacionadas adquirem, por vezes,<br />

caráter licencioso; E.B.M.) e o sati (= cremação voluntária da mulher indiana<br />

que subia à fogueira em que se incinerava o marido, para acompanhá-lo na<br />

morte; C. A ulete in loco) não pertenciam à religião original hindu.<br />

B ruce, Apologetics, 15 - “Na teoria, o panteísmo sempre significa, na prática,<br />

politeísmo”. Os antigos Vedas manifestam esperança no espírito; mais<br />

tarde, o bramanismo vem a ser a religião do desapontamento. A casta se fixa<br />

e se consagra como uma manifestação de Deus. Originariamente pretendia<br />

expressar, em suas quatro divisões - sacerdote, soldado, agricultor, escravo<br />

- os diferentes graus de ausência de participação terrena e a atuação interna<br />

do elemento divino e torna-se um encadeamento de elos de ferro a impedir<br />

toda a aspiração e progresso. A religião hindu procurava exaltar a receptividade,<br />

a unidade da existência e o repouso a partir da autodeterminação e das<br />

suas lutas. Por isso ela atribuía aos seus deuses o mesmo caráter das forças<br />

da natureza. Deus é a força comum do bem e do mal. Sua ética é a de indiferença<br />

moral. Sua caridade é a que se dirige ao pecado e a temperança que<br />

ela deseja é a que só deixa intemperante. Mozoomdar, por exemplo, está pronto<br />

a aceitar tudo no cristianismo, menos a sua reprovação ao pecado e demanda<br />

de retidão. O bramanismo degrada a mulher, mas deifica a vaca.<br />

O budismo, começando com B uda, 600 a.C., “convoca a mente para uma<br />

elevação acima do finito”, de que o bramanismo sucumbiu. Em certo sentido,<br />

B uda foi um reformador. Ele protestava contra as castas e proclamava que a<br />

verdade e amoralidade valem para todos. Por isso, o budismo, possuidor de<br />

uma pequena parcela de verdade, apela para o coração humano e torna-se,<br />

depois do cristianismo, a maior religião missionária. Observe, em primeiro<br />

lugar, o seu universalismo. Entretanto, observe também que se trata de um<br />

falso universalismo, pois ignora o individualismo e leva à estagnação e à<br />

escravidão. Enquanto o cristianismo é uma refigrão da história, da vontade,<br />

do otimismo, o budismo é uma religião de ilusão, de quietismo, de pessimismo.<br />

Ao caraterizar o budismo como religião missionária, devemos notar, em<br />

segundo lugar, seu elemento de altruísmo. Porém, tal altruísmo destrói o eu,<br />

ao invés de preservá-lo. O futuro Buda, da compaixão para o famélico tigre,<br />

permite que esta fera o devore. “Encarnado numa lebre, ele pula no fogo para<br />

cozer-se a fim de servir de alimento a um mendigo, tendo antes disso se<br />

abalado três vezes de sorte que nenhum dos insetos em seu pelo pereçam<br />

com ele. Buda pretende livrar o homem não através da filosofia, nem do ascetismo,<br />

mas da auto-renúncia. Todo o isolamento e pessoalidade são pecado<br />

cuja culpa, contudo, repousa não sobre o homem, mas sobre a existência<br />

em geral.<br />

Enquanto o bramanismo é panteísta, o budismo, em seu espírito é ateís-<br />

ta. Pfleiderer, Philos. fíeligion, 1.285 - “A acomia bramânica, que tinha explicado<br />

o mundo como simples aparência, conduziu ao ateísmo budista”. A acomodação<br />

e a separação constituem um mal e o único meio de purificar e<br />

descansar é deixar de existir. Isto é o pessimisqio essencial. A mais elevada


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 7 3<br />

moralidade é agüentar aquilo que deve aparecer e escapar da realidade e da<br />

existência pessoal tão logo seja possível. Daí a doutrina do Nirvana. R hys<br />

Davis, em Hibbert Lectures, defende que o budismo primitivo identificado por<br />

Nirvana, não é uma aniquilação, mas a extinção da vida própria e que isto se<br />

atinge durante a presente existência mortal do homem. Porém o termo Nirvana<br />

agora significa, para a grande maioria dos que o empregam, a perda de<br />

toda a pessoalidade e consciência e a absorção na vida geral do universo.<br />

Originariamente o termo denotava só a liberdade do desejo do indivíduo e os<br />

que entraram para o Nirvana podiam ainda sair dele. Mas mesmo em sua<br />

forma original, procurava-se o Nirvana só a partir de um motivo egoísta.<br />

A auto-renúncia e a absorção no todo não era o entusiasmo da benevolência;<br />

era o refúgio do desespero. Trata-se de uma religião sem deus ou sem sacrifício.<br />

Ao invés da comunhão com um Deus pessoal, o budismo tem em vista<br />

só a extinção da pessoalidade como recompensa das indizíveis eras da auto-<br />

conquista solitária que se estende através de muitas transmigrações. De Buda,<br />

na verdade se tem dito “que tudo aquilo que ele tinha para satisfazer a necessidade<br />

do homem Nada era e o melhor do seu ser é Apenas o não ser”.<br />

W ilkinson, Epic of Paul, 296 - “Ele, por seu próprio ato de morrer em todo o<br />

tempo, Em incessante esforço de parar totalmente, Querer querendo não<br />

querer Deseja desejando não mais desejar até que, por fim a fugitiva caminhada<br />

para ser livre, emancipe Apenas tornando-se nada”. A respeito de Cristo,<br />

com precisão, diz B ruce: “Que contraste este médico da enfermidade e Pregador<br />

do perdão ao mais indigno, para B uda a religião da desesperança!”<br />

O budismo é fatalista. Ele inculca submissão e compaixão - virtudes<br />

meramente negativas. Mas nada entende da liberdade humana, ou do amor<br />

ativo - virtudes positivas do cristianismo. Leva o homem a fazer concessões<br />

aos seres humanos, mas não a ajudá-lo. Sua moralidade não gira em torno<br />

de Deus, mas do eu. Não tem em si nenhum princípio organizador, pois não<br />

reconhece de modo algum Deus, nem inspiração, nem alma, nem salvação,<br />

nem imortalidade pessoal. O budismo salva o homem apenas induzindo-o a<br />

fugir da existência. Para o hindu, a vida familiar envolve pecado. O homem<br />

perfeito deve deixar a esposa e os filhos. Toda ã gratificação dos apetites e<br />

paixões naturais é um mal. A salvação não se refere ao pecado, mas ao<br />

desejo e disto o homem pode ser salvo escapando da própria vida. O cristianismo<br />

sepulta o pecado, mas salva o homem; Buda salva o homem matandoo.<br />

O cristianismo simboliza a entrada do convertido na nova vida levantando-<br />

o das águas batismais; o batismo budista deve consistir numa imersão sem<br />

emersão. A idéia fundamental do bramanismo, extinção da pessoalidade, continua<br />

a mesma no budismo; a única diferença é que o resultado é garantido<br />

pela expiação ativa naquele e contemplação passiva neste. A virtude e o<br />

conhecimento de que tudo na terra é uma desvanecedora centelha da luz<br />

original liberam o homem da existência e da miséria.<br />

P rof. G. H. Palmer, de Harvard, in The Outlook, 19 jun. 18 9 7 - “O budismo<br />

difere do cristianismo pelo fato de abolir a miséria abolindo o desejo; nega a<br />

pessoalidade ao invés de afirmá-la; tem muitos deuses, mas nenhum Deus<br />

vivo e consciente; reduz a existência em vez de alongá-la como recompensa<br />

da retidão. O budismo não faz nenhuma provisão para a família, para a igreja,<br />

para o estado, para a ciência e para a arte. Dá-nos uma religião escassa,


2 7 4 Augustus Hopkins Strong<br />

enquanto necessitamos de uma farta”. Dr. E. B enjamin A ndrews: “S chopenhauer<br />

e S pencer são apenas mestres do budismo. Eles consideram a fonte centrai<br />

de tudo como uma força desconhecida em vez de considerá-la um Espírito<br />

vivo e santo. Isto retira todo o impulso para uma investigação científica. Não é<br />

preciso partirmos de uma coisa, mas de uma Pessoa”.<br />

Para comparação do sábio da fndia, Xáquia Múni, mais freqüentemente<br />

chamado Buda (apropriadamente “o Buda” = o iluminado; mas que, apesar<br />

do título “Luz da Ásia” dado por Edwin A rnold, é representado não como o<br />

purificado dos prazeres carnais antes de começar a sua obra), com Jesus<br />

Cristo, ver Kellogg, The Light of Asia and the Lightofthe World; B eal, Catena<br />

of Buddhist Scriptures, 153 - “O Budismo declara ignorar qualquer modo de<br />

existência pessoal compatível com a idéia de perfeição espiritual e, consequentemente,<br />

ignorar Deus”; 157 - “A mais primitiva idéia do Nirvana parece<br />

ter incluído em si não mais que o gozo de um estado de descanso como<br />

conseqüência da extinção de todas as causas da tristeza”. O fato de que<br />

o próprio Buda foi uma apresentação apoteótica para fornecer um objeto<br />

de adoração mostra a impossibilidade de satisfazer o coração humano<br />

com um sistema de ateísmo. Foi assim que o budismo transformou-se em<br />

bramanismo.<br />

M o n ie r W illiams: “ M a o m é te m m u ito m a is d ir e ito d e r e iv in d ic a r o títu lo d e<br />

‘a L u z d a Á s ia ’ d o q u e B u d a . D e o n d e v e m a lu z d e B u d a ? N ã o v e m d a d e p ra -<br />

v a ç ã o d o c o r a ç ã o , o u d a o r ig e m d o p e c a d o , o u d a b o n d a d e , ju s tiç a , s a n tid a ­<br />

d e , p a te r n id a d e d e D e u s , o u r e m é d io p a r a o p e c a d o , m a s u n ic a m e n te d e s a ir<br />

d o s o fr im e n to fu g in d o d a v id a - d o u tr in a d o m e r e c im e n to , d a a u to c o n fia n ç a ,<br />

d o p e s s im is m o e d a a n iq u ila ç ã o d a p e s s o a lid a d e ” . C ris to , o s e r p e s s o a l, a m o ­<br />

ro s o e s a n to , m o s tra q u e D e u s é u m a p e s s o a d e s a n tid a d e e a m o r. R o b e r t<br />

B ro w n in g : “ A q u e le q u e c rio u o a m o r n ã o a m a r á ? ” U n ic a m e n te p o rq u e J e s u s é<br />

D e u s é q u e te m o s u m e v a n g e lh o p a r a o m u n d o . A r e iv in d ic a ç ã o d e q u e B u d a<br />

é “ a L u z d a Á s ia ” le m b ra a d o h o m e m q u e d e c la r o u q u e a lu a v a le m a is q u e o<br />

s o l p o rq u e e la b r ilh a n a e s c u r id ã o e n q u a n to o s o l b r ilh a d e d ia q u a n d o n ã o h á<br />

n e c e s s id a d e .<br />

3. SISTEMAS GREGOS. Pitágoras (584-504) baseia a moralidade no princípio<br />

dos números. “O bem moral é identificado com a unidade; o mal com a<br />

multiplicidade; a virtude é a harmonia da alma e sua semelhança com Deus.<br />

O objetivo da vida é fazer representar a bela ordem do universo. Toda a tendência<br />

prática do pitagorismo é ascética e inclui um estrito controle e uma<br />

diligente cultura”. Parece que já vemos aqui o defeito da moralidade grega<br />

confundindo o bem com o belo e fazendo a moralidade um simples autode-<br />

senvolvimento. M atheson, Messages of the Old Religions'. A Grécia revela a<br />

intensidade da hora, o valor da vida presente, a beleza do mundo atual. Sua<br />

religião é a da bela humanidade. Antecipa o novo céu e a nova terra. Por<br />

outro lado Roma firma-se na união, na incorporação, num reino universal.<br />

Mas a sua religião deifica só o imperador, não a humanidade. Não é a religião<br />

do amor, mas da força e identifica a igreja com o estado.<br />

Sócrates (469-400) faz do conhecimento uma virtude. A moralidade consiste<br />

em subordinar os desejos irracionais ao conhecimento racional. Apesar<br />

de que neste ponto elevamos o bem subjetivamente determinado como a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

m e ta d o e s fo r ç o m o ra l, a in d a n ã o te m o s o s e n tid o a p r o p r ia d o d o p e c a d o .<br />

O m o tiv o n ã o é o a m o r, m a s o c o n h e c im e n to . S e o h o m e m c o n h e c e o d ir e i­<br />

to , e le o p r a tic a . E s ta é u m a g r a n d e a lta a v a lia ç ã o d o c o n h e c im e n to . P a ra<br />

S ó c r a te s , o e n s in o é u m tip o d e p a rto - n ã o d e p o s ita n d o in fo r m a ç ã o n a m e n ­<br />

te , m a s e x tr a in d o o c o n te ú d o d o n o s s o p r ó p r io c o n h e c im e n to . (A is to , S ó c r a ­<br />

te s d á o n o m e d e m a iê u tic a = p r o fis s ã o d e p a rte ira . A m ã e d e le e x e r c ia ta l<br />

p r o fis s ã o ) . L e w is M o r r is d e s c r e v e is s o c o m o a o b r a d a v id a d e S ó c r a te s<br />

d e q u e “ d ú v id a s la n ç a m fo r a d ú v id a s ” . S ó c r a te s a c h a ju s to fe r ir o s in im ig o s .<br />

E le s e o r g u lh a d o lo u v o r p r ó p rio e m s e u d is c u r s o p r ó x im o à m o rte . A d v e r te<br />

c o n tr a a p e d e ra s tia , e m b o r a tr a n s ija c o m e la . N ã o in s is te n a m e s m a p u re z a<br />

d a v id a fa m ilia r d e s c r ita p o r H o m e ro e m U lis s e s e P e n é lo p e . C h a r le s K in s le y ,<br />

e m Alton Locke, a s s in a la q u e o e s p ír ito d a tr a g é d ia g r e g a é o ‘h o m e m d o m i­<br />

n a d o p e la c ir c u n s tâ n c ia ’ . M a s o s tr á g ic o s g r e g o s , c o n q u a n to m o s tra s s e m o<br />

h o m e m d e s ta fo r m a d o m in a d o , c o n tu d o a in d a o re p re s e n ta m in te rio rm e n te<br />

liv re , c o m o n o c a s o d e P ro m e te u e e s te s e n tid o d a lib e r d a d e e re s p o n s a b ili­<br />

d a d e h u m a n a s a p a re c e a té c e r to p o n to e m S ó c r a te s .<br />

Platão (430-348) sustenta que a m oralidade é o prazer do bem, com o o<br />

verd a d e ira m e n te belo e que o co n h e cim e n to pro duz virtude. O bem tem<br />

sem elhança com Deus; aqui tem os vislum bres de um objetivo e m odelo fora<br />

do hum ano. O corpo, com o a m atéria, sendo inerentem ente mau, é um em baraço<br />

para a alm a; vislum bra-se aqui a depravação hereditária. M as P latão<br />

“ reduz o m al m oral à categoria de mal natural” . Ele deixa de reconhecer Deus<br />

com o o criador e senhor da m atéria; de ixa de reconhecer a depravação do<br />

hom em devida à sua própria apostasia de Deus; deixa de encontrar a m oralidade<br />

na vontade divina ao invés de encontrá-la na própria consciência do<br />

hom em . Ele nada sabe da hum anidade com um e considera a virtude com o<br />

prerrogativa de poucos. C om o não há pecado com um , do m esm o m odo não<br />

há redenção com um . P latão pensa encontra r Deus só através do intelecto,<br />

quando só a consciência e o coração conduzirem a ele. Ele crê num a liberdade<br />

da alm a num estado preexistente em que se fa z u m a escolha entre o bem<br />

e o mal, m as crê que depois de tom ada a decisão anterior à terrena, os destinos<br />

determ inam os atos e vida do hom em de m odo irreversível. A razão<br />

conduz dois cavalos: o apetite e a em oção. Porém o curso deles já está predeterm<br />

inado. O hom em age do m odo em que a razão adm inistra. Todo o<br />

pecado é ignorância. Nada há nesta vid a a não ser o determ inism o. M a rti-<br />

neau, Types, 13,48,49,78,88 - P latão, de um m odo geral, não tem um a noção<br />

própria da responsabilidade; ele reduz o m al m oral à categoria do m al natural.<br />

Com um a única exceção suas idéias não são causas. A causa é a m ente<br />

e a m ente é o Bem. O Bem é o ápice e coroa das Idéias. O Bem é a m ais<br />

elevada das Idéias e esta Idéia m ais elevada é um a Causa. P latão tem um<br />

frágil conceito de pessoalidade q u e re m Deus, quer no hom em . Em bora Deus<br />

seja um a pessoa, em qualquer sentido o hom em é um a pessoa e a pessoalidade<br />

do hom em é a autoconsciência reflexiva. A vontade em Deus ou no<br />

hom em não é tão clara. A ju stiça se dilui no Bem . Platão defende o infanticí-<br />

dio e o exterm ínio dos velhos e desam paraçlos.<br />

Aristóteles (384-322) deixa de lado até/ m esm o o elem ento de sem elhança<br />

com Deus e o m al anterior ao terreno que P la tã o de m odo tão obscuro<br />

reconhece e faz da m oralidade o fruto da m era au toconsciê ncia racional.<br />

2 7 5


2 7 6 Augustus H opkins Strong<br />

Ele adm ite a inclinação para o mal, porém recusa-se a cham á-la de imoral.<br />

D efende um a certa liberdade da vontade e reconhece as tendências inatas<br />

que batalham contra esta liberdade, m as não sabe dizer com o tais tendências<br />

se originaram , nem com o o hom em pode livrar-se delas. Nem tudo pode<br />

ser m oral; a m aior parte pode ser im pelida pelo m edo. Ele não encontra em<br />

Deus nenhum m otivo e o am or a Deus não é tanto com o se acha m encionado<br />

com o fonte da ação m oral. O hom em orgulhoso, seguro, egocêntrico e reservado<br />

é o seu tipo ideal. A lexander, Theories of Will, 39-54 - A ristóteles sustenta<br />

o desejo e a razão com o as fontes da ação. C ontudo ele não sustenta<br />

que o conhecim ento por si m esm o tornaria o hom em virtuoso. Ele é determ inista.<br />

As ações são livres apenas no sentido de que devem ser causadas por<br />

com pulsão externa. Via a escravidão com o racional e justa. B utcher, Aspect<br />

of Greek Genius, 76 - “E nquanto A ris tó te le s atribuía ao Estado um a pessoalidade<br />

m ais com pleta do que realm ente possui, não se apega à profundeza e<br />

sentido da pessoalidade do indivíduo". A. H. S tro n g , Christ in Creation, 2 8 9 -<br />

A ristóteles não tem nenhum a concepção de unidade da raça hum ana. A sua<br />

doutrina da unidade não vai além do Estado. “Diz que ‘o todo vem antes das<br />

pa rte s’, m as para ele ‘o to d o ’ é o m undo pan-helênico, o reino unido dos<br />

gregos; nunca pensa na hum anidade e a expressão ‘gênero hum ano’ nunca<br />

sai dos seus lábios. Ele não pode entender a unidade da raça hum ana porque<br />

ele nada conhece a respeito de Cristo, seu princípio organizador” . Sobre a<br />

concepção aristotélica de Deus, ver James Ten Broeke, em Bap. Quar. Rev.,<br />

jan 1892 - R econhece-se Deus com o pessoal, em bora ele não seja o Pai<br />

vivo, am oroso, provedor da revelação hebréia, m as apenas a Razão Grega.<br />

À dinâm ica em seu tratam ento da causalidade divina A ristóteles substitui a<br />

lógica. Deus não é poder; é pensam ento.<br />

Epicuro (342-270) considera a felicidade, sentimento subjetivo do prazer,<br />

como o mais elevado critério da verdade e do bem. Um cálculo prudente para<br />

o prolongado prazer é a mais elevada sabedoria. Ele leva em conta apenas<br />

esta vida. É tolice preocupar-se com o galardão e com a mais elevada sabedoria.<br />

Se há deuses, estes não se preocupam com o homem. “Sob o pretexto<br />

de atender à sua tranqüilidade, E picuro saúda os deuses e os despede da<br />

existência”. A morte é a separação dos átomos e a cessação eterna da consciência.<br />

As misérias desta vida se devem à imperfeição do universo fortuitamente<br />

construído. Quanto mais numerosas tais imerecidas misérias, maior<br />

é o nosso direito de buscar o prazer. A lexan d er, Theories of the Will, 55-75 -<br />

Os epicuristas sustentam que a alma é formada de átomos, mas a vontade é<br />

livre. Os átomos da alma são isentos da lei de causa e efeito. O átomo pode<br />

declinar ou desviar na queda universal; esta é a idéia epicurista de liberdade.<br />

Todos os gregos céticos, embora materialistas sustentavam este indetermi-<br />

nismo.<br />

Zenão, fundador da filosofia estóica (340-264), considera a virtude como o<br />

único bem. O pensamento deve subjugar a natureza. O espírito livre é legislador<br />

de si mesmo, dependente de si mesmo e autorsuficiente. O critério da<br />

verdade e do bem é não sentir, mas pensar. O prazer não é o fim da ação<br />

moral, mas a sua conseqüência. Há um irreconciliável antagonismo da existência.<br />

O homem não pode reformar o mundo, mas pode aperfeiçoar-se. Por<br />

isso o orgulho ilimitado é uma virtude. O sábio nunca se arrepende. Não há o


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

mínimo reconhecimento da corrupção morai da humanidade. Não há nenhum<br />

ideal divino objetivo, ou vontade divina revelada. O estóico só descobre a lei<br />

moral interior e nunca suspeita da sua própria perversão moral. Por isso ele<br />

mostra controle próprio e justiça, mas nunca humildade e amor. Ele não<br />

necessita de compaixão ou perdão, e não admite nada para os outros.<br />

A virtude não é um caráter exteriormente operante, mas uma resistência passiva<br />

à realidade irracional. O homem pode retratar-se a si mesmo. O estóico<br />

é indiferente ao prazer e à dor, não porque ele crê num governo divino, ou<br />

num amor divino para com a humanidade, mas como um orgulhoso desafio<br />

do mundo irracional. Ele não precisa de Deus ou da redenção. Como o epi-<br />

curista se dá aos prazeres do mundo, o estóico se dá à queixa dele. Em todas<br />

aflições ele pode dizer: “A porta está aberta”. Para o epicurista o refúgio é a<br />

intoxicação; para o estóico o refúgio é o suicídio: “Se a casa fumega, abando-<br />

ne-a”. W uttke, Chrístian Ethics, 1.62-161, de quem se condensam muitos<br />

destes relatos dos sistemas gregos, descreve o epicurismo e o estoicismo<br />

tornando igualmente subjetiva a moral, embora o epicurismo considere o<br />

espírito como determinado pela natureza, enquanto o estoicismo considera a<br />

natureza como determinada pelo espírito.<br />

Os estóicos são materialistas e panteístas. Embora falem em um Deus<br />

pessoal, fazem-no como figura de linguagem. A falsa opinião é a raiz de todo<br />

o vício. C r ís ip o nega o que nós chamamos de liberdade de indiferença, dizendo<br />

que não pode haver efeito sem causa. O homem é escravo da paixão.<br />

Os estóicos não podem explicar como um viciado pode tornar-se virtuoso.<br />

O resultado é apatia. O homem só age segundo o caráter; esta é a doutrina<br />

do destino. A indiferença estóica ou apatia no infortúnio não é uma proeza,<br />

mas um covarde recuo. É no verdadeiro sofrimento do mal que o cristianismo<br />

encontra “a alma do bem”. O ofício do infortúnio é disciplinar e purificar.<br />

“A sombra da pessoa do sábio, projetada no vazio, chama-se Deus e, como o<br />

sábio há muito abandonou o interesse na prática da vida, ele espera que a<br />

sua divindade faça o mesmo”.<br />

Os estóicos reverenciam Deus exatamente por causa da sua inatingível<br />

majestade. O Cristianismo vê em Deus um Pai, um Redentor, um amparador<br />

nas mínimas necessidades, um libertador do nosso pecado. Ele nos ensina a<br />

ver em Cristo a humildade do ser divino, a afinidade com Deus, o supremo<br />

interesse de Deus na obra das suas mãos. Cristo morreu pela menor das<br />

suas criaturas. O reinado com Deus dignifica o homem. A individualidade que<br />

o estoicismo perde no todo, o cristianismo torna o fim da criação. O estado<br />

existe para desenvolvê-lo e promovê-lo. Paulo resume e infunde novo sentido<br />

a certas expressões da filosofia estóica sobre a liberdade e realeza do sábio,<br />

assim como João adotou e glorificou algumas expressões da filosofia alexandrina<br />

sobre o Verbo. O estoicismo é solitário e pessimista. Os estóicos dizem<br />

que a melhor coisa é não nascer; depois disso a melhor coisa é morrer. Porque<br />

o estoicismo não tem um Deus de socorro e simpatia, sua virtude é só a<br />

conformidade com a natureza, com o egoísmo majestoso e com a autocom-<br />

placência. Nos romanos Epíteto (89), Sêneca (+65) e Marco Aurélio (121-<br />

180), o elemento religioso mais se aproxima do primeiro plano e a virtude<br />

mais uma vez aparece como semelhança a Deus. Mas é possível que mais<br />

tarde o estoicismo tenha sido influenciado pelo cristianismo.<br />

2 7 7


2 7 8 Augustus Hopkins Strong<br />

4. SISTEMAS DA ÁSIA OCIDENTAL. Zoroastro (1000 a.C.), fundador dos<br />

parses, era dualista, ao menos quanto à explicação da existência do mal e do<br />

bem através da presença original, em tudo, de dois lados opostos no autor.<br />

Aqui se encontra um limite na soberania e santidade de Deus. O homem não<br />

depende totalmente dele, nem a vontade de Deus é uma lei incondicional<br />

para as suas criaturas. Em oposição aos sistemas indianos, a insistência de<br />

Z o ro a stro na pessoalidade divina fornece uma base muito melhor para uma<br />

moralidade vigorosa e masculinizante. Deve-se obter a virtude através de<br />

uma luta dos seres livres contra o mal. Por outro lado, entretanto, concebe-se<br />

este mal como devendo-se originariamente não aos próprios seres finitos,<br />

mas a uma divindade má que guerreia contra o bem, ou a um princípio mau<br />

na própria divindade. Por isso o fardo da culpa é transferido do homem para o<br />

seu criador. A moralidade torna-se subjetiva e abalada. O amor próprio e o<br />

autodesenvolvimento é que fornecem o motivo e alvo da moralidade e não o<br />

amor a Deus ou a imitação a ele. Nenhuma paternidade ou amor se reconhece<br />

na divindade e há adoração de outras coisas além de Deus (p.ex., o fogo).<br />

Não pode haver nenhum aprofundamento na consciência do pecado, nem<br />

esperança de libertação divina.<br />

O único mérito do parseísmo é que ele reconhece o conflito moral do mundo;<br />

seu erro é que ele conduz este conflito moral à própria natureza de Deus.<br />

Podemos aplicar ao parseísmo as palavras da Conferência das Juntas de<br />

Missões Estrangeiras junto aos budistas do Japão: “Todas as religiões<br />

expressam a dependência do homem, mas só uma provê a comunhão com<br />

Deus. Todas as religiões falam de uma verdade mais elevada, mas só uma<br />

fala dessa verdade num amoroso Deus pessoal, que é o nosso Pai. Todas as<br />

religiões mostram a desesperança do homem, mas só uma fala de um salvador<br />

divino, que oferece ao homem o perdão do pecado e a salvação pela<br />

morte de uma pessoa rediviva, que opera em todo aquele que nele crê, para<br />

torná-lo santo, e justo, e puro”. Matheson, Messages of Old Religions, diz que<br />

o Parseísmo reconhece um elemento de obstrução no próprio Deus. O mal<br />

moral é uma realidade; mas não há nenhuma reconciliação, nem se mostra<br />

que todas as coisas cooperam para o bem.<br />

Maomé (570-632 A.D.), fundador do islamismo, dá-nos, no Corão, um sistema<br />

que contém quatro dogmas de imoralidade fundamentais, a saber, poligamia,<br />

escravidão, perseguição, e supressão do juízo privado. O maometis-<br />

mo é o paganismo na forma monoteísta. Seus pontos bons são a consciência<br />

e o relacionamento com Deus. Tem prosperado porque tem pregado a unidade<br />

de Deus e porque é uma religião de um livro. Mas o mesmo acontece com<br />

o judaísmo e o cristianismo. Tem se valido dos santos do Velho Testamento e<br />

até mesmo de Jesus. Mas nega a morte de Cristo e não vê necessidade da<br />

expiação. Não reconhece a força do pecado. A idéia de pecado, entre os<br />

maometanos, é vazia de todo o conteúdo positivo. O pecado é tão somente<br />

uma falha, explicada pela fraqueza e pouca visão do homem, o que é inevitável<br />

no universo fatalista ou no momento de ira não lembrado pelo Pai indulgente<br />

e misericordioso. Perdão é indulgência e a concepção de Deus é vazia<br />

de qualidade de justiça. O mal só pertence ao indivíduo, não à raça. O homem<br />

alcança o favor de Deus através das boas obras, baseadas no ensino profético.<br />

A moral não é fruto da salvação, mas um meio para obtê-la. Não há


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 7 9<br />

nenhuma penitência ou humildade, mas apenas a justiça própria; e esta é<br />

consistente com a grande sensualidade, o ilimitado divórcio e o despotismo<br />

absoluto nos negócios de família, nos civis e religiosos. Não há conhecimento<br />

da paternidade de Deus ou da fraternidade entre os homens. Em todo o<br />

Corão não existe uma declaração como esta: “Deus amou o mundo” (Jo. 3.16).<br />

A submissão do islame não tem a ver com o amor de Deus, mas com a<br />

vontade arbitrária. No amor não há base para a moral. O mais elevado bem é<br />

a felicidade sensual do indivíduo. Deus e o homem são exemplos exteriores<br />

um do outro. Maomé é um mestre, mas não é um sacerdote. M o s l e y, Miracles,<br />

140,141 - “Maomé não tem fé na natureza humana. Ele pensa que há duas<br />

coisas que o homem pode e deve fazer para a glória de Deus: praticar formas<br />

religiosas, e lutar, e nestes dois pontos ele é severo; mas na esfera da vida<br />

prática comum, onde estão as grandes provações do homem, seu código<br />

apresenta frouxidão desdenhosa do legislador que acomoda suas regras<br />

ao receptor e mostra sua valorização deste pela acomodação que ele adota.<br />

... ‘A natureza humana é fraca’, diz ele”. L o r d H o u g h t o n : O Corão é todo sabedoria,<br />

todo lei, todo religião, por todo o tempo. Os mortos curvam-se diante do<br />

Deus morto. “Embora o mundo esteja girando em constante mudança e os<br />

reinos do pensamento estejam em expansão, a letra não se expande ou se<br />

altera, mas está rígida como a mão de um morto”. A qualquer lugar aonde o<br />

maometismo se vai, acha-se ou se faz um deserto. F a ir b a ir n , em Contemp.<br />

Rev., dez 1 8 8 2 .8 6 6 - “O Corão congelou o pensamento maometano; obedecer<br />

é abandonar o progresso”. M u ir , em Present Day Tracts, 3. no. 1 4 -<br />

“O maometismo reduz o homem ao nível da morte da depressão social, do<br />

despotismo e do semibarbarismo. O islame é obra do homem; o cristianismo<br />

é obra de Deus”.<br />

3. A pessoa e o caráter de Cristo<br />

A) A concepção da pessoa de Cristo, apresentando a divindade e humanidade<br />

indissoluvelm ente unidas e a concepção do caráter de Cristo com sua<br />

infalibilidade e total excelência não podem ser consideradas como hipótese,<br />

mas como realidades históricas.<br />

A estilóbata do Partenon em Atenas ergue-se cerca de três polegadas em<br />

meio a 101 pés (+ 34m), e quatro polegadas em meio a 228 pés (+ 76m) nos<br />

flancos. No entablamento acha-se uma linha mais ou menos paraiela.<br />

Os eixos das colunas inclinam-se para o interior^quase três polegadas numa<br />

altura de 34 pés, dando assim um tipo de caráter piramidal à estrutura. Deste<br />

modo, o arquiteto supera a aparente curvatura das linhas horizontais e ao<br />

mesmo tempo aumenta a aparente altura do edifício. O desprezo da contradição<br />

desta ilusão de óptica tornou a Madeleine em Paris uma cópia rígida e<br />

ineficaz do Partenon. O camponês galileu que por minuciosamente descrevesse<br />

tais particularidades do Partenon provaria, não só que o edifício era<br />

realmente histórico, mas que na verdade o tinha visto. B r u c e, Apologetics,<br />

343 - “Lendo as memórias dos evangelistas, você se sente como outrora


2 8 0 Augustus Hopkins Strong<br />

alguém se sentiria numa exposição de quadros. Os seus olhos brilham quando<br />

vêem o retrato de uma pessoa conhecida. Você olha para ele com intensidade<br />

por um bom tempo e, a seguir, assinala ao seu companheiro: ‘Deve ser<br />

como o original. - é como se estivesse vivo’”. T heodore P arker: “E u gostaria<br />

de ter Jesus para reproduzi-lo”.<br />

d) Não se pode atribuir nenhuma fonte de que os evangelistas pudessem ter<br />

derivado tal concepção. Os avatares hindus eram apenas uniões temporárias<br />

da divindade com a humanidade. Os gregos tinham homens feitos semideu-<br />

ses, mas não união entre Deus e o homem. O monoteísmo judaico achou a<br />

pessoa de Cristo um escândalo. Os essênios em princípio se opunham mais ao<br />

cristianismo do que os rabinistas.<br />

Herbert Spencer, Data of Ethics, 279 - “É impossível a coexistência entre<br />

o homem perfeito e a sociedade imperfeita; os dois poderiam coexistir se a<br />

conduta resultante não fornecesse o padrão ético procurado”. Devemos concluir<br />

que a humanidade perfeita de Cristo é um milagre, o maior dos milagres.<br />

Bruce, Apologetics, 346,351 - “Quando Jesus pergunta: ‘Por que me chamas<br />

bom?’ ele quer significar: ‘Aprende primeiro o que é bondade e não chames<br />

homem algum de bom enquanto não estiveres seguro de que ele o merece’.<br />

A bondade de Jesus é totalmente livre do escrúpulo religioso; distingue-se<br />

pela humanidade; é cheia de modéstia e humildade. ... O budismo floresceu<br />

há 2000 anos, embora pouco se conheça do seu fundador. O cristianismo<br />

poderá perpetuar-se deste modo, mas não é o que acontece. Eu quero estar<br />

certo de que o ideal se incorporou na vida real. Caso contrário, trata-se apenas<br />

de uma poesia e a obrigação de conformar-se com ele cessa”.<br />

b) Nenhum simples gênio humano e muito menos o gênio dos pescadores<br />

judeus podia ter originado tal concepção. Os maus só inventam tais caracteres<br />

com os quais eles simpatizam. Mas o caráter de Cristo condena a maldade. Tal<br />

retrato não podia ter sido desenhado sem o auxílio sobrenatural. Mas tal auxílio<br />

não seria objeto de fabricação. A concepção só pode ser explicada aceitando<br />

que a pessoa e o caráter de Cristo são realidades históricas.<br />

Conta-se que entre Pilatos e Tito 30.000 judeus foram crucificados em<br />

torno dos muros de Jerusalém. Muitos eram jovens. O que leva alguém a ficar<br />

fora das páginas da história? Duas são as respostas: O caráter de Jesus<br />

é perfeito e ele é ao mesmo tempo Deus e homem. G o r e, Incarnation, 63 -<br />

“Se o Cristo dos evangelhos não é verdadeiro para a história, representa um<br />

esforço combinado da imaginação criativa sem paralelo na literatura. Mas as<br />

caraterísticas literárias da Palestina do primeiro século tornam a hipótese de<br />

tal esforço moralmente impossível”. Os evangelhos apócrifos mostram-nos o<br />

que a simples imaginação é capaz de produzir. O retrato de Cristo não é uma<br />

assertiva pueril, insana, histérica, egoística e autocontraditória e isto pode<br />

dever-se apenas ao fato de que é a fotografia da vida real.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 281<br />

Para uma notável exibição dos argumentos sobre o caráter de Jesus, ver<br />

Bushnell, Nature and the Sobrenatural, 276-332 que menciona a originalidade<br />

e vastidão do plano de Cristo, apesar da sua simplicidade e adaptação<br />

prática; seus traços morais de independência, compaixão, mansidão, sabedoria,<br />

zelo, humildade, paciência; a combinação de qualidades nele aparentemente<br />

opostas. Com toda a sua grandeza, ele foi condescendente e simples;<br />

não foi mundano, mas austero; tem sentimentos fortes, embora possuído<br />

de si mesmo; indignou-se contra o pecado, mas compadeceu-se do pecador;<br />

mostrou devoção ao seu trabalho, mas tranqüilidade sob a oposição; filantropia<br />

universal, mas suscetibilidade nos assuntos privados; autoridade de um<br />

Salvador e Juiz, mas a gratidão e ternura de um filho; a mais elevada devoção,<br />

porém uma vida de atividade e esforço.<br />

B) A aceitação e crença nas descrições de Cristo no Novo Testamento não<br />

podem ser explicadas a não ser baseadas no fato de que a pessoa e caráter<br />

descritos tem existência real.<br />

d) Se estas descrições fossem falsas, ainda haveria testemunhas vivas que<br />

tinham conhecido Cristo e que as teriam contraditado, b) Não havia nenhum<br />

motivo para induzir a aceitação de tais falsos relatos, mas todo o motivo para<br />

o contrário, c) O sucesso de tais falsidades só poderia ser explicado com o<br />

auxílio sobrenatural, mas Deus nunca auxiliou a falsidade. Esta pessoa e este<br />

caráter, portanto, não devem ter sido fictícios, mas reais; e se reais, então as<br />

palavras de Cristo são verdadeiras e o sistema de que sua pessoa e caráter são<br />

parte é uma revelação de Deus.<br />

“A imitação pode por pouco tempo enganar o mundo todo; mas o aumento<br />

da operação da mentira faz nascer a verdade”. M atthew A rnold, The Better<br />

Part. “Cristo era um homem como nós? Vejamos se nós também podemos<br />

ser homens tais como ele foi!” Quando o espalhafatoso cético declara: “Eu não<br />

creio que esse Jesus jamais tenha vivido!” G eorge W arren simplesmente responde:<br />

“Eu gostaria de ser como ele!” D w ig h t L. M oody foi chamado de hipócrita,<br />

porém o valoroso evangelista respondeu: “Bem, suponho que eu sou.<br />

Como isto o torna melhor? Sei de algo melhor a meu respeito, mas não posso<br />

dizer nada contra o meu Mestre”. G o e th e: “Que a cultura do espírito progrida<br />

sempre; que o espírito humano se amplie tanto quanto ele deseja; contudo,<br />

eie nunca ultrapassará a altura^e a cultura do cristianismo como ele cintila e<br />

brilha nos evangelhos”.<br />

R enan, Life of Jesus: “Jesus fundou a religião absoluta, nada excluindo,<br />

nada determinando, exceto a sua essência. O alicerce da verdadeira religião<br />

na verdade é a obra dele. Depois dele nada restou senão desenvolver e frutificar”.<br />

E um erudito cristão assinalou: “É uma espantosa prova da direção<br />

divina conceder aos evangelistas o que ninguém, da sua época, ou desde<br />

então, foi capaz de retocar o quadro de Cristo sem desvalorizá-lo”. Podemos<br />

encontrar uma ilustração disto nas palavras de C hadwick, Old and New Unita-<br />

rianism, 207 - “A doutrina do casamento ensinada por Jesus era ascética,<br />

sua doutrina da pobreza era a comunitária, sua doutrina da caridade era


2 8 2 Augustus H opkins Strong<br />

sentimental, sua doutrina da não resistência era tai que se recomenda a Tolstoi,<br />

mas não a muitos outros da nossa época. O exemplo de Jesus é o mesmo dos<br />

seus ensinos. Seguido sem reservas, não justificaria que se dissesse:<br />

‘A esperança da raça está na sua extinção'; acabar subitamente com todas as<br />

nossas alegrias e tristezas?” A isto podemos responder com as palavras de<br />

H uxley, que declara que Jesus Cristo é o mais nobre ideal da natureza humana<br />

que o ser humano ainda adora”. G ordon, Christ of To-Day, 179 - “A questão<br />

não é se Cristo é suficientemente bom para representar o Ser Supremo, mas<br />

se o Supremo Ser é suficientemente bom para ter Cristo como seu representante.<br />

J ohn S tuart M ill encara a religião cristã como o culto a Cristo, ao invés<br />

de prestá-lo a Deus, e explica desta forma o beneffcio da sua influência”.<br />

J ohn S tuart M ill, Essays on Religion, 254 - “A mais valiosa parte do efeito<br />

sobre o caráter que o cristianismo produz sustentando numa pessoa divina<br />

um padrão de excelência e um modelo digno de imitação, é valioso mesmo<br />

para o totalmente descrente, e que nunca mais se perde para a humanidade.<br />

Porque é Cristo e não Deus que mantém para os que crêem um padrão de<br />

perfeição para a humanidade. É o Deus encarnado em vez do Deus dos<br />

judeus ou o da natureza, que, sendo idealizado, assumiu tão grande e salutar<br />

força na mente moderna. E seja o que for retirado de nós pela crítica racional,<br />

Cristo ainda permanece: a única figura, não mais diferente de todos os seus<br />

antecessores do que todos os seus seguidores, mesmo os que auferiram<br />

benefícios diretos da sua pregação pessoal. ... Quem, entre os seus discípulos,<br />

ou entre os seus prosélitos, foi capaz de inventar palavras atribuídas a<br />

Jesus, ou de imaginar a vida e o caráter revelado nos evangelhos? ... A respeito<br />

da vida e palavras de Jesus há um selo de originalidade pessoal em<br />

combinação com a profundidade de discernimento que, se abandonarmos a<br />

ociosa expectação de encontrar precisão científica onde algo bem diferente<br />

se objetivava, deve situar o profeta de Nazaré, até na valorização dos que<br />

não crêem na sua inspiração, no primeiro nível dos homens de gênio sublime<br />

de quem nossa espécie pode orgulhar-se. Quando este proeminente gênio<br />

se combina com as qualidades da probabilidade ou do maior reformador moral<br />

e mártir da missão que jamais existiu sobre a terra, não se pode dizer que a<br />

religião fez uma escolha má ao fixar neste homem o representante ideal e<br />

guia da humanidade; nem mesmo agora seria tranqüilo, até para um incrédulo,<br />

encontrar uma tradução melhor da regra de virtude a partir do abstrato<br />

para o concreto do que o empenho no viver que Cristo aprovaria para a nossa<br />

vida. Quando acrescentamos a isto que, à concepção racional do cético permanece<br />

a possibilidade de que Cristo na verdade é ... um homem incumbido<br />

de uma comissão especial, expressa e única da parte de Deus de conduzir à<br />

verdade e à virtude, bem podemos concluir que as influências da religião no<br />

caráter, que continuarão depois que a crítica racional fez o máximo contra as<br />

evidências da religião, bem merecem ser preservadas e aquilo que lhes falta<br />

na força direta em comparação com as da mais firme crença é muito mais<br />

compensada pela maior verdade e retidão da moral que elas sancionam”.<br />

4. O testemunho do próprio Cristo<br />

Como um mensageiro de Deus e uno com Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 8 3<br />

Só uma personagem na história reivindicou ensinar a verdade absoluta, ser<br />

um com Deus e atestar sua missão divina por obras tais que só Deus podia<br />

operar.<br />

A) Este testemunho não pode ser explicado com base na hipótese de que<br />

Jesus era um enganador intencional: pois d) a perfeitamente consistente santidade<br />

da sua vida; b) a confiança não oscilante com que ele desafiava a investigação<br />

das suas reivindicações e firmava todos sobre o resultado; c) a grande<br />

improbabilidade de uma duradoura mentira nos declarados interesses da verdade;<br />

e d) a impossibilidade de que o engano tivesse operado tal bênção ao<br />

mundo, tudo isso mostra que Jesus não era nenhum consciente impostor.<br />

F isher, Essays on the Supernat. Origin of Christianity 515-538 - Cristo<br />

sabia quão vastas eram as suas reivindicações, embora estivesse firme em<br />

todas elas. Apesar de que outros duvidassem, ele mesmo nunca duvidou.<br />

Perseguido até à morte ele nunca abandonou o seu testemunho consistente.<br />

Continua a defender a humildade: Mt. 11.29 - “Eu sou manso e humilde de<br />

coração”. Como podemos reconciliar a sua constante auto-afirmação com a<br />

humildade? Respondemos que a auto-afirmação de Jesus é absolutamente<br />

essencial à sua missão porque ele e a verdade são um: ele não podia afirmar<br />

a verdade sem afirmar a si mesmo e não podia afirmar a si mesmo sem afirmar<br />

a verdade. Visto que ele é a verdade, é preciso que a diga por amor aos<br />

homens e por amor à verdade e poderia ser manso e humilde de coração ao<br />

dizê-io. Humildade não é autodepreciação, mas o julgamento de nós mesmos<br />

segundo o padrão perfeito de Deus. A palavra ‘humildade’ deriva de ‘humus’.<br />

É a descida do etéreo e vão auto-engrandecimento para a base sólida, solo<br />

impermeável, do verdadeiro fato.<br />

Deus só requer de nós humildade na medida que for consistente com a<br />

verdade. A glorificação própria do egocêntrico é nauseante porque indica grosseira<br />

ignorância ou falsa interpretação do eu. Mas é preciso ser auto-afirma-<br />

tivo, na medida em que representamos a verdade e a justiça de Deus.<br />

Há uma nobre auto-afirmação que é perfeitamente consistente com a humildade.<br />

Jó conservou a sua integridade. A humildade de Paulo não era uma<br />

varia n te ^ Urias. Quando a ocasião exigia, ele podia afirmar a sua varonili-<br />

dade e os seus direitos, como em Filipos no Castelo de Antônia. Do mesmo<br />

modo o cristão deve, com franqueza, dizer a verdade que está dentro de si.<br />

Cada cristão tem a sua própria experiência e deve contá-la aos outros. Ao<br />

testemunhar a verdade ele só está seguindo o exemplo de “Jesus Cristo, que<br />

diante de Pôncio Pilatos deu o testemunho de boa confissão” (1 Tm. 6.13).<br />

B) Nem o testemunho de Jesus a seu próprio respeito pode ser explicado<br />

com base na hipótese de que ele enganava-se a si mesmo: pois isso indicaria<br />

d) fraqueza e tolice somadas à insanidade positiva. Mas seu caráter e vida total<br />

demonstram calma, dignidade, equilíbrio, insight, domínio próprio totalmente<br />

inconsistentes com tal teoria. Ou indicaria b) uma ignorância de si mesmo e


2 8 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

exagero de si mesmo que só podiam brotar da mais profunda perversão moral.<br />

Mas a pureza absoluta da consciência, a humildade do espírito, a altruística<br />

beneficência da sua vida mostram que esta hipótese é incrível.<br />

R o gers, Superhumart Orígin ofthe Bible, - Se ele fosse um homem, exigir<br />

que o mundo todo se curvasse diante dele seria um escárnio como o que<br />

sentimos por algum monarca de Bedlam ostentando uma coroa de palha.<br />

F orest, The Chríst of History and of Experience, 22,76 - Cristo nunca se uniu<br />

com os discípulos em oração. Ele subiu ao monte para orar, mas não orar<br />

com eles: Lc. 9.18 - “estando ele orando em particular, estavam com ele os<br />

seus discípulos”. A consciência da preexistência é precondição indispensável<br />

da demanda que ele faz nos sinóticos. A damson, The Mind in Chríst, 81,82<br />

- Avaliamos o testemunho dos cristãos conforme a sua comunhão com Deus.<br />

Devemos muito mais avaliar o testemunho de Cristo. Só aquele que, sendo<br />

em primeiro lugar divino, também sabe que ele é divino, pode revelar as coisas<br />

celestes com a nitidez e certeza que pertencem aos pronunciamentos de<br />

Jesus. Nele temos algo bem diferente dos flashes do discernimento que nos<br />

deixam na maior escuridão.<br />

N ash, Ethics and Revelation, 5 - “O respeito próprio apoia-se na capacidade<br />

de tornar o que se deseja ser; e, se a capacidade freqüentemente é<br />

inferior à tarefa, as fontes do respeito próprio secam-se; os motivos da felicidade<br />

e da ação heróica murcham. A ciência, a arte, a generosa vida cívica e<br />

especialmente a religião vêm em socorro do homem”, mostrando-lhe sua verdadeira<br />

grandeza e o fôlego do ser em Deus. O Estado é o eu maior do indivíduo.<br />

A humanidade e até mesmo o universo são partes dele. É dever do<br />

homem capacitar todos os homens a ser humanos. É possível que os homens<br />

não só de um modo verdadeiro, mas racional façam afirmativas até mesmo<br />

em assuntos terrenos. C hatham ao Duque de Devonshire: “Meu Senhor, creio<br />

que posso salvar este país, e que ninguém mais pode”. L eonardo da V inci, aos<br />

trinta anos, ao Duque de Milão: “Posso completar todo tipo de obra de escultura,<br />

em argila, mármore e em bronze; também em pintura posso executar<br />

tudo o que demandam, do)nesmo modo que quem quer que seja”.<br />

H orácio: “Exegi monumentum aere perennius” (Esculpi um monumento<br />

mais duradouro que o bronze). S avage, Life beyond Death, 209 - Um velho<br />

ministro famoso disse certa feita, quando um jovem e zeloso entusiasta tentou<br />

entabular com ele uma conversa e, falhando, explodiu com isto: “Afinal<br />

você não tem uma religião?” “Não tenho nenhuma de que eu deva falai” , foi a<br />

resposta. Quando Jesus percebeu nos discípulos uma tendência para a glorificação<br />

de si mesmos, argumentou com o silêncio; mas quando percebeu a<br />

tendência de Introdospeção e inércia, ele os mandou proclamar o que ele<br />

tinha feito por eles (Mt. 8.4; Mc. 5.19). Nunca é correto o crente proclamar-se<br />

a si próprio; mas, se Cristo não proclamasse a si mesmo, o mundo nunca<br />

poderia ser salvo. R ush R ees, Life of Jesus of Nazareth, 235-237 - No ensino<br />

de Jesus, dois tópicos ocupam um lugar de destaque: o Reino de Deus e a<br />

sua própria pessoa. Ele procurava ser o Senhor, e não apenas o Mestre.<br />

Contudo, o seu Reino não é de força, ou nacional, ou exterior, mas de amor<br />

paterno e de fraternidade recíproca”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 8 5<br />

Jesus realizou alguma coisa de efeito, ou como um simples exemplo?<br />

Não é assim. O seu batismo teve para ele um significado como de consagração<br />

de si mesmo à morte pelos pecados do mundo e a lavagem dos pés dos<br />

discípulos foi o apropriado começo da ceia pascal e o símbolo do abandono<br />

da glória celestial a fim de purificar-nos para as bodas do Cordeiro. T homas à<br />

Kempis: “T u não és mais santo do que és louvado e nada pior porque tu és<br />

censurado. O que tu és, tu és, e isto nada vale para ser tratado como melhor<br />

do que tu és à vista de Deus”. A consciência de Jesus sobre a sua ausência<br />

absoluta de pecado e sua comunhão com Deus é o mais forte testemunho da<br />

sua natureza divina e missão.<br />

Se Jesus, então, não pode ser acusado de insanidade mental ou moral, seu<br />

testemunho deve ser verdadeiro e ele mesmo deve ser um com Deus e o revelador<br />

de Deus aos homens.<br />

Nem Confúcio, nem Buda reivindicavam ser divinos, ou órgãos da revelação<br />

divina, embora ambos fossem mestres morais e reformadores. Parece<br />

que Zoroastro e Pitágoras criam ser incumbidos de uma divina missão, embora<br />

os seus mais antigos biógrafos tenham escrito alguns séculos após a morte<br />

deles. Sócrates nada reivindicava para si que estivesse além do poder dos<br />

outros. Maomé cria que os estados extraordinários do seu corpo e da sua alma<br />

deviam-se à ação de seres celestes; ele produziu o Corão como “uma advertência<br />

a todas as criaturas”, fez uma convocação ao rei da Pérsia e ao imperador<br />

de Constantinopla, assim como a outras potestades, para que aceitassem<br />

a religião do Islam; contudo, lamentou, quando à morte, que não tivesse<br />

tido a oportunidade de corrigir os equívocos do Corão e os da sua própria<br />

vida. Se Confúcio ou Buda, Zoroastro ou Pitágoras, Sócrates ou Maomé reivindicassem<br />

todo o poder no céu e na terra revelariam insanidade ou perversão<br />

moral. Mas isto é precisamente o que Jesus reivindicava. Ou ele era<br />

mental ou moralmente^insano, ou o seu testemunho é verdadeiro.<br />

IV. RESULTAD O S H IST Ó R IC O S D A P R O P A G A Ç Ã O D A DOU­<br />

TRIN A D A E SC R IT U R A<br />

1. O rápido progresso do evangelho nos primeiros séculos da nossa era<br />

mostra a sua origem divina.<br />

A) É uma reconhecida maravilha da história que o cristianismo teria suplantado<br />

o paganismo em três séculos.<br />

A conversão do Império Romano ao cristianismo foi a mais espantosa<br />

revolução na fé e no culto jamais conhecida. Cinqüenta anos após a morte<br />

de Cristo havia igrejas em todas as principais cidades do Império Romano.<br />

Nero (37-68) encontrou (como declara T ácito) uma “ingens multituto” (grande


2 8 6 Augustus Hopkins Strong<br />

multidão) de cristãos para perseguir. P línio escreve a T rajano (52-117) que<br />

eies “invadiram não somente as cidades, mas as aldeias e campos de sorte<br />

que os tempios estavam quase desertos”. T ertuliano (160-230) escreve:<br />

“Nós somos apenas de ontem e, contudo, temos enchido os vossos lugares,<br />

as vossas cidades, as vossas ilhas, os vossos castelos, as vossas casas de<br />

concilio, até os vossos campos, vossas tribos, vosso senado, vosso fórum.<br />

Nada vos temos deixado a não ser os vossos templos”. No tempo do imperador<br />

Valeriano (253-268), os cristãos constituíam-se a metade da população<br />

de Roma. A conversão do imperador Constantino (272-337) subordinou o<br />

império todo, apenas trezentos anos após a morte de Cristo, ao domínio do<br />

evangelho.<br />

B) A maravilha é maior quando consideramos os obstáculos ao progresso<br />

do cristianismo: d) O ceticismo das classes cultas; b) o preconceito e a aversão<br />

pelo povo simples; e c) as perseguições realizadas pelo governo.<br />

a) Os missionários, mesmo atualmente, acham difícil ter um ouvinte entre<br />

as classes cultas dos pagãos. Mas o evangelho apareceu na mais iluminada<br />

era da antigüidade - a era da literatura de Augusto'e da pesquisa histórica.<br />

T ácito chamou a religião de Cristo “exitiabilis superstitio” - quos per flagitia<br />

invisos vulgos Christianos appelabat” (fatal superstição - os quais, por causa<br />

da sua infâmia, o povo chamava de cristãos). P línio: “Nihil aliud inveni quam<br />

superstitionem pravam immodicam”. Se o evangelho fosse falso, seus pregadores<br />

não se teriam aventurado nos centros da civilização e refinamento; ou<br />

se o tivessem, seriam detectados, b) Considere o entrelaçamento das religiões<br />

pagãs com todas as relações da vida. Freqüentemente os cristãos tiveram<br />

de enfrentar o furioso zelo e a cega ira da turba, como em Listra e Éfeso.<br />

c) Raw linson, em Historical Evidences, defende que as Catacumbas de Roma<br />

compreendiam novecentas milhas de ruas e sete milhões de sepulturas dentro<br />

de um período de quatrocentos anos - número bem maior do que poderia<br />

ter morrido de morte natural - e que grande multidão deles deve ter sido<br />

massacrada por causa da sua fé. Contudo, a Enciclopédia Britânica, chama a<br />

estimativa de Di M archi, que R awlinson parece ter tomado como autoridade,<br />

um grande exagero. Ao invés de novecentas milhas de ruas, N orthcoate apresenta<br />

trezentas e cinqüenta. O número de enterros seria de menos que três<br />

milhões. As Catacumbas começam a ser desertadas no tempo de J erônimo.<br />

Na época, quando os cristãos as empregavam universalmente, não chegariam<br />

a mais de duzentos anos. Elas não começaram em covas de areia.<br />

Havia três tipos de tufo: 1) rochoso empregado em escavações e de consistência<br />

dura para o propósito cristão; 2) arenoso, empregado em fossos de<br />

areia, muito macios para permitirem a construção de galerias e túmulos;<br />

3) granuiar, empregado pelos cristãos. A existência das Catacumbas deve ter<br />

sido bem conhecida pelos pagãos. Depois do Papa Dâmaso começou uma<br />

exagerada reverência por elas. Eram decoradas e aprimoradas. Por isso muitas<br />

pinturas são de data posterior a 400 e testificam a política papal, não a do<br />

cristianismo primitivo. As botijas não contêm sangue, mas o vinho da eucaristia<br />

celebrada no funeral.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 8 7<br />

Fisher, Nature and Method of Revelation, 256-258, chama a atenção para<br />

a descrição de Matthew A rnold sobre as necessidades do mundo pagão, não<br />

obstante a cegueira a respeito do verdadeiro remédio: “Naquele duro mundo<br />

pagão o desgosto e aversão caíram; cansaço e saciada luxúria fizeram da<br />

vida do homem um inferno. No frio salão, olhos desfigurados, jaz o nobre<br />

romano; dirigia em furiosa aparência, através da Via Ápia; com ferocidade e<br />

rapidez bebia e coroava de flores o seu cabelo; nem mais tranqüilo, nem mais<br />

rápido passava as desvairadas horas”. Embora com mescla de orgulho e tristeza,<br />

o S r. A rnold fastidiosamente rejeita o alimento celestial. A respeito de<br />

Cristo ele diz: “Ei-lo agora morto! Longe daqui jaz, na longínqua cidade síria<br />

e, na sua sepultura, de olhos brilhantes, as estrelas sírias olham para baixo".<br />

Ele vê que os milhões “têm tal necessidade de alegria cujas terras são verdadeiras<br />

que impregnam os corações do mesmo modo como no passado quando<br />

ainda eram novas”. O mundo tem necessidade de: “Uma poderosa onda<br />

de pensamento e de alegria elevando a humanidade vigorosamente”. Mas o<br />

poeta não vê apoio para a esperança: “Tolos! tão freqüentes aqui, a felicidade<br />

zomba das nossas oraçpsã e acho que poderia fazer-nos temer semelhante<br />

evento alhures, fazer-nos voar não para os sonhos, mas para o desejo moderado”.<br />

Ele canta o tempo quando o cristianismo era jovem: “Ah! se eu vivesse<br />

aqueles grandes dias, como a sua glória encheria a terra e o céu novamente<br />

e também captaria o meu espírito arrebatador!” Mas a desolação do espírito<br />

não traz consigo qualquer humildade de auto-estima, nem mesmo a humildade<br />

que deplora a presença e a força do mal na alma e os anseios do livramento.<br />

“Não necessitam de médico os sãos, mas sim os doentes” (Mt. 9.12).<br />

C) A maravilha torna-se ainda maior quando consideramos a insuficiência<br />

natural dos meios empregados para garantir esse progresso.<br />

d) Os proclamadores do evangelho eram em geral homens iletrados pertencentes<br />

a uma nação desprezada, b) O evangelho que eles proclamavam era de<br />

salvação pela fé em um judeu que tinha sido levado a uma morte ignominiosa.<br />

c) O evangelho estimulava repugnância natural, rebaixando o orgulho dos<br />

homens, tocando na raiz dos pecados deles e exigindo vida de labor e auto-<br />

sacrifício. d) Contudo, o evangelho era exclusivo, não admitindo nenhum<br />

rival e declarando-se a religião universal e única.<br />

a) Não é mais improvável que os cristãos primitivos fizessem mais convertidos<br />

do que os modernos judeus com relação aos prosélitos, em grande<br />

número nas principais cidades da Europa e da América. C elsus chamava o<br />

cristianismo de “religião da ralé”, b) A cruz correspondia à forca romana -<br />

punição para os escravos. Cícero chama-a “servitutis extremum summumque<br />

suplicium” (suplício extremo e supremo da escravidão), c) Havia muitas religiões<br />

más; por que o brando Império Romano perseguiu só as boas? Em parte<br />

a resposta é: A perseguição não tem origem nas classes oficiais; na realidade<br />

procedia do povo em geral. Tácito chamava os cristãos de “abominadores da<br />

raça humana”. Os homens reconheciam no cristianismo um inimigo de todos


2 8 8 Augustus Hopkins Strong<br />

os seus antigos motivos, ideais e objetivos. O altruísmo romperia com a velha<br />

sociedade, porque todo esforço centrado no eu ou na vida presente era estigmatizado<br />

pelo evangelho como indigno, d) Não tendo credo ou princípios, o<br />

paganismo não se preocupava com a sua propagação. “O homem deve ser<br />

muito fraco”, dizia C elsus, “para imaginar que os gregos e bárbaros na Ásia,<br />

Europa e Líbia nunca podem unir-se sob o mesmo sistema de religião”. Deste<br />

modo o governo romano não permitiria religião nenhuma que não participasse<br />

da adoração do Estado. “Guardai-vos dos ídolos”, “nós não adoramos<br />

outro Deus”, era a resposta do cristão. Gibbon, Hist. Decline and Fali, 1. cap.<br />

15, menciona como causas secundárias: 1) o zelo dos judeus; 2) a doutrina<br />

da imortalidade; 3) os poderes miraculosos; 4) as virtudes do cristianismo<br />

primitivo; 5) o privilégio na participação do governo da igreja. Porém estas<br />

causas eram apenas secundárias e todas seriam insuficientes se não houvesse<br />

uma invencível persuasão da verdade do cristianismo. A perseguição<br />

destrói a falsidade ao induzir seus defensores a investigar as bases da sua<br />

crença; mas reforça e multiplica a verdade ao induzir seus defensores a ver<br />

mais claramente os fundamentos da sua fé. Deve ter havido muitos perseguidores<br />

conscientes: Jo. 16.2 - “Expulsar-vos-ão das sinagogas: vem a hora<br />

em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus”. O Decreto<br />

do Papa Urbano II reza: “Porque não consideramos homicidas os que, casualmente,<br />

em seu incandescente zelo contra os excomungados, os levarem à<br />

morte”. S. Luís, rei da França, estimulava seus oficiais: “Não discutais com os<br />

infiéis, mas dominai os incrédulos cravando a espada até onde ela possa<br />

penetrar”. Conta-se que a tortura na Inglaterra em certa ocasião, era empregada<br />

com toda a brandura que a natureza do instrumento permitia. Isto lembra<br />

a instrução de/tsaak Walton quanto ao uso da rã: “Ponha gancho através<br />

da sua boca e da sua papada; e, ao fazer isso, use de muito amor para<br />

com ela”.<br />

Robert Browning, em EasterDay, 275-288, dá-nos o propósito epitáfio de<br />

um Mártir, inscrito na parede das Catacumbas, que fornece um valioso contraste<br />

com o cético e pessimista esforço de Matthew Arnold: “Nasci doente,<br />

pobre e fraco, escravo; nenhuma miséria poderia impedir os guardadores da<br />

pérola preciosa da inveja de César; por isso duas vezes lutei contra os animais<br />

e três vezes vi meus filhos sofrerem por causa da sua lei; à distância<br />

sofri o abandono; houve ocasião em que eu estava para ser queimado, mas<br />

uma certa Mão aproximou-se de mim através do fogo que havia sobre a<br />

minha cabeça e conduziu a minha alma a Cristo, que agora vejo. Meu irmão<br />

Sérgio escreve-me este testemunho na parede - Por mim esqueci tudo”.<br />

Não se pode explicar o progresso de uma religião de tal modo desprovida<br />

de atrativos e sem compromisso com a aceitação e domínio exteriores, no<br />

período de trezentos anos, sem que se suponha a assistência de sua promulgação<br />

e, portanto, que o evangelho é uma revelação da parte de Deus.<br />

Stanley, Life and Letters, 1.527 - “Na Catedral do Kremlin, sempre que o<br />

Metropolitano avançava do altar para dar a sua bênção, sob os seus pés


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 8 9<br />

havia um tapete bordado com uma águia da antiga Roma Pagã, a indicar que<br />

a Igreja Cristã e o império de Constantinopla alcançou sucesso e triunfou”.<br />

2. A influência benéfica das doutrinas e preceitos da Escritura onde quer<br />

que tenham tido preponderância, mostra a origem divina.<br />

A) Sua influência na civilização em geral, garantindo um reconhecimento<br />

dos princípios que o paganismo ignorava, tais como Garbett menciona:<br />

a) a importância do indivíduo; b) a lei do amor recíproco; c) a santidade<br />

da vida humana; d) a doutrina da santidade interior; e) a santidade do lar;<br />

f) a monogamia e a igualdade religiosa de ambos os sexos; g) identificação da<br />

crença e prática.<br />

A contínua corrupção das terras pagãs mostra que esta mudança não se<br />

deve a quaisquer leis de simples progresso natural. As confissões dos escritores<br />

antigos mostram que isto não se deve à filosofia. Sua única explicação é<br />

que o evangelho é o poder de Deus.<br />

B race, Gesta Chrísti, prefácio, vi - “Práticas e princípios implantados,<br />

estimulados ou sustentados pelo cristianismo: As que levam em consideração<br />

a personalidade do mais fraco e do mais pobre; o respeito pela mulher; o<br />

dever de cada membro das classes privilegiadas de elevar os infortunados; a<br />

humanidaae para com a criança, para com o prisioneiro e para com o estrangeiro,<br />

para com o necessitado, e até mesmo para com o animal irracional; a<br />

incessante oposição a toda forma de crueldade, opressão e escravidão; o<br />

dever de pureza pessoal, e a santidade do matrimônio; a necessidade da<br />

temperança; a obrigação de uma divisão mais eqüitativa do rendimento do<br />

trabalho, e da maior cooperação entre empregadores e empregados; o direito<br />

que cada ser humano tem de maior oportunidade de desenvolver suas faculdades<br />

e de todas pessoas usufruírem iguais privilégios políticos e sociais; o<br />

princípio de que a ofensa à nação é ofensa a todos e o interesse e dever do<br />

comércio e intercâmbio irrestrito entre todos os países; e, finalmente, uma<br />

profunda oposição à guerra, uma determinação de limitar seus males quando<br />

advenham e impedir o seu surgimento através da arbitragem internacional”.<br />

Max M üller: “O conceito de humanidade é o dom de Cristo”. Guizot, History<br />

of Civilization, 1. Introd., conta-nos que nos tempos antigos o indivíduo existia<br />

em função do Estado; nos tempos modernos o Estado existe em função do<br />

indivíduo. “O indivíduo é uma descoberta de Cristo”. Sobre as relações entre<br />

o cristianismo e a economia política, ver A. H. Strong, Philosophy and Religion,<br />

pp. 443-160; sobre a causa da mudança do ponto de vista considerado na<br />

relação do indivíduo para com o Estado, verp. 207 - “O que operou a mudança?<br />

Nada a não ser a morte do Filho de Deus. Quando se viu que a menor<br />

criança e o mais humilde escravo têm uma alma tão digna de que Cristo<br />

deixasse o seu trono e entregasse a sua vida para salvá-lo, os valores do<br />

mundo alteraram-se e foi então que começou a história moderna”. Luciano,


2 9 0 Augustus Hopkins Strong<br />

satírico e humorista grego, 160 A.D., dizia a respeito dos cristãos: “Seu primeiro<br />

legislador [Jesus] pôs na cabeça deles que eles são todos irmãos”.<br />

Foi o espírito da fraternidade comum que na maioria dos países levou à<br />

abolição do canibalismo, do infanticídio, da queima das viúvas e à abolição<br />

escravidão. Príncipe Bismarck: “ Para o bem-estar social eu não peço nada a<br />

não ser o cristianismo sem frases” - o que significa a religião de fatos mais do<br />

que de credos (Os romanos diziam: Res, non verba - ações, não palavras).<br />

Na revelação histórica de Deus em Cristo só a fé tornou possíveis os feitos<br />

cristãos. S haler, Interpretation of Nature, 232-278 - Se A ristóteles pudesse<br />

contemplar a sociedade dos dias atuais, pensaria no homem moderno como<br />

uma nova espécie, saindo em simpatia aos povos distantes. Isto não pode<br />

resultar de uma seleção natural, porque o sacrifício próprio não tem proveito<br />

algum para o indivíduo. As emoções altruísticas devem sua existência a Deus.<br />

A adoração a Deus fluiu sobre as emõções humanas tornando-as mais sim ­<br />

páticas. Autoconsciência e simpatia, entrando em conflito com as emoções<br />

do bruto, originam o senso do pecado. É aí que começa a guerra entre o<br />

elemento natural e o espiritual. O amor da natureza e absorção em outros é o<br />

verdadeiro Nirvana. A humanidade necessita mais de educação do que de<br />

ciência física.<br />

H. E. Hersey, Introd. to Browning’s Christimas Eve, 19 - “S ídney Lanier diz-<br />

nos que os vinte últimos séculos gastaram o melhor de sua força no desenvolvimento<br />

da personalidade. A literatura, a educação, o governo e a religião<br />

aprenderam a reconhecer o indivíduo como a unidade de força. Browning vai<br />

um passo adiante. Ele declara que tão poderosa força é a personalidade completa<br />

que ao seu próprio toque dá vida, e coragem, e potencialidade. Ele se<br />

volta para a história em busca de inspiração para persistir na virtude e no<br />

estímulo a um esforço sustentado e encontra ambos em Cristo”. J. P. Cooke,<br />

Credentials of Science, 43 - A mudança do antigo filósofo para o moderno<br />

investigador é a da auto-afirmação para a devoção de si mesmo e a grande<br />

revolução pode ser traçada sob a influência do cristianismo e do espírito de<br />

humildade apresentado e iaculGado poc Gristo. Lewes,, Hist. Phiios., \ A06 -<br />

A moralidade grega nunca abrangeu qualquer conceito de humanidade;<br />

nenhum grego jamais atingiu a sublimidade de tal ponto de vista.<br />

Kidd, Social Evolution, 165,287 - Não é o intelecto que impulsiona o mundo<br />

dos tempos modernos; é o sentimento altruísta que se originou na cruz e<br />

no sacrifício de Cristo. A Revolução Francesa tornou-se possível porque as<br />

idéias humanitárias solaparam as próprias classes altas, e foi-lhes impossível<br />

a resistência eficaz. O socialismo aboliria a luta pela existência da parte<br />

dos indivíduos. Que segurança haveria para o progresso social? Remover<br />

todas as restrições à população garante a deterioração progressiva. Uma<br />

comunidade não socialista vai além da socialista, onde todos os principais<br />

desejos da vida estariam garantidos. A tendência real da sociedade é pôr<br />

todo o povo em rivalidade, não só no que tange à igualdade política, mas às<br />

condições de oportunidades sociais equânimes. No futuro, o Estado interferirá<br />

e controlará para preservar e garantir a livre competição, não obstá-la.<br />

O objetivo não é o socialismo ou o gerenciamento do Estado, mas a competição<br />

em que todos terão vantagens iguais. A evolução da sociedade humana<br />

não é primordialmente intelectual, mas religiosa. As raças vencedoras são as


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 291<br />

religiosas. Os gregos tinham mais intelecto, mas nós temos mais civilização e<br />

progresso. Os atenienses estavam tão acima de nós como nós acima da raça<br />

negra. Gladstone dizia que somos intelectualmente mais fracos que os medievais.<br />

Quando o desenvolvimento intelectual de qualquer setor da raça na época<br />

ultrapassa o ético, a seleção aparentemente é prejudicada, como qualquer<br />

outro produto inadequado. A evolução está desenvolvendo a reverência com<br />

suas qualidades aliadas: energia mental, resolução, empreendimento, aplicação<br />

prolongada e concentrada, com humildade e com o propósito único do<br />

cumprimento do dever. Só a religião pode sobrepujar o egoísmo e o individualismo<br />

e garantir o progresso social.<br />

B) Sua influência no caráter e felicidade do indivíduo em qualquer parte<br />

tem sido testada na prática. Esta influência se vê d) nas transformações morais<br />

que eles operaram - como no caso do apóstolo Paulo e pessoas em cada comunidade<br />

cristã; b) nos labores altruístas para o bem-estar humano que eles conduziam<br />

- como no caso de W il b e r f o r c e e J u d s o n ; c ) nas esperanças que eles<br />

inspiraram nos tempos de tristeza e morte.<br />

Estes frutos benéficos não podem ter sua fonte em causas simplesmente<br />

naturais independentemente da verdade e divindade das Escrituras; pois nesse<br />

caso as crenças contrárias seriam acompanhadas pelas mesmas bênçãos. Mas<br />

porque achamos estas bênçãos só em conexão com o ensino cristão podemos<br />

com justiça considerar esta como a sua causa. Este ensino, então, deve ser<br />

verdadeiro e as Escrituras devem ser uma revelação divina. Caso contrário,<br />

Deus teria feito uma mentira ser uma grande bênção para a raça.<br />

Os missionários morávios nas índias Ocidentais andavam seiscentas<br />

milhas para tomar um navio, trabalhavam pela passagem e vendiam-se como<br />

escravos a fim de obter o privilégio de pregar aos negros. ... O pai de J ohn G.<br />

P aton era um tecelão de meias. A família toda, exceto as criancinhas, trabalhava<br />

desde as 6 da manhã até as 10 da noite, com uma hora para o jantar e<br />

meia hora para o desjejum e para a ceia. Ainda a família regularmente orava<br />

duas vezes por dia. Nesses intervalos para as refeições diárias J ohn G. Paton<br />

empregava parte do seu tempo para estudar a gramática latina, a fim de pre-<br />

parar-se para a obra missionária. Quando o seu tio lhe disse que, se ele fosse<br />

para as Novas Hébridas, os canibais poderiam devorá-lo, ele retrucou: “Daqui<br />

a pouco o senhor vai estar morto e vai ser sepultado e eu prefiro ser devorado<br />

pelos canibais a ser devorado pelos vermes”. Os aneitiumesi durante quinze<br />

anos arrancavam raízes de mandioca e as vendiam para pagar as 1200 libras<br />

exigidas para a impressão da Bíblia em sua própria língua. A assistência universal<br />

da igreja e o estudo da Bíblia fizeram das Ilhas do Mar do Sul o lugar<br />

mais celeste da terra aos sábados.<br />

Em 1839, vinte mil negros da Jamaica reuniram-se para iniciar uma vida<br />

de liberdade. Em um caixão eram postos algemas e grilhões, relíquias da<br />

estaca de tortura e o açoite. Quando o relógio soava as doze badaladas à


2 9 2 Augustus Hopkins Strong<br />

noite, um pregador clamava com grande ênfase: “O monstro está morrendo”!<br />

e deste modo, ao fim, com a última badalada, ele clamava: “O monstro morreu!”.<br />

Então todos os que estavam de joelhos levantavam-se e cantavam:<br />

“Louvado seja Deus de quem fluem todas bênçãos!” ... “Por que fazeis isso?”<br />

dizia o enfermo chinês que o médico estava cuidando na cama com uma<br />

atenção que nunca ele havia recebido desde nenê. O missionário aproveitou<br />

a oportunidade para falar-lhe do amor de Cristo. ... Quando disseram a uma<br />

idosa mãe australiana que duas filhas missionárias na China tinham sido ambas<br />

assassinadas por uma turba pagã, só respondeu: “Isto me faz tomar uma<br />

decisão: agora eu é que irei à China e tentarei ensinar àquelas pobres criaturas<br />

o que é o amor de Jesus”. ... Dr- W illiam A shm ore: “Morra um missionário<br />

e dez virão ao seu funeral”. Um sapateiro, ensinando meninos e meninas<br />

abandonados, enquanto trabalhava em sua banca, causou o impulso à vida<br />

de fé de T homas G u thrie.<br />

Devemos julgar as religiões não por seus ideais, mas por suas realizações.<br />

O mar Kayyám e M ozoomdar dão-nos belos pensamentos, mas aquele<br />

não é a Pérsia, nem este é a índia. Quando a pesquisa microscópica do ceticismo,<br />

que tem caçado os céus e sondado os mares para negar a existência<br />

de um Criador, tem voltado a sua atenção para a sociedade humana e tem<br />

achado neste planeta um lugar de dez milhas q\iadradas onde um homem<br />

decente pode viver com decência, conforto e segurança, sustentando e educando<br />

seus filhos, livres de saques e poluição; um lugar onde a senilidade é<br />

reverenciada, a infância é protegida, o ser humano é respeitado, a mulher é<br />

honrada e a vida humana é tida na devida consideração - quando os céticos<br />

puderem encontrar tal lugar com dez milhas quadradas neste globo, aonde<br />

não chegou o evangelho de Cristo e limpou o caminho e lançou os fundamentos<br />

e tornou possível a decência e a segurança, então estará em ordem que<br />

os literatos céticos se movimentem e ventilem os seus pontos de vista. Mas<br />

enquanto estes mesmos homens dependerem da própria religião, eles não<br />

gozarão desse privilégio, bem podem hesitar antes de roubar ao cristão a sua<br />

esperança e humanitarismo da sua fé no único Salvador que concedeu tal<br />

esperança de vida eterna que torna a vida tolerável e a sociedade possível e<br />

rouba da morte os seus terrores e da sepultura as suas agonias”.


C a p í t u l o III<br />

INSPIRAÇÃO NAS ESCRITURAS<br />

I. DEFIN IÇÃO DE IN SP IR A Ç Ã O<br />

Inspiração é a influência do Espírito de Deus sobre as mentes dos escritores<br />

da Bíblia que fizeram dos escritos o registro de uma revelação divina progressiva,<br />

suficiente, quando tomada no seu conjunto e interpretada pelo mesmo<br />

Espírito que os inspirou a dirigir cada inquiridor a Cristo e à salvação.<br />

Observe o sentido de cada parte da definição: 1. Inspiração é uma influência<br />

do Espírito de Deus. Não é simplesmente um fenômeno da natureza, ou<br />

um capricho psicológico, mas o efeito da operação interior do Espírito divino<br />

pessoal. 2. Contudo, a inspiração não é uma influência sobre o corpo, mas<br />

sobre a mente. Deus garante o seu fim, não através da comunicação exterior<br />

ou mecânica, mas despertando os poderes racionais do homem. 3. Os escritos<br />

dos homens inspirados são o registro de uma revelação. Eles não são,<br />

por si mesmos, a revelação. 4. Tanto a revelação como o registro são progressivos.<br />

Nenhum deles é completo no seu início. 5. Os escritos bíblicos<br />

devem ser considerados em conjunto. Deve-se ver cada uma das partes em<br />

conexão com a que precede e com a que se segue. 6. Para conhecermos a<br />

verdade, o mesmo Espírito Santo, que fez as revelações originais deve interpretar<br />

o seu registro. 7. Assim empregados e interpretados, estes escritos<br />

são suficientes, tanto em qualidade como em quantidade, para o seu propósito<br />

religioso. Não tem por fim fornecer-nos um modelo de história ou fatos da<br />

ciência, mas conduzir-nos a Cristo e à salvação.<br />

d) Por isso, a inspiração deve ser definida, não por seu método, mas por seu<br />

resultado. E um termo geral incluindo todos estes tipos e graus de influência<br />

do Espírito Santo que operaram nas mentes dos escritores da Bíblia a fim de<br />

garantir a postura na forma da verdade permanente e escrita melhor adaptada<br />

às necessidades morais e religiosas do homem.<br />

b) A inspiração pode freqüentemente incluir a revelação, ou a comunicação<br />

direta da verdade de Deus que o homem não poderia atingir por forças<br />

desauxiliadas. Pode incluir a iluminação ou despertar as forças cognitivas do<br />

homem para entender a verdade já revelada. A inspiração, contudo, não inclui


2 9 4 Augustus Hopkins Strong<br />

necessariamente e sempre a revelação e a iluminação. É simplesmente a influência<br />

divina que garante a transmissão da verdade necessária ao futuro e segundo<br />

a natureza da verdade a ser transmitida, pode apenas ser uma inspiração de<br />

superintendência, ou pode ser também e ao mesmo tempo uma inspiração de<br />

iluminação ou revelação.<br />

c) Não se nega, mas afirma-se, que a inspiração pode qualificar pronunciamento<br />

oral da verdade, ou liderança sábia e atos ousados. Os homens podem<br />

ser inspirados a prestar serviço exterior ao reino de Deus, como nos casos de<br />

Bezalel e Sansão; apesar de que esse serviço é prestado involuntária ou<br />

inconscientemente como nos casos de Balaão e Ciro. Na verdade, toda a inteligência<br />

humana se deve à inspiração do mesmo Espírito que criou o homem<br />

no princípio. Preocupamo-nos agora com a inspiração no sentido de autoria<br />

da Escritura.<br />

Gn. 2.7 - “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em<br />

suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente”; Ex. 31.2,3 -<br />

“Eis que tenho chamado por nome Bezalel... e o enchi do Espírito de Deus ...<br />

e de ciência em todo artifício”; Jz. 13.24,25 - “chamou o seu nome Sansão; e<br />

o menino cresceu, e o Senhor o abençoou. E o Espírito do Senhor o começou<br />

a impelir”; Nm. 23.5 - “Então o Senhor pôs a palavra na boca de Balaão e<br />

disse: Torna a Balaque e fala assim”; 2 Cr. 36.22 - “despertou o Senhor o<br />

espírito de Ciro”; Is. 44.28 - “quem diz de Ciro: É meu pastor”; 45.5 - “eu te<br />

cingirei, ainda que tu não me conheças”; Jó 32.8 - “há um espírito no homem,<br />

e a inspiração do Todo-poderoso os faz entendidos”. Estas passagens mostram<br />

o verdadeiro sentido de 2 Tm. 3.16 - “Toda Escritura divinamente inspirada”.<br />

A palavra eeóTtveua-coç deve ser entendida como alusão ao sopro original<br />

da vida da parte de Deus, não como o sopro do flautista no seu instrumento.<br />

A flauta é passiva, mas a alma do homem é ativa. A flauta produz só o que<br />

recebe, mas o homem inspirado sob a influência divina é consciente e livre<br />

originador do pensamento e da expressão. Embora a inspiração de que estamos<br />

tratando seja somente a dos escritos da Bíblia, podemos entender<br />

melhor este emprego restrito do termo, lembrando que todo o conhecimento<br />

real tem em si um elemento divino e que somos possuídos da consciência<br />

completa só quando vivemos, nos movemos e existimos em Deus. Porque<br />

Cristo, o divino Logos ou Razão, é “a luz que alumia a todo homem” (Jo. 1.9),<br />

uma influência especial do “Espírito de Cristo que estava neles” (1 Pe. 1.11)<br />

racionalmente explica o fato de que “homens de Deus falaram inspirados pelo<br />

Espírito Santo” (2 Pe. 1.21).<br />

É possível auxiliar o nosso entendimento dos termos acima se acrescentarmos<br />

exemplos de:<br />

1) Inspiração sem revelação, como em Lucas e Atos, Lc. 1.1-3;<br />

2) Inspiração incluindo revelação, como em Apocalipse, Ap. 1.1,11;<br />

3) Inspiração sem iluminação, como nos profetas, 1 Pe. 1.11;<br />

4. Inspiração incluindo iluminação, como no caso de Paulo, 1 Co. 2.12;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

5. Revelação sem inspiração, como nas palavras de Deus no Sinai,<br />

Ex. 20.1,22;<br />

6. Iluminação sem inspiração, como nos pregadores modernos, Ef. 2.20.<br />

Outras definições são as de P ark: “Inspiração é uma influência sobre os<br />

escritores da Bíblia de tal sorte que todos os seus ensinos são fidedignos; de<br />

W ilkinson: “Inspiração é o auxílio da parte de Deus de modo a preservar o<br />

relato da revelação divina livre do erro. Auxílio a quem? Não importa desde<br />

que se garanta o resultado. O resultado final, isto é, o registro ou relato da<br />

revelação, deve ser imune de erro. A inspiração pode afetar um ou todos os<br />

agentes empregados”; de H ovey: “A inspiração é uma influência do Espírito<br />

de Deus nas forças do homem que se preocupa em receber, em reter e<br />

expressar a verdade religiosa - uma influência de tal modo penetrante e<br />

poderosa que o ensino dos homens inspirados concorda com a mente de<br />

Deus. O ensino deles não abrange toda a verdade a respeito de Deus, ou do<br />

homem, ou o caminho da vida; mas compreende a verdade em cada assunto<br />

em particular de acordo com a medida da fé através do mestre inspirado e<br />

feita útil àqueles a quem se destina. Neste sentido, o ensino dos documentos<br />

originais que compõem a nossa Bíblia podem ser declarados isentos de erro”;<br />

de G.B. F o s te r: “Revelação é a ação de Deus na alma do seu filho, resultando<br />

na própria expressão divina: Inspiração é a ação de Deus na alma do seu<br />

filho resultando na apreensão e apropriação da expressão divina. A revelação<br />

tem prioridade lógica, mas não cronológica”; de H orton, Inspiration and<br />

the Bible, 10-13 - “Por inspiração significamos exatamente as qualidades e<br />

caraterísticas que são marcas ou notas da Bíblia ... Dizemos que a nossa<br />

Bíblia é inspirada; com isso significamos que, através da sua leitura e estudo,<br />

encontramos o caminho para Deus, a sua vontade para nós, e o meio de nos<br />

conformarmos com a vontade dele”.<br />

F a ir b a ir n , Christ in Modern Theology, 496, c o n q u a n to n o b r e m e n te e s ta b e ­<br />

le c e a n a tu r a lid a d e d a re v e la ç ã o , te m u m c o n c e ito e r r ô n e o s o b re a re la ç ã o d a<br />

in s p ir a ç ã o c o m a r e v e la ç ã o d a n d o p r io r id a d e à p r im e ira : “ P o d e -s e d iz e r q u e a<br />

id é ia d e u m a r e v e la ç ã o e s c r ita e n v o lv e lo g ic a m e n te a n o ç ã o d e u m D e u s<br />

v iv o . A fa la é p r ó p r ia d a n a tu re z a d o E s p írito ; e s e , p o r n a tu re z a , D e u s é<br />

e s p írito , s e r á p r ó p rio d a s u a n a tu r e z a r e v e la r - s e a s i m e s m o . M a s s e e le fa la<br />

a o h o m e m , s e r á a tr a v é s d e h o m e n s ; e o s q u e m e lh o r o u v e m s ã o o s m a is<br />

p o s s u íd o s d e D e u s . T a l p o s s e c h a m a - s e ‘in s p ir a ç ã o ’ . D e u s in s p ira , o h o m e m<br />

re v e la : a re v e la ç ã o é o m o d o o u fo r m a - p a la v ra , c a rá te r, o u in s titu iç ã o - e m<br />

q u e o h o m e m in c o r p o r a o q u e re c e b e u . O s te r m o s , e m b o r a n ã o e q u iv a le n te s ,<br />

s ã o c o e x te n s iv o s : u m d e n o ta o p r o c e s s o o u la d o in te rio r, o o u tro o e x te r io r ” .<br />

E s ta a fir m a ç ã o , e m b o r a a p r o v a d a p o r S a n d a y, Inspiration, 124,125 p a re c e -<br />

n o s q u a s e p r e c is a m e n te re v e r te r o s e n tid o c o r r e to d a s p a la v ra s . P re fe rim o s o<br />

p o n to d e v is ta d e E v a n s , Scholarship and Inspiration, 54 - “ P rim e ir o D e u s<br />

re v e lo u - s e e , d e p o is , in s p ir o u h o m e n s p a r a in te rp re ta re m , r e g is tra r e m e a p li­<br />

c a r e m e s ta re v e la ç ã o . N a re d e n ç ã o , a in s p ir a ç ã o é o fa to r fo r m a l, d o m e s m o<br />

m o d o q u e a r e v e la ç ã o é o fa t o r m a te ria l. O s h o m e n s s ã o in s p ir a d o s , c o m o d iz<br />

S to w e . O s p e n s a m e n to s s ã o in s p ir a d o s , c o m o d iz o P r o f. B r ig g s. A s p a la v ra s<br />

s ã o in s p ir a d a s , c o m o d iz H o d g e . A u r d id u r a e a tr a m a d a B íb lia é o 7tve % ia:<br />

“ a s p a la v ra s q u e e u v o s d is s e s ã o e s p ír ito e v id a ” (J o . 6.63). A s b o rd a s e s c a ­<br />

p a m , c o m o é in e v itá v e l, p a ra o s e c u la r, m a te ria l e p s íq u ic o ” . P h illip s B r o o k s ,<br />

2 9 5


2 9 6 Augustus Hopkins Strong<br />

Life, 2.351 - “Se a verdadeira revelação de Deus está em Cristo, a Bíblia não<br />

é propriamente uma revelação, mas uma história desta. Isto não é apenas um<br />

fato, mas uma necessidade porque não se pode revelar uma pessoa num<br />

livro, mas deve-se encontrar revelação, se é que isto é possível, numa pessoa.<br />

Por isso o centro e o cerne da Bíblia encontram-se nos evangelhos,<br />

como a história de Jesus”.<br />

Alguns, como P riestley, têm sustentado que os evangelhos são autênticos,<br />

mas não inspirados. Por isso, acrescentamos às provas da genuinidade<br />

e credibilidade da Escritura a prova da sua inspiração. C hadwick, Old and<br />

New Unitarianism, 11 - “A crença de P riestley na revelação sobrenatural é<br />

intensa. Ele sente absoluta falta de confiança na razão como capaz de fornecer<br />

um conhecimento adequado aos assuntos religiosos e, ao mesmo tempo,<br />

uma perfeita confiança na razão qualificada para o elemento negativo e<br />

determinar o conteúdo da revelação”. Podemos reivindicar a verdade histórica<br />

dos evangelhos ainda que não os chamemos de inspirados. G o r e, em Lux<br />

Mundi, 341 - “O cristianismo traz consigo uma doutripá da inspiração das<br />

Escrituras Sagradas, mas não se baseia nela”. W arfield e H o d g e, Inspiration,<br />

8 - “Conquanto a inspiração das Escrituras seja verdadeira e, assim sendo,<br />

fundamental para a sua interpretação adequada, não é, em primeiro plano,<br />

um princípio fundamental da religião cristã”.<br />

II. PR O VA D A IN SPIR A Ç Ã O<br />

1. Porque temos mostrado que Deus fez uma revelação de si mesmo ao<br />

homem, com razão podemos presumir que ele não confiará esta revelação<br />

totalmente à tradição e falsa interpretação humanas, mas também proverá um<br />

registro dela essencialmente fidedigno e suficiente; em outras palavras, que o<br />

mesmo Espírito que originariamente comunicou a verdade presidirá a sua<br />

publicação até onde for necessário para cumprir seu propósito religioso.<br />

Porque toda inteligência natural, como já vimos, pressupõe a habitação<br />

de Deus no homem e, porque na Escritura a atmosfera totalmente prevale-<br />

cente, com sua constante pressão e esforço para entrar em cada fresta e em<br />

cada canto do mundo emprega-se como ilustração do impulso do onipotente<br />

Espírito de Deus a fim de vivificar e encher de energia cada alma humana<br />

(Gn. 2.7; Jó 32.8), podemos inferir que, a não ser para o pecado, todo homem<br />

seria moral e espiritualmente inspirado (Nm. 11.29 - “Quisera Deus que todo<br />

o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito!”;<br />

Is. 59.2 - “as vossas iniqüidades fazem divisão entre vós e o vosso Deus”).<br />

Vimos também que o método de Deus comunicar a sua verdade em matéria<br />

de religião é talvez análogo ao de comunicar a verdade secular como a da<br />

astronomia ou a da história. Há um processo originai de falar à uma nação<br />

isoladamente e a pessoas isoladamente na mesma nação, para que através<br />

delas se chegue à humanidade. S anday, Inspiration, 140 - “Há um ‘propósito<br />

de Deus segundo a eleição’ (Rm. 9.11); há uma ‘eleição’ ou ‘seleção da graça’;<br />

e o objeto dessa seleção é Israel e os que tomam o seu nome a partir do


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 9 7<br />

Messias de Israei. Se a torre é edificada em alas ascendentes, os que ficam<br />

nas alas inferiores ainda estarão em nível acima do chão e alguns podem<br />

estar mais elevados que outros, mas a plena e desimpedida visão está reservada<br />

aos que estão no topo. Eis o lugar destinado a nós se quisermos assumi-lo”.<br />

Se seguirmos a analogia da operação de Deus em outras comunicações<br />

do conhecimento, razoavelmente presumiremos que ele preservará o registro<br />

de suas revelações em documentos escritos e acessíveis, transmitidos a partir<br />

daqueles a quem estas revelações primeiro foram comunicadas, e espera-<br />

se que tais documentos mantenham-se corretos e fidedignos a fim de cumprir<br />

o seu propósito religioso, a saber, o fornecimento ao honesto inquiridor de um<br />

guia rumo a Cristo e à salvação. O médico faz a sua prescrição por escrito; o<br />

amanuense do Congresso registra os seus procedimentos; o Departamento<br />

de Estado do nosso governo instrui os nossos embaixadores no exterior, não<br />

oralmente, mas através de despachos. Maior ainda é a necessidade de que a<br />

revelação seja registrada porque deve ser transmitida àg eras distantes; ela<br />

contém longos discursos; abrange doutrinas misteriosas. O próprio Jesus não<br />

escreveu; porque ele não é simplesmente o canal da revelação, mas a sua<br />

mensagem. A sua despreocupação com a imediata incumbência aos apóstolos<br />

para que escrevessem o que eles viram e ouviram seria inexplicável se<br />

ele não esperasse que a inspiração os assistiria.<br />

Chegamos à discussão da Inspiração com uma suposição bem diferente<br />

da de Kuenen e de W ellhausen, que escrevem no interesse do quase declarado<br />

naturalismo. Ku enen, nas primeiras sentenças da sua Religião de Israel, na<br />

verdade afirma o governo terreno de Deus. Mas S anday, Inspiration, 117, está<br />

certo ao dizer que “K uenen conserva esta idéia bem no pano de fundo. Ele<br />

gastou um volume inteiro de 593 páginas impressas (Prophets and Prophecy<br />

in Israel, Londres, 1877) para provar que os profetas não foram movidos a<br />

falar por Deus, mas os seus pronunciamentos eram deles mesmos”. O seguinte<br />

extrato, diz S anday, indica a posição que o D r. Kuenen realmente sustentava:<br />

“Não nos permitimos ser privados da presença de Deus na história.<br />

Nos sucessos e desenvolvimento das nações, e não menos claramente nos<br />

de Israel, nós O vemos, o santo e totalmente sábio Instrutor dos seus filhos<br />

humanos. Mas os velhos contrastes devem ser postos de lado. Quando derivamos<br />

a nossa parte separada da vida religiosa de Israel diretamente provinda de<br />

Deus e permitimos que a revelação sobrenatural ou imediata intervenha em um<br />

só ponto, a nossa opinião do todo continua a ser incorreta e nós mesmos<br />

vemos cá e lá a necessidade de violentar o conteúdo bem autenticado dos<br />

documentos históricos. Só a suposição de um desenvolvimento natural é que<br />

explica todos os fenômenos: (K uenen, Prophets and Prophecy in Israel, 585).<br />

2. Jesus, de quem já se provou não só ser testemunha digna de crédito, mas<br />

um mensageiro de Deus, garante a inspiração do Velho Testamento citando-o<br />

na fórmula: “Está escrito”; declarando que nem um jota nem um til dele “se<br />

passará” e que a “Escritura não pode ser quebrada”.<br />

Jesus cita quatro dos cinco livros de Moisés, e Salmos, Isaías, Malaquias<br />

e Zacarias, com a fórmula “está escrito”; verMt. 4.4, 6, 7; 11.10; Mc. 14.27;


2 9 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Lc. 4.4-12. Esta fórmula entre os judeus indicava que a citação vinha do livro<br />

sagrado e era divinamente inspirada. Sem dúvida Jesus considerava o Velho<br />

Testamento com tanta reverência como os judeus contemporâneos. Ele declarou<br />

que “nem um jota nem um til se omitirá da lei (M t. 5.18). Ele disse que “a<br />

Escritura não pode ser anulada” (Jo. 10.35) = “a autoridade normativa e judicial<br />

da Escritura não pode ser desprezada; note aqui [no singular, f\ Ypacpri] a<br />

idéia da unidade da Escritura” ( M e y e r). Leve-se em conta que o emprego da<br />

Escritura do A.T. pelo nosso Senhor era inteiramente livre do literalismo<br />

supersticioso que prevalecia entre os seus contemporâneos judeus. As expressões<br />

“palavra de Deus” (Jo. 10.35; Mc. 7.13), “sabedoria de Deus” (Lc. 11.49)<br />

e “palavras de Deus” (Rm. 3.2) provavelmente designam as revelações originais<br />

de Deus e não os registros destes na Escritura; cf. 1 Sm. 9.27; 1 Cr. 17.3;<br />

Is. 40.8; Mt. 13.19; Lc. 3.2; At. 8.25. Jesus se recusa a aceitar a lei do A.T.<br />

sobre o sábado (Mc. 2.27), contaminação exterior (Mc. 7.15), divórcio (Mc. 10.2).<br />

Ele “não veio destruir a lei, mas cumprir” (Mt. 5.17); embora ele cumprisse a<br />

lei fazendo o interior do seu espírito uma vida perfeita, e não uma obediência<br />

formal e minuciosa aos seus preceitos.<br />

Os apóstolos citam o A.T. como um pronunciamento de Deus (Ef. 4.8 - 5tò<br />

Xéyei sc. 0eóç). A insistência de Paulo na forma de até mesmo uma simples<br />

palavra, como em Gl. 3.16, e o seu emprego no A.T. com o propósito alegórico,<br />

como em Gl. 4.21-31, mostram que, no seu ponto de vista, o texto do A.T. é<br />

sagrado. Filo, Josefo e o Talmude na sua interpretação do A.T., continuamente<br />

caem num “estreito e infeliz literalismo”. “O N.T., na verdade, não escapa aos<br />

métodos rabínicos, mas mesmo onde estes são mais proeminentes parece<br />

afetar a forma muito mais do que a substância. E, através da forma temporária<br />

e local, o escritor constantemente penetra no próprio cerne do ensino do A.T,”,<br />

3. Jesus comissionou seus apóstolos como mestres e lhes deu promessas de<br />

um auxílio sobrenatural do Espírito Santo em seu ensino, como a promessa<br />

feita aos profetas do Velho Testamento.<br />

Mt. 28.19,20 - “Ide ... ensinando ... e eis que eu estou convosco”. Compare<br />

as promessas de Moisés (Ex. 3.12), Jeremias (Jr. 1.5-8), Ezequiel (Ez. 2 e<br />

3). Ver também Is. 44.3 e Jl 2.28 - “Derramarei o meu Espírito sobre toda a<br />

carne”; Mt. 10.7 - “e indo, pregai”; 19 - “não vos dê cuidado como ou o que<br />

haveis de falar”; Jo. 14.26 - “o Espírito Santo ... vos ensinará todas as coisas”;<br />

15.26,27 - “aquele Espírito da verdade ... testificará de mim; e vós também<br />

testificareis” = o Espírito testificará em vós e através de vós; 16.13 - “ele<br />

vos guiará em toda a verdade” = 1) limitação - toda a verdade de Cristo, /.e.<br />

não da filosofia e da ciência, mas da religião; 2) extensão - toda a verdade<br />

dentro de um limitado nível, /.e., suficiência da Escritura como regra de fé e<br />

prática (H o v e y ); 17.8 - “porque lhes dei as palavras que tu me deste”; At. 1.4<br />

- “determinou-lhes ... que esperassem a promessa do Pai”; Jo. 20.22 - “asso-<br />

prou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”. Eis aqui tanto a promessa<br />

como a comunicação pessoal do Espírito Santo. Compare Mt. 10.19,20<br />

- “será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará,<br />

mas o Espírito do vosso Pai é que fala em vós”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 2 9 9<br />

Aqui o testemunho de Jesus é o de Deus. Em Dt. 18.18 se diz que Deus<br />

porá as suas palavras na boca do grande profeta. Em Jo. 12.49,50 Jesus diz:<br />

“Porque eu não tenho falado de mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele<br />

me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar. E sei<br />

que o mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai<br />

mo tem dito”. Jo. 17.7,8 - “tudo quanto me deste provém de ti; porque lhes dei<br />

as palavras que me deste”. Jo. 8.40 - “homem que vos tem dito a verdade<br />

que de Deus tem ouvido”.<br />

4. Os apóstolos reivindicam ter recebido este Espírito prometido e falar<br />

sob a sua influência com autoridade divina, pondo seus escritos no nível das<br />

Escrituras do Velho Testamento. Não temos só declarações diretas de que tanto<br />

a matéria como a forma do seu ensino eram supervisionadas pelo Espírito<br />

Santo, mas temos evidência indireta de que este é o caso no tom da autoridade<br />

que permeia os seus discursos e epístolas.<br />

Afirmações: - 1 Co. 2.10,13 - “Deus no-las revelou pelo Espírito ... as<br />

quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as<br />

que o Espírito Santo nos ensina”; 11.23 - “eu recebi do Senhor o que também<br />

vos ensinei” 12.8,28 - a Xóyoç aocpíaç parece um dom peculiar aos apóstolos;<br />

14.37,38 - “as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor”;<br />

Gl. 1.12 - “não o recebi nem aprendi de homem algum, mas pela revelação<br />

de Jesus Cristo”; 1 Ts. 4.2,8 - “vós bem sabeis que mandamento vos temos<br />

dado pelo Senhor Jesus ... portanto, quem rejeita isto não rejeita o homem,<br />

mas, sim, a Deus que nos deu também seu Espírito Santo”. As passagens a<br />

seguir põem o ensino dos apóstolos no mesmo nível da Escritura do A.T.:<br />

1 Pe. 1.11,12 - “o Espírito de Cristo, que estava neles” [pregadores do N.T.];<br />

“pelo Espírito Santo vos pregavam o evangelho”; 2 Pe. 1.21 - Os profetas do<br />

A.T. “falaram inspirados pelo Espírito Santo”; 3.2 - “que vos lembreis das<br />

palavras que primeiramente foram ditas pelos santos profetas” [V. T.] e do<br />

mandamento do Senhor e Salvador mediante os vossos apóstolos” [N.T.] 16 -<br />

“torcem [as Epístolas de Paulo], e igualmente as outras Escrituras, para a sua<br />

própria perdição”. Cf. Ex. 4.14-16; 7.1.<br />

Implicações: 2 Tm. 5.16 - “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa”<br />

- implicação clara da inspiração, embora não seja uma declaração direta<br />

a seu respeito = há uma Escritura divinamente inspirada. Em 1 Co. 5.3-5,<br />

Paulo, determinando à igreja de Corinto sobre o incestuoso, é arrogante ou<br />

inspirado. Há mais imperativos nas Epístolas que em quaisquer outros escritos<br />

da mesma extensão. Observe a contínua afirmação da autoridade, como<br />

em Gl. 1.1,2 e a declaração de que a descrença do registro é pecado e, como<br />

em 1 Jo. 5.10,11. Jd. 3 - “fé que uma vez (cx7ia£) foi dada aos santos”.<br />

As passagens acima citadas mostram que os homens distinguem inspiração<br />

do seu próprio pensamento desauxiliado. Estes homens defendem que a<br />

sua inspiração é a mesma que a dos profetas. Ap. 22.6 - “O Senhor, o Deus<br />

dos santos profetas, enviou o seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas<br />

que em breve hão de acontecer” = a inspiração lhes deu o conhecimento


3 0 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

sobrenatural do futuro. Como a inspiração no A.T. é obra do Cristo anterior à<br />

encarnação, do mesmo modo a inspiração no N.T. é obra do Cristo que subiu<br />

ao céu e foi glorificado pelo seu Espírito Santo. Sobre a Autoridade Relativa<br />

dos Evangelhos, ver G erhardt, em Am. Journ. Theol., abr. 1899, 275-294, o<br />

qual mostra que as palavras de Jesus nos evangelhos não representam a<br />

revelação final, mas que o ensino do Cristo ressurrecto e glorificado é visto<br />

em Atos e nas Epístolas. Estas são obras póstumas de Cristo. Pattison, Making<br />

of the Sermon, 23 - “Os apóstolos, crendo-se inspirados, freqüentemente<br />

pregavam sem textos; e o fato de que os seus sucessores não seguiam o seu<br />

exemplo mostra que, por si mesmos, eles não faziam tal reivindicação.<br />

A inspiração cessou e, por isso, a autoridade encontra-se no emprego das<br />

palavras das Escrituras agora completas”.<br />

5. Os escritores apostólicos do Novo Testamento, diferentemente dos sábios<br />

e poetas pagãos reconhecidamente inspirados, atestaram através de milagres<br />

ou da profecia que eles eram inspirados por Deus e l/á razão para crer que as<br />

produções dos que não eram apóstolos, tais como Marcos, Lucas, Hebreus,<br />

Tiago e Judas foram recomendadas às igrejas como inspiradas, pela sanção e<br />

autoridade apostólicas.<br />

Os doze operaram milagres (Mt. 10.1). A expressão “sinais do meu apos-<br />

tolado” (2 Co. 12.12) (em grego otiixeTcc tovi ànoaTó^ot)); Rev. e Atualizada do<br />

Br., credenciais do apostolado; K ing J ames, signs of an apostle [sinais de um<br />

apóstolo] = milagres. A evidência interna confirma a tradição de que Marcos<br />

era “intérprete de Pedro”, e que o evangelho de Lucas e o livro de Atos tiveram<br />

a sanção de Paulo. Visto que o propósito da outorga do Espírito devia<br />

qualificar aqueles que seriam os mestres e fundadores da nova religião, é<br />

razoável admitir que a promessa do Espírito feita por Cristo era válida não só<br />

para os doze, mas para todos os que ocupavam o lugar deles e a estes não<br />

apenas como porta-vozes, mas também aos escritores, porque para isto eles<br />

tinham maior necessidade de direção.<br />

A Epístola aos Hebreus, juntamente com Tiago e Judas, aparecem<br />

enquanto alguns dos doze ainda eram vivos e continuaram inalteráveis; o fato<br />

de que todas elas, excetuando-se, possivelmente, 2 Pedro, bem cedo foram<br />

aceitas pelas igrejas organizadas e orientadas pelos apóstolos, é evidência<br />

suficiente de que estes as consideravam produções inspiradas. Para evidência<br />

de que os escritores consideravam os seus livros como autoridade universal,<br />

ver 1 Co. 1.2 - “à igreja de Deus que está em Corinto ... com todos os<br />

que, em todo lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” etc.; 7.17<br />

- “É o que eu ordeno em todas igrejas”; Cl. 4.16 - “E, quando esta epístola<br />

tiver sido lida entre vós, fazei também que o seja na igreja dos laodicenses”;<br />

2 Pe. 3.15,16 - “como também nosso amado irmão Paulo escreveu, segundo<br />

a sabedoria que lhe foi dada”.<br />

J ohnson, Sistematic Theology, 40 - “Os dons miraculosos foram concedidos<br />

no Pentecostes a muitos além dos apóstolos. A profecia não era um dom<br />

incomum durante o período apostólico”. Não há nenhuma improbabilidade


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 0 1<br />

antecedente de que a inspiração se estenderia a outros além dos principais<br />

líderes da igreja e, visto que temos exemplos expressos de tal inspiração em<br />

pronunciamentos orais (At. 11.28; 21.9,10), parece que deve ter havido exemplos<br />

de inspiração em pronunciamentos escritos também. Em alguns casos<br />

isto parece ter sido só uma inspiração de superintendência. Clemente de Alexandria<br />

diz só que Pedro nem proibiu, nem estimulou Marcos em seu plano<br />

de escrever o evangelho. Irineu conta-nos que o evangelho de Marcos foi<br />

escrito depois da morte de Pedro. P apias diz que Marcos escreveu o que ele<br />

lembrava ter ouvido de Pedro. Lucas não parece ter estado consciente de<br />

qualquer auxílio miraculoso em seu escrito e seus métodos parecem ter sido<br />

os de um historiador normal.<br />

6. Contudo, a principal prova da inspiração deve sempre ser encontrada<br />

nas características internas das próprias Escrituras como as reveladas pelo<br />

Espírito Santo ao sincero inquiridor. O testemunho do Espírito Santo combina<br />

com o ensino da Bíblia de convencer o mais ávido leitor de que este ensino<br />

está como um todo em toda a essência além do poder comunicador do homem<br />

e que, portanto, deve ter sido posto por inspiração de Deus em forma permanente<br />

e escrita.<br />

F o s te r, Christian Life and Theology, 105 - “O testemunho do Espírito é um<br />

argumento da identidade dos efeitos - as doutrinas da experiência e as da<br />

Bíblia - para a identidade da causa. ... A experiência da operação de Deus<br />

prova a da Bíblia. ... Isto abrange a Bíblia como um todo, senão por inteiro.<br />

Ela é verdadeira em tudo o que podemos testá-la. Deve-se crer muito mais se<br />

não há nenhuma outra evidência”. Lyman A bbott, em Theology of an Evolutionist,<br />

105, chama a Bíblia de “o registro laboratorial de um ser humano no reino<br />

espiritual, uma história da aurora da consciência de Deus e da vida divina na<br />

alma humana”. Isto nos parece excessivamente subjetivo. Preferimos dizer<br />

que a Bíblia é também para nós um testemunho de Deus sobre a sua presença<br />

e obra do coração e do homem - a qual prova sua origem divina despertando<br />

em nós experiências semelhantes às que ela descreve e que estão<br />

além do que o homem pode originar.<br />

G. P. F isher, em Mag. Of Christ. Lit., dez. 1892.239 - “É a Bíblia infalível?<br />

No sentido de que todas as suas afirmações estendem-se até minúcias em<br />

matéria de história e ciência estritamente completa não é. Nem no sentido de<br />

que toda a afirmação doutrinária e ética em todos estes livros é incapaz de<br />

produzir correção. O todo deve formar juízo sobre as partes. A revelação é<br />

progressiva. Há um fator humano assim como um divino. O tesouro encontra-<br />

se em vasos de barro. Mas a Bíblia é infalível no sentido de que qualquer que<br />

se rende num espírito dócil aos seus ensinos não cairá no doloroso erro em<br />

matéria de fé e caridade. Melhor do que tudo, encontrará nela o segredo de<br />

uma nova, santa e abençoada vida ‘escondida com Cristo em Deus’ (Cl. 3.3).<br />

As Escrituras testemunham de Cristo. ... Através delas ele verdadeira e<br />

adequadamente se faz conhecido a nós”. D en ney, Death of Chríst, 314 -<br />

“São termos correlatos a unidade da Bíblia e a sua inspiração. Se pudermos


3 0 2 Augustus Hopkins Strong<br />

discernir nela uma unidade real - e creio podermos quando virmos que ela<br />

converge e culmina no amor divino que suporta o pecado do mundo - então<br />

tal unidade e inspiração passam a ser uma e a mesma coisa. E ela não é<br />

apenas inspirada como um todo; ela é o único livro inspirado. É o único livro<br />

no mundo pelo qual Deus põe o seu selo nos nossos corações quando o<br />

lemos na busca de uma resposta para a pergunta: Como o pecador será justo<br />

para com Deus? ... A conclusão do nosso estudo sobre a Inspiração deve ser<br />

a convicção de que a Bíblia nos dá um corpo doutrinário - uma ‘fé que uma<br />

vez foi dada aos santos’ (Jd. 3)”.<br />

III. T E O R IA S SO B R E A IN SP IR A Ç Ã O<br />

1. Teoria da Intuição<br />

Sustenta que a inspiração é apenas um desenvolvimento do insight (discernimento)<br />

da verdade que todos homens possuem em certo grau; um modo de<br />

inteligência em matéria de moral e religião que dá surgimento aos livros sagrados,<br />

como um modo correspondente de inteligência em matéria de verdade<br />

secular dá surgimento a grandes obras de filosofia ou arte. Tal modo de inteligência<br />

é considerado como produto das próprias forças do homem, quer sem<br />

influência divina especial, quer só através da operação de um Deus impessoal.<br />

Esta teoria naturalmente tem conexão com os pontos de vista pelagiano<br />

e racionalista sobre a independência do homem relativa a Deus ou às concepções<br />

do homem como a maior manifestação de uma inteligência totalmente<br />

permeável, mas inconsciente. M orell e F. W. N ewman na Inglaterra e<br />

Parker nos Estados Unidos representam esta teoria. Ver M orell, Philos. of<br />

Religion, 127-179 - “A inspiração é apenas uma potência mais elevada que<br />

cada homem possui em certo grau”. Ver também F rancis W. N ewman (irmão<br />

de J ohn H enry N ewman), Phases of Faith (= fases da descrença); T heodore<br />

P arker, Discourses of Religion, and Experiences as a Minister. “Deus é infinito;<br />

por isso ele é imanente na natureza, embora transcendente a ela; imanen-<br />

te em espírito, embora transcendente a ele. Ele deve preencher cada ponto<br />

do espírito, do mesmo modo que do espaço; a matéria deve inconscientemente<br />

obedecer; o homem, consciente e livre, até certo ponto pode desobedecer,<br />

mas obedecendo, o Deus imanente age no homem do mesmo modo<br />

que na natureza” - citado em C hadw ick, Theodore Parker, 271. Daí o ponto de<br />

vista de Parker on Inspiration: Se se cumprem as condições, a inspiração<br />

ocorre em proporção com os dons do homem e com o emprego desses dons.<br />

O próprio C hadwick, em Old and New Unitrarism, 68, diz que “as Escrituras<br />

são inspiradas na medida em que elas estão inspirando e nada mais”.<br />

W. C. G annett, Life ofEzra Stiles Gannet, 1 9 6 - “O espiritualismo de Parker<br />

afirmava, como grande verdade da religião, a imanência de um Deus infinitamente<br />

perfeito na matéria e na mente e sua atividade em ambas as esferas”.<br />

M artineau, Study of Religion, 2.178-180- “T heodore Parker trata os resultados


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 0 3<br />

regulares das faculdades humanas como umaobra imediata de Deus e considera<br />

os princípios de N ewton como inspirados. ... Em que, então, se toma a<br />

personalidade humana? Ele chama Deus não só de onipresente, mas de<br />

omniativo (que age em todas esferas). É então S hakespeare por cortesia o<br />

autor de Macbeth? ... Se isto fosse mais que retórico, seria panteísmo incondicional”.<br />

Tanto a natureza como o homem são expressões da divindade em<br />

nós, mas a nossa razão e empenho pessoais, pensa ele, não podem ser<br />

=íribuídos a Deus. A palavra vovç não tem plural: sempre que o intelecto se<br />

manifesta, sendo um, como a verdade é uma e a mesma, embora possa apre-<br />

sentar-se na consciência de muitas pessoas; verMARTiNEAu, Seat ofAuthority,<br />

403; P alm er, Studies in Theological Definition, 27 - “Não podemos traçar<br />

nenhuma distinção aguda entre a mente humana descobrindo a verdade e a<br />

mente divina concedendo a revelação”. K uenen pertence a esta escola.<br />

Com relação a esta teoria assinalamos:<br />

ã) Na verdade, o homem tem um certo insight da verdade e admitimos que<br />

a inspiração o utiliza até onde pode e o faz um instrumento na descoberta e<br />

registro de fatos da natureza ou da história.<br />

Por exemplo: na investigação de assuntos puramente históricos, tais como<br />

os registros de Lucas, o discernimento meramente natural pode às vezes ter<br />

sido suficiente. Quando o caso é este, Lucas pode ter-se entregado ao exercício<br />

de suas próprias faculdades, enquanto a inspiração apenas estimula e<br />

supervisiona a obra. G eorge H arris, Moral Evolution, 413 - “Deus não podia<br />

revelar-se ao homem, a não ser que primeiro ele se revelasse no homem.<br />

Se no céu estivessem escritas as letras: ‘Deus é bom’, - as palavras não<br />

teriam sentido, a não ser que a bondade já tivesse sido conhecida nas voli-<br />

ções humanas. A revelação não é um impulso emocional, mas um processo<br />

contínuo. Não é algo imposto, mas inerente. ... O gênio é inspirado; porque a<br />

mente que percebe a verdade deve corresponder à Mente que fez todas as<br />

coisas serem o veículo do pensamento”. S anday, Bampton Lectures on Ispira-<br />

tion: “Ao reivindicar a inspiração da Bíblia não excluímos a possibilidade de<br />

outros graus inferiores ou mais parciais de inspiração em outras literaturas.<br />

O Espírito de Deus, sem dúvida, tocou em outros corações e outras mentes ...<br />

de tal modo a dar discernimento para a verdade, além dos que podiam reivindicar<br />

a descendência de Abraão”. Filo pensava que os tradutores da LXX,<br />

filósofos gregos, e às vezes até mesmo ele, fossem inspirados. Considera<br />

P latão como “mais sagrado (iepráxa-toç), mas todos os homens bons são, em<br />

diferentes graus inspirados. Contudo, Filo nunca cita como tendo autoridade<br />

qualquer livro a não ser os Canônicos. Atribui a eles uma autoridade única em<br />

seu gênero.<br />

b) Em toda a matéria de moral e religião, contudo, o insight da verdade da<br />

parte do homem é viciado por sentimentos errôneos e, a não ser que uma<br />

sabedoria sobrenatural o oriente, ele certamente errará e induzirá outros ao<br />

erro.


3 0 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

1 Co. 2.14 - “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito<br />

de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas<br />

se discernem espiritualmente”; 10 - “Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito;<br />

porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”.<br />

Ver a citação de C oleridge, em S hairp, Culture and Religion, 114 - “A água<br />

não pode subir mais alto que a sua fonte; assim também a razão humana”;<br />

E m erson, Prose Works, 1.474; 2.468 - “É curioso que nós cremos só na medida<br />

do aprofundamento da nossa vida”. Por esta razão, sustentamos uma<br />

comunicação da verdade religiosa, pelo menos às vezes, mais direta e objetiva<br />

do que admitia G eorge A dam S m ith, Com. on Isaiah, 1.372 - “Para Isaías,<br />

a inspiração não era mais nem menos que a posse de algumas fortes convicções<br />

morais e religiosas, que, conforme ele sentia, deviam-se à comunicação<br />

do Espírito de Deus e segundo o qual ele interpretava e ousava predizer<br />

a história do seu povo e do mundo. O nosso estudo, apoiado na evidência da<br />

própria Bíblia, afasta completamente esse ponto de vista da inspiração e pre-<br />

dição como é sustentado na igreja”. Se isto significa uma negação de qualquer<br />

comunicação da verdade além da interior e subjetiva, nós nos opomos.<br />

Nm. 12.6-8 - “Se entre vós houver profeta, eu, o Senhor, em visão, a ele me<br />

farei conhecer, ou, em sonhos falarei com ele. Não é assim com meu servo<br />

Moisés, que ele é fiel em toda a minha casa. Boca a boca falo com ele, e de<br />

vista, não por figuras; pois, ele vê a semelhança do Senhor”.<br />

c) A teoria em questão, sustentando como o faz que o insight natural é a<br />

única fonte de verdade religiosa, envolve uma contradição; - se a teoria for<br />

verdadeira, então o homem é inspirado a proferir o que um segundo é inspirado<br />

a pronunciar falso. Os Vedas, o Alcorão e a Bíblia não podem ser inspirados<br />

por contradizerem-se um ao outro.<br />

O s V e d a s p e rm ite m o ro u b o e o C o rã o e n s in a a s a lv a ç ã o p e la s o b ra s ;<br />

e s te s n ã o p o d e m s e r in s p ir a d o s e a B íb lia ta m b é m . P a u lo n ã o p o d e s e r in s p i­<br />

ra d o q u a n d o e s c r e v e a s s u a s e p ís to la s e S w e d e n b o rg ta m b é m in s p ir a d o a o<br />

r e je itá - la s . A B íb lia n ã o a d m ite q u e o s e n s in o s p a g ã o s te n h a m o m e s m o<br />

e n d o s s o q u e o s s e u s p r ó p rio s . E n tre o s e s p a r ta n o s o ro u b o e ra lo u v á v e l; s ó o<br />

s e r a p a n h a d o ro u b a n d o e ra c rim e . S o b r e a c o n s c iê n c ia re lig io s a c o m re la ç ã o<br />

à p e s s o a lid a d e d e D e u s , a b o n d a d e d iv in a , a v id a fu tu ra , a u tilid a d e d a o r a ­<br />

ç ã o , e m tu d o o q u e a s e n h o r ita C o b b e , o S r . G r e g e o S r . P a r k e r d is c o r d a m<br />

u m d o o u tro , i/e rB R u c E , Apologetics, 143,144. C o m M a th e s o n p o d e m o s a d m i­<br />

t ir q u e a id é ia m e s tra d a in s p ir a ç ã o é “ o d e s e n v o lv im e n to d o d iv in o a tr a v é s d a<br />

c a p a c id a d e d o h u m a n o ” , e m b o r a a in d a n e g u e m o s q u e a in s p ir a ç ã o s e lim ita<br />

a e s ta ilu m in a ç ã o s u b je tiv a d a s fa c u ld a d e s h u m a n a s e ta m b é m e x c lu a d a<br />

o p e ra ç ã o d iv in a to d o s a q u e le s p r o n u n c ia m e n to s p e r v e r s o s e e r rô n e o s q u e<br />

re s u lta m d o p e c a d o h u m a n o .<br />

d) Faz a verdade moral e religiosa ser uma coisa puramente subjetiva -<br />

matéria de opinião particular - não tendo nenhuma realidade objetiva independentemente<br />

das opiniões que os homens têm dela.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 0 5<br />

Neste sistema a verdade é aquilo que o homem ‘lança’; as coisas são<br />

aquilo que o homem ‘pensa’ - As palavras representam apenas o elemento<br />

subjetivo. “Melhor é o grego àWieeia = ‘não oculto’ (verdade objetiva)” - H arris,<br />

Philos. Basis of Theism, 182. Se não houver verdade absoluta, a ‘busca da<br />

verdade’ de Lessing é a única coisa que nos resta. Mas quem buscará se não<br />

houver verdade a ser encontrada? Até um gato sábio não caçará eternamente<br />

a sua cauda. O exercício dentro dos seus limites sem dúvida é útil, mas o<br />

gato o interrompe logo que se convence de que não consegue apanhar a sua<br />

cauda. S ir R ichard B urton tornou-se católico romano, brârpane e maometano<br />

sucessivamente e parecia sustentar como Hamlet que “não há nada bom ou<br />

mau a não ser pensar em agir assim”. Este mesmo ceticismo quanto à existência<br />

da verdade objetiva aparece nas palavras: “A sua religião é boa para<br />

você e a minha para mim”; “Um nasce agostiniano, outro pelagiano”. Ver Dix,<br />

Pantheism, Introd., 12. R ichter: “Não é o objetivo, mas o curso que nos faz<br />

felizes”.<br />

e) Envolve logicamente a negação de um Deus pessoal que é a verdade e<br />

revela a verdade e assim faz o homem ser a mais elevada inteligência do universo.<br />

Isto deve explicar a inspiração através da negação da sua existência;<br />

porque, se não há Deus pessoal, a inspiração é apenas uma figura de linguagem<br />

de um fato puramente natural.<br />

O animus desta teoria é a negação do sobrenatural. Como a negação dos<br />

milagres, ela não pode ser sustentada apenas nas bases do ateísmo ou do<br />

panteísmo. O ponto de vista em questão, como assinala H utton em seus<br />

Essays, seria permitir-nos dizer que a palavra do Senhor veio a Gibbon, em<br />

meio às ruínas do Coliseu, dizendo: “Vai escrever a história do Declínio e<br />

Queda!” Porém H utton retruca: Tal opinião é panteísta. A inspiração é a voz<br />

de um amigo vivo, diferentemente da de um morto, /'.e., a influência da sua<br />

memória. O impulso interior do gênio, de S hakespeare, por exemplo, não é<br />

apropriadamente chamado de inspiração.<br />

2. Teoria da Iluminação<br />

Considera a inspiração simplesmente como uma intensificação e elevação<br />

das percepções religiosas do cristão, o mesmo em gênero, apesar de que maior<br />

em grau, com a iluminação de cada crente pelo Espírito Santo. Sustenta não<br />

que a Bíblia é, mas contém a palavra de Deus e que não os escritos, mas os<br />

escritores são inspirados. A iluminação dada pelo Espírito Santo, contudo,<br />

põe o escritor inspirado só em plena posse dos seus poderes normais, mas não<br />

comunica a verdade objetiva além da sua capacidade de descobrir ou entender.<br />

Esta teoria estabelece conexão com os pontos de vista arminianos da<br />

simples cooperação com Deus. Difere da Teoria da Intuição por conter vários


3 0 6 Augustus Hopkins Strong<br />

elementos distintivamente cristãos: 1) a influência de um Deus pessoal;<br />

2) uma obra extraordinária do Espírito Santo; 3) o caráter cristológico das<br />

Escrituras, formando uma revelação da qual Cristo é o centro (Ap. 19.10).<br />

Porém, conquanto admita que os escritores da Bíblia foram “movidos pelo<br />

Espírito Santo” (


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 307<br />

sua inspiração. O Espírito produziu as Escrituras para auxílio da obra de Cristo,<br />

mas não para ocupar o seu lugar. Com Paulo a Escritura diz: ‘Não que<br />

tenhamos domínio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores do<br />

vosso gozo; porque pela fé estais em pé’ (2 Co. 1.24)”.<br />

E. G. R o b in s o n : “O ofício do Espírito Santo na inspiração não é diferente<br />

daquele que é exercido em favor dos cristãos na época em que os evangelhos<br />

foram escritos. ... Quando os profetas dizem: ‘Assim diz o Senhor’, simplesmente<br />

estão significando que eles têm autoridade divina naquilo que eles<br />

estão pronunciando”. C alv in E. S t o w e , History of Books of Bible, 19 - “Não<br />

são as palavras da Bíblia que são inspiradas. Não são os pensamentos da<br />

Bíblia que são inspirados. São os homens que escreveram a Bíblia que o<br />

são”. T h a y e r , Changed Attitude toward the Bible, 63 - “Não foi antes do espírito<br />

polêmico se tornar freqüente nas controvérsias que se seguiram à Reforma<br />

que a distinção fundamental entre a palavra de Deus e o registro dessa<br />

palavra se tornou obliterada e tornou-se corrente a pestilente tendência de<br />

que a Bíblia é absolutamente livre de cada erro de todo tipo”. P rin c ip a l C av e,<br />

em Homiletical Review, fev 1892, admitindo erros na Bíblia, embora nenhum<br />

sério, propõe uma afirmação mediadora para esta controvérsia, a saber, que<br />

a Revelação implica inerrância, mas que a Inspiração não. Tudo o que Deus<br />

revela é verdadeiro, mas muita coisa se tornou inspirada sem se tornar infalível.<br />

Com relação a esta teoria, assinalamos:<br />

d) Inquestionavelmente Espírito Santo ilum ina a mente de cada um que crê<br />

e admitimos que pode ter havido exemplos em que a influência do Espírito na<br />

inspiração acrescentava só a iluminação.<br />

Algumas aplicações e interpretações da Escritura do Velho Testamento,<br />

como por exemplo, a aplicação de João Batista a Jesus na profecia de Isaías<br />

(Jo. 1.29 - “Eis o Cordeiro de Deus, que tira [rodapé ‘leva’] o pecado do mundo”),<br />

e a interpretação de Pedro sobre as palavras de Davi (At. 2.27 - “Não<br />

deixarás a minha alma no Hades, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção”),<br />

podem apenas ter requerido a influência iluminadora do Espírito<br />

Santo. Há um sentido em que podemos dizer que as Escrituras são apenas<br />

inspiradas para aqueles que em si mesmos são inspirados. O Espírito Santo<br />

deve mostrar-nos Cristo antes de reconhecermos a obra do mesmo Espírito<br />

na Escritura. As doutrinas da expiação e da justificação talvez não precisassem<br />

novamente ser reveladas aos escritores do Novo Testamento; a iluminação<br />

relativa às antigas revelações podem ter sido suficientes. Mas provavelmente<br />

o fato de que Cristo existia antes da sua encarnação e de que há<br />

distinções pessoais em Deus, exigisse revelação. Édison diz que inspiração<br />

é simplesmente perspiração”. O gênio tem sido definido como o “ilimitado<br />

poder de tomar as dores”. Porém, ao invés disso - o poder de fazer espontaneamente<br />

e sem esforço o que o homem comum faz a duras penas. Todo o<br />

grande gênio reconhece que este poder se deve ao influxo de um Espírito<br />

maior que o seu próprio - o Espírito de divina sabedoria e energia. Os autores<br />

da Escritura atribuem o seu entendimento das coisas divinas ao Espírito Santo.


3 0 8 Augustus Hopkins Strong<br />

b) M as negamos que este foi o método constante de inspiração ou que tal<br />

influência pode explicar a revelação da nova verdade dos profetas e dos apóstolos.<br />

A iluminação do Espírito Santo não dá nenhum a verdade nova, mas só<br />

um a apreensão da verdade já revelada. Qualquer com unicação original da<br />

verdade deve ter requerido um a obra do Espírito diferente não em grau, mas<br />

em gênero.<br />

As Escrituras distinguem claramente revelação, ou a comunicação de uma<br />

nova verdade, da iluminação, ou o despertar das forças cognitivas para perceber<br />

a verdade já revelada. Nenhum aumento na força dos olhos ou do<br />

telescópio fará mais do que aclarar o ponto de vista que já está dentro do seu<br />

nível. A iluminação não levanta o véu que oculta o que está além. Por outro<br />

lado, a revelação é um ‘desvendamento’ - o levantamento de uma cortina, ou<br />

o ato de trazer para dentro ou para o nosso nível o que antes estava escondido.<br />

Tal operação especial de Deus é descrita em 2 Sm. 23.2,3 - “O Espírito do<br />

Senhor falou por mim e a sua palavra esteve em minha boca. Disse o Deus de<br />

Israel, a Rocha de Israel a mim falou”; Mt. 10.20 - “Porque não sois vós quem<br />

falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós”; 1 Co. 2.9-13 -<br />

“As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração<br />

do homem são as coisas que Deus preparou para os que o amam, Mas<br />

Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as<br />

coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as<br />

coisas do homem, senão o espírito do homem, que está nele? Assim também<br />

ninguém sabe as coisas de Deus senão o Espírito de Deus. Mas nós não<br />

recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus para<br />

que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”.<br />

A clarividência e a segunda visão, de que em muitos casos de imposição<br />

e exagero parecem ser um pequeno resíduo de um fato provado, mostram<br />

que pode haver operações extraordinárias das nossas forças naturais. Mas,<br />

no caso do milagre, a inspiração da Escritura necessitava de uma exaltação<br />

de tais forças naturais que só a influência do Espírito Santo pode explicar.<br />

Parece claro que o produto é inexplicável por uma simples iluminação quando<br />

nos lembramos de que a revelação às vezes excluía a iluminação quanto<br />

ao sentido daquilo que se comunicava, porque os profetas são representados<br />

em 1 Pe. 1.11 como “indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito<br />

de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos<br />

que a Cristo haviam de vir e a glória que se lhes havia de seguir”.<br />

Visto que nenhum grau de iluminação pode explicar a predição das “coisas<br />

que hão de vir” (Jo. 16.13), esta teoria tende à negação de qualquer revelação<br />

imediata na assim chamada profecia, e a negação facilmente se estende<br />

a qualquer revelação imediata da doutrina.<br />

c) A simples iluminação não pode resguardar os escritores da Bíblia do<br />

freqüente e aflitivo erro. A percepção espiritual do cristão é considerada sempre,<br />

em certa extensão, im perfeita e enganosa por conservar a depravação.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 0 9<br />

Assim o elemento subjetivo predom ina nesta teoria para que não permaneça<br />

nenhuma certeza com relação à fidedignidade das Escrituras como um todo.<br />

Conquanto adm mos imperfeições nos pormenores em matéria não<br />

essencial ao ensino moral e religioso da Escritura, reivindicamos que a Bíblia<br />

fornece um norte suficiente rumo a Cristo e à salvação. A teoria que estamos<br />

considerando, contudo, ao fazer da santidade a medida da inspiração, torna<br />

até mesmo o testemunho coletivo dos autores da Escritura um guia incerto<br />

para a verdade. Por isso assinalamos que a inspiração não é de um modo<br />

absoluto limitada pela condição moral dos que são inspirados. No cristão, o<br />

conhecimento pode ir além da conduta. Balaão e Caifás não eram homens<br />

santos, contudo foram inspirados (Nm. 23.5; Jo. 11.49-52). A promessa do<br />

Messias assegurava ao menos a fidedignidade essencial do seu testemunho<br />

(Mt. 10.7,19,20; Jo. 14.26; 15.26,27; 16.13; 17.8). Esta teoria de que a inspiração<br />

é uma comunicação da verdade totalmente subjetiva leva à rejeição prática<br />

de importantes partes da Escritura, pelo fato da rejeição de toda a Escritura<br />

que professa conter a verdade além do poder de descoberta e<br />

entendimento do homem. Note o progresso de T h o m a s A r n o ld (Sermons2.1.5)<br />

a M a t t h e w A r n o ld (Literature and Dogma, 134, 137). Note também a rejeição<br />

de S w e d e n b o r g de quase metade da Bíblia (Rute, Crônicas, Esdras, Neemias,<br />

Ester, Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos e todo o Novo Testamento<br />

exceto os evangelhos e o Apocalipse), em conexão com a autoridade<br />

divina para esta nova revelação. “Todos os seus interlocutores ‘sweden-<br />

borgam’” (R. W. Emerson).<br />

d) Esta teoria é logicam ente indefensável insinuando que a iluminação<br />

relativa à verdade pode ser concedida sem conceder a própria verdade enquanto<br />

Deus deve primeiro fornecer a verdade objetiva a ser percebida antes que ele<br />

possa iluminar a mente para perceber o sentido da verdade.<br />

A teoria assemelha-se aos pontos de vista de que a preservação é uma<br />

contínua criação; conhecimento é reconhecimento; regeneração é o aumento<br />

de luz. Para que haja preservação, deve-se primeiro criar algo que possa ser<br />

preservado; para que haja reconhecimento, algo deve ser reconhecido ou<br />

conhecido outra vez; para que haja aumento de luz em qualquer emprego, é<br />

preciso que haja primeiro a capacidade de ver. De igual modo, a inspiração<br />

não pode ser mera iluminação porque o exterior necessariamente precede o<br />

interior, o objetivo precede o subjetivo, a verdade revelada precede a apreensão<br />

daquela verdade. Caso a verdade ultrapasse a capacidade humana normal<br />

de perceber ou evoluir, deve haver uma comunicação especial da parte de<br />

Deus; a revelação deve anteceder a inspiração; a inspiração sozinha não é<br />

revelação. Não importa se a comunicação da verdade vem de fora ou de dentro.<br />

Como na criação, Deus pode operar a partir de dentro, embora o novo<br />

resultado não seja explicado como simples reprodução do passado. O olho não<br />

pode ver apenas quando recebe e utiliza a luz externa fornecida pelo sol, apesar<br />

de que também é verdade que sem o olho não adiantaria haver a luz do sol.


3 1 0 Augustus H opkins Strong<br />

P f l e id e r e r, Grundriss, 17-19, diz que, para Schleiermacher, revelação é o<br />

aparecimento originaWe uma vida religiosa apropriada; a vida não deriva da<br />

comunicação exterior, nem da invenção ou reflexão, mas de uma concessão<br />

divina, que não pode ser considerada como uma influência meramente instrutiva<br />

ao homem, mas como dotação determinando toda a sua existência<br />

pessoal - dotação análoga às mais elevadas condições de exaltação poética<br />

e heróica. O próprio P f le id e r e r dá o nome de “revelação” a “cada experiência<br />

original de que o homem se torna ciente e à qual ele se apega; verdade<br />

supra-sensível, que não vem de concessão exterior nem de uma reflexão<br />

proposta, mas de uma base transcendental consciente e indivisível e, deste<br />

modo, recebida como um dom de Deus por meio da atividade da Alma humana”.<br />

K a f t a n , Dogmatik, 51 sgte. - “Devemos pôr a concepção da revelação no<br />

lugar da inspiração. A Escritura não é o registro da revelação divina. Não<br />

propomos nenhuma doutrina nova sobre a inspiração, em lugar da velha.<br />

Necessitamos apenas de revelação e, aqui e ali, da providência. Dá-se o<br />

testemunho do Espírito Santo, não para inspiração, mas para revelação -<br />

verdades que tocam o espírito humano e têm sido historicamente reveladas”.<br />

A l l e n , Jonathan Edwards, 182 - Edwards sustentava que Deus dá a vida<br />

espiritual na alma só aos seus filhos queridos e preferidos, enquanto a inspiração<br />

pode ser lançada fora como se fosse aos cães e aos porcos - Balaão,<br />

Saul, Judas. O maior privilégio dos apóstolos e profetas não é a sua inspiração,<br />

mas a sua santidade. Ter graça no coração é melhor do que ser a mãe de<br />

Cristo (Lc. 11.27,28). M altbie D. B a b c o c k, em S. S. Times, 1901.590 - “O homem<br />

que lamenta porque não se pode obter a infalibilidade na igreja, ou num guia,<br />

ou num conjunto de padrões, não sabe quando ele se sente bem fora. Como<br />

poderia Deus desenvolver as nossas mentes, a nossa capacidade de julgamento<br />

moral, se não houvesse nenhum ‘espírito para ser tentado (1 Jo. 4.1),<br />

nem necessidade de discriminação, nem disciplina a ser seguida e desafio e<br />

escolha? Dar a resposta correta a um problema é pôr o homem do lado da<br />

infalibilidade relativa à resposta, mas isto eqüivale a fazê-lo um erro inefável<br />

sobre a sua verdadeira educação. A bênção da escola da vida não está em<br />

conhecer a resposta correta, mas em desenvolver a força por meio da luta”.<br />

Por que J o h n H e nr y N e w m a n rendeu-se à Igreja de Roma? Porque ele<br />

supunha que uma autoridade externa é absolutamente essencial à religião e,<br />

quando se segue tal suposição, Roma é o único fim lógico. “O dogma”, diz<br />

ele, “é o princípio fundamental da minha religião”. O ritualismo moderno é uma<br />

volta à noção medieval. “O cristianismo dogmático”, diz H a r n a c k , “é Católico.<br />

Ele necessita de uma Bíblia inerrante e de uma igreja infalível que interprete<br />

essa Bíblia. O protestante dogmático está no mesmo campo que o católico<br />

sacramental e infalível”. L y m a n A b b o t t: “A nova Reforma nega a infalibilidade<br />

da igreja. Não há autoridade infalível. A autoridade infalível é indesejável.<br />

... Deus nos deu algo bem melhor, a vida. ... A Bíblia é o registro da manifestação<br />

gradual de Deus ao homem na experiência humana, nas leis morais e<br />

suas aplicações e na vida daquele que é o Deus manifesto em carne”.<br />

L e ig h t o n W il l ia m s : “Não há inspiração alguma independente da experiência.<br />

Os batistas não são sacramentais, nem estão presos a credos, mas são<br />

cristãos por experiência” - não romanistas, nem protestantes, mas crêem<br />

numa luz interior. “À medida em que a vida se desenvolve, ela se desperta na


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 1 1<br />

consciência própria. Esta se torna a mais confiável testemunha quanto à<br />

natureza da vida da qual ela é um desenvolvimento. Dentro dos limites da sua<br />

própria esfera, sua autoridade é suprema. A profecia é o pronunciamento da<br />

alma em momentos de profunda experiência religiosa. A inspiração dos autores<br />

da Escritura não é uma coisa peculiar; é dada para que a inspiração possa<br />

ser perfeita naqueles que lerem os seus escritos”. Cristo é a única autoridade<br />

final e revela-se de três modos: através da Escritura, da Razão, e<br />

da Igreja. Só a Vida salva, o Caminho conduz através da Verdade à Vida.<br />

Os batistas estão mais perto do sistema episcopal de vida do que do sistema<br />

presbiteriano de credo. W h it o n , Gloria Patri, 136 - “O erro está em olhar para<br />

o Pai acima do mundo ao invés de olhar para o Filho e para o Espírito dentro<br />

do mundo como a fonte imediata da revelação. ... A revelação é o desdobramento<br />

da vida e do pensamento de Deus dentro do mundo. Não se deve estar<br />

perturbado ao achar imperfeições em qualquer obra física de Deus, como<br />

achá-la no olho humano”.<br />

3. Teoria do Ditado<br />

Esta teoria sustenta que a inspiração consistiu em o Espírito Santo possuir<br />

as mentes e corpos dos escritores da Bíblia, para que eles se tom em instrumentos<br />

passivos ou amanuenses - a pena e não o calígrafo de Deus.<br />

Esta teoria naturalmente tem conexão com o ponto de vista dos milagres<br />

que os considera como suspensão ou violação da lei natural. D o r n e r , Glau-<br />

benslehre, 1.624 o chama de “ponto de vista docético de inspiração. Defende<br />

a abolição das causas secundárias e a perfeita passividade do instrumento<br />

humano; nega qualquer inspiração de pessoas e defende a inspiração só dos<br />

escritos. Este exagero do elemento divino conduziu à hipótese de um sentido<br />

divino multiforme na Escritura e, ao atribuir o sentido espiritual, um espírito<br />

racionalista dirigiu o caminho”. Representam este ponto de vista Q u e n s t e d t,<br />

Theol. Didact., 1.76 - “O Espírito Santo inspirou seus amanuenses com as<br />

expressões que eles teriam empregado, se eles tivessem sido deixados livres<br />

para escrever como quisessem”; Works, 2.383 - “Eles nunca falaram ou<br />

escreveram de si mesmos uma palavra, mas proferiram sílaba por sílaba o<br />

que o Espírito pôs nas suas bocas”; G a u s s e n , Teopneustia, 61 - “A Bíblia não<br />

é um livro cuja feitura Deus incumbiu os homens já iluminados sob a sua<br />

proteção; é um livro que Deus lhes ditou”; C u n n in g h a m , Theol. Lectures, 349 -<br />

“A inspiração verbal das Escrituras [que ele defende] implica em geral que as<br />

palavras da Escritura foram sugeridas ou ditadas pelo Espírito Santo, assim<br />

como a substância da matéria, e isto não só em algumas porções das Escrituras,<br />

mas na sua totalidade”. Isto lembra a velha teoria de que Deus criou os<br />

fósseis nas rochas quando nem ainda os antigos mares existiam.<br />

S a n d a y, Bampton Lect. sobre a Inspiração, 74, cita Filo dizendo: “O profeta<br />

não produz nada de si próprio, mas age como intérprete ao soprar para um<br />

outro todos os seus pronunciamentos e até quando, sob a inspiração, ele<br />

está na ignorância; sua razão, afastando do seu lugar, dominando a cidadela


3 1 2 Augustus Hopkins Strong<br />

da alma, quartdo-o Espírito divino penetra nela e nela habita e afeta o mecanismo<br />

da voz, soando através dela a nítida declaração do que ele profetiza”;<br />

em Gn. 15.12 - “E, pondo-se o sol, um profundo sono caiu sobre Abraão” - o<br />

sol é a luz da razão humana que se põe e dá lugar ao Espírito de Deus.<br />

S anday, 78, também diz: “J osefo sustenta que até mesmo as narrativas históricas<br />

como as do começo do Pentateuco, que foram escritas por profetas<br />

contemporâneos obtiveram-se graças à inspiração direta de Deus. Os judeus,<br />

desde o seu nascimento, consideram a sua Escritura como ‘os decretos de<br />

Deus’, aos quais eles obedecem estritamente, e em cujo favor morreriam, se<br />

necessário”. Os rabinos diziam que “Moisés não escreveu uma palavra tirada<br />

do seu próprio conhecimento”.<br />

Os reformadores defendiam um ponto de vista muito mais livre do que<br />

este. Lutero dizia: “O que não leva consigo a pessoa de Cristo não é apostólico,<br />

embora Pedro ou Paulo o ensinasse. Se os nossos adversários se afastarem<br />

da Escritura em oposição a Cristo, nós nos oporemos à Escritura em<br />

favor de Cristo”. Lutero recusava a autoridade canônica dos livros que não<br />

foram escritos ou compostos, na verdade, por apóstolos, como Marcos e<br />

Lucas, sob a direção deles. Assim ele rejeitava do rol da autoridade canônica<br />

os livros de Hebreus, Tiago, Judas, 2 Pedro e Apocalipse. Até Calvino duvidava<br />

da autoria de Pedro à segunda carta, que leva o seu nome; excluía da<br />

Escritura o livro de Apocalipse sobre o qual ele escreveu Comentários e, do<br />

mesmo modo ignorou a segunda e terceira epístolas de João. A teoria ditado<br />

é posteriorà Reforma. H.P. Smith, Bib. ScholarshipandInspiration, 8 5 - “Após<br />

o Concilio de Trento, a polêmica Católica Romana tornou-se mais acirrada.<br />

Aquele partido empenhou-se em mostrar a necessidade da tradição e não<br />

confiar apenas na Escritura. Isto levou os protestantes a defender a Bíblia<br />

com mais tenacidade que antes”. A Fórmula Suíça do Consenso, em 1675,<br />

não só chamou as Escrituras “a palavra do próprio Deus”, mas declarou a<br />

pontuação hebraica das vogais como inspirada e alguns teólogos remontam<br />

isso a Adão. J ohn O wen defendia a inspiração da pontuação das vogais.<br />

Sobre a era que produziu a teologia dogmática protestante, Charles Beard,<br />

Hibbert Lectures, 1883, diz: “Não conheço nenhuma época do Cristianismo a<br />

que eu pudesse mais confiadamente assinalar na ilustração do fato de que,<br />

onde não há teologia, há menos religião”.<br />

Sobre este ponto de vista assinalamos:<br />

a) Adm itim os que há exemplos quando as com unicações de Deus eram<br />

proferidas em voz audível ou tomavam forma definida de palavras e que isto,<br />

às vezes, era acompanhado da ordem de escrevê-las.<br />

Como exemplos, veja Ex. 3.4 - “bradou Deus a ele do meio da sarça e<br />

disse: Moisés! Moisés!” 20.22 - “Vós tendes visto que eu falei convosco desde<br />

os céus”; cf. Hb. 12.19 - “a voz das palavras, a qual, os que a ouviram<br />

pediram que se lhes não falasse mais”; Nm. 7.89 - “E, quando Moisés entrava<br />

na tenda da congregação para falar com o Senhor, ouvia a voz que lhe<br />

falava de cima do propiciatório, que está sobre a arca do Testemunho entre<br />

os dois querubins; assim com ele falava”; 8.1 - “E falou o Senhor a Moisés,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 1 3<br />

dizendo”; Dn^4.31 - “Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma<br />

voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Passou de ti o reino”; At. 9.5 -<br />

“E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus a quem tu<br />

persegues"; Ap. 19.9 - “E disse-me: Escreve: Bem-aventurados aqueles que<br />

são chamados à ceia das bodas do Cordeiro”; 21.5 - “E o que estava assentado<br />

sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas”; cf. 1.10,11 - “e<br />

ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: O que vês,<br />

escreve-o num livro e envia-o às sete igrejas”. Do mesmo modo a voz vinda<br />

do céu no batismo e na transfiguração de Jesus (Mt. 3.17 e 17.5 verBroadus,<br />

nas páginas em loco).<br />

b) A teoria em questão, contudo, apoia-se em um a indução parcial de fatos<br />

da Escritura, sem garantia, admitindo que tais exemplos ocasionais de ditado<br />

direto revelam o método invariável das com unicações da verdade de Deus aos<br />

escritores da Bíblia.<br />

Em lugar nenhum a Escritura declara que a comunicação das palavras é<br />

universal. Em 1 Co. 2.13 — o ò k èv SiSccktoTç àvGpcoiúvriç cocpíaç Àóyoiç, a k X èv<br />

SiSaKToíç itv efyiato ç, texto citado como prova de invariável ditado - M e y e r diz:<br />

“aqui não há ditado; SiSaK-coiç exclui todo o elemento mecânico”. H e n d e rs o n ,<br />

Inspiration, 333.349 - “Como a sabedoria humana não dita palavra por palavra,<br />

assim também acontece com o Espírito”. Paulo reivindica para a Escritura<br />

um estilo geral de clareza que se deve à influência do Espírito. M a n ly :<br />

“Ditado para o amanuense não é ensino”. A nossa Versão Revista (norte-<br />

americana) apropriadamente traduz o resto do verso, 1 Co. 2.13 - “combinando<br />

as coisas espirituais com as obras espirituais”.<br />

c) Não pode explicar o elem ento m anifestam ente humano nas Escrituras.<br />

Há peculiaridades de estilo que distinguem as produções de cada escritor das<br />

de outro e há variações nos relatos do mesmo trecho que são inconsistentes<br />

com a teoria de um a autoria exclusivam ente divina.<br />

Note o anacoluto de Paulo e as suas explosões de pesar e indignação<br />

(Rm. 5.12 sq., 2 Co. 11.1 sq.) e seu desconhecimento do número preciso de<br />

quem ele batizou (1 Co. 1.16). Um ou dois pedintes (Mt. 20.30; cf. Lc. 18.35);<br />

“uns vinte e cinco ou trinta estádios” (Jo. 6.19); “derramado por muitos”<br />

(Mt. 26.28 tem jtepí, Mc. e Lc. tem úitép). Ditado de palavras que imediatamente<br />

se perderiam por causa da transcrição imperfeita? C l a r k e , Christian<br />

Theology, 33-37 - “Não temos obrigação nenhuma de sustentar a inerrância<br />

completa das Escrituras. Nelas temos a completa liberdade da vida em vez<br />

da extraordinária precisão da afirmativa ou exatidão de pormenor. Nós nos<br />

tornamos cristãos não obstante as diferenças entre os evangelistas. As Escrituras<br />

são variadas, progressivas, livres. Não há autoridade na Escritura para<br />

a aplicação da palavra ‘inspirada’ à nossa atual Bíblia como um todo e a<br />

teologia não está escravizada à utilização desta palavra na definição das


3 1 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Escrituras. O cristianismo se fundamenta na história e permanecerá quer as<br />

Escrituras sejam inspiradas quer não. Se a inspiração especial fosse totalmente<br />

desaprovada, Cristo ainda seria o Salvador do mundo. Mas o elemento<br />

divino nas Escrituras nunca será desaprovado”.<br />

d) É inconsistente com um a sábia econom ia de meios supor que os escritores<br />

da Bíblia teriam ditado a eles o que eles já sabiam ou o de que eles podiam<br />

informar-se com a utilização de recursos naturais.<br />

Por que, afinal de contas, empregar testemunha ocular? Por que não ditar<br />

os evangelhos aos gentios que viveram há milhares de anos? Deus respeita<br />

os instrumentos que ele chamou e os usa segundo os seus dons constitucionais.<br />

G e o r g e E l io t representa o Stradivarius dizendo: - Se a minha mão<br />

enfraquecesse, eu roubaria Deus - visto que ele é o mais completo bem -<br />

deixando um branco em lugar dos violinos, Deus não pode fazer os violinos<br />

de Antônio Stradivarius, sem o Antônio. Mc. 11.3 - “o Senhor precisa dele”,<br />

pode aplicar-se tanto ao homem como ao animal.<br />

é) Contradiz o que sabemos da lei da operação de Deus na alma. Quanto<br />

mais elevadas e mais nobres as com unicações de Deus, mais plenamente o<br />

homem está de posse e uso das suas próprias faculdades. Não podemos supor<br />

que esta mais elevada obra do homem sob a influência do Espírito fosse puramente<br />

mecânica.<br />

José recebe a comunicação através de uma visão (Mt. 1.20); Maria através<br />

das palavras de um anjo proferidas quando estava acordando (Lc. 1.28).<br />

Quanto mais avançado for o receptor, mais consciente é a comunicação.<br />

Estas quatro teorias quase podiam ser chamadas de: pelagiana, arminiana,<br />

docético, e dinâmica. S a b a t ie r , Philos. Religion, 41, 42, 87 - “No Evangelho<br />

dos Hebreus, o Pai diz no batismo de Jesus: ‘Meu Filho, em todos os profetas<br />

eu estava aguardando por ti, para que tu pudesses vir, e para que eu pudesse<br />

repousar em ti. Porque tu és o meu Repouso’. A inspiração se torna cada vez<br />

mais interior até que em Cristo seja contínua e completa. Com base no oposto<br />

ponto de vista docético, a mais perfeita inspiração deve ter sido a da besta<br />

de Balaão”. S e m ler representa o ponto de vista pelagiano ou ebionita, como<br />

Q u e n s t e d t representa o seu docético. S e m le r fixa o local e o tempo do conteúdo<br />

da Escritura. Contudo, embora ele leve isto ao extremo de excluir qualquer<br />

autoria divina, presta um bom serviço ao encaminhar o estudo da Bíblia.<br />

4. Teoria da Dinâmica<br />

Este ponto de vista verdadeiro, em oposição à prim eira destas teorias, sustenta<br />

que a inspiração não é sim plesm ente um fato natural, mas tam bém<br />

sobrenatural e que é obra im ediata de um Deus pessoal na alma do homem.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 1 5<br />

Em oposição à segunda, sustenta que a inspiração pertence não só ao<br />

homem que escreveu a Bíblia, mas à B íblia que ele escreveu, de modo que,<br />

tom ada em seu conjunto, constitui um registro da revelação divina confiável e<br />

suficiente.<br />

Em oposição à terceira teoria, sustenta que as Escrituras contém um elemento<br />

hum ano assim como um divino, de m odo que, enquanto apresentam um<br />

conjunto de verdades reveladas, estas são formadas em moldes humanos e<br />

adaptadas à inteligência hum ana comum.<br />

Em resumo, a inspiração nem é caracteristicam ente natural, parcial, nem<br />

mecânica, mas sobrenatural, plena e dinâmica. Sob o tópico União dos Ele-<br />

TTitTi\üs ^òrvYno rc Wirmano na Inspiração, agrupar-se-ao mais explicações na<br />

seção que se segue imediatamente.<br />

Se o círculo pequeno for tomado como símbolo do elemento humano na<br />

inspiração e o círculo grande como símbolo do divino, a Teoria da Intuição<br />

será representada só pelo círculo pequeno; a Teoria do Ditado só pelo círculo<br />

grande; a Teoria da Iluminação pelo círculo pequeno exterior ao grande,<br />

tocando-o só num ponto; a Teoria Dinâmica por dois círculos concêntricos,<br />

incluindo o pequeno no grande. Mesmo quando a inspiração é apenas a exaltação<br />

e intensificação das forças naturais do homem, deve ser considerada<br />

como obra de Deus assim como do homem. Deus pode operar tanto a partir<br />

de dentro como de fora. Como a criação e a regeneração é obra do Deus<br />

imanente ao invés do transcendente, do mesmo modo a inspiração em geral<br />

do íntimo da alma do homem ao invés da parte exterior. A profecia pode ser<br />

natural à humanidade perfeita. A revelação é o desvendamento e o Raio X<br />

nos capacita a ver através de um véu. Mas o discernimento dos autores da<br />

Escritura para com a verdade além das suas forças mentais e morais é inexplicável<br />

a não ser por uma influência sobrenatural na mente deles; a saber: se<br />

eles não forem elevados à Razão divina e dotados da sabedoria de Deus.<br />

Conquanto proponhamos esta Teoria Dinâmica como a que melhor explica<br />

os fatos da Escritura, não a consideramos, assim como as outras, como de<br />

importância essencial. Nenhuma teoria da inspiração é necessária à fé cristã.<br />

A revelação precede a inspiração. Havia religião antes do Velho Testamento<br />

e um evangelho oral antes do Novo. Deus podia revelar-se sem o registro;<br />

podia permitir o registro sem o atestado de algo mais que o ensino religioso e<br />

da história; apenas ela era necessária ao referido ensino religioso. Qualquer<br />

que seja a teoria que estruturamos, resultará de uma estrita indução dos fatos<br />

da Escritura e não um esquema a priori com o qual a Escritura deve confor-<br />

mar-se. A falta de muitas discussões passadas sobre o assunto supõe que<br />

Deus deve adotar algum método particular de inspiração ou garantir uma perfeição<br />

absoluta dos pormenores em matéria não essencial ao ensino religioso<br />

da Escritura. Talvez a melhor teoria da inspiração seja não ter nenhuma.<br />

W a r f ie l d e H o d g e , Inspiration, 8 - “É importante estabelecer muitíssimas<br />

verdades religiosas e históricas antes de entrarmos na questão da inspiração;<br />

p.ex., o ser divino e o seu governo, a condição do homem decaído, o fato


3 1 6 Augustus Hopkins Strong<br />

de um esquema redentor, a verdade geral histórica das Escrituras e a validade<br />

e autoridade da revelação da vontade de Deus que elas contêm, /'.e., a<br />

verdade geral do cristianismo e suas doutrinas. Por isso, segue-se que, conquanto<br />

a inspiração das Escrituras seja verdadeira e, assim sendo, é um princípio<br />

fundamental da interpretação adequada da Escritura, não é, em primeira<br />

instância, um princípio fundamental da religião cristã”. W a r f ie l d , em Presb.<br />

andRef. Rev. abr, 1893.208- “Não achamos o sistema cristão todo na doutrina<br />

da inspiração. ... Se não houvesse esta coisa que se chama inspiração, o<br />

cristianismo seria verdadeiro e todas as suas doutrinas essenciais nos seriam<br />

testemunhadas de uma forma digna de crédito” - nos evangelhos e na<br />

igreja viva. F. L. P a t t o n , Inspiration, 22 - “Devo fazer uma exceção à disposição<br />

que alguns têm de arriscar as fortunas do cristianismo na doutrina da<br />

inspiração. Não que eu concorde com qualquer um em qualquer convicção<br />

profunda da verdade e importância da doutrina. Mas é natural ter em mente a<br />

imensa vantagem do argumento que o cristianismo tem também a partir da<br />

inspiração dos documentos nos quais ela se apoia”.<br />

IV. UNIÃO DOS ELEM EN TOS DIVIN O E H UM ANO NA INSPI­<br />

R A Ç Ã O<br />

1. As Escrituras são igualm ente a produção de Deus e do hom em e, portanto,<br />

nunca devem ser consideradas como sim plesm ente humanas, ou simplesm<br />

ente divinas.<br />

O mistério da inspiração não consiste separadamente em nenhum destes<br />

termos, mas na união dos dois. Contudo, disto há analogias na interpenetração<br />

dos poderes humanos pela eficiência divina na regeneração e santificação e na<br />

união das naturezas divina e hum ana na pessoa de Jesus Cristo.<br />

Segundo a “lei de Dalton”, cada gás é um vácuo para cada um dos outros:<br />

“Os gases são reciprocamente passivos e passam entre si como em vácuo”.<br />

Cada um interpenetra no outro. Porém isto não fornece uma ilustração perfeita<br />

do nosso assunto. O átomo do oxigênio e o átomo do nitrogênio, no ar<br />

comum, permanecem lado a lado, mas não se unem. Na inspiração, os elementos<br />

humano e divino se unem. A máxima de L u t e r o “Mens humana capax<br />

divinae” (A mente humana está contida na divina), é um dos mais importantes<br />

princípios de uma verdadeira teologia. “Os luteranos pensam que a humanidade<br />

é algo feito por Deus para eie mesmo e para recebê-lo. Os reformados<br />

pensam na divindade como sempre preservando-se de qualquer confusão<br />

com a criatura. Eles temem o panteísmo e a idolatria” ( B is p o d e S a l is b u r y,<br />

citado em S w a y n e, Our Lord’s Knowlegde, xx).<br />

S a b a t ie r , Philos. Religion, 66 - “Esse mistério inicial, a relação em nossa<br />

consciência entre o elemento individual e o universal, entre o finito e o infinito,<br />

entre Deus e o homem, como podemos entender a coexistência e a união<br />

deles e como podemos sentir dúvida disso? Onde está o homem pensante<br />

que hoje não quebrou a fina crosta da sua vida diária e não captou um vislum-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

óre daqueías profundas e obscuras águas em que fíutua a nossa consciência?<br />

Quem não sentiu dentro de si uma presença velada e uma força muito<br />

maior do que a sua própria? Que trabalhador em uma elevada causa não<br />

percebeu dentro da sua atividade pessoal e saudou com um sentimento de<br />

veneração a misteriosa atividade de uma Força universal e eterna? ‘In Deo<br />

vivimus, movemur et sumus’ (Em Deus vivemos, movemo-nos e existimos)....<br />

Não se pode dissipar o mistério porque, sem ele, a religião não mais existiria”.<br />

Q u a c k e n b o s, Harper's Magazine, jul. 1900.264, diz que “a sugestão hipnótica<br />

é apenas inspiração”. A analogia da influência humana assim comunicada<br />

pode ao menos ajudar-nos a entender um pouco da divina.<br />

2. Não se deve conceber esta união dos agentes divino e humano na inspiração<br />

como conceito e recebim ento externos.<br />

Por outro lado, os que Deus levantou e providencialm ente qualificou para<br />

a realização da sua obra, falaram e escreveram as palavras de Deus, quando<br />

inspirados, não de fora, mas de dentro, não passivamente, porém na mais consciente<br />

posse e no mais elevado exercício de seus próprios poderes do intelecto,<br />

sentimento e vontade.<br />

O Espírito Santo não habita no homem como a água num vaso. Podemos<br />

ilustrar a experiência dos autores da Escritura através da experiência do pregador<br />

que, sob a influência do Espírito de Deus, é levado além de si mesmo e<br />

está consciente de uma apreensão mais nítida da verdade e da grande capacidade<br />

de proferi-la do que pertencer à sua desauxiliada natureza, embora<br />

reconheça que ele não pode ser um veículo de uma comunicação divina, mas<br />

estar, como nunca antes, na posse e exercício de suas próprias forças.<br />

A inspiração dos escritores da Bíblia, contudo, vai além da iluminação admitida<br />

pelo pregador que os capacita a estabelecer a verdade sem erro, na<br />

forma escrita permanente. Contudo, a inspiração é mais do que preparação<br />

providencial. Como os milagres, a inspiração pode valer-se das forças naturais,<br />

mas tais forças naturais não a explicam. Moisés, Davi, Paulo e João<br />

foram providencialmente dotados e educados para a sua obra de produzir a<br />

Escritura, porém isto em si não é inspiração, mas a preparação para ela.<br />

B e y s c h l a g : “Com João, a lembrança e a exposição tornaram-se inseparáveis”.<br />

E. G. R o b in s o n : “Os novelistas não criam personagens; eles reproduzem,<br />

com modificações, o material representado à sua memória. Do mesmo<br />

modo os apóstolos reproduziam as suas impressões de Cristo”. Hutton,<br />

Essays, 2.231 - “Os salmistas vacilam entre a primeira e a terceira pessoas<br />

quando expressam os propósitos de Deus. Ao se aquecerem com a inspiração<br />

espiritual eles se perdem na pessoa do Deus que os inspira e depois<br />

voltam-se outra vez ao que eram”. S t a n l e y , Life and Letters, 1.380 - “A revelação<br />

não se resolve num simples processo humano porque somos capazes<br />

de distinguir a atuação natural através da qual ela foi comunicada”; 2.102 -<br />

“Parece-me que você transfere muito as nossas noções modernas da origem<br />

divina a estes antigos profetas e escritores e chefes. ... A nossa, ou melhor, a<br />

moderna noção puritana da origem divina é a de uma força ou voz preterna-<br />

3 1 7


318 Augustus H opkins Strong<br />

tural, pondo de lado os agentes secundários e separados de tais agentes por<br />

um abismo Introdansponível. A noção bíblica oriental antiga é a de uma vontade<br />

suprema atuante através de tais agentes, ou melhor, inseparável deles.<br />

Nossas noções de inspiração e comunicação divina insistem na perfeição<br />

absoluta dos fatos, da moral, da doutrina. A noção bíblica é que a inspiração<br />

é compatível com a fraqueza, a enfermidade, a contradição. L a d d , Philosophy<br />

of Mind, 182 - “Na inspiração, os pensamentos, sentimentos, propósitos<br />

organizam-se num outro Ser que não é o eu no qual eles mesmos nasceram.<br />

Esse outro Ser está neles. Estes entram em comunhão com ele. Entretanto,<br />

este pode ser sobrenatural, embora se empreguem os recursos psicológicos.<br />

Inspiração exterior, afinal de contas, não é inspiração”. Contudo, esta última<br />

sentença parece-nos um desnecessário exagero do princípio verdadeiro.<br />

Conquanto Deus inspire originariamente a partir de dentro, ele pode também<br />

comunicar a verdade a partir de fora.<br />

3. Portanto, a inspiração não removeu, mas investiu para o seu próprio<br />

serviço todas as peculiaridades pessoais dos escritores com todos os seus<br />

defeitos de cultura e estilo literário.<br />

Toda a im perfeição não inconsistente com a verdade na composição humana<br />

pode existir na Escritura inspirada. A B íblia é a Palavra de Deus no sentido<br />

de que ela nos apresenta a verdade divina nas formas humanas e é um a revelação<br />

não para um a classe seleta, mas para a m ente comum. Corretamente<br />

entendida, esta própria humanidade da Bíblia é prova da sua divindade.<br />

L o c k e : “Quando Deus fez o profeta, não desfez o homem”. P r o f . D a y:<br />

“A sarça em que Deus apareceu a Moisés continuou sendo sarça, embora<br />

ainda queimasse com o brilho e a expressão da majestade da mente de Deus”.<br />

Os parágrafos do Corão são chamados ayat, ou “sinal”, por causa da sua<br />

suposta elegância sobrenatural. Mas as elegantes produções literárias não<br />

tocam o coração. A Bíblia não é simplesmente a palavra de Deus; é também<br />

o verbo que se fez carne. O Espírito Santo oculta-se a si mesmo para poder<br />

apresentar Cristo (Jo. 3.8); ele é conhecido apenas pelos seus efeitos - um<br />

padrão para os pregadores, que são ministros do Espírito (2 Co. 3.6).<br />

O m aom etano declara que cada palavra do C orão veio do sétim o céu pela<br />

atuação de G abriel e que o seu próprio pro nunciam ento é inspirado. M elhor é<br />

a doutrina de M artineau, Seat of Authoríty, 289 - “ E m bora o padrão seja divino,<br />

a teia que o sustenta ainda deve ser hum ana” . J a c k s o n , James Martineau,<br />

255 - “ Não se deve perm itir que a m etáfora de Paulo sobre ‘esse tesouro em<br />

vasos de ba rro’ (2 Co. 4.7) seja o seu guia; não basta apenas que o tesouro<br />

venha do alto, m as tam bém , do m esm o modo, o escrínio e que seja do cristal<br />

celeste. É preciso ser o registro divino, não só no espírito, m as tam bém na<br />

letra” . C h arle s H o d g e , Sistematic Theology, 1.157 - “Q uando Deus ordena<br />

que a boca das crianças louvem , elas devem fala r com o crianças, ou perder-<br />

se-á toda a força ou beleza trib u ta d a ”.<br />

E v a n s, Bib. Scholarship and Inspiration, 16,25 - “O nve^iaa de um vento<br />

morto nunca muda, como pensavam os antigos rabinos, em 7ive0|^a de um


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 1 9<br />

espírito vivo. Os corvos que alimentaram Elias não eram mais que um pássaro.<br />

Nem o homem, quando sobrenaturalmente influenciado, deixa de ser um<br />

homem. Um homem inspirado não é Deus, nem um autômato divinamente<br />

manipulado”; “Na Escritura pode haver tanta imperfeição como nas partes de<br />

qua\c\uet orçjarúsmo; seóa consistente com a perfeWa adapteção de \a\ organismo<br />

ao fim a que se destina. Então, a Escritura, tomada no seu conjunto, é<br />

uma afirmação da verdade moral e religiosa suficiente para a salvação dos<br />

homens, ou uma regra infalível e suficiente de fé e prática”. J. S. W rightnour:<br />

“Inspira meios para Intrododuzir o ar, como o flautista sopra o seu instrumento.<br />

Como diferentes flautas têm diferentes formas, peculiaridades, o que<br />

pareceriam ser defeitos, aqui também ocorre o mesmo; contudo, todos são<br />

soprados pelo mesmo Espírito. O mesmo Espírito que os inspirou selecionou<br />

os instrumentos melhores para o seu propósito, do mesmo modo que o Salvador<br />

selecionou seus apóstolos. Por isso, nestes escritos, nos é dado de<br />

forma precisa, o melhor caminho para nós: a instrução espiritual e o alimento<br />

de que necessitamos. O alimento para o corpo não é dado na mais concentrada<br />

forma, porém na que mais se adapta à digestão. Do mesmo modo Deus<br />

dá o ouro, não em moeda cunhada, mas no quartzo da mina de onde deve ser<br />

cavado e fundido”. Os restos de A r t h u r H a lla m , em John Browrís Rabe and<br />

his Friends, 274 - “Vejo que a Bíblia é adequada a cada parte do coração<br />

humano. Eu sou um ser humano e creio que ele é o livro de Deus porque é o<br />

livro do homem”.<br />

4. N a inspiração Deus se vale de todos métodos corretos e normais da<br />

: im posição literária.<br />

Como reconhecem os na literatura a função própria da história, da poesia, e<br />

ia ficção; da profecia, da parábola e do drama; da personificação e do provérbio;<br />

da alegoria e da instrução dogmática; e mesmo do mito e da lenda; não<br />

podemos negar a possibilidade de Deus usar qualquer destes métodos da verdade<br />

comunicante, deixando que determinemos em qualquer simples caso qual<br />

iestes métodos ele adotou.<br />

Na inspiração, como na regeneração e na santificação, Deus opera “de<br />

muitas maneiras” (Hb. 1.1). As Escrituras, como os livros da literatura secular,<br />

devem ser interpretadas à luz do seu propósito. A poesia não pode ser tratada<br />

como a prosa, e a parábola não pode ser tratada de qualquer forma (em<br />

Inglês “andar de quatro”), quando ela indica o caminhar ereto e o simples<br />

contar uma história. O drama não é história, nem a personificação deve ser<br />

considerada como uma biografia. Há um exagero retórico que apenas tem em<br />

vista uma vivida ênfase de uma importante verdade. A alegoria é um modo<br />

popular de fazer ilustração. Mesmo o mito e a lenda podem trazer grandes<br />

lições de outra forma impossíveis que mentes infantis e sem instrução apreendam.<br />

Para julgarmos a Escritura há necessidade de um senso literário, o<br />

que falta na crítica muito hostil.<br />

D enney, Studies in Theology, 218 - “Há um estágio em que todo o conteúdo<br />

da mente, embora não tendo capacidade para a ciência e para a história,


3 2 0 Augustus Hopkins Strong<br />

pode ser chamado mitológico. O que a crítica nos mostra, ao tratar dos capítulos<br />

iniciais de Gênesis, é que Deus não menospreza o falar à mente, nem<br />

através dela, mesmo quando num estágio inferior. Até mesmo o mito, no qual<br />

o início da vida humana, estando além da possibilidade de pesquisa, é representado<br />

numa linguagem infantil da raça, pode tornar-se um recurso da revelação.<br />

... Mas isso não faz do primeiro capítulo de Gênesis ciência, nem também<br />

do terceiro capítulo história. E a autoridade nestes capítulos não é a<br />

forma semi-científica ou semi-histórica, mas a mensagem que através deles<br />

vem, da sabedoria e força criativas de Deus, ao coração do homem”. G ore,<br />

em Lux Mundi, 356 - “Os variados tipos de atividade mental e literária desenvolvem-se<br />

em suas diferentes linhas a partir de uma condição primitiva na<br />

qual não se diferenciam, mas fundem-se. Podemos chamar vagamente isto<br />

de estágio mítico da evolução mental. Mito não é falsidade; é um produto da<br />

atividade mental, instrutivo como mais tarde qualquer outra produção, mas<br />

carateriza-se por não ser distinta da história, da poesia e da filosofia”.<br />

Do mesmo modo G rote chama de mitos gregos o grupo intelectual todo da<br />

época a que pertenciam - a raiz comum de toda história, poesia, filosofia,<br />

teologia, de que mais tarde divergiram e de que procederam. Assim, a parte<br />

inicial de Gênesis pode pertencer à natureza do mito no qual não podemos<br />

distinguir o germe histórico, embora não neguemos que ele exista. O Clive e<br />

Andrea dei Sarto de R obert B rowning são essencialmente representações<br />

corretas de caracteres históricos, embora os pormenores em cada poema<br />

sejam imaginários.<br />

5. O Espírito inspirador deu as Escrituras ao mundo por um processo de<br />

evolução gradual.<br />

Como, ao com unicar as verdades da ciência natural, Deus comunicou as<br />

verdades da religião em passos sucessivos, a princípio em germe, mais plenam<br />

ente tom ou o hom em capaz de com preendê-las. A educação da raça é semelhante<br />

à de um a criança. Primeiro vêm as figuras, as lições objetivas, os ritos<br />

externos, as predições; depois a chave destes em Cristo, e sua exposição didática,<br />

nas Epístolas.<br />

Assim tem sido “muitas vezes”, assim como “de muitas maneiras” (Hb. 1.1).<br />

As primeiras profecias como a de Gn. 3.15 - a semente da mulher esmagando<br />

a cabeça da serpente - eram apenas fracos lampejos da aurora. O homem<br />

tinha de elevar-se porque era capaz de receber e transmitir a comunicação<br />

divina. Moisés, Davi, Isaías marcam sucessivos avanços no recebimento e<br />

transparência da luz celestial. A inspiração tem-se valido de homens de vários<br />

graus de capacidade, cultura e discernimento religioso. Como todas as verdades<br />

dos cálculos estão, de forma germinal, no mais simples axioma da<br />

matemática, do mesmo modo todas as verdades da salvação estão compreendidas<br />

na afirmação de que Deus é santidade e amor. Mas nem todo erudito<br />

pode dominar o cálculo do axioma. O mestre pode ditar proposições que o<br />

aluno não entende; ele pode demonstrar um caminho de tal modo que o aluno<br />

participe do processo; ou, melhor ainda, ele pode estimular o aluno a operar


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 321<br />

a demonstração por si mesmo. Parece que Deus empregou todos estes<br />

métodos. Mas há exemplos de ditado e iluminação e a inspiração às vezes os<br />

inclui; o método geral parece ter sido o despertar divino das forças humanas<br />

para que o homem descubra e expresse a verdade por si mesmo.<br />

A. F. Balfour, Foundations of Belief, 339 - “Vista do lado divino, a inspiração<br />

é aquilo a que chamamos de descoberta quando vista do lado humano.<br />

... Cada acréscimo ao conhecimento humano, quer no indivíduo, ou na comunidade,<br />

quer científico, ético ou teológico, deve-se a uma cooperação entre a<br />

alma humana que assimila, e o poder divino que inspira. Nem age, ou poderia<br />

agir, num isolamento independente. Para a ‘razão desassistida’, é uma<br />

ficção, e é impossível conceber-se uma pura receptividade. Mesmo o mais<br />

vazio recipiente deve limitar a quantidade e determinar a configuração de<br />

qualquer líquido que possa enchê-lo. ... A inspiração não se limita a qualquer<br />

idade, ou país, ou povo”. Os antigos semitas tinham-na, como também os<br />

grandes reformadores orientais. Não se colhem uvas dos espinheiros ou<br />

figos dos abrolhos. Tudo o que é verdadeiro ou bom na história humana provêm<br />

de Deus.<br />

6. A inspiração não garante a inerrância em coisas não essenciais ao principal<br />

propósito da Escritura.<br />

A inspiração não vai além da fidedigna transm issão dos escritores responsáveis<br />

pela apresentação da verdade. Inspiração não é onisciência. É a concessão<br />

de vários tipos e graus de conhecim ento e auxílio, de acordo com a necessidade;<br />

às vezes sugere um a nova verdade, às vezes preside a coleção do<br />

material preexistente e resguarda do erro essencial na elaboração final. Como<br />

a inspiração não é onisciência, não é santificação completa. Nem invoca infalibilidade<br />

pessoal.<br />

Deus pode valer-se de recursos imperfeitos. A imperfeição dos olhos não<br />

desaprova a autoria divina e, como Deus se revela na natureza e na história a<br />

despeito das suas deficiências, assim a inspiração pode cumprir o seu propósito<br />

tanto através dos escritores como dos escritos em certo sentido imperfeitos.<br />

Deus está, na Bíblia assim como na história dos hebreus, conduzindo o<br />

seu povo para Cristo, mas apenas através de um desdobramento da verdade.<br />

Os autores da Escritura não eram perfeitos. Paulo, em Antioquia, resistiu Pedro<br />

“porque era repreensível” (Gl. 2.11). Mas Pedro diferia de Paulo, não nos<br />

pronunciamentos públicos, nem nas palavras escritas, mas em seguir os seus<br />

ensinos (cf.. Atos 15.6-11). Os defeitos pessoais não invalidam um embaixador,<br />

apesar de que eles podem dificultar o recebimento da sua mensagem.<br />

O mesmo ocorre com a ignorância dos apóstolos sobre o tempo da segunda<br />

vinda de Cristo. Só gradualmente eles vieram a entender as doutrinas cristãs;<br />

eles não ensinavam as doutrinas todas de uma só vez; seus últimos pronunciamentos<br />

suplementavam e completavam os primeiros; e todos eles forneciam<br />

só aquela medida do conhecimento que Deus via necessária ao ensino<br />

moral e religioso da humanidade. Muitas coisas ainda estão sem ser reveladas


3 2 2 Augustus Hopkins Strong<br />

e muitas que inspiraram os homens a pronunciar, eles não entendiam plenamente.<br />

P fleiderer, Grundríss, 53, 54 - “A palavra é divina-humana no sentido de<br />

que contém a verdade divina condicionada na forma humana, histórica e individual.<br />

A Escritura Sagrada contém a palavra de Deus de um modo claro, e<br />

inteiramente suficiente para gerar a fé salvadora”. F rancês P ower C obbe, Life,<br />

87 - “A inspiração não é uma coisa miraculosa e conseqüentemente incrível,<br />

mas normal e concorde com o relacionamento natural entre o espírito infinito<br />

com o finito, influxo divino da luz mental em analogia perfeita com a influência<br />

moral que os teólogos chamam graça. Como toda alma devota e obediente<br />

pode ter a expectativa de compartilhar da graça divina, do mesmo modo elas<br />

têm compartilhado, como ensina P arker, na inspiração divina. E, como o recebimento<br />

da graça mesmo em grande medida não nos torna impecáveis, assim<br />

também o da inspiração não nos torna infalíveis. Podemos admitir com a S rta.<br />

C obbe que a inspiração é consistente com a imperfeição embora admitamos<br />

que os escritores da Bíblia têm uma autoridade mais elevada que a nossa.<br />

7. A Inspiração nem sempre, ou geralmente, envolve com unicação direta<br />

dos escritores da Bíblia com as palavras que eles escreveram.<br />

Apesar disso, é possível pensamento sem palavras e, na ordem da natureza,<br />

ele precede as palavras. Os escritores da Bíblia parecem ter sido tão influenciados<br />

pelo Espírito Santo que perceberam e sentiram mesmo as novas verdades<br />

que eles deviam publicar, como descobertas das suas próprias mentes e,<br />

ao expressar tais verdades, permitiu-se a ação das suas próprias mentes, com a<br />

única exceção de que eles eram sobrenaturalm ente imunes na seleção de palavras<br />

erradas e, quando necessário, proviam as corretas. Portanto, a inspiração<br />

não é verbal, conquanto reivindiquemos que não se admitiu nenhum a forma<br />

de palavras tomadas em suas conexões que ensinassem o erro na Escritura.<br />

Antes da expressão é preciso que haja algo a ser expresso, apesar de que<br />

é possível o pensamento sem linguagem. Pode existir o conceito sem palavras.<br />

O inspirador interrompe só quando a memória do falante deixa de existir.<br />

O mestre guia a mão do aluno só quando este tende a errar. O pai permite<br />

que o filho ande sozinho, a não ser que ele corra o perigo de tropeçar. Se o<br />

conhecimento se tornar certo, ele é tão bom como a revelação direta. Porém<br />

sempre que a mera comunicação das idéias ou a direção rumo ao material<br />

apropriado for suficiente para garantir o pronunciamento correto, os escritores<br />

sagrados eram orientados na própria seleção das palavras. A crítica<br />

minuciosa prova de modo cada vez mais concludente a adequação da roupagem<br />

verbal dos pensamentos expressos; toda a exegese bíblica, na verdade,<br />

baseia-se na suposição de que a sabedoria divina fez da forma exterior um<br />

veículo fidedigno da substância interior da revelação.<br />

W atts, New Apologetic, 40, 111 sustenta a inspiração verbal: “As garrafas<br />

não são o vinho, mas se elas se quebrarem, o vinho derramará”; o Espírito<br />

inspirador deu a linguagem a Pedro e aos outros no Pentecostes, pois os


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 2 3<br />

apóstolos falaram em outras línguas; os santos homens do passado não só<br />

pensavam, mas “os homens santos de Deus falaram inspirados peio Espírito<br />

Santo” (2 Pe. 1.21). Assim também G o r d o n, Ministry ofthe Spirit, 171 - "Por<br />

que o estudo minucioso das palavras da Escritura, produzido por todos expositores,<br />

a busca da precisa sombra do sentido verbal, sua atenção para os<br />

mínimos detalhes da linguagem e para todo o delicado matiz do tempo, modo<br />

e pronúncia”? Os eruditos liberais, pensa o Dr. Gordon, assim afirmam a doutrina<br />

que eles negam. R othe, Dogmatics, 238, fala de uma “língua do Espírito<br />

Santo”. Oetinger: “É o estilo da corte celestial”. Porém B roadus, erudito quase<br />

igualmente conservador, em seu Com. on Mathews 3.17 diz que a diferença<br />

entre “Este é o meu Filho amado”, e Lc. 3.22 “Tu és meu Filho amado”, nos<br />

faz tomar cuidado em teorizar a inspiração verbal e sugere que essa hipótese<br />

não oferece garantia. A teoria da inspiração verbal é refutada por dois fatos:<br />

1. que as citações que o N.T. faz do A.T., em 99 casos diferem tanto do<br />

hebraico como da LXX; 2. que as próprias palavras de Jesus são relatadas<br />

com variações pelos diferentes evangelistas.<br />

H elen K eller disse a P hillips Brooks que sempre ela soube que há um<br />

Deus, mas nunca tinha conhecido o seu nome. O D r. Z. F. W estervelt, do<br />

Instituto de Surdos-Mudos tinha sob a sua responsabilidade quatro filhos de<br />

diferentes mães. Eram todos mudos embora não tivessem a falta da audição<br />

e os órgãos da fala eram perfeitos. Mas as suas mães nunca os tinham amado<br />

e nunca tinham conversado com eles de uma forma amorosa, que provocasse<br />

imitação. Os filhos ouviam fria e duramente, mas isto não os atraía.<br />

Do m esm o m odo os velhos m em bros da igreja, em pa rticular e nas reuniões<br />

de oração deveriam ensinar os m ais novos a falar. M as a áspera e contenciosa<br />

conversa não produzirá o resultado; é preciso que seja um a conversa<br />

de am or cristão. W illiam D. W itney, na MaxMüller’s Science of Language, 26-31,<br />

com bate o ponto de vista de M ü lle r de que o pensam ento e a linguagem são<br />

idênticos. A resposta do M ajor Bliss T aylor a S anta A nna: “O G eneral Taylor<br />

nunca se rende!” é substancialm ente correta, em bora a versão das verdadeiras<br />

palavras profanas do general fosse diplo m ática e eufem ística. Cada autor<br />

da E scritura proferiu um a antiga verdade em novas form as com as quais sua<br />

própria exp eriência a revestiu. Davi chegou à sua gra nd eza abandonando a<br />

m era repetição de M oisés e falando do seu próprio coração. Paulo chegou à<br />

sua grandeza desprezando o que lhe teria sido ensinado e m ostrando em que<br />

consiste, afinal de contas, o plano da m isericórdia de Deus para com todos.<br />

Agostinho: “S criptura est sensus S crip tu rae” - “A E scritura é o que a E scritura<br />

significa”. Entre os escritores de teo log ia que adm item a possibilidade de os<br />

autores da Bíblia errarem em m atéria não essencial ao ensino m oral e espiritual<br />

estão Lu tero, Calvino, Cocceius, T holuck, Neander, Lange, S tie r, Van<br />

O osterzee, John Howe, Richard B axte r, Conybeare, A lfo rd , Mead.<br />

8. Contudo, não obstante o elemento hum ano sempre presente, a inspiração<br />

das Escrituras, totalmente permeável, faz destes vários escritos um todo<br />

orgânico.<br />

Porque a Bíblia é em todas as suas partes a obra de Deus, cada parte deve<br />

ser julgada, não isoladamente, mas em sua conexão com cada um a das outras


3 2 4 Augustas Hopkins Strong<br />

partes. As Escrituras não devem ser interpretadas como tantas produções simplesm<br />

ente humanas de diferentes autores, mas tam bém como a obra de uma<br />

mente divina. Coisas aparentem ente triviais devem ser explicadas a partir da<br />

sua conexão com o todo. Uma história deve ser edificada a partir de vários<br />

relatos da vida de Cristo. Uma doutrina deve suplementar a outra. O Velho<br />

Testam ento é parte de um sistem a progressivo, cujo clím ax e cuja chave<br />

devem ser encontrados no Novo Testamento. O assunto central e o pensamento<br />

que liga todas as partes da B íblia a cuja luz devem ser interpretados, é a<br />

pessoa e obra de Jesus Cristo.<br />

A Bíblia diz: “Não há Deus” (SI. 14.1); mas, então, deve-se tomar o contexto:<br />

“Disse o néscio no seu coração”. A expressão de Satanás “está escrito”<br />

(Mt. 4.6) é suplementada pela de Cristo: “Também está escrito” (Mt. 4.7).<br />

As trivialidades são como o cabelo e as unhas - eles têm o seu lugar como<br />

par-tes de um todo. O verso que menciona a capa de Paulo em Trôade (2 Tm.<br />

4.13) é 1) sinal de genuinidade - um embusteiro não o inventaria; 2) uma<br />

evidência de necessidade temporal suportada para o evangelho; 3) uma indicação<br />

dos limites da inspiração: mesmo Paulo devia ter livros e rolos. Cl. 2.21<br />

- “não toques, não proves, não manuseies” - deve ser interpretado com o<br />

contexto no v. 20 - “por que vos carregam ainda com ordenanças”? e pelo<br />

verso 22 “segundo os preceitos e doutrinas dos homens”. H o d g e , Sistematíc<br />

Theology, 1.164 - “A diferença entre o evangelho de João e o livro das Crônicas<br />

é como entre o cérebro do homem e o cabelo da sua cabeça; contudo, a<br />

vida do corpo está de modo tão verdadeiro no cabelo como no cérebro”. Como<br />

os cupons da estrada de ferro, os textos da Escritura “não devem ser desata-<br />

cados".<br />

C ro o k e r, The New Bible and its New Uses, 137-144, nega inteiramente a<br />

unidade da Bíblia. O P ro f. A. B. Davidson, de Edimburgo, diz que “Uma teologia<br />

do A.T., na verdade, é impossível, porque o A.T. não é um todo homogêneo”.<br />

Estas negações procedem de um conhecimento insuficiente do princípio<br />

da evolução na história e doutrina do A.T. As doutrinas no começo da<br />

Escritura são como os rios na sua fonte; não estão completamente expandidos;<br />

muitos afluentes ainda virão. Bruce, Apologetics, 323 - “A literatura dos<br />

estágios antigos da revelação devem compartilhar os defeitos da revelação<br />

que ela registra e interpreta. ... A revelação final capacita-nos a ver os defeitos<br />

dos mais antigos. ... Devemos achar Cristo no A.T. como a borboleta na<br />

lagarta e o homem, coroa do universo, na nuvem ígnea”. C rane, Religion of<br />

To-morrow, 224 - Cada parte deve ser modificada por outra. Nenhum verso é<br />

verdadeiro fora do Livro, mas o Livro inteiro é verdadeiro desde que tomado<br />

no seu conjunto. G ore, L u x Mundi, 350 - “Reconhecer a inspiração das Escrituras<br />

é entrarmos na escola em cada parte delas”.<br />

9. Quando se reconhece plenam ente a unidade da Escritura, a Bíblia, apesar<br />

das imperfeições em m atéria não essencial ao propósito religioso, fornece<br />

orientação segura e suficiente para a verdade e para a salvação.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 2 5<br />

O reconhecim ento da atuação do Espírito Santo torna racional e natural<br />

crer na unidade orgânica da Escritura. Quando se tom am as partes mais antigas<br />

em conexão com as mais tardias e quando se interpreta cada parte como<br />

um todo, desaparece a m aioria das dificuldades relativas à inspiração. Tomadas<br />

juntas, tendo Cristo como clímax e explicação, a Bíblia fornece a regra de<br />

fé cristã e prática.<br />

A Bíblia responde a duas perguntas: “O que Deus fez para me salvar?<br />

O que devo fazer para ser salvo? As proposições de Euclides não são invalidadas<br />

pelo fato de que ele cria que a terra é plana. A ética de Platão não deve<br />

ser rejeitada por causa dos seus equívocos relativos ao sistema solar.<br />

Do mesmo modo a autoridade religiosa independe do conhecimento meramente<br />

secular. - S ir J oshua R eynolds foi um grande pintor e um grande mestre<br />

da sua arte. Suas preleções sobre a pintura lançaram os princípios que<br />

têm sido aceitos como autoridade por diversas gerações. Mas ele ilustra o<br />

assunto a partir da história e da ciência. Era uma época quando tanto a história<br />

como a ciência eram jovens. Em alguns assuntos sem importância, que<br />

não afetam nem um pouco as suas conclusões, ele ocasionalmente vacila;<br />

suas afirmações não são seguras. Por isso não é ele uma autoridade no que<br />

tange à sua arte? - O Duque de Wellington uma vez disse que nenhum ser<br />

humano sabia quando começou a batalha de Waterloo. Um historiador recebeu<br />

a história de um combatente e fixou a hora como sendo onze da manhã.<br />

Um outro historiador teve a informação vinda de um outro combatente e fixou-a<br />

como ao meio-dia. Podemos dizer que esta discrepância indica erro em todo<br />

o relato e que não mais temos certeza de que ocorreu a batalha de Waterloo?<br />

Deve-se admitir livremente tais insignificantes imperfeições, conquanto<br />

ao mesmo tempo insistimos que a Bíblia, tomada como um todo, é incomparavelmente<br />

superior a todos os outros livros e “que pode fazer-te sábio para a<br />

salvação” (2 Tm. 3.15). H ooker, Eccl. Polity. “O que quer que se fale de Deus<br />

ou das coisas pertencentes a ele além do que é a verdade, embora pare-ça<br />

uma honra, é uma injúria. E como os louvores tributados aos homens<br />

tão freqüentemente abatem e prejudicam o crédito da sua merecida aprovação,<br />

assim devemos de igual modo tomar cuidado para que, ao atribuir à<br />

Escritura mais do que ela possa ter, não causemos incredulidade mesmo<br />

naquelas coisas que abundantemente sejam avaliadas com menos reverência”.<br />

Baxter, Works, 21.349 - “Aqueles que pensam que as imperfeições<br />

humanas dos escritores avançam mais e podem aparecer em algumas passagens<br />

de cronologias ou da história que não são parte da regra de fé e vida,<br />

não destroem a causa cristã. Porque Deus pode capacitar os seus apóstolos<br />

para um registro e pregação do evangelho infalíveis, mesmo nas coisas<br />

necessárias à salvação, embora ele não os tivesse feito infalíveis em cada<br />

variante ou circunstância, nem ainda numa vida sem defeito”.<br />

A Bíblia, diz Beet, “contém erros possíveis em pequenos pormenores ou<br />

alusões, mas dá-nos com absoluta certeza os grandes fatos do cristianismo<br />

e, com base neles e só neles apoia-se a nossa fé”. E vans, Bib. Scholarship<br />

and Inspiration, 15, 18, 65 - “Ensina que a concha é parte do cerne e os


3 2 6 Augustus Hopkins Strong<br />

homens que acham que não podem guardar a concha jogam-na fora juntamente<br />

com o cerne. Esta afirmação da inspiração fez R enan, Bradlaugh e<br />

Ingersoll céticos. ... Se, na criação, Deus pode operar um resultado perfeito<br />

através da imperfeição, por que não pode fazer o mesmo na Inspiração?<br />

Se em Cristo Deus pode aparecer na fraqueza e ignorância humanas por que<br />

não na palavra escrita? ”<br />

Por isso abrimos exceção ao ponto de vista de W atts, New Apologetic, 71<br />

- “Adote-se a teoria dos erros históricos e dos científicos e o cristianismo<br />

compartilhará do destino do hinduísmo. Se os seus escritores inspirados<br />

erram quando nos dizem coisas terrenas, ninguém crerá quando falarem das<br />

celestiais”. W atts acrescenta exemplos de Espinosa desistindo da forma<br />

enquanto reivindica sustentar a substância e, deste modo, reduzir a revelação<br />

a um fenômeno do panteísmo naturalista. Respondemos que nenhuma<br />

teoria a priori sobre a perfeição na inspiração divina deve cegar-nos quanto à<br />

evidência da real imperfeição da Escritura. Como na criação e em Cristo,<br />

assim na Escritura Deus se humilha para adotar métodos humanos e imperfeitos<br />

da sua própria revelação. Ver J onathan E dw ards, Diário: “Observo que<br />

os velhos raramente têm qualquer vantagem de novas descobertas porque<br />

eles estão à beira do caminho que utilizaram durante tanto tempo. Resolvido,<br />

se eu viver durante anos, serei imparcial ao ouvir as razões de todas as pretensas<br />

descobertas e, se racionais, recebê-las embora por muito tempo eu<br />

tenho me valido de outro modo de pensar”.<br />

B ow ne, The tmmanence of God, 109, 110 - “Aqueles que acham a fonte<br />

da certeza e a sede da autoridade só nas Escrituras, ou só na igreja, ou só na<br />

razão e na consciência, ao invés de encontrá-la na complexa e indivisível<br />

cooperação de todos estes fatores devem ter em mente a história do pensamento<br />

religioso. A mais rígida doutrina da inerrância da Escritura não tem<br />

evitado conflitantes interpretações; e os que situam a sede da autoridade na<br />

razão e na consciência são forçados a admitir que fora da iluminação pode<br />

haver muito lugar para ambos. Em certo sentido, a religião do espírito é um<br />

fato muito importante, mas, quando se coloca em oposição à religião de um<br />

livro, a luz que está nele é capaz de tornar-se em trevas”.<br />

10. Conquanto a inspiração constitui a Escritura um a autoridade mais fidedigna<br />

que a razão individual ou os credos da igreja, a autoridade últim a é o<br />

próprio Cristo.<br />

Cristo não construiu a Escritura para dispensar sua presença pessoal e<br />

ensino através do seu Espírito. A Escritura é o espelho imperfeito de Cristo.<br />

O espelho é deficiente, contudo, reflete-o e conduz a ele. A autoridade não<br />

está no espelho, mas em Cristo e o seu Espírito capacita individualm ente o<br />

cristão e a igreja coletivam ente a distinguir o essencial do não essencial e<br />

assim perceber a verdade em Jesus. Julgando e interpretando desta forma a<br />

Escritura, não somos racionalistas, porém, ao invés disso, crentes naquele que<br />

prometeu estar conosco todos os dias até o fim do mundo e dirigir-nos pelo<br />

seu Espírito a toda a verdade.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 2 7<br />

Tiago faia da lei como um espelho (Tg. 1.23-25) “como o varão que contempla<br />

ao espelho o seu rosto natural ... que atenta para a lei perfeita”); a lei<br />

convence do pecado porque reflete Cristo. Paulo fala do evangelho como um<br />

espelho (2 Co. 3.18) - “todos nós, refletindo como um espelho a glória do<br />

Senhor”); o evangelho nos transforma porque reflete Cristo. Contudo, tanto<br />

o evangelho como a lei são imperfeitos; são como espelhos de metal polido,<br />

cuja superfície é freqüentemente opaca e cujas imagens são obscuras;<br />

(1 Co. 13.12 - “Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então,<br />

veremos face a face”); mesmo os homens inspirados conheciam apenas em<br />

parte e a profecia só em parte. A própria Escritura é a concepção e o pronunciamento<br />

de uma criança, e que desaparecerá quando vier o que é perfeito, e<br />

virmos Cristo como ele é.<br />

A autoridade é o direito de impor crenças ou de ordenar obediência.<br />

A autoridade única é Deus, porque ele é a verdade, a justiça e o amor. Mas<br />

ele pode impor crenças e ordenar obediência só na medida em que ele é<br />

conhecido. Por isso a autoridade pertence só ao Deus revelado e, porque<br />

Cristo é o Deus revelado, ele pode dizer: “Toda autoridade me é dada no céu<br />

e na terra” (Mt. 28.18). A autoridade final na religião é Jesus Cristo. Cada uma<br />

das suas revelações de Deus tem autoridade. Tanto a natureza como a natureza<br />

humana são tais revelações. Ele exerce a sua autoridade através das<br />

autoridades delegadas e subordinadas, tais como os pais e o governo civil.<br />

Estes corretamente reivindicam obediência, dentro dos limites das suas respectivas<br />

esferas e reconhecem a sua relação de dependência dele. “As autoridades<br />

que há foram ordenadas por Deus” (Rm. 13.1), apesar de que elas<br />

são manifestações imperfeitas da sabedoria e justiça dele. As decisões da<br />

corte suprema são de autoridade embora os juizes são falíveis e limitados no<br />

estabelecimento da justiça. Autoridade não é infalibilidade quer no governo<br />

da família, quer no do estado.<br />

A igreja da Idade Média considerava-se possuidora da autoridade absoluta.<br />

Mas a Reforma Protestante mostrou quão vãs eram as suas pretensões.<br />

A igreja só é autoridade quando reconhece e expressa a suprema autoridade<br />

de Cristo. Os reformados sentiram a necessidade de alguma autoridade<br />

externa no lugar da igreja. Em substituição, eles usaram a Escritura. A expressão<br />

“a palavra de Deus”, que designa a verdade oralmente pronunciada ou<br />

que afeta a mente do homem vem a significar só um livro. A suprema autoridade<br />

foi atribuída só a ele. Freqüentemente usurpa-se o lugar de Cristo.<br />

Enquanto vindicamos a apropriada autoridade da Escritura, devemos mostrar<br />

que a sua autoridade não é imediata e absoluta, mas mediata e relativa, através<br />

de registros humanos e imperfeitos e que necessitam de um ensino<br />

suplementar e divino para interpretá-los. A autoridade da Escritura não independe<br />

de Cristo e nem está acima dele, mas na subordinação exclusiva a ele<br />

e ao seu Espírito. Aquele que inspirou a Escritura deve capacitar-nos a interpretá-la.<br />

Não se trata de uma doutrina do racionalismo, pois ele sustenta a<br />

dependência absoluta da iluminação do Espírito de Cristo. Também não se<br />

trata do misticismo que sustenta que Cristo nos ensina apenas abrindo o sentido<br />

das revelações passadas. Não esperamos palavras novas na nossa<br />

astronomia, nem novas Escrituras na nossa teologia. Esperamos, sim, que o


3 2 8 Augustus H opkins Strong<br />

mesmo Cristo que deu as Escrituras nos dê um novo discernimento para o<br />

novo sentido e nos capacite a fazer novas aplicações aos seus ensinos.<br />

O direito e o dever do juízo privado com relação à Escritura não pertencem<br />

a nenhuma casta privilegiada, mas são liberdades inalienáveis da igreja<br />

de Cristo e do membro da igreja individualmente. Contudo, de um outro ponto<br />

de vista, este julgamento não é privado. Não se trata de julgamento arbitrário<br />

ou fruto do capricho. Ele não torna a consciência cristã suprema, se por este<br />

termo significarmos a consciência dos cristãos independente do Cristo que<br />

neles habita. Tendo vindo a Cristo, ele nos une a si, senta-nos consigo no seu<br />

trono, dá-nos o seu Espírito e determina que empreguemos a nossa razão ao<br />

seu serviço. Ao julgar a Escritura, damos supremacia a Cristo, não a nós e<br />

reconhecemo-lo como a única autoridade última e infalível em matéria de<br />

religião. Podemos crer que a revelação total de Cristo na Escritura é uma<br />

autoridade superior à razão do indivíduo, ou a qualquer simples afirmação da<br />

igreja ainda que não creiamos que esta mesma autoridade da Escritura tem<br />

sua limitação e que o próprio Cristo deve ensinar-nos qual é a sua revelação<br />

total. Deste modo o juízo que a Escritura estimula a passar sobre as suas<br />

próprias limitações só induz a uma final e implícita confiança no vivo e pessoal<br />

Filho de Deus. Ele nunca pretendeu que a Escritura devesse ser um substituto<br />

da sua presença e apenas o seu Espírito, que foi prometido para dirigir-nos<br />

em toda a verdade.<br />

Sobre a autoridade da Escritura ver A. H. S trong, Christin Creation, 113-136<br />

- “A fonte de toda a autoridade não ó a Escritura, mas Cristo. ... Em lugar<br />

nenhum se diz que a Escritura por si é capaz de convencer o pecador ou de<br />

levá-lo a Deus. É uma brilhante palavra, mas é a ‘espada do Espírito’; e, a não<br />

ser que o Espírito a use, nunca penetrará no coração. É um martelo pesado,<br />

mas só o Espírito pode empregá-lo para despedaçar a rocha. É o tipo de<br />

forma fechada, mas o papel nunca receberá uma impressão enquanto o<br />

Espírito não aplicar o seu poder. Nenhum mero instrumento terá a glória que<br />

pertence a Deus. Toda alma sente a sua inteira dependência dele. Só o Espírito<br />

Santo pode fazer a palavra exterior interiorizar-se. E o Espírito Santo é o<br />

Espírito de Cristo. Cristo entra em contato direto com a alma. Ele mesmo dá<br />

testemunho da verdade. Ele dá testemunho da Escritura ao invés de a Escritura<br />

dar testemunho dele”.<br />

11. A discussão anterior capacita-nos ao menos a lançarmos três princípios<br />

cardeais e darmos respostas a três perguntas comuns a respeito da inspiração.<br />

Princípios: a) A mente hum ana pode ser habitada e receber energia da parte<br />

de Deus enquanto ainda atinge e retém sua mais elevada inteligência e<br />

liberdade, b) Sendo obra do Deus uno bem com o dos homens em quem Deus<br />

se m ove e habita, as Escrituras constituem um a unidade articulada e orgânica.<br />

c) A unidade e autoridade da Escritura como um todo são inteiram ente consistentes<br />

com sua gradual evolução e im perfeição das partes não essenciais.<br />

Perguntas: a) Algum a parte da Escritura não é inspirada? Resposta: Cada<br />

parte da Escritura é inspirada em sua conexão e relação com cada uma das


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 2 9<br />

outras partes, b) Há graus de inspiração? Resposta: Há graus de valor, mas não<br />

de inspiração. Cada parte em conexão com as demais é plenam ente verdadeira<br />

e plenitude não tem grau. c) Como podem os saber que partes são de maior<br />

valor e qual é o seu ensino integral? Resposta: O m esm o Espírito de Cristo<br />

que inspirou a Bíblia prom ete tom ar as coisas de Cristo e, apresentando-as a<br />

nós, conduzir-nos progressivam ente a toda a verdade.<br />

Note o valor do Velho Testamento, revelando os atributos naturais de Deus<br />

como base e cenário para a revelação da misericórdia no Novo Testamento.<br />

A revelação encontra-se em muitas partes (itoVonEpmç - Hb. 1.1) assim como<br />

de muitas maneiras. “Cada oráculo, tomado isoladamente, é parcial e incompleto”<br />

(R obertson S mith, O. T. in Jewish Ch., 21). Mas a pessoa e as palavras<br />

de Cristo resumem e completam a revelação, de modo que, em seu conjunto<br />

e em conexão com ele, as várias partes da Escritura constituem uma infalível<br />

e suficiente regra de fé e prática.<br />

A influência divina sobre as mentes dos escritores pós-bíblicos, levando à<br />

composição de alegorias tais como O Peregrino e dramas como o Macbeth<br />

não devem ser denominadas de inspiração, mas de iluminação porque tais<br />

escritos contêm erros assim como verdades em matéria de religião e de<br />

moral; além disso eles não acrescentam nada de essencial ao que as Escrituras<br />

nos conferem; mesmo quando expressam a verdade, já feitas conhecidas,<br />

elas não merecem um lugar no cânon sagrado. W. H. P. Faunce: “Quão<br />

distante está o verdadeiro Peregrino de B unyan de apresentar a experiência<br />

cristã! Ela é inverídica: 1. No que trata do desespero do mundo. O Peregrino<br />

tem de deixar este mundo a fim de ser salvo. A experiência moderna anseia<br />

por fazer a vontade de Deus aqui, e salvar outros ao invés de abandoná-los.<br />

2. Na sua agonia relativa ao pecado e ao conflito assustador. Bunyan ilustra a<br />

experiência moderna melhor em a Cristã e seus filhos, que atravessam o Vale<br />

da Sombra da Morte durante o dia e sem o conflito com Apoliom. 3. Na incerteza<br />

constante da luta do Peregrino. O Cristão entra no Castelo da Dúvida e<br />

depara-se com o Gigante Desespero, mesmo depois de ter tido a maioria das<br />

vitórias. Na experiência moderna, “no tempo da tarde haverá luz” - (Zc. 14.7).<br />

4. Na constante convicção de um Cristo ausente. O Cristo de B unyan nunca<br />

se encontra neste lado da Cidade Celestial. A Cruz diante da qual o fardo caiu<br />

simboliza um ato sacrificial, mas não é o próprio Salvador. A experiência<br />

moderna tem Cristo vivendo em nós e conosco sempre, e não somente um<br />

Cristo que esperamos ver no fim da jornada”.<br />

B eyschlag, N. T. Theol., 2.18 - Paulo declara que a sua própria profecia e<br />

inspiração, em essência, são imperfeitas (1 Co. 13.9, 10,12; cf. 1 Co. 12.10;<br />

1 Ts. 5.19-21). Admitido isso, justifica-se uma crítica cristã mesmo nestes<br />

pontos de vista. Ele pode pronunciar um anátema sobre os que pregam ‘outro<br />

evangelho’ (Gl. 1.8,9), porque no que se refere a uma simples fé, os fatos da<br />

salvação são absolutamente certos. Mas onde o pensamento profético e discurso<br />

vão além destes fatos relativos à salvação, a madeira e a palha podem<br />

misturar-se com o ouro, a prata e as pedras preciosas edificadas sobre um<br />

fundamento. Deste modo, ele distingue a sua modesta yvó^ti da èícvtaYTiKtipíov


3 3 0 Augustus Hopkins Strong<br />

(1 Co. 7.25,40)”. C larke, Christian Theology, 44 - “A autoridade da Escritura<br />

não põe limites, mas liberta. Escrevendo sobre a Escritura, Paulo diz: ‘Não<br />

que tenhamos o domínio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores<br />

do vosso gozo; porque pela fé estais em pé’ (2 Co. 1.24)”.<br />

C remer, em H erzog, Realencypaedia, 183-203 - “A doutrina da igreja é de<br />

que as Escrituras são inspiradas, mas nunca a igreja determinou como isso<br />

ocorreu”. Butler, Analogy, parte II, cap. III - “A única questão concernente à<br />

verdade é se a revelação é real, não se atende a cada circunstância que se<br />

espera; sobre a autoridade da Escritura, se ela é o que reivindica ser, não se<br />

é um livro de tal tipo, e promulgado deste modo, como os fracos são capazes<br />

de fantasiar um livro que contém a revelação divina. Por isso, nem a obscuridade,<br />

nem a aparente incúria de estilo, nem as várias leituras, nem as primitivas<br />

disputas sobre os autores de certas partes, nem outras semelhantes<br />

coisas, embora tenham sido mais consideráveis do que são, podem destronar<br />

a autoridade da Escritura; a não ser que os profetas, os apóstolos ou o<br />

nosso Senhor tivessem prometido que o livro contendo a revelação divina<br />

garantiria estas coisas”. W. Robertson S mith: “Se me perguntarem por que eu<br />

recebo as Escrituras como a palavra de Deus e como a única regra de fé e<br />

vida, respondo com todos os Pais da igreja Protestante: ‘Porque a Bíblia é o<br />

único registro do amor redentor de Deus; porque só na Bíblia eu encontro<br />

Deus trazendo o homem a Jesus Cristo e declarando a sua vontade de sal-<br />

var-nos. E o registro que eu sei que é verdadeiro pelo testemunho do seu<br />

Espírito, que está no meu coração, pelo qual eu estou certo de que nenhum<br />

outro, além do próprio Deus é capaz de falar tais palavras à minha alma”.<br />

O evangelho de Jesus Cristo é o ãtzaZ, Xeyó[iEvov do Onipotente.<br />

y. OBJEÇÕES À DOUTRINA DA INSPIRAÇÃO<br />

Em conexão com um a obra divino-hum ana como a Bíblia, pode-se esperar<br />

que se apresentem dificuldades por si mesm as insolúveis. Contudo, até onde<br />

se sustenta sua inspiração pela com petente e suficiente evidência, tais dificuldades<br />

não podem com justiça im pedir nossa plena aceitação da doutrina,<br />

senão como um a desordem e mistério na natureza garantem-nos o abandono<br />

das provas da sua autoria divina. Tais dificuldades diminuem com o tempo;<br />

algumas já desapareceram; muitas podem ser devidas à ignorância e podem<br />

ser removidas daqui em diante; as que são permanentes podem pretender estim<br />

ular a pesquisa e disciplinar a fé.<br />

É notável que as objeções com uns à inspiração apresentam-se, não tanto<br />

contra o ensino religioso das Escrituras, como contra certos erros em assuntos<br />

seculares que se supõe entrelaçados com ela. M as se se provar que na verdade<br />

são erros, isto não derrotará necessariamente a doutrina da inspiração; só nos<br />

com pelirá a dar m aior lugar ao elemento hum ano na composição das Escrituras<br />

e considerá-las mais exclusivamente como um livro-texto de religião. Como<br />

regra de fé e prática religiosas elas ainda são a infalível palavra de Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 331<br />

A Bíblia deve ser julgada como um livro cujo único alvo é livrar o hom em do<br />

pecado e reconciliá-lo com Deus, e nestes respeitos achar-se-á um registro de<br />

verdade substancial. Isto aparecerá mais plenam ente se observarmos as objeções<br />

um a a uma.<br />

“As Escrituras nos são dadas não para ensinar como são os céus, mas<br />

como ir aos céus”. Seu objetivo certamente não é ensinar ciência ou história<br />

a não ser onde elas são essenciais ao seu propósito moral e religioso. Algumas<br />

das suas doutrinas, como o nascimento virginal de Cristo e sua ressurreição<br />

física, são fatos históricos e alguns fatos, como o da criação, também<br />

são doutrinas. A respeito destes tão grandes fatos, sustentamos que a inspiração<br />

nos dá relatos essencialmente fidedignos sejam quais forem as imperfeições<br />

nos pormenores. Minar a fidedignidade científica dos Vedas indianos<br />

é minar a religião que eles ensinam. Mas isto só porque a sua doutrina é parte<br />

essencial ao seu ensino religioso. Na Bíblia, a religião não depende da ciência<br />

física. As Escrituras têm como objetivo somente declarar o ato criativo e<br />

senhorio do Deus pessoal. O método da sua obra pode ser descrito como<br />

uma pintura sem afetar a sua verdade substancial. As cosmogonias indianas,<br />

por outro lado, por serem politeístas ou panteístas, ensinam a inverdade<br />

essencial, descrevendo a origem das coisas como devidas a uma série de<br />

transformações sem sentido, desprovidas da base da vontade e da sabedoria.<br />

Quando as dificuldades da Escritura referem-se à forma ao invés de à<br />

substância de suas caraterísticas incidentais, em lugar de à principal doutrina,<br />

podemos dizer das suas obscuridades o que Isócrates disse da obra de<br />

Heráclito: “O que eu entendo dela é tão excelente que posso tirar conclusões<br />

relativas ao que não entendo”. “Se Bengel acha na Bíblia coisas tão duras<br />

para a sua faculdade crítica, ele não acha nada tão duro para a sua faculdade<br />

de crer”. Com J ohn S mith, que morreu em Amsterdã em 1612, podemos dizer:<br />

“Confesso minha mudança e ainda estarei pronto a mudar para melhor”; e<br />

com John Robinson, em seu discurso de despedida aos Padres Peregrinos:<br />

“Estou bem persuadido de que o Senhor tem mais verdade a surgir da sua<br />

santa palavra”.<br />

1. E rros em m atéria de Ciência<br />

Sobre esta objeção assinalamos:<br />

d) Não admitimos a existência de erro científico na Escritura. O que se<br />

acusa como tal apresenta-se em formas populares e impressionantes.<br />

A m ente com um recebe um a idéia mais correta dos fatos não familiares<br />

quando narrados em linguagem fenom enal e resum ida do que quando descritos<br />

em termos abstratos e no porm enor exato da ciência.<br />

Os escritores da Bíblia inconscientemente observam o princípio de estilo<br />

de Herbert Spencer: A economia da atenção do leitor ou do ouvinte; quanto<br />

mais energia se gasta na forma, menos sobra para agarrar-se à substância


3 3 2 Augustus Hopkins Strong<br />

(Ensaios, 1-47). W endt, Teaching of Jesus, 1.130, apresenta o princípio do<br />

estilo de Cristo: “Maior nitidez no menor espaço”. Por Isso a Escritura emprega<br />

expressões da vida comum em lugar da terminologia científica. Deste modo<br />

emprega-se a linguagem da aparência em Gn. 7.19 - “todos os altos montes<br />

que havia debaixo de todo o céu foram cobertos” - isto seria a aparência,<br />

mesmo que o dilúvio fosse local em vez de universal; em Js 10.12,13 - “e o<br />

sol se deteve” - tal seria a aparência, ainda que os raios solares fossem uma<br />

simples refração de modo a sobrenaturalmente alongar o dia; no SI. 93.1 - “o<br />

mundo também está firmado e não poderá vacilar” - tal é a aparência apesar<br />

de que a terra gira em torno do eixo e se move em torno do sol. Na narrativa,<br />

substituir para “ocaso” alguma descrição científica desviaria a atenção da<br />

principal matéria. Seria preferível que se lesse no A.T.: “Quando a revolução<br />

da terra em torno do seu eixo fizeram os raios do luminar sol incidir horizontalmente<br />

sobre a retina, Isaque saiu para orar (Gn. 24.63)”? “Le secret d’ennuyer<br />

est de tout dire" (O segredo para enfadar está em dizer tudo). C h arle s Dickens<br />

em American Notes, 72, descreve o ocaso numa campina: “Aqui o declínio do<br />

dia é bem magnífico; tinge o firmamento de um profundo vermelho e dourado<br />

o horizonte do arco da abóbada que está acima de nós” (citado por Hovey,<br />

Manual of Christian Theology, 97). Será que, por isso, Dickens cria que o firmamento<br />

fosse uma peça sólida da obra de um construtor?<br />

C anon D river rejeita a história bíblica da criação porque as distinções feitas<br />

pela ciência moderna não podem ser encontradas no hebraico primitivo.<br />

No seu pensamento, o estado fluido da substância da terra devia ter sido<br />

chamado de caos emergente”, ao invés de “águas” (Gn. 1.2). A falácia de<br />

sustentar que a Escritura dá com pormenores todos os fatos ligados à narrativa<br />

histórica induziu a muitos curiosos argumentos. O Calendário Gregoriano,<br />

que faz o ano começar em janeiro é contraposto por representar Eva<br />

sendo tentada no princípio através de uma maçã, o que seria possível só se o<br />

ano começasse em setembro.<br />

b) Não é necessário ao ponto de vista próprio da inspiração supor que os<br />

autores humanos tivessem em m ente a apropriada interpretação científica dos<br />

eventos naturais que registraram.<br />

Basta que esteja na mente do Espírito inspirador. Através das concepções<br />

relativamente estreitas e da linguagem inadequada dos escritores bíblicos, o<br />

Espírito da inspiração pode ter garantido a expressão da verdade em tal forma<br />

germinal a ser inteligível nos tempos em que foi publicada e ainda capaz de<br />

expansão na m edida em que a ciência avança. No quadro miniatural da criação<br />

no prim eiro capítulo de Gênesis e em seu poder de ajustar-se a cada progresso<br />

na investigação científica temos forte prova da inspiração.<br />

A palavra “dia” em Gn. 1 é um exemplo deste modo geral da expressão.<br />

Seria um absurdo ensinar às raças primitivas, que lidavam apenas com<br />

números pequenos, as miríades de anos da criação. O objetivo da lição aos<br />

filhos, com o gráfico resumido, tem em sua mente uma verdade maior do que


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 333<br />

a elaborada e exata afirmativa apresentaria. C onant (Gn. 2.10), sobre a descrição<br />

do Éden e seus rios, diz: “É claro que o objetivo do autor não é uma<br />

descrição topográfica minuciosa, mas uma concepção geral e impressionante<br />

como um todo”. Embora o progresso da ciência só mostre que estes relatos<br />

não são menores, mas maiores que do supõem aqueles que a princípio o<br />

receberam. Nem os “shasters” hindus, nem qualquer cosmogonia pagã pode<br />

sustentar tal comparação com os resultados da ciência. Por que mudar nossas<br />

interpretações da Escritura tão freqüentemente? Resposta: Não serem<br />

na origem mestres de ciência, mas apenas intérpretes da Escritura com as<br />

novas luzes que temos.<br />

Esta concepção do antigo ensino da Escritura, elem entar e adequado à<br />

infância da raça, se os fatos o requeressem , to m a ria possível interpretar os<br />

prim eiros capítulos de G ênesis com o m itológicos ou legendários. Deus podia<br />

condescender com as “fórm ulas de jardim de in fâ ncia”. G oethe diz que “ Devemos<br />

tratar as crianças com o Deus nos trata: nós som os m ais felizes sob a<br />

influência de ilusões inocentes” . Longfellow: “Q uão bela é juventude! com<br />

que brilho ela reluz, com suas ilusões, aspirações, sonhos! Livro dos princípios,<br />

história sem fim , cada donzela um a heroína e cada hom em um am igo!”<br />

Podemos defender com G oethe e com Longfellow, se apenas excluirm os de<br />

Deus o ensino de todo erro essencial. As narrativas da Escritura podem dirigir-se<br />

à im aginação e, deste m odo assum ir a form a m itológica ou legendária,<br />

conquanto ainda contenham a verdade substancial que, de nenhum outro<br />

modo, o hom em bem as apreendera; ver o poem a “D e senvolvim ento” de<br />

Robert B rowning, em Asolando. Por outro lado, o C orão não deixa lugar para<br />

a im aginação, m as fixa o núm ero de estrelas e declara que o firm am ento é<br />

sólido. H enry Drum m ond: “A evolução deu-nos um a nova Bíblia. ... A Bíblia<br />

não é um livro que foi feito; ela se de senvolve u”.<br />

Bagehot diz-nos que “Um dos mais notáveis sermões do Padre Newman<br />

de Oxford explica como a ciência ensina que a terra gira em tomo do sol e<br />

como a Escritura ensina que o sol gira em torno da terra; e termina aconselhando<br />

ao crente discreto a aceitar ambos”. Esta é uma escrituração contábil<br />

de duas entradas. Lenormant, em Contemp. Review, nov 1879 - Enquanto a<br />

tradição do dilúvio sustenta tão considerável lugar nas memórias legendárias<br />

de todos os ramos da raça ariana, os monumentos e textos originais do Egito,<br />

com muitas especulações cosmogônicas, não têm fornecido, ainda que de<br />

longe, qualquer alusão a tal cataclismo”. L enormant aqui erroneamente admite<br />

que a linguagem da Escritura é a científica. Se se trata de linguagem de<br />

aparência, então o dilúvio pode não ser uma catástrofe universal, mas local.<br />

G. F. W right, Ice Age in North America, sugere que as numerosas tradições<br />

do dilúvio podem ter tido sua origem nas enormes enchentes das geleiras<br />

recorrentes. No sudoeste da Queensland o Departamento de Meteorologia<br />

registrava a média padrão de 10%, 20, 35%, 10% de polegada pluvial, em<br />

77% de polegada em quatro dias sucessivos.<br />

c) Pode-se dizer com segurança que a ciência ainda não mostrou que qualquer<br />

passagem da Escritura bem interpretada seja in verídica.<br />

Com relação à antigüidade da raça, podem os dizer que, devido às diferenças<br />

de leitura entre a Septuaginta e o texto hebraico há lugar para dúvida se


3 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

qualquer das cronologias recebidas tem a sanção da inspiração. Apesar de que<br />

a ciência tom ou provável a existência do hom em na terra num período anterior<br />

às datas designadas nestas cronologias, nenhum a afirmação da Escritura<br />

inspirada por isso se prova falsa.<br />

O esquema cronológico de Usher baseado no hebraico põe a criação no<br />

ano 4004 a.C. Com base na LXX, H ales a situa em 5411 a.C. Os Pais seguiram<br />

a LXX. Mas as genealogias anteriores e posteriores ao dilúvio podem<br />

apresentar-nos só os nomes dos “líderes e representantes”. Alguns desses<br />

nomes parecem figurar, não como indivíduos, mas como tribos, p.ex.:<br />

Gn. 10.16 - onde se diz que Canaã gerou ao jebuseu e ao amorreu; 29 -<br />

Joctã gerou a Ofir e a Havilá. Em Gn. 10.6, lemos que Mizraim pertencia aos<br />

filhos de Cam. Mas Mizraim é um dual, usado para designar as duas partes: o<br />

Alto e o Baixo Egito. Por isso um filho de Cam não podia ter o nome de Mizraim.<br />

Em Gn. 10.13 lê-se: “E Mizraim gerou a Ludim”. Porém Ludim é uma forma<br />

de plural. A palavra significa uma nação inteira, e “gerou” não é empregado<br />

no sentido literal. Assim, os versos 15 e 16 Canaã gerou ... ao jebuseu”,<br />

uma tribo; um dos ancestrais teria sido chamado Jebus. Abraão, Isaque<br />

e Jacó, contudo, são nomes de indivíduos, não de tribos ou nações. E. G.<br />

R obinson: “Podemos bem seguramente remontar ao tempo de Abraão, porém,<br />

não mais longe”. Bíblia Sacra, 1899.403 - “As listas em Gênesis podem não<br />

referir-se a indivíduos, mas a famílias”.<br />

G. F. W r ig h t, Ant. and Origln of Human Race, Lect. II - Quando no tempo<br />

de Davi se diz que ‘Sebuel, filho de Gérson, o filho de Moisés, era o maioral<br />

dos tesouros’ (1 Cr. 23.16; 26.24), Gérson era o filho imediato de Moisés, mas<br />

Sebuel estava separado de Gérson por muitas gerações. Assim, quando se<br />

diz que Sete gerou a Enos quando tinha 105 anos (Gn. 5.6), entende-se que,<br />

segundo o emprego hebraico, Enos descendia da linhagem de Sete da qual<br />

se separava havia 105 anos e se omitiu qualquer número de ligação intermediária”.<br />

Parece que o texto completo se deve à sua alteração no curso dos<br />

séculos. Na expressão “Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão” (Mt. 1.1)<br />

omitem-se entre trinta e oito e quarenta gerações. Isto pode ter ocorrido em<br />

algumas genealogias do Velho Testamento. Há espaço para uma centena de<br />

milhar de anos, se for o caso (Conant). W . H. G reen, em Biblla Sacra, abr<br />

1890.303 e em Independent, 18 de jun de 1891 - “As Escrituras não nos<br />

fornecem nenhum dado para um cálculo cronológico anterior à vida de Abraão.<br />

Os registros mosaicos não fixam, e nem pretendem fixar, a precisa data do<br />

Dilúvio ou da Criação. ... Elas dão uma série de vidas de espécimes, com os<br />

próprios números atribuídos, para mostrar, através de exemplos selecionados,<br />

o que foi o termo original da vida humana. Fazer deles um registro completo<br />

e contínuo e deduzir a partir deles a antigüidade da raça é empregá-los<br />

para uma finalidade a que não se prestam”.<br />

A comparação com a história secular também mostra que tal distância de<br />

cem mil anos para a existência do homem sobre a terra não parece necessária.<br />

R awlinson, in Jour. Christ. Philosophy, 1883.339-364, data o começo da<br />

monarquia caldaica de 2400 a.C. Lenormant situa a entrada dos indianos<br />

sanscríticos no Indostão em 2500 a.C. Os mais antigos Vedas estão entre


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 3 5<br />

1200 e 1000 a.C. (M ax M üller). A chamada de Abraão, provavelmente em<br />

1945 a.C. É provável que a história chinesa tenha começado em 2356 a.C.<br />

(L egge). É possível que o antigo Império no Egito tenha começado em 2650<br />

a.C. R awlinson situa o Dilúvio em 3600 a.C. e acrescenta 2000 anos entre o<br />

dilúvio e a criação, fazendo a era do mundo 1886+ 3600+2000 = 7486. S. R.<br />

Pattison, em Present Day Tracts, 3. n2 13, conclui que “as deduções a partir<br />

da história, da geologia e da Escritura garantem um termo de cerca de 8000<br />

anos”.<br />

A evidê ncia de um a natureza geológica esta r acum ulando, o que tende a<br />

provar o advento do hom em sobre a terra pelo m enos há dez mil anos. Uma<br />

cabeça-de-seta de cobre tem perado e num erosos ossos hum anos nas m inas<br />

de R ocky Point, perto de G ilm an, C olorado, a 400 pés abaixo da superfície da<br />

terra, envoltos num a veia de m inério prateado. M ais de cem dólares de m inério<br />

colado aos ossos quando foram rem ovidos da m ina. G.F. W right, Man and<br />

the Glacial Epoch, preleções IV e X e na McClure's Magazine, jun 1901 e<br />

Bibiia Sacra, 1903.31 - “ falou prim eiro em 300 m ilhões de anos com o uma<br />

sim ples bagatela de tem po geológico. Seu filho G eorge lim ita a 50 ou 100<br />

m ilhões; Lorde K elvin, a 24 m ilhões; T hompson e N ewcomb para apenas 10<br />

m ilhões” . S ir A rchibald G eikie, na A ssociação B ritânica de D over em 1899,<br />

disse que 100 m ilhões de anos bastavam para a pequena porção da história<br />

da terra que está registrada na crosta das rochas estratificadas.<br />

S haler, Interpretation of Nature, 122, considera que a vida vegetal existia<br />

no planeta pelo menos 100 milhões de anos. W arren U pham, em Pop. Science<br />

Monthly, dez 1893.153 - “Que idade tem a terra? 100 milhões de anos”.<br />

D. G. B righton, em Forum, dez 1893.454, situa o lim ite m ínim o da existência<br />

do hom em sobre a terra em 50 mil anos. G. F. W right não duvida de que a<br />

presença do hom em neste continente é pré-glacial, isto é, há onze ou doze<br />

mil anos. Ele afirm a que houve um rebaixam ento da Á sia C entral e do S udeste<br />

da R ússia desde o advento do hom em e que ainda se encontram focas<br />

árticas no Lago Baical na S ibéria. C onquanto adm ite que a civilização egípcia<br />

pode rem ontar a 50 mil a.C., ele sustenta que não m ais de 6 mil ou 7 mil anos<br />

antes disto eram necessários com o preparação para a história. L e C onte,<br />

Elements ofGeology, 6 1 3 - “Os hom ens viram as grandes geleiras da segunda<br />

época glacial, m as não há evidência segura da sua existência antes da<br />

prim eira época. Deltas, im plem entos, as praias lacustres, as quedas d’água,<br />

indicam apenas de 7 mil a 10 mil anos. C álculos recentes do P rof. P restwich,<br />

o m ais em inente geólogo vivo da G rã Bretanha, tende a dar-nos o fim da<br />

época glacial abaixo de 10 m il ou 11 m il anos.<br />

d) M esmo que se encontrasse erro em m atéria de ciência na Escritura, não<br />

desaprovaria a inspiração, visto que ela se preocupa com a ciência só quando<br />

os pontos de vista científicos corretos são necessários à m oral e à religião.<br />

Grandes prejuízos resultam da identificação da doutrina cristã com as<br />

teorias específicas do universo. A Igreja Romana sustentava que a Escritura<br />

ensinava a revolução do sol em torno da terra e que a fé cristã requeria a<br />

condenação de G alileu; J ohn W esley ensinava que o cristianismo é insepa­


33 6 Augustus Hopkins Strong<br />

rável da crença na feitiçaria; os oponentes da alta crítica consideram a autoria<br />

mosaica do Pentateuco “articulus stantis vel cadentis ecclesiae” (inabalável<br />

artigo ou assunto encerrado da igreja). É grande o nosso engano ao ligarmos<br />

a inspiração à doutrina científica. O propósito da Escritura não ensinar<br />

ciência, mas religião e, exceto a obra criadora e preservadora de Deus no<br />

universo, nenhuma verdade científica é essencial ao sistema de doutrina cristã.<br />

A inspiração pode deixar os escritores da Bíblia de posse das idéias científicas<br />

da sua época, apesar de que eles eram cheios do poder de declarar<br />

corretamente tanto a verdade ética como a religiosa. O espírito justo, na verdade,<br />

recebe um certo discernimento quanto ao sentido da natureza e deste<br />

modo os escritores da Bíblia parecem estar imunes de incorporar na sua produção<br />

muitos erros científicos da sua época. Mas a inteira liberdade de tal<br />

erro deve ser considerada como um acessório necessário da inspiração.<br />

2. E rros em m atéria de História<br />

A esta objeção retrucamos:<br />

a) O que é atacado como tal são freqüentem ente simples equívocos na<br />

transcrição e não tem nenhum a força como argumento contra a inspiração, a<br />

não ser que prim eiro se possa dem onstrar que os docum entos inspirados são<br />

pelo mesmo fato de sua inspiração isentos da operação das leis que afetam a<br />

transmissão de outros docum entos antigos.<br />

Não temos nenhum direito de esperar que a inspiração do escritor original<br />

será seguida de um milagre no caso de cada copista. Por que crer que haja<br />

copistas infalíveis, assim como impressores infalíveis? Deus nos ensina a<br />

tomar cuidado com a sua palavra e com a transmissão correta. O respeito<br />

tem conservado as Escrituras mais livres de várias leituras do que ocorre com<br />

os outros manuscritos antigos. Nenhuma das variações existentes põe em<br />

perigo qualquer importante artigo de fé. Contudo, provavelmente há alguns<br />

erros na transcrição. Em 1 Cr. 22.14, em vez de 100 mil talentos de ouro e um<br />

milhão de talentos de prata (=3 bilhões e setecentos e cinqüenta milhões de<br />

dólares), J osefo divide o total por dez. D r. H oward O s good: “O escritor francês<br />

R evillout explica os números diferentes em Reis e Crônicas do mesmo<br />

modo em que, mais tarde ele explica as mesmas diferenças nos relatos<br />

egípcios e assírios, pela mudança no valor do dinheiro e desvalorização do<br />

poder aquisitivo. Ele mostra a mudança em toda a Ásia ocidental”.<br />

Em 2 Cr. 13.3,17, onde se diz que o número de homens nos exércitos da<br />

Palestina afirma-se que 400 mil e 800 mil e 500 mil foram mortos numa só<br />

batalha, “algumas cópias antigas da Vulgata e traduções latinas de Josefo<br />

registram quarenta mil, oitenta mil e cinqüenta mil”. Em 2 Cr. 17.14-19, o<br />

exército de Josafá reúne um milhão e seiscentos mil além das guarnições das<br />

suas fortalezas. É possível que, por erro na transcrição, estes números<br />

tenham sido multiplicados por dez. Outra explicação, contudo, talvez mais<br />

provável é apresentada na letra (d) abaixo. Semelhantemente, compare<br />

1 Sm. 6.19, onde 50.070 são mortos contra 70 de Josefo; 2 Sm. 8.4 - “mil e


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 3 7<br />

setecentos cavaleiros” contra 1 Cr. 18.4 - “sete mil cavaleiros”; Et 9.16 - 75<br />

mil mortos pelos judeus contra LXX - “15 mil”. Em Mt. 27.9 temos “Jeremias”<br />

em lugar de “Zacarias” - C alvino admite que isto seja um erro; e, se se trata<br />

de um erro, então foi cometido pelo primeiro copista porque ele aparece em<br />

todos os unciais, todos manuscritos e todas as versões, exceto a Siríaca Peshita<br />

onde ele é omitido evidentemente com apoio na autoridade do copista individual<br />

e do tradutor. Em At. 7.16 - “sepultura que Abraão comprara” - H ackett<br />

considera “Abraão” como um erro em lugar de “Jacó” (compare Gn. 33.18,19).<br />

b) Outros assim chamados erros devem ser explicados como um uso per-<br />

missível de núm eros redondos que não podem ser negados aos escritores<br />

sagrados a não ser apoiados no princípio de que a precisão m atem ática é mais<br />

importante que a impressão geral a ser garantida pela narrativa.<br />

Em Nm. 25.9 menciona-se que na praga caíram 24 mil; 1 Co. 10.8 fala em<br />

23 mil. É possível que o número esteja entre os dois. Com base em semelhante<br />

princípio, não temos nenhum escrúpulo em celebrar o Desembarque<br />

dos Peregrinos em 22 de dez. e o nascimento de Cristo aos 25. Falamos da<br />

batalha de Bunker Hill, embora nesse local não tenha havido nenhuma batalha.<br />

Em Ex. 12.40,41, declara-se que a peregrinação dos israelitas foi de 430<br />

anos. Contudo, Paulo, em Gl. 3.17, diz que a doação da lei através de Moisés<br />

foi a 430 anos após a chamada de Abraão e esta ocorreu 215 anos antes de<br />

Jacó e seus filhos descerem para o Egito; Paulo teria dito 645 anos em vez<br />

de 430. F ranz D elitzsch: “A Bíblia hebraica conta da peregrinação egípcia<br />

(Gn. 15.13-16), mais corretamente 430 anos (Ex. 12.40); mas segundo a LXX<br />

(Ex. 12.40) este número compreende a peregrinação em Canaã e no Egito,<br />

de modo que 215 de peregrinação em Canaã e 215 de cativeiro no Egito.<br />

Este tipo de cálculo não é exclusivamente helenístico; encontra-se também<br />

no antigo Midraxe Palestino. Paulo defende isto em Gl. 3.17, fazendo, não a<br />

imigração para o Egito, mas a aliança com Abraão o terminus a quo dos 430<br />

anos que terminam no êxodo do Egito e na legislação”. O propósito de Paulo<br />

não era fazer cronologia, de sorte que ele seguiu a LXX e chama o tempo<br />

entre a promessa a Abraão e a entrega da lei a Moisés 430 anos e não os<br />

verdadeiros 600. Se ele tivesse dado um número maior, poderia ter causado<br />

perplexidade e discussão sobre o assunto que nada tinha a ver com a questão<br />

vital em foco. A inspiração pode ter empregado afirmações correntes<br />

embora não precisas em assuntos que se referem à história, porque eram<br />

recursos mais valiosos para impressionar a mente dos homens sobre a verdade<br />

de modo mais importante. Em Gn. 15.13 os 430 anos são arredondados<br />

para 400, o que também ocorre em At. 7.6.<br />

c) Diversidade de relatos do mesmo evento no que não se refere a nenhuma<br />

verdade substancial pode dever-se à pequenez da narrativa e pode-se explicar<br />

plenamente se algum simples fato, ora não registrado, é somente conhecido.<br />

Explicar estas aparentes discrepâncias não só estaria além do propósito do


3 3 8 Augustus Hopkins Strong<br />

registro, mas destruiria um a valiosa evidência da independência dos diversos<br />

escritores ou testemunhas.<br />

N o ju lg a m e n to d e S to k e s , o ju iz fa lo u e m d u a s te s te m u n h a s a p a r e n te ­<br />

m e n te c o n flita n te s , m a s n e n h u m a d e la s n e c e s s a r ia m e n te fa ls a . S o b r e a d ife ­<br />

re n ç a e n tre M a te u s e L u c a s q u a n to à c e n a d o S e r m ã o d o M o n te (M t. 5.1;<br />

cf. L c . 6.17) ver S ta n le y , Sinai and Palestine, 360. Q u a n to à e x is tê n c ia d e u m<br />

c e g o o u d o is (M t. 20.30 cf. L c . 18.35) y e r B u s s , Com. on Luke, 275 e G a rd in e r ,<br />

e m Biblia Sacra ju l 1879.513,514; J e s u s p o d e te r c u r a d o o s c e g o s d u ra n te a<br />

e x c u r s ã o d e u m d ia p a r tin d o d e J e r ic ó e is to p o d e s e r d e s c rito c o m o “ q u a n d o<br />

e le s s a ír a m ” , o u “ q u a n d o e le s s e a p r o x im a r a m d e J e r ic ó ” . P r o f . M . B. R iddle:<br />

“ L c. 18.35 d e s c r e v e o m o v im e n to g e ra l p a r a J e r u s a lé m e n ã o o p r e c is o p o r­<br />

m e n o r q u e a n te c e d e u a o m ila g re ; M t. 20.30 s u g e r e q u e o m ila g re o c o rre u<br />

d u ra n te u m a e x c u r s ã o a p a r tir d a c id a d e ; L u c a s m a is ta r d e fa la d a p a rtid a<br />

fin a l” ; C a lv in o d e fe n d e d o is e n c o n tr o s ; G o d e t d u a s c id a d e s ; s e J e s u s c u ro u<br />

d o is c e g o s , s e m d ú v id a e le c u r o u u m e L u c a s n ã o p r e c is a v a m e n c io n a r m a is<br />

d e u m , a in d a q u e tiv e s s e c o n h e c im e n t o d e a m b o s ; ver B r o a d u s s o b r e<br />

M t. 20.30. E m M t. 8.28, o n d e s e re g is tra m d o is d e m o n ía c o s e m G a d a ra e<br />

L u c a s s ó u m e m G e r a s a , B ro a d u s s u p õ e q u e a a ld e ia d e G e r a s a p e rte n ç a<br />

à c id a d e d e G a d a ra , p o u c a s m ilh a s a o s u d o e s te d o la g o e c ita o c a s o d e<br />

L a fa y e tte : E m 1824 L a fa y e tte v is ito u o s E s ta d o s U n id o s e fo i r e c e b id o c o m<br />

h o n ra s e p o m p a . A lg u n s h is to r ia d o r e s m e n c io n a m a p e n a s L a fa y e tte , m a s<br />

o u tro s re la ta m a m e s m a v is ita e a s m e s m a s h o n ra s re c e b id a s p o r d u a s p e s ­<br />

s o a s , a s a b e r, L a fa y e tte e s e u filh o . N ã o e s ta rã o a s d u a s n a rra tiv a s c e r ta s ? ”<br />

A g o s tin h o : “ L o c u tio n e s v a ria e , s e d n o n c o n tra r ia e ; d iv e rs a e , s e d n o n a d v e rs a e ”<br />

(P ro n u n c ia m e n to s v á rio s , m a s n ã o c o n trá r io s ; d iv e rs o s , m a s n ã o a d v e rs o s ).<br />

B artlett, em Princeton Rev., jan 1880.46,47, dá as seguintes ilustrações<br />

modernas: Winslow’s Journal (da Plantação de Plymouth) fala de um navio<br />

enviado “pelo Mestre Weston”. Mas B radford em sua narrativa mais breve<br />

sobre o assunto, menciona-o como enviado “pelo Sr. Weston e uma outra<br />

pessoa”. J ohn A dams, em suas cartas, conta a história da filha de Otis sobre<br />

os manuscritos do seu próprio pai. Na época ele a faz dizer: “Em um dos seus<br />

infelizes momentos ele os entregou todos às chamas”; contudo, numa segunda<br />

carta, ela se apresenta dizendo que “ele passou vários dias fazendo isso”.<br />

Um jornal diz: o Presidente Hayes assistiu ao centenário de Bennington; um<br />

outro diz: o Presidente e a sua esposa; um terceiro: o Presidente e o seu<br />

Gabinete. O Gabinete de Arquibaldo; um quarto: o Presidente, a Sra. Hayes e<br />

a maioria do seu Gabinete. Arquibaldo Forbes, em seu relato de Napoleão III<br />

em Sedan, assinala um acordo de narrativas quanto aos pontos relevantes<br />

combinados com as “desesperançadas e confusas discrepâncias quanto aos<br />

pormenores”, mesmo quando feitos por testemunhas oculares, inclusive ele<br />

próprio, Bismarck e o General Sheridã que estava em terra assim como os<br />

outros.<br />

T hayer, Change of Attitude, 52 fala do “rude anacronismo a respeito de<br />

Teudas” - At. 5.36 - “Porque, antes destes dias, levantou-se Teudas”. Jo sefo,<br />

Antiquities, 20.5.1, menciona um rebelde Teudas, mas a data e outros incidentes<br />

não concordam com os de Lucas. Josefo, contudo, pode ter errado a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 3 9<br />

data com a mesma facilidade que Lucas, ou ter feito referência a um outro<br />

homem do mesmo nome. A inscrição na cruz é dada em Mc. 15.26, como “o<br />

Rei dos judeus”; em Lc. 23.38, como “Este é o Rei dos judeus”; em Mt. 27.37<br />

como “Este é Jesus o Rei dos judeus”; e em Jo. 19.19, como “Jesus Nazareno,<br />

Rei dos Judeus”. A inscrição inteira em hebraico, grego e latim pode ter<br />

contido cada palavra dada pelos demais evangelistas combinados e pode ter<br />

sido “Este é Jesus, Nazareno, o Rei dos Judeus”, e cada relato separado<br />

pode ser inteiramente correto.<br />

d) Enquanto as descobertas históricas e arqueológicas em muitas importantes<br />

particularidades sustenta a correção geral das narrativas da Escritura e<br />

nenhuma declaração essencial do ensino m oral e religioso da Escritura foi<br />

invalidado, a inspiração ainda é consistente com m uita imperfeição no pormenor<br />

histórico e suas narrativas “não parecem estar isentas das possibilidades<br />

de erro”.<br />

As últimas palavras citadas são de S anday. Em suas Bampton Lectures on<br />

Inspiration, 400, assinala que “ela pertence aos livros históricos e tem uma<br />

lição religiosa em vez de histórias; interpreta em vez de narrar claramente o<br />

fato. O ponto crucial é que, quanto a estes últimos, parecem isentos das possibilidades<br />

de erro”. R.V. F oster, Sistematic Theology, (Presbiteriano de Cum-<br />

berland): Os escritores da Bíblia “não foram inspirados a fazer outra coisa<br />

senão tomar estas afirmativas como as encontraram”. Inerrância não é estar<br />

livre de afirmativas equívocas, mas do erro definido como aquilo que desen-<br />

caminha em qualquer sentido sério ou importante”. “Quando comparamos os<br />

relatos de 1 e 2 Crônicas com os de 1 e 2 Reis achamos naqueles um exagero<br />

de números, uma supressão de material desfavorável ao propósito do<br />

escritor e uma ênfase naquilo que é favorável que contrasta fortemente com o<br />

método deste. Estas caraterísticas são de tal modo contínuas que a teoria<br />

dos erros na transcrição não parece suficiente para explicar os fatos. O objetivo<br />

do autor é tirar lições religiosas da história e os pormenores históricos<br />

não têm para ele relativa importância.<br />

H. P. S m ith, Bib. Schorlarship and Inspiration, 108 - “A inspiração não<br />

corrige o ponto de vista histórico do escritor das Crônicas, nem corrige o científico,<br />

que faz da terra o centro do sistema solar. Por isso deixa-o aberto para<br />

receber documentos e utilizá-los, os que idealizaram a história do passado e<br />

descreveram Davi e Salomão conforme as idéias dos tempos mais tardios e<br />

da classe sacerdotal. Omitiram-se pecados de Davi e multiplicaram-se os<br />

números a fim de dar maior dignidade ao reino antigo”. Como os Idílios do Rei<br />

de T ennyson apresentam um quadro mais nobre do rei Artur e um aspecto<br />

mais definido da sua história do que os verdadeiros registros justificam,<br />

enquanto o quadro ensina grandes lições morais e religiosas, assim o escritor<br />

das Crônicas parece ter manipulado o seu material no interesse da religião.<br />

Os assuntos de aritmética são de valor inferior. “Majoribus inventus est”.<br />

E. G. R o b inson: “Os números da Bíblia são caraterísticos de uma era<br />

semibárbara. Os escritores tiveram o cuidado de conjeturar o suficiente.


3 4 0 Augustus H opkins Strong<br />

A tendência de tal época é exagerar sempre”. Dois selvagens de Formosa<br />

dividem cinco peças entre si, tomando duas cada um e jogando fora uma.<br />

As tribos inferiores podem contar só nos dedos das suas mãos: quando também<br />

usam os artelhos, isto marca um avanço na civilização. Para a criança<br />

moderna cem é um número tão grande como um milhão. Do mesmo modo as<br />

Escrituras parecem empregar os números com uma ignorância infantil quanto<br />

ao seu significado. Centenas de milhares podem ser substituídos por dezenas<br />

de milhares e a substituição só parece um tributo próprio da dignidade do<br />

sujeito. G o r e, em Lux Mundi, 353 - “Não se trata de uma perversão consciente,<br />

mas de uma idealização inconsciente da história, leitura de registros passados,<br />

de um desenvolvimento ritual que mais tarde se realizaria. A inspiração<br />

exclui o engano consciente, mas parece ser perfeitamente consistente<br />

com este tipo de idealização; sempre supondo que o resultado lido na história<br />

antiga na verdade representa o propósito real de Deus e só antecipa a realização”.<br />

Há alguns que contraditam, dizendo que estas imperfeições históricas se<br />

devem à transcrição e que não pertencem aos documentos originais. W atts,<br />

New Apologetic, 71.111, quando interrogado sobre o que se ganha contendendo<br />

pelos autógrafos originais infalíveis, se eles sempre foram corrompidos,<br />

responde: “É exatamente o que ganhamos contendendo sobre a perfeição<br />

original da natureza humana, apesar de que o homem a corrompeu.<br />

Devemos crer no testemunho do próprio Deus acerca da sua própria obra.<br />

Deus pode permitir que os outros façam o que, como Deus santo e justo, ele<br />

não pode fazer”. Quando o opositor trata de um assunto de pouca importância<br />

se um par de calças originariamente era ou não perfeito, já que agora elas<br />

estão rasgadas, W atts responde: “O alfaiate que as fez provavelmente preferiria<br />

ter entendido que elas não saíram do seu ateliê no seu atual estado de<br />

desleixo. Deus não solta os pontos e libera a obra imperfeita”. Contudo, Watts<br />

parece dominado por uma teoria a priori de inspiração, que o impede de ver<br />

os verdadeiros fatos da Bíblia.<br />

E vans, Bib. Scholarship and Inspiration, 40 - “O erro atual destrói a inspiração<br />

da Bíblia como a temos? Não. Então, por que o erro original destrói a<br />

inspiração da Bíblia, como nos foi dada? Há manchas lá no sol. Assim também<br />

na Bíblia”. A inspiração parece ter permitido reunir o material à mão,<br />

muito mais do que um editor moderno faz para construir seu relato do movimento<br />

do exército a partir dos relatórios de observadores; ou um historiador<br />

moderno pode combinar os registros do passado com todas as imperfeições<br />

dos seus pormenores. No caso dos escritores da Bíblia, contudo, sustentamos<br />

que a inspiração não permitiu nenhum sacrifício da verdade moral e religiosa<br />

na Escritura completa, mas teceu o seu material num todo orgânico que<br />

ensina todos os fatos essenciais ao conhecimento de Cristo e da salvação.<br />

Quando vimos examinar nos pormenores das narrativas históricas, nem<br />

devemos ser crédulos, nem céticos, mas simplesmente cândidos e de mente<br />

aberta. A respeito, por exemplo, da grande época dos patriarcas do Velho<br />

Testamento, não temos garantia para rejeitar os relatos da Escritura baseados<br />

em que a vida nos últimos tempos é muito mais breve, do que rejeitar o<br />

testemunho dos botânicos quanto as árvores da família Sequóia de quatrocentos<br />

ou quinhentos pés de altura, ou o testemunho dos geólogos quanto


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 4 1<br />

aos sáurios com cem pés de altura, baseados no fato de que as árvores e<br />

répteis que conhecemos são muito menores. Cada espécie, na sua Intro-<br />

dodução, parece apresentar o máximo de tamanho e vitalidade. W eismann,<br />

Heredity, 6, 30 - “As baleias vivem algumas centenas de anos; os elefantes,<br />

duas centenas - a gestação deles leva dois anos. Os gigantes provam que o<br />

plano sobre o qual o homem é edificado pode também ser produzido numa<br />

escala bem maior que a normal”. E. R ay Lankaster, Adv. of Sciense, 205-<br />

237.26 - concorda com Weismann em sua teoria geral. Sir George Cornewall<br />

Lewis por muito tempo negou o centenarismo, mas finalmente o admitiu.<br />

C h a r le s D u d ley W a r n e r , e m Harper’s Magazine, ja n d e 1895, d á e x e m p lo s<br />

d e h o m e n s c o m u m a id a d e d e 137,140 e 192 a n o s . O H a lle r g e rm â n ic o a fir­<br />

m a q u e “ o ú ltim o lim ite d a v id a h u m a n a n ã o v a i a lé m d e d o is s é c u lo s ; é m u ito<br />

d ifíc il fix a r o n ú m e ro e x a to d e a n o s ” . J. N o r m a n L o c k y e r , e m Nature, c o n s id e ra<br />

a id a d e d o s p a tria rc a s c o m o a n o s lu n a re s . N o E g ito u s a -s e o s o l c o m o u n id a d e<br />

d e te m p o p a ra u m a n o ; m a s n a Caldéia a u n id a d e d e te m p o e ra o m ê s p o rq u e<br />

o p a d rã o d e te m p o e ra a lu a . D iv id a o s n ú m e ro s p o r d o z e e a v id a d o s p a tr ia r ­<br />

c a s s e a p r o x im a r á m u ito d a d o s n o s s o s d ia s . C o n tu d o , p o d e m o s p e rg u n ta r<br />

c o m o e s ta te o r ia o p e r a r ia n o e n c u r ta m e n to d a v id a e n tre N o é e M o is é s .<br />

3. E rros no campo da M o ral<br />

d) Os que são acusados como tal são, às vezes, os atos maus e palavras dos<br />

homens bons - palavras e atos não sancionados por Deus. Estes são narrados<br />

pelos escritores inspirados como simples m atéria de história e os resultados<br />

subseqüentes, ou deixa-se que a própria história aponte a moral do conto.<br />

Exemplos deste tipo são a bebedeira de Noé (Gn. 9.20-27); o incesto de<br />

Ló (Gn. 19.30-38); a trapaça de Jacó (Gn. 27.19-24); o adultério de Davi<br />

(2 Sm. 11.1-4); a negação de Pedro (Mt. 26.69-75). Ver L e e , Inspiration, 265<br />

nota. Não se recomenda a vingança de Ester, nem as personagens do Livro de<br />

Ester dizem que ela agiu em obediência a uma ordem divina. C r a n e , Religion<br />

of To-morrow, 241 - “Na lei, nos salmos e na profecia não vemos a influência<br />

de Yahweh operando como um fermento no meio de um povo primitivo e bárbaro.<br />

Contemplando as Velhas Escrituras à luz do que se disse, tornamo-nos<br />

luminosos para com a divindade e nos é fornecido o princípio pelo qual discri-<br />

mina-se entre o elemento divino e o humano no livro. Em Davi, particularmente,<br />

vemos um rude, semicivilizado rei, cheio de erros grosseiros, vigoroso e<br />

impetuoso embora permeado do Espírito divino, que o levanta, lutando, chorando,<br />

guerreando até às mais elevadas concepções a respeito de Deus que<br />

a mente humana pode ter. Como um ser angélico, Davi é uma caricatura;<br />

como um homem de Deus, ele é um exemplo esplêndido. A prova de que a<br />

igreja é de Deus não é a impecabilidade, mas o seu progresso”.<br />

b) Onde os maus atos parecem à prim eira vista ser sancionados, freqüentemente<br />

há algum a intenção correta ou virtude inerente, em vez do ato em si,<br />

sobre o qual a determ inação é concedida.


3 4 2 Augustus Hopkins Strong<br />

Como a fé de Raabe, não a sua duplicidade (Js 2.21-24); cf. Hb. 11.31<br />

e Tg. 2.25); o patriotismo de Jael, não a sua traição (Jz. 4.17-22 cf. 5.24).<br />

Ou será que elas lançaram sua sorte com Israel e empregaram estratagemas<br />

comuns na guerra (ver parágrafo seguinte)? Herder, “As limitações do aluno<br />

são também as do professor”. Enquanto D ean S tanley louva Salomão por<br />

tolerar a idolatria, James M artineau, Study, 2.137, assinala: “Seria pedantesca-<br />

mente ridículo aplicar argumentos do julgamento privado a comunidades como<br />

do antigo Egito e Assíria. ... É a sobrevivência da coação depois que a consciência<br />

surgiu para superá-la que nos choca e revolta na perseguição”.<br />

c) Sancionam -se algumas determ inações ou atos como relativamente justos<br />

- expressões de justiça tais como a época poderia com preender e devem<br />

ser julgadas como partes de um sistem a desdobrado de moralidade cuja chave<br />

e clímax temos em Jesus Cristo.<br />

Ex 20.25 - “também lhes dei estatutos que não eram bons” - como a<br />

permissão mosaica do divórcio e a retaliação (Dt. 24.1; cf. Mt. 5.31,32;<br />

Ex. 21.24) cf. Mt. 5.38,39). Compare a descida de fogo por Elias (2 Re. 1.10-12)<br />

com a recusa de Jesus fazer o mesmo e a sua sugestão de que o espírito de<br />

Elias não é o de Cristo (Lc. 9.52-56; cf. Moments on the Mount, 253-255,<br />

sobre Mt. 17.8 - “ninguém senão Jesus”: “O poder de Elias era fraco diante<br />

dele. Derramar o sangue dos inimigos requer menos força do que derramar o<br />

seu próprio e, conquistar a fogo é mais fácil do que conquistar por amor”.<br />

H ovey: “Na revelação divina, primeiro vem o brilho da estrela, depois a aurora<br />

e, finalmente, o dia”. G eorge W ashington certa vez deu para que se levasse<br />

às índias Ocidentais e se vendesse um negro teimoso que lhe causou transtorno.<br />

Isto não é uma variante da melhor morai da sua época, mas se encaixa<br />

nos padrões de hoje. As crianças e os bárbaros às vezes necessitam mais do<br />

emprego da força do que da persuasão moral. No A.T., o apelo para a esperança<br />

das recompensas terrenas era adequado a um estágio de desenvolvimento<br />

ainda não instruído quanto ao céu e ao inferno pela vinda e obra de<br />

Cristo; compare Ex. 20.12 com Mt. 5.10; 25.46. O A.T. tinha como objetivo<br />

fixar na mente de um povo selecionado a idéia da unidade e santidade de<br />

Deus; afim de exterminara idolatria, pospôs-se um outro ensino bem diferente.<br />

(231) Por isso, quando achamos no canto inspirado da profetisa Débora<br />

(Jz. 5.30) uma alusão aos despojos da guerra - “uma ou duas moças a cada<br />

homem” ou em Pv. 31.6,7 - “Dai bebida forte aos que perecem e o vinho aos<br />

amargosos de espírito; para que bebam e se esqueçam da sua pobreza e do<br />

seu trabalho não se lembrem mais” não é necessário sustentar que estas<br />

passagens fornecem padrões para a nossa conduta moderna. O D r. F isher<br />

chama este “o pior conselho para uma pessoa em aflição ou desanimado<br />

com a perda da sua propriedade”. Marcam estágios na direção providencial<br />

de Deus para a humanidade. Na verdade um estágio mais elevado encontra-<br />

se sugerido em Pv. 31.4 - “Não é próprio dos reis beber vinho, nem dos príncipes<br />

beber bebida forte”. Vemos que Deus pode empregar instrumentos bem<br />

imperfeitos e pode inspirar homens imperfeitos. Permitiram-se muitas coisas<br />

por causa da “dureza do coração” (Mt. 19.8) dos homens. O Sermão do Monte


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 4 3<br />

representa um grande avanço sobre a lei de Moisés (Mt. 5.21 - “Ouvistes o<br />

que foi dito aos antigos”; cf. 22 - “eu, porém, vos digo”).<br />

R obert G. Ingersoll teria perdido seu estoque no comércio se os cristãos<br />

tivessem de um modo geral reconhecido que a revelação é gradual e só foi<br />

completada em Cristo. Admite-se tal gradação da revelação nas palavras:<br />

“nova dispensação”. Abraão Lincoln mostrou-se sábio nunca indo além do<br />

senso comum do povo. Do mesmo modo, Deus adaptou a sua legislação à<br />

capacidade de cada época sucessiva. A ordem dada a Abraão para que<br />

sacrificasse o seu filho (Gn. 22.1-19) foi um teste adequado à sua fé numa<br />

época em que o sacrifício humano não violava nenhum padrão ético humano<br />

porque a “patria potestas” do hebreu, como do romano, não considerava o<br />

filho como uma individualidade separada, mas incluía-o no pai e tornava-o<br />

co-responsável pelo pecado do pai. Mas esta mesma ordem só foi dada como<br />

um teste de fé, com a intenção de fazer da obediência a ocasião de Deus<br />

prover um substituto e, assim fazendo, abolir o sacrifício humano para sempre.<br />

Bem podemos imitar a gradual revelação divina no nosso tratamento<br />

relativo à dança e ao tráfico da bebida.<br />

d) A ju sta soberania de Deus fornece a chave para outros eventos. Ele tem<br />

o direito de fazer o que ele quer com o que lhe pertence e punir o transgressor<br />

quando e onde quer; e ele pode com justiça tom ar os homens preditores ou<br />

executores dos seus propósitos.<br />

Os preditores, como nos Salmos imprecatórios (137.9 cf. Is. 13.16-18 e<br />

Jr. 50.16,29) executores, como na destruição dos cananeus (Dt. 7.2,16).<br />

Naquele caso, não era a efervescência da ira pessoal, mas a expressão da<br />

indignação judicial contra os inimigos de Deus. Devemos distinguir a substância<br />

da forma. A substância é a denúncia dos justos juízos de Deus; a forma<br />

é tomada dos costumes comuns na guerra no tempo do salmista. Ver Revista<br />

Presbiteriana e Referências, 1897.490-505; cf. 2 Tm. 4.14 - “o Senhor lhe<br />

pague segundo as suas obras” = não uma maldição, mas uma profecia, não<br />

àjtoõwri, como na Versão Americana, mas àrcoScbcni (A Versão Revista e Atualizada<br />

da Soc. Bíblica do Brasil traduz: “o Senhor lhe dará a paga segundo as<br />

suas obras”). Neste último caso, uma guerra exterminante só seria uma cirurgia<br />

benéfica que amputaria um membro pútrido e, deste modo, salvaria a vida<br />

religiosa da nação hebraica e do mundo posterior.<br />

Tem sido proposta outra interpretação destes eventos, a qual os faria ilustrações<br />

dos princípios indicados acima (c): E. G. Robinson, Christian Theology, 45<br />

- “Deus não inspirou uma imprecação do Salmo, mas seus propósitos e idéias<br />

de que estes eram nessa época um veículo necessário; como o adultério<br />

de Davi não foi uma ordem divina, embora através dela cumpriu-se o propósito<br />

de Deus do mesmo modo que na descida de Cristo”. John W atson (Ian<br />

M aclaren), Cure of Souls, 143 - “Quando o massacre dos Cananeus e alguns<br />

procedimentos de Davi lançam-se diante dos cristãos, não é mais necessário<br />

apresentar evasões ou justificativas especiais. Pode-se admitir com franqueza<br />

que, do ponto de vista deste ano da graça, tais feitos são atrozes e<br />

eles nunca poderiam estar de acordo com a mente de Deus, mas devem ser


3 4 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

julgados pela sua época, e considerados os defeitos dos processos morais<br />

elementares. Vindica-se a Bíblia porque ela é, no seu todo, uma firme ascensão<br />

e porque culmina em Cristo”.<br />

Lyman A bbott, Theology of an Evolutionist, 56 - “Abraão confundiu a voz<br />

ou a consciência e chamou-o para consagrar seu único filho a Deus e interpretou<br />

isto como uma ordem para sacrificar o sèu filho como holocausto. Israel<br />

interpretou falsamente a sua justa indignação nos cruéis e imorais ritos da<br />

religião dos cananeus como uma determinação de destruir o culto levando os<br />

seus adoradores à morte; um povo não desenvolvido no juízo moral não<br />

poderia distinguir entre os regulamentos formais sobre a vida do campo e os<br />

princípios eternos de justiça tais como: amarás a teu próximo como a ti mesmo;<br />

mas poderia incorporá-los no mesmo código e parece considerá-los de<br />

igual autoridade”. W ilkinson, Epic of Paul, 281 - “Se um homem assim posicionado<br />

... tomava parte neste pronunciamento feito por ele mesmo, profanando-o,<br />

ser o veículo do sentido não significa que isto ocorre pela augusta<br />

Vontade inspiradora suprema” - i.e. pondo parte de sua ira pecaminosa nas<br />

calmas predições do juízo de Deus. Compare as firmes palavras finais de<br />

Zacarias, filho do sacerdote Joiada quando apedrejado até à morte no pátio<br />

do templo: “O Senhor o verá e o requererá” (2 Cr. 24.20-22), com as últimas<br />

palavras de Jesus: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”<br />

(Lc. 23.34) e as de Estêvão: “Senhor, não lhes imputes este pecado” (At. 7.60).<br />

e) Outras aparentes im oralidades se devem a interpretações não garantidas.<br />

O símbolo é, às vezes, tomado como um fato literal; a linguagem da ironia<br />

é entendida como afirmação sóbria; o ardor e a liberdade da descrição<br />

oriental são julgados pelo estilo desapaixonado da literatura ocidental; o apelo<br />

aos motivos inferiores é tomado como se excluísse, ao invés de preparar<br />

para os mais elevados.<br />

Em Os. 1.2,3 a determinação de que o profeta se case com uma prostituta<br />

provavelmente foi recebida e executada como uma visão e só podia ser simbólica:<br />

Compare Jr. 25.15-18 - “Toma este copo ... e darás a beber a todas as<br />

nações”. A obediência literal teria feito o profeta vil para com aqueles que ele<br />

haveria de instruir e que exigiria muito tempo para despertar, ou destruir, o<br />

efeito designado. Em 2 Re. 6.19 a assim chamada mentira de Elias provavelmente<br />

foi irônica ou benéfica; o inimigo não ousava resistir porque estava<br />

inteiramente sob o seu poder. No Cântico de Salomão temos, como os escritores<br />

sempre têm sustentado, uma descrição altamente dramática da união<br />

entre Yahweh e o seu povo, que devemos julgar, não segundo os padrões<br />

literários ocidentais, mas pelos orientais.<br />

F rancis W. N ew m an, em Phases of Faith, acusou até o Novo Testamento<br />

de apresentar motivos baixos para a obediência humana. É verdade que se<br />

apela para todos os motivos justos e alguns deles são do tipo mais elevado<br />

que outros. A esperança do céu e o medo do inferno não são os mais elevados<br />

motivos, mas podem ser empregados como incidentes na ação, apesar<br />

de que só o amor a Deus e à santidade garantem a salvação. Tais motivos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 4 5<br />

são estimulados tanto por Cristo como pelos apóstolos: Mt. 6.20 - “ajuntai<br />

tesouros no céu”; 10.28 - “temei aquele que pode fazer perecer no inferno a<br />

alma e o corpo”; Jd. 23 “salvai alguns arrebatando-os do fogo”. Neste sentido<br />

o N.T. não difere do A .T . G e o r g e A dam S m ith assinalou que os realistas apelam<br />

para os textos “toda alma esteja sujeita às autoridades superiores” (Rm. 13.1)<br />

e “sujeitai-vos ... ao rei como superior” (1 Pe. 2.13), a partir do N.T., enquanto<br />

o A.T. fornece textos que favorecem os defensores da liberdade. Enquanto o<br />

A.T. trata da vida nacional e desempenho das funções sociais e políticas, o<br />

N.T. trata principalmente das individuais e suas relações com Deus.<br />

4. E rros de Raciocínio<br />

d) Os que são acusados como tais devem geralm ente ser explicados como<br />

argumento válido expresso na form a altam ente condensada. A aparência de<br />

erro pode ser devida à supressão de um ou mais elos do raciocínio.<br />

Em Mt. 22.32, o argumento de Cristo para a ressurreição tirado do fato de<br />

que Deus é o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó é perfeita e obviamente<br />

válido, a partir do momento em que Intrododuzimos a premissa de que não se<br />

pode admitir com propriedade a relação viva para com Deus aqui implicada<br />

simplesmente como algo espiritual, mas requer necessariamente uma nova<br />

vida do corpo restaurada. Se Deus é Deus dos vivos, então, Abraão, Isaque e<br />

Jacó ressuscitarão dos mortos. Ver uma exposição mais completa, no estudo<br />

da Escatologia. Alguns dos argumentos da Escritura são entimemas e enti-<br />

mema, segundo Arbuthnot e Pope, é “um silogismo em que a premissa maior<br />

se casa com a menor e o casamento é guardado em segredo”.<br />

b) Onde não podemos ver a propriedade das conclusões tiradas das premissas<br />

dadas, há m aior razão para atribuir nossa falha à nossa ignorância da lógica<br />

divina do que à acomodação ou argumentos ad hominem da parte dos escritores<br />

da Bíblia.<br />

A lógica divina é simplesmente aquela cujos elementos e processos são<br />

corretos embora não os entendamos. Em Hb. 7.9,10 (o pagamento dos dízimos<br />

por Abraão tratados por Levi), provavelmente há um reconhecimento da<br />

unidade orgânica da família que, em miniatura, ilustra a unidade orgânica da<br />

raça. Em Gl. 3.20 - “o medianeiro não é de um só; mas Deus é um” - a lei,<br />

com as suas duas partes contratantes, está em oposição à promessa que só<br />

procede do fiat de Deus e por isso é imutável. Aqui o argumento de Paulo<br />

apoia-se na divindade de Cristo como seu fundamento - caso contrário, Cristo<br />

teria sido um mediador no mesmo sentido em que Moisés o foi. Em Gl. 4.21 -31,<br />

Agar e Ismael, por um lado e Sara e Isaque por outro, ilustram a exclusão do<br />

escravo com relação à lei por causa dos privilégios da semente espiritual de<br />

Abraão. As duas mulheres de Abraão e as duas classes de povos nos dois<br />

filhos representam os dois pactos (conforme C alvino). Em Jo. 10.34 - “eu


3 4 6<br />

Augustus H opkins Strong<br />

disse: vós sois deuses”, implica que o judaísmo não é um mero sistema de<br />

monoteísmo, mas de teísmo tendente à teantropia, verdadeira união entre<br />

Deus e o homem ( W e s t c o t t , Biblical Com., in loco). G o d e t bem assinala que<br />

aquele que duvida da lógica de Paulo fará bem em suspeitar primeiro da sua<br />

própria.<br />

c ) A adoção dos métodos judaicos de raciocínio, até onde se pode provar,<br />

não indicaria erro da parte dos escritores da Bíblia, porém, ao invés disso,<br />

um a sanção inspirada do método aplicado àquele caso em particular.<br />

Em Gl. 3.16 - “Não diz: E às posteridades, como falando de muitas, mas<br />

como de uma só: E à tua posteridade, que é Cristo”. Sugere-se aqui que a<br />

própria forma da expressão em Gn. 22.18, que denota unidade, foi selecionada<br />

pelo Espírito Santo para significar aquela pessoa, Cristo, que é a verdadeira<br />

semente de Abraão em quem todas as nações devem ser abençoadas.<br />

O argumento a partir de uma só palavra está no seu caso correto, apesar de<br />

que os rabinos freqüentemente fazem mais das simples palavras do que o<br />

Espírito Santo pretende. W a t t s, New Apologetic, 69 - “ F.W . F a r r a r afirma<br />

que o plural dos termos hebraicos e gregos para ‘posteridade’ (em inglês<br />

seed = semente) nunca é empregado pelos escritores dessas duas línguas<br />

com a designação de descendência humana. Mas veja S ó fo c le s (Édipo em<br />

Colona, 599, 600 - yfjç è|ifjç àrcriXáGriv npóç tcov èjxatiTov cTcepfiá-ccov - ‘fui retirado<br />

do meu país (minha terra) e da minha geração (semente)’”. Em 1 Co. 10.1-6<br />

- “a pedra era Cristo” - declara-se que a tradição rabínica de que a rocha que<br />

foi ferida acompanhou os israelitas nas peregrinações é apenas o absurdo de<br />

literalizar um fato espiritual - a presença contínua de Cristo, o Logos preexistente,<br />

com o seu antigo povo.<br />

d ) Se, contudo, parece em investigação posterior que os métodos rabínicos<br />

foram erroneamente em pregados pelos apóstolos em sua argumentação, podemos<br />

ainda estabelecer distinção entre a verdade que eles procuram transmitir<br />

e os argumentos pelos quais eles a sustentam. Pode-se conceber a inspiração<br />

como a verdade que se tom a conhecida e ainda deixa a expressão da verdade<br />

para a dialética hum ana assim como para a retórica humana.<br />

J o h n s o n , Quotations ofthe N. T. from the O. T., 137,138 - “Na total ausência<br />

de toda evidência em contrário, devemos supor que as alegorias do N.T.<br />

são como as da literatura em geral, simplesmente incorporações luminosas<br />

da verdade. ... Se estas alegorias não são apresentadas por seus escritores<br />

como evidências, elas não são menos preciosas, visto que iluminam a verdade<br />

evidenciada de outra forma e, assim, tornam-na clara à apreensão e atrativa<br />

ao sabor”. Contudo, se o propósito dos escritores era empregar estas<br />

alegorias como prova, podemos ainda ver brilhar através das frestas da sua<br />

tradicional lógica a verdade que eles estavam se empenhando para apresentar.<br />

A inspiração pode ter-lhes dado a posse desta verdade sem alterar os


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

seus métodos escolásticos de demonstração e expressão. H o r t o n, Inspirati-<br />

on, 108 - “As discrepâncias e raciocínios ilógicos eram apenas desigualdades<br />

ou rachaduras nos espelhos que materialmente não distorcem ou escondem<br />

a pessoa” cuja glória eles procuravam refletir. Lutero foi ainda mais longe<br />

do que isto quando disse que um certo argumento na epístola é “suficientemente<br />

bom para os gálatas”.<br />

5. E rros na citação ou interpretação do Velho Testamento<br />

d) O que se acusa como tal são com um ente interpretações do sentido da<br />

Escritura original pelo mesmo Espírito que no com eço a inspirou.<br />

Em Ef. 5.14 “levanta-te dentre os mortos e Cristo te esclarecerá” é uma<br />

interpretação inspirada em Is. 60.1 - “Levanta, resplandece, porque já vem a<br />

tua luz”. SI. 68.18 - “recebeste dons para os homens” - é citado em Ef. 4.8<br />

“deu dons aos homens”. As palavras em hebraico são, provavelmente uma<br />

expressão concisa para “tu tomaste despojos que não podes distribuir como<br />

dons aos homens”. Ef. 4.8 concorda exatamente com o sentido, embora não<br />

concorde com as palavras do salmo. Em Hb. 11.21, Jacó ... adorou encostado<br />

à ponta do seu bordão” (LXX); G n. 47.31 tem “inclinou-se sobre a cabeceira<br />

da cama”. O sentido é o mesmo, porque o bordão do chefe e a lança do<br />

guerreiro eram postos à cabeceira da cama. Jacó, tão fraco para levantar-se,<br />

orou na sua cama. Aqui C a lv in o diz que “o apóstolo não hesita em acomodar<br />

ao seu propósito o que freqüentemente recebia; eles não eram tão escrupulosos”<br />

no que se refere aos pormenores. Até mesmo G o rdon, Ministry of the<br />

Spirit, 177, fala em “reelaborar as suas próprias palavras através do Autor<br />

delas”. Preferimos, com C a lv in o , ver nestas citações a evidência de que os<br />

escritores sagrados insistiam na substância da verdade ao invés de insistir na<br />

forma, no espírito e não na letra.<br />

b) Onde se cita um a aparente falsa tradução da Septuaginta, a sanção da<br />

inspiração se dá expressando pelo m enos um a parte da plenitude do sentido<br />

contido no original divino - plenitude de significado que duas traduções<br />

variantes não esgotam em certos casos.<br />

SI. 4 .4 - Hebr.: “Perturbai-vos e não pequeis” (= não mais); LXX: “Irai-vos<br />

e não pequeis”. Ef. 4.26 cita a LXX. As palavras podem originariamente ter<br />

sido dirigidas aos companheiros de Davi, exortando-os a conservar a sua ira<br />

dentro dos limites. Ambas traduções são necessárias ao sentido original.<br />

SI. 40.6-8 - “os meus ouvidos abriste” aparece traduzido em Hb. 10.5-7 -<br />

“mas corpo me preparaste”. Aqui a epístola cita a LXX. Porém o hebraico<br />

significa literalmente: “As minhas orelhas furaste” - alusão feita ao costume<br />

de furar com a sovela a orelha do escravo junto à porta do seu senhor, como<br />

sinal de completa sujeição. Por isso a epístola contém o sentido do verso:<br />

“Tu me fizeste teu de corpo e alma - sim, venho fazer a tua vontade.”<br />

3 4 7


3 4 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

A. C. K e n d r ic k: “A entrada de Davi no seu reino logo após a perseguição é o<br />

tipo da entrada de Cristo na missão terrena. Por isso, põem-se na boca de<br />

Cristo as palavras de Davi. Porque as “orelhas”, órgãos com que ouvimos e<br />

obedecemos e Davi concebeu terem sido furadas por Deus, o autor da Carta<br />

aos Hebreus emprega a palavra ‘corpo’, como o instrumento geral do cumprimento<br />

da vontade de Deus”.<br />

c) A liberdade destas interpretações inspiradas, contudo, não nos garante<br />

igual liberdade de interpretação no caso de outras passagens cujo sentido,<br />

com autoridade, não se tornou conhecido.<br />

Não temos nenhuma razão para crer que o cordão escarlate de Raabe é<br />

uma prefiguração do sangue de Cristo, nem que as três medidas de farinha<br />

em que a mulher introduziu o fermento (Mt. 13.33) simbolizam Sem, Cam e<br />

Jafé, as três divisões da raça humana. C. H. M. em suas notas sobre o taber-<br />

náculo em Êxodo, diz-nos que “as laçadas de pano azul = a graça celestial;<br />

os colchetes de ouro = a divina energia de Cristo; peles de carneiro tintas de<br />

vermelho = consagração e dedicação de Cristo; peles de texugo = sua santa<br />

vigilância contra a tentação”! Na verdade, o tabernáculo é um tipo de Cristo<br />

(Jo. 1 . 1 4 - ècKfivcocev. 2.19,21 “em três dias o levantarei... Mas ele falava do<br />

templo do seu corpo”); contudo, não se segue que cada pormenor da estrutura<br />

seja significativa. Do mesmo modo, cada parábola ensina uma lição central:<br />

as particularidades podem ser meros acessórios; conquanto possamos<br />

usar as parábolas como ilustração, nunca devemos atribuir autoridade às nossas<br />

impressões particulares sobre o seu sentido.<br />

Mt. 25.1-13 - a parábola das cinco virgens prudentes e das cinco tolas -<br />

tem sido empregada para ensinar que o número dos salvos se iguala ao dos<br />

perdidos. Agostinho defende a perseguição com base nas palavras em<br />

Lc. 14.23 - “forçai-os a entrar”. Justificava-se a Inquisição em Mt. 13.30 -<br />

“atai-os em molhos para os queimar”. Inocêncio III nega as Escrituras aos<br />

leigos, citando Hb. 12.20 - “Se até um animal tocar o monte será apedrejado”.<br />

Um Irmão de Plymouth sustentava que seria poupado numa peregrinação<br />

evangelizadora porque leu em Jo. 19.36 - “Nenhum dos seus ossos será<br />

quebrado”. Mt. 17.8 - “a ninguém viram, senão Jesus” - tem-se sustentado<br />

que isto significa que nós confiamos só em Jesus. A Epístola de Barnabé<br />

descobriu nos 318 servos de Abraão uma predição da crucificação de Jesus<br />

e outros têm visto na viagem de três dias que Abraão fez ao Monte Moriá os<br />

três estágios no desenvolvimento da alma. Clemente de Alexandria acha os<br />

quatro elementos naturais nas quatro cores do Tabernáculo Judaico. Tudo<br />

isto para fazer uma parábola “correr (ou andar) de quatro”. Conquanto chamamos<br />

de leão a um herói, não precisamos achar no homem algo que corresponda<br />

à juba e às garras de um leão.<br />

d) Conquanto não admitimos que os escritores do Novo Testamento, em<br />

qualquer sentido próprio, tenham citado ou interpretado erroneam ente o<br />

Velho Testamento, não consideramos a correção absoluta a estes respeitos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 4 9<br />

como essencial à sua inspiração. O Espírito inspirador pode ter comunicado a<br />

verdade e pode, como um todo, ter garantido, nas Escrituras, um registro da<br />

verdade suficiente para as necessidades m orais e religiosas dos homens sem<br />

: imceder dons perfeitos de erudição ou exegese.<br />

Em resposta a T o y , Quotations in the N. T., que toma um ponto de vista<br />

geralmente desfavorável sobre a correção dos escritores do N.T., J o h n s o n ,<br />

Quotations ofthe N. T. from the O.T., sustenta a sua correção. Nas páginas x,<br />

xi, da sua Introdução, J o h n s o n assinala: “Penso ser justo considerar os escritores<br />

da Bíblia como criadores de uma grande literatura e julgá-los e interpretá-los<br />

segundo as leis da literatura. Eles produziram as principais formas de<br />

literatura como: história, biografia, anedota, provérbio, oratória, alegoria, poesia,<br />

ficção. Por isso eles necessitaram de todos os recursos da fala humana,<br />

sua sobriedade e precisão científica numa página, os matizes do arco-íris e a<br />

imaginação numa outra, o fogo da paixão ainda noutra. Eles não poderiam ter<br />

movido homens de maneira melhor se tivessem rejeitado a máxima força e<br />

liberdade de linguagem; se eles tivessem se recusado a empregar seu amplo<br />

recurso de expressões exatas ou poéticas; se não tivessem tomado emprestadas,<br />

sem restrições, suas muitas formas de raciocínio, de terror, de arroubo,<br />

de esperança, de alegria e de paz. Do mesmo modo, eles teriam necessitado<br />

de incomum liberdade de alusão e citação literária, tendo em vista a<br />

recomendação do juízo, dos gostos e dos sentimentos dos seus leitores”.<br />

6. E rros na Profecia<br />

a) O que se acusa como tal pode freqüentem ente explicar-se lembrando-se<br />

de que boa parte da profecia ainda não se cumpriu.<br />

Admite-se às vezes que o livro de Apocalipse, por exemplo, refere-se<br />

inteiramente a eventos do passado. M o s e s S t u a r t , em seu Comentário e a<br />

Parousia de W a r r e n , representam esta interpretação preterista. A julgar-se<br />

assim, contudo, muitas predições do livro teriam falhado.<br />

b) As conjecturas pessoais dos profetas quanto ao sentido das profecias<br />

que eles registraram podem ter sido incorretas, enquanto, contudo, as próprias<br />

rrofecias são inspiradas.<br />

Em 1 Pe. 1.10,11, o apóstolo declara que os profetas inquiriram “em que<br />

tempo, ou ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava,<br />

anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir e a<br />

glória que se lhes havia de seguir”. Do mesmo modo Paulo, embora não<br />

anuncie como certo, parece ter tido uma certa esperança de que ele havia<br />

de viver para testemunhar a segunda vinda de Cristo. Ver 2 Co. 5.4 - “não<br />

porque queremos ser despidos, mas revestidos” (èTtevSúaaceai - vestir o<br />

corpo espiritual, como no presente, sem a intervenção da morte); 2Ts. 4.15,17


3 5 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

- “nós, os que ficarmos vivos, para a vinda do Senhor”. Deste modo Mt. 2.15<br />

cita Os. 11.1 - “Do Egito chamei o meu Filho”, e aplica a profecia a Cristo,<br />

embora Oséias, sem dúvida, estivesse pensando apenas no êxodo do povo<br />

de Israel.<br />

c) Os mais antigos pronunciam entos do profeta não podem ser separados<br />

dos mais tardios que os elucidam, nem da revelação toda da qual eles são uma<br />

parte. É injusto proibir ao profeta que explique o seu próprio sentido.<br />

2 Tessalonicenses foi escrito expressamente para corrigir inferências<br />

errôneas quanto ao ensino do apóstolo tiradas do seu modo peculiar de falar<br />

na primeira epístola. Em 2 Ts. 2.2-5 ele remove a impressão de “que o dia do<br />

Senhor já tivesse chegado”, ou “estivesse próximo”; declara que “não virá<br />

antes que venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado”; ele lembra<br />

os tessalonicenses: “estas coisas eu vos dizia quando estava convosco”.<br />

No verso 1 ele fala da “vinda do nosso Senhor Jesus Cristo, e a nossa união<br />

novamente com ele”.<br />

Tomadas juntas, estas passagens mostram: 1) que as duas epístolas se<br />

unem num só ensino; 2) que não há na epístola qualquer predição da vinda<br />

imediata do Senhor; 3) que na segunda epístola contam-se grandes eventos<br />

antes da sua vinda; 4) que, embora Paulo nunca ensinasse que Cristo viria<br />

durante a vida dele, ele a esperava pelo menos durante a primeira parte da<br />

sua vida e que podia acontecer assim - esperança que parece ter sido dissipada<br />

nos últimos anos. (V er2 Tm. 4.6 - “já estou sendo oferecido por asper-<br />

são de sacrifício e o tempo da minha partida está próximo”.) Contudo, convém<br />

lembrar que houve uma “vinda do Senhor” na destruição de Jerusalém<br />

dentro de três ou quatro anos da morte de Paulo. H en r y V a n D y k e : “O ensino<br />

de Paulo em 1 e 2 Ts. não é de que Cristo esteja vindo amanhã, mas que ele<br />

seguramente está vindo”. A ausência de perspectiva na profecia pode explicar<br />

o fato de Paulo não definir o tempo preciso do fim e, deste modo, deixar<br />

de ser um equívoco.<br />

Por isso, a segunda Epístola aos Tessalonicenses só torna mais claro o<br />

sentido da primeira, e acrescenta novos itens à predição. É importante reconhecer<br />

nas epístolas de Paulo um progresso na profecia, na doutrina e na<br />

estrutura da igreja. A afirmação plena da verdade surgiu de uma forma gradual,<br />

sob as influências do Espírito, por ocasião das sucessivas demandas e experiências<br />

internas. É necessário aprender muito através do estudo da ordem<br />

cronológica das epístolas de Paulo, assim como dos outros livros do N.T.<br />

Como evidência de semelhante progresso compare 1 Pe. 4.7 com 2 Pe. 3.4 sq.<br />

d) O caráter da profecia como um rude esboço geral do futuro, na mais<br />

elevada linguagem figurada e sem qualquer perspectiva histórica torna peculiarmente<br />

provável que o que à prim eira vista parece ser erro deve-se à nossa falsa<br />

interpretação, o que confunde o acessório com a substância, ou aplica sua<br />

linguagem a eventos a que não têm nenhum a referência.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 51<br />

Tg. 5.9 e Fp. 4.5 são exemplos do que um grande pronunciamento profético<br />

considera o futuro distante como bem próximo porque é tão certo para a<br />

fé como para a esperança da igreja. S a n d a y , Inspiration, 376-378 - “Sem<br />

dúvida os cristãos da era apostólica viviam numa expectação da Segunda<br />

Vinda, que culminou com a crise em que foi escrito o Apocalipse. No Apocalipse,<br />

como em toda profecia previsional, há um elemento de dúvida, de um<br />

lado derivado das circunstâncias presentes e de outro apontando para o futuro.<br />

... Todas estas coisas no exato e literal sentido deixaram a posposição<br />

daquele evento de que elas eram o centro. Desde o começo eles apenas<br />

tratavam como um revestimento pictorial imaginativo e símbolo daquele evento.<br />

Não podemos dizer que medida de cumprimento real o Apocalipse ainda está<br />

destinado a receber. Mas na profecia previsional, mesmo quando verificada<br />

mais de perto, tem sua essência menos na predição do que nas leis eternas<br />

da verdade morai e religiosa que o fato predito revela ou exemplifica”. Deste<br />

modo reconhecemos tanto a divindade como a liberdade da profecia e rejeitamos<br />

a teoria racionalista que relaciona a queda do governo de Beaconsfield<br />

no modo de Mateus: “ C r o m w e l l falava que isto podia ser cumprido, dizendo:<br />

‘prossiga e abra espaço para os homens honestos!’ “<br />

Alguns livros não merecem um lu g ar na E scritura inspirada<br />

d) Esta acusação pode m ostrar-se que, em cada caso, apoia-se num a falsa<br />

apreensão do alvo e do método do livro e sua conexão com o restante da<br />

Bíblia juntam ente com um a estreiteza da natureza ou do ponto de vista que<br />

impede a crítica de apreciar as carências da classe peculiar de homens a que o<br />

livro especialm ente se presta.<br />

L u te ro cham a Tiago “um a epístola de palha” . S ua constante ponderação<br />

da doutrina da ju stificaçã o só pela fé tornou difícil para ele agarrar-se à verdade<br />

com plem entar de que som os ju stificados só pela fé que produz boas obras,<br />

ou a perceber o acordo essencial entre Tiago e Paulo. P ro f. R. E. Thompson,<br />

em Sunday School Times, 3 de dez de 1898. 803,80 4 - “L u te ro recusou a<br />

autoridade canônica dos livros que na verdade não foram escritos pelos apóstolos<br />

ou com postos (M arcos e Lucas) sob a sua direção. D este m odo ele<br />

rejeita no nível de autoridade canônica Hebreus, Tiago, Judas, 2 Pedro, A pocalipse.<br />

A té m esm o C alvino d u v id a v a da a u to rid a d e pe trin a de 2 Pedro,<br />

excluía da E scritura o livro de A pocalipse sobre o qual ele escreveu C om entários<br />

e, do m esm o m odo ignorava 2 e 3 J o ”. G. P. Fisher em S. S. Times, 29<br />

de ago. de 1891 - “L u te ro , em seu prefácio ao N.T. (Ed. 1522), apresenta<br />

um a lista do que considera os principais livros do N.T. São eles: E vangelho e<br />

Prim eira E pístola de João, As E pístolas de Paulo, especialm ente R om anos e<br />

G álatas e a P rim eira E pístola de Pedro. A seg uir ele acrescenta que a E pístola<br />

de São Tiago é exatam ente um a epístola de palha com parada com elas -<br />

‘ein recht strohern E pistel gegen s ie ’, deste m odo cara te riza ndo -a com o não<br />

absoluta, m as relativa”. O próprio Z w ín g l io diz a respeito de A pocalipse: “Não<br />

é um livro bíblico” . Thomas A rn o ld , com seu exagerado am or pela precisão


3 5 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

histórica e panorama definido, achou a imagem oriental e as compreensivas<br />

visões do livro de Apocalipse tão bizarras e de mau gosto que duvidava da<br />

sua autoridade divina.<br />

b) O testemunho da história da igreja e a geral experiência cristã quanto à<br />

utilidade e divindade dos livros em discussão é de m aior peso do que as<br />

im pressões pessoais dos poucos que os criticam.<br />

Exem plo dos testem unhos das épocas de perseguição dignas das pro fecias<br />

asseguram ao povo de Deus que a sua causa, sem dúvida, triunfará.<br />

Denney, Studies in Theology, 226 - “O m ínim o que se pode dizer é que, provavelm<br />

ente, o indivíduo deve ser insensível à m ensagem divina num livro, do<br />

m esm o m odo que a igreja deve ter ju lga do que ele contém tal m ensagem ”.<br />

M ilto n, Areopagítica: “A B íblia põe os m ais santos hom ens apaixonadam ente<br />

m urm urando con tra a P rovidência através de todos os argum entos de<br />

E picuro”. B ruce, Apologetics, 329 - “A religião do A.T. era queixosa, vindica-<br />

tiva, filo levítica, hostil para com os estrangeiros, m orbidam ente autocons-<br />

ciente e tendente à ju stiça própria. O livro de E clesiastes nos m ostra com o<br />

não devem os nos sentir. A ndar clam ando Vanitas\ é deixar de ensinar a lição<br />

significativa, a saber, que o Velho C oncerto é vaidade - que prova ser vaidade<br />

perm itir que um filho do C oncerto entre num m odo de desespero” . Chadwick<br />

diz que Eclesiastes entrou no Cânon só depois que recebeu um post-scriptum<br />

ortodoxo.<br />

P f l e id e r e r, Philos. Religion, 1.193 - “O temor escravizante e a justiça própria<br />

na consideração para com Deus são caraterísticas não agradáveis da<br />

religião judaica legalista para a qual o idealismo ético dos profetas se degenerara<br />

e estes traços marcam-nos mais visivelmente no farisaísmo. ... É este<br />

lado da religião do A.T. a que o cristianismo assumiu uma atitude crítica e<br />

destruidora enquanto revela um novo e mais elevado conhecimento de Deus.<br />

Porque, diz Paulo, ‘não recebestes um espírito de escravidão, para, outra vez<br />

estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção’ (Rm. 8.15). Na unidade<br />

com Deus o homem não perde a sua alma, mas preserva-a. Deus não só<br />

manda, mas dá”. Ian M ac la r en (J o hn W a t s o n), Cure of Souls, 144 - “Quando o<br />

livro de Eclesiastes se refere aos dias do século terceiro a.C., sua nota surpreende<br />

e qualquer que tenha errado e esteja amargurado pela tirania política e<br />

pela corrupção social tem o seu amargo clamor incluído no livro de Deus”.<br />

c) Tal testem unho pode ser acrescido em favor do valor de cada um dos<br />

livros aos quais se faz exceção tais como Ester, Jó, Cânticos dos Cânticos,<br />

Eclesiastes, Jonas, Tiago, Apocalipse.<br />

Depois do Pentateuco, Ester é o livro mantido na mais elevada reverência<br />

pelos judeus. “Jó foi o descobridor da infinitude e o primeiro a ver o procedimento<br />

da infinitude na justiça. É a volta da religião à natureza. Jó ouviu a voz<br />

além da voz do Sinai” (Cross of Shadow, 89). In g e , Christian Misticism, 43 -<br />

“Quanto ao Cântico dos Cânticos, sua influência sobre o Misticismo cristão


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 5 3<br />

:em sido simplesmente deplorável. Um gracioso romance em honra ao verdadeiro<br />

amor tem sido distorcido num precedente e numa sanção com o fim de<br />

dar lugar a emoções histéricas em que a imaginação sexual foi empregada<br />

livremente para simbolizar a relação entre a alma e o seu Senhor”. C h a d w ic k<br />

diz que Cântico dos Cânticos entrou no Cânon só porque recebeu uma inter-<br />

cretação alegórica. G l a d d e n , Seven Puzzling Bible Books, 165, acha impossível<br />

que “a adição de mais um morador no harém de Salomão, aquele<br />

•ei libertino, se tornaria o tipo da afeição espiritual entre Cristo e a sua igreja.<br />

Ao invés disto, o livro é uma glorificação do amor puro. A sulamita, transportada<br />

para a corte de Salomão, permanece fiel ao seu amoroso pastor e é<br />

-estaurada a ele”.<br />

B r u c e , Apologetics, 321 - “O Cântico dos Cânticos, literalmente interpretado<br />

como uma história de amor verdadeiro, prova contra as carícias do<br />

narém palaciano, está corretamente no Cânon como um apoio à verdadeira<br />

•eligião; porque o que quer que seja feito com vistas à pureza no relacionamento<br />

de sexos se faz para o louvor de Yahweh - o culto a Baal e a impureza<br />

estão intimamente associados entre si”. R u t h e r f o r t h , M c C h e y n e e S pu r g e o n<br />

tinham mais textos extraídos de Cântico dos Cânticos do que de qualquer<br />

outra porção da Escritura em igual extensão. C h a r le s G. F in n e y , Autobiogra-<br />

phy, 378 - “Agora parece como se a minha alma estivesse casada com Cristo<br />

no sentido de que eu nunca tive qualquer pensamento ou conceito das coisas<br />

anteriores. A linguagem do Cântico dos Cânticos era tão natural para mim<br />

tomo a respiração. Eu pensava que pudesse entender bem o estado em que<br />

ele se sentia quando escreveu aquele Cântico e concluí, então, que sempre<br />

pensava assim e que ele escreveu o Cântico após ter-se recuperado da apostasia.<br />

Não só tive a plenitude do primeiro amor, mas um grande acesso a ele.<br />

Na verdade o Senhor levantou-me acima de qualquer coisa que eu tivesse<br />

experimentado antes e ensinou-me muito do sentido da Bíblia do relacionamento<br />

de Cristo e da força e da vontade que achei em mim mesmo, dizendo-<br />

lhe: Eu não tinha conhecido tal coisa como verdadeira”. Sobre Jonas, ver R.<br />

•V. D a l e , em Expositor, jul. 1892, defendendo o caráter não histórico e alegórico<br />

do livro. Biblia Sacra, 10.737-764 - “Jonas representa a nação de Israel<br />

emergindo através de um milagre do exílio para executar a sua missão ao<br />

mundo todo. Ensina que Deus é o Deus de toda a terra; que as ameaças de<br />

punição são condicionais”.<br />

I Porções dos livros da E scritura escritos p o r outras pessoas que não<br />

são aquelas a quem são atribuídos<br />

A objeção se apoia num falso entendim ento da natureza e do objetivo da<br />

inspiração. Pode ser rem ovida considerando que<br />

a) No caso dos livros formados de docum entos preexistentes, a inspiração<br />

sim plesm ente preservou os seus com piladores da seleção inadequada ou<br />

material impróprio. O fato de tal com pilação não im pugna o seu valor como<br />

registros de um a revelação divina porque estes livros suplementam as deficiên-<br />

::is uns dos outros e juntos se bastam às necessidades religiosas do homem.


3 5 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Lucas distintamente nos informa que obteve o material para o evangelho<br />

a partir de relatos de outros que foram testemunhas oculares dos eventos<br />

que ele registrou (Lc. 1.1-4). O livro de Gênesis apresenta marcas de ter<br />

incorporado documentos dos tempos antigos. O relato da criação que começa<br />

com Gn. 2.4 evidentemente é escrito por um autor diferente de 1.1-31 e<br />

2.1-3. Exemplos do mesmo tipo podem ser encontrados nos livros de Crônicas.<br />

De igual modo, a Vida de Washington, escrita por Marshall, incorpora<br />

documentos de outros escritores. Ao incorporá-los, M a r s h a l l garante a verdade<br />

deles.<br />

D o r n e r , Hist. Prot. Theology, 1 .2 4 3 - “ L u t e r o atribui à fé a autoridade crítica<br />

relativa ao Cânon. Ele nega a canonicidade de Tiago, sem considerá-lo<br />

como espúrio. Do mesmo modo, Hebreus e Apocalipse, embora mais tarde,<br />

em 1 5 4 5 , ele tenha mudado para um julgamento mais favorável sobre este<br />

último. Ele mesmo fala de uma prova acrescentada por Paulo em Gálatas que<br />

é muito fraca para sustentar-se. Permite que, em assunto externo, não só<br />

Estêvão, mas até mesmo os autores sacros contêm imprecisões. A autoridade<br />

do A.T. não lhe parece invalidada por admitir que vários dos seus escritos<br />

passaram por mãos revisoras. O que importaria, pergunta ele, se o Pentateu-<br />

co não fosse escrito por Moisés? Os profetas estudaram Moisés e um outro.<br />

Se eles edificaram em muita madeira, feno e palha juntamente com o resto,<br />

ainda o fundamento permanece; o fogo do grande dia consumirá aquilo; porque<br />

desta maneira tratamos os escritos de A g o s t in h o e de outros. Deve-se<br />

crer muito mais em Reis do que em Crônicas. Eclesiastes foi forjado e não<br />

pode ter vindo de Salomão. O livro de Ester não é canônico. A igreja pode ter<br />

errado ao adotar o livro no Cânon. A fé requer prova. Por isso lança para fora<br />

do Cânon do A .T . os Apócrifos. Deste modo, algumas partes do N .T. recebem<br />

apenas uma posição secundária, deuterocanônica. Há uma diferença entre a<br />

palavra de Deus e as Escrituras Sagradas, não simplesmente quanto à forma,<br />

mas também quanto ao assunto”.<br />

H. P. S m it h , Bib. Scholarship and Inspiration, 94 - “O Editor dos Profetas<br />

Menores uniu num mesmo rol os fragmentos proféticos que estavam em circulação<br />

na sua época. Encontrando um fragmento sem o nome de um autor,<br />

ele o incluía na série. Não se teria distinguido da obra do autor que o antecedeu.<br />

Deste modo, Zc. 9.1-4 passou assumir o nome de Zacarias e is. 40-66 o<br />

de Isaías. R eu s s chama isto de ‘estudos anatômicos’”.<br />

b) No caso dos acréscimos aos livros da Escritura por escritores mais tardios,<br />

é razoável supor que tais acréscimos, assim como os originais, foram<br />

feitos por inspiração e nenhum a verdade essencial é sacrificada por permitir<br />

que tudo se submete ao nom e do autor principal.<br />

Mc. 16.19,20 parece ter sido acrescentado mais tarde por um copista (ver,<br />

Versão Revista Inglesa). A Versão Revista Inglesa também põe entre parênteses<br />

ou segrega uma parte do v. 3 e o v. 4 inteiro em Jo. 5 (o mover das<br />

águas pelo anjo) e a passagem inteira de Jo. 7.53-8.11 (a mulher apanhada<br />

em adultério). W e s t c o t t e H o r t consideram esta passagem uma interpolação


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 5 5<br />

provavelmente de origem “oriental’’ (do mesmo modo também Mc. 16.9-20).<br />

Outros a consideram autêntica, embora não escrita por João. O último capítulo<br />

de Deuteronômio parece ter sido acrescentado após a morte de Moisés -<br />

talvez por Josué. Se a crítica provasse que outras porções do Pentateuco<br />

foram escritas depois do tempo de Moisés, a inspiração do Pentateuco não<br />

seria invalidada, visto que Moisés foi o principal autor, ou ainda a fonte original<br />

e o fundador da sua legislação (Jo. 5.46 - “de mim escreveu ele”). G o re -<br />

Lux Mundi, 355 - “O Deuteronômio pode ter sido uma nova publicação da lei,<br />

no espírito e força de Moisés e posto dramaticamente na sua boca”.<br />

Conta-se que, num local perto do Tanque de Siloé, Manassés ordenou<br />

que Isaías fosse serrado em pedaços com uma serra de cortar madeira.<br />

O profeta ainda é cortado em pedaços pela crítica recente. Mas a sua profecia<br />

começa (Is. 1.1) com a afirmação de que o livro foi composto num período<br />

que abrange quatro reinados - Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias - aproximadamente<br />

quarenta anos. Num tão longo tempo o estilo do escritor sofre grandes<br />

alterações. Os capítulos 40-66 podem ter sido escritos na idade avançada de<br />

'saias depois que ele se afastou da vida pública. Compare a mudança do<br />

estilo de Zacarias, João e Paulo, com o de T h o m a s C a r ly le e o de G eo rge<br />

.Villia m C u r t is .<br />

Isaías prosperou nos anos 740-700 a.C. Os últimos vinte e sete capítulos<br />

tratam do cativeiro (598-538) e de Ciro (550), que eles citam. O livro não é<br />

uma profecia contínua, mas numerosas orações separadas. Alguns reivindicam<br />

que são do próprio Isaías e têm títulos tais como: “Visão de Isaías, filho<br />

de Amoz” (1.1); “Visão que teve Isaías, filho de Amoz” (2.1). Porém esses<br />

títulos só descrevem profecias individuais que eles encabeçam. Outras porções<br />

do livro, sobre outros assuntos e em diferentes estilos, não apresentam<br />

nenhum título. Os capítulos 40-66 não reivindicam ser dele. Há nove citações<br />

dos discutíveis capítulos no N.T., mas nenhuma feita pelo nosso Senhor.<br />

Nenhuma destas citações no N.T. foi apresentada em resposta à pergunta:<br />

Escreveu Isaías os capítulos 44-66? O nome de Isaías é mencionado só como<br />

referência. Os capítulos 44-66 tratam do exílio e do cativeiro como um evento<br />

já ocorrido. Fala-se a Israel como pronto para o livramento. Assinala-se Ciro<br />

como prova de que aquelas profecias de livramento finalmente estão prestes<br />

a acontecer. Não é mencionado como uma predição, mas como uma prova<br />

de que a predição está sendo cumprida. O profeta não podia ter feito referência<br />

ao pagão Ciro como prova de que a profecia tinha-se cumprido se ela não<br />

tivesse sido visível a eles em toda a importância da guerra. A Babilônia ainda<br />

está para cair antes que os exilados sejam libertos. Porém os capítulos 40-66<br />

falam da vinda de Ciro como um acontecimento já ocorrido e a queda da<br />

Babilônia como algo que ainda iria ocorrer. Por que não ter empregado o<br />

perfeito profético em ambos, se ambos ainda fossem futuros? A cor local, a<br />

linguagem e o pensamento são todos consistentes com a autoria exílica. Tudo<br />

é adequado ao exílio, mas tudo é estranho aos assuntos e métodos de Isaías,<br />

por exemplo, o emprego dos termos justo e justiça. C alv in o admite a autoria<br />

exílica (em Is. 55.3). Contudo, a passagem de 56.9-57 é uma exceção e é<br />

preexílica; 40-48 certamente são de um só escritor e podem ser datados de<br />

555-538. Segundo Isaías não é uma unidade, mas consiste em numerosas<br />

peças escritas antes, durante e após o exílio, para consolar o povo de Deus.


3 5 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

c ) É injusto negar à Escritura inspirada o direito exercido por todos historiadores<br />

de Intrododuzir certos docum entos e ditos como simplesmente históricos<br />

enquanto sua com pleta veracidade nem é atestada, nem negada.<br />

Um exemplo sobre o assunto é a carta de Cláudio Lísias em At. 23.26-30<br />

- que representa a sua conduta num ponto de vista mais favorável que os<br />

fatos poderiam justificar - porque ele não aprendeu que Paulo era romano<br />

quando o resgatou no templo (At. 21.31-33; 22.26-29). Uma afirmação incorreta<br />

pode ser relatada corretamente. Um conjunto de folhetos impressos na<br />

época da Revolução Francesa poderia ser um apêndice a alguma história<br />

daquele país sem implicar que o historiador garantia a verdade deles. Semelhantemente<br />

os historiadores sagrados podem ter sido inspirados a empregar<br />

apenas o material ao seu alcance, deixando aos seus leitores a tarefa da<br />

comparação com outros textos da Escritura a fim de julgar sobre a sua veracidade<br />

e valor. Este parece ter sido o método adotado pelo compilador de 1 e<br />

2 Crônicas. As lições morais e religiosas da história são patentes apesar da<br />

imprecisão no relato de tais fatos. Deste modo as declarações dos escritores<br />

dos Salmos não podem ser tomadas como verdade absoluta. Os autores não<br />

são modelo de impecaminosidade para o cristão; na verdade só Cristo o é.<br />

Porém os Salmos nos brindam com um registro da verdadeira experiência<br />

dos crentes no passado. Tem a sua fraqueza humana, mas não podemos tirar<br />

proveito dela, muito embora se expresse às vezes em imprecações. Jr. 20.7 -<br />

“l!udiste-me, Senhor” - possivelmente pode ser explicado deste modo.<br />

9. N arrativas Céticas ou Fictícias<br />

d) D escrições da experiência hum ana podem estar com preendidas na<br />

Escritura, não como modelos a serem imitados, mas como ilustrações das<br />

dúvidas, lutas e necessidades da alma. Nestes casos a inspiração pode atestar,<br />

não a correção dos pontos de vista expressos pelos que assim descrevem a sua<br />

história mental, mas só a correspondência da descrição relativa ao fato verdadeiro,<br />

e sua utilidade ensinando indiretam ente im portantes lições morais.<br />

O livro de E clesiastes, por exem plo, é o registro da luta m ental de uma<br />

alm a que busca satisfação sem Deus. Se escrito por S alom ão no tem po do<br />

seu declínio religioso, ou quase no fim deste, constituir-se -ia o m ais valioso<br />

com e ntário sobre a histó ria inspirada. Pode ainda ser igualm ente valioso<br />

em bora com posto m ais tarde por algum escritor sob direção e inspiração divinas.<br />

H. P. S mith, Bib. Scholarship and Inspiration, 97 - “S upor que S alom ão é<br />

o autor de E clesiastes é com o supor que S pencer escreveu In M em oriam ” .<br />

Lutero, K e il, D elitzsch, G insburg, H engstenberg, todos declaram tratar-se de<br />

um a produção em tem pos m ais tardios (330 a.C.). O livro m ostra a experiência<br />

do desgoverno. Um escritor m ais antigo não pode escrever no estilo de<br />

um m ais tardio em bora o m ais tardio possa im itar o m ais antigo. Os antigos<br />

Pais R om anos e G regos citavam a A pócrifa S abed oria de S alom ão com o


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 5 7<br />

escrita por Salomão. G ore, em Lux Mundi, 355 - “Eclesiastes, embora semelhante<br />

ao livro de Sabedoria, que se propõe a ser de Salomão, pode ser de<br />

um outro autor. ... ‘Uma fraude piedosa’ não pode ter sido inspirada; uma<br />

personificação idealizadora, como um tipo normal de literatura, pode ser inspirada”.<br />

Entretanto, B ernard S chãffer, Das Buch Koheleth, habilmente sustenta<br />

a autoria salomônica.<br />

b) A verdade moral pode ser posta pelos escritores bíblicos em forma parabólica<br />

ou dram ática e os ditos de Satanás e dos perversos podem form ar partes<br />

de tal produção. Em tais casos, a inspiração pode atestar, não a verdade histórica,<br />

muito menos a verdade m oral de cada declaração em separado, mas só a<br />

correspondência do todo com o fato ideal; em outras palavras, a inspiração<br />

pode garantir que a história é verdadeira para a natureza e é valiosa contendo<br />

a instrução divina.<br />

Não é necessário supor que os discursos poéticos dos amigos de Jó<br />

tivessem, na verdade, sido proferidos nas palavras que chegaram até nós.<br />

Mesmo que Jó nunca tivesse tido uma existência histórica, o livro ainda seria<br />

do mais alto valor e nos traria uma grande soma de verdadeiro ensino relativo<br />

ao problema do mal e de como Deus o trata. O fato é local; a verdade é<br />

universal. Algumas novelas contêm mais verdade do que se pode encontrar<br />

em algumas histórias. Outros livros da Escritura, contudo, garantem-nos que<br />

Jó é uma personagem real. (Ez. 14.14; Tg. 5.11). Não é necessário supor que<br />

o nosso Senhor, ao proferir a parábola do Filho Pródigo (Lc. 15.11-32) ou a do<br />

Mordomo Infiel (16.1-8), tivesse em mente pessoas reais das quais cada<br />

parábola é uma descrição exata.<br />

A ficção não é um veículo indigno da verd ad e espiritual. A parábola e até<br />

m esm o a fábula podem con ter valiosas lições. E Jz. 9.14,15, as árvores, a<br />

vinha, o espinheiro, todos conversam . Se a verdade puder ser transm itida em<br />

m ito ou lenda, sem dúvida Deus faz uso destes m étodos de com unicá-la e<br />

m esm o que Gn. 1-3 fossem m íticos poderiam se r inspirados. A ristóteles<br />

dizia que a poesia é m ais verdadeira que a história. Esta só nos diz que algum<br />

as coisas aconteceram . A poesia apresenta-nos as perm anentes paixões,<br />

aspirações e feitos dos hom ens as quais estão na retaguarda de toda a história<br />

e fazem dela o que ela é. A inda que o livro de Jó fosse um dram a e o de<br />

Jonas um apólogo, am bos podem ser inspirados. David Copperfield, A Apologia<br />

de Sócrates, Fra Lippo Lippi, não são os autores das produções que<br />

levam os seus nom es, m as D ickens, P latão, e Browning. A im pessoalidade é<br />

um m étodo próprio da literatura. A linguagem de H eródoto e a de T ucídides<br />

podem ser análogas às contidas em D euteronôm io e em Atos e ainda estes<br />

últim os podem ser inspirados.<br />

O livro de Jó podia não ter sido escrito na época dos patriarcas. As cidades<br />

muradas, os reis, as cortes, as ações judiciais, os presídios, o tronco, a<br />

mineração encontram-se nele. Os ricos subornam os juizes para decidir contra<br />

o pobre. Tudo isto pertence a estes anos do Reino Judaico. É aí que se<br />

encontra o livro de Jó? O Peregrino de Bunyan e a parábola do Bom Samaritano


3 5 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

não são mentirosos. O livro de Jó é um poema dramático. De igual modo o<br />

Macbeth ou o Anel e o Livro fundamentam-se em fatos. H. P. S m it h , Biblical<br />

Scholarship and Inspiration, 101 - “O valor do livro de Jó acha-se no espetáculo<br />

da alma humana na mais terrível aflição operando através das suas<br />

dúvidas e, por fim, confessando humildemente as suas fraquezas e pecami-<br />

nosidade na presença do seu Criador. A inerrância não está nas palavras de<br />

Jó ou nas dos seus amigos, mas na verdade do quadro apresentado. Se as<br />

palavras de Yahweh contidas no fim do livro são verdadeiras então os trinta e<br />

cinco primeiros capítulos não são um ensino infalível”.<br />

G o r e , em Lux Mundi, 355, semelhantemente sugere que os livros de<br />

Jonas e de Daniel podem ser composições dramáticas elaboradas com base<br />

na história. G e o r g e A dam S m it h , no Expositor’s Bible, diz-nos que Jonas alcançou<br />

o ápice de sua carreira em 780 a.C., no reinado de Jeroboão II. Nínive<br />

caiu em 606. O livro implica que foi escrito depois disso (3.3 - “era, pois,<br />

Nínive uma grande cidade”). O livro não reivindica ter sido escrito por Jonas,<br />

por testemunha ocular, ou por um contemporâneo. A linguagem tem formas<br />

aramaicas. A sua data provável é 300 a.C. Há uma ausência dos dados precisos,<br />

tais como o pecado de Nínive, a peregrinação do profeta para lá, o<br />

local da terra onde ele foi lançado, o nome do rei da Assíria. O livro ilustra a<br />

missão de Deus profetizar aos gentios, seu cuidado para com eles, a susce-<br />

tibilidade deles à palavra de Deus. Israel se esquiva do dever, mas é resgatado<br />

para levar a salvação aos gentios. Jeremias representara Israel engolido e<br />

lançado fora (Jr. 51.34,44 sq. - “Nabucodonosor, rei da Babilônia, me devorou<br />

... como dragão me tragou, encheu seu ventre das minhas delicadezas e<br />

lançou-me fora... tirarei da sua boca o que ele tragou”. Uma tradição do anúncio<br />

da destruição de Nínive pode ter fornecido a base para o apólogo. O nosso<br />

Senhor emprega a história simplesmente como ilustração, do mesmo modo<br />

que a homilética emprega os dramas de S h a k e s p e a r e . As expressões, “Como<br />

diz o Macbeth”, “como diz o Hamlet”, não nos obrigam a aceitar a realidade<br />

histórica de Macbeth ou de Hamlet. Jesus pode dizer quanto às perguntas da<br />

crítica: “Homem, quem me pôs por juiz ou repartidor entre vós?”; “eu não vim<br />

para julgar o mundo, mas para salvar o mundo” (Lc. 12.14; Jo. 12.47). Ele não<br />

tinha pensado em confirmar ou deixar de confirmar o caráter da história.<br />

É difícil conceber a compilação de um salmo através de um homem na posição<br />

de Jonas. Não se trata da oração de alguém que se acha no ventre de um<br />

peixe, mas de alguém que já é salvo. Há mais de quarenta anos passados, o<br />

P r e s id e n t e W o o ls e y de Yale admitiu que o livro de Jonas era provavelmente<br />

um apólogo.<br />

c) Em nenhum destes casos a dificuldade de distinguir as palavras do homem<br />

das palavras de Deus, ou a verdade ideal da verdade real deve impedir nossa<br />

aceitação do fato da inspiração; pois nesta variedade da Bíblia combinada com<br />

o estímulo que ela dá à pesquisa e ao planejamento geral das suas lições temos<br />

as caraterísticas próprias que devemos esperar em um livro cuja autoria é divina.<br />

A Escritura é uma correnteza de água em que “o cordeiro pode vadear e<br />

o elefante pode nadar”. Há necessidade tanto do senso literário quanto do


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 5 9<br />

discernim ento espiritual para interpretá-la. Só o E spírito de Cristo, o Espírito<br />

Santo, que inspirou os vários escritos para que testem unhassem dele de<br />

vários m odos e que estão presentes no m undo para receberem as coisas<br />

de Cristo e as m ostrarem para nós pode dar tal senso e tal discernim ento<br />

(Mt. 28.20; Jo. 16.13,14). Num sentido subordinado, o Espírito Santo nos ins­<br />

pira a reconhecer a inspiração na Bíblia. No sentido aqui sugerido, podem os<br />

con cord ar com as palavras do D r. C h arle s H. P a rk h u rs t na aula inaugural<br />

com o P rofessor de T eologia S istem á tica no S em inário Teológico União<br />

(Union T heological S em inary), 01 de nov. de 1893 - “Infelizm ente tem os condenado<br />

a palavra ‘inspiração’ a um particular e isolado cam po da operação<br />

divina, e é um a transgressão do uso corrente na preem inência do seu intento<br />

escriturístico tanto na conexão com a vossa obra com o com a m inha. M as a<br />

palavra proclam a um a realidade tão ligada ao cerne da m atéria cristã que não<br />

podem os relegá-la a um a função sim ples ou técnica. Tanto nos nossos dias<br />

com o no passado, nos prim órdios do cristia nism o , aqueles que declaram<br />

as verdades de Deus devem ser inspirados a contemplá-las. ... A única persuasão<br />

irresistível é aquela que nasce da visão, e esta não é sim plesm ente<br />

capaz de descrever o que algum vidente viu, em bora Paulo e M oisés fossem<br />

videntes” .<br />

10. Reconhecim ento da não inspiração de mestres da E scritura e de<br />

seus escritos<br />

Esta acusação se apoia principalm ente na falsa interpretação de duas pas-<br />

ügens particulares:<br />

a) At. 23.5 (“eu não sabia, irmãos, que ele era o sumo sacerdote”) pode<br />

explicar-se, ou como à linguagem de ironia indignada: “Não reconheço tal<br />

homem como sumo sacerdote” ; ou, mais naturalmente, um a confissão real de<br />

ignorância pessoal e falibilidade que não afeta a inspiração de qualquer dos<br />

ensinos ou escritos finais de Paulo.<br />

A dissimulação de Pedro em Antioquia, ou a negação prática das suas<br />

convicções, ou o seu afastamento dos cristãos gentios eram do tipo mais<br />

repreensível (Gl. 2.11-13). Aqui não há nenhum ensino público, mas a influência<br />

do exemplo particular. Porém, nem neste caso, nem no mencionado<br />

acima Deus suportou a continuação do erro. Pela atuação de Paulo, o Espírito<br />

Santo corrigiu-o.<br />

b) 1 Co. 7.12,10 (“eu, não o Senhor” ; “não eu, mas o Senhor”). Aqui o<br />

contraste não é entre o apóstolo inspirado e o apóstolo não inspirado, mas<br />

rntre as palavras do apóstolo e um verdadeiro dito do Nosso Senhor como em<br />

Mt. 5.32; 19.3-10; Mc. 10.11; Lc. 16.18. As expressões podem ser parafraseadas:<br />

- “Sobre esta m atéria nenhum a ordem expressa foi dada por Cristo antes<br />

ia sua ascensão. Inspirado por Cristo, contudo, dou o meu mandam ento” .


3 6 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

M eyer sobre 1 Co. 7.10 - “Por isso Paulo não estabelece aqui e nos versos<br />

12, 25 a distinção entre os mandamentos dele e aquilo que é inspirado,<br />

mas entre o que procede dele mesmo (inspirado por Deus) subjetivamente e<br />

o que o próprio Cristo proveu através da sua palavra”. “Paulo conhecia de<br />

viva voz da tradição quais mandamentos Cristo tinha dado sobre o divórcio”.<br />

Ou se deve sustentar que Paulo aqui nega a inspiração, suposição rebatida<br />

pela palavra S o k í ò que vem a seguir - “também eu cuido que tenho o Espírito<br />

de Deus” (Verso 40), - apenas prova uma só exceção à inspiração dele e<br />

porque é expressamente mencionado, e isto apenas uma vez, implica a inspiração<br />

de todos os escritos. Podemos ilustrar o método de Paulo, se for o<br />

caso, com o curso do Arauto de Nova Iorque quando da sua primeira publicação.<br />

Os outros jornais ficaram com os seus próprios equívocos e nunca quiseram<br />

reconhecer o erro. O Herald (Arauto) ganhou a confiança do público<br />

através da correção de cada erro dos seus repórteres. Resultado: quando<br />

não havia confissão do erro, o jornal era considerado totalmente fidedigno.<br />

Deste modo, o reconhecimento da não inspiração de Paulo pode implicar que<br />

em todos outros casos as suas obras eram de autoridade divina.


Parte IV<br />

NATUREZA, DECRETOS<br />

E OBRAS DE DEUS


C a p í t u l o I<br />

ATRIBUTOS DE DEUS<br />

Contemplando as palavras e atos de Deus, assim como contemplando as<br />

palavras e atos do homem como indivíduo, somos compelidos a atribuir efeitos<br />

uniform es e permanentes a uniform es e permanentes causas. Palavras e<br />

atos santos, argumentamos, devem ter sua fonte em um princípio de santidade;<br />

palavras e atos verdadeiros, em um a propensão para a verdade; palavras e<br />

atos benévolos, em um a disposição benévola.<br />

Contudo, estas fontes de expressão e ação permanentes e uniformes a que<br />

aplicamos os termos princípio, propensão, disposição, porque existem de modo<br />

harmônico na m esm a pessoa, devem ser inerentes e achar a sua unidade em<br />

um a subjacente substância espiritual ou realidade da qual são características<br />

inseparáveis e m anifestações parciais.<br />

Deste modo, somos levados naturalmente das obras aos atributos e dos<br />

atributos à essência de Deus.<br />

Com relação a todos os propósitos práticos, podemos empregar as palavras<br />

essência, substância, ser, natureza como sinônimas umas das outras.<br />

Assim também podemos falar de atributo, qualidade, caraterística, princípio,<br />

tendência, disposição, como praticamente a mesma coisa. Como, conhecendo<br />

a matéria, passamos dos seus efeitos na sensação para as qualidades<br />

que a produzem e, a seguir, à substância material a que pertencem as qualidades;<br />

e como, conhecendo a mente, passamos dos seus fenômenos relativos<br />

ao pensamento e à ação para as faculdades e disposições que causam o<br />

surgimento de tais fenômenos e, a seguir, à substância mental a que estas<br />

faculdades e disposições pertencem; do mesmo modo, conhecendo Deus,<br />

passamos das suas palavras e atos às suas qualidades ou atributos e, depois,<br />

à substância ou essência a que estas qualidades ou atributos pertencem.<br />

O professor de um Seminário Feminino descreveu a substância como uma<br />

almofada, na qual os atributos são aplicados como alfinetes. Porém alfinetes<br />

e almofada são igualmente substâncias; nenhum deles é qualidade. Erro oposto<br />

iiustra-se a partir da experiência de Abraão Lincoln no Rio Ohio. “O que é o<br />

transcendentalismo de que tanto ouvimos falar”? pergunta o Sr. Lincoln. Vem<br />

a resposta: “Você vê aquelas andorinhas fazendo buracos naquele banco”?<br />

Bem, retire o banco que fica em volta daqueles buracos e o que fica é o


3 6 4 Augustus Hopkins Strong<br />

transcendentalismo”. Freqüentemente a substância é representada como sendo<br />

deste modo transcendental. Se tais representações fossem corretas, na<br />

verdade, a metafísica seria “aquilo de que os que ouvem não entendem nada,<br />

e aquele que fala não se entende a si mesmo”, e a metafísica seria a raposa<br />

que corre para a toca e, em seguida, puxa a toca para trás de si. Substância e<br />

atributos são correlatos; nenhum deles é possível sem o outro. Não existe nenhuma<br />

qualidade que não qualifique alguma coisa. Aplicando as categorias da<br />

substância e atributo de Deus não condescendemos em nenhuma especulação<br />

simplesmente curiosa, mas, ao invés disso, produzimos as necessidades do<br />

pensamento racional e mostramos como devemos pensar em Deus se é que<br />

pensamos.<br />

I. DEFINIÇÃO DO TERMO ATRIBUTOS<br />

Os atributos de Deus são as características distintivas da natureza divina<br />

inseparáveis da idéia de Deus e que constituem a base e apoio das suas várias<br />

m anifestações às suas criaturas.<br />

Chamamo-los atributos porque somos compelidos a atribuí-los a Deus como<br />

qualidades ou poderes fundamentais ao seu ser a fim de dar um relato racional<br />

de alguns fatos constantes nas auto-revelações de Deus.<br />

II. RELAÇÃO DOS ATRIBUTOS DIVINOS COM A ESSÊNCIA<br />

DIVINA<br />

1. Os atributos têm um a existência objetiva<br />

Eles não são meros nomes das concepções hum anas de Deus, as quais têm<br />

sua única base na imperfeição da mente finita. São qualidades objetivamente<br />

distintas da essência divina e entre si.<br />

A noção nom inalista de que Deus é um ser de sim plicidade absoluta e de<br />

que em sua natureza não há nenhum a distinção de qualidades ou poderes tende<br />

diretamente para o panteísmo; nega toda a realidade das perfeições divinas;<br />

ou, se estas, em qualquer sentido ainda existem, exclui todo o conhecimento<br />

delas por parte dos seres finitos. D izer que conhecim ento e poder,<br />

eternidade e santidade, são idênticos à essência de Deus e de umas com as<br />

outras é negar que, na verdade, conhecem os Deus.<br />

As declarações da Escritura sobre a possibilidade de se conhecer Deus,<br />

juntam ente com a manifestação dos atributos distintos da natureza, são conclusivas<br />

contra esta falsa noção da sim plicidade divina.<br />

A r is t ó t e l e s diz com propriedade que não existe uma ciência do único,<br />

daquilo que não apresenta analogias ou relações. Conhecer é distinguir; aquiio


T e o l o o ia S is t e m á t ic a 3 6 5<br />

que não podemos distinguir de outras coisas não podemos conhecer. Embora<br />

uma falsa tendência de considerar Deus como um ser de simplicidade<br />

absoluta tenha vindo do escolasticismo medieval, tem infectado muito da<br />

teologia posterior ã Reforma e encontra-se até mesmo tão recentemente como<br />

em S chleiermacher, Rothe, O lshausen e Ritchl. E. G. Robinson define os atributos<br />

como “nossos métodos de conceber Deus”. Mas esta definição sofre a<br />

influência da doutrina kantiana sobre a relatividade e implica que não podemos<br />

conhecer a essência de Deus, isto é, a coisa em si, o ser real de Deus.<br />

Bowne, Philosophy ofTheism, 141 - “Esta noção da simplicidade divina reduz<br />

Deus a uma rígida e inerme fixidez de olhos.... O Deus uno é múltiplo sem ser<br />

muitos”.<br />

A simplicidade divina é o ponto de partida de Filo: Deus é um ser completamente<br />

desprovido de qualidade. Toda qualidade nos seres finitos tem limitação<br />

e nenhuma limitação pode ser atribuída a Deus, que é eterno, imutável,<br />

substância simples, livre, auto-suficiente melhor do que o bem e o belo. Atribuir<br />

qualquer qualidade a Deus seria reduzi-lo à esfera da existência finita.<br />

Dele só podemos dizer que ele é, não o que ele é.<br />

E ncontram -se ilustrações desta tendência em E scoto E r íg e n a: “Deus nes-<br />

cit se quid est, quia non est quid” ; e em Occam: Os atributos divinos não se<br />

d is tin g u e m nem s u b s ta n c ia lm e n te nem lo g ic a m e n te um do outro ou da<br />

essência divina; a única distinção é de nom es. O escritor puritano Charnock<br />

identifica tanto o conhecim ento com o a vontade com a essência sim ples de<br />

Deus. Schleierm acher faz todos os atributos serem m odificações da força ou<br />

da causalidade; no seu sistem a, Deus e o m undo = “ natura naturans” e “natu-<br />

ra naturata” de Spinoza. (R ecuando à cadeia de causas chegam os à Causa.<br />

C om o causa, é Natura naturans que é subja cente aos fenôm enos. Com o<br />

causada, é Natura naturata', i.e., em certo sen tido idêntica ao m undo fenom enal<br />

[ERE, vol. 11, p. 772 bj). Não há nenhum a distinção de atributos e nenhum<br />

a sucessão de atos em Deus e, por isso, nenhum a pessoalidade ou m esm o<br />

s e r espiritual. S chleierm acher diz: “M eu Deus é o universo” . Deus é força<br />

causativa. A eternidade, a onisciência e a santidade são apenas aspectos da<br />

causalidade. Por outro lado, Rothe faz a onisciência ser um princípio todo<br />

abrangente da natureza divina; e Olshausen, sobre Jo. 1.1 de igual m odo tenta<br />

provar que o Verbo de Deus deve ser objetivo e substancial, adm itindo que<br />

conhecim ento = vontade; donde parece seguir-se que, visto que Deus quer<br />

todas as coisas que ele conhece, ele deve querer o m al moral. B ushnell e<br />

outros identificam a ju stiça em Deus com a be ne volê ncia e, por isso, não<br />

pode ver que qualquer expiação necessita de s e r feita a Deus. R itc h l tam bém<br />

sustenta que o am or é o atributo divino fundam ental e que a onisciência e<br />

m esm o a pessoalidade são apenas m odificações do am or. S pencer apenas<br />

avança pouco m ais quanto ao princípio quando ele conclui que Deus é tão<br />

som ente um a força desconhecida.<br />

Porém chamar Deus de tudo é o mesmo que chamá-lo de nada. Com<br />

Dorner, podemos dizer que “definição não é nenhuma limitação”. Quando surgimos<br />

na escala da criação a partir do simples bloco gelatinoso para o<br />

homem, o homogêneo se torna heterogêneo, há diferença de funções, a complexidade<br />

aumenta. Inferimos que Deus, o mais elevado de todos, em vez de<br />

ser uma simples força, é infinitamente complexo, que tem uma variedade


3 6 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

infinita de atributos e forças. Te n n y s o n , Palace ofA rt (linhas omitidas nas mais<br />

tardias edições): “Toda a natureza se desenvolve para cima: sempre a mais<br />

simples essência é inferior: a mais complexa é mais perfeita e a que possui<br />

mais discurso é mais amplamente sábia”.<br />

Jr 10.10 - Deus é “o Deus vivo”; Jo. 5.26 - ele “tem a vida em si mesmo”<br />

- riquezas inescrutáveis dos atributos positivos. Jo. 17.23 - “tens amado a<br />

mim” - multiplicidade na unidade. A complexidade em Deus é a base da sua<br />

felicidade e o nosso progresso: 1 Tm. 1.11 - “Deus bendito”; Jr. 9.23,24 -<br />

“glorie-se nisto: em me conhecer”. A complexa natureza de Deus permite que<br />

se ire contra o pecador e, ao mesmo tempo, tenha compaixão dele: SI. 7.11 —<br />

“um Deus que se ira todos os dias”; Jo. 3 .1 6 - “Deus amou o mundo”; SI. 85.10,11<br />

- “A misericórdia e a verdade se encontraram”. M a r t e n s e n , Dogmatics, 91 -<br />

“Se Deus fosse apenas o Ser, tò ánXâq ev, o abismo místico em que cada<br />

forma de determinação fosse extinta, não haveria nada na Unidade a ser<br />

conhecido”. Conseqüentemente “nominalismo é incompatível com a idéia da<br />

revelação. Com realismo ensinamos que os atributos de Deus são determinações<br />

objetivas na sua revelação e, por isso, estão arraigadas na sua mais<br />

profunda essência”.<br />

2. Os atributos são inerentes à essência divina<br />

Eles não são existências separadas. São atributos de Deus.<br />

Enquanto nos opomos ao ponto de vista nom inalista que sustenta que eles<br />

são meros nomes com os quais, por necessidade do nosso pensamento, revestimos<br />

a essência divina simples, precisam os igualm ente evitar o extremo realista<br />

oposto que faz deles partes separadas de um Deus composto.<br />

Só podemos conceber os atributos como pertencendo a uma essência subjacente<br />

que fornece sua base de unidade. Se representarm os Deus como um<br />

composto de atributos, pomos em perigo a unidade da divindade.<br />

Note a necessidade análoga de atribuir as propriedades da matéria a uma<br />

substância subjacente e os fenômenos do pensamento a uma essência espiritual<br />

também subjacente; além disso, a matéria se reduz a uma simples força e<br />

a mente a uma simples sensação; em resumo, todas coisas são engolidas por<br />

um vasto idealismo. A explicação puramente idealista dos atributos e as concepções<br />

politeístas de Deus tendem a diminuir. A mitologia da Grécia é o resultado<br />

da personificação dos atributos divinos. Os nomina tornaram-se númina,<br />

como diz M a x M ü l l e r . l/ertambém do Natal de Evans descrevendo um concilio<br />

da divindade, no qual os atributos de Justiça, Misericórdia, e Poder discutem<br />

entre si. R o b e r t H a l l chama o Evans do Natal de “o orador caolho dos ingleses”,<br />

mas acrescenta que o seu único olho pode “iluminar um exército através<br />

do deserto”. Devemos lembrar que “o realismo pode deste modo exaltar os<br />

atributos que nenhum assunto pessoal deixa de constituir a base da unidade.<br />

Encarando a pessoalidade como antropomorfismo, cai na pior personificação,<br />

a da onipotência, santidade, benevolência, que são apenas pensamentos<br />

cegos a não ser que haja alguém que seja onipotente, santo e bom”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

3. Os atributos pertencem à essência divina como tal<br />

Eles devem distinguir-se de outros poderes ou relações que não pertencem<br />

à essência divina universalmente.<br />

As distinções pessoais [proprietates) na natureza do Deus uno não podem<br />

ser denominadas atributos; pois cada um a destas distinções pessoais não pertence<br />

à essência divina como tal e universalm ente, mas só à pessoa particular<br />

da Trindade que tem o seu nome enquanto, ao contrário, todos atributos per-<br />

:encem a cada um a das pessoas.<br />

Contudo, o relacionam ento que Deus mantém, com o mundo (predicata),<br />

3 is como a criação, a preservação, o governo não deve ser denominado de<br />

atributos; porque estes não são necessários ou inseparáveis de Deus, mas acidentais.<br />

Deus seria Deus ainda que ele nunca tivesse criado.<br />

Fazer a criação eterna e necessária é destronar Deus e entronizar o<br />

desenvolvimento fatalista. Segue-se que a natureza dos atributos deve ser<br />

ilustrada não só, ou principalmente, a partir da sabedoria e santidade do<br />

homem, que não são inseparáveis da natureza do homem, sem a qual ele<br />

deixaria de ser também um ente humano. Só se trata de um atributo de que<br />

se pode dizer com segurança que aquele que o possui, se privado dele, deixaria<br />

de ser Deus. S h e d d , Dogm. Theol., 1.335 - “Atributo é a essência total<br />

agindo de um certo modo. O centro da unidade não está em qualquer atributo,<br />

mas na essência.... A diferença entre o atributo divino e a pessoa divina é<br />

que a pessoa é um modo da existência da essência, enquanto o atributo é um<br />

modo da relação, ou da operação da essência”.<br />

4. Os atributos m anifestam a essência divina<br />

A essência se revela só através dos atributos. Sem seus atributos ela é desconhecida<br />

e incognoscível.<br />

Apesar de que só podemos conhecer Deus como ele se nos revela através dos<br />

atributos, não obstante, em conhecendo tais atributos, conhecemos o ser a quem<br />

eles pertencem. O fato de que este conhecimento é parcial não impede sua correspondência,<br />

até onde se pode chegar, à realidade objetiva na natureza de Deus.<br />

Por isso, todas revelações de Deus são as de si mesmo nos seus atributos<br />

ou através deles. Nosso alvo deve ser a determ inação, a partir das obras e<br />

palavras de Deus, das qualidades, disposições, determinações, forças de sua<br />

essência, de outra forma invisível e insondável, a qual ele, na verdade, tomou<br />

conhecidas a nós; ou, em outras palavras, quais os atributos divinos revelados.<br />

Jo. 1 .1 8 - “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no<br />

seio do Pai, este o fez conhecer”; 1 Tm. 6.16 - “a quem nenhum dos homens<br />

3 67


3 6 8 Augustus Hopkins Strong<br />

viu, nem pode ver”; Mt. 5.8 - “B em -aventurados os lim pos de coração, porque<br />

eles verão a Deus” ; 1 1 .2 7 - “ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele<br />

a quem o Filho quiser revelar” . C. A. S tro n g ; “Kant, não contente em conhecer<br />

a realidade nos fenôm enos, estava tentando con he cer a realidade independente<br />

deles; ele estava procurando conhecer, sem cum prir as condições<br />

do conhecim ento; em resum o, ele queria conhecer sem o con hecim ento” .<br />

Deste m odo o agnosticism o perversam ente considera Deus escondido pela<br />

sua própria manifestação. Contrariam ente, conhecendo os fenôm enos, conhecemos<br />

o objeto em si. J. C. C. C larke, Self and the Father, 6 - “ Na linguagem ,<br />

com o na natureza, não há verbo sem sujeito, m as sem pre estam os caçando<br />

substantivo que não tem nenhum adjetivo e, verbo que não tem nenhum<br />

sujeito e sujeito que não tem nenhum verbo. C onsciência é necessariam ente<br />

consciência do eu. O idealism o e o m onism o gostariam de v e r todos verbos<br />

sólidos com seus sujeitos, e escrever ‘eu fa ç o ’ ou ‘eu sin to’ no em aranhado<br />

de um m onogram a, m as a consciência recusa e, ao invés de dizer ‘Faço’ ou<br />

‘S in to ’, acaba dizendo ‘Eu’ K atrina de J.G . H o lla nd, a quem ela am ava:<br />

“Deus não é adorado em seus atributos. Eu não am o os teus atributos, mas<br />

eu te am o. Os teus atributos encontram -se em qualquer parte em outras pessoas.<br />

Na verdade, nem eu os am o, nem os adoro, nem os que os tem . M esm o<br />

o m anchado de pardo correria o perigo que te em palideceria; m as a sua cora­<br />

gem de aço roubaria de ti o meu coração? Ludibriarias a tua consciência,<br />

porque sabes que eu posso go star dos teus atributos, ainda que eu não te<br />

am asse” .<br />

III. MÉTODOS PARA DETERMINAR OS ATRIBUTOS DIVINOS<br />

Já vimos que a existência de Deus é um a verdade primeira. Pressupõe-se<br />

em todo o pensamento humano e é mais ou menos conscientem ente reconhecida<br />

por todos homens. Vimos que este conhecim ento intuitivo de Deus é<br />

corroborado e explicado por argum entos tirados da natureza e da mente.<br />

A razão nos leva a um a Inteligência causativa e pessoal de que dependemos.<br />

Este Ser de indefinida grandeza revestim os, por necessidade do nosso pensamento,<br />

de todos os atributos da perfeição. Dois grandes m étodos para determ<br />

inar o que são estes atributos são o Racional e o Bíblico.<br />

1. Método racional<br />

É tríplice: - a) via negationis, ou por m eio da negação, que consiste em<br />

negar a Deus todas as imperfeições observadas nos seres criados; b) via emi-<br />

nentiae, ou por meio do clímax, que consiste em atribuir a Deus em grau infinito<br />

todas as perfeições encontradas nas criaturas; e c) via causalitatis, ou por<br />

meio da causalidade que consiste em predicar a Deus os atributos requeridos<br />

nele para explicar o mundo da natureza e da mente.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Este método racional explica a natureza de Deus a partir do da sua criação,<br />

enquanto a própria criação pode ser plenam ente explicada só a partir da natureza<br />

de Deus. Apesar de que o método é valioso, tem insuperáveis limitações,<br />

e está em lugar de subordinação. Enquanto o em pregam os continuamente para<br />

confirmar e suplementar resultados obtidos de outra form a, rvQSSQ<br />

m eio de determ inar os atributos divinos deve ser<br />

2. Método bíblico<br />

Trata-se simplesmente do método indutivo, aplicado aos fatos relativos a<br />

Deus revelados nas Escrituras. Agora que provamos que as Escrituras são<br />

revelação de Deus, inspiradas em cada um a das partes, podemos com propriedade<br />

considerá-las como autoridade decisiva sobre os atributos de Deus.<br />

Há quem diga que o método racional de determinar os atributos de Deus<br />

teve sua origem com Dionísio, o areopagita, supostamente um juiz no tempo<br />

de Paulo em Atenas e que morreu em 95 A.D. Provavelmente é mais eclético,<br />

combinando os resultados alcançados por muitos teólogos e aplicando as<br />

intuições de perfeição e causalidade que são a base de todo o pensamento<br />

religioso. Do nosso estudo anterior sobre os argumentos em favor da existência<br />

de Deus evidencia-se que, da natureza não podemos aprender a Trindade<br />

ou a misericórdia de Deus e que tais deficiências em nossas conclusões a<br />

respeito de Deus devem ser fornecidas pela revelação. S p u r g e o n , Autobio-<br />

graphy, 166 - “O antigo dito é ‘Deus a partir da Natureza até o Deus da Natureza’.<br />

Mas é duro trabalhar subindo a colina. A melhor coisa é partir da Natureza<br />

de Deus descendo até a Natureza; e se você atinge a Natureza de Deus<br />

e crê nele e o ama, é surpreendente como é fácil ouvir a música nas ondas e<br />

as canções no silvo dos ventos na mata e ver Deus em toda a parte”.<br />

IV. C L A S S IF IC A Ç Ã O DOS ATRIBU T O S<br />

Os atributos podem ser divididos em duas grandes classes: Absolutos ou<br />

Imanentes e Relativos ou Transitivos.<br />

Absolutos ou Imanentes são os atributos que se referem ao ser interior de<br />

Deus, envolvidos nas relações de Deus consigo mesmo e pertencentes à sua<br />

natureza independentem ente de sua conexão com o universo.<br />

Relativos ou Transitivos são os atributos que se referem à revelação exterior<br />

do ser divino e envolvem as relações de Deus com a criação e se realizam<br />

em conseqüência da existência do universo e sua dependência dele.<br />

Sob o tópico Atributos Absolutos ou Im anentes podem os fazer um a tríplice<br />

divisão em Espiritualidade com os atributos que ela envolve, a saber, vida<br />

e pessoalidade; Infinitude com os atributos que ela envolve, a saber, Existência<br />

3 6 9


3 7 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Própria, Im utabilidade e Unidade; e Perfeição com os atributos que ela envolve,<br />

a saber, Verdade, A m or e Santidade.<br />

Sob o tópico Atributos Relativos ou Transitivos podemos fazer um a tríplice<br />

divisão conform e a ordem da revelação deles em atributos relativos ao<br />

Tempo e Espaço como a Eternidade e a Imensidade; Atributos relativos à Criação<br />

como Onipresença, Onisciência e Onipotência; e Atributos relativos aos<br />

Seres M orais como Veracidade e Fidelidade, ou Verdade Transitiva; M isericórdia<br />

e Bondade, ou Amor Transitivo; e Justiça e Retidão, ou Santidade Transitiva.<br />

Pode-se entender m elhor esta classificação a partir da seguinte tabela:<br />

1. Atributos Absolutos ou Imanentes:<br />

A. Espiritualidade, envolvendo<br />

B. Infinitude, envolvendo<br />

C. Perfeição, envolvendo<br />

2. Atributos Relativos ou Transitivos:<br />

A. Relativos ao Tempo e ao Espaço I<br />

B. Relativos à Criação<br />

C. Relativos aos Seres M orais<br />

a) Vida<br />

b) Pessoalidade<br />

a) Existência Própria<br />

b) Im utabilidade<br />

c) Unidade<br />

ci) Verdade<br />

b) Amor<br />

c) Santidade.<br />

á) Eternidade<br />

b) Imensidade<br />

a) Onipresença<br />

b) Onisciência<br />

c) Onipotência<br />

a) Veracidade e Fidelidade<br />

ou Verdade Transitiva<br />

b) M isericórdia e Bondade<br />

ou Am or Transitivo<br />

c) Justiça e Retidão ou<br />

Santidade Relativa<br />

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T e o l o g ia S is t e m á t ic a 371<br />

Convém observar, examinando o quadro acima, que a nossa classificação<br />

apresenta Deus primeiro como Espírito, depois como Espírito infinito e,<br />

finalmente, como Espírito perfeito. Isto concorda com a nossa definição do<br />

termo Deus (verParte II, Existência de Deus, cap. I, Origem da nossa idéia da<br />

existência de Deus). Também corresponde à ordem em que os atributos<br />

geralmente se apresentam à mente humana. Nosso primeiro pensamento de<br />

Deus é que se trata de um Espírito misterioso e indefinido diferentemente do<br />

nosso. A seguir vem à nossa mente a grandeza de Deus; o elemento quantitativo<br />

é sugerido por si mesmo; surgem diante de nós os atributos naturais;<br />

nós o reconhecemos como o Infinito. Por fim, vem o elemento qualitativo; a<br />

nossa natureza moral reconhece um Deus moral; diferentemente do nosso<br />

erro, do egoísmo, da impureza, percebemos sua perfeição absoluta.<br />

Convém também observar que esta perfeição moral, como atributo ima-<br />

nente, envolve a relação de Deus consigo mesmo. Verdade, amor e santidade,<br />

como implicam, respectivamente, um exercício no Deus intelecto, sentimento<br />

e vontade, podem ser concebidos como o conhecimento próprio de<br />

Deus, o amor próprio de Deus e a vontade própria de Deus. A significação<br />

disto aparece mais nitidamente na discussão dos atributos em separado.<br />

Note a distinção entre os atributos absolutos e relativos, imanentes e transitivos.<br />

Absolutos = que não existem em nenhuma relação necessária com as<br />

coisas fora de Deus. Relativos = existentes em tal relação. Imanentes = “que<br />

permanecem dentro da natureza em sua atividade e efeito, limitados, inerentes<br />

e habitando nela - em oposição aos emanentes ou transitivos”. Transitivos<br />

= que tem um objeto fora do próprio Deus. Falamos de verbos transitivos<br />

e significamos verbos seguidos de objeto. Os atributos transitivos de Deus<br />

são assim chamados porque eles se referem e afetam coisas e seres fora de<br />

Deus.<br />

O objetivo desta classificação em Atributos Absolutos e Relativos é tornar<br />

clara a auto-suficiência divina. A criação não é uma necessidade, porque há<br />

um Tt^rípcona em Deus (Cl. 1.19), mesmo antes que ele faça o mundo ou se<br />

torne encarnado. O 7t>.fipcona não é “o enchimento material”, nem “o vaso<br />

cheio”, mas “que é completo em si mesmo”, ou, em outras palavras, “plenitude”,<br />

“compleição”, “totalidade”, “abundância”. O universo inteiro é apenas uma<br />

gota de orvalho na franja das vestes de Deus, ou um sopro exalado da sua<br />

boca. Ele poderia criar o universo cem vezes maior. A natureza é apenas o<br />

símbolo de Deus. As ondas da vida são apenas frágeis expressões da sua<br />

vida. Os atributos imanentes mostram-nos o quanto a criação e a redenção<br />

dependem da graça e quão inefável é a condescendência daquele que assumiu<br />

a nossa humanidade e humilhou-se até a morte da cruz. SI. 8.3,4 - “Quando<br />

vejo os teus céus ... que é o homem mortal para que te lembres dele”? 113.5,6<br />

- “Quem é como o Senhor, nosso Deus, que habita nas alturas; que se curva<br />

para ver o que está nos céus e na terra”? Fp. 2.6,7 - “que, sendo em forma de<br />

Deus, ... esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo”.<br />

L a d d , Theory of Reality, 69 - “Eu sei que eu sou, porque, como a base de<br />

todas discriminações quanto a o que eu sou e, como o cerne de todo esse<br />

conhecimento próprio, eu conheço a mim como uma vontade”. Deste modo,<br />

quanto ao non ego “o que as coisas realmente são é um fator do meu conhecimento<br />

a respeito delas surgindo da raiz de uma experiência comigo mesmo


37 2 Augustus Hopkins Strong<br />

como uma vontade, ao mesmo tempo ativa e inibida, como um açjente, apesar<br />

de oposto a um outro”. O ego e o non ego também são fundamental<br />

e essencialmente uma vontade. “A matéria deve ser, per se, uma Força.<br />

Mas isto significa ... ser uma Vontade” (433). Não conhecemos nada do átomo<br />

independentemente da sua força (442). Ladd cita G. E. Balley: “O princípio<br />

da vida, variando apenas em grau, é onipresente. Há apenas uma onis-<br />

ciência e inteligência indivisível e isto vibra através de cada átomo do Cosmos<br />

todo” (446). “A ciência fez apenas o substrato das coisas materiais cada vez<br />

mais completamente auto-semelhantes” (449). O Espírito é o Ser verdadeiro<br />

e essencial do que é chamado Natureza (472). “O último ser do mundo é a<br />

Mente e Vontade autoconsciente que é a base de todos objetos feitos conhecidos<br />

na experiência humana” (550).<br />

V. ATRIBUTOS ABSOLUTOS OU IMANENTES<br />

P rim eira divisão - Espiritualidade e os atributos envolvidos p o r ela<br />

Ao chamar a espiritualidade um atributo de Deus, significamos, não que<br />

nos justificam os em aplicar à natureza divina o adjetivo “espiritual”, mas que<br />

o substantivo “Espírito” descreve aquela natureza (Jo. 4.24, “Deus é espírito”;<br />

Rm. 1.20 - “as coisas invisíveis dele” ; 1 Tm. 1.17 - “incorruptível, invisível”;<br />

Cl. 1.15 - “o invisível D eus”). Isto implica, negativamente, que d) Deus não é<br />

matéria. Espírito não é um a forma refinada da matéria, mas um a substância<br />

imaterial, invisível, não com posta, indestrutível, b) Deus não depende da<br />

matéria. Não se pode m ostrar que a m ente humana, em outro estado que não<br />

seja o presente, depende, para sua consciência, de sua conexão com um organismo<br />

físico. M uito menos é verdade que Deus depende do universo material<br />

como base dos seus sentidos. Deus não é só espírito, mas espírito puro.<br />

Ele não só não é matéria, mas não tem nenhum a conexão necessária com ela<br />

(Lc. 24.39 - “Espírito não tem carne e ossos como vedes que eu tenho”).<br />

João nos dá os três atributos caraterísticos de Deus, quando diz que Deus<br />

é “espírito”, “luz”, “amor” (Jo. 4.24; 1 Jo. 1.5; 4.8) - não diz um espírito, uma<br />

luz, um amor. Le C onte, em Conception of God, de R oyce, 45 - “Deus é espírito<br />

porque espírito é essencial à vida, e essencial à energia, e essencial ao<br />

amor, e essencial ao pensamento; em uma palavra, essencial à pessoa”.<br />

B iedermann, Dogmatik, 631 - “Das Wesen des Geistes ais des reinen Gegen-<br />

satz zur Materie, ist das reine Sein, das in sich ist, aber nicht da ist. (A carate-<br />

rística do espírito como do puro contraste da matéria, é o puro ser, que está<br />

em si, mas que não o é). M artineau, Study, 2.366 - “O ego subjetivo sempre<br />

está aqui, também oposto a tudo, o qual está de modo variado a li... Por isso,<br />

sem relação local, a alma é inacessível”. Mas Martineau continua, “se a matéria<br />

for apenas centro de força, toda a alma precisa ser centro de ação”. R omanes,<br />

Mind and Motion, 34 - “Porque dentro dos limites da experiência humana


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 7 3<br />

conhece-se a mente apenas como associada ao cérebro não se segue que<br />

ela não possa existir em qualquer outro modo”. La Place varreu os céus com<br />

seu telescópio, mas não pôde achar Deus em parte alguma. “Ele bem poderia”,<br />

diz o P residente Sawyer, “ter a sua cozinha com uma vassoura”. Visto que<br />

Deus não é um ser material, não pode ser apreendido por quaisquer recursos<br />

físicos.<br />

As passagens da Escritura que parecem atribuir a Deus a posse de partes do<br />

corpo e órgãos como olhos e mãos devem ser consideradas como antropomór-<br />

ficas e simbólicas. Quando se fala que Deus aparece aos patriarcas e anda com<br />

eles, tais passagens devem ser explicadas como referindo-se às manifestações<br />

temporárias do próprio Deus em forma hum ana - m anifestações que prefigu-<br />

ravam o tabernacular final do Filho de Deus em carne. Ao lado destas expressões<br />

e m anifestações antropomórficas, contudo, há declarações específicas<br />

que representam quaisquer concepções m aterializadas de Deus; como, por<br />

exemplo, que o céu é o seu trono e a terra o escabelo de seus pés (Is. 66.1) e<br />

que o céu dos céus não podem contê-lo (1 Re. 8.27).<br />

Ex 33.18-20 declara que o homem não pode ver Deus e viver; 1 Co. 2.7-16<br />

sugere que sem o ensino do Espírito de Deus não se pode conhecer Deus;<br />

tudo isto ensina que Deus está acima de qualquer percepção sensorial, em<br />

outras palavras, que ele não é um ser material. O segundo mandamento do<br />

Decálogo não condena a escultura ou pintura, mas apenas o fazer a imagem<br />

de Deus. Proíbe-se a nossa concepção de Deus à semelhança de uma coisa,<br />

mas não se proíbe conceber Deus à semelhança do eu interior, /.e., um ser<br />

pessoal. Isto ainda mostra que Deus é um ser espiritual. A imaginação pode<br />

ser empregada na religião e dela pode derivar um grande auxílio. Contudo,<br />

não podemos conhecer Deus através da imaginação, que só nos ajuda a<br />

entender de um modo vivido a presença do Deus que já conhecemos. Quase<br />

podemos dizer que algumas pessoas não têm imaginação suficiente para<br />

serem religiosas. Mas a imaginação não deve soltar as suas asas. Em suas<br />

representações de Deus, é bom não estar confinado a um quadro, ou a uma<br />

forma, ou a um lugar. A humanidade tende muito a se apoiar no elemento<br />

material e sensorial; devemos evitar todas as representações de Deus que<br />

identifiquem o Ser que é adorado com os auxílios empregados para entender<br />

a sua presença; Jo. 4.24 - “os que o adoram o adorem em espírito e em<br />

verdade”.<br />

Um hino egípcio ao Nilo, datando da XIX dinastia (século 14 a.C.), contém<br />

estas palavras: “Não se conhece a sua habitação; não se encontrou nenhum<br />

santuário com pinturas; não há nenhum edifício que o contenha” (C heyne,<br />

Isaías, 2.120). O repúdio às imagens entre os antigos persas, como entre os<br />

xintoístas japoneses, indica as reminiscências de uma primitiva religião espiritual.<br />

A representação de Yahweh com corpo e formas degrada-o ao nível<br />

dos deuses pagãos. Os quadros do onipotente sobre as cancelas das catedrais<br />

romanistas confinam a mente e degradam a concepção do adorador.


3 7 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Podemos utilizar a imaginação na oração, pintando Deus uma forma benigna<br />

tendo braços de misericórdia, mas não devemos considerar tais quadros como<br />

andaimes para a construção de um edifício de adoração, conquanto reconheçamos,<br />

com a Escritura, que a realidade adorada é imaterial e espiritual.<br />

De outra forma, nossa idéia de Deus é rebaixada ao nível do ser material do<br />

homem. Até mesmo a natureza espiritual do homem pode ser mal interpretada<br />

através de imagens físicas, quando os artistas medievais pintavam a morte<br />

através da figura de uma boneca deixando o corpo e na boca de uma<br />

pessoa às portas da morte.<br />

O anseio por um Deus tangível e encarnado encontra sua satisfação em<br />

Jesus Cristo. Contudo, até mesmo as figuras de Cristo logo perdem a sua<br />

força. Lutero dizia: “Se eu tiver uma figura de Cristo no meu coração, por<br />

que não nas telas?” Respondemos: Porque a figura no coração pode mudar<br />

e aprimorar, do mesmo modo que nós mudamos e aprimoramos; a figura na<br />

tela é fixa e mantém as velhas concepções das quais devemos livrar-nos.<br />

T homas C arlyle: “O s homens nunca pensam na figura do rosto de Cristo até<br />

que percam a impressão dele nos seus corações”. Modernamente, Swedenborg<br />

representa o ponto de vista de que Deus existe na forma de um homem -<br />

antropomorfismo do qual a feitura dos ídolos é uma forma mais grosseira<br />

e mais bárbara. Esta é também a doutrina do mormonismo. Os mórmons<br />

ensinam que Deus é um homem; que tem numerosas esposas através das<br />

quais povoa o espaço com infinito número de espíritos. Cristo é o filho preferido<br />

de uma esposa preferida, mas o nascimento como homem foi o único<br />

meio através do qual veio a usufruir da vida real. Estes espíritos também<br />

são filhos de Deus, mas podem realizar e usufruir da sua filiação só através<br />

do nascimento. Eles estão em torno de nós esperando nascer. Daí a poligamia.<br />

Consideremos a importância positiva do termo Espírito. A espiritualidade<br />

de Deus envolve os dois atributos: Vida e Pessoalidade.<br />

1. Vida<br />

As Escrituras representam Deus como um Deus vivo.<br />

Jr. 10.10 - “Ele mesmo é o Deus vivo”; 1 Ts. 1.9 - “como dos ídolos vos<br />

convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro”; Jo. 5.26 - “o Pai<br />

tem a vida em si mesmo”; cf. 14.6 - “Eu sou ... a vida”; e Hb. 7.16 - “segundo<br />

o poder de uma vida indissolúvel”; Ap. 11.11 - “o Espírito de vida”.<br />

Vida é um a simples idéia impossível de definição real. Conhecemo-la, contudo,<br />

em nós mesmos e podemos perceber a insuficiência e inconsistência de<br />

algumas de suas definições. Não podem os considerar a vida em Deus como:<br />

a) Simples processo sem um sujeito; pois não podemos conceber um a vida<br />

divina sem um Deus que a viva.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 7 5<br />

Versus Lewes, Probtems of Life and Mind, 1.10 - “Vida e mente são processos;<br />

nenhuma é substância; nenhuma é força; ... o nome dado ao conjunto<br />

de fenômenos se transforma na personificação dos fenômenos e supõe-se<br />

que o resultado tenha sido o produtor”. Aqui temos um produto sem produtor<br />

- uma série de fenômenos sem qualquer substância de que eles são mani-<br />

‘estações. Lemos igualmente em D ewey, Psychoiogy, 247 - “O eu é uma atividade.<br />

Não é alguma coisa que age\ é atividade. ... É constituído de atividades.<br />

... Através da sua atividade a alma é”. Não se diz aqui como pode haver<br />

atividade sem qualquer sujeito ou ser ativo. A inconsistência deste ponto de<br />

vista se manifesta quando D ewey passa a dizer: “A atividade pode ir mais<br />

adiante ou desenvolver o eu”. Do mesmo modo, o D r. B urdon Sanderson diz:<br />

‘A vida é um estado de incessante mudança, - mudança com permanência; a<br />

matéria viva sempre muda conquanto seja sempre a mesma”. Plus ça change,<br />

plus c’est Ia même chose”. (Quanto mais muda mais fica a mesma coisa).<br />

Mas esta coisa permanente no meio da mudança é o sujeito, o eu, o ser, que<br />

tem vida.<br />

Nem podemos considerar a vida como:<br />

b) Simples correspondência à condição e am biente exteriores; pois isto<br />

tomaria a vida im possível a Deus antes da existência do universo.<br />

Versus H erbert S pencer, Biology, 1.59-71 - “A vida é a combinação definida<br />

de mudanças heterogêneas simultâneas e sucessivas correspondendo a<br />

coexistências externas e seqüências”. Na melhor das hipóteses, temos aqui<br />

uma definição de vida física e finita; e até mesmo isto não basta porque a<br />

definição não reconhece nenhuma fonte original de atividade interna, mas<br />

apenas uma força de reação em resposta ao estímulo externo. Também<br />

podemos dizer que a chaleira que está fervendo está viva (M ark H opkins).<br />

Este defeito também encontramos nas linhas de Robert B rowning, The fíing<br />

and the Book (O Papa, 1307): “Ó Tu - representado aqui para mim em tal<br />

concepção que qualquer alma permite - sob a tua imensurabilidade, minha<br />

amplitude atômica! - A mente do homem, o que é senão uma lente convexa<br />

na qual reunimos todos os pontos dispersos apanhados na imensidão dos<br />

céus, A fim de reuni-los para ser o nosso céu aqui na terra, O nosso conhecido<br />

Desconhecido, nosso Deus revelado ao homem?” A vida é algo mais que<br />

uma receptividade passiva.<br />

c) A vida é mais do que energia mental, ou energia do intelecto, sentimento<br />

e vontade. Deus é o Deus vivo, tendo em seu próprio ser a fonte do ser e da<br />

atividade tanto para si como para os outros.<br />

Vida significa energia, atividade, movimento. Aristóteles: “Vida é a energia<br />

da mente”. W ordsworth, Excursion, livro 5.602 - “Vida é amor e imortalidade;<br />

um é o Ser e um é o elemento. ... Vida, repito, é energia do amor divino ou<br />

humano”. P rof. C. L. H errick, Critics of Ethical Monism, na Denison Quartely,<br />

dez. 1896.248 - “Força é energia sob resistência, ou energia auto-limitada,


3 76<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

porque todas as partes do universo derivam da energia. A energia, manifes-<br />

tando-se sob condicionamento de si mesmo ou sob formas diferenciais é força.<br />

A mudança da energia pura em força é criação”. O P rof. H errick cita de<br />

C oleridge, Anima Poetae: “Espaço é um nome para Deus; é a mais perfeita<br />

imagem da alma - a alma pura para nós nada mais é do que a ação sem<br />

resistência. Sempre que há resistência, começa a limitação e a limitação é o<br />

primeiro elemento constituinte do corpo; quanto mais onipresente ele está no<br />

espaço tanto mais esse espaço é corpo ou matéria; e assim todo corpo pressupõe<br />

alma assim como toda resistência pressupõe ação”. S chelling: “Vida é<br />

a tendência para o individualismo”.<br />

Se no homem o espírito implica vida, o espírito em Deus implica vida sem<br />

fim e inesgotável. A vida inteira do universo é apenas uma pálida imagem<br />

dessa energia que chamamos a vida de Deus. D ewey, Psychology, 253 -<br />

“A sensação de estar vivo é muito mais vivida na infância do que mais tarde.<br />

Leigh H unt diz que, quando ele era criança ver certas cercas de paliçadas<br />

pintadas de vermelho dava-lhe mais aguçado prazer do que qualquer experiência<br />

da idade adulta”. M atthew A rnold: “Felicidade era a de que naquela<br />

aurora estava vivo, Mas ser jovem era o próprio céu”. O prazer da criança nas<br />

cenas campestres e as nossas intensificadas percepções no febril cérebro<br />

mostram-nos através do contraste quão rasa e turva é a correnteza da nossa<br />

vida comum. Nesta vida a necessidade do espírito humano se satisfaz apenas<br />

no Deus infinito. Ao invés da expressão de T yndal: “A matéria tem em si a<br />

promessa e a potência de cada forma da vida”, aceitamos o dito de W illiam<br />

C rooke: “A vida tem em si a promessa e a potência de cada forma da matéria”.<br />

2. Pessoolidade<br />

As Escrituras representam Deus como um ser pessoal. Pessoalidade significa<br />

o poder de autoconsciência e autodeterminação. Para m aior explicação<br />

assinalamos:<br />

a) A utoconsciência é mais do que consciência. Quanto a esta última,<br />

supõe-se que o bruto a tenha, visto que o bruto não é um autômato. O homem<br />

não só é consciente de seus próprios atos e estados, mas, por abstração e reflexão<br />

reconhece o eu que é o sujeito destes atos e estados, b) Autodeterminação<br />

é mais do que determinação. O bruto m ostra determinação, mas sua determinação<br />

é o resultado de influências externas; não há nenhum a espontaneidade<br />

interior. O homem, em virtude de sua vontade livre, determ ina sua ação a<br />

partir do interior. A si mesmo determ ina em vista dos motivos, mas sua determinação<br />

não é causada por motivos; ele mesmo é a causa.<br />

Deus, como pessoal, no mais elevado grau de consciência, é autoconscien-<br />

te e autodeterminante. O aparecimento da idéia de Deus em nossas mentes,<br />

como pessoal, depende em grande parte do nosso reconhecim ento da pessoalidade<br />

em nós mesmos. Os que negam o espírito no hom em põem um a barreira<br />

no caminho do reconhecim ento de tal atributo de Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 377<br />

Ex. 3.14 - “E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais:<br />

Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós”. Deus não é um<br />

eterno “Ele é”, ou “Eu era”, mas o eterno “EU SOU”; “EU SOU” implica tanto<br />

pessoalidade com presença. 1 Co. 2.11 - “ninguém sabe as coisas de Deus,<br />

senão o Espírito de Deus”; Ef. 1.9 - “segundo o seu beneplácito, que propusera<br />

em si mesmo”; 11 - “conselho da sua vontade”. Seguem-se definições<br />

da pessoalidade: Boethius - “Persona est animae rationalis individua subs-<br />

tantia” (Citada em Dorner, Glaubenslehre. 2.415). Trad.: Pessoa é a substância<br />

racional indivisível da alma. F. W. Robertson, Gn. 3 - “Pessoalidade =<br />

consciência própria, vontade, caráter”. Porter, Human Intelect, 626 - “Subsistência<br />

distinta real ou de modo latente autoconsciente e autodeterminante”.<br />

Harris, Philos. Basis of Theism: Pessoa = “ser, cônscio de si mesmo subsistente<br />

na individualidade e identidade e dotado de razão intuitiva, sensibilidade<br />

racional e vontade livre”. Ver Harris, 98, 99 citação de Mansel - “A liberdade<br />

da vontade está tão longe de ser, como em geral se considera, uma questão<br />

controvertida na filosofia, que é fundamental postular sem o que toda a ação<br />

e toda especulação, a filosofia em todos os seus ramos e a própria consciência<br />

humana, seria impossível”.<br />

Uma das mais surpreendentes comunicações em toda a literatura é que<br />

M a t th e w A r n o l d , em sua “Literature and Dogma", que as Escrituras Hebraicas<br />

reconhecem apenas em Deus, “e não em nós, a força que produz a justiça”<br />

= o Deus do panteísmo. O “EU SOU” de Ex. 3.14 dificilmente poderia ter<br />

sido tão mal entendido, se M a t t h e w A r n o ld não tivesse perdido o senso de<br />

sua própria pessoalidade e responsabilidade. A partir da livre vontade do<br />

homem dirigimo-nos para a liberdade em Deus - “Essa Vontade viva que<br />

resiste, quando tudo o que é aparente sofre abalo”. Observe que a pessoalidade<br />

necessita de ser acompanhada pela vida - a força da autoconsciência e<br />

autodeterminação necessita de ser acompanhada pela atividade - a fim de<br />

formar a nossa total idéia de Deus como Espírito. Só esta pessoalidade de<br />

Deus oferece o sentido próprio à condenação ou ao perdão da parte dele.<br />

Ill in g w o r t h , Divine and Human Personality, 1.25, mostra que o senso de<br />

pessoalidade tem tido um crescimento gradual; que o seu reconhecimento<br />

anterior ao cristianismo é imperfeito; que a sua definição final se deve<br />

ao cristianismo. Em 29-53, ele observa que a razão, o amor, e a vontade<br />

são características da pessoalidade. O bruto percebe; só o homem apercebe,<br />

/.e., reconhece que a sua percepção pertence a si mesmo. No conto alemão<br />

Dreiáuglein, uma criança com três olhos, tem, além dos seus dois olhos normais,<br />

um outro para ver o que os dois olhos fazem e, além da sua vontade<br />

natural, tem uma vontade adicional para determinar se aquela estava certa.<br />

Sobre a consciência e a autoconsciência, ver S h e d d , Dogm. Theol., 1.179-189<br />

- “Na consciência do objeto acha-se outra substância além do sujeito; mas na<br />

autoconsciência o objeto é a mesma substância que o sujeito”. T e n n y s o n , em<br />

seu Palace ofArt, fala das “profundezas abissais da personalidade”. Não nos<br />

conhecemos, nem ainda a nossa relação com Deus. Mas a consciência divina<br />

abrange todo o conteúdo do ser divino: “o Espírito penetra todas as coisas,<br />

até mesmo as profundezas de Deus” (1 Co. 2.10).<br />

Não somos plenamente senhores de nós mesmos. Nossa autodeterminação<br />

é tão limitada como a nossa autoconsciência. Mas a vontade divina abso-


3 7 8 Augustus Hopkins Strong<br />

lutamente não tem embaraço; a atividade de Deus é constante, intensa e<br />

infinita; Jó 23.13 - “o que a sua alma quiser isso fará”; Jo. 5.17 - “Meu Pai<br />

trabalha até agora e eu trabalho também”. O conhecimento próprio e o<br />

senhorio próprio são a dignidade do homem; também são a dignidade de<br />

Deus; Tennyson: “A auto-reverência, o autoconhecimento, o autocontrole,<br />

estes três conduzem a vida ao poder soberano”. Moberly, Atonement and<br />

Personatity, 6 ,1 6 1,2 1 6 -2 5 5 - “Talvez a raiz da pessoalidade seja a capacidade<br />

para o sentimento”. ... “Nossa personalidade é incompleta; raciocinamos<br />

apenas com o auxílio de Deus; nosso amor vence no mais elevado Amor; só<br />

quando Deus opera em nós é que vamos querer e agir; para nos tornarmos<br />

verdadeiramente nós mesmos necessitamos de uma Pessoalidade que<br />

suplemente e dê energia à nossa (pessoalidade); somos completos somente<br />

em Cristo (Cl. 2.9,10 - “Nele habita toda a plenitude da divindade, e nele<br />

estais perfeitos”.<br />

W ebb , em Idéia da Personalidade aplicada a Deus, no Jour. Theol. Studies,<br />

2.50 - “O eu conhece a si mesmo e aquilo que em si mesmo não é como dois<br />

porque ambos são igualmente envolvidos dentro da unidade da sua experiência,<br />

sobressaem diante da própria essência dessa racionalidade ou pessoalidade<br />

que nos distingue dos animais inferiores. Achamos esse cenário, Deus,<br />

presente em nós, ou, ao invés disso, achamo-nos presentes nesse cenário.<br />

Mas, se eu me acho presente nele, então ele, como é mais completo, é simplesmente<br />

mais pessoal do que eu. O nosso não eu está fora de nós, de sorte<br />

que somos finitos e solitários, mas o não eu divino está dentro dele, de modo<br />

que há uma inferioridade mútua do amor e discernimento de que a mais perfeita<br />

comunhão entre os homens é apenas um fraco símbolo. Nós somos<br />

‘espíritos eremitas’, no dizer de K e b le e nos unimos aos outros realizando<br />

nossa união com Deus. A pessoalidade não é impenetrável no homem, porque<br />

‘nele vivemos, nos movemos e existimos’ (At. 17.28) e ‘nele estava a<br />

vida’ (Jo. 1.3,4)”. Palmer, Theologic Definition, 39 - “Aquilo que tem a sua<br />

causa sem ele próprio é uma coisa, enquanto aquilo que tem a sua causa em<br />

si mesmo é uma pessoa”.<br />

Segunda Divisão - Infinitude e os atributos envolvidos por ela<br />

Infinitude não significa que a natureza divina não tem limites ou fronteiras<br />

conhecidos, mas que não tem nenhum limite ou fronteira. Aquilo que simplesmente<br />

não tem limites é indefinido. A inifinitude de Deus implica que ele não<br />

tem nenhum caminho limitado pelo universo ou confinado ao universo; ele é<br />

tanto transcendente como imanente. Contudo, não se deve conceber a transcendência<br />

sim plesmente como liberdade de restrições espaciais, porém, ao<br />

invés disso, como recurso ilimitado de que a glória de Deus é expressão.<br />

SI. 145.3 - “a sua grandeza é insondável”; Jó 11.7-9 - “como as alturas<br />

dos céus ... mais profunda do que o inferno”; Is. 66.1 - “O céu é o meu trono<br />

e a terra o escabelo dos meus pés”; 1 Re. 8.27 - “O céu e o céu dos céus te<br />

não poderiam conter”; Rm. 11.33 - “Quão insondáveis são os teus juízos e


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 7 9<br />

quão inescrutáveis os teus caminhos”. Não pode haver nenhum número infinito,<br />

visto que a qualquer número que se pode atribuir pode-se acrescentar<br />

uma unidade, o que mostra que esse número não era anteriormente infinito.<br />

Não pode haver nenhum número infinito no universo porque só se concebe<br />

um universo infinito como um número infinito de mundos ou de mentes.<br />

O próprio Deus é o único verdadeiro Infinito e o universo é apenas a expressão<br />

ou símbolo da sua grandeza.<br />

Por isso objetamos a afirmação de L o t z e , Microcosm, 1.446 - “O sistema<br />

completo, apanhado em sua totalidade, oferece uma expressão da sua natureza<br />

inteira.... A causa faz da existência verdadeira a sua manifestação completa”.<br />

De igual modo, S c h u r m a n , Belief in God, 26, 173-178, admite a infinitude,<br />

mas nega a transcendência: “O Espírito infinito pode incluir o finito, como<br />

a idéia de um organismo simples abarca dentro de uma simples vida uma<br />

pluralidade de membros e funções. ... O mundo é a expressão de uma vontade<br />

sempre ativa e inesgotável. A ciência torna muito provável que a manifestação<br />

exterior seja tão ilimitada como a vida que ela expressa. Aconteça o<br />

que acontecer, não temos a mínima razão para contrastar a infinitude do mundo<br />

com a infinitude de Deus. ... Se a ordem natural é eterna e infinita, como<br />

parece não haver razão para duvidar, será difícil achar um sentido para ‘além’<br />

ou ‘aquém’. Deus é a base interna ou substância deste universo ilimitado e<br />

sempre existente. Não há nenhuma evidência, nem se requer de nós qualquer<br />

necessidade religiosa de crermos que o Ser divino manifesto no universo<br />

tenha existência real ou possível em outra parte, em alguma esfera transcendental.<br />

... A vontade divina pode expressar-se só como o faz, porque<br />

nenhuma outra expressão revelaria o que ela é. O universo é a eterna expressão<br />

dessa vontade”.<br />

Em explicação do term o infinitude, podemos notar:<br />

d) Que a infinitude só pode pertencer a um Ser e, portanto, não pode ser<br />

repartida com o universo. Infinitude não é um a idéia negativa, mas positiva.<br />

Não surge da falta de poder do pensamento, mas é um a convicção que constitui<br />

a base de todos os outros conhecimentos.<br />

Ver P o r t e r , Human Intellect, 651, 652 e, neste Compêndio, pags 59-62.<br />

Versus M a n s e l, Proleg. Logica, cap. 1 - “Tais noções negativas ... implicam<br />

de uma só vez uma tentativa de pensar e deixar fazer essa tentativa”.<br />

Do contrário, a concepção do Infinito é perfeitamente distinguível da do finito<br />

e é tanto necessária como logicamente antecede à do finito. Isto não é verdade<br />

a respeito da nossa idéia do universo, do qual tudo o que conhecemos é<br />

finito e dependente. Por isso consideramos tais pronunciamentos de Lotze e<br />

Schurman mencionados acima e os de C h a m b a r il e C a ir d abaixo como tendência<br />

panteísta, apesar de que a crença destes escritores na pessoalidade<br />

divina e humana os poupa de cair em outros erros do panteísmo.<br />

P r o f. T. C. C h a m b e r lin da Universidade de Chicago: “Não basta ao pensamento<br />

científico moderno pensar num Governante fora do universo nem em<br />

um universo com Governante fora. O supremo Ser que não abrange todas


3 8 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

atividades e possibilidades e potências do universo parece algo menor que o<br />

mais supremo Ser, e um universo com um Governante fora parece aigo<br />

menor que o universo. Por isso o pensamento cresce na mente dos pensadores<br />

científicos que o supremo Ser é universal, abarcando e compreendendo<br />

todas as coisas”. C a ir d , Evolution of Religion, 2.62 - “Se a religião quer continuar<br />

a existir, deve combinar a idéia monoteísta com a que freqüentemente<br />

tem considerado seu maior inimigo, o espírito do panteísmo”. Em resposta,<br />

admitimos que a religião deve aceitar o elemento de verdade no panteísmo, a<br />

saber, que Deus é a única substância, base e princípio do ser, mas consideramo-lo<br />

fatal à religião ao lado do panteísmo na sua negação da transcendência<br />

e pessoalidade de Deus.<br />

b) Que a infinitude de Deus não envolve sua identidade com ‘o todo’, ou a<br />

soma da existência, nem im pede a coexistência dos seres derivados e finitos<br />

com que se relaciona. Infinitude im plica sim plesm ente que Deus não existe<br />

em nenhum a relação necessária com as coisas ou seres finitos e que, qualquer<br />

que seja a limitação dos resultados da natureza divina a partir da sua existência,<br />

é, da parte de Deus, um a autolimitação.<br />

SI. 113.5,6 - “que se curva para ver o que está nos céus e na terra”.<br />

A infinitude de Deus implica que não deve haver nenhuma barreira na sua<br />

autolimitação na criação e na redenção (ver p. 9 F ). J a c o b B o e h m e diz: “Deus<br />

é infinito porque Deus é tudo”. Mas isto faz de Deus toda a imperfeição. H a r r is,<br />

Philos. Basis Theism: “A relação do absoluto para com o infinito não é a<br />

matemática do todo para as partes, mas a dinâmica e racional”. S h e d d , Dogm.<br />

Theol., 1.189-191 - “Infinito não é total; o ‘todo’ é um pseudo infinito e, afirmar<br />

que é maior que o simples infinito é o mesmo erro que se comete na matemática<br />

quando se afirma que um número infinito mais um grande número finito<br />

é maior do que o simples infinito”. F u l l e r t o n , Conception of the Infinite, 90 -<br />

“O infinito, embora envolva possibilidade de quantidade ilimitada, não é em si<br />

mesmo uma concepção quantitativa mas qualitativa”. H o v e y , Studies of Ethics<br />

and Religion, 39-47 - “Qualquer número de seres finitos, mentes, amor, vontade,<br />

não pode revelar a plenitude de um Ser, Mente, Amor, Vontade. Deus<br />

deve ser transcendente, assim como imanente no universo ou ele nem é infinito<br />

nem objeto de suprema adoração”.<br />

C la r k e, Christian Theology, 117 - “Por maior que seja o universo, Deus<br />

não se limita a ele, que é totalmente absorvido por aquilo que ele está fazendo,<br />

e não é capaz de fazer mais. Deus no universo não é como a vida da<br />

árvore na árvore, que faz tudo o que é capaz tornando-a a árvore que ela é.<br />

Deus no universo tem mais semelhança com espírito do homem no seu corpo,<br />

o qual é maior do que este, capaz de dirigi-lo e de exercer as atividades<br />

em que o corpo não tem participação. Deus é espírito livre, pessoal, dirigido<br />

por si mesmo, e cujas atividades presentes não o exaurem”. O poeta persa<br />

estava certo quando dizia: “O mundo é um botão de flor do seu arco de beleza;<br />

o sol é uma centelha de luz da sua sabedoria; o céu é uma bolha no mar<br />

da sua força”. F a b e r : “Para a grandeza que é infinita, o descanso abre espaço


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 381<br />

para todas as coisas em sua volta. Seriamos esmagados por uma curta magnificência<br />

da infinitude. Partilhamos daquilo que é infinito; pertence-nos porque<br />

nós e ela somos Teus. O que aproveito, ó grande Deus, através do que é teu<br />

por direito, é mais do que sem dúvida meu”.<br />

c) Que se deve conceber a infinitude de Deus de modo intensivo em vez de<br />

extensivo. Não atribuímos a Deus extensão infinita, mas energia de vida espiritual<br />

infinita. A que age até a m edida de seu poder é simplesmente força<br />

natural ou física. O hom em se ergue acima da natureza em virtude de suas<br />

reservas de poder. Mas em Deus a reserva é infinita. Há nele um elemento<br />

transcendente que não esgota nenhum a auto-revelação quer na criação ou<br />

redenção, quer na lei ou promessa.<br />

A transcendência não é mera exteriorização; é um suprimento interior ilimitado.<br />

Deus não é infinito em virtude de existir “extra flammantia moenia<br />

mundi (enchimento fora das muralhas do mundo” (L u c r é c io ) ou o enchimento<br />

de um espaço fora do espaço; ele é mais infinito por ser a Mente pura<br />

e perfeita que vai além de todos os fenômenos e constitui a base deles.<br />

Tal concepção do infinito é apenas supracósmica; esta é tão somente transcendente.<br />

A vida de Deus “opera sem desgaste”. A legenda estampada com<br />

as Colunas de Hércules nas moedas da Espanha é Ne plus ultra - “Nada<br />

mais além”, mas, quando Colombo descobriu a América, a legenda mudou<br />

com propriedade para Plus ultra - “Mais além”. De igual modo o lema da<br />

Universidade de Rochester é Meliora - “Coisas melhores”.<br />

Visto que os infinitos recursos de Deus empenham-se em nosso auxílio,<br />

podemos, como nos determina Emerson, “puxar o nosso carro na direção de<br />

uma estrela”, e crer no progresso. T e n n y s o n , Locksley Hall: Homens, meus<br />

irmãos, homens trabalhadores, sempre colhendo alguma coisa nova, para<br />

que não façam apenas as coisas para que sejam feitas”. O Angelus de M illet<br />

dá testemunho da necessidade que o homem tem da transcendência de Deus.<br />

O objetivo de M ille t era pintar, não o ar, mas a oração. Necessitamos de um<br />

Deus que não esteja confinado à natureza. Como Moisés no começo do seu<br />

ministério clamou, “Rogo-te que me mostres atua glória” (Ex. 33.18), do mesmo<br />

modo necessitamos de experiências marcantes no início da vida cristã<br />

para que possamos ser testemunhas vivas do sobrenatural. E o nosso<br />

Senhor promete tais manifestações dele mesmo: Jo. 14.21 - “Eu o amarei e<br />

me manifestarei a ele”.<br />

SI. 71.15 - “A minha boca relatará as bênçãos da tua justiça e da tua<br />

salvação todo o dia, posto que não conheça o seu número” = infinito. SI. 89.2<br />

- “a tua benignidade será edificada para sempre” = sempre crescentes manifestações<br />

e ciclos de cumprimento - primeiro literal e depois espiritual.<br />

SI. 113.4-6 - “Exaltado está o Senhor, acima de todas as nações, e a sua<br />

glória sobre os céus. Quem é como o Senhor, nosso Deus, que habita nas<br />

alturas; que se curva para ver o que está nos céus e na terra”? Ml. 2 .1 5 - “Não<br />

fez ele somente um, sobejando-lhe espírito”? = ele podia ter criado muitas<br />

esposas para Adão, mas ele criou apenas uma. Neste “sobejando-lhe espírito”,


3 8 2 Augustus Hopkins Strong<br />

diz C aldwell, Cities of our Faith, 370, “ainda está latente - como o vento<br />

calmo no ar de um verão meridiano, como o imenso calor fica frio e escondido<br />

nas montanhas de carvão - a bênção e a vida das nações, a infinita amplitude<br />

de Sião”.<br />

Is. 52.10 - “O Senhor desnudou o seu santo braço” = a natureza não<br />

esgota nem sepulta Deus; a natureza é a manta em que ele normalmente se<br />

revela; mas ele não está agrilhoado pela roupa que usa - ele pode lançá-la<br />

de lado e desnudar o seu braço nas interposições providenciais de pronunciamentos<br />

terrenos e nos poderosos movimentos da história com vistas à<br />

salvação dos pecadores e o estabelecimento do seu reino. Ver também Jo.<br />

1 . 1 6 - “nós recebemos também da sua plenitude graça sobre graça” = “Cada<br />

bênção tornou-se o fundamento de uma bênção maior. Ter realizado e usado<br />

uma medida da graça é ter ganho maior medida em trocar x á p iv àv-ci x á p u o ç ;<br />

é o que se encontra em W e s t c o t t , Bib. Com., in loco. Cristo pôde dizer ao<br />

crente como disse a Natanaei (Jo. 1.50) “Coisas maiores do que estas verás”.<br />

Porque Deus é infinito, pode amar cada crente como se aquela simples<br />

alma fosse a única que ele teria de cuidar. Tanto na providência como na<br />

redenção o coração inteiro de Deus está envolvido com planos do interesse<br />

e felicidade de um coração. As ameaças não revelam a metade de Deus,<br />

nem as suas promessas expressam a metade do “peso da eterna glória”<br />

(2 Co. 4.17). Dante, Paradiso, 19.40-63 - Deus “não podia escrever a impressão<br />

do seu poder, mas a sua palavra ainda fica a uma distância infinita”.<br />

“Duvidar do Santo de Israel” (SI. 78.41) é falsidade e pecado.<br />

Este atributo da infinitude, ou da transcendência, qualifica todos os outros<br />

atributos e consequentemente é o fundamento das representações da majestade<br />

e da glória pertencentes a Deus (verEx. 33.18; SI. 19.1; Mt. 6.13; At. 7.2;<br />

Rm. 1.23; Hb. 1.3; 1 Pe. 4.14; Ap. 21.23). A glória não é em si mesma um<br />

atributo divino; é um resultado - objetivo - do exercício dos atributos divinos.<br />

A glória existe independentemente da revelação e do seu reconhecimento na<br />

criação (Jo. 17.5). Só Deus pode perceber e revelar a sua própria glória. Tudo<br />

ele faz para a sua glória. Todas as religiões fundamentam-se na glória de<br />

Deus. Toda adoração é o resultado desta qualidade imanente da natureza<br />

divina. K edney, Christian Doctrine, 1.360-373, 2.354, parece conceber a glória<br />

divina como um ambiente material de Deus do qual o universo foi formado.<br />

Isto parece contradizer tanto a espiritualidade como a infinitude de Deus.<br />

Tal infinitude implica plenitude absoluta independente de qualquer coisa exterior<br />

a ele. Por isso consideraremos, a seguir, os atributos que a infinitude<br />

envolve.<br />

Dos atributos que a infinitude envolve mencionamos:<br />

1. Existência própria<br />

Auto-existência é:<br />

d) Deus é causa sui, e sua existência baseia-se em si mesmo. Cada ser deve<br />

basear sua existência em si ou fora de si. Temos a base da nossa existência


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 8 3<br />

fora de nós. Deus não é dependente. Ele é a se\ por isso falamos da asseidade<br />

ie Deus.<br />

A existência própria de Deus está implicada no nome “Yahweh” (Ex. 6.3) e<br />

na declaração “EU SOU O QUE SOU” (Ex. 3.14); ambos significam que ser<br />

faz parte da natureza de Deus. A existência própria, sem dúvida, nos é incompreensível,<br />

apesar de que uma pessoa com existência própria não é um mistério<br />

maior do que uma coisa com existência própria, como Herbert Spencer<br />

supõe ser o universo; na verdade, o mistério não é tão grande, pois é mais<br />

fácil derivar a matéria da mente do que a mente da matéria. Johannes Ange-<br />

lus Silesius: “Gott ist das war Er ist; Ich was lch durch Ihn bin; Doch kennst du<br />

Einen wohl so kennst du mich und Ihn”. M a r t in e a u , Types, 1.302 - “Uma causa<br />

pode ser eterna, mas nada que seja causado o pode ser”. Ele protesta contra<br />

a expressão "causa suí'. Assim S h e d d , Dogm. Theoi, 1.338, faz objeção à<br />

expressão “Deus é a sua própria causa”, porque Deus é um Ser não causado.<br />

Mas quando falamos em Deus como “causa suí', não lhe atribuímos começo<br />

de existência. Ao invés disso a expressão significa que a base da sua existência<br />

não é exterior a ele mesmo, mas que ele mesmo é a fonte viva de toda<br />

energia e de todo o ser.<br />

Mas, para que isto não seja mal construído, acrescentamos:<br />

b) Deus existe pela necessidade de seu próprio ser. E sua natureza ser.<br />

Por isso a natureza de Deus não é contingente, m as necessária. Baseia-se, não<br />

na sua vontade, mas na sua natureza.<br />

J u liu s M ü l l e r , Doctrine of Sin., 2 .12 6 ,13 0 ,17 0 , parece sustentar que Deus<br />

é em primeiro lugar vontade, de sorte que a essência de Deus é o seu ato:<br />

“A essência de Deus não precede a sua liberdade”; “se a essência de Deus<br />

lhe fosse dada, presente, não haveria possibilidade de esquivar-se à pergunta<br />

‘a partir de onde se deu?’; a essência de Deus nesse caso deve ter sua<br />

origem em algo independente dele e, deste modo, a verdadeira concepção<br />

de Deus desapareceria inteiramente”. Mas isto implica que a verdade, a<br />

razão, o amor, a santidade, igualmente essência de Deus, são todos eles<br />

produto da sua vontade. Contudo, se a essência de Deus fosse o seu ato,<br />

Deus teria o poder de aniquilar-se. Agir pressupõe essência; se não, Deus<br />

não agiria. A vontade através da qual Deus existe e em virtude da qual ele é<br />

causa sui, portanto, não é vontade no sentido de volição, mas no sentido de<br />

que ele é o movimento total do seu ser ativo. Com o ponto de vista de M ü ller<br />

concordam T o m á s io e D e l it z s c h .<br />

A essência de Deus não é o seu ato, não só porque isto implicaria que<br />

ele poderia destruir-se a si mesmo, mas porque antes de querer existe o ser.<br />

Os que sustentam que a essência é simples atividade são impelidos a este<br />

ponto de vista pelo medo de postular alguma coisa morta em Deus que anteceda<br />

todo o exercício da faculdade. G. C. M il l e r , Evolution of Love, 43 -<br />

“A ação perfeita, consciente e volitiva é a mais elevada generalização, a última<br />

unidade, a natureza incondicionada do Ser infinito”; /'.e., a natureza de


3 8 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Deus é ação subjetiva, enquanto a natureza exterior é a ação objetiva. Melhor<br />

afirmação é a de B o w n e , Philos. of Theism, 170 - “Enquanto há uma necessidade<br />

na alma, ela só se torna controladora através da liberdade; e podemos<br />

dizer que cada um deve constituir-se uma alma racional. ... “Esta é uma verdade<br />

absoluta a respeito de Deus”.<br />

2. Imutabilidade<br />

Significa que a natureza, os atributos e a vontade de Deus são isentos de<br />

toda mudança. A razão nos ensina que em Deus não é possível nenhuma<br />

mudança, quer de aumento quer de diminuição, progresso ou regresso, contração<br />

ou ampliação. Toda a m udança deve ser para m elhor ou para pior.<br />

M as Deus é perfeição absoluta e não é possível nenhum a m udança para<br />

melhor. Igualmente inconsistente com a perfeição é a mudança para pior. Não<br />

há nenhum a causa para tal m udança de Deus quer exterior quer interior ou no<br />

próprio Deus.<br />

SI. 102.27 - “tu és o mesmo”; Ml. 3.6 - “Eu, o Senhor, não mudo”; Tg. 1.17<br />

- “em quem não há mudança nem sombra de variação”. B o w n e, Philos. of Theism,<br />

146, define a imutabilidade como “a constância e continuidade da natureza divina<br />

que existe através de todos os atos divinos como sua lei e fonte”.<br />

As passagens da Escritura que parecem à prim eira vista atribuir mudança<br />

em Deus devem ser explicadas de um a das três formas:<br />

a) Como ilustração dos variados métodos através dos quais Deus manifesta<br />

sua imutável verdade e sabedoria na criação.<br />

Os princípios matemáticos ganham nova aplicação em cada estágio<br />

sucessivo da criação. A lei da coesão dá lugar à lei da química e a química às<br />

forças vitais, mas através de todas estas mudanças há uma verdade divina e<br />

uma sabedoria que não muda e que reduz tudo à ordem racional. J o hn C a ir d ,<br />

Fund. Ideas of Christianity, 2.140 - “Imutabilidade não é mesmice, mas<br />

impossibilidade de desvio por um fio de cabelo do curso, que é o melhor.<br />

O homem de grande força de caráter está continuamente achando novas<br />

ocasiões para a manifestação e aplicação do princípio moral. Em Deus a<br />

consistência infinita se une à flexibilidade infinita. Não há nenhuma impassi-<br />

bilidade infinita com férreos limites, mas uma originalidade infinita nele”.<br />

b) Como representações antropom órficas da revelação dos imutáveis atributos<br />

de Deus nas mutáveis circunstâncias e variadas condições morais das<br />

criaturas.<br />

Gn. 6.6 - “arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem” - deve ser<br />

interpretado à luz de Nm. 23.19 - Deus não é homem para que minta, nem


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 385<br />

filho do homem para que se arrependa”. Do mesmo modo cf. 1 Sm. 15.11 com<br />

15.29. A imutável santidade de Deus requer que ele trate o ímpio de modo<br />

diferente do justo. Quando o justo se torna ímpio, o seu tratamento para com<br />

ele deve mudar. O sol não é inconstante ou parcial porque derrete a cera,<br />

mas endurece o barro; a mudança não está no sol, mas nos objetos sobre os<br />

quais ele brilha. Descreve-se de um modo antropomórfico a mudança no tratamento<br />

divino para com o homem, como se a mudança se operasse em<br />

Deus; outras passagens em conjunção perfeita com a primeira que foi dada<br />

para corrigir qualquer possível falsa interpretação. As ameaças não cumpridas,<br />

como em Jn 3.4,10 devem ser explicadas através da sua natureza condicional.<br />

Daí a própria imutabilidade de Deus torna certo que o seu amor se<br />

adapta a cada modo variante ou condição dos seus filhos, na direção dos<br />

passos deles, a simpatia para com as suas mágoas, respostas às suas orações.<br />

Deus responde mais rapidamente que o rosto materno se muda diante<br />

do seu bebê. G o d e t , em The Atonement, 338 - “Deus é, dentre todos os seres<br />

o mais delicada e infinitamente sensível”.<br />

A imutabilidade de Deus não é a da pedra, que não tem experiência interna,<br />

mas como a da coluna de mercúrio, que sobe e desce a cada mudança de<br />

temperatura na atmosfera ambiente. Quando o homem anda na bicicleta contra<br />

o vento em torno dele e vai com o vento em vez de ir contra ele, parece<br />

que o vento muda, apesar de que está soprando exatamente como antes.<br />

O pecador que luta contra o vento da graça preveniente até parece lutar contra<br />

um muro de pedra. A regeneração é uma conquista da nossa vontade por<br />

Deus através do seu poder e a conversão é a alteração e obra com Deus ao<br />

invés de contra Deus. É então que nos movemos sem esforço porque temos<br />

Deus à nossa retaguarda; Fp. 2.12, 13 - “Operai a vossa salvação ... porque<br />

é Deus quem opera em vós”. Deus não mudou; nós é que mudamos; Jo. 3.8<br />

- “O vento sopra onde quer... assim é todo aquele que é nascido do Espírito”.<br />

A primeira luta de Jacó com o anjo é um quadro da vontade própria da sua<br />

vida, em oposição a Deus; sua subseqüente luta em oração é o quadro de<br />

uma vontade consagrada, operando com Deus (Gn. 32.24-28). A impressão<br />

que se tem é que conquistamos Deus, mas a realidade é que Deus nos conquista.<br />

Tem-se a impressão de que Deus muda, mas nós é que mudamos.<br />

c) Como descrevendo, no tempo, execuções dos propósitos existentes na<br />

m ente de Deus. Não se deve confundir im utabilidade com imobilidade. Isto<br />

negaria toda a vontade im perativa de Deus através da qual ele entra na história.<br />

As Escrituras garantem-nos que a criação, os milagres, a encarnação, a<br />

regeneração são atos imediatos de Deus. A im utabilidade é consistente com a<br />

atividade constante e a liberdade perfeita.<br />

A abolição da dispensação mosaica não indica mudança no plano de Deus;<br />

ao invés disso é a execução do seu plano. A vinda e a obra de Cristo não<br />

foram um súbito expediente paliativo, para remediar falhas imprevistas no<br />

esquema do Velho Testamento: ao invés disto, Cristo veio na “plenitude dos<br />

tempos” (Gl. 4.4) para cumprir o “conselho” de Deus (At. 2.23). Gn. 8.1 -


3 8 6 Augustus Hopkins Strong<br />

“lembrou-se Deus de Noé” = interpondo, através de um ato especial em favor<br />

do livramento de Noé, mostrou que ele se lembrava de Noé. Apesar de nós<br />

mudarmos, Deus não muda. Não há volubilidade ou inconstância nele. Onde<br />

nós o encontramos, continuamos ainda a encontrá-lo, como Jacó em Betei<br />

(Gn. 35.1,6,9). A imutabilidade é uma consolação para o fiel, mas um terror<br />

para os inimigos de Deus (Ml. 3.6 - “eu, o Senhor, não mudo; por isso, ó filhos<br />

de Jacó, não sois consumidos”; SI. 7.11 - “um Deus que se ira todos os dias”).<br />

Isto é consistente com a constante atividade na natureza e na graça (Jo. 5.17<br />

- “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também”; Jó 23.13,14 - “se ele<br />

resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? Porque ele cumprirá o que<br />

está ordenado e muitas coisas como estas ainda tem consigo”). Se a imutabilidade<br />

de Deus fosse imobilidade, não poderíamos adorá-lo como os gregos<br />

adoravam o Fado. A r th u r H u g h C l o u g h : “Fortifica a minha alma para saber<br />

que, apesar de que eu pereço, a verdade é esta: Ainda que eu me desvie e<br />

vagueie, faça eu o que fizer, tu não mudas. Apresso o passo quando iembro<br />

que, se escorregar, tu não cais”.<br />

3. Unidade<br />

Significa: a) que a natureza divina não é dividida e é indivisível (unus)\ e<br />

b) que há um só Espírito infinito e perfeito (unicus).<br />

Dt. 6.4 - “Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”; Is. 44.6<br />

- “fora de mim não há Deus”; Jo. 5.44 - “do Deus único”; 17.3 - “único Deus<br />

verdadeiro”; 1 Co. 8.4 - “não há outro Deus senão um só”; 1 Tm. 1.17 - “ao<br />

único Deus”; 6.15 - “e único Senhor”; Ef. 4.5,6 - “um só Senhor, uma só fé,<br />

um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos,<br />

e em todos”. Quando lemos M a s o n , Faith of the Gospet, 25 - “A unidade de<br />

Deus não é numérica, negando a existência de um segundo; é integral,<br />

negando a possibilidade de divisão”, respondemos que a unidade de Deus é<br />

ambos; inclui tanto elementos numéricos como integrais.<br />

H u m b o l d t, Cosmos, assinalou que a unidade e a atuação criativa do Pai<br />

celestial deu unidade à ordem da natureza e deste modo forneceu o impulso<br />

para a ciência física moderna. A nossa fé num “universo” apoia-se historicamente<br />

na demonstração da unidade de Deus dada pela encarnação e morte<br />

de Cristo. T e n n y s o n , In Memoriam: “Esse Deus que sempre vive e ama, Deus<br />

único, uma lei, um elemento, e distante do evento divino a que a criação toda<br />

se move”. A l e x a n d e r M c L a r e n : “Os pagãos têm muitos deuses e nenhum que<br />

satisfaça os famintos corações ou corresponda aos seus inconscientes<br />

ideais. A plenitude não é alcançada unindo fragmentos. O sábio mercador<br />

trocará alegremente um saco abarrotado de boas pérolas por uma de grande<br />

preço. Felizes os que desprezam muitas para adquirir Uma”!<br />

Contra o politeísmo, o triteísmo ou o dualism o argumentamos que a noção<br />

de dois ou mais deuses é autocontraditória; visto que um lim ita o outro e<br />

destrói sua divindade. N a natureza das coisas, a infinitude e perfeição absolutas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 8 7<br />

são possíveis só a um. É antifilosófico, contudo, adm itir a existência de dois<br />

ou mais deuses, já que um explica todos os fatos. A unidade de Deus, contudo,<br />

não é de modo algum inconsistente com a doutrina da Trindade; pois, enquanto<br />

esta doutrina sustenta a existência das distinções hipostáticas, ou pessoais<br />

na natureza divina, tam bém sustenta que esta natureza divina é numérica e<br />

eternamente uma.<br />

O politeísmo é uma tentativa de livrar-se da noção de responsabilidade<br />

para com um legislador moral e juiz, dividindo as suas manifestações e atribuindo-as<br />

a vontades separadas. Deste modo, a Força, na terminologia de<br />

alguns teoristas, é tão somente um Deus sem os seus atributos morais.<br />

“O henoteísmo”, diz M a x M ü l l e r , Orígin and Growth of Religion, 285, “concebe<br />

cada deus individualmente ilimitado pelo poder dos outros deuses. Sente-se<br />

cada um, no tempo, como supremo e absoluto, não obstante as limitações<br />

que, para as nossas mentes, surgem do seu poder condicionado ao poder de<br />

todos os deuses”.<br />

Mesmo o politeísmo não pode apoiar-se na doutrina dos muitos deuses<br />

como uma explicação do universo exclusiva e de total explicação do universo.<br />

Os gregos criam num Fado supremo que dirigia tanto os deuses como os<br />

homens. A r is t ó t e l e s : Deus, apesar de ser um, tem muitos nomes, porque ele<br />

é chamado segundo os estados nos quais ele está sempre se encontrando<br />

novamente. A doutrina da unidade de Deus deve ensinar o homem a abandonar<br />

a esperança em qualquer outro Deus, que se revele a eles ou os salve.<br />

Eles estão nas mãos de um só Deus e, por isso, há uma só lei, um evangelho,<br />

uma salvação; uma doutrina, um dever, um destino. Não podemos nos livrar<br />

da responsabilidade chamando-nos de mero amontoado de impressões ou<br />

meras vítimas das circunstâncias. Como Deus é um, assim a alma feita à<br />

imagem de Deus também é uma.<br />

M o b e r l y, Atonement and Personality, 83 - “O Alfa e o Ômega, o começo e<br />

o fim e a súmula e o sentido do Ser, é apenas Um. Nós, que cremos num<br />

Deus pessoal, não cremos num Deus limitado. Não queremos dizer mais um,<br />

um tipo maior de existência entre as existências. Em vez disso, queremos<br />

dizer que a realidade da existência em si mesma é pessoal: esse Poder, essa<br />

Lei, essa Vida, esse Amor, por fim, em sua realidade, identificado como um<br />

supremo e, de um modo necessário, é uma existência pessoal. Ora, esse Ser<br />

supremo não é múltiplo: é incapaz de pluralizar-se: não pode ser um termo<br />

genérico. Não pode haver mais do que um de alcance total, mais do que um<br />

último, mais do que um Deus. O pensamento cristão não tem, em qualquer<br />

ponto, ou qualquer momento ousado ou suportado a mínima abordagem a tal<br />

pensamento ou expressão como esta: ‘dois Deuses’. Se o Pai é Deus e o<br />

Filho é Deus, eles são integralmente o mesmo Deus, sem reservas. A palavra<br />

Deus é um termo particular, único e geral. Cada um não só é Deus, mas é o<br />

mesmo ‘singularis unicus et totus Deus’. Eles não são dois genericamente<br />

Deuses, apesar de que a palavra ‘Deus’ pode ser um atributo ou um predica-<br />

tivo; mas ambos identicamente Deus, o Deus, de total alcance, indivisível. ...<br />

Se o pensamento que deseja ser ortodoxo tivesse menos tendência de tornar-se<br />

triteísta, o pensamento que reivindica ser livre seria menos unitário”.


3 8 8 Augustus Hopkins Strong<br />

Terceira Divisão - Perfeição e os atributos p o r ela envolvidos<br />

Perfeição não é simples plenitude quantitativa, mas excelência qualitativa.<br />

Os atributos que a perfeição envolve são morais. A ação correta entre os<br />

homens pressupõe um a organização moral perfeita, um estado normal do intelecto,<br />

do sentimento e da vontade. Assim a atividade de Deus pressupõe um<br />

princípio de inteligência, sentimento e vontade em seu mais íntimo ser e a<br />

existência de um objeto digno de cada um a destas forças da sua natureza. Mas<br />

no passado da eternidade nada há que exista fora ou separado de Deus. Ele<br />

deve achar, e acha mesmo o suficiente objetivo do intelecto, do sentimento e<br />

da vontade em si mesmo. Há um conhecim ento próprio, um amor próprio e<br />

um a vontade própria que constituem sua perfeição absoluta. Conclui-se com<br />

propriedade a consideração dos atributos imanentes, portanto, com o relato<br />

daquela verdade, amor e santidade que entendem Deus inteiramente suficiente<br />

a si mesmo.<br />

Mt. 5.48 - “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai, que está<br />

nos céus”; Rm. 12.2 - “perfeita vontade de Deus”; Cl. 1.28 - “perfeito em<br />

Cristo”; cf. Dt. 32.4 - “Rocha cuja obra é perfeita”; SI. 18.30 - “O caminho de<br />

Deus é perfeito”.<br />

1. Verdade<br />

E o atributo da natureza divina em virtude do qual o ser de Deus e o conhecimento<br />

de Deus conform am -se eternam ente um com o outro.<br />

Para maior explicação assinalamos;<br />

A) Negativamente:<br />

d) A verdade imanente de Deus não deve ser confundida com a veracidade<br />

e fidelidade que em parte a m anifestam às criaturas. Estas são verdades transitivas<br />

e pressupõe o atributo absoluto e imanente.<br />

Dt. 32.4 - “Deus é fidelidade e nele não há injustiça; é justo e reto”;<br />

Jo. 1 7 .3 - “conheçam a ti só por único Deus verdadeiro” (ccVneivóv); 1 Jo. 5.20<br />

- “conhecermos o que é verdadeiro” (tòv àA/neivóv). Nestas duas passagens<br />

àXrieivóç descreve Deus como o genuíno, o real, distinto de àVnefiç, o veraz<br />

(compare Jo. 6.32 - “o verdadeiro pão”; Hb. 8.2 - “o verdadeiro tabernáculo”).<br />

Jo. 14.6 - “Eu sou ... a verdade”. Como “Eu sou ... a vida” não significa “eu<br />

sou um ser vivente”, mas “eu sou aquele que é a vida e a fonte da vida", do<br />

mesmo modo “eu sou ... a verdade” não significa “eu sou o verdadeiro”, mas<br />

“eu sou aquele que é a verdade e a fonte da verdade”; a saber, a verdade do<br />

ser, não simplesmente a verdade da expressão.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 8 9<br />

Verdade é Deus perfeitamente revelado e conhecido. Pode assemelhar-<br />

se à corrente elétrica que manifesta e mede a força do dínamo. Não existe o<br />

reino da verdade sem a base do mundo, como não há lei da natureza sem o<br />

seu autor. Enquanto conhecemos a nós mesmos só em parte, Deus conhece<br />

a si mesmo totalmente. J o h n C a ir d , Fund. Ideas of Christianity, 1.192 -<br />

“Na vida de Deus não existem possibilidades não realizadas. A pressuposição<br />

de todo o nosso conhecimento e atividade é a absoluta e eterna unidade<br />

do conhecimento e do ser que é tão somente a outra expressão da natureza<br />

de Deus. Em certo sentido, ele é toda a realidade, enquanto toda a existência<br />

finita é apenas um tomar que nunca é”. L o w r ie , Doctrine of St. John, 57-63 -<br />

“Verdade é realidade revelada. Jesus é a verdade porque nele apresenta-se<br />

e revela-se ao mundo a súmula das qualidades ocultas em Deus; a natureza<br />

de Deus em termos de força e relacionada com a sua criação racional”.<br />

Contudo, esta definição ignora o fato de que Deus é verdade independente e<br />

anteriormente a toda a criação. Por ser um atributo imanente, a verdade<br />

implica uma conformidade do conhecimento de Deus com o ser de Deus, que<br />

antedata o universo.<br />

b) A verdade em Deus não é simplesmente um atributo da natureza divina.<br />

Deus é verdade, não só no sentido de que ele é o ser que verdadeiramente<br />

conhece, mas tam bém no sentido de que ele é a verdade conhecida. O passivo<br />

precede o ativo; a verdade do ser precede a verdade do conhecer.<br />

P l a t ã o : “Verdade é o seu corpo (de Deus), e a luz a sua sombra”. H o llaz<br />

(citado por T o m á s io , Christi Person und Werk, 1.137 diz que “verdade é conformidade<br />

da essência divina com o intelecto divino”. UerGERHARD, loc. ii. 152;<br />

K a h n is , Dogmatik, 2.272, 279; 3.193 - “Distinguir em Deus a consciência pessoal<br />

própria [espiritualidade, pessoalidade - ver páginas 252,253] a partir do<br />

desdobramento deste no conhecimento divino, que não pode ter nenhum outro<br />

objetivo senão o próprio Deus. Ora, como o conhecimento de Deus é absolutamente<br />

idêntico ao ser, é absolutamente verdadeiro. Porque a verdade é o<br />

conhecimento que responde ao seu ser e o ser que responde ao conhecimento”.<br />

R o y c e , World and Individual, 1.270 - “Verdade pode significar o que está<br />

em volta do que julgamos, ou pode significar a correspondência entre as nossas<br />

idéias e os seus objetivos. S rta. C la r a F r e n c h , The Dramatic Action and<br />

Motive of King John: “Você grafa a palavra Verdade com letra maiúscula, e faz<br />

dela uma existência independente a ser sondada e absorvida; mas, se a verdade<br />

não significar Deus, o que ela pode valer para o homem? É apenas uma<br />

pessoalidade que pode tocar uma pessoalidade”. Deste modo concordamos<br />

com a declaração do poeta, que diz: “A Verdade, esmagada na terra, ressurgirá”,<br />

porque só a verdade é pessoal. Cristo, o Revelador de Deus, é a Verdade.<br />

Ele não é tão somente um recurso, mas também o objeto de todo o<br />

conhecimento; Ef. 4.20 - “não aprendestes assim a Cristo” = conhecíeis mais<br />

do que a doutrina a respeito de Cristo; vós conhecíeis o próprio Cristo;<br />

Jo. 17.3 - “E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus<br />

verdadeiro e a Jesus Cristo a quem tu enviaste”.


3 9 0 Augustus Hopkins Strong<br />

B) Positivamente:<br />

a) Toda a verdade entre os homens, quer matemática, lógica, moral, quer<br />

religiosa, deve ser considerada como tendo seu fundamento nesta verdade<br />

im anente da natureza divina como os fatos revelados no ser divino.<br />

Há uma mente mais elevada do que a nossa. Nenhum apóstolo pode<br />

dizer “eu sou a verdade”, apesar de que cada um deles pode dizer “eu falo a<br />

verdade". A Verdade não é uma coisa científica ou moral, mas substancial -<br />

“nicht Schulsache, sondem Lebensache”. Eis aqui a dignidade da educação,<br />

que o conhecimento da verdade é o conhecimento de Deus. As leis da matemática<br />

nos são reveladas não simplesmente a partir da razão divina, porque<br />

isto implicaria a verdade fora e diante de Deus, mas da natureza divina. J. W.<br />

A. S tewart: “A ciência é possível porque Deus é científico”. Platão: “Deus<br />

geometriza”. Bowne: “Os céus são a matemática cristalizada”. A afirmação de<br />

que dois mais dois são quatro, ou de que se recomenda a verdade e condena-se<br />

o vício, expressa um princípio eterno no ser divino. As afirmações<br />

separadas da verdade são inexplicáveis sem a revelação total da verdade, e<br />

esta revelação total é inexplicável sem Aquele que é a verdade e que se<br />

revela deste modo. As lâmpadas elétricas separadas em nossas ruas são<br />

inexplicáveis sem a corrente elétrica que passa pelos fios, e esta corrente<br />

elétrica também é inexplicável sem o dínamo escondido cuja força ele expressa<br />

e dimensiona. As luzes da verdade separadas se devem à atuação realizadora<br />

da obra de Cristo, o Logos divino; Cristo é aquele revelador único do que<br />

habita “na luz inacessível; a quem nenhum dos homens viu, nem pode ver”<br />

(1 Tm. 6.16).<br />

P rof. W. E. W ebster começa as suas preleções “admitindo o Senhor<br />

Jesus Cristo e a tabuada de multiplicação”. Mas isto é uma tautologia, porque<br />

o Senhor Jesus Cristo, a Verdade, o único revelador de Deus, inclui a tábua<br />

de multiplicação. Assim também W endt, Teaching of Jesus, 1.257; 2.202, inadequadamente<br />

limita o escopo da revelação de Cristo quando sustenta que a<br />

verdade de Jesus não é a verdade que corresponde à realidade, mas, ao<br />

invés disso, à conduta reta que corresponde ao dever prescrito por Deus.<br />

“A graça e a verdade” (Jo. 1.17) significa o favor de Deus e a justiça que Deus<br />

aprova. É impossível entender Jesus sem eticamente ser semelhante a ele.<br />

Ele é o rei da verdade; nesta ele revela a justiça e encontra essa obediência<br />

a ela entre os homens. Este aspecto ético da verdade, replicaríamos, por ser<br />

importante, não exclui, mas, ao invés disso, requer como seu complemento e<br />

pressuposição esse outro aspecto da verdade como a realidade com a qual<br />

todo ser deve conformar-se e a conformidade de todo o ser com a referida<br />

realidade. Porque Cristo é a verdade de Deus, só somos bem sucedidos na<br />

busca da verdade quando o reconhecemos. “Todos caminhos conduzem a<br />

Roma” depende da direção que você toma. Siga um ponto da terra na direção<br />

do mar, e você só vai encontrar o oceano. Dando as costas a Cristo tudo o<br />

que se segue segundo a verdade conduz à névoa e às trevas. O homem ideal<br />

de Aristóteles era o “caçador da verdade”. Mas a verdade nunca pode ser<br />

encontrada separada do amor, nem aquele que não tem o amor pode discer-<br />

ni-la. “Porque a amorosa minhoca que está dentro do seu torrão não é mais


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 9 1<br />

divina que o deus sem amor” (Robert Browning). É por isso que Cristo diz:<br />

Jo. 18.37 - “Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.<br />

b) Portanto, este atributo constitui o princípio e garantia de toda a revelação<br />

enquanto m ostra a possibilidade de um a eterna autocontemplação divina<br />

independente de toda a criação. Isto se deve entender só à luz da doutrina da<br />

Trindade.<br />

Contudo, uma grande escola de filósofos se opôs a toda esta doutrina.<br />

Duns Scotus sustentava que a vontade de Deus fez tanto a verdade quanto a<br />

justiça. Descartes dizia que Deus não pode ter considerado não verdadeiro o<br />

fato de que todos os raios de um círculo são iguais. Lorde Bacon dizia que o<br />

pecado de Adão consistia em procurar o bem em si mesmo ao invés de contentar-se<br />

somente com o bem empírico. Whedon, On the Will, 316 - “A sabedoria<br />

e a santidade infinitas consistem eternamente nas volições de Deus e<br />

nos seus resultados”. Replicamos que, fazer a verdade e o bem simplesmente<br />

matéria da vontade, é negar que qualquer coisa seja verdadeira ou boa em<br />

si mesma. Se Deus pode fazer da verdade uma falsidade e da injustiça a<br />

justiça, então Deus é indiferente à verdade ou à falsidade, ao bem ou ao mal<br />

e, portanto, deixa de ser Deus. A verdade não é arbitrária; é matéria de ser; o<br />

ser de Deus. Não há nenhum princípio regulador do conhecimento que não<br />

seja também transcendental. Deus conhece e quer a verdade porque ele é a<br />

verdade. R obert Browning, A Soul’s Tragedy, 2 1 4 - “Se não fosse por Deus,<br />

penso eu, que esperança de verdade - Falar verdade, ouvir verdade - o que<br />

seria do Homem?” A vontade de Deus não faz a verdade, mas a verdade faz<br />

a vontade de Deus. O conhecimento perfeito de Deus na eternidade passada<br />

tem um objetivo: o próprio Deus. Ele é a verdade conhecida, assim como o<br />

verdadeiro conhecedor. Mas o objetivo perfeito deve ser pessoal. A doutrina<br />

da Trindade é complemento necessário à doutrina dos atributos. Shedd, Dogm.<br />

Theol., 1.183 - “A coluna de nuvem converte-se em coluna de fogo”.<br />

Sobre a questão se é justo enganar, ver Paine, Ethinic Trinities, 300-339.<br />

Platão diz que o emprego de tais medicamentos deve restringir-se aos médicos.<br />

Os governantes do estado podem mentir para o bom público, mas o povo<br />

particular não: “officiosum mendacium”. É melhor dizer que a mentira só é<br />

justificável onde a pessoa enganada, do mesmo modo que o animal selvagem,<br />

ou um criminoso, ou um inimigo na guerra, afastou-se da sociedade<br />

humana e privou-se do direito à verdade. Mesmo aí a mentira é uma triste<br />

necessidade que dá testemunho da condição dos negócios humanos. Com<br />

J ames Martineau, interrogado sobre que resposta ele daria se encontrasse um<br />

suposto assassino quando a verdade implicasse em morte, podemos dizer:<br />

“Acho que devo dizer uma inverdade e, depois disso, lamentar para sempre”.<br />

2. Amor<br />

Amor é o atributo da natureza divina em virtude do qual Deus é eternam ente<br />

movido à autocomunicação.


3 9 2 Augustus Hopkins Strong<br />

1 Jo. 4.8 - “Deus é amor”; 3.16 - “nisto conhecemos o amor: que Cristo<br />

deu a sua vida por nós”; Jo. 17.24 - “tu me hás amado antes da criação do<br />

mundo”; Rm. 15.30 - “pelo amor do Espírito”.<br />

Para mais explicações assinalamos:<br />

A) Negativamente:<br />

a) O am or im anente de Deus não deve ser confundido com misericórdia e<br />

bondade para com as criaturas. Estas são suas manifestações e devem ser denominadas<br />

amor transitivo.<br />

Tomásio, Christi Person und VJerk, 1.138, 139 - “A consideração de Deus<br />

pela felicidade das suas criaturas flui destes atributos autocomunicantes da<br />

sua natureza. No verdadeiro sentido da palavra, o amor é a viva boa vontade<br />

com impulsos de comunicação e união; autocomunicação (bonum communi-<br />

cavum sui); devoção que surge do ego num outro, para permear, encher, abençoar<br />

este outro consigo mesmo, e com este outro, como no eu do outro, a fim<br />

de que possua a si mesmo sem abandonar a si mesmo ou perder-se a si<br />

mesmo. Por isso, o amor só é possível entre pessoas e sempre pressupõe<br />

pessoalidade. Apenas como a Trindade tem o amor de Deus, amor absoluto;<br />

porque como Pai, Filho e Espírito Santo ele está em perfeita comunicação<br />

própria, devoção própria e comunhão consigo mesmo”. Juuus Müller, Doc. of<br />

Sin, 2 .1 3 6 - “Deus tem em si mesmo o eterno e inteiramente adequado objeto<br />

do seu amor, independentemente do seu relacionamento com o mundo”.<br />

Na mitologia grega, Eros é um dos mais velhos e ainda um dos mais jovens<br />

porque é um dos mais próximos dos deuses. Dante faz o mais velho dos anjos<br />

ser o mais jovem porque está mais próximo da fonte da vida. Em 1 Jo. 2.7, 8,<br />

“este mandamento antigo” do amor é sempre um “mandamento novo”, porque<br />

reflete este eterno atributo de Deus. C lara Elizabeth Ward: “Se eu pudesse<br />

reunir cada olhar de amor que cada criatura humana emprega e todos os<br />

olhares alegres da mãe, todos os olhares pesarosos que os mortais têm e<br />

misturasse com a graça do Unigênito de Deus, suponho que veria o rosto do<br />

Salvador”.<br />

b) O amor não é um atributo ético totalm ente inclusivo de Deus. Ele não<br />

inclui a verdade, nem a santidade.<br />

Ladd, Philosophy Conduct, 352, muito apropriadamente nega que a benevolência<br />

seja uma virtude toda inclusiva. A Justiça e a Verdade, assinala ele,<br />

não se reduzem à benevolência. Numa revisão da obra de Ladd em Bíblia<br />

Sacra, jan. 1903.185, C. H. Mead acrescenta: “Ele chegou à conclusão de que<br />

é impossível resolver todas as virtudes em geral no amor ou benevolência<br />

sem dar uma definição desta, que apresenta garantia e virtualmente anula o<br />

fim almejado ou deixa de reconhecer algumas virtudes que são tão genuínas<br />

como a própria benevolência. Particularmente argumenta-se que as virtudes


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 9 3<br />

da vontade (coragem, constância, temperança), e as virtudes do juízo (sabedoria,<br />

justeza, veracidade), não têm nenhum reconhecimento nesta tentativa<br />

de agrupar todas virtudes sob a do amor. ‘A unidade das virtudes se deve à<br />

da pessoalidade nas relações ativas e variadas com outras pessoas’ (361).<br />

Se benevolência significa querer felicidade para todos os homens, então ela<br />

se torna o bem último e aceita-se o eudemonismo como a verdadeira filosofia<br />

ética. Mas se, por outro lado, para evitar esta conclusão, a benevolência passa<br />

a significar desejar o mais elevado bem-estar para todos os homens, e<br />

concebe-se o mais elevado bem-estar como uma vida de virtude, então chegamos<br />

à conclusão inane de que a essência da virtude é querer que os<br />

homens sejam virtuosos”.<br />

c) Nem o amor de Deus é simples consideração pelo ser em geral sem<br />

relação com sua qualidade moral.<br />

J onathan Edwards, em seu tratado On the Nature of Virtue, define esta<br />

como relativa ao ser em geral. Considera que o amor de Deus, antes de nada,<br />

dirige-se a si mesmo compreendendo a maior quantidade do ser, e só secundariamente<br />

dirige-se às suas criaturas cuja quantidade é infinitesimal comparada<br />

com a dele. Respondemos, porém, que o ser, em geral, é uma coisa<br />

muitíssimo abstrata para provocar ou justificar o amor. Charles Hodge dizia,<br />

com verdade, que, se a obrigação é o primeiro dever do ser em geral, então<br />

não há mais virtude no amor de Deus do que no amor de Satã. Sustentamos<br />

que a virtude não deve consistir no amor pelo ser em geral, mas no amor aos<br />

bons, isto é, por Deus como santo. O amor não tem valor moral a não ser que<br />

esteja sobre um objetivo justo e que seja proporcional ao mérito desse objeto.<br />

“O amor ao ser em geral” torna a virtude uma coisa irracional porque não tem<br />

padrão de conduta. Ao invés disto, a virtude é o amor de Deus tão justo como<br />

a fonte da justiça.<br />

G. S. Lee, The Shadow-Cross, 38 - “Deus é amor e a lei é o meio como ele<br />

nos ama. Porém é verdade também que Deus é lei e o amor é o meio como<br />

ele nos governa”. Clarke, Christian Theology, 88 - “O amor é o desejo que<br />

Deus tem de dar de si, e deste modo dar todo o bem, às outras pessoas e<br />

adquiri-las para a sua própria comunhão espiritual”. A intenção de comunicar-<br />

se a si mesmo é a de comunicar santidade e este é o “terminus ad quem” da<br />

administração de Deus. Drummond, Ascent of Man, mostra que o amor começou<br />

com a primeira célula viva. A evolução não é um conto de guerra, mas<br />

uma história de amor. Passamos gradualmente do egocentrismo para o altruísmo.<br />

A evolução é o objeto da natureza e o altruísmo é o objeto da evolução.<br />

Homem = nutrição, olhando para as suas próprias coisas; a mulher = reprodução<br />

olhando para as coisas alheias. Mas a maior destas é o amor. Os mamíferos<br />

= as mães que, no fim e no ponto mais alto cuidam dos outros. Como a<br />

mãe dá do seu amor, assim o pai dá da sua justiça. A lei, outrora latente,<br />

agora se torna ativa. O pai produz um tipo de consciência naqueles que<br />

dependem dele. A natureza, como Rafael, retrata uma Sagrada Família”.<br />

J acob Boehme: “Lança o teu coração aberto, lança-o para fora. Porque, se<br />

tu não exercitares o teu coração e o amor dentro dele, sobre cada ser humano


3 9 4 Augustus Hopkins Strong<br />

que há no mundo, o teu amor próprio, o teu orgulho, a tua inveja, a tua aversão,<br />

a tua antipatia, ainda terão domínio sobre ti. ... No nome de Deus e na<br />

sua força, ama a cada ser humano. Ama a teu próximo como a ti mesmo e<br />

faze ao teu próximo o que tu fazes para ti. E faze-o já. Porque agora é o tempo<br />

aceitável e agora é o dia da salvação”. Estas são expressões escriturísticas e<br />

valiosas desde que interpretadas eticamente e entendidas tendo em vista<br />

inculcar o supremo dever de amar o Santo, de ser santo como ele é santo e<br />

procurar pôr todos os seres inteligentes em conformidade com a santidade<br />

daquele que é Santo.<br />

d) O amor de Deus não é sim plesmente um sentimento emocional procedente<br />

do sentido ou do impulso nem é m otivado por considerações utilitárias.<br />

Das duas palavras designativas de amor no N.T., cpiAéco se refere a uma<br />

afeição emocional que não é, e nem pode ser, uma ordem (Jo. 11.36 - “Vede<br />

como ele o amava!”) enquanto àyarcáco expressa uma afeição racional e<br />

benévola que brota de uma escolha deliberada (Jo. 3 .1 6 - Deus amou o mundo”;<br />

Mt. 19.19 - “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”; 5.44 - “Amai os<br />

vossos inimigos”). T h a y e r , N. T. Lex., 653 - àyanâv, “denota propriamente o<br />

amor fundamentado na admiração, na veneração, na estima, como no latim,<br />

diligere, estar bondosamente disposto para com alguém, querer bem a<br />

alguém; mas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 9 5<br />

direção de Deus, a qual flui para si mesmo. ... O cristianismo retifica os sentimentos,<br />

outrora excessivos, impulsivos, ímpios; dá-lhes objetivos dignos e<br />

imortais, regula a intensidade deles na devida proporção ao valor das coisas<br />

sobre as quais se apoia e ensina os verdadeiros métodos das suas manifestações.<br />

Na verdadeira religião, o amor forma uma co-participação com a<br />

razão. ... O amor de Deus não é uma torrente de emoção arbitrária, selvagem,<br />

apaixonada ... e tornamo-nos semelhantes a Deus, submetendo nossas<br />

emoções, simpatias, sentimentos ao domínio da razão e da consciência”.<br />

b) Porque o amor de Deus é racional, envolve um a subordinação do elemento<br />

emocional até um a lei mais elevada do que ele mesmo, a saber, o da<br />

verdade e santidade.<br />

Fp. 1.9 - “E peço isto: que o vosso amor aumente mais e mais em ciência<br />

e em todo o conhecimento”. O verdadeiro amor entre os seres humanos ilustra<br />

o amor de Deus. Ele se mistura com um ser amado ao invés de fazer do<br />

outro um apêndice de si. Busca o verdadeiro bem do ser amado, não simplesmente<br />

a recompensa ou vantagem. Seu objetivo é realizar a idéia divina no<br />

ser amado e, por isso, exercido por amor de Deus e no poder que Deus concede.<br />

Em conseqüência é um amor em razão da santidade. Deste modo o<br />

amor de Deus leva em conta os mais elevados interesses e faz um sacrifício<br />

infinito para garanti-los. A fim de salvar o mundo de pecadores, Deus “não<br />

poupou o seu próprio Filho, antes o entregou por todos nós” (Rm. 8.32) e “o<br />

Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is. 53.6). O amor exige<br />

uma regra ou padrão de regulamentação. Esta regra ou este padrão é a santidade<br />

de Deus. Mais uma vez vemos que o amor não pode incluir a santidade,<br />

porque está sujeito à lei desta. O amor só deseja o melhor para o objeto<br />

amado e o melhor é Deus. A regra áurea não nos determina dar o que os<br />

outros desejam, mas o que eles precisam: Rm. 1 5 .2 - “cada um de nós agrade<br />

ao seu próximo no que é bom para a edificação”.<br />

c) Portanto, o am or imanente de Deus requer e acha um perfeito padrão em<br />

sua própria santidade e objeto pessoal à im agem de suas próprias perfeições<br />

infinitas. Deve ser entendido só à luz da doutrina da Trindade.<br />

Como há uma Mente maior do que a nossa, do mesmo modo há um Coração<br />

maior do que o nosso. Deus não é apenas aquele que ama; ele é também<br />

o Amor que é amado. Há uma vida infinita de sensibilidade e de afeição em<br />

Deus. Deus tem sentimento e em grau infinito. Mas só sentimento não é amor.<br />

O amor não implica somente receber, mas dar; não somente emoção, mas<br />

entrega. Mostra-se assim o amor de Deus em sua doação eterna. Tg. 1.5 -<br />

“Deus que dá”, ou “Deus doador” (t o v S iS ó v t o ç ôeoíj) = doação não é um<br />

episódio no seu ser - dar é a sua natureza. E não só dar, mas dar a si mesmo.<br />

Isto acontece eternamente na comunicação de si mesmo na Trindade; isto<br />

ele faz transitivamente, e temporariamente ao entregar-se em nosso benefício<br />

na pessoa de Cristo, e a nós na pessoa do Espírito Santo.


3 9 6 Augustus Hopkins Strong<br />

J onathan Edwards, Essays on Trinity, (ed. G. P. Fisher), 79 - "O fato de que<br />

em João, Deus é am or m ostra que há m ais do que um a pessoa na divindade,<br />

pois m ostra que o am or é essencial e necessário à divindade, de sorte que a<br />

sua natureza consiste nela, o que leva a supor que há um objeto eterno e<br />

necessário, porque todo am or se relaciona com outro que é am ado. Para o<br />

apóstolo, am or significa algo além do que vulga rm e nte se cham a am or-pró-<br />

prio, que im propriam ente é cham ado am or e que é de natureza m uito diferente<br />

do sentim ento ou virtude do am o r de que o apóstolo está falando” . Q uando<br />

N ewman S mith, Christian Ethics, 226-239, considera o am or a prim eira carate-<br />

rística da auto-afirm ação e quando D orner, Christian Ethics, 73, faz da auto-<br />

afirm ação parte essencial do am or, estão violando o em prego lingüístico ao<br />

incluir sob a palavra am or o que ap ropriadam ente pertence à santidade.<br />

d) O am or imanente de Deus constitui a base da bem -aventurança divina.<br />

Porque há um objetivo do am or infinito e perfeito assim como do conhecimento<br />

e vontade na natureza a existência do universo não é necessária à sua<br />

serenidade e alegria.<br />

A bem-aventurança não é por si mesma um atributo divino; ao invés disto<br />

é o resultado do exercício dos atributos divinos. É um resultado subjetivo<br />

deste exercício do mesmo modo em que a glória é um resultado objetivo.<br />

As faculdades perfeitas com os objetos perfeitos para o seu exercício garantem<br />

a felicidade de Deus. Entretanto, o amor é de um modo especial a sua<br />

fonte. At. 20.35 - “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber”. Felicidade<br />

(ingl. happiness [hap, happen = ocorrer, acontecer]) baseia-se nas circunstâncias;<br />

a bem-aventurança, no caráter.<br />

O amor precede a criação e é a sua base. Por isso o seu objeto não pode<br />

ser o universo porque ele não existe e, se não existia, não podia ser o apropriado<br />

objeto do amor de um Deus infinito. O único objeto do seu amor é a<br />

imagem da sua própria perfeição, porque só ela é igual a e le mesmo. U p t o n ,<br />

Hibbert Lectures, 264 - De um modo mais verdadeiro o homem realiza a sua<br />

própria natureza quando ele é dirigido pelo amor racional, que se esquece de<br />

si mesmo. Ele não pode ajudar a inferir que a coisa mais elevada na consciência<br />

do indivíduo é o elemento dominante em toda a extensão do universo”.<br />

Podemos aqui concordar, se nos lembrarmos de que não o próprio amor, mas<br />

o que é amado deve ser o elemento dominante e veremos que não é o amor,<br />

mas a santidade.<br />

J o n e s , Robert Browning, 219 - Para B r o w n in g , o amor é o conceito mais<br />

elevado, mais rico que o ser humano pode formar. É a nossa idéia daquilo<br />

que é perfeito; nem mesmo podemos imaginar algo melhor. A idéia de evolução<br />

explica necessariamente o mundo como a volta do mais elevado para si<br />

mesmo. O universo volta para o seu limite. ... Potencialmente tudo é espírito<br />

e todos os fenômenos do mundo são manifestações do am or.... A emanação<br />

direta do mais íntimo ser de Deus não é a razão do homem, mas o homem”.<br />

(345) B r o w n in g deveria ter aplicado à verdade e à santidade o mesmo princípio<br />

que ele reconheceu a respeito do amor. Mais gratos nos sentimos em


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 9 7<br />

aceitar os seus ditos: “Aqueie que criou o amor não ama? ... Deus! Tu és o<br />

amor! Nisto edifico a minha fé”.<br />

e) O amor de Deus envolve tam bém a possibilidade do sofrimento divino e<br />

o sofrimento por causa do pecado que a santidade necessita da parte de Deus<br />

é em si a expiação.<br />

Cristo é “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap. 13.8);<br />

1 Pe. 1.19,20 - “com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado<br />

e incontaminado, o qual, na verdade, noutro tempo foi conhecido, ainda<br />

antes da fundação do mundo”. Enquanto a santidade requer expiação, o amor<br />

a provê. A felicidade de Deus é consistente com a tristeza da miséria humana<br />

e do pecado. Deus é passível ou capaz de sofrimento. A permissão do mal<br />

moral no decreto da criação foi custosa para Deus. A Escritura atribui-lhe<br />

emoções de pesar e ira contra o pecado humano (Gn. 6.6 - “pesou-lhe em<br />

seu coração”; Rm. 1.18 - “a ira de Deus”; Ef. 4.30 - “Não entristeçais o Espírito<br />

Santo de Deus”); doloroso sacrifício na entrega de Cristo (Rm. 8.32 -<br />

“nem mesmo a seu próprio filho poupou”; cf. Gn. 22.16 - “não negaste o teu<br />

filho”) e a participação no sofrimento do seu povo (Is. 63.9 - “em toda angústia<br />

deles foi ele angustiado”); Jesus Cristo em sua tristeza e simpatia, lágrimas<br />

e agonia, é o revelador dos sentimentos de Deus para com a raça e<br />

somos estimulados a seguir os seus passos, para sermos perfeitos, como<br />

perfeito é o Pai que está no céu. Na verdade, não podemos conceber amor<br />

sem sacrifício próprio, nem sacrifício próprio sem sofrimento. Parece, então,<br />

como a imutabilidade é inconsistente com as volições imperativas na história<br />

humana, do mesmo modo a felicidade de Deus pode ser consistente com as<br />

emoções de tristeza.<br />

Mas será que Deus sente, na proporção da sua grandeza, como a mãe<br />

sofre mais do que o filho doente de quem ele cuida? Será que Deus sofre<br />

infinitamente a cada sofrimento das suas criaturas? Devemos lembrar que<br />

Deus é infinitamente maior que a sua criação e que vê todo o pecado humano<br />

e sofrimento como parte do seu grande plano. Só temos o direito de atribuir-<br />

lhe só tal passibilidade quando ela é consistente com a infinita perfeição.<br />

Combinando a passibilidade com a felicidade, então, concordaremos com<br />

que a felicidade seja o elemento controlador, porque a nossa idéia fundamental<br />

de Deus é a da perfeição absoluta. M a r t e n s e n , Dogmatics, 101 - “Esta<br />

limitação é devorada no interior da perfeição que Deus vive, em independência<br />

total da sua criação e numa perspectiva triunfante do cumprimento dos<br />

seus grandes desígnios. Por isso podemos dizer com os velhos escritores<br />

teosóficos: ‘Nas câmaras exteriores está a tristeza, mas nas interiores o gozo<br />

não confuso’”. Cristo foi “ungido com óleo de alegria mais do que os seus<br />

companheiros” e “pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz”<br />

(Hb. 1.9; 12.2). O amor se regozija mesmo na dor, quando esta faz bem aos<br />

amados. “O eterno brilho do sol se estabelece à sua cabeça embora as<br />

nuvens circundantes que se espalham rondem a sua base”.<br />

Na George Adam Smith’s Life, 11, D r u m m o n d clama por ouvir as confissões<br />

dos homens que vêm a ele: “Sinto-me doente com os pecados destes


3 98<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

homens! Como é que Deus agüenta?” S im o n , Reconcitiation, 338-343, mostra<br />

que, antes da encarnação, o Logos sofria por causa dos pecados dos<br />

homens. Contudo, este sofrimento foi verificado e contrabalançado por sua<br />

consciência como um fator da divindade e pelo nítido conhecimento de que<br />

os próprios homens são a causa de tal sofrimento. Depois da sua encarnação,<br />

ele sofreu sem saber de onde veio todo o sofrimento. Tinha uma vida<br />

subconsciente em que se entrelaçavam elementos devidos à conduta pecaminosa<br />

da raça cuja energia foi extraída dele mesmo e em acréscimo uniu-se<br />

a ela. Se isto é limitação, é também autolimitação que Cristo poderia ter evitado<br />

deixando de criar, preservar e redimir a humanidade. Nós nos alegramos<br />

em entregar a filha a um casamento apesar de que isto resulte em dor. A mais<br />

elevada felicidade do cristão coincide com a agonia pelas almas dos outros.<br />

Participamos da alegria de Cristo só quando conhecemos a comunhão dos<br />

seus sofrimentos. Gozo e tristeza podem coexistir, como o fogo grego, que<br />

queima sob a água.<br />

A bbé G ratry, La Morale et Ia Loi de l’Histoire, 165,166 - O quê! Você realm<br />

ente supõe que o Deus pessoal, livre e inteligente, que am a e é bom, que<br />

conhece cada porm enor da tortura hum ana e ouve cada suspiro - este Deus<br />

que vê, que, com o nós, am a, e o faz m ais do que nós - você crê que ele está<br />

presente e sem piedade olha para o que quebranta o seu coração e, o que<br />

para ele deve ser o espetáculo de S atanás revelado no sangue da hum anidade?<br />

A história nos ensina que deste m odo os hom ens sentem pelos sofredores<br />

que eles foram tirados para m orrer com eles de sorte que os seus executores<br />

se tornaram os próxim os m ártires. E ainda você representa Deus, a<br />

bondade absoluta, apenas com o im passível? A í é que entra a nossa fé evangélica.<br />

O nosso Deus se fez hom em para so fre r e m orrer! Sim , eis aqui<br />

o verd adeiro Deus. Desde o princípio ele sofreu em todos que sofreram .<br />

Ele teve fom e em todos que tiveram fom e. Ele foi im olado em todos e com<br />

todos que ofereceram as suas vidas. Ele é o C ordeiro desde a fundação<br />

do m undo” . Do m esm o m odo A lexander V inet, Vital Christianity, 240, assinala<br />

que, “O Deus sofred or não é som ente o ensino dos teólogos m odernos.<br />

É o pensam ento de um Novo T estam ento e é alguém que responde todas as<br />

dúvidas que surgem à vista do sofrim ento hum ano. S aber que Deus está<br />

sofrendo torna esse sofrim ento m ais terrível, porém dá força e vida e esperança,<br />

pois sabem os que, se Deus está nele, o sofrim ento é a estrada da<br />

vitória. Ele participa do nosso sofrim ento e nós participarem os a sua coroa”, e<br />

podem os dizer com o salm ista, 68.19 - “B endito seja o Senhor, que de dia em<br />

dia nos cum ula de benefícios; o Deus que é a nossa salvação” , e com Is. 63.9<br />

- “ Em toda angústia deles foi ele angustiado e o A njo da sua presença os<br />

salvou” .<br />

B o r d e n P. B o w n e , Atonement “Algo como esta obra da graça é uma<br />

necessidade da graça para com a obra de Deus. Terrível a responsabilidade<br />

lançada com as suas temíveis possibilidades do bem e do mal. Por isso Deus<br />

se submete à obrigação infinita de cuidar da sua família humana; e as reflexões<br />

sobre a sua posição como criador e governador, em vez de remover só<br />

tornam mais patente esta obrigação. Enquanto concebermos Deus sentado<br />

separado na tranqüilidade suprema e satisfação própria, ele não é , afinal de<br />

contas, amor,, mas tão somente um reflexo do nosso egoísmo e vulgaridade.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 3 9 9<br />

Enquanto o concebemos como doador de bênçãos sobre nós por causa da<br />

sua plenitude infinita, mas sem custar nada de real para si mesmo, ele mergulha<br />

a um nível inferior ao dos heróis da nossa raça. Sempre é possível um<br />

pensamento mais elevado, até que vejamos Deus tomando o mundo sobre o<br />

seu coração, comungando com a nossa tristeza, e tornando-se o portador do<br />

nosso supremo fardo e líder no sacrifício próprio. Só então as possibilidades<br />

da graça e da condescendência e do amor e do heroísmo se enchem de<br />

modo que não haja nada de mais elevado. E a obra de Cristo, enquanto um<br />

evento histórico, deve ser vista não simplesmente como uma peça da história,<br />

mas também como uma manifestação daquela cruz oculta no amor divino<br />

desde a fundação do mundo e que está envolvida na existência do mundo<br />

todo”.<br />

R o y c e , Spirit of Modem Philosophy, 264 - “A eterna resolução de que, se<br />

o mundo há de ser trágico, ainda será, apesar de que Satanás, um ser espiritual,<br />

é a própria essência do gozo desse Espírito do Mundo de cuja sabedoria<br />

a nossa é apenas um reflexo fragmentário. ... Quando você sofre, os seus<br />

sofrimentos são de Deus; não a sua obra exterior, nem a sua pena externa,<br />

nem o fruto da sua negligência, mas de modo idêntico a sua dor pessoal.<br />

Em você o próprio Deus sofre, exatamente como você, e tem toda a razão<br />

que você tem para vencer esta mágoa”. H enri N. D o d g e , Chrístus Victor. “Ó tu,<br />

que, desde a eternidade, sobre o teu coração ferido, suportas cada dor lancinante<br />

e grito de miséria em que o nosso coração humano se dilacera, na<br />

dolorosa cruz teu amor, fanal do tempo, arde, sempre compartilhando a dor e<br />

a perda em cada ser humano em todo o iugar. Quão grande, quão grande<br />

sacrifício, indo e vindo os séculos, esperando-o até que o sacrifício retire o<br />

último gélido e tardio coração!”<br />

3. Santidade<br />

Santidade é a pureza auto-afirmada. Em virtude deste atributo da sua natureza,<br />

Deus eternam ente quer e m antém sua excelência moral. Esta definição<br />

contém três elementos: primeiro, pureza; segundo, vontade de pureza; terceiro,<br />

vontade de pureza em si mesma.<br />

Ex. 15.11 - “glorificado em santidade”; 19.10-16 - o povo de Israel deve<br />

purificar-se antes de vir à presença de Deus; Is. 6.3 - “Santo, santo, santo é o<br />

Senhor dos Exércitos” - note o contraste com os lábio impuros, que devem<br />

ser purificados com uma brasa tirada do altar (v. 5-7); 2 Co. 7.1 - “purifique-<br />

mo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação<br />

no temor de Deus”; 1 Ts. 3.13 - “irrepreensíveis em santidade”; 4.7 -<br />

“Deus não nos chamou para a imundícia, mas para a santificação”; Hb. 12.29<br />

- “o nosso Deus é um fogo consumidor” - de toda a iniqüidade. Estas passagens<br />

mostram que a santidade se opõe à impureza e que santidade é pureza.<br />

O desenvolvimento do conceito de santidade na história hebraica era, sem<br />

dúvida, gradual. No começo pode ter incluído pouco mais do que a idéia de<br />

separação de tudo o que é comum, pequeno e fraco. A limpeza física e a


4 0 0 Augustus Hopkins Strong<br />

aversão pelo mal moral foram elementos adicionais que, com o tempo tornaram-se<br />

dominantes. Contudo devemos lembrar que o sentido próprio de um<br />

termo deve ser determinado não pelo uso primitivo mas pelo recente. A natureza<br />

humana é ética desde o começo e procura expressar o pensamento de<br />

uma regra ou padrão de obrigação e de um Ser justo que impõe essa regra ou<br />

padrão. Aos primeiros conceitos de majestade e separação que se ligam<br />

à apreensão da divindade na infância da raça mistura-se ao menos um<br />

certo sentido do contraste entre a pureza de Deus e o pecado do homem.<br />

O homem menos desenvolvido tem uma consciência que condena algumas<br />

formas de cometer erro, e causa um sentimento de separação entre o poder<br />

e os poderes superiores. A contaminação física torna-se um símbolo natural<br />

do mal moral. Investem-se lugares e vasos e ritos de dignidade associada<br />

com a divindade ou consagrada a ela.<br />

O fato de que só aos poucos esse conceito de santidade purifica-se dos<br />

elem entos estranhos e não essenciais e recebe expressão plena só na revelação<br />

do Novo Testam ento e especialm ente na vida e obra de C risto não nos<br />

deve cegar sobre o fato de que os germ es da idéia estão bem atrás, no com eço<br />

da existência do hom em na terra. M esm o aí o sentido de erro interior teve<br />

com o seu correlato um a ju stiça exterior obscuram ente reconhecida. Tão logo<br />

o hom em conhece a si m esm o com o um pecador, passa a conhecer algo da<br />

santidade do Deus que ele ofendeu. Por isso devem os abrir exceção à nota<br />

de S churman, Belief in God, 231 - “P rovavelm ente os prim eiros deuses não<br />

eram seres m orais”, pois o próprio S churm an já havia dito: “Um Deus sem<br />

caráter m oral na realidade não é D eus” . D illmann, O. T. Theology, com m uita<br />

propriedade, faz do pensam ento fundam ental da religião do A.T. não a unidade<br />

ou a m ajestade de Deus, m as a sua santidade. Só isto form a a base ética<br />

da revelação e da lei. E. G. Robinson, Christian T h e o lo g y-“O único objetivo<br />

do cristianism o é a santidade pessoal. M as este será o objetivo que absorve<br />

e atinge o hom em só quando este reconhece ser o atributo proem inente em<br />

Deus. Daí tudo o que é divino é santo - o tem plo, as Escrituras, o E spírito”.<br />

O desenvolvimento da idéia de santidade assim como da idéia de amor<br />

foi preparado antes do advento do homem. A. H. S t r o n g , Education and<br />

Optimism: “Houve tempo quando a história passada da vida sobre o planeta<br />

parecia a de carnificina sem coração e cruel. A sobrevivência do mais adequado<br />

teve como o outro lado da moeda a destruição de miríades. A natureza<br />

tinha o dente vermelho e garras de ravina’. Porém o pensamento mais tarde<br />

mostrou que este ponto de vista sombrio resulta de uma indução parcial dos<br />

fatos. A vida paleontológica foi marcada não só por uma luta pela vida, mas<br />

por uma luta pela vida dos outros. O começo do altruísmo deve ser visto no<br />

instinto de reprodução e no cuidado dos filhos. Em cada cova de leões e toca<br />

dos tigres, na provisão de alimentos da águia para com os filhotes, há um<br />

sacrifício que palidamente mostra a subordinação dos interesses do homem<br />

aos interesses dos outros. Mas, nas priscas eras do homem, pode ser encontrada<br />

a justiça numa forma incipiente como também o amor numa forma incipiente.<br />

A luta pela vida própria tem seu lado moral do mesmo modo que a luta<br />

pela vida dos outros. O instinto de autopreservação é o princípio do direito da<br />

retidão, da justiça e da lei terrena. Cada criatura tem o dever diante de Deus<br />

de preservar o seu próprio ser. Deste modo podemos achar um esboço da


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 0 1<br />

moralidade até mesmo na luta predatória e exterminadora das eras geológicas.<br />

O Deus imanente estava preparando o caminho para o direito, a dignidade,<br />

a liberdade do ser humano’. E, podemos acrescentar, estava preparando<br />

o caminho para o entendimento do seu próprio atributo fundamental da santidade<br />

pelos homens.<br />

Para m aior explicação assinalamos que:<br />

A) Negativamente, a santidade não é:<br />

a) Justiça ou pureza exigindo a pureza das criaturas. Justiça, atributo relativo<br />

ou transitivo, na verdade é a manifestação e expressão do atributo imanente<br />

da santidade, mas não deve ser confundido com ele.<br />

Q u e n s t e d t , Theol., 8.1.34, define santidade como “summa omnisque labis<br />

expers in Deo puritas, puritatem debitam exigens a creaturis” - definição<br />

de santidade transitiva, ou justiça, em vez do atributo imanente. Is. 5.16 -<br />

“O Senhor dos exércitos será exaltado em juízo, e Deus, o santo, será santificado<br />

em justiça” = a justiça é somente a santidade de Deus em sua atividade<br />

judicial. Apesar de que a santidade normalmente é um termo de separação<br />

e expressa a oposição inerente de Deus a todo o que é pecador, também<br />

é empregada como um termo de união, como em Lv. 11.44 - “serei santos<br />

porque eu sou santo”. Quando Jesus voltou do encontro com o moço rico<br />

(Mc. 10.23) ele ilustrou a primeira; Jo. 8.29 ilustra a segunda: “aquele que<br />

me enviou está comigo”. L o w r ie , Doctrine of St. John, 51-57 - “ ‘Deus é luz’<br />

(1 Jo. 1.5) indica o caráter de Deus, pureza moral revelada, produzindo gozo<br />

e vida, em contraste com as más obras, andando nas trevas, num estado de<br />

perdição”.<br />

A consciência humana universal é em si mesma uma revelação da santidade<br />

de Deus e a reunião do sofrimento em todo o lugar com o pecado é a<br />

revelação da justiça de Deus. A cólera, a ira, o ciúme de Deus mostram que<br />

esta reação da natureza de Deus é necessária. A própria natureza de Deus é<br />

santa, justa e boa. A santidade não é substituída pelo amor, como sustenta<br />

Ritchl, visto que não há nenhuma doação própria sem auto-afirmação. A santidade<br />

não demanda apenas lei, mas concede o Espírito Santo. S an t a y a n a,<br />

Sense of Beauty, 69 - “Se a perfeição é a justificação última do ser, podemos<br />

entender a base da dignidade moral do belo. O belo é um penhor da possível<br />

conformidade entre a alma e a natureza e, conseqüentemente a base da fé<br />

na supremacia do bem”. Contudo, consideramos a natureza apenas como o<br />

símbolo e expressão de Deus e, deste modo, consideramos o belo como a<br />

base da fé na sua soberania. Há mais verdade a respeito do que S antayana<br />

diz sobre o belo com relação à santidade. Em qualquer lugar que o vemos,<br />

reconhecemos nele um penhor da possível conformidade entre a alma e Deus<br />

e, conseqüentemente, a base da fé na supremacia de Deus.<br />

b) Santidade não é um termo complexo designativo do conjunto das perfei-<br />

ções divinas. Por outro lado, a noção de santidade é, tanto na Escritura como


4 0 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

na experiência cristã, perfeitam ente simples e perfeitam ente distinta dos outros<br />

atributos.<br />

D ick, Theol., 1.275 - Santidade = veneração, i.e., “nenhum atributo particular,<br />

mas o caráter geral de Deus que resulta dos atributos morais”. W ardlaw<br />

chama a santidade de união de todos atributos, como a pura luz branca é a<br />

união de todos os raios coloridos do espectro (Theology, 1.618-634). H. W.<br />

B eecher: “Santidade = totalidade”. A abordagem desta concepção é a definição<br />

de W.N. C larke, Christian Theology, 83 - “Santidade é a gloriosa plenitude<br />

da bondade de Deus, consistentemente sustentada como o princípio da<br />

sua própria ação e o padrão para as suas criaturas”. Isto implica, segundo o<br />

Dr. Clarke: 1. O caráter interior da sua bondade; 2. O caráter como princípio<br />

consistente da sua própria ação; 3. A bondade que é o princípio da sua própria<br />

ação é o padrão da deles”. A saber; santidade é 1. caráter; 2. autocon-<br />

sistência; 3. requisito. A esta definição objetamos que ela deixa de definir.<br />

Não se diz que é essencial ao caráter; a definição inclui em santidade aquilo<br />

que apropriadamente pertence ao amor; omite toda a menção dos mais importantes<br />

elementos na santidade, a saber, a pureza e a justiça.<br />

Semelhante falta de definição clara aparece na afirmação de M ark<br />

H opkins, Law of Love, 105 - “É este duplo aspecto do amor revelando a natureza<br />

moral toda e voltando a cada caminho como a espada flamejante que<br />

guarda o caminho da árvore da vida que se chama santidade”. Como já mostramos<br />

acima, na Escritura, a santidade não se contrasta com a simples fini-<br />

tude ou pequenez, ou o infortúnio, ou mesmo a irrealidade, mas só com a<br />

impureza e com a pecaminosidade. E. G. R obinson, Chrst. Theology, 80 -<br />

“A santidade no homem é a imagem de Deus. Mas é claro que a santidade no<br />

homem não é proporcional às outras perfeições do seu ser - à sua força, ao<br />

seu conhecimento, à sua sabedoria apesar de ser proporcional à retidão da<br />

sua vontade - e, por isso, não pode ser a resultante de todas as perfeições....<br />

Identificar a santidade com a soma de todas as perfeições é fazer dela apenas<br />

a plenitude do caráter”.<br />

c) Santidade não é o am or próprio de Deus, no sentido da suprema consideração<br />

no seu próprio interesse e felicidade. Não há nenhum elemento utilitário<br />

na santidade.<br />

B uddeus, Theol. Dogmat., 2.1.36, define santidade como o amor próprio<br />

de Deus. Mas Deus ama e se afirma, não como o eu, mas como o mais santo.<br />

Não existe em Deus uma busca de si mesmo. Nem dos interesses de Deus,<br />

mas o amor a Deus como santo, é o princípio e fonte da santidade no homem.<br />

Chamar a santidade de Deus de amor próprio é dizer que Deus é santo em<br />

razão do que ele pode fazer através disso, i.e., negar que a santidade tem<br />

existência independente.<br />

Não devemos negar, mas, ao contrário, sustentar que há um adequado<br />

amor próprio que não é egoísmo. Contudo, este amor próprio não é, afinal de<br />

contas, amor. Ao invés disso, é o respeito próprio, a preservação própria,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 0 3<br />

a vindicação própria e constitui uma importante caraterística da santidade.<br />

Porém, definir santidade como amor de Deus por si mesmo é deixar de lado<br />

a definição da razão para este amor na pureza e retidão da natureza divina.<br />

O respeito próprio de Deus implica que Deus respeita a si mesmo por algo em<br />

seu próprio ser. E o que é este algo? A santidade é “excelência moral” de<br />

Deus (H opkins), ou a sua “bondade perfeita” (C larke)? Mas o que é esta excelência<br />

moral, ou bondade perfeita? Temos aqui descritos o método e o fim,<br />

mas não o motivo e a base. Deus não ama a si mesmo por causa do seu<br />

amor, mas ele ama a si mesmo por causa da sua santidade. Os que sustentam<br />

que o amor é a auto-afirmação assim como autocomunicação e, por isso,<br />

a santidade é o amor de Deus por si mesmo, devem ainda admitir que este<br />

autoafirmante que é a santidade condiciona e fornece o padrão ao amor auto-<br />

comunicante que é a benevolência.<br />

G. B. S tevens, Johannine Theology, 364, diz-nos que “a justiça de Deus é<br />

o respeito próprio do perfeito amor”. M iller, Evotution of Love, 53 - “O amor<br />

próprio é o tipo de ação que no ser perfeito realiza, no finito procura realizar o<br />

eu perfeito ou ideal”. A saber, o amor é a auto-afirmação. Porém, objetamos<br />

que o amor próprio não é, afinal de contas, amor porque nele não há nenhuma<br />

comunicação própria. Se em qualquer sentido a santidade é uma forma<br />

ou manifestação do amor - questão que ainda temos de considerar - sem<br />

dúvida, não se trata de um amor próprio unitário e utilitário, que seria idêntico<br />

ao egoísmo, mas, ao invés disso, um sentimento que implica centralização<br />

trinitária no outro ser e o apoio do eu como um objeto ideal. Este parece ser o<br />

sentido de J onathan E dw ards, Essay on the Trínity (ed. Fischer), p. 79 - “Todo<br />

amor se refere a outro ser, que é amado. Para o apóstolo, a palavra amor<br />

certamente significa algo mais que aquilo que normalmente se chama amor<br />

próprio: isto é impropriamente chamado de amor e faz parte de uma natureza<br />

bem diversa do sentimento ou virtude de que o apóstolo está falando”.<br />

Veremos ainda que, conquanto Jonathan Edwards nega que a santidade seja<br />

um amor próprio unitário e utilitário, ele considera a essência deste como<br />

sendo o amor trinitário de Deus para consigo mesmo, de excelência moral<br />

perfeita.<br />

A falta de convicção trinitária de R itschl faz ser-lhe impossível fornecer<br />

qualquer base própria para o amor ou para a santidade na natureza de Deus.<br />

R itschl sustenta que, como pessoa, Cristo é um fim em si mesmo; ele realizou<br />

o seu próprio ideal; desenvolveu a sua própria personalidade; atingiu a<br />

sua perfeição na sua obra em favor do homem; ele não é somente um homem<br />

destinado à salvação dos homens. Mas, ao chegar à sua doutrina de Deus,<br />

estranhamente R itschl é inconsistente com tudo isso, porque deixa de representar<br />

Deus como tendo um fim em si mesmo, e trata-o somente como um<br />

meio para o reino de Deus assim como um fim. G arvie, Ritschilian Theology,<br />

256,278,279, com propriedade assinala que pessoalidade significa a posse<br />

de si mesmo assim como a autocomunicação, distinção de outros seres<br />

assim como união com eles. R itschl não considera que o amor de Deus em<br />

primeiro lugar se dirige ao seu Filho e só depois à comunidade cristã. Deste<br />

modo ele ignora a Trindade imanente. Antes da autocomunicação deve haver<br />

uma auto-sustentação. Caso contrário, Deus deixa a sua independência e<br />

torna necessária a existência criada.


4 0 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

d) Santidade não é idêntica ao amor, ou sua manifestação. Porque a auto-<br />

manutenção deve preceder a autoconcessão e porque a benevolência tem seu<br />

objetivo, motivo, padrão e limite na retidão, na santidade, o atributo auto-<br />

afirmante não pode de modo algum ser resolvido no am or autocomunicante.<br />

A doutrina de J onathan E dwards é que a santidade é uma forma de amor;<br />

Essay on the Trinity{ed. Fisher), 97 - “É no infinito amor de Deus a si mesmo<br />

que consiste a santidade. Como toda criatura, a santidade deve ser resolvida<br />

no amor, como nos ensina a Escritura, assim a santidade do próprio Deus<br />

consiste no amor infinito a si mesmo. A santidade de Deus é a beleza infinita<br />

e a excelência da sua natureza, e a excelência de Deus consiste no amor a si<br />

mesmo”. Em seu tratado sobre The Nature of Virtue, Jonathan E dwards define<br />

a virtude com relação ao ser em geral. Ele considera que o amor de Deus,<br />

antes de tudo, destina-se a si mesmo tendo a maior quantidade do ser e,<br />

só depois, às suas criaturas cuja quantidade de seres é infinitesimal comparada<br />

com ele. Por isso Deus acha o seu principal fim em si mesmo e o<br />

amor próprio de Deus é a sua santidade. Este princípio tem permeado e<br />

dominado a subseqüente teologia da Nova Inglaterra, desde S amuel Hopkins,<br />

Works, 2.9-66, que defende que esta santidade = amor do ser em geral.<br />

H orace B ushnell, Vicarious Sacrifice, declara: “A justiça, mudada em uma<br />

palavra de sentimento, é o amor; o amor, traduzido em uma palavra da consciência,<br />

é a justiça; a lei eterna do direito é apenas uma outra concepção da<br />

lei do amor; os dois princípios, justiça e amor, aparecem exatamente um na<br />

medida do outro”.<br />

D o rner, Christian Ethics, 73,93,184, ensina doutrina sem elhante-“O amor<br />

une a existência do eu com a existência dos outros, auto-afirmação e entrega<br />

de si mesmo. ... Amor próprio em Deus não é egoísmo, porque ele é a sede<br />

original e necessária do bem em geral e do bem universal. Deus conserva a<br />

sua honra até dando de si mesmo aos outros. ... O amor é a força e o desejo<br />

de ser do eu enquanto no outro ser e, enquanto o eu de qualquer pessoa<br />

estiver em outro ser recebido no coração até o fim. ... Devo amar o meu próximo<br />

só como a mim mesmo. ... Contudo, a virtude requer não só a boa vontade,<br />

mas a vontade daquilo que é justo”. Do mesmo modo, N ewman S mith,<br />

Christian Ethics, 226, 239, sustenta que 1. O amor é uma auto-afirmação.<br />

Daí ele defende que santidade ou respeito próprio envolve amor. A justiça<br />

não é uma excelência independente em contraste com a benevolência, ou<br />

em oposição a ela; é parte essencial do amor. 2. O amor é a doação de si<br />

mesmo. O único limite é ético. Eis aqui uma imanência sempre profunda,<br />

apesar de que sempre de Deus, porque Deus não pode negar-se a si mesmo.<br />

3. O amor encontra-se a si mesmo em outro ser. O elemento vicário pertence<br />

ao amor. Retrucamos a D orner e a S mith que o seu reconhecimento de que o<br />

amor tem sua condição, seu limite, seu motivo, objeto e padrão mostra que<br />

há um princípio mais elevado que o amor e que o regula. Reconhece-se este<br />

princípio como sendo ético. É idêntico ao direito. Deus não pode negar-se a si<br />

mesmo porque ele é fundamentalmente justo. Esta auto-afirmação é a santidade<br />

e a santidade não pode ser uma parte do amor, ou uma forma dele<br />

porque ela condiciona e domina o amor.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 0 5<br />

Chamá-la benevolência é ignorar sua distinção majestosa e pôr em perigo<br />

sua legítima supremacia.<br />

Deus deve em primeiro lugar sustentar o seu próprio ser antes de poder<br />

dar a outro e esta auto-sustentação deve ter sua razão e motivo no merecimento<br />

daquilo que é sustentado. Santidade não pode ser amor porque o amor<br />

é irracional e caprichoso a não ser quando tem um padrão pelo qual ele é<br />

regulado e este não pode ser o próprio amor, mas a santidade. Concordamos<br />

com C larke, Christian Theology 92, em que “o amor é o desejo de conceder<br />

santidade”. O amor é um meio de santidade e, por isso, a santidade é o<br />

supremo bem, algo mais elevado que só o amor. Então, ao invés de dizer,<br />

com C larke, que “a santidade é o centro em Deus, mas o amor é essencial à<br />

santidade”, é preferível dizer: “O amor é o centro em Deus, mas a santidade é<br />

o centro do amor”, apesar de que, neste caso, devemos empregar o termo<br />

amor incluindo o amor próprio. Melhor ainda é não empregar a palavra amor<br />

referindo-se ao cuidado de Deus para consigo mesmo. No uso comum, amar<br />

significa considerar os outros e ter comunhão com eles. Abranger nele a auto-<br />

afirmação de Deus é interpretar mal-a santidade e considerá-la um meio de<br />

alcançar um fim, ao invés de fazer o que realmente é, o objeto superior e o<br />

princípio regulador, do amor.<br />

Aquele que lança a norma ou padrão do amor deve ser superior ao referido<br />

amor. Quando esquecemos que “justiça e juízo são a base do seu trono”<br />

(SI. 97.2), destruímos um dos principais marcos da doutrina cristã e envol-<br />

vemo-nos numa névoa de erro. Ap. 4.3 - “ao redor do trono há um arco-íris” =<br />

no meio do arco-íris do perdão e da paz há um trono de santidade e juízo.<br />

Em Mt. 6.9,10, “Venha o teu reino” não é a primeira petição, mas ao invés<br />

disso, “Santificado seja o teu nome”. É uma falsa idéia da simplicidade divina<br />

reduzir os atributos a um. A auto-afirmação não é uma forma de doação de si<br />

mesmo. A não sensibilidade, estado de sensibilidade, apesar de ser a mais<br />

pura benevolência, é fundamental, porém, mais do que isso, é a atividade<br />

daquela vontade e a sua justa direção. H o dge, Essays, 133-136, 262-273,<br />

bem mostra que o amor santo é controlado pela santidade. A santidade não é<br />

um simples meio para a felicidade. Ser feliz não é a razão última de ser santo.<br />

Certo e errado não são matéria de lucro e perda. Dizer que Deus é apenas<br />

benevolência e que ele pune apenas quando a felicidade do universo o<br />

requer destrói toda a nossa lealdade para com Deus e violenta a constituição<br />

da nossa natureza.<br />

A doutrina de que Deus é apenas amor tem sido chamada de “o papado<br />

de Deus”. Deus é um “mar de verão de bondade, nunca agitado por tempestades”<br />

(D ale, Ephesians, 59). Jesus, porém nos dá a melhor idéia a respeito<br />

de Deus e nele achamos não só a piedade, mas às vezes a indignação moral.<br />

Jo. 17.11 - “Pai santo” = mais do que amor. O amor pode ser exercido por<br />

Deus só quando é o amor correto. A santidade é o trilho no qual a locomotiva<br />

do amor deve correr. O amor não pode ser a locomotiva. Se um inclui o outro,<br />

então a santidade é que inclui o amor, visto que a santidade é a manutenção<br />

da perfeição de Deus e a perfeição envolve amor. Aquele que é santo afirma<br />

a si mesmo como também o perfeito amor. Se o amor fosse fundamental,<br />

nada haveria para dar e, deste modo, o amor seria vão, e inútil. Não se pode<br />

dar o eu, sem que haja antes a auto-afirmação. Deus não é santo porque


4 0 6 Augustus H opkins Strong<br />

ele ama, mas ama porque é santo. O amor não pode dirigir-se a si próprio;<br />

ele está limitado à santidade. A justiça não depende do amor para ser reta.<br />

S tephen G. Barnes: “O simples bem não é o único conteúdo da lei; ele não<br />

basta nos tempos de prova de fogo; é inadequado como base para a retribuição.<br />

O amor necessita da justiça e a justiça do amor; ambos são comandados<br />

pela lei de Deus e são revelados perfeitamente no caráter de Deus”.<br />

Pode haver um atrito entre ambas as mãos do homem e pode haver um<br />

conflito entre a consciência e a vontade do homem, entre o seu intelecto e o<br />

seu sentimento. A força é a energia de Deus sob a resistência; a força e a<br />

energia pertencem-lhe. Deste modo, quando o homem peca, a santidade e o<br />

amor em Deus tornam-se pólos ou forças opostas. O primeiro e mais sério<br />

efeito do pecado não é o que ocorre sobre o homem, mas sobre Deus.<br />

A santidade necessariamente requer sofrimento e o amor o suporta. Este<br />

sofrimento eterno de Deus por conta do pecado é a expiação; o Cristo encarnado<br />

apenas mostra o que foi no coração de Deus desde o princípio. Fazer a<br />

santidade uma forma de amor é, na verdade, negar a sua existência e, conseqüentemente,<br />

negar a necessidade de qualquer expiação para a salvação do<br />

homem. Se santidade é a mesma coisa que amor, como é que o mundo clássico,<br />

que conhecia a santidade de Deus, não conhecia também o seu amor?<br />

Aqui a ética lembra o caldo de carne de Abraão Lincoln feito da sombra de um<br />

pombo que morreu de fome. Santidade que é só boa vontade não é santidade,<br />

porque lhe faltam os elementos essenciais da pureza e retidão.<br />

Nas bases da agulha (desvio de estrada de ferro) para o leste de Roches-<br />

ter, existe um homem cuja responsabilidade é movimentar para a esquerda<br />

ou para a direita uma barra de ferro de duas ou três polegadas. Deste modo<br />

ele determina se o trem vai para Nova Iorque ou para Washington, para Nova<br />

Orleans ou para São Francisco. Neste ponto da teologia a nossa conclusão<br />

igualmente determina qual será o nosso sistema futuro. O princípio de que a<br />

santidade é uma manifestação de amor, ou uma forma de benevolência, leva<br />

à conclusão de que a felicidade é o único bem e o único fim; que a lei é um<br />

mero expediente para a garantia da felicidade; que a pena é simplesmente<br />

dissuasiva, ou tem um fim reformatório; que não há necessidade de nenhuma<br />

expiação a ser oferecida a Deus pelo pecado humano; que não se pode vin-<br />

dicar a retribuição eterna porque não há esperança de recuperação. Este<br />

ponto de vista ignora o testemunho da consciência e da Escritura de que o<br />

pecado é Introdinsecamente mau e, por isso, deve ser punido não porque a<br />

punição vai operar o bem do universo; na verdade, não poderia operar o bem<br />

ao universo a não ser que este fosse justo e reto. Ignora o fato de que a<br />

misericórdia é uma opção de Deus, enquanto a santidade é invariável; que a<br />

punição muitas vezes está ligada à santidade de Deus, mas nunca ao amor;<br />

que Deus não é somente amor, mas luz - luz moral - e, por isso, “um fogo<br />

consumidor” (Hb. 12.29) para toda a iniqüidade. O amor castiga (Hb. 12.6),<br />

mas a santidade pune (Jr. 10.24 - “Castiga-me, ó Senhor, mas com medida;<br />

não na tua ira”; Ez. 28.22 - “quando executar juízos e nela me santificar”;<br />

36.21,22 - em juízo “Não é por vosso respeito que faço isto, ó casa de Israel,<br />

mas pelo meu santo nome”; 1 Jo. 1.5 - “Deus é luz e não há nele treva<br />

nenhuma” - treva moral; Ap. 15.1,4 - “a ira de Deus ... só tu és santo ... os<br />

teus juízos são manifestos”; 16.5 - “justo és tu ... porque julgaste estas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 0 7<br />

coisas”; 19.2 - “verdadeiros e justos são os seus juízos, pois julgou a grande<br />

prostituta”).<br />

B) Positivamente, santidade é:<br />

d) Pureza de substância - N a natureza m oral de Deus, agindo necessariamente,<br />

há, na verdade, os dois elem entos da vontade e do ser. M as o passivo<br />

precede logicamente o ativo; o ser vem antes da vontade; Deus é puro antes de<br />

desejar a pureza. Porque a pureza, contudo, ordinariam ente é um termo negativo<br />

e significa apenas liberdade da m ácula e do erro, devemos incluir nele<br />

também a idéia positiva de retidão moral. Deus é santo no sentido de que ele é<br />

a fonte e o padrão do direito.<br />

E. G. R obinson, Christian Theology, 80 - “Santidade é pureza moral, não<br />

só no sentido de ausência de toda mancha moral, mas de complacência em<br />

todo bem moral”. S h edd, Dogm. Theology, 1.362 - “Santidade em Deus é<br />

conformidade com a sua própria natureza perfeita. A única regra para a vontade<br />

divina é a razão divina; e esta prescreve tudo o que é benéfico que um<br />

Ser faça. Deus não está sob lei, nem acima dela. Ele é a lei. Ele é reto por<br />

natureza e por necessidade. ... Deus é a fonte e o autor da lei para todos os<br />

seres morais”. Podemos melhorar a definição de S hedd dizendo que santidade<br />

é o atributo em virtude do qual o ser divino e a vontade divina conformam-<br />

se eternamente um com o outro. Deste modo, sustentando que o ser santo<br />

logicamente precede o querer santo, diferimos do ponto de vista de Lotze,<br />

Philos. of Religion, 139 - “Tal vontade de Deus não segue a partir da natureza<br />

como secundária a ela, ou precede-a como primordial a ela mais do que, no<br />

movimento, a direção pode ser antecedente ou subseqüente à velocidade”.<br />

Bow n e, Philos. of Theism, 16 - “A natureza de Deus = uma lei fixa da atividade<br />

ou modo de manifestação. ... Mas as leis do pensamento não são limitação<br />

alguma porque são apenas modos do pensamento com atividade. Elas não<br />

regem o intelecto, mas apenas expressam o que o intelecto é”.<br />

Apesar destas afirmações de Lotze e de Bo w n e, devemos sustentar que, a<br />

verdade do ser logicamente precede a verdade do conhecer e uma natureza<br />

amorosa precede as emoções amorosas, do mesmo modo a pureza da substância<br />

precede à pureza da vontade. A doutrina oposta conduz a afirmações<br />

tais como a de W hedon (On the VJiii, 316): “Deus é santo naquilo que livremente<br />

ele escolhe para fazer a sua própria felicidade no direito eterno. Que<br />

ele não pudesse fazer-se igualmente feliz no erro é mais do que podemos<br />

dizer. ... A sabedoria infinita e a santidade infinita consistem eternamente nas<br />

volições de Deus e delas resultam”. W h edo n, contudo, não crê na imutabilidade<br />

de Deus, mas sim em sua constância. Ele não pode dizer se motivos quaisquer<br />

não podem em algum tempo provar-se mais fortes que conduziriam à<br />

apostasia. A santidade essencial de Deus não proporciona base para uma<br />

certificação. Como dizíamos a respeito da verdade, do mesmo modo aqui<br />

dizemos a respeito da santidade que, fazer da santidade assunto de mera<br />

vontade, em vez de considerá-la caraterística do ser de Deus, é negar que<br />

qualquer coisa é santa em si mesma. Se Deus pode transformar a impureza


4 0 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

em pureza, então Deus em si mesmo é indiferente à pureza ou impureza e,<br />

portanto deixa de ser Deus. R obert B row ning, A Soul’s Tragedy, 223 - “Confio<br />

em Deus - o Justo será o Justo e outra coisa que não seja o Erro enquanto<br />

ele existir”. RS. Moxom: “Revelação é descoberta da retidão divina. Não adicionamos<br />

o pensamento quando dizemos que é também a descoberta do<br />

amor divino, porque o amor é uma manifestação ou realização daquela retidão<br />

que é a integridade. H .B . S mith, System, 223-231 - Virtude = amor tanto<br />

na felicidade como na santidade, apesar de que a santidade é como o último<br />

elemento; o amor à mais elevada Pessoa e aos seus fins e objetivos”.<br />

b) Energia da vontade - A pureza não é sim plesmente um a qualidade passiva<br />

e morta; é penetrada e perm eada pela vontade. Santidade é o movimento<br />

moral livre de Deus.<br />

Como existe uma Mente mais elevada que a nossa e um coração maior<br />

que o nosso, do mesmo modo também existe uma Vontade maior do que a<br />

nossa. A santidade contém este elemento de vontade, embora seja uma vontade<br />

que expressa a natureza, ao invés de causá-la. Não é uma pureza calma<br />

e imóvel, da neve recentemente caída, ou do azul sem mancha do céu estivai.<br />

É a mais tremenda das energias num movimento insone. É um “mar de<br />

vidro” (Ap. 15.2), mas um “mar de vidro misturado com fogo”. A. J. G o rdon:<br />

“Santidade não é uma pureza de brancura mortal, perfeição da estátua de<br />

mármore perfeito. A vida, assim como a pureza entra na idéia de santidade.<br />

Os que são ‘perfeitos diante do trono’ são os que ‘seguem o Cordeiro aonde<br />

quer que ele vá’; atividade santa que atende e expressa o seu estado santo”.<br />

M artensen, Christian Ethics, 62,63 - “Deus é a unidade perfeita do eticamente<br />

necessário e do eticamente livre”; “Deus não pode agir de outra forma que<br />

não seja a sua natureza essencial”.<br />

(274) O centro da personalidade é a vontade. O conhecimento tem seu<br />

fim no sentimento e o sentimento tem seu fim na vontade. Por isso devo<br />

subordinar o sentimento à vontade e a felicidade à justiça. Devo querer com<br />

Deus e empregar toda a minha influência sobre os outros para torná-los como<br />

Deus na santidade. W illiam James, Will to Believe, 123 - “A mente deve primeiramente<br />

obter sua impressão sobre o objeto; depois definir o que é esse<br />

objeto e que medidas ativas a sua presença demanda; e, finalmente, reagir.<br />

... Toda fé e toda filosofia, modo e sistema, são subservientes e passam a um<br />

terceiro estágio, o da ação”. O que é verdade a respeito do homem também o<br />

é a respeito de Deus. Toda vontade do homem, combinada, na verdade, toda<br />

energia ativa da humanidade em todo lugar e em todas as eras nada é comparada<br />

com a extensão e vontade de Deus. O momento todo do ser divino<br />

está escudado na lei moral. Tal lei é a expressão dele mesmo. Seu braço<br />

benéfico ao mesmo tempo que terrível está sempre defendendo e executando.<br />

Deus deve manter a sua santidade porque ela é a divindade. Se ele não a<br />

mantivesse, o amor não teria nada a apresentar, ou não tornaria os outros<br />

participantes dele.<br />

Será que Deus quer o bem porque este é bom, ou o bem é bom porque<br />

Deus o quer? No primeiro caso, parece que o bem está acima de Deus; no


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 0 9<br />

segundo, o bem é algo arbitrário e mutável. Kaftan, Dogmatik, 186,187, diz<br />

que nenhuma destas opções é verdadeira; ele sustenta que não há nenhum<br />

bem a priori antes da vontade dele e sustenta que a vontade sem a direção<br />

não é vontade; o bem é bem por causa de Deus não antes, mas em sua<br />

autodeterminação. D o r n er, System Doctrine, 1.432, contrariamente, sustenta<br />

que ambos são verdadeiros porque Deus não é simplesmente uma forma de<br />

ser, quer necessária, quer livre, mas ao invés disso, um ser multiplamente<br />

diverso, embora absolutamente correlato e reciprocamente condicionante; isto<br />

é, um ser trinitário, tanto necessário como livre. Aqui concordamos com Dorner<br />

e defendemos a crença de que o ser de Deus é necessário a uma ética<br />

correta e a uma teologia também correta. Celsus justificava o poiiteísmo sustentando<br />

que seja o que for Deus se revela Deus, serve Deus e, conseqüentemente,<br />

pode racionalmente ser adorado. Ele livra o cristianismo desta<br />

ampla tolerância, porque este adora um Deus zeloso, que não se satisfaz em<br />

ser um entre muitos. Mas este zelo realmente significa que Deus é um Ser<br />

para quem as distinções morais são reais. O Deus de C elsus, o do panteís-<br />

mo, é zeloso, não porque é Santo, mas somente porque é Absoluto. A categoria<br />

da ética surge da categoria do ser. O grande defeito da teologia moderna<br />

é precisamente o ético; a santidade surge da benevolência; não há o<br />

reconhecimento próprio da justiça de Deus. Jo. 17.25 - “Pai justo, o mundo<br />

não te conheceu” - é um texto tão verdadeiro atual como o foi nos tempos de<br />

Jesus. Isole, Begriff der Heiligkeit in N. 7T, 41,84, define a santidade em Deus<br />

como “perfeição ética de Deus na exaltação dela acima de tudo o que é pecaminoso”<br />

e a santidade no homem como a “condição correspondente à de<br />

Deus em que o homem se conserva puro relativamente ao pecado”.<br />

c) Auto-afirmação - Santidade é a vontade própria de Deus. Sua própria<br />

pureza é o supremo objetivo de sua própria consideração e sustento. Deus é<br />

santo no sentido de que sua excelência moral infinita afirm a e se declara como<br />

o mais elevado motivo e fim possíveis. Como a verdade e o amor este atributo<br />

só pode ser entendido à luz da doutrina da Trindade.<br />

Santidade é a pureza que deseja a si mesma. Temos analogia no dever de<br />

autopreservação, respeito próprio e auto-afirmação do homem. A virtude se<br />

obriga a sustentar-se e defender-se como no caso de Jó. Nos seus melhores<br />

momentos, o cristão sente que a pureza não é apenas a negação do pecado,<br />

mas a afirmação de um princípio de justiça interior e divino. T homasius, Christi<br />

Person und Werk, 1.137 - Santidade é a concordância perfeita da vontade<br />

divina com o ser divino; pois, como a criatura pessoal é santa quando quer e<br />

determina a si mesma quanto à vontade de Deus, assim Deus é o santo porque<br />

ele deseja ser o que ele é. Em virtude deste atributo, Deus está isento de<br />

tudo o que contradiz a sua natureza, e se afirma em seu ser absolutamente<br />

bom: ser semelhante a si mesmo”. T h o lu c k, on Romans, 5- ed., 151 -<br />

“O termo santidade deve ser empregado para indicar uma relação de Deus<br />

consigo mesmo. É santo aquele que, não se perturba com o que vem de fora;<br />

é totalmente semelhante a si mesmo”. D o rner, System of Doctrine, 1.456 -


410 Augustus Hopkins Strong<br />

“Faz parte da sua bondade proteger a bondade”. Quando considerar-mos a<br />

Trindade, veremos que esta doutrina tem estreitas relações com a dos atributos<br />

imanentes. É no Filho que Deus tem o objeto perfeito da sua vontade bem<br />

como do conhecimento e do amor.<br />

O objeto da vontade de Deus na eternidade passada não é nada fora de si<br />

mesmo. Ela deve ser a mais elevada de todas as coisas. Vemos o que ela<br />

deve ser só quando nos lembramos de que a justiça é o imperativo incondicional<br />

da nossa natureza moral. Visto que nós fomos feitos à imagem de<br />

Deus, devemos concluir que ele quer eternamente a justiça. Nem todos atos<br />

de Deus são de amor, mas todos são de santidade. O respeito próprio, a<br />

preservação de si mesmo, a auto-afirmação, a vindicação de si mesmo, que<br />

chamamos santidade de Deus, apenas palidamente se refletem em afirmações<br />

tais como em Jó 27.5,6 - “Até que eu expire, nunca apartarei de mim<br />

a minha sinceridade. À minha justiça me apegarei e não a largarei”; 31.37 -<br />

“O número dos meus passos lhe mostraria; como príncipe me chegaria a ele”.<br />

0 fato de que o Espírito de Deus é denominado Espírito Santo deve ensinar-<br />

nos qual é a natureza essencial de Deus e a exigência de que nós sejamos<br />

santos como ele o é ensinam-nos qual é o verdadeiro padrão do dever humano<br />

e o objetivo da ambição humana. Contudo, porque a santidade de Deus é<br />

auto-afirmação, fornece a garantia de que o amor de Deus não deixa de garantir<br />

o seu fim e que todas as coisas atendem ao seu propósito. Rm. 11.36 —<br />

“Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele<br />

eternamente. Amém”.<br />

VI. ATRIBUTOS RELATIVOS OU TRANSITIVOS.<br />

Prim eira Divisão - Atributos relacionados com Tempo e Espaço<br />

1. Eternidade<br />

Isto significa que a natureza de Deus d) não tem começo nem fim; b) não<br />

tem sucessão de tempo; e c) contém em si a causa do tempo.<br />

Dt. 32.40 - “Porque levantarei a minha mão aos céus e direi: Eu vivo para<br />

sempre”; SI. 90.2 - “Antes que os montes nascessem ... de (desde a) eternidade<br />

... tu és Deus”; 102.27 - “os teus dias nunca terão fim”; Is. 41.4 - “Eu, o<br />

Senhor, o primeiro, e com os últimos”; 1 Co. 2.7-jtp ò -crôv aicbvcov - “antes dos<br />

séculos” = 7rpò Ka-capoXfjç KÓano-o - “antes da fundação do mundo” (Ef. 1.4).<br />

1 Tm. 1.17 - BacnXeí xuv aicbvcov - “Rei dos séculos” (também Ap. 15.8).<br />

1 Tm. 6.16 - aquele que tem, ele só, a imortalidade”. Ap. 1.8 - “o Alfa e o<br />

Ômega”. Dorner: “Não devemos fazer o Cronos (tempo) e o Urano (espaço)<br />

divindades mais antigas do que Deus”. Eles estão entre “todas as coisas” que<br />

“foram feitas por ele” (Jo. 1.3). Apesar de que nem tempo, nem espaço são<br />

substâncias; nem são atributos (qualidades da substância); ao invés disso,<br />

são relações da existência finita”. (P o r ter, Human Intellect, 568, prefere chamar<br />

o tempo e o espaço “correlatos aos seres e eventos”). Eles apareceram


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 411<br />

com a existência finita; não são meros conceitos reguladores da nossa mente;<br />

eles existem objetivamente quer os percebamos, quer não. Ladd: “O tempo é<br />

a pressuposição mental da duração dos eventos e dos objetos. Tempo não é<br />

uma entidade; caso fosse, seria necessário supor algum outro tempo em que<br />

ele continuasse a existir. Pensamos no espaço e no tempo como incondicionais,<br />

porque eles fornecem as condições do nosso conhecimento. A idade de<br />

um filho condiciona-se à do seu pai. As próprias condições não podem ser<br />

condicionadas. Espaço e tempo são formas, mas não apenas isso. Há algo<br />

além da mente no caso do espaço e do tempo, como no caso do som”.<br />

E x. 3 .1 4 - “ E u s o u ” - e n v o lv e e te r n id a d e . SI. 10 2 .12 -14 - “ M a s tu , ó S e n h o r,<br />

p e r m a n e c e r á s p a r a s e m p r e ... T u te le v a n ta r á s e te r á s p ie d a d e d e S iã o ; p o is<br />

é te m p o d e te c o m p a d e c e r e s d e la ... P o rq u e o s te u s s e r v o s ... s e c o m p a d e ­<br />

c e m d o s e u p ó ” = p o rq u e D e u s é e te rn o , e le te r á c o m p a ix ã o d e S iã o : e le fa r á<br />

is to , p o rq u e a té m e s m o n ó s , s e u s filh o s , a m a m o s a té o s e u p r ó p rio p ó . J d . 25<br />

- “ g ló r ia e m a je s ta d e , d o m ín io e p o d e r, a n te s d e to d o s o s s é c u lo s , a g o ra e<br />

p a ra to d o o s e m p r e ” . P f le id e r e r , Philos. Religion, 1.165 - “ D e u s é ‘ R e i d o s<br />

é o n s ( s é c u lo s ) ’ (1 T m . 1.17), p o r q u e e le d is tin g u e , e m s e u p e n s a m e n to , s u a<br />

e te rn a e s s ê n c ia d e s d e a s u a o b ra m u tá v e l n o m u n d o . E le n ã o e s tá a b s o rv id o<br />

n o p r o c e s s o ” . E d w a rd s , o m o ç o , d e s c r e v e a in te m p o r a lid a d e c o m o “ a p o s s e<br />

im e d ia ta e in v a riá v e l de to d a a v id a ilim ita d a ju n ta e d e u m a v e z ” . T y le r , Greek<br />

Poets, 148 - “O s d e u s e s p a g ã o s tin h a m a p e n a s e x is tê n c ia s e m fim . P a re c e<br />

q u e o s g r e g o s n u n c a c o n c e b e r a m a e x is tê n c ia s e m c o m e ç o ” . T e n n y s o n , Life,<br />

1.322 - “ P o rq u e e ra , é e s e r á s ig n ific a m a p e n a s é : E to d a a c ria ç ã o é u m a to<br />

in s ta n tâ n e o , O n a s c im e n to d a lu z ; m a s n ó s q u e n ã o s o m o s tu d o , c o m o p a r­<br />

te s , p o d e m o s v e r a p e n a s p a rte s , o r a e s ta , o r a a q u e la , p o r fo r ç a d e p e n s a r<br />

s o b re o p e n s a m e n to e fa z e r d o a to u m fa n ta s m a d a s u c e s s ã o : N o s s a fr a q u e ­<br />

z a é c o m o a fo r m a d a s o m b ra , o T e m p o ".<br />

A gostinho: “Mundus non in tempore, sed cum tempore, factus est” (O mundo<br />

foi feito não no tempo, mas com o tempo). Não há nenhum sentido na pergunta:<br />

Por que ocorreu a criação num tempo, quando poderia ter ocorrido antes?<br />

ou outra pergunta: O que Deus estava fazendo antes da criação? Estas perguntas<br />

pressupõem um tempo independente no qual Deus criou - um tempo<br />

antes do tempo. Por outro lado, a criação não ocorreu antes do tempo, mas<br />

Deus deu tanto o mundo como o tempo da sua existência. R oyce, World and<br />

Individual, 2.111-115 - “O tempo é a forma da vontade, assim como o espaço<br />

é a forma do intelecto (cf. 124,133). O tempo corre só numa direção (diferentemente<br />

do espaço), para o cumprimento da luta ou expectação. Perseguindo<br />

seus objetivos, o eu vive no tempo. Todo o agora é também uma sucessão,<br />

como ilustra cada melodia. Para Deus o universo é ‘totum simul’, como para<br />

nós qualquer sucessão é um todo. 233 - A morte é uma mudança na pequena<br />

extensão de tempo - o mínimo de tempo em que uma sucessão pode<br />

aparecer como um todo completo. Para Deus “mil anos são como um dia”<br />

(2 Pe. 3.8). 419 - Deus, na sua totalidade, como um Ser Absoluto, está consciente,<br />

não no tempo, mas do tempo, e tudo o que o tempo infinito contém.<br />

No tempo, seguem-se, na sua seqüência, as cordas da sua infinita sinfonia.<br />

Para ele esta é a sinfonia toda da vida de uma só vez ... Você une presente,<br />

passado e futuro numa só consciência sempre que você ouve qualquer das<br />

três palavras sucessivas: uma para o passado, outra para o presente, ao


412 Augustus Hopkins Strong<br />

mesmo tempo que uma terceira é o futuro. Assim Deus une na percepção<br />

ausente do tempo a sucessão toda dos eventos finitos. ... As notas simples<br />

não se perderam na melodia. Você está em Deus, mas você não está perdido<br />

em Deus”. M o z a r t , citado em W illia m J a m e s , Principies of Psychology, 1.255 -<br />

“Toda a invenção e a feitura prosseguem em mim como um belo sonho forte.<br />

Mas o melhor de tudo é ouvi-lo todo de uma só vez”.<br />

Eternidade é infinitude com relação ao tempo. Im plica que a natureza dc<br />

Deus não está sujeita à lei do tempo. Deus não está no tempo. Mais correto é<br />

dizer que o tempo não está em Deus. A pesar de que há sucessão lógica no><br />

pensamentos de Deus, não há sucessão cronológica.<br />

O tempo é a duração medida por sucessões. Duração sem sucessão ainda<br />

seria duração, apesar de imensurável. R e id , Intellectual Powers, ensaio 3,<br />

cap. 5 - “Podemos medir a duração pela sucessão dos pensamentos na mente,<br />

como podemos medir a distância por polegadas ou pés, mas a noção ou<br />

idéia de duração deve anteceder a sua medida, como a noção de distância<br />

antecede o ser medido”. Deus não está sob a lei do tempo. S o lly, WiH, 254 -<br />

“Deus olha através do tempo e nós olhamos através do espaço”. M u r p h y,<br />

Scientific Bases, 90 - “A eternidade não é, como se pensa, anterior e posterior<br />

a nós, uma linha sem fim. Não, ela é um círculo, infinitamente grande -<br />

todas as circunferências com criações amontoadas: Deus habita no centro,<br />

contemplando tudo. Quando nos movemos neste círculo eterno, a porção finita<br />

que só vemos atrás de nós já passou; o que está adiante chamamos de<br />

futuro. Mas para aquele que habita longe no centro, igualmente distante de<br />

cada ponto da circunferência, ambos são semelhantes, tanto o futuro como o<br />

passado”. V a u g h a n (1655): “Outra noite vi a eternidade, como um grande anel<br />

de pura e intérmina luz e calma em seu brilho; e em torno abaixo dele, o<br />

tempo, nas horas, dias, anos, dirigidos pelas esferas, como uma grande sombra<br />

se movia e nela o mundo e todo o seu séquito se arremessava”.<br />

Não podemos ter derivado da experiência nossa idéia de duração no passado<br />

porque a experiência nos dá só a duração que teve começo. Por isso a<br />

idéia de duração sem começo deve ser-nos dada pela intuição. C a s e , Physi-<br />

cal Realism, 379,380 - “O tempo é a continuação, ou contínua duração, do<br />

universo”. B r a d le y, Appearance and Reality, 39 - Considere o tempo como<br />

uma correnteza - sob uma forma espacial: “Se você tomar o tempo como<br />

uma relação entre as unidades sem duração, então o tempo todo não tem<br />

duração alguma e, na verdade não é tempo algum. Mas se você atribuir duração<br />

ao tempo todo, então, de uma vez por todas as unidades passam a pos-<br />

suí-lo e elas deixam de ser unidades”. O agora não é tempo a não ser que de<br />

passado se torne futuro e isto é um processo. O agora consiste em agoras e<br />

estes não podem ser descobertos. A unidade nada é a não ser a sua própria<br />

relação com alguma coisa além, impossível de se descobrir. Por isso o tempo<br />

não é real, mas uma aparência.<br />

J o h n C a ir d , Ideas, 1.185 - “Aquilo que se prende e correlaciona objetos<br />

no espaço não pode por si mesmo ser uma das coisas do espaço; aquilo que<br />

apreende e estabelece conexão entre os eventos que se sucedem uns aos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 413<br />

outros no tem po deve perm anecer acim a da sucessão ou corrente de eventos.<br />

Por ser capaz de m edi-ios, não pode estar fluindo com eles. Não poderia<br />

haver para a consciência própria tal coisa com o o tem po, se não fosse, em<br />

um dos seus aspectos, acim a do tem po, se não pertencesse a um a ordem<br />

que é ou tem em si um elem ento que é eterno. ... Com o pensam ento a sucessão<br />

não é sucessiva” . A. H. Strong, Historical Discourse, 9/5/1900 - “Deus é<br />

acim a do espaço e do tem po e nós estam os em Deus. A ssinalam os a passagem<br />

do tem po e escrevem os as nossas histórias. M as não podem os fazer<br />

isto apenas porque em nosso m ais elevado ser não pertencem os ao espaço<br />

e ao tem po, m as tem os em nós um a pitadinha da eternidade. J ohn Caird, nos<br />

diz que não podem os perceber o fluxo da correnteza se não fizerm os parte da<br />

corrente; só quando os pés estão plantados na sólida rocha podem os observar<br />

que a água corre ju nto dela. P ertencem os a Deus; estam os aquém de<br />

Deus; enquanto o m undo passa e a sua concupiscência; m as aquele que<br />

faz a vontade de Deus perm anece para sem pre” . J. E slin C arpenter e P. H.<br />

W icksteed, Studies of Theology, 10 - “ Dante fala de Deus com o aquele em<br />

quem ‘qualquer lugar e em qualquer tempo focalizam -se num ponto’, isto é,<br />

para quem cada estação é agora e cada lugar é aqui’.<br />

Amiefs Journal: “O tempo é a ilusão suprema. É o prisma interior através<br />

do qual decompomos o ser e a vida, o modo pelo qual percebemos sucessivamente<br />

o que é simultâneo à idéia. ... O tempo é a dispersão sucessiva do<br />

ser, do mesmo modo que a palavra é a análise sucessiva de uma intuição, ou<br />

de um ato da vontade. Em si mesmo ele é um ser relativo e negativo, e desaparece<br />

dentro do absoluto. ... Tempo e espaço são fragmentos do Infinito<br />

para o uso das criaturas finitas. Deus os permite para que ele não fique sozinho.<br />

Eles são o modo sob o qual tornam-se possíveis e concebíveis. ... Se o<br />

universo subsiste é porque a Mente eterna ama para perceber o seu próprio<br />

conteúdo, em toda a sua riqueza e expressão especialmente em seus estágios<br />

de preparação. ... As radiações da nossa mente são reflexos imperfeitos<br />

da grande demonstração dos fogos de artifício movimentados por Brama e a<br />

grande arte só é grande por causa da sua conformidade com a ordem divina<br />

- com aquilo que ela é”.<br />

Ainda que estamos longe de dizer que o tempo, que agora existe, não tem<br />

nenhuma realidade objetiva para com Deus. Para ele passado, presente e futuro<br />

são “um eterno agora”, não no sentido de que não há nenhum a distinção<br />

entre eles, mas só no sentido de que ele vê o passado e o futuro de um modo<br />

tão vivido como o presente. O tempo começou com a criação e porque as<br />

sucessões da história são verdadeiras sucessões, aquele que vê segundo a verdade<br />

deve reconhecê-las.<br />

T h o m a s C a r ly le chama Deus de “o Eterno Agora”. M a s o n , Faith ofthe Gos-<br />

pel, 30 - “Deus não é um zombador do tempo. ... Um dia é para o Senhor<br />

como mil anos. Ele vale o infinitésimo no tempo, assim como no espaço. Daí<br />

a paciência, a longanimidade, a expectação de Deus”. Devemos lembrar a<br />

inscrição no relógio de sol em que se fala a respeito das horas: “Pereunt et


4 1 4 Augustus Hopkins Strong<br />

imputantur”- “Eles passam de largo e são acusados por nossa causa”. Um<br />

certo pregador assinalou sobre a sabedoria de Deus que assim ordenou que<br />

os momentos de tempo vêm sucessivamente e não de um modo simultâneo e<br />

deste modo impedem a confusão infinita! S hedd, Dogm. Theol., 1.344, ilustra<br />

a eternidade de Deus através de dois meios nos quais uma pessoa pode ver<br />

uma procissão: em primeiro lugar, de um portal na rua pelo qual a procissão<br />

está passando; em segundo lugar do alto de uma torre que comanda a visão<br />

de toda a procissão ao mesmo tempo.<br />

S. E. M eze, citado em Royce, Conception ofGod, 40 - “Como se todos nós<br />

fôssemos cilindros, com os seus terminais removidos movendo-se através<br />

das águas de um lago plácido. Para os cilindros as águas parecem mover-se.<br />

O que passou é uma memória; o que está para vir é duvidoso. Mas o lago<br />

sabe que toda a água é igualmente real e que é tranqüila, imóvel não turbulenta.<br />

Falando tecnicamente, o tempo não é uma realidade. As coisas parecem<br />

passadas e futuras e, em certo sentido, não existentes para nós, mas, na<br />

verdade, são tão genuinamente reais como o presente o é”. Mesmo aqui existe<br />

uma ordem. Você não pode executar uma sinfonia do fim para o começo e<br />

ter uma música. Esta qualificação deve ao menos ser posta nas palavras de<br />

B erkeley: “Acho que uma sucessão de idéias constitui o tempo e não é apenas<br />

a medida sensível dele, como pensam o S r. Locke e outros”.<br />

F inney, citado em Biblia Sacra, out. 1877.722 - “Eternidade para nós significa<br />

toda a duração passada, presente e futura. Mas para Deus significa só<br />

agora. Duração e espaço, com relação à existência dele, significa coisas infinitamente<br />

distintas do que elas fazem com referência a nossa existência.<br />

A existência de Deus e seus atos, com relação à existência finita, referem-se<br />

ao tempo e ao espaço. Mas quando se relacionam com a nossa existência,<br />

tudo é aqui e agora. Sobre todas existências finitas, Deus pode dizer: Eu fui,<br />

eu sou, eu serei, eu farei; mas sobre a sua própria existência, tudo o que ele<br />

pode dizer é: Eu sou, eu faço”.<br />

Edwards, o moço, Works, 1.386,387 - “Na mente divina não há sucessão<br />

alguma; por isso não ocorre nenhuma nova operação. Todos atos divinos são<br />

desde a eternidade; para Deus não há tempo. Os efeitos destes atos divinos,<br />

na verdade, todos ocorrem no tempo e numa sucessão. Se se pudesse dizer<br />

que nesta suposição os efeitos não ocorrem senão após os atos através dos<br />

quais eles são produzidos, eu responderia que eles agem assim de acordo<br />

com o nosso ponto de vista, mas não no de Deus. Para ele o tempo não<br />

existe; nem antes nem depois a respeito do tempo; o tempo não tem existência<br />

na mente divina nem na natureza das coisas separadas das mentes e<br />

percepções das criaturas; mas ele depende da sucessão das percepções”.<br />

Devemos qualificar esta afirmação do jovem Edwards com a de Juuus M ü lle r,<br />

como segue: “Se a operação de Deus pode não ter nenhuma relação com o<br />

tempo, todos os limites da união entre Deus e o mundo transformam-se em<br />

pedaços através das dentadas”.<br />

Pergunta interessante é esta se o espírito humano é capaz de uma existência<br />

independente do tempo e se a concepção deste é puramente física.<br />

Em sonhos parece que perdemos de vista a sucessão; na dor extrema a idade<br />

se comprime num minuto. Será que isto lança luz sobre a natureza da<br />

profecia? É a alma do profeta um rapto na existência e visão independente do


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 15<br />

tempo? É de duvidar que Ap. 10.6 - õ t i x p ó v o ç o-üké-ci êo-cou (S t r o n g cita uma<br />

tradução bem próxima da língua original: “não existirá mais tempo”; a Revista<br />

e Atualizada dá: “já não haverá demora”; a Revista e Corrigida: idem) merece<br />

confiança como prova afirmativa; porque a Revised Version marg. e American<br />

Revisers traduzem “there shall be delay no longer” (não haverá mais<br />

demora). Juuus M ü l l e r , Doct. of Sin, 2.147 - “Toda a consciência própria é<br />

uma vitória sobre o tempo”. S h e d d , Dogm. Theol., 1.351 - “Há aqui sucessão<br />

e série tão grandemente rápida que parece simultânea”. Esta rapidez, contudo,<br />

é tão grande que mostra que cada homem pode no fim ser julgado num<br />

instante.<br />

2. Imensidade<br />

Isto significa que a natureza de Deus d) não tem extensão; b) não está<br />

sujeita a nenhum a limitação de espaço; e c) contém em si a causa do espaço.<br />

1 Re. 8.27 - “eis que os céus e até o céu dos céus te não poderiam conter”.<br />

O espaço é uma criação de Deus; Rm. 8.39 - “nem a altura, nem a<br />

profundidade, nem outra criatura”. Z a h n , Bíb. Dogmatik, 149 - “A Escritura<br />

não ensina a imanência de Deus no mundo, mas a imanência do mundo em<br />

Deus”. Dante não põe Deus como centro, mas Satanás; e, no centro, Satanás<br />

é esmagado com todo o peso do universo. Deus é o ser que abrange tudo.<br />

Todas as coisas existem nele. E. G. R o b in s o n : “O espaço é uma relação; Deus<br />

é o autor das relações e dos nossos modos de pensamento; por isso Deus é<br />

o autor do espaço. O espaço condiciona o nosso pensamento, mas não condiciona<br />

o de Deus”.<br />

J o n ath an E d w a r d s: “Lugar em si é mental e dentro e fora são concepções.<br />

... Quando digo que o universo material existe só na mente, quero dizer que<br />

ele depende absolutamente da concepção da mente para a sua existência e<br />

não existe como os espíritos, cuja existência não consiste na concepção das<br />

nossas mentes, nem depende delas”. H. M. S t a n l e y , sobre Espaço e Ciência,<br />

em Philosophical fíev., nov. 1898.615 - “O espaço não é cheio de coisas,<br />

mas as coisas são espaçosas. ... O espaço é uma forma de aparências dinâmicas”.<br />

B r a d le y leva ao extremo a idealidade de espaço quando, em sua<br />

Appearance and Reality, 35-38, diz-nos: Espaço não é uma simples relação,<br />

porque ele tem partes e o que podem ser as partes de uma relação? Mas o<br />

espaço não é nada a não ser uma relação porque é distâncias de distâncias<br />

- nada que possamos achar. Não podemos achar nenhum termo quer dentro,<br />

quer fora. O espaço, para ser espaço, deve ter espaço exterior a si mesmo.<br />

Por isso B r a d le y conclui que espaço não é realidade, mas apenas aparência.<br />

Imensidade é infinitude em relação ao espaço. A natureza de Deus não está<br />

sujeita à lei de espaço. Deus não está no espaço. É mais correto dizer que o<br />

espaço está em Deus. Contudo, o espaço tem um a realidade objetiva para<br />

Deus. Com a criação o espaço começou a ser e, porque Deus vê segundo a<br />

verdade, ele reconhece as relações de espaço na criação.


41 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Muitas das notas apresentadas na explicação do tempo aplicam-se ao<br />

espaço. O espaço não é uma substância, nem um atributo, mas uma relação.<br />

E ele existe tão logo a matéria extensa exista, e existe como sua condição<br />

necessária, quer suas mentes percebam, quer não. R e id , Intellectual Powers,<br />

ensaio 2, cap. 9 - Espaço não é tão apropriadamente um objeto do sentido<br />

como um elemento concomitante dos objetos da visão e do tato”. Quando<br />

vemos ou tocamos um corpo temos a idéia do espaço em que o corpo existe,<br />

mas a idéia de espaço não é fornecida pelo sentido; é uma cognição da razão<br />

a priori. A experiência fornece ocasião para a sua evolução, mas a mente<br />

evolui a sua concepção através da sua própria energia nativa.<br />

A n s e l m o , Proslogiort, 19 - “Nada te contém, mas tu conténs todas coisas”.<br />

Contudo, não é absolutamente preciso dizer que o espaço está em Deus<br />

porque esta expressão parece sugerir que Deus é um espaço maior que de<br />

certo modo inclui o menor. Ao invés disto, Deus é não espacial e Senhor do<br />

espaço. A noção de que espaço e a imensidão divina são idênticos conduz à<br />

uma concepção materialista de Deus. Espaço não é atributo de Deus, como<br />

sustentava C la r k e e nenhum argumento da existência divina pode ser construído<br />

a partir desta premissa (verpp. 85,86; Apost. 14; Apênd. Criação,<br />

p. 36). M a r t in e a u , T y p e s , 1.138,139,170 - “ M a l e b r a n c h e dizia que Deus é o<br />

lugar de todos os espíritos, do mesmo modo que o espaço é o lugar de todos<br />

os corpos. ... Descartes sustentava que não há esta coisa de espaço vazio.<br />

O nada não pode possivelmente ter extensão. Onde quer que esteja a extensão<br />

ali está alguma coisa estendida. Daí a doutrina de um plenum. É inconcebível<br />

a existência de um vácuo". L o t z e , Outlines Methaphysics, 87 - “Segundo<br />

o ponto de vista comum ... o espaço existe, e as coisas existem nele;<br />

segundo o nosso ponto de vista, só as coisas existem e entre elas não existe<br />

nada, mas o espaço existe ne/as”.<br />

C a s e , Physical Realism, 379,390 - “Espaço é a continuidade, ou a extensão<br />

contínua, do universo como substância”. L a d d : “ É o espaço extenso? Então<br />

deve ser extenso em algum outro espaço. Esse outro espaço é o de que<br />

falamos. Então o espaço não é uma entidade, mas uma pressuposição mental<br />

da existência da substância extensa. Espaço e tempo nem são finitos nem<br />

infinitos. Nem é circunferência, nem centro; seu centro seria toda a parte.<br />

Afinal de contas nem podemos imaginar o espaço. É somente uma precondi-<br />

ção da mente capacitar-nos a perceber as coisas”. Em Biblia Sacra, 1890.415-<br />

444, art.: É o Espaço uma realidade? O p r o f . M ead se opõe à doutrina de que<br />

o espaço é puramente subjetivo, como ensina B o w n e ; também a doutrina de<br />

que o espaço é uma certa ordem de relações entre realidades; que o espaço<br />

nada é sem as coisas; mas que as coisas, quando existem, ocorrem em certas<br />

relações, e que a soma, ou sistema, de tais relações constitui o espaço.<br />

Preferimos o ponto de vista de B o w n e , Metaphysics, 127,137,143, de que<br />

“Espaço é a forma da experiência objetiva e nada é da abstração dessa experiência.<br />

... “É uma forma de intuição e não um modo de existência. Segundo<br />

este ponto de vista, as coisas não estão no espaço e nas relações de espaço,<br />

mas aparentam estar. Em si mesmas essencialmente elas são não espaciais;<br />

mas através das suas interações recíprocas e com a mente, elas causam a<br />

aparência de um mundo de coisas extensas num espaço comum. Então, os<br />

predicados de espaço pertencem apenas aos fenômenos, não às coisas em


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 1 7<br />

s i.... A realidade aparente existe de um modo espacial; mas a própria realidade<br />

ontológica existe de um modo não espacial e sem predicados espaciais”.<br />

Segunda Divisão - Atributos relacionados com a Criação<br />

1. Onipresença<br />

Isto significa que Deus, na totalidade da sua essência, sem difusão ou<br />

expansão, m ultiplicação ou divisão, penetra e ocupa o universo em todas as<br />

suas partes.<br />

SI. 139.7 sq. - “Para onde me irei do teu Espírito? ou para onde fugirei da<br />

tua face?”; Jr. 23.23,24 - “Sou eu apenas Deus de perto, diz o Senhor, e não<br />

também Deus de longe? Não encho eu os céus e a terra?”; At. 17.27,28 -<br />

“não está longe de nós; porque nele vivemos, nos movemos e existimos”.<br />

F a b e r : “porque Deus nunca está tão longe; na verdade, está perto. Ele está<br />

dentro de nós. Nosso espírito é o lar que ele sustenta com apreço. Pensar<br />

nele como alguém que está ao nosso lado é quase tão inverídico como remover<br />

o seu santuário dos céus azuis coalhados de estrelas. Do mesmo modo,<br />

sempre quando pensava em mim mesmo como sem-teto, abandonado e fatigado,<br />

perdendo o meu regozijo, caminhava pela terra ao santuário de Deus”.<br />

H enri Amiel: “De cada ponto da terra estamos igualmente perto do céu e do<br />

infinito”. T e n n y s o n , The Higher Pantheism: “Fala-lhe, então, porque ele ouve,<br />

e o espírito com o espírito pode encontrar-se; ele está mais perto do que o<br />

fôlego, mais perto do que as mãos e os pés”. “Tão pleno, tão perfeito, como a<br />

um fio de cabelo do coração”.<br />

O ateu escreveu: “Deus não está em lugar nenhum”, mas a sua filhinha<br />

leu: “Deus está agora aqui”, e isto o converteu. [Em inglês: “God is nowhere<br />

(nowhere = em parte alguma, em nenhum lugar)” e a menina leu: “God is now<br />

here (now here = agora aqui)”]. A criança às vezes pergunta: “Se Deus está<br />

em toda a parte, como pode haver lugar para nós?” e a única resposta é que<br />

Deus não é um ser material, mas espiritual, cuja presença não exclui a existência<br />

finita, mas, ao invés disso, torna tal existência possível. Esta presença<br />

universal de Deus teve de ser aprendida gradualmente. Requereu grande fé<br />

em Abraão para que saísse de Ur dos caldeus, e ainda sustentar que Deus<br />

estaria com ele numa terra distante (Hb. 11.8). Jacó aprendeu que a escada<br />

celeste o seguia por qualquer lugar aonde ele fosse (Gn. 28.15). Jesus ensinou<br />

que “nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo. 4.21).<br />

As misteriosas vindas e idas do nosso Senhor após a sua ressurreição pretendiam<br />

ensinar aos seus discípulos que estaria com eles “todos os dias, até<br />

a consumação dos séculos” (Mt. 28.20). A onipresença de Jesus demonstra,<br />

a fortiori, a onipresença de Deus.<br />

Como explicação deste atributo, podem os dizer:<br />

a) A onipresença de Deus não é potencial, mas essencial. - Rejeitamos a<br />

representação sociniana de que a essência de Deus está no céu e só o seu


418 Augustus Hopkins Strong<br />

poder está na terra. Quando se diz que “Deus habita no céu”, deve-se entender<br />

ou como linguagem sim bólica ou como expressão de exaltação acima das coisas<br />

terrenas, ou como um a declaração de que suas mais especiais e gloriosas<br />

m anifestações próprias são aos espíritos do céu.<br />

SI. 123.1 - “Para ti, que habitas nos céus”; 113.5 - “que habita nas alturas”;<br />

Is. 57.15 - “o Alto e o Sublime, que habita na eternidade”. A simples<br />

onipresença potencial é tanto deística como Sociniana. Como as aves do<br />

céu, ou os peixes do mar, “em casa ou fora ainda estamos rodeados com<br />

Deus”. Não precisamos subir até o céu para pedir que ele desça ou ao abismo<br />

para que ele suba (Rm. 10.6,7). A melhor ilustração se encontra na presença<br />

da alma em cada parte do corpo. Parece que a mente não está confinada<br />

ao cérebro. Na filosofia, o realismo natural, diferente do idealismo, requer<br />

que a mente esteja no ponto de contato com o mundo exterior, ao invés de ter<br />

relacionamentos e idéias trazidas para o cérebro. Todos os que crêem numa<br />

alma consideram-na presente ao menos em todas as partes do cérebro e isto<br />

é uma onipresença relativa em princípio não menos difícil que a sua presença<br />

em todas as partes do corpo. O cérebro de um animal pode estar congelado<br />

num pedaço sólido como um gelo, apesar de que, após o degelo, ele agirá<br />

como antes: apesar de que o congelamento de todo o corpo causará a morte.<br />

Se o princípio imaterial estivesse confinado ao cérebro, seria de esperar que<br />

o congelamento do cérebro causasse a morte. Mas se a alma pode estar<br />

onipresente no corpo ou mesmo no cérebro, o Espírito pode estar onipresente<br />

no universo. B o w n e , Metaphysics, 136 - “Se as coisas finitas são modos do<br />

infinito, cada coisa deve ser um modo do infinito inteiro; e o infinito deve estar<br />

presente em sua unidade e plenitude em cada coisa finita, exatamente como<br />

a alma inteira está presente em todos os seus atos”. Esta concepção idealista<br />

da mente toda presente em todos os seus pensamentos deve ser considerada<br />

como a melhor analogia da onipresença de Deus no universo. A este ponto<br />

de vista objetamos que esta onipresença é simplesmente potencial conforme<br />

encontramos em C la r k e , Christian Theology, 74 - “Nós sabemos e só nós<br />

sabemos que Deus é capaz de produzir a sua ação, sem levar em conta o<br />

lugar. ... A onipresença é um elemento da imanência de Deus. ... Se ele não<br />

está em toda a parte, na verdade, ele não é Deus em parte nenhuma. A onipresença<br />

está implicada em toda a providência, em toda a oração, em toda a<br />

comunhão com Deus e confiança nele”.<br />

Até onde se concebe que a consciência não está confinada a um só ponto<br />

no cérebro, a pergunta se outras porções do cérebro ou do corpo também<br />

podem ser sede da consciência pode ser considerada como puramente acadêmica,<br />

e a resposta não precisa afetar o nosso presente argumento. Admitimos<br />

o princípio da onipresença uma vez que sustentamos que a alma é consciente<br />

em mais de um ponto do organismo físico. Contudo a pergunta sugerida<br />

acima é interessante e a respeito dela os psicólogos estão divididos. P a u l s e n ,<br />

Einleitung in die Philosofie (1892), 133-159, sustenta que a consciência é<br />

correlata à soma total dos processos corporais e com ele concordam F ech ner<br />

e W u n d t . “ P lü g e r e L ew es dizem que, como os hemisférios do cérebro devem<br />

a sua inteligência à consciência que sabemos estar nele assim a inteligência


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 419<br />

dos atos do nervo espinhal deve realmente ser devido à presença de uma<br />

consciência de grau inferior”. A cascavel do P r o f . B r e w e r após várias horas<br />

de ter sido decapitada ainda o atacava com o seu pescoço ensangüentado<br />

quando eie tentava agarrá-la pela cauda. A partir da reação da perna do sapo<br />

decapitado não podemos inferir alguma consciência? “ R o b in , ao fazer cócegas<br />

no peito de um criminoso uma hora depois da sua decapitação viu o<br />

braço e a mão moverem-se para a marca”. H u d s o n , Demonstration O fa Future<br />

Life, 239-249, cita H a m m o n d , Tratise on Insanity, cap. 2, para provar que o<br />

cérebro não é o único órgão da mente. O instinto não reside exclusivamente<br />

no cérebro; ele está situado na medulla oblongata, ou nervo espinhal ou em<br />

ambos órgãos. A mente objetiva, no entender de H u d s o n , é função do cérebro<br />

físico e cessa quando o cérebro perde a sua vitalidade. Alguns animais executam<br />

atos instintivos após a retirada do cérebro e seres humanos nascidos<br />

sem o cérebro fazem o mesmo. J o h n s o n , Andover Re v., abr 1890.421 -<br />

“O cérebro não é a única sede da consciência. A mesma evidência que aponta<br />

para o cérebro como a principal sede da consciência também aponta para<br />

os centros nervosos situados no nervo espinhal ou em outra parte como sede<br />

de uma consciência ou inteligência mais ou menos subordinada”. ír e l a n d ,<br />

Blot on the Brain, 26 - “Não vejo prova de que a consciência está totalmente<br />

limitada ao cérebro”.<br />

A despeito destas opiniões, contudo, devemos admitir que o consenso<br />

geral entre os psicólogos está do outro lado. D e w e y , Psychology, 349 -<br />

Os nervos sensoriais e os motores têm pontos de contato no nervo espinhal.<br />

Quando se transfere o estímulo de um nervo sensorial para um motor sem a<br />

intervenção consciente da mente, temos uma ação reflexa.... Se alguma coisa<br />

se aproxima do olho o estímulo é transferido para o nervo espinhal e, em vez<br />

de ser contínuo até o cérebro e causar o aparecimento de uma sensação,<br />

descarrega-se num nervo motor e o olho se fecha imediatamente. ... A ação<br />

reflexa em si mesma não envolve consciência”. W illia m J a m e s , Psychology,<br />

1.16,66,134,214 - “O córtex cerebral é o único órgão da consciência do<br />

homem. ... Se houver qualquer consciência pertencente aos centros inferiores,<br />

trata-se de uma consciência de que o eu nada conhece. ... Nos animais<br />

inferiores não é este o caso. ... A sede da mente no que se refere às suas<br />

relações dinâmicas, encontra-se em alguma parte no córtex do cérebro”.<br />

b) A onipresença de Deus não é a presença de um a parte, do todo divino<br />

em toda a parte. - Isto se segue da concepção de Deus como incorpóreo.<br />

Rejeitamos a representação m aterialista de que Deus é composto de elementos<br />

materiais que podem ser divididos e separados. Não há nenhum a m ultiplicação<br />

ou difusão de sua substância que corresponda às partes dos seus domínios.<br />

A essência una de Deus está presente ao mesmo tempo em tudo.<br />

1 Re. 8.27 - “o céu e até o céu dos céus não poder-te-iam conter (circunscrever)”.<br />

Deus deve estar presente em toda a sua essência e em todos os<br />

seus atributos em todo lugar. Ele é o “totus in omne parte”. A l g e r , A Poesia do<br />

Oriente: “Apesar de que Deus se estende além dos limites da Criação, cada


4 2 0 Augustus Hopkins Strong<br />

um dos menores átomos contém todo o seu ser”. Disto se segue que o Logos<br />

todo pode estar unido ao homem Jesus Cristo presente nele, enquanto ao<br />

mesmo tempo ele ocupa e governa o universo todo; e deste modo o Cristo<br />

todo pode estar unido ao simples crente e presente nele, de modo tão pleno<br />

como se o crente fosse o único a receber a sua plenitude.<br />

A. J. G o r d o n : “Na matemática o todo é igual à soma das partes. Mas sabemos<br />

que, no Espírito, cada parte é igual ao todo. Cada igreja, cada verdadeiro<br />

corpo de Jesus Cristo tem o tanto de Cristo como qualquer outra e que tem o<br />

Cristo por inteiro”. Mt. 18.20 - “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu<br />

nome, aí estou eu no meio deles”. “O pároco de austeridade subiu à torre de<br />

uma Igreja Anglicana a fim de estar mais próximo de Deus de modo a poder<br />

entregar a sua palavra ao povo. E no esboço do sermão escreveu o que ele<br />

pensava que ter vindo do céu. E ele o despejou na cabeça do povo duas<br />

vezes por dia durante sete dias. Foi então que Deus disse: ‘Desce e morre’,<br />

e ele clamou lá da torre: ‘Onde estás, Senhor”? E o Senhor respondeu:<br />

‘Lá embaixo no meio do meu povo’ “.<br />

c) A onipresença de Deus não é necessária, mas livre. - Rejeitamos a noção<br />

panteísta de que Deus está confinado ao universo como o universo está confinado<br />

a Deus. Deus é im anente no universo, não por coação, mas por ato livre<br />

da sua vontade, e esta imanência é qualificada por sua transcendência.<br />

Deus poderia por sua vontade deixar de ser onipresente, porque ele poderia<br />

destruir o universo; mas, enquanto o universo existir, ele está e deve estar<br />

em toda a parte. Deus é a vida e a lei do universo; esta é a verdade do pante-<br />

ísmo. Mas ele também é pessoal e livre; isto o panteísmo nega. O Cristianismo<br />

sustenta a liberdade do mesmo modo que a onipresença essencial -<br />

entretanto, qualificada e suplementada pela transcendência de Deus. A alardeada<br />

verdade no panteísmo é um princípio elementar do cristianismo e é só<br />

a pedra de travessia para uma verdade mais nobre: a presença pessoal de<br />

Deus na sua igreja. O Talmude contrasta a adoração de um ídolo com a do<br />

Senhor: “O ídolo parece tão próximo, mas está tão longe, enquanto o Senhor<br />

está tão longe, mas está tão perto!” A onipresença de Deus garante-nos que<br />

ele está presente conosco para ouvir-nos e presente em cada coração nos<br />

confins da terra para responder a oração.<br />

O puritano voltou da moita de beldroega, dizendo: “Eu aprendi a não chamar<br />

nada na terra de encantador”. Entretanto, este é o desprezo não só do<br />

artesanato, mas da presença do Todo-poderoso. A menor coisa na natureza<br />

merece estudo porque é a revelação do Deus presente. A uniformidade da<br />

natureza e o reino da lei nada são a não ser a firme vontade do Deus onipresente.<br />

A gravitação é a onipresença de Deus no espaço, como a evolução é a<br />

presença de Deus no tempo. D o r n e r , System ofDoctrine, 1.73 - Sendo Deus<br />

onipresente, o contato com ele pode ser conseguido em qualquer momento<br />

em oração e na contemplação; é certo que é sempre verdade que nele vivemos,<br />

nos movemos e existimos como a fonte perene e onipresente da nossa<br />

existência”. Rm. 10.6-8 - “Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 421<br />

(isto é, para trazer do alto a Cristo;)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, a<br />

tornar a trazer dentre os mortos a Cristo)? Mas o que diz? A palavra está junto<br />

de ti, na tua boca e no teu coração”. L o t z e , Metaphysics, par. 256, citado em<br />

Il l in g w o r t h , Divine Immanence, 135,136. Aluno da Escola Dominical: “Deus<br />

está no meu bolso”? “É claro que sim”. “Não. Ele não está porque eu não<br />

tenho bolso”. Deus é onipresente até onde há um universo, mas ele deixa de<br />

ser onipresente quando o universo deixa de ser.<br />

2. Onisciência<br />

Isto significa que Deus conhece perfeita e eternam ente todas as coisas que<br />

são objeto do seu conhecim ento quer reais ou possíveis, passadas, presentes<br />

ou futuras.<br />

Deus conhece a sua criação inanimada: SI. 147.4 - “conta o número das<br />

estrelas, chamando-as todas pelos seus nomes”. Ele tem conhecimento dos<br />

brutos: Mt. 10.29 - pardais - “nenhum deles cairá em terra sem a vontade de<br />

vosso Pai”. Dos homens e suas obras: SI. 33.13-15 - “olha todos os filhos dos<br />

homens ... contempla todas as suas obras”. Do coração dos homens e seus<br />

pensamentos: At. 15.8 - “Deus, que conhece os corações”; SI. 139.2 - “de<br />

longe entendes o meu pensamento”. Das nossas necessidades: Mt. 6.8 -<br />

“sabe o que vos é necessário”. Das mínimas coisas: Mt. 10.30 - “até mesmo<br />

os cabelos das vossas cabeças estão contados”. Do passado: Ml. 3.16 - “um<br />

memorial escrito”. Do futuro: Is. 46.9.10 - “anuncio o fim desde o princípio”.<br />

Dos atos livres dos homens: At. 2.23 - “a este que vos foi entregue pelo<br />

determinado conselho e presciência de Deus”. Do idealmente possível: 1 Sm.<br />

23.12 - “Entregar-me-iam os cidadãos de Queila, a mim e aos meus homens,<br />

nas mãos de Saui? E disse o Senhor: Entregariam” (sc. se tu permaneces-<br />

ses); Mt. 11.23 - “se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti<br />

se operaram, teria ela permanecido até hoje”. Desde a eternidade: At. 15.18 —<br />

O Senhor, que faz estas coisas que são conhecidas desde a eternidade”.<br />

Incompreensível: SI. 139.6 - “Tal ciência é para mim maravilhosíssima”;<br />

Rm. 11.33 - “Ó profundidade das riquezas tanto da sabedoria como da ciência<br />

de Deus”. Relacionada com a sabedoria: SI. 104.24 - “Todas as coisas<br />

fizeste com sabedoria”; Ef. 3.10 - ““multiforme sabedoria de Deus”.<br />

Jó 7.20 - “Ó Guarda dos homens”; SI. 56.8 - “tu contaste as minhas<br />

vagueações” = toda a minha vida tem sido um exílio contínuo; põe as minhas<br />

lágrimas no teu odre” = o odre do oriente; há tantas lágrimas que podem<br />

enchê-lo; “não estão elas no teu livro?” = nenhuma lágrima caiu no solo sem<br />

ser notada; Deus as reuniu todas. Hb. 4.13 - “Não há nenhuma criatura encoberta<br />

diante dele, antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos<br />

daqueles com quem temos de tratar” - te-tpaxTiXtcjxéva - com a cabeça pendida<br />

para trás e o pescoço nu como os animais mortos em sacrifício, ou agarrados<br />

pela garganta e lançados às costas de modo que o sacerdote pudesse<br />

descobrir se havia qualquer mancha. Diz o provérbio japonês: “Deus se esqueceu<br />

de esquecer”.


4 2 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

a) A onisciência de Deus pode ser dem onstrada a partir da sua onipresença<br />

assim como a partir da sua verdade ou autoconhecim ento, no qual o plano d-<br />

criação tem sua eterna base e a partir da profecia, que expressa a onisciência<br />

de Deus.<br />

Convém lembrar que a onisciência, como designação de um atributo relativo<br />

e transitivo, não inclui o autoconhecimento de Deus. O termo é empregado<br />

num sentido técnico de Deus conhecer todas as coisas pertencentes a o<br />

universo da sua criação. A.H. G o r d o n : “Viagens leves mais rápidas que o<br />

som”. Você pode ver um lampejo do fogo da boca do canhão a uma milha de<br />

distância, bem antes que o ruído da descarga chegue ao ouvido. Deus produziu<br />

o lampejo de uma predição nas páginas da sua palavra e nós o vemos.<br />

Aguardemos um pouco e veremos o próprio evento”.<br />

R o y c e , The Conception of God, 9 - “O ser onisciente deve ser aquele que<br />

se apresenta não em virtude de processos de investigação fragmentários e<br />

gradualmente completos, mas em virtude de um discernimento de alcance<br />

total direto e transparente para com a sua própria verdade; o que eu digo é<br />

que ele apresenta a si mesmo a resposta realizada, a cada pergunta genuinamente<br />

racional”.<br />

b) Porque ela é livre de toda a imperfeição, o conhecimento de Deus é<br />

imediato como distinto do conhecimento que vem através do sentido ou da<br />

imaginação; simultâneo, não adquirido por observação ou construído por processos<br />

de raciocínio; distinto, livre de toda a vacuidade ou confusão; verdadeiro,<br />

correspondendo perfeitam ente à realidade das coisas; eterno, compreendido<br />

em um ato que independe do tem po na m ente divina.<br />

Uma mente infinita deve sempre agir e agir de um modo absolutamente<br />

perfeito. Em Deus não há sentido, símbolo, memória, abstração, crescimento,<br />

reflexo, arrazoado; seu conhecimento é totalmente direto e sem intermediários.<br />

Os egípcios com propriedade não representavam Deus tendo olho,<br />

mas sendo-o. Para nós, seus pensamentos “são mais do que se podem contar”<br />

(SI. 40.5), não porque haja sucessão neles, ora lembrando, ora esquecendo,<br />

mas porque nunca há um momento da nossa existência em que estejamos<br />

fora da sua mente; ele está sempre pensando em nós. Gn. 16.13 - “tu<br />

és Deus que vê”. M iv a r t, Lessons from Nature, 374 - “Cada criatura de cada<br />

ordem de existência, conquanto sustentada, é tão complacentemente contemplada<br />

por Deus, que a atenção de todos os homens de ciência juntos<br />

podem apenas formar um símbolo inadequado de tal contemplação divina”.<br />

Deste modo, o escrutínio de Deus sobre cada ato das trevas é mais do que<br />

um simples relance de um Coliseu total de espectadores e o seu olho é mais<br />

vigilante sobre os bons do que todos os exércitos do céu e da terra juntos.<br />

A r m s t r o n g , God and the Soul: “ A energia de Deus é a atenção concentrada,<br />

concentrada em toda a parte. Podemos dar atenção a duas ou três coisas<br />

ao mesmo tempo; o pianista toca e conversa ao mesmo tempo; o mágico faz


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

uma coisa enquanto aparenta fazer outra. Deus dá atenção a todas as coisas<br />

ao mesmo tempo”. M arie C orelli, Master Christian, 104 - “O biógrafo é uma<br />

indicação de que cada cena da vida humana panorama movendo-se em<br />

algum lugar, para ver alguma pessoa”. O telégrafo sem fio é uma estupenda<br />

advertência de que para Deus não há segredo e que “nada há encoberto que<br />

não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se” (Mt. 10.26).<br />

Os raios de Rõntgen (raios x) que fotografam o nosso interior, mesmo através<br />

das nossas roupas e mesmo na escuridão da meia-noite, mostram que, para<br />

Deus “a noite resplandece como o dia” (SI. 139.12).<br />

O telescópio equatorial do Prof. M itchel, que vagarosamente é movimentado<br />

por um cronógrafo na direção do ocaso, subitamente tocou o horizonte e<br />

descobriu um menino numa árvore roubando maçãs, mas o menino não<br />

sabia que estava sob a mira do astrônomo. Nada tão temível para o prisioneiro<br />

no cachot (calabouço) francês como o olho do guarda que nunca parava de<br />

vigiá-lo em perfeito silêncio pelo furo na porta. Como no Império Romano o<br />

mundo todo era para um malfeitor uma grande prisão e, em sua fuga para as<br />

mais distantes terras, o imperador podia saber o que se pensava dele, do<br />

mesmo modo, no governo de Deus nenhum pecador pode escapar ao olho do<br />

seu Juiz. O texto de Gn. 16.13 - “Tu és Deus que vê” - tem sido empregado<br />

como um constrangimento do mal ao invés de um estímulo para o bem. Para<br />

os filhos do diabo, sem dúvida deve haver tal constrangimento. Para os filhos<br />

de Deus, entretanto, não há dúvida de que se trata do estímulo para o bem.<br />

Deus não deve ser considerado como um exator que supervisiona ou que<br />

ameaça, mas, ao invés disso, alguém que nos entende, nos ama e nos ajuda.<br />

SI. 139.17,18 - “Quão preciosos são para mim, ó Deus, os teus pensamentos!<br />

Quão grande é a soma deles! Se os contasse, seriam em maior número<br />

do que a areia; quando acordo, ainda estou contigo”.<br />

c) Porque Deus conhece as coisas como são, ele conhece as seqüências<br />

necessárias de sua criação como necessárias, os atos livres da criaturas como<br />

livres, os idealmente possíveis como idealm ente possíveis.<br />

Deus sabe o que teria acontecido sob circunstâncias não presentes agora;<br />

sabe o que o universo teria sido se ele tivesse escolhido um plano diferente<br />

para a criação; sabe o que teriam sido as nossas vidas se tivéssemos<br />

tomado decisões diferentes no passado (Is. 48.18 - “Ah! se tivesses dado<br />

ouvido ... Então a tua paz seria como um rio”). C larke, Christian Theology, 77<br />

- “Deus tem um duplo conhecimento do seu universo. Ele o conhece desde a<br />

eternidade como é em sua mente, como existe desde, do mesmo modo que<br />

conhece a sua idéia; e conhece-o como realmente é no tempo e no espaço,<br />

movendo-se, mudando, crescendo, num processo de perpétua sucessão. Em<br />

sua própria idéia, ele conhece tudo ao mesmo tempo; mas ele também sabe<br />

da perpétua transformação e, com referência aos eventos, ele tem a presci-<br />

ência, o conhecimento presente, e o conhecimento posterior sobre como eles<br />

ocorrem. ... Ele concebe todas as coisas simultaneamente, mas observa-as<br />

em sua sucessão”.<br />

423


4 2 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Royce, World and Individual, 2.374 - sustenta que Deus não prevê temporariamente<br />

qualquer coisa exceto quando ele expressa nos seres finitos, ainda<br />

que o Absoluto possua um conhecimento perfeito num relance de toda a<br />

ordem temporal, presente, passada e futura. Isto, diz ele, não é presciência,<br />

mas conhecimento eterno. P riestley negava que qualquer evento contingente<br />

fosse objeto do conhecimento. Mas R eid diz que a negação de que qualquer<br />

ação livre pode ser prevista envolve a negação da própria atuação livre<br />

de Deus visto que as suas ações futuras podem ser previstas pelos homens;<br />

além disso, conquanto Deus prevê as suas ações livres, isto não as determina<br />

de modo necessário.<br />

d) O fato de que nada há na condição presente das coisas a partir das quais<br />

as ações futuras das criaturas livres necessariam ente se seguem por lei natural<br />

não impede Deus de prever tais ações porque seu conhecimento não é mediato.<br />

mas imediato. Ele não só conhece antecipadam ente os motivos que ocasionarão<br />

os atos dos homens, mas diretam ente conhece diretamente os próprios<br />

atos. A possibilidade de tal conhecim ento direto sem atribuir sua base é aparente<br />

se admitirmos que o tempo é um a form a de pensamento finito a que a<br />

mente divina não está sujeita.<br />

A ristóteles sustentava que não há nenhum conhecimento exato das ocorrências<br />

futuras eventuais. De igual modo, S ocínio, conquanto admita que Deus<br />

conhece todas as coisas cognoscíveis, resume os objetos do conhecimento<br />

divino, afastando do número aqueles cuja existência futura ele considera<br />

incerta, tais como as determinações dos agentes livres. Estes, sustenta ele,<br />

não podem ser conhecidos antecipadamente porque nada há na condição<br />

presente das coisas a partir das quais eles necessariamente vêm em conseqüência<br />

de um causa natural. O homem que fabrica um relógio pode dizer<br />

quando ele vai bater as horas. Mas a vontade livre, não estando sujeita às leis<br />

mecânicas, não pode ter seus atos preditos ou conhecidos com antecedência.<br />

Deus conhece as coisas nas suas causas - os eventos futuros só nos<br />

seus antecedentes.<br />

Com esta doutrina sociniana concordam alguns arminianos, como M cC abe<br />

em Foreknowlegde of God e em Divine Nescience of Future Contingencies a<br />

Necessity. M cCabe, contudo, sacrifica o princípio da livre vontade, em defesa<br />

do qual ele faz esta rendição da presciência de Deus, dizendo que, nos casos<br />

de profecia cumprida, como a negação de Pedro e a traição de Judas, Deus<br />

exerceu influências especiais a fim de garantir o resultado; de modo que a<br />

vontade de Pedro e a de Judas agiram isentas da responsabilidade sob a lei<br />

de causa e efeito. Ele cita o D r. Daniel C urry declarando que a negação<br />

absoluta da presciência divina é complemento essencial à teologia metodista<br />

sem o que sua incompleta filosofia é indefensável contra a consistência lógica<br />

do calvinismo”. Ver também o artigo de M cC abe na Methodist Review, set.<br />

1892.760-773. Ver também S imon, ReconcHiation, 287 - “Deus constituiu uma<br />

criatura cujas ações ele só pode conhecer como tais depois de executadas.<br />

Na presença do homem, em certa extensão, até mesmo o grande Deus


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

condescende em esperar; ainda mais: ele assim ordenou as coisas para que<br />

pudesse aguardar, inquirindo: ‘O que ele vai fazer?’”<br />

Também D ugald S tewart: “Arriscarei afirmar aquilo que excede ao poder<br />

de Deus permitir tal conjunto de eventos contingentes para que ocorram quando<br />

a sua própria presciência não alcança?” Martensen sustenta este ponto de<br />

vista e Rothe, Theologische Ethik, 1.212-234, que declara que as escolhas<br />

livres dos homens aumentam continuamente o conhecimento de Deus.<br />

Do mesmo modo também M artineau, Study of Religion, 2.279 - “A crença na<br />

presciência divina sobre o nosso futuro não apresenta base nenhuma na filosofia.<br />

Nós não mais consideramos ser verdade que Deus conhece o memento<br />

da minha vida moral que virá a seguir. Até mesmo ele não sabe se eu vou<br />

me entregar à tentação secreta ao meio-dia. Para ele a vida é um drama cuja<br />

conclusão ele desconhece”. Então, diz o D r. A.J. G ordon, nada há tão lúgu-<br />

bre e tão terrível como viver sob a direção de um Deus assim. O universo está<br />

correndo como um trem expresso sem farol ou sem maquinista; a qualquer<br />

momento podemos cair no abismo. Lotze não nega a presciência de Deus a<br />

respeito das livres ações do homem, mas considera para o intelecto humano<br />

insolúvel o problema da relação de tempo para com Deus e tal presciência<br />

como “um dos postulados a respeito dos quais não sabemos como eles<br />

podem cumprir-se”. B owne, Philosophy of Theism, 159 - “A presciência de<br />

um ato livre é o conhecimento sem a base própria para conhecer. Sobre a<br />

suposição de um tempo real, é difícil achar uma saída para esta dificuldade.<br />

... A doutrina da idealidade do tempo ajuda-nos, sugerindo a possibilidade de<br />

um presente de total alcance, ou um eterno agora, para Deus. Neste caso, o<br />

problema desaparece com o tempo, que é a sua condição”.<br />

Quanto à doutrina da nesciência divina, insistimos não só na nossa fundamental<br />

convicção sobre a perfeição de Deus, mas no constante testemunho<br />

da Escritura. Em Is. 41.21,22 Deus faz da sua presciência o teste da sua<br />

divindade na controvérsia com os ídolos. Se Deus não pode antecipar o<br />

conhecimento dos atos livres do homem, “o Cordeiro que foi morto desde a<br />

fundação do mundo” (Ap. 13.8), então foi somente um sacrifício a ser oferecido<br />

no caso de Adão cair, e Deus não sabia se cairia ou não, e no caso de<br />

Judas trair Cristo, Deus não sabia se Judas trairia ou não. Na verdade, visto<br />

que o curso da natureza muda de acordo com a vontade do homem quando<br />

ele queima cidades e derruba florestas, segundo esta teoria Deus não pode<br />

predizer nem mesmo o curso da natureza. Por isso, toda a profecia é um<br />

protesto contra este ponto de vista.<br />

Não somos capazes de dizer de que modo Deus tem a presciência das<br />

livres decisões do homem, mas então o método do conhecimento de Deus a<br />

respeito de muitas outras coisas nos é desconhecido. Têm sido propostas as<br />

seguintes explicações. Deus pode ter a presciência dos atos livres:<br />

1. Mediatamente, tendo a presciência dos motivos destes atos, quer porque<br />

estes motivos induzem a tais atos, 1) necessariamente, ou 2) com certeza.<br />

Deve-se aceitar este último caso quer porque os motivos nunca são<br />

causas, mas somente ocasiões, da ação. A causa é a vontade, ou o próprio<br />

homem. Mas pode-se dizer que ter presciência dos atos através dos motivos,<br />

afinal de contas não é ter presciência, mas é raciocinar ou, ao invés disso,<br />

inferir. Contudo, apesar de que os seres inteligentes normalmente agem<br />

4 2 5


4 2 6 Augustus Hopkins Strong<br />

segundo motivos previamente dominantes, eles também, em momentos críticos,<br />

como na queda de Satanás e na de Adão, escolheram entre motivos e,<br />

em tais casos, o conhecimento dos motivos que eles tinham não lhes deu a<br />

chave para as suas decisões. Por isso, outra afirmação se propõe a resolver<br />

estas dificuldades, a saber, Deus pode ter a presciência dos atos livres;<br />

2. Imediatamente, através da pura intuição, inexplicável para nós. J ulius<br />

M üller, Doctrine ofSin, 2.203,225 - “Se Deus pode conhecer um evento futuro<br />

como certo apenas através do cálculo das causas, pode-se admitir que ele<br />

não pode ter a presciência com certeza de qualquer ato livre do homem; porque<br />

a sua presciência seria, então, uma prova de que o ato em questão é<br />

a conseqüência necessária de algumas causas e não é em si mesma livre.<br />

Ao contrário, se o conhecimento divino for considerado intuitivo, vemos que<br />

ele está na mesma relação que o próprio ato quanto aos seus antecedentes e<br />

deste modo fica removida a dificuldade”. Mesmo sobre este ponto de vista<br />

permanece a dificuldade de perceber como pode haver na mente de Deus<br />

uma certeza subjetiva relativa aos atos a respeito dos quais não há nenhuma<br />

base objetiva fixa da certeza. Contudo, a despeito desta dificuldade, sentimo-<br />

nos tanto limitados à Escritura como à idéia fundamental da perfeição<br />

de Deus a fim de sustentar o perfeito conhecimento de Deus sobre os atos<br />

livres das suas criaturas. Dizemos com o P residente P epper; “O conhecimento<br />

da contingência não é necessariamente conhecimento contingente”. Com<br />

W hedon: “Não se trata de cálculo, mas de puro conhecimento”.<br />

é) A presciência não é em si m esm a causativa. Não deve ser confundida<br />

com a vontade pré-determinante de Deus. As ações livres não ocorrem porque<br />

são previstas, mas são previstas porque ocorrem.<br />

Ver uma coisa no futuro não a faz ser, mais do que ver uma coisa no<br />

passado. Quanto aos eventos do futuro, podemos, com W hedon, dizer:<br />

“O conhecimento os recebe, não os faz”. A presciência pode, e faz, pressupor,<br />

mas não é a predeterminação. T omás de A quino, em sua Summa, 1.38;<br />

1.1, diz que o conhecimento de Deus é a causa das coisas”; mas ele se sente<br />

na obrigação de acrescentar: “Deus não é a causa de todas as coisas que ele<br />

conhece, visto que as coisas más que ele conhece não provêm dele”.<br />

f) A onisciência abrange o real e o possível, mas não abrange o autocontra-<br />

ditório e impossível porque estes não são objetos do conhecimento.<br />

Deus não sabe qual seria o resultado se dois e dois fossem cinco, nem<br />

sabe “se uma quimera ruminando no vácuo devorasse segundas intenções”;<br />

e isso, simplesmente em razão de que ele não pode conhecer a autocontradi-<br />

ção e o absurdo. Tais coisas não são objeto de conhecimento. C larke, Christian<br />

Theology, 80 - “Pode Deus fazer um velho num minuto? Poderia ele fazer<br />

o bem ao ímpio enquanto este permanecesse ímpio? Poderia ele criar um<br />

mundo em que dois e dois são cinco?” Royce, Spirit of Modem Philosophy,<br />

366 - “Deus conhece o número total que é a raiz quadrada de 65? ou que


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 27<br />

montanhas adjacentes há que não têm vales entre si? Deus conhece quadrados<br />

redondos e cubos de sal formados de açúcar, sinarcas, ‘Boojums’ e Abra-<br />

cadabra?”<br />

g) A onisciência, qualificada por vontade santa, denom ina-se na Escritura<br />

“sabedoria” . Em virtude da sua sabedoria Deus escolhe os mais elevados fins<br />

e usa os mais adequados meios para cumpri-los.<br />

Sabedoria não é somente “consideração de todas as coisas segundo o<br />

seu próprio valor” (O lmstead); ela tem também em si o elemento do conselho<br />

e propósito. Tem sido definida como “o talento de empregar os talentos próprios”.<br />

Implica em duas coisas: primeiro, a escolha do mais elevado fim;<br />

segundo, a escolha do melhor recurso para garanti-lo. J. C. C. C larke, Self<br />

and the Father, 39 - “A sabedoria não consiste em concepções inventadas,<br />

ou harmonia de teorias com teorias; mas na humilde obediência da mente ao<br />

recebimento dos fatos encontrados nas coisas”. Deste modo, a sabedoria do<br />

homem, a obediência, a fé são nomes para os diferentes aspectos da mesma<br />

coisa. Em Deus a sabedoria é a escolha moral que torna a verdade e a santidade<br />

supremas. Bowne, Principies of Ethics, 261 - “O socialismo persegue<br />

um fim louvável através de recursos insanos ou destrutivos. Não basta ser<br />

bom. Nossos métodos devem levar em conta a natureza das coisas, se se<br />

espera que sejam bem sucedidas. Não podemos produzir bem-estar através<br />

da lei. Nenhuma legislação remove desigualdades da natureza e da constituição.<br />

A sociedade não pode produzir igualdade, assim como não pode fazer<br />

um rinoceronte cantar, ou legislar a transformação de um gato em leão”.<br />

3. Onipotência<br />

É o poder de Deus fazer todas as coisas que são objeto do seu poder com o<br />

sem o uso de meios.<br />

Gn. 17.1 - “Eu sou o Deus Todo-poderoso”. Ele forma as maravilhas naturais:<br />

Gn. 1.1-3 - “Haja luz”; Is. 44.24 - “estendo os céus por mim mesmo”;<br />

Hb. 1.3 - “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”. Maravilhas<br />

espirituais: 2 Co. 4.6 - “Deus, que disse que das trevas resplandecesse<br />

a luz, é quem resplandeceu em nossos corações”; Ef. 1.19 - “sobreexcelente<br />

grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”; Ef. 3.20 - “poderoso para<br />

fazer muito mais abundantemente”. Poder para criar novas coisas: Mt. 3.9 -<br />

“mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão”; Rm. 4.17 - “vivi-<br />

fica os mortos e chama as coisas que não são como se fossem”. Segundo o<br />

seu próprio prazer: SI. 115.3 - “faz tudo o que lhe apraz”; Ef. 1.11 - “faz todas<br />

as coisas segundo o propósito da sua vontade”. Nada impossível: Gn. 18.14<br />

- “Haveria alguma coisa difícil para o Senhor?” Mt. 19.26 - “a Deus tudo é<br />

possível”. E. G. Robinson, Christian Theology, 73 - “Se, para a sua existência,<br />

todo o poder do universo depende da sua vontade criativa, é impossível conceber<br />

qualquer limite para o seu poder a não ser aquele deixado por sua


4 2 8 Augustus Hopkins Strong<br />

própria vontade. Mas esta é apenas uma prova negativa; a onipotência absoluta<br />

não é demonstrável logicamente, embora prontamente reconhecida como<br />

um justo conceito do Deus infinito, quando proposto na autoridade de uma<br />

revelação positiva.<br />

A onipotência de Deus é ilustrada pela obra do Espírito Santo, que na<br />

Escritura é comparado ao vento, à água e ao fogo. As manifestações comuns<br />

destes elementos não fornecem nenhum critério sobre os efeitos que eles<br />

podem produzir. O poderoso vento que soprou no Pentecostes é a analogia<br />

do vento Espírito, que teve tudo diante de si no primeiro dia da criação<br />

(Gn. 1.2; Jo. 3.8; At. 2.2). O derramamento do Espírito assemelha-se ao dilúvio<br />

de Noé quando as janelas do céu se abriram e não houve lugar suficiente<br />

para receber aquilo que caía Ml. 3.10. E o batismo do Espírito Santo é como<br />

o fogo que destruirá toda a impureza até o fim do mundo (Mt. 3.11; 2 Pe. 3.7-13).<br />

d) A onipotência não im plica poder de fazer o que não é objeto do poder;<br />

por exemplo, aquilo que é autocontraditório ou contradiz a natureza de Deus.<br />

Coisas autocontraditórias: “facere factum infectum” - fazer de um evento<br />

passado que não tenha ocorrido (daí a inutilidade de orar: “Faça-se aquilo<br />

que é bom”); fazer, entre dois pontos, um caminho mais curto do que a reta;<br />

reunir duas montanhas separadas sem um vale entre elas. Coisas contrárias<br />

à natureza de Deus: mentir, pecar, morrer. Fazer tais coisas não implicaria<br />

poder, mas impotência. Deus tem todo o poder consistente com a perfeição<br />

infinita - todo o poder para fazer o que é digno dele mesmo. Deste modo, o<br />

homem não pode dizer coisa maior do que esta: “Eu me atrevo a fazer tudo<br />

quanto possa tornar-se um homem; quem se atreve a fazer mais é filho de<br />

nada”. Até mesmo Deus não pode fazer o errado ser certo, nem detestar-se<br />

por ser bendito. Há quem sustente que o evitar o pecado num sistema moral<br />

não é objeto de poder e, por isso, Deus não pode evitar o pecado num sistema<br />

moral. Sustentamos o contrário.<br />

D ryden, Imitation of Horace, 3.29.71 - “Sobre o passado nem o céu tem<br />

poder; A quilo que foi, foi e já tive a m inha hora” - palavras aplicadas por Lord<br />

John R u ssell à sua própria carreira. Emerson, The Past: “Tudo agora está<br />

garantido e firm e; Nem os deuses podem ab alar o passado” . Um aluno da<br />

Escola Dom inical: Professor, Deus pode faze r um a rocha tão grande que não<br />

possa erguê-la?” P rofessor do S em inário: “ Pode Deus m entir?” Estudante do<br />

S em inário: “T udo para Deus é po ssível”.<br />

b) Onipotência não implica o exercício de todo o poder da parte de Deus.<br />

Ele tem poder sobre o seu poder; em outras palavras, o seu poder está sob o<br />

controle da sábia e santa vontade. Deus pode fazer tudo o que ele quer, mas<br />

não quer tudo o que ele pode. De outra form a seu poder seria mera força<br />

agindo necessariamente, e Deus seria escravo de sua onipotência.<br />

S chleiermacher sustenta que a natureza não se baseia apenas na causalidade<br />

divina, mas expressa-a plenamente; não existe em Deus uma força


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

causativa de algo que não seja real e verdadeiro. Tai doutrina não difere<br />

essencialmente da natura naturans e natura naturata de S pinoza. Mas a onipotência<br />

não é instintiva; é uma força utilizada segundo o beneplácito de Deus.<br />

De modo algum Deus está limitado às leis da natureza, ou preso a uma evolução<br />

necessária do seu próprio ser, como supõe o panteísmo. Como R othe<br />

já demonstrou, Deus tem um poder livre sobre o poder da natureza e não está<br />

compelido a tudo o que ele pode fazer. Das pedras que estão na rua ele pode<br />

“suscitar filhos a Abraão”, mas ele não o fez. Em Deus estão encerrados os<br />

tesouros, uma fonte inexaurível de novos princípios, novas criações, novas<br />

revelações. Supor que, na criação, ele despendeu todas as possibilidades do<br />

seu ser é negar a sua onipotência. Jó 26.14 - “Eis que isto são apenas as<br />

orlas dos seus caminhos; e quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem,<br />

pois, entenderia o trovão do seu poder?”<br />

1 Pe. 5.6 - “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus” - sua<br />

poderosa mão da providência, da salvação, da bênção - para que, a seu<br />

tempo, vos exalte; lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele<br />

tem cuidado de vós”. “As poderosas forças sobre o poderoso controle” - esta<br />

é a maior apresentação do poder. A ausência de limites não é a maior liberdade.<br />

Os jovens devem aprender que a autolimitação é a verdadeira força.<br />

Pv. 16.32 - “Melhor é o iongânimo do que o valente, e o que governa o seu<br />

espírito do que o que toma uma cidade”. S hakespeare, Coriolano, 2.3 -<br />

“Temos em nós mesmos poder para fazê-lo, mas é um poder de termos força<br />

para não fazermos”. Quando a dinamite se abre, tudo se abre: sem reservas.<br />

Deus emprega o seu poder tanto quanto lhe apraz: o que lhe sobra da ira, do<br />

mesmo modo que nos outros, ele sufoca.<br />

c) A onipotência em Deus não exclui, mas implica, o poder de autolimitação.<br />

Porque toda essa limitação é livre, é ato e manifestação do poder de Deus.<br />

A liberdade hum ana não se tom a impossível por causa da onipotência divina,<br />

mas existe em virtude dela. Há um ato de onipotência quando Deus se humilha<br />

e assume a carne hum ana na pessoa de Jesus Cristo.<br />

T omásio: “Se Deus está sobre todas as coisas e em todas as coisas, ele<br />

não as pode ser”. SI. 113.5,6 - “Quem como o Senhor, nosso Deus ... que se<br />

curva para ver o que está no céu e na terra”? Fp. 2.7,8 - “esvaziou-se a si<br />

mesmo ... humilhou-se a si mesmo”. O Presidente Woolsey apresentou o verdadeiro<br />

poder quando controlou a sua indignação e deixou um estudante que<br />

o ofendeu ir embora. A respeito de Cristo na Cruz, ver M oberly, Atonement<br />

and Personaüty, 116 - “Foi o poder [de conservar a sua vida, a fim de escapar<br />

do sofrimento], com a vontade de valer-se dele e não o empregou, que deu<br />

provas daquilo que ele era: homem obediente e perfeito”. Somos mais parecidos<br />

com o onipotente quando nos limitamos em função do amor. O atributo<br />

da onipotência é a base da confiança assim como do temor, da parte das<br />

criaturas de Deus. Isaac W atts: Cada palavra da sua graça é tão forte como<br />

aquele que edifica os céus; a voz que gira as estrelas profere todas as promessas”.<br />

429


4 3 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Terceira Divisão - Atributos relacionados com os seres m orais<br />

1. Veracidade e Fidelidade ou Verdade transitiva<br />

Veracidade e fidelidade são a verdade transitiva de Deus em sua dupla<br />

relação com as criaturas em geral e com seu povo redimido em particular.<br />

SI. 138.2 - “louvarei o teu nome pela tua benignidade e pela tua verdade:<br />

pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome”; Jo. 3.33 - “aquele<br />

que aceitou o testemunho, esse confirmou que Deus é verdadeiro”; Rm. 3.4 -<br />

“seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso”; Jo. 14.17 - “o Espírito<br />

de verdade”; 1 Co. 1.9 - “Fiel é Deus”; 1 Ts. 5.24 - “Fiel é o que vos chama”;<br />

Nm. 23.19 - “Deus não é homem para que minta”; Tt. 1.2 - “Deus, que<br />

não pode mentir, prometeu”; Hb. 6.18 - “nas quais é impossível que Deus<br />

minta”.<br />

a) Em virtude da sua veracidade, todas as suas revelações às criaturas são<br />

consistentes com o ser essencial dele e umas com as outras.<br />

Na veracidade de Deus temos a garantia de que as nossas faculdades em<br />

seu exercício normal não nos enganam; que as leis do pensamento são as<br />

leis das coisas; que o mundo exterior e as causas secundárias que há nele<br />

têm existência objetiva; que as mesmas causas sempre produzem os mesmos<br />

efeitos; que as ameaças da natureza moral executar-se-ão no transgressor<br />

impenitente; que a natureza moral do homem é a imagem de Deus; e que<br />

podemos tirar justas conclusões a respeito do que é a consciência em nós<br />

sobre o que a santidade é nele. Por isso podemos esperar que todas as revelações<br />

passadas, quer na natureza, quer na sua palavra não serão contraditadas<br />

pelo nosso conhecimento futuro, mas, ao invés disso, provarão ter<br />

nelas mais verdades do que jamais sonhávamos. A palavra do homem pode<br />

passar, mas a palavra de Deus permanece para sempre (Mt. 5.18 - “nem um<br />

jota, nem um til se omitirá da lei sem que tudo seja comprido”; Is. 40.8 - “a<br />

palavra de Deus permanece para sempre”).<br />

Mt. 6.16 - “não sejais como os hipócritas”. Em Deus, a expressão exterior<br />

e a realidade interior correspondem-se sempre. Os desejos dos assírios<br />

eram escritos numa tabuinha encaixada em outra sobre a qual estava escrita<br />

a mesma coisa. A quebra ou falsificação do invólucro exterior podia ser<br />

corrigida pela referência interior. Do mesmo modo a nossa vida exterior deve<br />

estar em conformidade com o coração, que se acha no interior, e o coração,<br />

no interior, com a vida exterior. Sobre o dever de falar a verdade e as limitações<br />

desse dever, veja-se Newman S mith, Christian Ethics, 386-4 03 - “entrega<br />

a verdade sempre àqueles que, no âmbito da humanidade têm o direito<br />

à verdade; esconda-a, ou falsifica-a só quando o direito à verdade tiver<br />

sido perdido, ou esteja em falta, por doença, fraqueza, ou alguma intenção<br />

criminosa”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 3 1<br />

b) Em virtude da sua fidelidade, ele cumpre todas as suas promessas ao seu<br />

povo, quer expressas em palavras quer implicadas na constituição que ele lhes<br />

conferiu.<br />

Na fidelidade de Deus temos uma base segura da confiança de que ele<br />

executará aquilo que o seu amor o levou a prometer aos que obedecem o<br />

evangelho. Visto que as suas promessas não se baseiam naquilo que somos<br />

ou que temos feito, nas no que Cristo é e fez, nossos defeitos e erros não os<br />

invalidam, desde que sejamos verdadeiramente penitentes e tenhamos fé:<br />

1 Jo. 1.9 - “fiel e justo para nos perdoar os pecados” = fiel à sua promessa e<br />

justo para com Cristo. A fidelidade de Deus também garante um suprimento<br />

de todas as reais necessidades do nosso ser tanto aqui como daqui em diante,<br />

visto que tais necessidades implicam promessas daquele que nos fez:<br />

SI. 84.11 - “não negará bem algum aos que andam na retidão”; 91.4 - “A sua<br />

verdade é escudo e broquel”; Mt. 6.33 - “e as demais coisas vos serão acrescentadas”;<br />

1 Co. 2.9 - “as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e<br />

não subiram ao coração do homem são as coisas que Deus preparou para os<br />

que o amam”.<br />

Régulo volta a Cartago para morrer ao invés de quebrar a sua promessa<br />

aos seus inimigos. G eorge W illiam C urtis economiza durante anos e desiste<br />

de ser rico para pagar as dívidas do seu pai, que morreu. Quando o General<br />

Grant vendeu todos os presentes que lhe deram as cabeças coroadas da<br />

Europa e pagou em que o seu filho insolvente o envolvera, disse: “A pobreza<br />

e a honra é melhor do que a riqueza e a desgraça”. Muitos homens de negócio<br />

prefeririam morrer a deixar de cumprir a sua promessa e permitir que o<br />

seu título fosse a protesto. A veracidade de Deus não é menor do que a do<br />

homem mortal.<br />

2. Misericórdia e Bondade ou Amor Transitivo<br />

M isericórdia e bondade são o am or transitivo de Deus em sua dupla relação<br />

com o desobediente e com as porções de suas criaturas.<br />

Tt. 3.4 - “amor de Deus ... para com os homens”; Rm. 2.4 - “benignidade<br />

de Deus”; Mt. 5.44.45 - “amai a vossos inimigos ... para que sejais filhos do<br />

Pai”; Jo. 3.16 - “Deus amou o mundo”; 2 Pe. 1.3 - “nos deu tudo o que diz<br />

respeito à vida e piedade”; Rm. 8.32 - “nos dará com ele todas as coisas”;<br />

Jo. 4.10 - “Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus,<br />

mas em que ele nos amou e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos<br />

pecados”.<br />

d) M isericórdia é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a buscar<br />

o bem temporal e a salvação eterna dos que se opuseram à vontade dele,<br />

mesmo a custo do sacrifício próprio.


4 3 2 Augustus H opkins Strong<br />

M artensen: “Visto na relação com o pecado, o amor eterno é a graça compassiva”.<br />

A contínua entrega da vida natural da parte de Deus é uma prefigu-<br />

ração, numa esfera menor, a comunicação da vida espiritual e eterna através<br />

de Jesus Cristo. Quando ele nos determina que amemos os nossos inimigos,<br />

ele só nos manda seguirmos o seu exemplo. S hakespeare- Titus Andronicus,<br />

2.2 - “Podes aproximar-te da natureza dos deuses? Aproxima-te deles,<br />

então, sendo misericordioso”. Twelfth Night, 3.4 - “Não há na natureza nenhuma<br />

mácula a não ser a mente; nada pode deformar-se a não ser a ausência<br />

de bondade. Virtude é beleza”.<br />

b) Bondade é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a comunicar<br />

sua própria vida e bênção aos que são semelhantes a ele no caráter moral.<br />

Bondade, portanto, é quase idêntica ao am or da complacência; misericórdia<br />

ao amor da benevolência.<br />

Note, contudo, que o amor transitivo é apenas uma manifestação exterior<br />

do amor imanente. O eterno e perfeito objetivo do amor de Deus está na sua<br />

própria natureza. Os homens tornam subordinados os objetivos desse amor<br />

só quando eles se tornam conexos e identificados com o seu principal objetivo,<br />

a imagem da perfeição de Deus em Cristo. Os homens se tornam filhos de<br />

Deus somente no Filho. O requisito para isto acha-se na aceitação de Cristo<br />

pelo homem. Deste modo pode-se dizer que Deus entrega-se ao homem justo<br />

quando este deseja recebê-lo. E como Deus se dá ao homem, em todos os<br />

seus atributos morais, a fim de responder por ele e renovar o seu caráter, há<br />

verdade na afirmação de N ordell (Examiner, 17/01/1884) de que a manutenção<br />

da santidade é função da justiça divina; a difusão da santidade é função<br />

do amor divino”. Admitimos que isto é substancialmente verdade, conquanto<br />

neguemos que o amor é uma simples forma ou manifestação da santidade.<br />

A entrega própria é diferente da auto-afirmação. O atributo que move Deus a<br />

derramar não é idêntico ao que o leva a mantê-lo. Estas duas idéias, de santidade<br />

e de amor, são de tal modo distintas como, por um lado, a da integridade<br />

e, por outro, da generosidade. Park: “Em certo sentido Deus ama Satanás<br />

e nós também devemos amá-lo”. S hedd: “Este mesmo amor de compaixão<br />

Deus sente para com o não eleito; mas proíbe-se a expressão dessa compaixão<br />

por razões que, para Deus, são suficientes, mas inteiramente desconhecidas<br />

da sua criatura”. A bondade de Deus é a base do galardão, sob o governo<br />

de Deus. A fidelidade leva Deus a guardar as suas promessas; a bondade<br />

o leva a cumpri-las.<br />

Edwards, Nature of Virtue, in Works, 2.263 - O amor da benevolência não<br />

pressupõe beleza no seu objeto. O amor da complacência a pressupõe. Virtude<br />

não é amor a um objeto por sua beleza. A beleza dos seres inteligentes<br />

não consiste no amor à beleza, ou a virtude no amor a esta. Virtude é o amor<br />

ao ser em geral, exercido numa boa vontade geral. Esta é a doutrina de Edwards.<br />

Preferimos dizer que virtude é amor, não ao ser em geral, mas ao bom ser, e<br />

assim a Deus, o Santo. O amor da compaixão é perfeitamente compatível<br />

com a abominação do mal e com a indignação contra aquele que o comete.<br />

O amor não implica necessariamente aprovação, mas o desejo de que todas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

as criaturas cumpram o propósito da sua existência através da morai, de conformidade<br />

com o Santo.<br />

Rm. 5.8 - “Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por<br />

nós, sendo nós ainda pecadores”. Devemos amar os nossos inimigos e Satanás<br />

é o nosso pior inimigo. Devemos querer o bem de Satanás e acalentar<br />

para com ele o amor da benevolência, apesar de não o amor da complacência.<br />

Isto não envolve tolerância para com o seu pecado, ou ignorância da sua<br />

depravação moral como os versos de W m. C. G annett parecem implicar:<br />

“O poema tem o fruto do arbusto quando chega ao olho do poeta; a rua começa<br />

para o mascarado quando S hakespeare passa por ela. Cristo vê a brancura<br />

do coração de Judas e ama também o seu traidor; para o anjo, Deus explora<br />

o seu novo céu, o seu mais profundo inferno”.<br />

3. Justiça e Retidão, ou Santidade Transitiva<br />

Justiça e retidão são a santidade transitiva de Deus, em virtude da qual seu<br />

tratamento para com as criaturas se conform a com a pureza de sua natureza, -<br />

a retidão demandando de todos os seres m orais a conform idade com a perfeição<br />

de Deus, e a justiça visitando a inconformidade com aquela perfeição na<br />

perda judicial ou sofrimento.<br />

Gn. 18.25 - “Não faria justiça o Juiz de toda a terra”? Dt. 32.4 - “todos os<br />

seus caminhos juízos são; Deus é a verdade e nele não há injustiça; justo e<br />

reto é”; SI. 5.5 - “aborreces a todos os que praticam a maldade”; 7.9-12 - “ó<br />

justo Deus, provas o coração ... salvas os retos ... é um juiz justo, um Deus<br />

que se ira todos os dias”; 18.24-26 - retribuiu-me o Senhor conforme a minha<br />

justiça ... com o benigno te mostrarás benigno ... com o perverso te mostrarás<br />

indomável”. Mt. 5.48 - “Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai,<br />

que está nos céus”; Rm. 2.6 - “recompensará a cada um segundo as suas<br />

obras”; 1 Pe. 1.16 - “Sede santos porque eu sou santo”. Estas passagens<br />

mostram que Deus ama as mesmas pessoas que ele detesta. Não é verdade<br />

que ele detesta o pecado, mas ama o pecador; ele tanto ama como detesta o<br />

pecador; detesta-o quando ele é um vivo e voluntário antagonista da verdade<br />

e da santidade, ama-o quando ele é uma criatura capaz do bem e arruinado<br />

pela sua transgressão.<br />

Não há nenhum pecado abstrato separado das pessoas em quem esse<br />

pecado está representado e incorporado. T homas Fuller achava difícil esfomear<br />

a profanação, mas alimentar a pessoa do impudico mendigo que recorre<br />

a ele por alimento. O S r. Finney declarava que mataria o caçador de escravos,<br />

mas o amaria de todo o seu coração. Na guerra civil dos Estados Unidos<br />

o Dr. K irk dizia: “Deus sabe que nós amamos os rebeldes, mas Deus também<br />

sabe que nós os mataremos se eles não depuserem as suas armas”.<br />

A complexa natureza de Deus não só permite como necessita deste mesmo<br />

duplo tratamento para com o pecador e o pai terreno experimenta o mesmo<br />

conflito de emoções quando o seu coração anseia pelo filho corrompido que<br />

ele é obrigado a banir da sua casa. M oberly, Atonement and Personality, 1 -<br />

Quem é punido é o pecador, não o pecado”.<br />

4 3 3


4 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

a) Porque justiça e retidão são sim plesmente santidade transitiva - e a retidão<br />

designa esta santidade principalm ente em seu aspecto determinativo, a<br />

justiça principalm ente no punitivo, - elas não são m anifestações de benevolência,<br />

ou da disposição de Deus de assegurar a mais alta felicidade das suas<br />

criaturas, nem se baseiam na natureza das coisas como algo separado de Deus<br />

ou acim a dele.<br />

C remmer, N. T. Lexicon: Síkocioç = a perfeita coincidência que existe entre<br />

a natureza de Deus a qual é o padrão para todos e para os seus atos”. Justiça<br />

e retidão são apenas santidade exercida para com as criaturas. A mesma<br />

santidade que existe em Deus na eternidade passada manifesta-se como<br />

justiça e retidão logo que as criaturas inteligentes passam a existir. Muito do<br />

que se disse da santidade como atributo imanente de Deus aplica-se também<br />

aqui. A tendência moderna de se confundir santidade com amor mostra-se na<br />

incorporação de justiça e retidão na simples benevolência. Vejamos alguns<br />

exemplos desta tendência: Ritschl, Unterricht, par. 16 - “A retidão de Deus<br />

denota a maneira como Deus opera a sua amorosa vontade na redenção do<br />

mesmo modo que a humanidade como um todo e o homem em particular; por<br />

isso a sua justiça não se distingue da sua graça”. P rof. G eorges M. Forbes:<br />

“Só o justo faz o amor moral; só o amor faz o justo moral”. J ones, Robert<br />

Browning, 70 - “Não é a beneficência que coloca a morte como o centro do<br />

pecado? Carlyle se esqueceu disso. Deus não é apenas um grande realizador<br />

de tarefas. O poder que impõe a iei não é um poder estranho”. D’A rcy,<br />

Idealism and Theology, 237-240 - “Como a auto-realização pode ser a realização<br />

dos outros? Como o verdadeiro bem pode ser sempre o bem comum?<br />

Por que o fim de cada um é o fim de todos? ... Precisamos um universal<br />

concreto que unifique todas as pessoas”.<br />

Do mesmo modo também, Harris, Kingdom ofChríston Earth, 39-42; God,<br />

The Creator. 287,299,302 - “O amor, como a razão requer e regula, pode<br />

chamar-se retidão. Amor é boa vontade universal ou benevolência, regulada<br />

em seu exercício pela retidão. Amor é escolha de Deus e do homem como<br />

objeto de confiança e serviço. Esta escolha envolve a determinação da vontade<br />

de buscar o bem-estar universal e, neste aspecto, está a benevolência.<br />

Envolve também o consentimento da vontade sobre a razão, e a determinação<br />

de regular toda ação na busca do bem-estar através da verdade, da lei, e<br />

do ideal; neste aspecto ele é retidão. ... Justiça é o consentimento da vontade<br />

para com a lei do amor, com sua autoridade, seus requisitos e sanções. A ira<br />

de Deus é a reação necessária da lei do amor na constituição e na ordem do<br />

universo contra o malfeitor que não lhe obedece e os sacrifícios de Cristo<br />

expiam o pecado afirmando e mantendo a autoridade, a universalidade e a<br />

inviolabilidade da lei do amor de Deus na redenção dos homens e perdão dos<br />

seus pecados. ... A retidão não pode ser o todo do amor porque isto nos<br />

encerraria no espírito formal da lei sem dizer-nos o que a lei requer de nós.<br />

A benevolência não pode ser o amor completo porque isto nos encerraria no<br />

hedonismo, na forma de utilitarismo, excluindo a retidão do caráter de Deus e<br />

do homem”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 3 5<br />

Newman Smith também, em Christian Ethics, 2 2 7 -2 3 1, diz-nos que “o amor,<br />

como auto-afirmação, é retidão; a entrega de si mesmo é benevolência; como<br />

o seu encontro próprio nos outros, é simpatia. A retidão como consideração<br />

subjetiva ao nosso ser moral é santidade; como consideração objetiva pela<br />

pessoa dos outros é justiça. A santidade está envolvida no amor como respeito<br />

a si mesma; o Pai celeste é o Pai santo (Jo. 17.11). O amor contém em sua<br />

unidade uma virtude trina. O amor afirma sua própria dignidade, concede o<br />

bem aos outros e acha sua vida ainda no bem-estar dos outros. O limite ético<br />

da entrega própria encontra-se na auto-afirmação. O amor em doação de si<br />

mesmo não pode tornar-se suicida. A benevolência do amor tem os seus<br />

laços morais na santidade do amor. Em Deus o verdadeiro amor mantém a<br />

sua transcendência e exclui o panteísmo”.<br />

A doutrina acima, citada substancialmente de N ewman S mith, parece-nos<br />

incluir no amor, sem garantia, aquilo que apropriadamente pertence à santidade.<br />

Virtualmente nega que a santidade tenha qualquer existência independente<br />

como atributo de Deus. Fazer da santidade uma manifestação do amor<br />

parece-nos tão irracional como dizer que a auto-afirmação é uma forma de<br />

auto-entrega. Admitir que a santidade regula e limita o amor mostra que a<br />

santidade não pode por si mesma ser amor, mas deve ser um atributo independente<br />

e superior. O justo fornece a regra e a lei para o amor, mas não é<br />

verdade que o amor fornece a regra e a lei para o justo. Não existe esta tal<br />

dupla soberania como esta teoria quer implicar. O único atributo independente<br />

e supremo é a santidade e o amor é somente o impulso para comandar<br />

esta santidade.<br />

W illiam A shmore: “O Dr. C larke dá grande ênfase ao caráter de um ‘bom<br />

Deus’. ... Mas ele é muito mais que um bom Deus; ele é um Deus justo e um<br />

Deus reto e um Deus santo - um Deus que se ‘ira contra o ímpio’ mesmo<br />

enquanto ele está pronto a perdoar se o ímpio se arrepende do seu caminho<br />

e não do próprio ímpio. Ele é o Deus que trouxe o dilúvio sobre o mundo dos<br />

ímpio; que fez chover fogo e enxofre dos céus; e que deve vir no ‘fogo fazendo<br />

vingança sobre aqueles que não conhecem a Deus’ e não obedecem ao<br />

evangelho do seu Filho. ... Paulo raciocinava a respeito da ‘bondade’ e da<br />

‘severidade’ de Deus”.<br />

b) Santidade transitiva, com o retidão, im põe a lei na consciência e na<br />

Escritura e pode ser cham ada santidade legislativa. Como justiça, executa as<br />

penas da lei e pode ser chamada santidade distributiva ou judicial. N a retidão<br />

Deus revela principalm ente seu amor de santidade; na justiça principalmente<br />

sua aversão ao pecado.<br />

A auto-afirmativa pureza de Deus demanda igual pureza naqueles que<br />

foram feitos imagem sua. Como Deus quer e mantém a sua própria excelência<br />

moral, do mesmo modo todas as criaturas devem querer e manter a excelência<br />

moral de Deus. Só pode haver um centro no sistema solar; o sol é o<br />

seu centro bem como o de todos os planetas. B ixby, Crisis in Morais, 282 -<br />

“Não é racional ou seguro para a mão separar-se do coração. Isto é um universo,


4 3 6 Augustus Hopkins Strong<br />

e Deus é o coração do grande sistema. O altruísmo não resulta da sociedade,<br />

mas esta resulta daquele. Começa com as criaturas e desce até o homem.<br />

Os animais que sabem como agrupar-se têm maior chance de sobrevivência.<br />

Os animais anti-sociais morrem mais cedo. O organismo mais perfeito é o<br />

mais sociável. A justiça é o dever que a parte deve ao todo”. Isto nos parece<br />

apenas uma expressão parcial da verdade. A justiça é maior que uma dívida<br />

para com os outros; é uma dívida para com o eu, e o elemento auto-afirman-<br />

te, auto-preservador, auto-respeitador constitui-se o iimite e o padrão de toda<br />

a atividade. O sentimento de lealdade é em grande parte uma reverência a<br />

este princípio de ordem e estabilidade no governo. SI. 145.5 - “Falarei da<br />

magnificência gloriosa da tua majestade e das tuas obras maravilhosas”; 97.2<br />

- “Nuvens e obscuridade estão ao redor dele; justiça e juízo são a base do<br />

seu trono”.<br />

J ohn M ilton, Eikonoklastes: “Verdade e justiça são uma coisa só; porque a<br />

verdade é apenas a justiça no nosso conhecimento e a justiça é apenas a<br />

verdade na nossa prática. ... Porque a verdade não é propriamente mais que<br />

contemplação e a sua suprema eficiência é apenas o ensino; mas, na sua<br />

própria essência, a justiça é com toda força e atividade e tem posta uma<br />

espada na sua mão a fim de usar contra toda a violência e opressão da terra.<br />

Ela não aceita a pessoa e não isenta ninguém da severidade do seu golpe”.<br />

A. J. Balfour, Foundations of Belief, 326 - “Até mesmo o poeta não tem se<br />

atrevido a representar Zeus torturando Prometeu sem a terrível figura de um<br />

Fado Vingativo que aguarda em silêncio na retaguarda. ... A evolução, operando<br />

uma justiça cada vez mais nobre é prova de que Deus é justo. Eis aqui<br />

uma ‘ação preferencial’”. S. S. Times, 9/06/900 - “O homem natural nasce<br />

com uma errônea astronomia pessoal. Deveria abandonar o conceito de ser o<br />

centro de todas as coisas. Deveria aceitar a teoria copérnica e contentar-se<br />

com um lugar à beira das coisas, que é o seu verdadeiro lugar. Nós sempre<br />

rimos de John J asper e de sua tese de que ‘o sol se move’. A teoria de Copér-<br />

nico está destruindo todas as relações humanas, como aparece na expressão<br />

corrente; ‘Há outros”’.<br />

c) Nem a justiça nem a retidão, portanto, é m atéria de vontade arbitrária.<br />

São revelações da mais íntima natureza de Deus: um a na forma de exigência<br />

m oral e a outra na forma de sanção judicial. Como Deus não pode demandar<br />

de suas criaturas que sejam como ele no caráter moral assim ele não pode<br />

forçar a execução da lei que impõe sobre eles. A justiça leva Deus a punir<br />

como leva o pecador a ser punido.<br />

Aqui se exclui toda a arbitrariedade. Deus é o que é: pureza infinita. Ele<br />

não pode mudar. Se as criaturas precisam atingir o fim do seu ser, devem<br />

assemelhar-se a Deus na pureza moral. Justiça não é apenas o reconhecimento<br />

e execução desta necessidade natural. A lei é apenas a transcrição da<br />

natureza de Deus. A justiça não faz a lei; ela apenas a revela. A pena é tão<br />

somente a reação da santidade de Deus contra aquilo que é o seu oposto.<br />

Visto que a retidão e a justiça são apenas santidade legislativa e retributiva,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 3 7<br />

Deus pode deixar de exigir pureza e punir o pecado só quando deixa de ser<br />

santo, isto é, quando deixa de ser Deus. “Judex damnatur cum nocens abolvitur”.<br />

S imon, Reconciliation, 141 - “Reivindicar a execução do dever é tão verdadeiramente<br />

obrigatório como executar o dever prescrito”. E. H. J ohnson,<br />

Systematic Theology, 84 - “A benevolência pretende o que é bom para a<br />

criatura; a justiça insiste naquilo que é próprio. Mas o que é bom e o que é<br />

adequado para nós coincidem. A única coisa que é boa para nós é a nossa<br />

aplicação normal e desenvolvimento; mas prover isto é precisamente o que é<br />

adequado e por isso é o nosso dever. Na natureza divina, a distinção entre<br />

justiça e benevolência é quanto à forma”. Criticamos esta afirmação por não<br />

levar suficientemente em conta a natureza do direito. O direito não é simplesmente<br />

o que é adequado. A adequação é apenas a adaptação geral que não<br />

pode ter em si nenhum elemento enquanto o direito é apenas e exclusivamente<br />

ético. Por isso o direito regula o adequado e constitui o seu padrão.<br />

O que é bom para nós deve ser determinado por aquilo que nos é justo, mas<br />

a recíproca não é verdadeira. G eorge W. N orthrup: “Deus não é obrigado a<br />

conceder as mesmas dádivas às criaturas, nem a conservar todos em estado<br />

de santidade para sempre, nem redimir o decaído, nem garantir a maior felicidade<br />

do universo. Mas ele deve propor e fazer o que a sua santidade absoluta<br />

requer. Ele não tem nenhum atributo, nenhuma vontade, nenhuma soberania,<br />

acima desta lei do seu ser. Ele não pode mentir, não pode negar-se a si<br />

mesmo, olhar para o pecado com complacência, dispensar a culpa sem uma<br />

expiação”.<br />

d) Nem a justiça nem a retidão concedem recompensas. Isto se segue do<br />

fato de que a obediência se deve a Deus ao invés de ser opcional ou uma<br />

gratuidade. Nenhum a criatura pode reivindicar qualquer coisa pela sua obediência.<br />

Se Deus recompensa, ele o faz em virtude de sua bondade e fidelidade,<br />

não em virtude de sua justiça ou retidão. O que a criatura não pode reivindicar,<br />

contudo, Cristo pode, e as recom pensas que são bondade para a criatura<br />

são retidão para Cristo. Deus recom pensa a obra de Cristo por nós e em nós.<br />

B r u c h , Eigenschaftslehre, 280-282, e John A ustin, Province of Juríspru-<br />

dence, 1.88-93, 220-223, negam, e nisso estão certos, que a justiça concede<br />

galardões. A justiça simplesmente pune as infrações da lei. Em Mt. 25.34 -<br />

“possuí por herança o reino” - herança não implica mérito; 46 - os ímpios são<br />

adjudicados ao castigo eterno; os justos não ao galardão eterno, mas à vida<br />

eterna. Lc. 17.7-10 - “quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei:<br />

Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer”.<br />

Rm. 6.23 - o castigo é “o salário do pecado”: mas a salvação é “o dom de<br />

Deus”; 2.6 - Deus galardoa não por causa da obra do homem, mas “segundo<br />

as suas obras”. Deste modo o galardão é visto na Escritura como matéria de<br />

graça para com a criatura; só a Cristo, que opera por nós na expiação e em<br />

nós na regeneração e santificação, é matéria de dívida (i/ertambém Jo. 6.27<br />

e 2 Jo. 8). M a r t in e a u , Types, 2.86, 244, 249 - “O mérito é para o homem; a<br />

virtude é para Deus”.


4 3 8 Augustus Hopkins Strong<br />

Todo o simples serviço não tem proveito porque só produz o equivalente<br />

ao dever e não existe nenhum crédito. Não há possibilidade de obras supe-<br />

rerrogatórias porque tudo o que fazemos é devido a Deus. Ele nos conduz à<br />

região da amizade, compreende que ele fez, tratando-nos não como um<br />

senhor (relativamente aos escravos), mas como Pai, entra numa relação de<br />

amor incalculável. Com esta cláusula de que os galardões são matéria de<br />

graça, não de dívida, podemos concordar com a máxima de S ólon: “Uma<br />

república anda com os dois pés - a justa punição para os indignos e o devido<br />

galardão para os dignos”. G eorge H arris, Moral Evolution, 139 - “O amor<br />

busca a retidão e não se satisfaz com nada que não seja isso”. Mas quando<br />

H arris adota as palavras do poeta: “A própria ira da piedade brota, do amor<br />

dos homens, a ira do erro”, ele nos parece negar virtualmente que Deus<br />

detesta o mal por qualquer outra razão de suas desvantagens utilitárias e<br />

parece também implicar que o bem não tem existência independente na sua<br />

natureza. Bowne, Ethics, 171 - “O mérito exige galardão, ou melhor, exige a<br />

aprovação”. Tennyson: “Porque o mérito vive de homem para homem e não<br />

do homem para ti, Ó Senhor”. Baxter: A palavra merecimento está escrita<br />

acima do portal do inferno; acima da porta do céu, apenas O Dom de Deué'.<br />

e) Em Deus, a justiça como revelação de sua santidade é destituída de toda<br />

paixão ou capricho. Em Deus não há um a ira egoísta. As penas que ele inflige<br />

sobre a transgressão não são vingativas, mas vindicativas. Elas expressam a<br />

reação da natureza de Deus ao mal moral, a indignação judicial da pureza<br />

contra a impureza, a auto-declaração da santidade infinita contra seu antagonista<br />

e suposto destruidor. M as porque suas decisões são calmas, são irreversíveis.<br />

Dentro de certos limites, a ira é um dever do homem. SI. 97.10 - “Vós que<br />

amais ao Senhor, aborrecei o mal”; Ef. 4.26 - “Irai-vos e não pequeis”.<br />

A indignação calma do juiz que com lágrimas pronuncia a sentença é a verdadeira<br />

imagem da ira santa de Deus contra o pecado. W eber, Zorn Gottes, 28,<br />

torna a ira apenas um zelo do amor. Com mais verdade é o zelo da santidade.<br />

Prof. W. A. Stevens, Com. on 1 Thess. 2.10 - “santa e justamente” são termos<br />

que descrevem a mesma conduta em dois aspectos; aquela, a conformidade<br />

do próprio caráter de Deus; esta, conformidade com a sua lei; ambas são<br />

positivas”. Lillie, 2 Thess 1.6 - “O juízo é ‘justo diante de Deus;. A justiça<br />

divina o requer para a sua própria satisfação”.<br />

De Gaston de Foix, o velho cronista admiravelmente escreveu: “Ele amava<br />

o que devia ser amado e detestava o que devia ser detestado e nunca houve<br />

descrença para com ele”. Compare SI. 101.5,6 - “aquele que tem o olhar<br />

altivo e o coração soberbo não suportarei. Os meus olhos procurarão os fiéis<br />

da terra para que estejam comigo”. Até mesmo H orace Bushnell falava do<br />

“princípio da ira” em Deus. 1 Re. 11.9 - “Pelo que o Senhor se indignou contra<br />

Salomão” por causa da sua poligamia. A ira de Jesus não era menos nobre<br />

que o seu amor. O amor do justo envolvia a ira contra o erro. Aqueles que se<br />

iram contra o mal podem irar-se porque o mal merece ira e por amor a Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 3 9<br />

Detestai primeiro o pecado em vós mesmos e depois detestai-o nele mesmo<br />

e no mundo. Irai-vos só em Cristo e com a ira de Deus. W. C. W ilkinson, Epic<br />

of Paul, 264 - “Mas devemos purificar-nos a nós mesmos do respeito próprio<br />

ou pecaremos ao detestar o pecado”.<br />

A “Ira furor brevis est” de Horácio - “A ira é uma loucura temporária” - é<br />

verdade só em se tratando da ira egoísta ou pecaminosa. Por isso o homem<br />

que se ira é popularmente chamado de “louco”. Mas a ira, embora capaz de<br />

tornar-se pecaminosa, não o é necessariamente. A justa ira nem é loucura,<br />

nem é breve. Um exemplo é a ira judicial da igreja de Corinto infligindo a<br />

exclusão (em ingl. excomunication = excomunhão): 2 Co. 7.11 - “Que apologia,<br />

que indignação, que temor, que saudade, que zelo, que vingança!”.<br />

O único revide permitido à igreja cristã é aquela em que persegue e extermina<br />

o pecado. Ser incapaz de indignação moral contra o erro é faltar o amor para<br />

com o justo. D r. A rnold de R ugby nunca estava certo a respeito de um menino<br />

que só amava o bem; enquanto ele não começou a detestar o mal, D r. A rnold<br />

não sentia que ele estava seguro. H erbert S pencer dizia que a boa natureza<br />

para com os americanos tornou-se um crime. L ecky, Democracy and Liberty.<br />

“ Há uma coisa pior que a corrupção: é a tolerância para com ela”.<br />

C olestock, Changing Viewpoint, 139 - “X enofonte pretende proferir uma<br />

coisa bem recomendável a respeito de Ciro, o moço, quando escreve a seu<br />

respeito que ninguém fizera mais bem aos seus amigos ou coisa mais danosa<br />

aos seus inimigos”. Lutero disse a um monge antagonista: "Quebrarei o<br />

teu coração de latão e pulverizarei o teu cérebro de ferro”. S hedd, Dogmatic<br />

Theology, 1.175-178 - “O caráter humano é indigno na proporção em que a<br />

aversão pelo pecado esteja faltando nele. Está no mesmo nível de Carlos II.<br />

que ‘não sentiu nenhuma gratidão pelos benefícios e nenhum ressentimento<br />

pelos erros; não amou quem quer que seja, e não sentiu ira por ninguém’. Era<br />

indiferente ao certo e ao errado e o único sentimento que ele tinha era de<br />

desdém” . Mas veja a cena do leito de morte do alegre monarca no B ispo<br />

B urnet, Memórias de Evetyn, ou na V ida do B ispo K en. Na verdade “o fim da<br />

alegria é a tristeza” (Pv. 14.13 b).<br />

S tout, Manual of Psychology, 22 - “C harles Lamb conta-nos que seu amigo<br />

G eorge Dyer nunca podia ser trazido para dizer qualquer coisa em condenação<br />

dos mais atrozes crimes, mas o criminoso deve ter sido muito excêntrico”.<br />

P rof. S eeley: “Nenhum coração que não é apaixonado é puro”. D. W.<br />

S imon, Redemption of Man, 249,250, diz que o ressentimento de Deus “é de<br />

um caráter essencialmente altruísta”. Se isto significa que ele é perfeitamente<br />

consistente com o amor pelo pecador, podemos aceitar esta afirmação; se<br />

significa apenas que o amor é a fonte do ressentimento, consideramos a afirmação<br />

uma falsa interpretação da justiça de Deus, que é apenas a manifestação<br />

da santidade e não é uma simples expressão do seu amor. Ver semelhante<br />

afirmação de Lidgett, Spiritual Príncipe of the Atonement, 251 - “Porque<br />

Deus é amor, o seu amor coexiste com a sua ira contra os pecadores, é a<br />

própria vida dessa ira e é tão persistente que emprega a sua ira como um<br />

instrumento, enquanto, ao mesmo tempo, busca e fornece uma propiciação”.<br />

Esta afirmação ignora o fato de que, na Escritura, a punição nunca é considerada<br />

como uma expressão do amor de Deus, mas da sua santidade. Quando<br />

dize-mos que amamos a Deus, estejamos certos de que é o verdadeiro Deus,


4 4 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

o Deus da santidade, que nós amamos, porque só este amor nos assemelhará<br />

a ele.<br />

A indignação moral de um universo todo dos seres santos contra o mal<br />

morai, acrescida das agonizantes auto-condenações da consciência despertada<br />

de todos os não santos, é apenas um fraco e pequeno reflexo da terrível<br />

reação da infinita justiça de Deus sobre a impureza e o egoísmo das suas<br />

criaturas e da intensa reação orgânica, necessária e eterna do seu ser moral<br />

na sua própria vindicação e punição do pecado; ver Jr. 44.4 - “Ora, não façais<br />

esta coisa abominável que aborreço!”; Nm. 32.23 - “sentireis o vosso pecado<br />

quando vos achar”; Hb. 10.30,31 - “Porque bem conhecemos aquele que<br />

disse: Minha é a vingança, eu darei recompensa. E outra vez: O Senhor julgará<br />

o seu povo. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo”.<br />

VII. NÍVEL E RELAÇÕES DOS VÁRIOS ATRIBUTOS<br />

Os atributos se relacionam uns com os outros. Como o intelecto, o sentimento<br />

e a vontade no homem não se deve conceber nenhum deles exercido<br />

separado dos demais. Cada um dos atributos é qualificado por todos os outros.<br />

O am or de Deus é imutável, sábio, santo. A infinitude pertence ao conhecimento,<br />

ao poder, à justiça de Deus. Contudo, isto não significa que um atributo<br />

tem o mesmo nível que o outro. Os atributos m orais de verdade, amor,<br />

santidade, m erecem m aior reverência dos homens cuidadosam ente guardados<br />

por Deus do que os atributos naturais da onipresença, onisciência e onipotência.<br />

M esmo ainda entre os atributos m orais um se apresenta como supremo.<br />

Sobre este e sua supremacia passaremos a falar.<br />

A água só será água, se for composta de oxigênio e hidrogênio. O oxigênio<br />

não pode ser resolvido no hidrogênio, nem o hidrogênio no oxigênio.<br />

O oxigênio tem o seu próprio caráter, apesar de que, na combinação com o<br />

hidrogênio, aparece a água. A vontade do homem nunca age sem o intelecto<br />

e a sensibilidade, e a vontade, mais que o intelecto ou a sensibilidade ela é a<br />

manifestação do homem. Deste modo, quando Deus age, ele não manifesta<br />

um atributo sozinho, mas a sua total excelência morai. Ainda a santidade,<br />

como um atributo de Deus, tem direito peculiar a si mesma; ela determina a<br />

atitude dos sentimentos; mais do que qualquer outra faculdade ela constitui o<br />

ser moral de Deus.<br />

C larke, Christian Theology, 83,92 - “Deus não seria santo se não fosse<br />

amor e não poderia ser amor se não fosse santo. O amor é um elemento da<br />

santidade. Se faltasse, não haveria caráter perfeito como princípio da sua<br />

própria ação ou como padrão para nós. Por outro lado só sendo perfeito ele<br />

pode ser amor. A santidade requer que Deus haja como amor, porque a santidade<br />

é a auto-consistência de Deus. O amor é o desejo de transmitir santidade.<br />

A santidade faz do caráter de Deus o padrão para as suas criaturas;<br />

mas o amor, desejando transmitir o melhor bem, faz o mesmo. Toda a obra de<br />

amor é obra de santidade e toda a obra de santidade é obra de amor.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

É impossível haver conflito de atributos, porque a santidade sempre inclui o<br />

amor e o amor sempre expressa a santidade. Eles nunca necessitam de<br />

reconciliação recíproca”.<br />

A correção geral da afirmação anterior é prejudicada porque o conceito de<br />

santidade é vago. As Escrituras não consideram que a santidade inclua o<br />

amor, ou fazem todos os atos de santidade serem atos de amor. Auto-afirma-<br />

ção não inclui doação de si mesmo, e o pecado necessita de um exercício de<br />

santidade que também não é um exercício de amor. Mas para a Cruz, e para<br />

o sofrimento de Deus por causa do pecado cuja expressão se encontra nela,<br />

haveria conflito entre santidade e amor. A sabedoria de Deus apresenta-se<br />

principalmente, não na reconciliação entre o homem e Deus, mas na reconciliação<br />

entre a santidade de Deus e o seu amor.<br />

1. Santidade, atributo fu ndam en tal de Deus<br />

É evidente que a santidade é o atributo fundamental de Deus:<br />

a) A partir da Escritura, - na qual a santidade de Deus não só constante e<br />

poderosam ente atraem a atenção do homem, declara-se que é o principal do<br />

regozijo e adoração no céu.<br />

O atributo da santidade de Deus é o que primeiro e mais proeminentemente<br />

apresenta-se à mente do pecador e a consciência só segue o método<br />

da Escritura: 1 Pe. 1.16 - “Sede santos, porque eu sou santo”; Hb. 12.14 -<br />

“santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”; cf. 5.8 - “Senhor, ausenta-<br />

te de mim, porque sou um homem pecador”. Contudo, esta insistência constante<br />

sobre a santidade não pode ser somente devida ao atual estado de<br />

pecado do homem, porque no céu, onde não há pecado, existe a mesma<br />

reiteração. Is. 6.3 - “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos”; Ap. 4.8 -<br />

“Santo, santo, santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso”. De nenhum outro<br />

atributo se diz que o trono de Deus está sobre ele: S I. 97.2 - “justiça e juízo<br />

são a base do seu trono”; 99.4,5,9 - “A força do Rei ama o juízo ... Exaltai ao<br />

Senhor nosso Deus ... nosso Deus é santo”. Devemos substituir a palavra<br />

santidade na afirmação de N e w m a n S m it h , Christian Ethics, 95 - “Admitimos<br />

que o amor é senhor na vontade divina, não que a vontade de Deus seja<br />

soberana sobre o seu amor. A onipotência de Deus, como diria Dorner, existe<br />

por causa do seu amor”.<br />

b) A partir da nossa constituição moral, - na qual a consciência declara sua<br />

supremacia sobre cada um dos outros impulsos e sentimentos da nossa natureza.<br />

Como podemos ser bondosos, mas devemos ser retos, assim Deus, a cuja<br />

imagem fomos feitos, pode ser m isericordioso, mas deve ser santo.<br />

Ver os Sermões do B ispo B utler sobre Human Nature, ed. de Bohn, 385-414,<br />

que mostram a supremacia da consciência na constituição moral do homem”.<br />

Devemos ser justos antes de sermos generosos. Deste modo, para Deus,<br />

441


4 4 2 Augustus Hopkins Strong<br />

deve-se fazer sempre a justiça; a misericórdia é optativa para ele. Deus não<br />

tem obrigação de prover uma redenção para os pecadores: 2 Pe. 2.4 - “porque<br />

Deus não perdoou os anjos, quando pecaram, mas, havendo-os lançado<br />

no inferno... Salvação é matéria de graça não de dívida. S hedd, Discourses<br />

and Essays, 277-298 - “A qualidade da justiça é exigência necessária, mas<br />

não se (co)age a qualidade da misericórdia’” [cf. D enham: “A sua alegria é<br />

forçada e intensa”]. Deus pode aplicar a salvação após tê-la operado a qualquer<br />

que ele queira: Rm. 9 .1 8 - “compadece-se de quem quer”. Y o u n g, Night-<br />

Thoughts, 4.233 - “Um Deus que é todo misericórdia é um Deus injusto”.<br />

E m erson: “A sua bondade deve ter o seu limite; caso contrário ela não é nada”.<br />

M artineau, Study, 2 .1 0 0 - “Ninguém pode ser justo sem subordinar a Piedade<br />

ao senso de Justiça”.<br />

Podemos aprender a santidade de Deus a priori. Até mesmo os pagãos<br />

podiam dizer: “Fiat justitia, ruat coelum”, ou “pereat mundus”. Mas, para o<br />

nosso conhecimento da misericórdia de Deus, dependemos de uma revelação<br />

especial. A misericórdia, como a onipotência, pode existir em Deus mesmo<br />

sem ser exercida. Misericórdia não é graça, mas dívida se é que Deus<br />

deve o seu exercício quer ao pecador, quer a si mesmo; versus G. B. S tevens<br />

em New Engl., 1888.421-443. “Mas a justiça é um atributo que não existe por<br />

necessidade, mas deve ser exercido por ela; porque não exercê-lo seria<br />

injustiça”. Se se disser que, por paridade de raciocínio, para Deus o não exercer<br />

misericórdia é mostrar-se incompassivo, - respondemos que isto não é<br />

verdade porque os interesses mais elevados requerem que tal exercício seja<br />

recusado. Eu não sou incompassivo quando me recuso a dar ao pobre o<br />

dinheiro necessário para pagar uma dívida honesta; nem ainda o governador<br />

é incompassivo quando se recusa a perdoar o criminoso condenado e não<br />

arrependido. A misericórdia tem suas condições, continuamos a mostrar, e<br />

não deixa de ser quando estas condições não permitem que ela seja exercida.<br />

Com a justiça não é assim; deve-se sempre exercer a justiça; quando ela<br />

deixa de ser exercida, também deixa de ser justiça.<br />

A história do Filho Pródigo mostra o amor que sempre se interessa pelo<br />

filho na terra distante, mas que sempre está condicionado pela santidade do<br />

pai e deixa de agir até que o filho abandona a sua vida rebelde. Um pai justo<br />

pode banir um filho corrupto da sua casa, apesar de que pode amá-lo tão<br />

carinhosamente que o seu banimento causa uma estranha dor. E. G. R obinson:<br />

“Deus, Cristo e o Espírito Santo têm uma consciência, isto é, distinguem entre<br />

o certo e o errado”. E. H. J o hnson, Syst. Theology, 85,86 - “A santidade relaciona-se<br />

primeiramente com a benevolência; porque a) a santidade é em<br />

si mesma excelência moral, enquanto a excelência moral da benevolência<br />

pode ser explicada . b) A santidade é um atributo do ser, enquanto a benevolência<br />

é um atributo da ação; mas a ação pressupõe e é controlada pelo ser.<br />

c) A benevolência deve tomar conselho da santidade, visto desejar o contrário<br />

da santidade seria querer para si o dano, enquanto a santidade leva Deus<br />

a buscar a benevolência, o melhor para a criatura, d) A dispensação mosaica<br />

elaborada simbolicamente e a dispensação cristã faz a provisão atender os<br />

requisitos da santidade como supremos; Tg. 3 .1 7 - ‘Primeiramente pura, depois,<br />

[consequentemente] pacífica’".


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Devemos praticar “a justiça” bem como “amar a beneficência e andar<br />

humildemente” para com Deus (Mq. 6 .8 ). D r. S amuel J ohnson: “Como surpreende<br />

encontrar muito mais beneficência do que justiça contida na sociedade”!<br />

Existe uma misericórdia pecaminosa. Um inspetor escolar acha um trabalho<br />

horrível ouvir professores incompetentes pedindo para que não os<br />

dispensem e pode ficar nervoso apenas porque as crianças cuja educação<br />

pode ser afetada por recusar-se a fazer justiça. Amor e piedade não são o<br />

todo do dever cristão, nem são os atributos diretivos de Deus.<br />

c) A partir dos reais procedim entos de Deus, - nos quais a santidade condiciona<br />

e lim ita o exercício dos outros atributos. Assim, por exemplo, na obra<br />

redentora de Cristo, apesar de que o amor faz a expiação, viola-se a santidade<br />

que o requer; na punição eterna do ímpio, a exigência da santidade para a<br />

auto-vindicação reprime a defesa do amor aos sofredores.<br />

O amor não pode ser o atributo fundamental de Deus porque o amor sempre<br />

requer uma norma ou padrão e tal norma ou padrão só se encontra na<br />

santidade; Fp. 1.9 - “E também faço esta oração: que o vosso amor aumente<br />

mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção”; ver A. H. S tr o n g,<br />

Christ in Creation, 388-405. Esta é a mais elevada de todas as condições. Por<br />

isso a misericórdia de Deus não consiste em ultrajar a própria lei da santidade,<br />

mas em permanecer firme na aflição penal pela qual se satisfaz a lei da<br />

santidade. A consciência do homem é apenas o reflexo da santidade de Deus.<br />

A consciência não demanda retribuição ou expiação. Esta demanda Cristo<br />

atende através do seu sofrimento vicário. O seu sacrifício sacia a sede da<br />

consciência do homem assim como que se demanda do homem a santidade<br />

de Deus: Jo. 6.55 - “Porque a minha carne verdadeiramente é comida e o<br />

meu sangue verdadeiramente é bebida”. Ver S h e d d, Discourses and Essays,<br />

280,291,292; Dogmatic Theology, 1.377,378 - “A soberania e a liberdade de<br />

Deus a respeito da justiça não se relacionam com a abolição, nem com o<br />

relaxamento [linguagem jurídica significando diminuição da pena], mas com a<br />

substituição, da punição. Não consiste em poder violar ou desistir das exigências<br />

legais. O exercício dos outros atributos de Deus é regulado e condicionado<br />

através dessa justiça. ... Onde está, então, a misericórdia de Deus se a<br />

justiça é estritamente satisfeita através de uma pessoa vicária? Existe misericórdia<br />

em permitir que uma outra pessoa faça pelo pecador o que o pecador<br />

precisa fazer por si mesmo; e maior misericórdia em prover tal pessoa; e<br />

ainda maior misericórdia em tornar-se aquela pessoa”.<br />

O entusiasmo, como o fogo, não só deve queimar, mas deve ser controlado.<br />

O homem inventou as chaminés para reter o calor, mas para soltar a<br />

fumaça. Há necessidade de parede de discrição e controle próprio para conduzir<br />

a chama do amor. A santidade de Deus é o princípio regulador da sua<br />

natureza. O oceano da sua misericórdia limita-se às praias da sua justiça.<br />

Mesmo que a santidade seja o amor próprio de Deus no sentido de respeito<br />

próprio ou auto-preservação, ainda tal amor próprio deve condicionar o amor<br />

às criaturas. É apenas porque Deus se mantém na sua santidade que ele<br />

4 4 3


4 4 4<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

pode ter qualquer coisa digna de ser dada; na verdade o amor nada é senão<br />

a auto-comunicação da sua santidade. E, se dizemos, como J. M. W hiton,<br />

que a auto-afirmação no universo no qual Deus é imanente por si mesmo é<br />

uma forma de doação própria, ainda assim esta forma de doação própria<br />

deve condicionar e limitar a outra forma de doação própria a que chamamos<br />

amor às criaturas.<br />

d) A partir do eterno propósito da salvação da parte de Deus, - em que a<br />

justiça e a m isericórdia se reconciliam somente através do sacrifício previsto<br />

e predeterm inado de Cristo. A declaração de que Cristo é “o Cordeiro imolado<br />

desde a fundação do m undo” im plica a existência de um princípio na natureza<br />

divina que requer satisfação, antes que Deus possa entrar na obra da redenção.<br />

Tal princípio não pode ser outro a não ser a santidade.<br />

Visto que a misericórdia e a justiça são exercidas para os pecadores da<br />

raça humana, de outra forma o antagonismo entre elas só se remove através<br />

da morte expiatória do Deus-homem. As suas reivindicações opostas não<br />

impedem a bênção divina porque a reconciliação existe nos conselhos eternos<br />

de Deus. Isto se acha indicado em Ap. 13.8 - “Cordeiro que foi morto<br />

desde a fundação do mundo”. Esta mesma reconciliação aparece mencionada<br />

em SI. 85.10 - “A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a<br />

paz se beijaram”; e em Rm. 3.26 - “para que ele seja justo e justificador<br />

daquele que tem fé em Jesus”. Então, se o homem deve ser salvo, a expiação<br />

é necessária, não principalmente por causa do homem, mas de Deus. S hedd,<br />

Discourses and Essays, 279 - O sacrifício de Cristo foi uma “expiação ab<br />

Introda, uma oblação da parte do próprio Deus através da qual satisfazem-se<br />

os imperativos imanentes e eternos da natureza divina sem a qual deve<br />

encontrar sua satisfação no castigo do transgressor, ou caso contrário, ser<br />

ultrajado”. Assim, a palavra de Deus sobre a redenção do mesmo modo que<br />

sobre a criação para sempre “permanece no céu” (SI. 119.89). Sua execução<br />

na cruz estava “de acordo com o padrão” nas alturas. O sacrifício mosaico<br />

prefigurava o sacrifício de Cristo; mas este foi apenas uma revelação temporal<br />

de um fato eterno na natureza de Deus.<br />

Deus requer a satisfação porque ele é santo, mas ele satisfaz porque ele<br />

é amor. O próprio Juiz, com a ira contra a transgressão, ainda ama o transgressor<br />

e desce da tribuna para tomar o lugar do criminoso e suportar a sua<br />

pena. Mas esta é uma eterna provisão e um eterno sacrifício. Hb. 9.14 - “o<br />

sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, se ofereceu a si mesmo imaculado<br />

a Deus”. M atheson, Voices of the Spirit, 215, 216 - “O sacrifício de Cristo<br />

foi oferecido através do Espírito. Não foi arrancado de uma alma relutante<br />

através da obediência a uma lei exterior; veio do interior do coração, do impulso<br />

do imorredouro coração. Foi uma oferta completa que começou antes do Calvário;<br />

foi vista pelo Pai antes que o mundo a visse. Findou no Espírito antes<br />

que começasse na carne, terminou na hora em que Cristo exclamou: ‘não<br />

seja como eu quero, mas como tu queres’ (Mt. 26.39)”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 4 5<br />

Lang, Homer, 506 - “É Apoio é quem traz a peste e a afasta, conforme a<br />

bem conhecida regra de que os dois grandes atributos opostos devem combi-<br />

nar-se na mesma divindade”. Lord Ba c o n, Confission of Faith: Nem anjo,<br />

homem ou mundo podem subsistir, ainda que por um momento à vista de<br />

Deus sem contemplá-lo na face do Mediador; e, por isso, diante dele, juntamente<br />

com quem estão presentes todas as coisas, o Cordeiro de Deus morto<br />

antes de todos os mundos; sem cujo conselho eterno seria impossível descer<br />

a qualquer obra da criação”. O rr, Christ View of God and the World, 319 -<br />

“A criação está edificada sobre as linhas da redenção” - o que significa dizer<br />

que a encarnação e a expiação estavam incluídas no desígnio original de<br />

Deus a respeito do mundo.<br />

2. A santidade de Deus, a base da obrigação m oral<br />

A) Pontos de vista errôneos. A base da obrigação moral não está:<br />

a) No poder, - quer da lei civil (Hobbes, G assendi), quer da vontade divina<br />

(Occan, D escartes). Não somos obrigados a obedecer qualquer um destes<br />

apoiados no fato de que eles são certos. Esta teoria admite que nada é bom ou<br />

certo em si, e que a moral é simples prudência.<br />

Lei civil: Ver H obbes, Leviatã, parte i, caps. 6 e 13; parte ii, cap. 30; G assendi,<br />

Opera, 6.120. Neste ponto de vista o poder faz o direito; as leis de Nero são<br />

sempre coativas; o homem pode quebrar a sua promessa quando a lei civil<br />

permite; não existe obrigação alguma de obedecer o pai, um governador civil,<br />

e até o próprio Deus, quando é certo que a desobediência se ocultará ou<br />

quando o ofensor está disposto a sofrer a punição. M artineau, Seat ofAuthority,<br />

67 - “A mera magnitude da escala não tem nenhuma qualidade moral; nem a<br />

multidão toda dos demônios, por uma votação unânime, poderia conferir justiça<br />

à vontade deles ou torná-la obrigatória ainda que fosse a um Abdiel”.<br />

R obert Brow ning, Christimas Eve, xvii - “A justiça, o bem, a verdade ainda<br />

seriam divinas, ainda que, por alguma vontade demoníaca, ódio e erro tivesse<br />

sido proclamada uma lei por todo o mundo e o direito fosse falseado”.<br />

Vontade divina: M artineau, Types, 148 - “Descartes sustentava que a vontade<br />

de Deus não revela, mas inventa as distinções morais. Deus podia ter de<br />

feito de Euclides uma mistura de mentiras, e de Satanás um modelo de perfeição<br />

moral”. Sobre este ponto de vista, o certo e o errado são quantidades<br />

variáveis. D uns S cotus sustentava que a vontade de Deus não apenas faz a<br />

verdade, mas também o direito. Deus pode fazer a mentira ser virtuosa e a<br />

pureza ser um erro, um bem e um mal. Respondemos que, atrás da vontade<br />

divina, encontra-se a natureza divina e que, na perfeição moral dessa natureza<br />

encontra-se a única base da educação moral. Deus derrama o seu amor e<br />

exerce o seu poder conforme algum princípio determinante da sua própria<br />

natureza. Tal princípio não é a felicidade. F inney, Syst. Theology, 936,937 -<br />

“O mando de Deus pode tornar obrigatória a má vontade para com ele?<br />

Se não pode, então, a sua vontade não é base para a obrigação moral.<br />

A coisa mais valiosa, a saber, o mais elevado bem de Deus e o do universo


4 4 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

devem ser tanto o fim como a base. É a razão divina e não a sua vontade que<br />

invade e confirma a lei da conduta. A vontade divina publica, mas não origina,<br />

a regra. A vontade de Deus não pode fazer do vício uma virtude”.<br />

Como, por um lado, entre o poder e a utilidade e, por outro, o direito,<br />

devemos considerar este como o mais fundamental. Contudo, como veremos<br />

mais adiante, não podemos situar a base da obrigação moral, mesmo no<br />

direito, considerada como um princípio abstrato; mas, ao invés disto colocá-la<br />

na excelência moral daquele que é o Direito pessoal e, portanto a fonte do<br />

direito. O caráter obriga e o senhor freqüentemente se curva no seu coração<br />

ao servo, quando este é o mais nobre ser humano.<br />

b) Não na utilidade, - ou nossa própria felicidade ou vantagem presente ou<br />

eterna (Paley), pois a consideração suprema do nosso interesse não é virtude;<br />

ou a m aior felicidade ou vantagem de ser em geral (Edwards), pois julgamos<br />

que a conduta é útil porque é reta, não reta porque é útil. Esta teoria nos compeliria<br />

a crer que na eternidade passada Deus era santo só por causa do bem<br />

que ele aufere, isto é, não havia algo como a santidade em si e não havia uma<br />

coisa como o caráter moral em Deus.<br />

Nossa própria felicidade: P a l e y , Moral, and Polit. Philosophy., liv ro i, c a p .<br />

v ii - “V ir tu d e é fa z e r b e m à h u m a n id a d e , e m o b e d iê n c ia à v o n ta d e d e D e u s e<br />

p o r a m o r à fe lic id a d e e te r n a ” . Is to u n e a) e b). J o h n S t u a r t M ill e o D r . N . W .<br />

T aylo r s u s te n ta v a m q u e a n o s s a fe lic id a d e é o fim s u p re m o . E s te s e s c rito s<br />

n a v e r d a d e c o n s id e r a m q u e a m a is a lta fe lic id a d e s e a tin g e s ó a tr a v é s d o s<br />

o u tr o s (a ltru ís m o d e M il l), m a s e le s n ã o a tr ib u e m n e n h u m a ra z ã o p o r q u e<br />

a lg u é m q u e n ã o c o n h e c e n e n h u m a o u tra fe lic id a d e a lé m d o s p r a z e re s d o s<br />

s e n tid o s n ã o a d o ta r ia a m á x im a d e E p ic u ro , q u e , s e g u n d o L u c r é c io , e n s in a v a<br />

q u e “ d u c it q u e m q u e v o lu p ta s ” (o p r a z e r c o n d u z c a d a p e s s o a ). E s ta te o ria<br />

to r n a im p o s s ív e l a v irtu d e ; p o rq u e a v ir tu d e q u e c o n s id e r a tã o s o m e n te o<br />

n o s s o in te re s s e n ã o é v irtu d e , m a s p r u d ê n c ia . T e m o s u m s e n s o d o c e r to e d o<br />

e r ra d o in d e p e n d e n te d e to d a s c o n s id e r a ç õ e s d a fe lic id a d e o u d a s u a p e rd a ” .<br />

J a m e s M ill s u s te n ta q u e a u tilid a d e n ã o é o c r ité r io d a m o ra lid a d e , m a s e la<br />

m e s m a c o n s titu i a m o ra lid a d e . G . B . F o s t e r r e s p o n d e c o m p r o p rie d a d e q u e a<br />

v ir tu d e n ã o é u m a s im p le s s a g a c id a d e e g o ís tic a e o a to m o ra l n ã o é s o m e n te<br />

u m in te lig e n te e m p r e e n d im e n to d e n e g ó c io . T o d a s a s lín g u a s d is tin g u e m<br />

e n tre v ir tu d e e p r u d ê n c ia . D iz e r q u e a v ir tu d e é u m a g r a n d e u tilid a d e é c o n ­<br />

fu n d ir o e fe ito c o m a c a u s a . C a r l y l e d iz q u e o h o m e m p o d e a g ir s e m a fe lic i­<br />

d a d e . B r o w n in g , R e d C o tto n N ig h tc a p C o u n try : “ O s c a b e ç u d o s d e v e m re c o ­<br />

n h e c e r o D ia b o , a q u e le o s c ila n te , c o m o s e u tr u q u e d a u tilid a d e g e ra l, q u e<br />

ta lv e z c o n d u z p a r a b a ix o , m a s q u e s ó a p r e s e n ta fu tilid a d e s ” . E s ta é a m o d a ­<br />

lid a d e d a M ã e G a n s o : E le In tro d u z o s e u p o le g a r e a r r a n c a u m a p lu m a e d iz :<br />

‘q u e b o m m e n in o q u e e u s o u !’” .<br />

E. G. R obinson, Principies and Pratice of Morality, 160 - “A utilidade não<br />

tem nada de último em si e por isso não pode fornecer nenhuma base para a<br />

obrigação. A utilidade é uma simples adequação de alguma coisa à finalidade<br />

de ministrar outra”. Dizer que as coisas são certas porque são úteis é como


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 4 7<br />

dizer que elas são belas porque são agradáveis. M a rtin e a u , Types of Ethical<br />

Theory, 2.170,511,556 - “No momento em que os apetites passam para o<br />

estado de consciência própria e se tornam fins ao invés de impulsos, eles<br />

tiram para si mesmos os termos da censura. ... Deste modo a consciência<br />

intelectual ou a estrita submissão da mente à evidência tem sua inspiração<br />

no amor puro da verdade e não sobrevive uma hora se não depositar a sua<br />

confiança na providência ou no sentimento social. ... Os instintos permitem<br />

que eles conheçam não o que são a prova de que a necessidade é o impulso<br />

original para a ação ao invés de ser o prazer do seu fim”. Na teoria da felicidade<br />

os apelos para o interesse próprio em favor da religião devem ser eficazes;<br />

na verdade poucos são movidos por eles.<br />

D ew ey, Psichology, 300,362 - “A emoção se volta para dentro e engole-se<br />

a si mesma. Viva nos sentimentos ao invés de viver nas coisas a que os<br />

sentimentos pertencem, e você derrotará o seu próprio fim, esgotará o seu<br />

próprio poder de sentimento, cometerá o suicídio emocional. Daí surgirão o<br />

cinismo, o espírito do nil admirari, a incansável busca pela mais tardia sensação.<br />

O único remédio é sair de si mesmo, dedicar o seu eu a algum objeto<br />

digno, não por amor ao sentimento, mas ao objeto. ... Não desejamos o objeto<br />

porque ele nos dá prazer, mas ele nos dá prazer porque satisfaz o impulso<br />

que, em conexão com a idéia do objeto, constitui o desejo. ... O prazer é o<br />

acessório da atividade ou desenvolvimento do eu”.<br />

S alter, First Steps in Philosophy, 150 - “É um direito ter como alvo a felicidade.<br />

Esta é um fim. O utilitarismo erra ao fazer da felicidade o único e mais<br />

elevado fim. Ela exalta um estado de sentimento para com a coisa supremamente<br />

desejável. A institucionalização dá o mesmo lugar ao estado da vontade.<br />

A verdade inclui ambos. O verdadeiro fim é o mais elevado desenvolvimento<br />

do ser, do eu e de outros, a realização da idéia divina, Deus no homem”.<br />

Bo w n e, Principies of Ethics, 96 - “O padrão de apelo não é a verdadeira felicidade<br />

do verdadeiro ho-mem, mas a felicidade normal do homem normal.<br />

... A felicidade não deve ter lei. Mas, neste caso, a lei deve dirigir a felicidade.<br />

... O verdadeiro alvo ético é realizar o bem. Mas, neste caso, o conteúdo<br />

deste bem tem de ser determinado segundo o ideal inato do merecimento e<br />

dignidade humanos. ... Nem todo o bem deve ser alvo da ação, mas só o<br />

verdadeiro, não só as coisas que agradam, mas as que causam prazer”.<br />

B ixby, Crisis in Morais, 223 - “O unitário está realmente investigando<br />

sobre o mais sábio método de encarnar o ideal. Ele pertence ao segundo<br />

estágio em que o artista moral considera através de que material e em que<br />

forma ou cor ele pode realizar melhor o seu pensamento. Ele deve dizer-nos<br />

o que é o ideal e por que é o mais elevado. A moral começa não no sentimento,<br />

mas na razão. A razão é impessoal. Ela discerne a igualdade moral das<br />

personalidades”. G enung, Epic of the Inner Life, 20 - Jó fala do seu caráter<br />

como um dos heróis de R obert B row ning. Ele ensina que “há um serviço de<br />

Deus que não opera o galardão: é a lealdade do coração, a fome da presença<br />

de Deus, que sobrevive à perda e ao castigo; que, a despeito da aparência<br />

contraditória, apega-se ao que é divino como a agulha busca o pólo; e que<br />

excede às trevas e dureza da sua vida à luz e ao amor”.<br />

O maior bem do ser. Não apenas E dwards, mas P riestley, B entham, Dw ight,<br />

F inney, H opkins, Fairchild sustentam este ponto de vista. Ver E dwards, Works,


4 4 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

2.261 -304 - “Virtude é benevolência para com o ser em geral”; Dw ight, Theology,<br />

3.150-162 - “A utilidade é o fundamento da virtude”. Esta teoria considera o<br />

bem somente como um estado da sensibilidade, ao invés de consistir na<br />

pureza do ser. Esquece que na eternidade passada “amor pelo ser em geral”<br />

= somente o amor próprio de Deus, ou a consideração que Deus tem pela sua<br />

própria felicidade. Isto implica que Deus é santo só com um propósito; ele<br />

está impedido de não ser santo, se o resultado for bem maior; isto é, a santidade<br />

não independe da sua natureza. Admitimos que freqüentemente se sabe<br />

que uma coisa é certa pelo fato de que ela é útil; mas isto é bem diferente de<br />

dizer que a sua utilidade a torna correta. “A utilidade é apenas o aparelho de<br />

diamante que marca, mas não determina o seu valor”. “Se a utilidade for um<br />

critério de retidão será apenas por se tratar de uma revelação de natureza<br />

divina”. Bp. B utler, Nature of Virtue, em Works, ed. de Bohn, 334 - “A benevolência<br />

é o verdadeiro amor próprio”. O amor e a santidade são obrigatórios<br />

em si mesmos, não por promoverem o bem geral. C ícero, com propriedade,<br />

disse que aqueles que confundem o honestum com o utile merecem ser banidos<br />

da sociedade.<br />

Encyc. Britannica, 7.690, sobre J onathan E dwards - “Ser em geral, sem<br />

quaisquer qualidades, é coisa muito abstrata para ser a causa primordial do<br />

amor. O sentimento a que E dwards se refere não é o amor, mas o temor ou<br />

reverência e ainda necessariamente o temor cego. Apropriadamente afirmava-se,<br />

por isso, que a verdadeira virtude, segundo E dw ards, consistiria num<br />

temor cego do ser em geral; apenas isso seria inconsistente com a sua definição<br />

de virtude existente em Deus. Na verdade, quando ele faz da virtude<br />

somente o segundo objeto do amor, esta teoria se identifica com o utilitarismo<br />

ao qual estão associados os nomes de H u m e, Bentham e M ill”. H o dge, Essays,<br />

275 - “Se a obrigação em primeiro lugar se deve ao ser em geral, então não<br />

há mais virtude em amar Deus - desejar o seu bem - do que amar Satã. Mas,<br />

em sua natureza, o amor a Cristo difere da benevolência para com o Diabo”.<br />

A virtude consiste claramente, não no amor em benefício do ser, mas no amor<br />

ao ser que é bom, ou, em outras palavras, no amor ao Deus santo. A santidade<br />

de Deus é a base da obrigação moral, não o bem maior do ser.<br />

D r. E. A. P ark entende que a teoria de E dwards sustenta que a virtude é o<br />

amor a todos os seres segundo o seu valor, por isso, mais o amor do maior do<br />

que do menor, “amor a alguns seres em particular numa proporção gradual<br />

dos seres e de virtude ou benevolência para com o seu ser”. Amor é escolha.<br />

P ark diz que a felicidade não é o único bem e menos ainda a felicidade das<br />

criaturas. O maior bem é a santidade apesar de que o último é a felicidade.<br />

A santidade é o amor desinteresseiro - a livre escolha do bem geral, acima<br />

do particular. Mas retrucamos que isto não nos dá nenhuma razão ou padrão<br />

de virtude. Não nos diz o que é bom e por que deve ser escolhido. M artineau,<br />

Types, 2.70,77,471,484 - “Por que promover o bem geral? Por que sacrificar-<br />

me pelos outros? Só porque isto é bom. Nunca teria sido prudente fazer o que<br />

é certo se não tivesse sido algo infinitamente maior. ... Não é a adequação<br />

que torna moral um ato, mas é a moralidade que o torna adequado”.<br />

H erbert S pencer, deve ser classificado como um utilitarista. Ele diz que a<br />

justiça requer que “cada homem seja livre para fazer o que quer desde que<br />

não infrinja o igual direito dos outros”. Mas desde que isto permite ferir o outro


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 449<br />

submetendo-o a uma ofensa como revide, o Sr. Spencer limita a liberdade a<br />

“ações tais como uma vida de subserviência”. Isto praticamente eqüivale a<br />

dizer que a maior felicidade é o fim último.<br />

c) Nem na natureza das coisas (Price), - ou pelo que significamos sua<br />

adequação (Clarke), verdade (W ollaston), ordem (Jouffroy), relacionamentos<br />

(W ayland), m erecimento (Hickok), simpatia (A dam S mith), ou direito abstrato<br />

(Haven e A lexander); pois esta natureza de coisas não é a última, mas tem<br />

sua base na natureza de Deus. Somos com pelidos a adorar o altíssimo; se<br />

existe algo além e acima de Deus somos compelidos a adorá-lo, - o que, na<br />

verdade, é Deus.<br />

Em oposição a todas as formas desta teoria, argumentamos que não há<br />

nada que independa de Deus ou que esteja acima dele. “Se a base moral não<br />

depende de Deus, ou ela não tem nenhuma autoridade última, ou usurpa o<br />

trono do Onipotente. Qualquer ser racional que guarda a lei seria perfeito sem<br />

Deus e o centro moral de todos os seres inteligentes estaria fora de Deus”<br />

(T albot). Deus não é um Júpiter controlado pelo Fado. Ele não está sujeito a<br />

nenhuma lei a não ser à lei da sua própria natureza. Noblesse oblige (a<br />

nobreza exige), - o caráter dirige - a pureza é o elemento mais elevado. Por<br />

isso, para que haja santidade, todas as criaturas, voluntária ou involuntariamente,<br />

são constrangidas a curvar-se diante dele. H opkins, Law of Love, 77 -<br />

“O certo e o errado nada têm a ver com a natureza das coisas que existem<br />

necessariamente, mas apenas com a natureza das pessoas”. Houve uma<br />

outra pessoa que disse: “A idéia do direito não pode ser original, visto que<br />

direito significa conformidade com algum padrão ou regra”. Este padrão ou<br />

esta regra não é uma abstração, mas um ser existente: o Deus infinitamente<br />

perfeito.<br />

Faber: O direito é direito, visto que Deus é Deus; e o dia do direito triunfará;<br />

duvidar implicaria em deslealdade, hesitar seria pecado” T ennyson: E porque<br />

o certo é certo, seguir o que é certo seria sabedoria, sem medir conseqüências”.<br />

O Certo é certo e eu devo querer o certo, não porque Deus o quer,<br />

mas porque Deus é certo. E. G. R obinson, Principies and Practice of Morality,<br />

178-180 - “A utilidade e as relações somente revelam a constituição das coisas<br />

e deste modo representam Deus. A lei moral não é feita com o propósito<br />

utilitário, nem as relações constituem a razão da obrigação. Elas apenas<br />

mostram qual é a natureza do Deus que fez o universo e nele se revela.<br />

Na sua natureza encontra-se a razão da moral”. S. S. Times, 17 de out. 1891<br />

- “Só o nível se conforma com a curvatura da terra. A reta tangente à curva da<br />

terra estaria mais nas extremidades distantes do centro da terra do que no<br />

seio meio. Ora, eqüidade significa nível. O padrão de eqüidade não é algo<br />

impessoal, ‘natureza das coisas’ fora de Deus. Não se deve conceber eqüidade<br />

ou retidão independente do centro divino em iugar do nível compreensível<br />

independente do centro da terra.<br />

Visto que Deus acha a regra e limitação das suas ações apenas no seu<br />

próprio ser e o seu amor está condicionado à sua santidade, devemos divergir


4 5 0 Augustus Hopkins Strong<br />

de pontos de vista tais como os de M o xo m: “Quer definamos a natureza de<br />

Deus como perfeita santidade quer o perfeito amor seja imaterial, visto que a<br />

natureza divina se manifesta apenas através da sua ação, ela se opera através<br />

da sua relação com os outros seres. A maior parte do nosso raciocínio<br />

sobre o padrão divino de retidão ou a última base da obrigação moral é o<br />

raciocínio em círculo, visto que nós sempre podemos voltar para Deus como<br />

princípio da sua ação; tal princípio podemos conhecer só através da sua ação.<br />

Deus, o ser perfeitamente justo, é o padrão ideal da retidão humana. Por isso<br />

a retidão no homem é a conformidade com a natureza de Deus. Deus, em<br />

conformidade com a sua natureza perfeita, sempre deseja o que é perfeitamente<br />

bom para o homem. Sua retidão é uma expressão do seu amor; este é<br />

uma manifestação da sua retidão”.<br />

Do mesmo modo também S m ith: “A retidão é a genuinidade eterna do<br />

amor divino. Por isso não é uma excelência independente a ser contrastada<br />

com a benevolência, ou mesmo em oposição a ela; é parte essencial do amor”.<br />

Em replica, argumentamos, como antes, que aquilo que é objeto de amor,<br />

que limita e condiciona o amor, que fornece a norma e a razão do amor não pode<br />

por si mesmo ser o amor nem pode estar no mesmo nível dele. Um duplo<br />

padrão é tão irracional na ética como no comércio e nela conduz à mesma<br />

diminuição dos valores e ao mesma instabilidade das relações como resultou<br />

na nossa moeda na tentativa de fazer a prata regular o ouro ao mesmo tempo<br />

que o ouro regular a prata.<br />

B) Ponto de vista Escriturístico. - Segundo as Escrituras, a base da obrigação<br />

moral é a santidade de Deus, ou a perfeição m oral da natureza divina, em<br />

conform idade com a qual está a lei do nosso ser moral (R obinson, C halmers,<br />

C alderwood, G regory, W uttke). Demonstramos isto:<br />

d) A partir dos mandamentos: “Sede santos”, onde a base da obrigação é<br />

simples e única: “porque eu sou santo” (1 Pe. 1.16); e “portanto, sede perfeitos”<br />

onde se estabelece o padrão: “como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt. 5.48).<br />

Aqui temos um a últim a razão e base para sermos e fazermos o reto, a saber,<br />

que Deus é reto, ou, em outras palavras, que a santidade é a sua natureza.<br />

b) A partir da natureza do amor no qual se resume toda a lei (Mt. 22.37 -<br />

“Amarás o Senhor, teu Deus” ; Rm. 13.10 - “portanto, o amor é o cumprimento<br />

da lei”). Este amor não é considerado direito abstrato, ou a felicidade do<br />

ser, muito menos seu próprio interesse, m as considera Deus como a fonte e<br />

padrão de excelência moral ou, em outras palavras, amor a Deus como santo.<br />

Por isto, este am or é o princípio e fonte da santidade no homem.<br />

c) A partir do exemplo de Cristo, cuja vida foi essencialm ente a apresentação<br />

da consideração de Deus e da suprema dedicação à sua santa vontade.<br />

Como Cristo não viu nada de bom a não ser o que estava em Deus (Mc. 10.18<br />

- “não há bom senão um que é Deus”) e só fez o que viu o Pai fazer (Jo. 5.19;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 5 1<br />

ver. 30 - “busco não a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me<br />

enviou”), assim a nós sermos semelhantes a Deus é a súmula de todo o dever<br />

e a infinita excelência moral é a suprema razão porque devemos ser semelhantes<br />

a ele.<br />

T albot, Ethical Prologomena, in Bap. Quar., jul., 18 77.2 57-2 74- “A base<br />

de toda a lei moral é a natureza de Deus, ou a natureza ética de Deus na<br />

relação com semelhante natureza no homem ou o imperativo da natureza<br />

divina”. P latão: “A vontade divina é a fonte de toda a eficiência; a razão divina<br />

é a fonte de toda a lei; a natureza divina é a fonte de toda a virtude”. Se se<br />

disser que Deus é amor assim como santidade, perguntamos: Amor a quê?<br />

E a única resposta é: Amor ao direito ou à santidade. Perguntar por que o<br />

direito é bom não sensibiliza mais do que perguntar por que a felicidade é um<br />

bem. Deve existir alguma coisa última. S chiller diz que há pessoas que querem<br />

saber por que dez não é doze. Não podemos estudar o caráter separado<br />

da conduta e nem a conduta separada do caráter. Mas isto não nos impede<br />

de reconhecer que o caráter é a coisa fundamental e que a conduta é tão<br />

somente a sua expressão.<br />

A perfeição moral da natureza divina inclui a verdade e o amor, mas, visto<br />

que é a santidade que condiciona o exercício de cada um dos outros atributos,<br />

devemos concluir que a santidade é a base da obrigação moral. A infini-<br />

tude também se une com a santidade para fazê-la a base perfeita, mas porque<br />

o elemento determinante é a santidade, chamamos esta e não a infinitude<br />

de base da obrigação. J. H. H arris, Baccalaureate Sermon, B ucknell, Univer-<br />

sity, 1890 - “Como a santidade é atributo fundamental de Deus, deste modo é<br />

o supremo bem do homem. Aristóteles percebe isto quando declara que o<br />

principal bem do homem é o fortalecimento segundo a virtude. O cristianismo<br />

conta com o suprimento do Espírito Santo e torna possível tal suprimento”.<br />

A santidade é o alvo da carreira espiritual do homem; ver 1 Ts. 3.13 - “para<br />

confortar os vossos corações para que sejais irrepreensíveis em santidade<br />

diante de nosso Deus e Pai”.<br />

A rthur H. H allan, em John Browrís Rab and his Friends, 272 - “Santidade<br />

e felicidade são duas noções da mesma coisa. ... Por isso, a não ser que o<br />

coração de um ser criado esteja unido ao coração de Deus, ele só pode ser<br />

miserável”. H á mais verdade em dizer que a santidade e a felicidade são,<br />

como a causa e o efeito, inseparavelmente ligados entre si. M artineau, Types,<br />

1. xvi; 2.70-77 - “É indispensável que haja duas classes de fatos para que<br />

tenhamos conhecimento: quais as fontes da conduta voluntária e quais os<br />

seus efeitos”; Study, 1.26 - “A Ética deve aperfeiçoar-se na religião ou desintegrar-se<br />

no hedonismo”. W illiam Law assinala: “A Ética não é exterior, mas<br />

interior. A essência de um ato moral não está no seu resultado, mas no motivo<br />

de que ele brota. E ele é bom ou mau se se conforma ou não com o caráter de<br />

Deus”.


C a pít u l o II<br />

DOUTRINA DA TRINDADE<br />

Na natureza de Deus há três distinções eternas que se nos representam sob<br />

a figura de pessoas e estas três são iguais. Esta tripessoalidade de Deus é uma<br />

verdade exclusiva da revelação. Faz-se claram ente, apesar de não formalmente<br />

conhecida no Novo Testamento e podem achar-se indicações dela no Velho<br />

Testamento.<br />

A doutrina da Trindade pode expressar-se nas seguintes seis afirmações:<br />

1. H á na Escritura três que são reconhecidos como Deus. 2. Estes três são<br />

descritos de tal modo que somos compelidos a concebê-los como pessoas distintas.<br />

3. Esta tripessoalidade da natureza divina não é simplesmente econôm<br />

ica e temporal, mas imanente e eterna. 4. Esta tripessoalidade não é triteís-<br />

mo; pois, conquanto haja três pessoas, há apenas um a essência. 5. As três<br />

pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo são iguais. 6. Inescrutável, embora não<br />

autocontraditória, esta doutrina fornece a chave de todas outras doutrinas. -<br />

Passamos agora a provar e elucidar estas declarações.<br />

A razão nos mostra a unidade de Deus; só a revelação nos mostra a sua<br />

Trindade, preenchendo os contornos desta Unidade e vivificando-a. O termo<br />

‘Trindade’ não se encontra na Escritura, apesar de que o conceito que ela<br />

expressa é escriturístico. Atribui-se a invenção do termo a Tertuliano. Os mon-<br />

tanistas foram os primeiros que definiram a pessoalidade do Espírito e os<br />

primeiros que formularam a doutrina da Trindade. O termo ‘Trindade’ não é<br />

metafísico é apenas a designação de quatro fatos: 1) o Pai é Deus; 2) o Filho<br />

é Deus; 3) o Espírito é Deus; 4) há um só Deus.<br />

P a r k : “Por um lado a doutrina da Trindade não afirma que as três pessoas<br />

estão unidas numa pessoa, ou três seres num só ser, ou três deuses num só<br />

Deus (triteísmo); nem, por outro lado, que Deus simplesmente se manifesta<br />

em três diferentes modos (trindade modal, ou de manifestações); mas, ao<br />

invés disso, que há três eternas distinções na substância de Deus”. S m it h ,<br />

Prefácio a Edwards, Observations on Trinity. “A doutrina da igreja sobre a<br />

Trindade afirma que há em Deus três hipóstases distintas ou subsistências -<br />

Pai, Filho, e Espírito Santo - cada um possuindo uma única e mesma natureza<br />

divina embora de maneira diferente. Os pontos essenciais são 1) a unidade<br />

da essência; 2) a realidade das distinções imanentes ou ontológicas”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Ver Park em Eduards’ View of The Trinity a respeito da Trindade, em Biblia<br />

Sacra, abr. 1881.333. P rinceton, Essays, 1.28 - “Há um Deus; Pai, Filho e<br />

Espírito Santo são este Deus uno; há esta distinção entre Pai, Filho e Espírito<br />

Santo quanto ao lançamento de uma base suficiente para o emprego recíproco<br />

dos pronomes pessoais”. J oseph C ook: “(Pai, Filho e Espírito Santo são<br />

um Deus; 2) cada um tem uma peculiaridade incomunicável aos outros;<br />

3) nenhum é Deus sem os outros; 4) cada um, com os outros é Deus”.<br />

Consideramos a doutrina da Trindade implicitamente sustentada pelos<br />

apóstolos e envolvida nas declarações do Novo Testamento sobre Pai, Filho<br />

e Espírito Santo, enquanto admitimos que a doutrina não foi formulada pelos<br />

escritores do Novo Testamento. Eles a defendiam como solução; só o tempo,<br />

a reflexão e o choque da controvérsia e oposição fizeram-na cristalizar-se na<br />

forma definida e dogmática. Chadwick, Old and New Unitarianism, 59,60, reivindicam<br />

que a origem judaica do cristianismo mostra que o Messias judaico<br />

não podia originariamente ter sido concebido como divino. Se Jesus tivesse<br />

reivindicado isso, ele não teria sido levado a Pilatos; os judeus o teriam matado.<br />

A doutrina da Trindade, diz Chadwick, não se desenvolveu até o Concilio<br />

de Nice, 325. E. G. R o b in s o n : “Não havia doutrina da Trindade no período da<br />

patrística, como também não havia a doutrina da expiação antes de A n s e l m o .<br />

The Outlook, Notes and Queries, 30 de mar 1901 - “Não se pode dizer que a<br />

doutrina da Trindade assumiu a forma final antes do aparecimento do assim<br />

chamado Credo Atanasiano no século 8-, ou 99. O Credo Niceno formulado<br />

no quarto século, é chamado pelo D r . Schaff, do ponto de vista ortodoxo,<br />

‘semitrinitário’. O mais antigo tempo que se sabe que Jesus foi deificado encontra-se,<br />

depois dos escritores do Novo Testamento, nas cartas de Inácio,<br />

no começo do segundo século”.<br />

G o r e , tncarnation, 179 - “ A d o u tr in a d a T r in d a d e n ã o é m u ito o u v id a ou<br />

d e fe n d id a n a s a fir m a ç õ e s d a E s c r itu r a ” . G e o r g e P. F is h e r c ita u m a m ig o<br />

c a p a z e p ie d o s o q u e d iz : “ O q u e e n c o n tr a m o s n o N o v o T e s ta m e n to é a disjecta<br />

membra (m e m b r o s s e p a r a d o s ) d a T r in d a d e ” . G. B. F o s t e r : “A d o u tr in a d a<br />

T r in d a d e é a te n ta tiv a c r is tã d e to r n a r in te lig ív e l a p e s s o a lid a d e d e D e u s s e m<br />

d e p e n d e r d o m u n d o ” . C h a r le s K in g s le y d iz ia q u e , s e a d o u tr in a d a T r in d a d e<br />

e s tá o u n ã o n a B íb lia , d e v e r ia e s ta r n e la , p o rq u e a n o s s a n a tu re z a e s p iritu a l<br />

c la m a p o r e la . S h e d d , Dogmatic Theology, 1.250 - “A p e s a r d e q u e a d o u trin a<br />

n ã o p o d e s e r d e s c o b e r ta p e la ra z ã o h u m a n a , e la é s u s c e tív e l à d e fe s a ra c io ­<br />

n a l, q u a n d o r e v e la d a ” . S o b r e o tr in ita r is m o n a N o v a In g la te r ra , v e r New World,<br />

1896.272-295 - a rt. d e L evi L. P a in e . E le d iz q u e a s u a ú ltim a fa s e é re p r e s e n ­<br />

ta d a p o r P h illip s B r o o k s, J a m e s M. W h ito n e G e o r g e A. G o r d o n . Estes s u s te n ­<br />

ta m a d iv in d a d e e s s e n c ia l d a h u m a n id a d e e p r in c ip a lm e n te d e C ris to , o ú n ic o<br />

re p re s e n ta n te d a h u m a n id a d e , q u e , n e s te s e n tid o é a v e r d a d e ir a e n c a rn a ç ã o<br />

d a d iv in d a d e .<br />

N eander declara que a Trindade não é doutrina fundamental do cristianismo.<br />

Contudo, ele falava da forma especulativa, metafísica que a doutrina assumiu<br />

na teologia. Mas ele fala bem diferentemente da forma devota e prática<br />

em que as Escrituras a apresentam, como na fórmula batismal e na bênção<br />

apostólica. A respeito disto, diz ele: “Reconhecemos o conteúdo essencial do<br />

cristianismo resumido de uma forma breve”. W hiton, Gloria Patri, 10,11,55,91,92<br />

- “O Deus transcendente, o Pai, releva-se através do Deus imanente, o Filho.<br />

4 5 3


4 5 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Esta natureza pertence tanto a Deus como a Cristo e à humanidade e neste<br />

fato baseia-se a imutabilidade das distinções morais e a possibilidade do progresso<br />

moral. ... A vida imanente do universo é a mesma do poder transcendente;<br />

a corrente filial é a mesma da Fonte paternal. Pertence à supremacia<br />

de Cristo o nome de Filho, que inclui toda essa vida que é gerada de Deus.<br />

Em Cristo o outrora Filho inconsciente do mundo desperta a consciência do<br />

Pai. O Pai é a vida transcendente, acima de tudo. Em Cristo temos o coletivis-<br />

mo; no Espírito Santo temos o individualismo; como diz Bushnell: “O principal<br />

poder do mundo é a pessoalidade”.<br />

I. NA ESCRITU RA HÁ TRÊS QUE SÃ O RECONHECIDOS COMO<br />

DEUS<br />

1. Provas do Novo Testamento<br />

A) O Pai é reconhecido como Deus, - e em tão grande número de passagens<br />

(tais como Jo. 6.27 - “o Pai, Deus, o selou”, e 1 Pe. 1.2 - “presciência de<br />

Deus, Pai”) que não precisamos nos delongar acrescentando extensas provas.<br />

B) Jesus Cristo é reconhecido como Deus.<br />

a) Ele é expressam ente chamado Deus.<br />

Em João 1.1 - 0eòç fjv ó Xóyoç - a ausência do artigo m ostra que 0eóç é<br />

predicativo (cf. 4.24 - Ttveupa ó 0eóç). Este predicativo precede o verbo para<br />

dar ênfase, indicando progresso no pensamento = ‘o Logos não só estava com<br />

Deus, mas era D eus’ (ver M eyer e L uthardt, Com. in loco). “Só ó À,óyoç<br />

pode ser o sujeito, pois na Introdução toda, a questão não é, quem é Deus, mas<br />

quem é o Logos” (G odet).<br />

W e s t c o t t , Bib. Com., in loco - “O predicado está, de um modo enfático,<br />

em primeiro lugar. Necessariamente está sem o artigo visto que descreve a<br />

natureza do Logros e não identifica a sua pessoa. Seria puro sabelianismo<br />

dizer: ‘O Logos era ó 0eóç’. Assim temos neste verso 1 estabelecido o Logos<br />

em seu absoluto ser eterno, a) sua existência: além do tempo; b) sua existência<br />

pessoal: em comunhão ativa com Deus; c) sua natureza: Deus em essência”.<br />

M a rc u s D o d s , em Expositor’s Greek Testament, in loco: “O Logos se<br />

distingue de Deus, contudo, 0 e ò ç fjv ò Xóyoq - o Logos era Deus, quanto à<br />

natureza divina; não ‘um Deus’, o que ao ouvido de um judeu teria sido abominável,<br />

nem ainda idêntico a tudo o que pode ser chamado Deus, porque,<br />

então, o artigo teria sido inserido (cf. 1 Jo. 3.4)”.<br />

Em João 1.18, povoyevriç 0eóç - ‘o Deus unigênito’ - deve-se considerar<br />

como a leitura correta e uma clara atribuição da divindade absoluta a Cristo.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 5 5<br />

Ele não é simplesmente o único revelador de Deus, mas ele é o próprio Deus<br />

'r elado.<br />

Jo. 1 .1 8 - “Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no<br />

seio do Pai, este o fez conhecer” (Rev. e Corr.). “Ninguém jamais viu a Deus;<br />

o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Rev. e Atual, no<br />

Br.). Nesta passagem, apesar de que Tis c h e n d o r f (8- ed.) tem jxovoyevriç m ó ç ,<br />

W e s t c o t t e H o r t (com K*BC*L Peshita Siríaca) reza novoyevT)ç ©eóç, e a Rev.<br />

Vers. “the only begotten God” (o unigênito Deus) na margem, apesar de que<br />

conserva “o Filho unigênito” no texto. H a rn a c k diz que a leitura novoyevfiç<br />

©eóç está “além de uma contradição estabelecida”. Aqui temos uma nova e<br />

inequívoca afirmação da divindade de Cristo. M e y e r diz que os apóstolos<br />

realmente chamam Cristo de Deus só em Jo. 1.1 e 20.28 e que Paulo nunca<br />

o reconhece deste modo. Porém M e y e r é capaz de sustentar a sua posição<br />

chamando as doxologias a Cristo, em 2 Tm. 4.18, Hb. 13.21 e 2 Pe. 3.18 de<br />

pós-apostólicas.<br />

Em João 20.28, a palavra dirigida por Tomé ó K Ú p ió ç pot) Kcd ó G eó ç pou,<br />

- 'meu Senhor, meu D eus’ - porque não foi repreendida por Cristo, eqüivale a<br />

.una declaração da sua parte como reivindicação da divindade.<br />

Jo. 20.28 - “Tomé respondeu e disse-lhe: Senhor meu e Deus meu”. Isto<br />

não pode ser interpretado como um súbito apelo a Deus causado por surpresa<br />

e admiração, sem acusar o apóstolo de profanação. Nem se pode considerar<br />

uma simples apresentação super-elaborado entusiasmo, já que Cristo<br />

a aceitou. Contraste a conduta de Paulo e Barnabé, quando os pagãos em<br />

Listra apresentavam-lhes sacrifícios como se eles fossem Júpiter e Mercúrio<br />

(A t. 14.11-18). As palavras de Tomé, proferidas diretamente a Cristo e aceitas<br />

por ele, podem ser consideradas como um justo reconhecimento da parte de<br />

Tomé de que Cristo era o seu Senhor e seu Deus. A l f o r d , Comentary, in loco:<br />

“O ponto de vista sociniano de que estas palavras são simplesmente uma<br />

exclamação é refutado 1) pelo fato de que tais exclamações não eram empregadas<br />

entre os judeus; 2) pelo eiTtev ccmcò; 3) pela impossibilidade de ó KÚpióç<br />

nou referir-se a outra pessoa que não fosse Jesus; ver v. 13; 4) pelo emprego<br />

no Novo Testamento da expressão do vocativo pelo nominativo com o artigo;<br />

5) pelo absurdo psicológico de tal suposição; de que alguém convencido da<br />

presença daquele que com apreço amava, ao invés de se dirigir a ele, irrompia<br />

em irrelevante clamor; 6) por outro absurdo, o de supor que, se tal fosse o<br />

caso, o apóstolo João, que, de todos os escritores sacros, de modo mais<br />

constante conserva em mente o objetivo para o qual ele escreveu, tenha<br />

registrado alguma coisa tão alheia ao objetivo; 7) pela íntima conjunção de<br />

jreTtía-cewaç (2 pess. sing. perf. ind. de jtia-tsúco)” Cf. Mt. 5.34 - “de maneira<br />

nenhuma jureis ... pelo céu” - não se diz jurar por Yahweh porque nenhum<br />

judeu juraria desta forma. Esta exclamação de Tomé, o que mais duvidou<br />

entre os doze, é a conclusão natural do evangelho de João. A tese “o Logos<br />

era Deus” (Jo. 1.1) torna-se agora parte da vida e consciência dos apóstolos.


4 5 6 Augustus Hopkins Strong<br />

O capítulo 21 é apenas um Epílogo, ou Apêndice, que João escreveu mais<br />

tarde, para corrigir o erro de que ele não deveria morrer. A divindade de Cristo<br />

é o assunto do apóstolo que melhor entendeu o seu Mestre. L ym an B e e c h e r :<br />

“Jesus Cristo é a divindade atuante do universo”.<br />

Em Romanos 9.5, a oração ó cov èrci 7iávxcov 8eóç eüXoyriTÓç não pode ser<br />

traduzida “bendito seja o Deus sobre todos’, pois cov é supérfluo se a oração é<br />

um a doxologia; “eí>À,oyrixóç precede o nom e de Deus numa doxologia, mas<br />

segue-o, como aqui, em um a descrição” (Hovey). A oração pode, portanto,<br />

corretamente ser interpretada só como um a descrição da mais alta natureza do<br />

Cristo que já se dissera, xò Kocxà a á p m , ou conform e sua mais humilde natureza<br />

ter tido sua origem em Israel (ver T holuck, Com. in loco).<br />

S an d a y, Comentary on Rm. 9.5 - “As palavras naturalmente referem-se a<br />

Cristo, a não ser que a palavra ‘Deus’ seja tão nitidamente um substantivo<br />

próprio que implica um contraste consigo mesmo (isto é, com o próprio substantivo).<br />

Já vimos que isto não é assim”. Por isso, S a n d a y traduz: “de quem é<br />

Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente”.<br />

Em Tito 2.13, èm cpáveiav xfjç SóÇriç xou peYáÀou 0eoí> K ai ccoxfjpoç<br />

rprâv ’Iti


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 457<br />

Objeta-se às vezes que atribuir o nome de Deus a Cristo nada prova quanto<br />

à divindade absoluta, visto que os anjos e até mesmo os juizes humanos são<br />

chamados deuses, ao representar a autoridade de Deus e executar a sua<br />

vontade. Mas respondemos que, conquanto seja verdade que o nome às<br />

vezes é assim aplicado, é sempre com adjuntos e em conexões que não<br />

deixam dúvida sobre o seu sentido figurado e secundário. Entretanto, quando<br />

aplicado a Cristo, ao contrário, é com adjuntos e em conexões que não deixam<br />

dúvida de que significa o Deus absoluto. Ver Ex. 4.16 - “tu lhe serás por<br />

Deus”; 7.1 - “Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó”; 22.28 - “os juizes<br />

não amaldiçoarás e o príncipe dentre o teu povo não maldirás” (Rev. e Corr.);<br />

“Contra Deus não blasfemarás, nem amaldiçoarás o príncipe do teu povo”<br />

(Rev. e Atual, no Br.) SI. 82.1 - “Deus está na congregação dos poderosos;<br />

julga no meio dos deuses” (Rev. e Corr.); “Deus assiste na congregação divina;<br />

no meio dos deuses, estabelece o seu julgamento” (Rev. e Atual, no Br.)<br />

[entre os poderosos]; 6 - “eu disse: vós sois deuses e vós outros todos filhos<br />

do Altíssimo”; 7 - todavia, como homens morrereis como qualquer dos príncipes”.<br />

Cf. Jo. 10.34-36 - “se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de<br />

Deus foi dirigida” (que foram comissionados e indicados representantes),<br />

quanto mais àquele que é um com o Pai chama-se a si mesmo Deus.<br />

Como em Si. 82.7 - aqueles que foram chamados bons são representados<br />

como morrendo, do mesmo modo em 97.7 - “Prostrai-vos diante dele<br />

todos os deuses” - são ordenados a que se curvem diante do Senhor. Ann.<br />

Par. Bible: “Apesar de que as divindades dos pagãos não têm existência positiva,<br />

freqüentemente são descritas na Escritura com se a tivessem e cur-<br />

vando-se diante da majestade do Senhor”. Este verso é citado em Hb. 1.6 -<br />

“e todos os anjos de Deus o adorem” - /'.e., a Cristo. Aqui Cristo é identificado<br />

com Yahweh. Trata-se de uma citação da Septuaginta, que tem a palavra<br />

“anjos” em lugar de “deuses”. Seu emprego aqui está de acordo com o espírito<br />

da palavra hebraica, que inclui tudo o que o erro humano podia considerar<br />

como objeto de culto”. Determina-se aos que figurada e retoricamente são<br />

chamados “deuses” que se dobrem em adoração diante de Jesus Cristo, que<br />

é o verdadeiro Deus.<br />

Em 1 João 5 .2 0 - èopèv èv xrâ ccA,r|0i.vô, èv xô mcò a m o í 'Iriooá) Xpioxco.<br />

oúxóç ècm v ô á^r|9ivòç 0eóç - “seria um a categórica repetição depois que o<br />

Pai tinha chamado duas vezes ó àÀ,r|0ivóç, dizer outra vez: ‘este é ó ccÀr|8ivóç.<br />

Nosso ser em Deus tem sua base em Cristo, seu Filho, e este tam bém torna<br />

mais natural que ovxoç se refira a mrô. M as não deve ó à^ri0ivóç estar sem o<br />

artigo (como em João 1 .1 - 0sòç flv ó A.óyoç)? Não, pois é o propósito de João<br />

dizer em 1 João 5 .2 0 , não o que Cristo é, mas quem ele é. Declarando o que<br />

alguém é, o predicativo não deve ter artigo; declarando quem alguém é deve<br />

ter o artigo. João aqui diz que este Filho, em quem nosso ser repousa no verdadeiro<br />

Deus, é o mesmo verdadeiro D eus” (ver E b rard , Com. in loco).<br />

Outras passagens podem ser aqui acrescentadas, como Cl. 2.9 - “nele<br />

habita corporalmente toda a plenitude da divindade”; Fp. 2.6 - “sendo em


4 5 8 Augustus Hopkins Strong<br />

forma de Deus”; mas preferimos considerar estas sob outros títulos como<br />

prova indireta da divindade de Cristo. Contamos ainda com outras passagens<br />

como afirmações diretas dadas como razão textual. São elas At. 20.28 cuja<br />

leitura correta, com toda probabilidade, não é èKK?o|aíav xoO ©eoft, mas<br />

£KKX,riG Íav t o í) Kupíou (como se acha em ACDE T r e g e lle s 6 T is c h e n d o r f; contudo,<br />

B e K, contudo, têm tou ©eoíi. A Versão Revista continua a registrar<br />

“a igreja de Deus; contudo, os revisores americanos continuam a registrar “a<br />

igreja do Senhor”); e 1 Tm. 3.16, onde õç inquestionavelmente deve ser substituído<br />

por ©eóç, apesar de que mesmo aqui ètpaveprâeri indica preexistência.<br />

O R ev. G eorge E. Ellis, D. D., diante do U nitarian Club, Boston, Nov. 1882<br />

- “C inqüenta anos de estudo, pensam ento e leitura dedicados em grande<br />

parte à Bíblia e à literatura peculiarm ente relaciona-se com ela, trouxeram -<br />

me a esta conclusão de que o livro, tom ado com a qualidade divina especial<br />

e seu caráter, e deste modo, por extensão, atribuído a ele, com o inspirado<br />

e infalível com o um todo, e em todo o seu conteúdo - é um livro ortodoxo.<br />

Ele produz aquilo que se cham a credo ortodoxo. A grande m aioria dos seus<br />

leitores, seguindo a sua letra, seu sentido óbvio, seu significado natural e<br />

causando a im pressão de que alguns dos seus textos enfáticos encontram<br />

nele ortodoxia. Só esse tipo de tratam ento forçado, ingênuo, especial, discri-<br />

m inativo e, acrescente-se, de candura, que recebe de nós, os liberais podem<br />

faze r o livro ensinar qualquer coisa que não seja a ortodoxia. As assim cham<br />

adas seitas evangélicas estão claram ente certas ao sustentar que este seu<br />

ponto de vista da E scritura e de suas doutrinas traça um a profunda e am pla<br />

divisão dos credos entre eles e nós. Na sua vibrante controvérsia através de<br />

panfletos entre os D rs. C hanning e W are, de um lado, e os D rs. W orcester e<br />

W oods e o P rofessor S tuart, de outro, - controvérsia que fez o povo da nossa<br />

com unidade há sessenta anos passados m ais do que fizeram as nossas<br />

recentes cam panhas políticas - estou plenam ente con ven cido de que os<br />

polem istas pioraram . A exegese bíblica, a lógica e o argum ento estavam claram<br />

ente ao lado dos polem istas ortodoxos. E, deste modo, isto aconteceu<br />

principalm ente porque o grupo liberal se pôs no m esm o plano que o ortodoxo<br />

no seu m odo de con sid erar e tratar os textos bíblicos no seu procedim ento<br />

sobre a controvérsia. O liberalism o não pode vencer a ortodoxia se ele faz<br />

concessões a este últim o no seu próprio m odo de considerar e tratar a Bíblia<br />

com o um todo. M artinho Lutero dizia que os papistas queim avam a Bíblia<br />

porque não lhes favorecia. Ora, não devo ata car a B íblia por não estar do<br />

meu lado; m as devo objetar com tanta ênfase quanto eu posso contra o caráter<br />

e qualidade atribuídos à Bíblia, que por si m esm a não reivindica, que não<br />

pode certificar-se em seu favor; e a origem e o crescim ento e a intensidade<br />

das influências ternas e supersticiosas resultantes desse ponto de vista não<br />

podem os trazer de m odo distinto a agentes por conta da crença corrente,<br />

m as sem garantia. A ortodoxia não pode reajustar os seus credos enquanto<br />

não reajustar a sua avaliação das Escrituras. A única salvação que alguém que<br />

professa o credo ortodoxo pode encontrar é, ou forçar sua ingenuidade sobre<br />

os textos que servem de prova, ou abrir m ão da sua liberdade fora deles”.<br />

Com esta confissão de um notável unitário é interessante comparar a opinião<br />

do assim chamado trinitário, Lyman A bbott, que diz que o Novo Testamento<br />

em parte alguma chama Cristo de Deus, mas em toda a parte o chama


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 459<br />

homem, como em 1 Tm. 2.5 - “Porque há um só Deus e um só mediador entre<br />

Deus e os homens, Jesus Cristo, homem”. Sobre esta passagem o próprio<br />

P r o f . L. L. P ain e assinala no New World, dez. 1894 - “Que Paulo confundiu<br />

Cristo com o próprio Deus ou considerou-o de qualquer modo como a Suprema<br />

Divindade, é uma posição invalidada não só pelas afirmações diretas,<br />

mas também pela tendência das suas epístolas”.<br />

b) Descrições veterotestamentárias de Deus aplicadas a ele.<br />

Esta aplicação de nomes e títulos a Cristo exclusivamente apropriados a<br />

Deus é inexplicável, se Cristo não era considerado como sendo ele mesmo<br />

Deus. O tem or peculiar com que o termo ‘Yahweh’ era separado por uma<br />

nação de firmes monoteístas como nome sagrado e incomunicável nome do<br />

Deus auto-existente e guardador da aliança proíbe crer que os escritores da<br />

Bíblia o poderiam ter usado para designar um ser subordinado e criado.<br />

Mt. 3.3 - “Preparai o caminho do Senhor” - é uma citação de Is. 40.3 -<br />

“Preparai ... o caminho de Yahweh”. João 12.41 - “Isaías disse isso quando<br />

viu a sua glória e falou dele” [/.e., Cristo] - refere-se a Is. 6.1 - “No ano em<br />

que morreu o rei Uzias, eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime<br />

trono”. Do mesmo modo em Ef. 4.7,8 “a medida do dom de Cristo. ... levou<br />

cativo o cativeiro” - é uma aplicação do que se diz em SI. 68.18 a Cristo. Em 1<br />

Pe. 3.15, contudo, lemos, com todos os grandes unciais, vários dos Pais e<br />

todas as melhores versões: “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração”;<br />

aqui o apóstolo toma de empréstimo a linguagem de Is. 8.13, onde se lê:<br />

“Ao Senhor dos exércitos, a ele santificai”. Quando nos lembramos de que,<br />

com os judeus, o título pactuai de Deus é tão sagrado que, para o Kethib<br />

(= “escrito”) Yahweh é sempre substituído por Keri (= “leia” - imperativo)<br />

Adonai, para evitar a pronúncia do grande nome, parece mais notável que<br />

0 equivalente grego de ‘Yahweh’ deve ter sido empregado constantemente<br />

para designar Cristo. Cf. Rm. 10.9 - “confessarmos ... Jesus como Senhor”;<br />

1 Co. 12.3 - “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito<br />

Santo”. Convém lembrar também a indignação dos judeus na afirmação de<br />

Cristo sobre a sua igualdade e unidade com o Pai. Comparar a expressão de<br />

Goethe, “Er dar ihm nennen? com a de Carlyle, “O terrível inominável deste<br />

Universo”. Tem-se dito que os judeus sempre oscilaram entre o monoteísmo<br />

e o moneyteísmo. Contudo, Tiago, o mais forte dos hebreus, na sua epístola<br />

emprega a palavra ‘Senhor’ livre e alternadamente referindo-se a Deus, o Pai<br />

e a Cristo, o Filho. Isto teria sido impossível se Tiago não cresse na comunidade<br />

da essência entre o Filho e o Pai.<br />

É interessante notar que 1 Mc. (Macabeus) não emprega a palavra ©eóç,<br />

ou K-ópioç, ou qualquer outra designação direta de Deus exceto oüpavóç (cf.<br />

‘de maneira nenhuma jureis nem pelo céu’ - Mt. 5.34). Do mesmo modo o<br />

livro de Ester não contém nenhuma menção do nome de Deus apesar de que<br />

os apócrifos acréscimos de Ester, encontrados só no grego, contém o nome<br />

de Deus no primeiro verso e menciona-o ao todo oito vezes.


4 6 0 Augustus Hopkins Strong<br />

c) Ele possui os atributos de Deus.<br />

E ntre eles estão: vida, existência própria, imutabilidade, verdade, amor.<br />

santidade, eternidade, onipresença, onisciência, onipotência. Todos estes atributos<br />

são aplicados a Cristo em conexões que m ostram que os termos não são<br />

empregados em nenhum sentido secundário, nem em qualquer sentido aplicável<br />

a um a criatura.<br />

Vida'. Jo . 1.4 - “Nele estava a vida”; \ 4.6 - “Eu sou ... a \nda”. Existência<br />

própria: Jo. 5.26 - “ter vida em si mesmo”; Hb. 7.16 - “virtude de vida incorruptível<br />

(àKaTaXwou)”. Imutabilidade: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje,<br />

e eternamente”. Verdade: Jo. 14.6 - “Eu sou ... a verdade”; Ap. 3.7 - “o que é<br />

verdadeiro”. Amor. 1 Jo. 3.16 - “Conhecemos o amor (xf\v àYáitr\v = Amor<br />

pessoal, como a Verdade pessoal) nisto: que ele deu a vida por nós”. Santidade:<br />

Lc. 1.35 - “o santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus”;<br />

Jo. 6.69 - “tu és o Santo de Deus”; Hb. 7.26 - “santo, inocente, imaculado,<br />

separado dos pecadores”.<br />

Eternidade: Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo”. Godet diz èv àpxV = não<br />

’na eternidade’, mas ‘no começo da criação’; a eternidade do Verbo é<br />

uma inferência de fjv - o Verbo era, quando o mundo foi criado: cf. Gn. 1.1 -<br />

“No princípio criou Deus”. Porém Meyer diz: èv àpxrf aqui está acima da concepção<br />

histórica de “no princípio” em Gênesis (que inclui o começo do próprio<br />

tempo) até a concepção absoluta de anterioridade no tempo; a criação é algo<br />

subseqüente. Ele acha um paralelo em Pv. 8.23 - èv àpjcn 7tpò toú rnv yfjv<br />

noifjaai. A interpretação ‘no princípio do evangelho’ é inteiramente não exe-<br />

gética. Do mesmo modo Jo. 17.5 - “glória que tinha contigo antes que o mundo<br />

existisse”; Ef. 1.4 - “também nos elegeu antes da fundação do mundo”.<br />

Dorner também diz que èv àpxrj em Jo. 1.1 não é ‘o começo do mundo’, mas<br />

designa o ponto atrás do qual é impossível recuar, /.e., a eternidade; a primeira<br />

vez que se fala do mundo é no verso 3. Jo. 8.58 - “antes que Abraão<br />

existisse, eu sou”; cf. 1.15; Cl. 1.17 - “E ele é antes de coisas as coisas”;<br />

Hb. 1.11 - os céus “perecerão, mas tu permanecerás”; Ap. 21.6 - “Eu sou o<br />

Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim”.<br />

Onipresença: Mt. 28.20 - “eu estou convosco todos os dias”; 18.20 - “Porque<br />

onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou eu no meio<br />

deles”. Onisciência: Mt. 9.4 - “Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos...”;<br />

Jo. 2.24,25 - “porque a todos conhecia ... ele bem sabia o que estava<br />

no homem”; 16.30 - “sabes tudo”; At. 1.24 - “Tu, Senhor, conhecedor do<br />

coração de todos ...” oração dirigida antes do dia de Pentecostes e que mostra<br />

a atitude dos discípulos para com o seu Mestre; 1 Co. 4.5 - “até que<br />

o Senhor venha, o qual trará à luz as coisas ocultas das trevas e manifestará<br />

os desígnios dos corações”; Cl. 2.3 - “em quem estão escondidos todos<br />

os tesouros da sabedoria e da ciência”. Onipotência: Mt. 28.18 - “Toda a<br />

autoridade me foi dada no céu e na terra”; Ap. 1 . 8 - “Eu sou o Alfa e o Ômega,<br />

o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, que era, e que há de vir, o Todo-<br />

poderoso”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 461<br />

Beyschlag, N. T. Theology, 1.249-260, sustenta que a preexistência de<br />

Jesus é simplesmente a forma completa dada a uma concepção ideal. Jesus<br />

recua a si mesmo no tempo, como tudo o que é santo e divino recua nas<br />

concepções do seu tempo até uma origem celeste na qual preexistiam antes<br />

do seu aparecimento terreno; p.ex.: o tabernáculo em Hb. 8.5; Jerusalém em<br />

Gl. 4.25 e Ap. 21.10; o Reino de Deus em Mt. 13.24; muito mais o Messias em<br />

Jo. 6.62 - “subir o Filho do Homem para onde primeiro estava”; 8.58 - “antes<br />

que Abraão fosse, eu sou”; 17.24 - “tu me amaste antes da fundação do<br />

mundo”. Este ponto de vista de que Jesus existia antes da criação só numa<br />

forma ideal na mente divina, significa só que Deus o conhecia anteriormente<br />

e sabia da sua vinda. O ponto de vista é refutado pelas múltiplas indicações<br />

de uma preexistência pessoal, distinta da ideal.<br />

Lowrie, Doctrine of St. John, 115 - “A expressão ‘no princípio’ (Jo. 1.1)<br />

sugere que o autor está empenhado em escrever um segundo livro de Gênesis,<br />

sobre uma nova criação”. Como a criação pressupõe um criador, a preexistência<br />

de um Verbo pessoal aparece como uma explicação do ser do universo.<br />

O fjv indica existência absoluta, o que é uma idéia mais elevada que a<br />

da simples preexistência, apesar de que esta a inclui. Enquanto se diz que<br />

João Batista e Abraão ressuscitaram, apareceram, vieram a ser, diz-se que o<br />

Logos era, e que o Logos era Deus. Isto implica coetemidade com o Pai. Mas<br />

se o ponto de vista que estamos combatendo fosse correto, João Batista e<br />

Abraão preexistiriam do mesmo modo que Cristo. Sem dúvida não é este o<br />

sentido de Jesus em Jo. 8.58 - “Antes que Abraão nascesse eu sou”; cf. Cl. 1.17<br />

- “ele é antes de todas as coisas” - “a-ínóç dá ênfase à pessoalidade,<br />

enquanto êcuiv declara que a preexistência é existência absoluta” Lightfoot);<br />

Jo. 1.15- “o que vem depois de mim é antes de mim, porque foi primeiro do<br />

que eu” = não que Jesus tivesse nascido antes de João Batista, porque ele<br />

nasceu seis meses mais tarde, mas que ele existia antes. Ele é antes de João<br />

em grau, porque ele existia muito antes de João, no tempo; 6,62 - “Subir o<br />

Filho do Homem para onde primeiro estava”; 16.28 - “Saí do Pai e vim ao<br />

mundo”. Também Is. 9.6,7, chama Cristo de “Pai eterno” = a eternidade é um<br />

atributo do Messias. T. W. Chambers, em Jour. Soc. Bib. Exegesis, 1881.169-<br />

171 - “Cristo é o Eterno, ‘cujas origens são desde os tempos antigos, desde<br />

os dias da eternidade’ (Mq. 5.2). ‘Do incremento deste principado da paz, não<br />

haverá fim’ (Is. 9.7) porque a sua existência não teve começo”.<br />

d) As obras de Deus são atribuídas a ele.<br />

Não falamos aqui dos milagres, que podem ser operados por poder comunicado,<br />

mas de obras tais como a criação do mundo, o sustento de todas as<br />

coisas, a ressurreição final dos mortos e o julgam ento de todos os homens.<br />

O poder de realizar estas obras não pode ser delegado, pois são características<br />

da onipotência.<br />

Criação: Jo. 1.3 - “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele”;<br />

1 Co. 8.6 - “um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas”;


4 6 2 Augustus Hopkins Strong<br />

Cl. 1.16 - “tudo foi criado por meio dele e para ele”; Hb. 1 .1 0 - “Tu, Senhor, no<br />

princípio fundaste a terra e os céus são obra das tuas mãos”; 3.3,4 - “o que<br />

edificou todas as coisas é Deus” = Cristo, o edificador da casa de Israel, é<br />

o Deus que fez todas as coisas; Ap. 3.14 - “o princípio da criação de Deus”<br />

(cf. Platão: “A mente é a àpjoí do movimento”). Sustentando: Cl. 1 .1 7 - “todas<br />

as coisas subsistem por ele”; Hb. 1.3 - “sustentando todas as coisas pela<br />

palavra do seu poder”. Ressuscitando os mortos e julgando o mundo:<br />

Jo. 5.27-29 - “autoridade para exercer o juízo ... todos os que estão nos<br />

sepulcros ouvirão a sua voz, e sairão”; Mt. 25.31,32 - “... se assentará no<br />

trono da sua glória; e todas as nações se reunirão diante dele”. Se o nosso<br />

argumento fosse dirigido totalmente aos crentes poderíamos também argumentar<br />

com a obra de Cristo no mundo como Revelador de Deus e Redentor<br />

dos pecados, como prova da sua divindade.<br />

Afirmações sobre a atividade criadora de Cristo e seu sustento estão combinadas<br />

em Jo. 1 .3 ,4 - n ávra Si^cano-ü éyéve-co, kou oràxoC èyévexo oi>5è<br />

êv. ó yéyovev èv cnnw Çcoti fjv - “Todas as coisas foram feitas por intermédio<br />

dele, e sem ele nada foi feito. Nele estava a vida e a vida era a luz dos<br />

homens”. W e s tc o tt: “Seria difícil encontrar um consenso mais completo das<br />

antigas autoridades em favor de qualquer leitura do que a que defende esta<br />

pontuação”. Por isso Westcott a adota. A passagem mostra que o universo<br />

1. existe dentro dos limites do ser de Cristo; 2. que ele não é morto, mas vivo;<br />

3. que ele deriva a sua vida de Cristo. A criação requer a presença divina,<br />

assim como a sua atuação. Deus cria através de Cristo. Todas as coisas<br />

foram feitas, não vnò avxov - “por ele”, mas SiTconou - “através dele”.<br />

V an O osterzee, Christian Dogmatics, Iv, Ivi - Aquilo que muitos teólogos<br />

conjeturavam obscuramente, a saber, que Deus não produziu o mundo de<br />

uma forma absoluta, imediata, mas de um modo ou de outro, mediatamente,<br />

aqui se nos apresenta com a clareza da revelação e exalta tanto mais a<br />

reivindicação do Filho de Deus à nossa profunda e reverente homenagem”.<br />

Ah! Se tais cientistas como T yndall e H uxley pudessem ver Cristo na natureza,<br />

e, fazendo a sua vontade, pudessem aprender a sua doutrina e ser conduzidos<br />

ao Pai! O mais humilde cristão que vê a mão de Cristo no universo físico<br />

e na história humana conhece mais do segredo do universo do que todos os<br />

cientistas juntos.<br />

Cl 1 .1 7 - “todas as coisas subsistem por ele”, ou “reúnem-se”, não significa<br />

nada menos que Cristo é o princípio da coesão no universo, fazendo um<br />

cosmos, não um caos. T yndall dizia que a atração do sol sobre a terra é tão<br />

inconcebível como se um cavalo puxasse a carroça sem varais. S ir Isaac<br />

N ewton: “A gravitação deve ser causada por um agente em acordo constante<br />

com determinadas leis” L ightfoot: “A gravitação é uma expressão da mente<br />

de Cristo”. A evolução também é o método da sua operação. As leis da natureza<br />

são os hábitos de Cristo e a natureza em si é apenas a sua firme e<br />

constante vontade. Ele determina em conjunto com o homem e a natureza<br />

num todo orgânico de modo que podemos falar de um universo. Sem ele não<br />

haveria nenhuma ligação, nenhuma uniformidade da lei, nenhuma unidade<br />

da verdade. O meio de interação entre as coisas é também o meio de interco-<br />

municação entre as mentes. É adequando isso que ele reúne e sustenta o<br />

físico e o intelectual, deve reunir o universo, moral trazendo para si todos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

homens (Jo. 12.32) e deste modo para Deus e reconciliando todas as coisas<br />

no céu e na terra (Cl. 1.20). Em Cristo “a lei aparece, em caracteres vivos”,<br />

porque ele é a base e a fonte de toda a lei tanto na natureza como na humanidade.<br />

é) Ele recebe a honra e o louvor devidos só a Deus.<br />

Em acréscimo às palavras de Tomé em João 20.28, que já citamos entre as<br />

provas de que Jesus é expressam ente chamado Deus e em que a honra divina<br />

é tributada a ele, podemos fazer referência à oração e adoração oferecidas<br />

pelas igrejas apostólicas e pós-apostólicas.<br />

Jo. 5.23 - “que todos honrem o Filho, como honram o Pai”; 14.14 -<br />

“Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”; At. 7.59 - “Estêvão,<br />

que em seu coração dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (cf. Lc. 23.46<br />

- Palavras de Jesus: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”); Rm. 10.9<br />

- “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor”; 13 - “todo aquele<br />

que invocar o nome do Senhor será salvo” (cf. Gn. 4.26 - “então se começou<br />

a invocar o nome do Senhor”; 1 Co. 11.24, 25 - “fazei isto em memória<br />

de mim” = adoração a Cristo; Hb. 1.6 - “todos os anjos de Deus o adorem”;<br />

Fp. 2.10,11 - “ao nome de Jesus se dobre todo joelho ... toda língua confesse<br />

que Jesus Cristo é o Senhor”; Ap. 5.12-14 - “Digno é o Cordeiro, que foi<br />

morto, de receber o poder...”; 2 Pe. 3.18 - “Senhor e Salvador Jesus Cristo.<br />

A ele seja dada a glória”; 2 Tm. 4.18 e Hb. 13.21 - “a quem seja glória para<br />

todo sempre” - estas inscrições de glória eterna a Cristo implicam sua divindade.<br />

Ver também 1 Pe. 3.15 - “santificai a Cristo, como Senhor11, e Ef. 5.21<br />

- “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo”. Aqui está uma atitude<br />

da mente para com Cristo, o que seria uma idolatria se Cristo não fosse Deus.<br />

Foster, Christian Life and Theology, 154 - “Na liturgia eucarística do<br />

‘Ensino’ lemos: ‘Hosana ao Deus de Davi’; falando do ‘sangue de Deus’, em<br />

evidente alusão a At. 20.28; a epístola a Diogneto toma as palavras de Paulo<br />

e o chama ‘arquiteto e construtor do mundo por quem [Deus] criou os céus’, e<br />

o chama Deus (cap. vii); H ermas fala a respeito dele como ‘o santo Espírito<br />

preexistente, que criou toda a criatura’; estilo de expressão seguido por Jus-<br />

tino, que o chama Deus, como mais tarde o fizeram os grandes escritores.<br />

Na segunda epístola de Clemente (130-160, H arnack), lemos: ‘Irmãos, cabe a<br />

vós pensar em Jesus Cristo como Deus - como Juiz dos vivos e dos mortos’.<br />

E Inácio o descreve como ‘gerado e não gerado, passível e impassível,... que<br />

era antes da eternidade com o Pai’. “<br />

Estes testemunhos são dão evidência de que os Pais da Igreja viram na<br />

Escritura divina honra atribuída a Cristo. Mais tarde eles foram apenas precursores<br />

de uma hoste de intérpretes. Num período de calmaria do massacre<br />

dos cristãos armênios em Sassouan, ouviu-se um dos selvagens curdos perguntar:<br />

“Quem era o ‘Senhor Jesus’ que eles estavam invocando?” Na sua<br />

agonia de morte, os cristãos, como Estêvão no passado, ele invocou o nome<br />

do Senhor. R obert B rowning citou, numa carta a uma senhora na sua enfer­<br />

4 6 3


4 6 4 Augustus Hopkins Strong<br />

midade terminal, as palavras de C harles Lamb, quando “em alegre fantasia<br />

com alguns amigos sobre como ele e os seus amigos se sentiriam se o maior<br />

dos mortos aparecesse repentinamente em carne e osso mais uma vez - na<br />

primeira sugestão, 'E se Cristo entrasse nessa sala?’ mudasse o seu tom<br />

num instante e gaguejasse como quando estava comovido: ‘Veja só - se<br />

S hakespeare entrasse, nós nos levantaríamos; se Ele aparecesse, nós nos<br />

ajoelharíamos’.”<br />

f) Seu nome é associado ao de Deus no mesmo pé de igualdade.<br />

Não fazemos alusão aqui a 1 João 5.7 (as três testemunhas celestiais), pois<br />

esta parte do verso é inquestionavelm ente espúria; mas à fórmula do batismo,<br />

às bênçãos apostólicas e às passagens em que se diz que a vida eterna depende<br />

igualmente de Cristo e de Deus, ou em que os dons espirituais são atribuídos<br />

a Cristo do mesmo modo que ao Pai.<br />

Fórmula do batismo: Mt. 28.19 - “batizando-os em nome do Pai, e do<br />

Filho, e do Espírito Santo”; cf. At. 2.38 - “cada um de vós seja batizado em<br />

nome de Jesus Cristo”; Rm. 6.3 - “batizados em Jesus Cristo”. “Na fórmula<br />

batismal comum o Filho e o Espírito são coordenados com o Pai e eiç ovop.cc<br />

tem significação religiosa”. Seria tanto absurdo como profano falar em batizar<br />

em nome do Pai e de Moisés.<br />

Bênção apostólica: 1 Co. 1.3 - “graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai,<br />

e do Senhor Jesus Cristo”; 2 Co. 13.13 - “A graça do Senhor Jesus Cristo,<br />

e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com vós todos”.<br />

“Na bênção a graça é algo divino e Cristo tem poder para concedê-la. Mas por<br />

que encontra-mos a palavra ‘Deus’ e não ‘Pai’ como na fórmula do batismo?<br />

Porque é só o Pai que não se torna homem ou tem existência histórica. Em<br />

outra parte ele é chamado ‘Deus, o Pai’, para distingui-lo de Deus, o Filho e<br />

de Deus, o Espírito Santo (Gl. 1.3; Ef. 3.14; 6.23)”.<br />

Outras passagens: Jo. 5.23 - “para que todos honrem o Filho, como<br />

honram o Pai”; Jo. 14.1 - “crede(s) em Deus, crede(s) também em mim” -<br />

W estcott, Bible Com., in loco entende tratar-se de duplo imperativo; mcne-úe-ce<br />

tanto pode ser pres. ind. 2 pess. pl., como imperativo pres. 2- pess. pl.; nas<br />

ambas vezes esse verbo pode ser traduzido como pres. ind. ou imperativo<br />

pres., podendo aparecer: “crede em Deus, crede também em mim”; ou credes<br />

em Deus credes também em mim; credes em Deus, crede também em mim;<br />

crede em Deus credes também em mim. 17.3 - “E a vida eterna é esta: que<br />

te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a teu Filho a quem enviaste”;<br />

Mt. 11.27 - “Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai<br />

senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar”; 1 Co. 12.4-6 - “o mesmo<br />

Espírito ... o mesmo Senhor [Cristo] ... o mesmo Deus [Pai] concedendo<br />

dons espirituais, p.ex., fé: Rm. 10.17 - “a fé vem pelo ouvir e o ouvir pela<br />

palavra de Cristo” (alguns documentos em lugar da palavra Cristo registram a<br />

palavra Deus); paz: Cl. 3.15 - “seja a paz de Cristo o árbitro dos vossos corações”.<br />

2 Ts. 2.16,17 - “Ora o nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 465<br />

console os vossos corações” - dois nomes com o verbo no singular indicam<br />

unidade entre Pai e Filho (L illie). Ef. 5.5 - “Reino de Cristo e de Deus”; Cl. 3.1<br />

- “Cristo ... assentado à destra de Deus” = participação na soberania do<br />

universo; o divã oriental tinha não só o monarca, mas também o seu filho.<br />

Hackett: “Como, ao morrer, o Salvador disse ao Pai, ‘Em tuas mão entrego o<br />

meu espírito’ (Lc. 23.46), do mesmo modo, Estêvão, ao morrer, disse ao Salvador:<br />

‘recebe o meu espírito’ (At. 7.59)”.<br />

g) Reivindica-se expressam ente igualdade com Deus.<br />

Aqui podemos fazer referência ao testem unho de Jesus sobre si mesmo já<br />

tratado (verpp. 189, 190) entre as provas do caráter sobrenatural do ensino da<br />

Escritura. A igualdade com Deus não é só reivindicada por Jesus para si mesmo,<br />

mas é reivindicada para ele pelos apóstolos.<br />

Jo. 5.18 - “dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”;<br />

Fp. 2.6 - ‘subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser<br />

igual a Deus” = contava a sua igualdade a Deus uma coisa que devesse ser<br />

retida à força. Cristo fez e deixou aos seus contemporâneos a impressão de<br />

que ele reivindicava ser Deus. O Novo Testamento deixou, sobre a grande<br />

maioria dos que o leram, a impressão de que Jesus Cristo reivindica ser Deus.<br />

Se ele não é Deus, é um enganador, ou engana-se a si mesmo e, em qualquer<br />

caso, Chrístus, si non Deus, non bonus.<br />

h) M ais provas da divindade de Cristo podem encontrar-se na aplicação<br />

das seguintes expressões a ele: ‘Filho de D eus’, ‘Imagem de D eus’; nas declarações<br />

de sua unidade com Deus; na atribuição da plenitude da divindade a ele.<br />

Mt. 26.63,64 - “Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo,<br />

o Filho de Deus. Disse Jesus: Tu o disseste” - é por esse testemunho que<br />

Cristo morre. Cl. 1.15 - “imagem do Deus invisível”; Hb, 1.3 - “resplendor da<br />

sua glória [do Pai], e a imagem expressa da sua pessoa”; Jo. 10.30 - “Eu e o<br />

Pai somos um”; 14.9 - “quem me vê a mim vê o Pai”; 17.11,22 - “para que<br />

sejam um, assim como nós” - não eíç, mas ev; não unus, mas unurrr, não uma<br />

pessoa, mas uma substância. “Unum é o antídoto ariano, sumus da heresia<br />

sabeliana”. Cl. 2.9 - “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade”;<br />

cf. 1 .1 9 - “porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse”;<br />

(marg.) “para toda a plenitude de Deus habitar nele”. Jo. 16.15 - “tudo<br />

quanto o Pai tem é meu”; 17.10 - “todas as minhas coisas são tuas, e todas<br />

as tuas coisas são minhas”.<br />

M eyer, on Jo. 1.30 - “Eu e o Pai somos um” - “Aqui os arianos entendem<br />

que se trata de uma simples harmonia ética ensinada nas palavras “somos<br />

um” é insatisfatória porque é irrelevante ao exercício do poder. A unidade da<br />

essência, embora não contida nas palavras em si mesmas, está, pela necessidade<br />

do argumento, pressuposta nelas”. Dalman, As Palavras de Jesus:


4 6 6 Augustus Hopkins Strong<br />

“Em lugar nenhum encontramos Jesus chamando-se Filho de Deus no sentido<br />

de sugerir mera relação religiosa e ética com Deus - relação que os outros<br />

também tinham e que eram capazes de atingir ou estavam destinados a<br />

adquirir”. Podemos acrescentar que enquanto no mais humilde sentido eles<br />

são muitos ‘filhos de Deus’, há apenas um ‘Filho unigênito’.<br />

i) Estas provas da divindade de Cristo a partir do Novo Testamento são<br />

corroboradas pela experiência cristã.<br />

A experiência cristã reconhece Cristo com o um Salvador absolutamente<br />

perfeito, revelando perfeitam ente a divindade e m erecedor de ilimitado louvor<br />

e adoração; isto é, praticam ente reconhece-o como Deus. M as a experiência<br />

cristã também reconhece que através de Cristo ela tem a Introdução e<br />

reconciliação com Deus como alguém distinto de Jesus Cristo, como alguém<br />

que estava afastado da alma por causa pecado dela, mas que agora se acha<br />

reconciliada através da morte de Jesus. Em outras palavras, enquanto reconhecendo<br />

Jesus como Deus, somos com pelidos a reconhecer um a distinção<br />

entre o Pai e o Filho e através deste chegamos ao Pai.<br />

Apesar de que esta experiência não pode ser considerada como testemunha<br />

independente das reivindicações de Jesus, porque ela só testa a verdade que já<br />

se tom ou conhecida na Bíblia, ainda o irresistível impulso de cada pessoa a<br />

quem Cristo salvou de elevar seu redentor ao mais alto lugar, e de curvar-se<br />

diante dele no mais modesto louvor, é forte evidência de que só esta interpretação<br />

da Escritura que reconhece a divindade absoluta de Cristo pode ser verdadeira.<br />

E a consciência da igreja sobre a divindade do Senhor, na verdade, e<br />

não simples especulação sobre as relações Pai, Filho e Espírito Santo, que tem<br />

compelido a formulação da doutrina escriturística da Trindade. Estas provas<br />

da divindade de Cristo a partir do Novo Testamento são corroboradas pela<br />

experiência cristã.<br />

A experiência cristã reconhece Cristo como um Salvador absolutamente<br />

perfeito, revelando perfeitamente a divindade e merecedor de ilimitado louvor<br />

e adoração; isto é, praticamente reconhece-o como Deus. Mas a experiência<br />

cristã também reconhece que através de Cristo ela tem a Introdução e reconciliação<br />

com Deus como alguém distinto de Jesus Cristo, como alguém que<br />

estava afastado da alma por causa pecado dela, mas que agora se acha<br />

reconciliada através da morte de Jesus. Em outras palavras, enquanto reconhecendo<br />

Jesus como Deus, somos compelidos a reconhecer uma distinção<br />

entre o Pai e o Filho e através deste chegamos ao Pai.<br />

Apesar de que esta experiência não pode ser considerada como testemunha<br />

independente das reivindicações de Jesus, porque ela só testa a verdade<br />

que já se tornou conhecida na Bíblia, ainda o irresistível impulso de cada<br />

pessoa a quem Cristo salvou de elevar seu redentor ao mais alto lugar, e de<br />

curvar-se diante dele no mais modesto louvor, é forte evidência de que só


Te o l o g ia S ist em á t ic a 46 7<br />

esta interpretação da Escritura que reconhece a divindade absoluta de Cristo<br />

pode ser verdadeira. É a consciência da igreja sobre a divindade do Senhor, na<br />

verdade, e não simples especulação sobre as relações Pai, Filho e Espírito<br />

Santo, que tem compelido a formulação da doutrina escriturística da Trindade.<br />

Na carta de Plínio a Trajano, se diz dos cristãos primitivos “quod essent<br />

soliti carmen Christo quasi Deo dicere invicem” (que seria um poema dedicado<br />

a Cristo de quem se diz ser quase Deus). As orações e hinos da igreja<br />

mostram o que se cria que a Escritura ensinava. Conta-se que Dwight Moody<br />

teve a primeira convicção da verdade do evangelho ao ouvir as palavras<br />

finais de uma oração: “Por amor de Jesus. Amém”, quando despertou de um<br />

ligeiro cochilo na igreja do Dr. Kirk, em Boston. Estas palavras, sempre quando<br />

proferidas implicam a dependência do homem e a divindade de Cristo.<br />

Em Ef. 4.32 a Versão Revisada substitui “em Cristo” por “por amor de Cristo”.<br />

Esta expressão não se encontra no N.T. na conexão com a oração, apesar de<br />

que no A.T., “por amor do meu nome” (SI. 25.11) passa para o N.T. “em nome<br />

de Jesus” (Fp. 2.10); cf. SI. 72.15 - “e, continuamente, por ele se fará oração”<br />

= as palavras do hino: “Por ele se fará oração sem fim e bênçãos sem fim<br />

coroarão a sua cabeça”. Tudo isto é prova de que a idéia de que a oração por<br />

amor de Cristo se encontra na Escritura, apesar de que a expressão não<br />

aparece.<br />

Uma caricatura esboçada no Palatino, em Roma, datando do século terceiro,<br />

representa uma figura humana com a cabeça de um asno, suspensa<br />

numa cruz, enquanto um homem se posta em pé diante dela em atitude de<br />

adoração. Sob a efígie vê-se a inscrição: “Alexâmenos adora o seu Deus”.<br />

Foi S chleiermacher quem primeiro fez este apelo ao testemunho da consciência<br />

cristã. W iluam E. G ladstone: “Tudo bem, penso eu e espero-o baseado<br />

na divindade do nosso Senhor, centro da esperança dos nossos pobres e<br />

norte da nossa raça”. E. G. Robinson: “Quando você prega a salvação em<br />

Cristo, prega a Trindade”. W. G. T. S hedd: “A construção da doutrina da Trindade,<br />

parte não da consideração das três pessoas, mas na crença na divindade<br />

de uma delas”.<br />

Contemplando passagens aparentem ente inconsistentes com aquelas ora<br />

citadas, nas quais se im puta a Cristo fraqueza e ignorância, limitação e sujeição,<br />

devemos lembrar, primeiro, que o Senhor era verdadeiramente homem<br />

assim como era verdadeiramente Deus e que tal ignorância e fraqueza podem<br />

ser predicados dele como o Deus-homem em quem a divindade e a humanidade<br />

se unem; segundo, que a natureza divina em certo sentido limitou-se humi-<br />

lhou-se durante a vida terrena do nosso Salvador e que estas passagens podem<br />

descrevê-lo com o ele era no seu estado de humilhação mais do que em sua<br />

original e presente glória; e terceiro, que há um a ordem de ofício e operação<br />

que é consistente com a unidade e igualdade essenciais, mas que permite<br />

falar-se do Pai como prim eiro e o Filho como segundo. Estas declarações<br />

serão m elhor elucidadas ao tratar-se da presente doutrina e em subseqüente<br />

exame da doutrina da pessoa de Cristo.


4 6 8 Augustus Hopkins Strong<br />

Há algumas coisas que Cristo não sabia: Mc. 13.32 - “daquele Dia e hora,<br />

ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai”.<br />

Ele estava sujeito ao cansaço físico: Jo. 4.6 - “Jesus, pois, cansado do caminho,<br />

assentou-se junto da fonte”. Houve uma limitação conseqüente da sua<br />

carne humana: Fp. 2.7 - “a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de<br />

servo, tornando-se em semelhança de homens”; Jo. 14.28 - “o Pai é maior do<br />

que eu”. Há uma sujeição relativa à ordem do ofício e operação que é consistente<br />

com a igualdade da essência e unidade com Deus: 1 Co. 15.28 - “então<br />

o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou,<br />

para que Deus seja tudo em todos”. Isto deve ser interpretado em consistência<br />

com Jo. 17.5 - “glorifica-me, ó Pai, com a glória que eu tive junto de ti,<br />

antes que houvesse mundo” e Fp. 2.6 onde se descreve a sua glória como<br />

“forma de Deus” e “igual a Deus”.<br />

Mesmo na sua humilhação, Cristo era a Verdade Essencial, e o seu desconhecimento<br />

nunca implicou em erro ou ensino falso. O seu desconhecimento<br />

podia às vezes tornar o seu ensino incompleto; nunca, em qualquer<br />

sentido, falso. Ainda aqui devemos distinguir entre o que ele pretendia ensinar<br />

e o que era simplesmente incidental ao seu ensino. Quando ele diz:<br />

Moisés “escreveu de mim” (Jo. 5.46) e “Davi, em espírito, lhe chama Senhor”<br />

(Mt. 22.43), se o seu propósito era ensinar a autoridade do Pentateuco e a do<br />

Salmo 110, devemos considerar que as suas palavras têm autoridade absoluta.<br />

Mas é possível que ele apenas pretendesse situar as referidas passagens<br />

e, se assim, as suas palavras não podem ser empregadas para tirar conclusões<br />

críticas quanto à sua autoridade. A damson, The Mind of Christ, 136 -<br />

“Se ele falou de Moisés ou de Davi foi tão somente para identificar a passagem.<br />

A autoridade da antiga dispensação não se apoia no fato de dever-se a<br />

Moisés, nem a propriedade do Salmo apoia-se no fato de ter sido proferido<br />

por Davi. Não há nenhuma evidência de que a questão da autoridade veio<br />

antes dele”. Mais precariamente Adamson sugere que “pode ter havido um<br />

lapso de memória na menção de Jesus sobre ‘Zacarias, filho de Baraquias’<br />

(Mt. 23.35), visto que se trata de matéria sem valor espiritual”.<br />

Para as afirmações sobre o conhecimento de Jesus, ver Jo. 2.24,25 - “a<br />

todos conhecia ...não necessitava de que alguém testificasse do homem,<br />

porque ele bem sabia o que havia no homem”; 6.64 - “bem sabia Jesus,<br />

desde o princípio, quem eram os que não criam e quem era o que o havia de<br />

entregar”; 12.33 - “Dizia isto, significando de que morte havia de morrer”;<br />

2 1 .1 9 - “Disse isso significando com que morte ele [Pedro] havia de glorificar<br />

a Deus”; 13.1 - “sabendo que era chegada a sua hora de passar”; Mt. 25.31 -<br />

“quando o Filho do Homem vier na sua glória, e todos os santos anjos, com<br />

ele, então se assentará no trono da sua glória” = ele sabia que haveria de<br />

atuar como o juiz final da raça humana. Outros exemplos citados por A damson,<br />

The Mind in Christ, 24-49: 1. O conhecimento que Jesus tinha de Pedro<br />

(Jo. 1.42); 2. o descobrimento de Filipe (1.43); 3. o reconhecimento de Nata-<br />

nael (1.47-50); 4. da mulher samaritana (4.17-19,39); 5. a pesca maravilhosa<br />

(Lc. 5.6-9; Jo. 21.6); 6. a morte de Lázaro (Jo. 11.14); 7. o jumentinho<br />

(Mt. 21.2); 8. do cenáculo (Mc. 14.15); 9. da negação de Pedro (Mt. 26.34);<br />

10. do tipo da sua própria morte (12.33; 18.32); 11. o tipo de morte de Pedro<br />

(Jo. 21.19); 12. a queda de Jerusalém (Mt. 24.2).


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 6 9<br />

Por outro lado, há afirmações e implicações do desconhecimento de<br />

Jesus: ele não sabia qual era o dia do fim (Mc. 13.32), apesar de que mesmo<br />

aqui ele dá indicações da sua superioridade relativa aos anjos; 5.30-34 -<br />

“quem tocou nas minhas vestes?” apesar de que saiu virtude dele para curar;<br />

Jo. 11.34 - “Onde o puseram?” apesar de que ele estava em vias de ressuscitar<br />

Lázaro; Mc. 11.13 - “Vendo longe uma figueira que tinha folhas, foi ver<br />

se nela acharia alguma coisa” = ele não sabia que ela não tinha fruto, ainda<br />

que tivesse poder para amaldiçoá-la. Com estas evidências das limitações do<br />

conhecimento de Jesus, devemos admitir o juízo de B a c o n , Genesis of Gene-<br />

sis, 33 - “Devemos abrir mão de fixar a autoridade de Jesus numa questão de<br />

crítica literária”; e G o r e , Incarnation, 195 - “Não penso que precisamos admitir<br />

que o emprego de uma expressão, da parte de Jesus como ‘Moisés escreveu<br />

a respeito de mim’ leva-nos à autoria mosaica do Pentateuco como um<br />

todo”.<br />

É inconcebível que uma simples criatura diga: “Deus é maior do que eu”,<br />

ou que se diga dela como por fim e de modo misterioso tornando-se “súdito<br />

de Deus”. Neste estado de humilhação, Cristo estava sujeito ao Espírito<br />

(At. 1.2 - “depois de ter dado um mandamento, pelo Espírito Santo”; 10.38 -<br />

“Deus o ungiu com o Espírito Santo ... porque Deus estava com ele”; Hb. 9.14 .<br />

- “pelo Espírito eterno ofereceu-se imaculado a Deus”), mas no seu estado<br />

de exaltação Cristo é o Senhor do Espírito (Kt>píot> 7iveí)|iatoç - 2 Co. 3.18 —<br />

M eyer), dando o Espírito e através do Espírito. Hb. 2.7, marg. - “Tu o fizeste<br />

pouco menor do que os anjos”.<br />

C) O Espírito Santo é reconhecido como Deus<br />

d) Fala-se dele como Deus.<br />

At. 5.3,4 - “mentisses ao Espírito Santo ... não mentiste aos homens, mas<br />

a Deus”; 1 Co. 3.16 - “vós sois o templo de Deus ... o Espírito de Deus habita<br />

em vós”; 6 . 1 9 - 0 vosso corpo é o templo do Espírito Santo”; 12.4-6 - “o<br />

mesmo Espírito ... o mesmo Senhor ... o mesmo Deus, que opera em vós<br />

todas as coisas” - “A divina Trindade é aqui indicada num clímax ascendente<br />

de tal modo que passamos do Espírito que concede os dons ao Senhor [Cristo],<br />

que é servido por meio deles e, finalmente a Deus, como a primeira causa<br />

absoluta e possuidor de todas as forças cristãs opera a inteira soma de todos<br />

os dons carismáticos em todos os que são dotados” (M eyer, in loco).<br />

b) Atributos de Deus. Os atributos de Deus tais como vida, verdade, amor,<br />

santidade, eternidade, onipresença, onisciência, onipotência são aplicados a ele.<br />

Vida: Rm. 8.2 - “o Espírito de vida”. Verdade: Jo. 16.13 - “Espírito de verdade”.<br />

Amor: Rm. 15.30 - “O amor do Espírito”. Santidade: Ef. 4.30 - “O Espírito<br />

Santo de Deus”. Eternidade: Hb. 9.14 - “O Espírito eterno”. Onipresença:<br />

SI. 139.7 - “Para onde me irei do teu Espírito?” Onisciência: 1 Co. 12.11 -<br />

“Mas um só e o mesmo Espírito opera todas essas coisas [incluindo os dons<br />

de cura e milagres], repartindo a cada um como quer”.


4 7 0 Augustus Hopkins Strong<br />

c) Obras de Deus. Ele faz as obras de Deus tais como criação, regeneração,<br />

ressurreição.<br />

Criação: Gn. 1.2 - “O Espírito de Deus pairava (hebr., chocava) sobre a<br />

face das águas”. Expulsão de demônios: Mt. 12.28 - “Mas, se eu, pelo Espírito<br />

de Deus expulso demônios”. Convencimento do pecado: Jo. 16.8 - “convencerá<br />

o mundo do pecado”. Regeneração: Jo. 3.8 - “nascido do Espírito”;<br />

Tt. 3.5 - “renovação do Espírito Santo”. Ressurreição: Rm. 8.11 - “vivificará o<br />

vosso corpo mortal pelo seu Espírito”; 1 Co. 15.45 - “o último Adão, espírito<br />

vivificante”.<br />

d) Honra devida a Deus. 1 Co. 3.16 - “vós sois o templo de Deus ... o<br />

Espírito de Deus habita em vós” - aquele que habita no templo é objeto de<br />

adoração nele.<br />

e) Associado com Deus. Fórm ula do batism o”:<br />

Mt. 29-8.19 - “batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.<br />

Se a fórmula batismal é adoração, temos a adoração prestada ao Espírito.<br />

Bênção Apostólica: 2 Co. 13.13 - “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o<br />

amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com vós todos”. Se a<br />

bênção apostólica é oração, temos aqui uma oração ao Espírito. 1 Pe. 1.2 -<br />

“Presciência de Deus P ai... santificação do Espírito ... a aspersão do sangue<br />

de Cristo”.<br />

Sobre Hb. 9.14, K endrick, Comentary in loco, interpreta: “As ofertas de si<br />

mesmo em virtude de um espírito eterno que nele habita e concede ao sacrifício<br />

uma eficácia espiritual e eterna. O ‘espírito’ de que se fala aqui, então<br />

não é o ‘Espírito Santo’; não é a sua natureza puramente divina; é aquela<br />

propensão para a natureza divina com sua pessoalidade humana que forma<br />

o mistério do seu ser, esse ‘espírito de santidade’ em virtude do qual ele foi<br />

declarado ‘Filho de Deus com poder’, por causa da sua ressurreição dentre<br />

os mortos”. H ovey acrescenta uma nota ao Comentário de K endrick, in loco,<br />

como segue: “Este adjetivo ‘eterno’ naturalmente sugere que a palavra ‘Espírito’<br />

se refere à mais elevada e divina natureza de Cristo. Sua natureza verdadeiramente<br />

humana, do seu lado espiritual, na verdade, é eterna quanto ao<br />

futuro, mas é também o espírito de cada homem. O único valor superlativo do<br />

sacrifício próprio de Cristo parece dever-se ao impulso do lado divino da sua<br />

natureza”. A expressão ‘espírito eterno’ significa, então, a sua divindade.<br />

De ambas interpretações preferimos aquela que faz a passagem referir-se ao<br />

Espírito Santo e, como apoio, citamos At. 1.2 - “Ele tinha dado mandamentos<br />

através do Espírito Santo aos apóstolos”; 10.38 - “Deus o ungiu com o Espírito<br />

Santo”. Sobre 1 Co. 2.10, Mason, Faith of the Gospel, 63, assinala:<br />

“O Espírito de Deus não acha nada até mesmo em Deus que frustra seu<br />

escrutínio. A sua ‘busca’ não é uma busca do conhecimento ainda além dele.<br />

... Nada a não ser Deus pode sondar as profundezas de Deus”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 471<br />

Como espírito, ele é nada menos que o princípio interior da vida e o espírito<br />

do hom em é o próprio homem, assim o espírito de Deus deve ser Deus (ver<br />

1 Co. 2.11 - M eyer). Contudo, a experiência cristã expressa nas orações e<br />

hinos na igreja, fornece um argumento para a divindade do Espírito Santo<br />

semelhante à da divindade de Jesus Cristo. Quando nossos olhos se abrem<br />

para ver Cristo como Salvador, somos com pelidos a reconhecer em nós a obra<br />

do divino Espírito que tomou as coisas de Cristo e no-las mostrou; e este<br />

Espírito divino distinguim os necessariam ente tanto do Pai como do Filho.<br />

Contudo, a experiência cristã não é um a testem unha da divindade do Espírito<br />

Santo original e independente: sim plesmente m ostra o que a igreja tem sustentado<br />

ser a interpretação natural e não forçada das Escrituras e assim confirm<br />

a o argumento escriturístico já acrescentado.<br />

O Espírito Santo é o próprio Deus pessoalmente presente naquele que<br />

crê. E. G. Robinson: “Se ‘Espírito de Deus’ não mais implica divindade além<br />

do que o ‘anjo de Deus’, por que o Espírito Santo não é chamado somente o<br />

anjo ou mensageiro de Deus”? W alker, The Spirit and the Incarnation, 337 -<br />

“O Espírito Santo é Deus no seu mais íntimo ser ou essência, princípio de<br />

vida tanto do Pai como do Filho; nele Deus tanto Pai como Filho, faz tudo, e<br />

nele vem a nós e, em nós, crescentemente através das suas manifestações.<br />

Através da habitação e operação do Espírito Santo, Deus, na sua pessoa do<br />

Filho encarnou-se plenamente em Cristo”. G ould, Am. Com. on 1 Co. 2.11 -<br />

“Porque quem dentre os homens conhece as coisas do homem, senão o<br />

espírito do homem, que nele está? do mesmo modo ninguém conhece as<br />

coisas de Deus a não ser o Espírito de Deus” - “Não se pode levar para muito<br />

longe a analogia como se o Espírito de Deus e Deus fossem termos coexis-<br />

tentes, como o são os termos correspondentes, substancialmente no homem.<br />

O centro da analogia evidentemente é o conhecimento próprio, e em ambos<br />

os casos o contraste se dá entre o espírito dentro e qualquer coisa fora”.<br />

A ndrew M urray, Spirit of Christ, 140 - “Não devemos esperar sempre sentir o<br />

poder do Espírito quando ele opera. A Escritura liga poder e fraqueza de um<br />

modo maravilhoso, não como coisas que se sucedem umas às outras, mas<br />

como coexistentes. ‘Estive convosco na fraqueza ... minha pregação esteve<br />

em poder’ (2 Co. 12.10). Aquele que comanda a natureza deve em primeiro<br />

lugar e de modo mais absoluto, obedecer-lhe. ... Queremos receber a posse<br />

do Poder, e usá-la. Deus quer o Poder para apossar-se de nós”.<br />

Esta prova da divindade do Espírito Santo não é invalidada pelas limitações<br />

da suas obra na dispensação do Velho Testamento. Jo. 7.39 - “porque o<br />

Espírito Santo ainda não fora dado” - significa somente que o Espírito Santo<br />

ainda não podia cum prir o seu ofício peculiar como revelador de Cristo até<br />

que se com pletasse a obra expiatória de Cristo.<br />

Jo. 7.39 deve ser interpretado à luz de outras Escrituras que afirmam a<br />

atuação do Espírito Santo sob a velha dispensação (SI. 51.11 - “não retires


4 7 2 Augustus Hopkins Strong<br />

de mim o teu Espírito Santo”) e que descreve o seu ofício peculiar sob a nova<br />

dispensação (Jo. 16.14,15 - “ele há de receber do que é meu e vo-lo há de<br />

anunciar”). Limitações na maneira da obra do Espírito no A.T. envolvia uma<br />

limitação na extensão e também no poder. O Pentecostes foi o fluxo de uma<br />

maré de influência espiritual que até agora tinha sido barrada. A partir daí o<br />

Espírito Santo foi o Espírito de Jesus Cristo, recebendo as coisas de Cristo e<br />

apresentando-as, aplicando sua obra final aos corações humanos, e tornan-<br />

do-se até agora o Salvador onipresente dos seus seguidores espalhados por<br />

toda a parte até o fim dos tempos.<br />

Nas condições da sua humilhação, Cristo era um servo. Toda autoridade<br />

no céu e na terra foi-lhe dada só depois da sua ressurreição. Por isso ele não<br />

podia mandar o Espírito Santo até que ele ascendeu ao céu. A mãe pode<br />

mostrar o seu filho só quando ele está desenvolvido. O Espírito Santo só<br />

pôde revelar Cristo quando houve um Cristo completo para ser revelado.<br />

O Espírito Santo só pôde santificar após o exemplo e motivo da santidade<br />

serem fornecidos na vida e morte de Cristo. A rcher B utler: “O divino Artista<br />

não podia apropriadamente descer para copiar antes de ter sido providenciado<br />

o original”.<br />

Ainda o Espírito Santo é “o Espírito eterno (Hb. 9.14) e ele não só existe,<br />

mas também operou nos tempos do A.T. Antes de Cristo “o Espírito Santo<br />

ainda não fora dado” (Jo. 7.39), do mesmo modo que antes de Édison ainda<br />

não existia a eletricidade. Havia tanta eletricidade no mundo antes de Édison<br />

como há agora. Ele somente nos ensinou a sua existência e como utilizá-la.<br />

Ainda podemos dizer que, antes de Édison, a eletricidade como meio de iluminação,<br />

aquecimento e transporte não existia. Também até o Pentecostes, o<br />

Espírito Santo, como revelador de Cristo, ‘“ainda não fora dado’. Agostinho<br />

chama o Pentecostes de dies natalis, ou dia do nascimento, do Espírito Santo;<br />

pela mesma razão que chamamos o dia em que Maria gerou o primeiro<br />

filho, o dia do nascimento de Jesus Cristo, apesar de que antes que Abraão<br />

nascesse, Cristo era. O Espírito tinha estado empenhado na criação e tinha<br />

inspirado os profetas, mas, oficialmente, como mediador entre os homens e<br />

Cristo, “o Espírito Santo não fora dado”. Ele não podia mostrar as coisas de<br />

Cristo até que elas estivessem prontas para serem mostradas.<br />

2. Indicações do Velho Testamento<br />

As passagens que parecem m ostrar que mesmo no Velho Testamento há<br />

três que, im plicitam ente são reconhecidos com o Deus, podem ser classificados<br />

sob quatro tópicos:<br />

A) Passagens que parecem ensinar um certo tipo de pluralidade em Deus.<br />

a) Em prega-se o substantivo plural com verbo no plural - notável<br />

emprego quando consideramos que o singular tam bém existia; b) Deus usa<br />

pronomes plurais referindo-se a si mesmo; c) Yahweh distingue-se de Yahweh;


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 473<br />

■ atribui-se um Filho a Yahweh; é) distingue-se o Deus do Espírito de Deus;<br />

' há tríplice atribuição e tríplice bênção.<br />

a) Gn. 20.13 - “Quando Deus me fez [hebr. plural] andar errante da casa<br />

do meu pai”; 35.7 - “edificou ali um altar e chamou aquele lugar El-Betel,<br />

porquanto Deus ali se lhe revelou [plural]”, b) Gn. 1.28 - “Façamos o homem<br />

à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”; 3.22 - “eis que o homem<br />

se tornou como um de nós”; 11.7 - “Eia, desçamos e confundamos ali a sua<br />

língua”; Is. 6.8 - “A quem enviarei e quem há de ir por nós?” c) Gn. 19.24 -<br />

“Então o Senhor fez chover enxofre e fogo do Senhor desde os céus, sobre<br />

Sodoma e Gomorra”; Os. 1.7 - “Mas da casa de Judá me compadecerei e os<br />

salvarei pelo Senhor, seu Deus”; cf. 2 Tm. 1.18 - “O Senhor lhe conceda que,<br />

naquele dia, ache misericórdia diante do Senhor” - apesar de que E llic o tt<br />

aqui decide contrariamente à referência trinitária. d) SI. 2.7 - “Tu és meu<br />

Filho; eu hoje te gerei”; Pv. 30.4 - “Quem estabeleceu todas extremidades da<br />

terra”? Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes?”<br />

e) Gn. 1.1 e 2 - “criou Deus ... o Espírito de Deus pairava (hebr. chocava)”;<br />

SI. 33.6 - “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus; e todo o exército<br />

deles, pelo espírito [sopro] da sua boca”; Is. 48.16 - “o Senhor Yahweh me<br />

enviou o seu Espírito”; 63.7,10 - “as benignidades do Sen hor... contristaram<br />

o seu Espírito Santo”, f) Is. 6.3 - o triságio: “Santo, santo, santo”; Nm. 6.24-26<br />

- “O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto<br />

sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu rosto e te<br />

dê a paz".<br />

Tem-se sugerido que, como Baal era adorado em diferentes lugares sob<br />

diferentes nomes, Baalberite, Baal-Hanã, Baal-Peor, Baal-Zebu (Belzebu), e<br />

seus sacerdotes poderiam invocar qualquer um destes como possuindo certos<br />

atributos personificados de Baal enquanto no seu todo eram chamados<br />

com o termo plural ‘Baalim’, e Elias poderia dizer: “Invocai os vossos deuses”,<br />

do mesmo modo ‘Elohim’ pode ser a designação coletiva do Deus que era<br />

adorado em diferentes localidades; ver R o b e rts o n S m ith , Old Testament in the<br />

Jewish Church, 229. Mas isto ignora o fato de que Baal é sempre mencionado<br />

no singular, nunca no plural, enquanto o plural ‘Elohim’ é o termo normalmente<br />

empregado quando de dirige a Deus. Isto parece mostrar que ‘Baalim’ é<br />

um coletivo, enquanto ‘Elohim’ não o é. Deste modo, quando Ewald, Lehre<br />

von Gott, 2.333, distingue cinco nomes de Deus, correspondendo aos cinco<br />

grandes períodos da história de Israel, a saber, o “Onipotente” dos patriarcas,<br />

o Yahweh do Concerto, o “Deus dos Exércitos” da Monarquia, o “Santo” do<br />

judaísmo, ele ignora o fato de que estas designações não estão limitadas aos<br />

tempos a que são atribuídas, apesar de que podem predominantemente<br />

terem sido empregadas nos referidos tempos.<br />

O fato de que OTlV^ é usado às vezes em sentido mais estrito como aplicável<br />

ao Filho (Sl. 45.6; cf. Hb. 1.8), não impede necessariamente de crer que o<br />

termo foi originariamente escolhido como contendo alusão a uma certa pluralidade<br />

na natureza divina. Nem basta chamar este plural de simples pluralis


4 7 4 Augustus Hopkins Strong<br />

majestaticus; porque é mais fácil derivar esta figura comum do uso divino do<br />

que derivar o uso divino desta figura com um - especialm ente quando consideramos<br />

a constante tendência de Israel para o politeísmo.<br />

SI. 45.6 - “O teu trono, ó Deus é eterno e perpétuo”; cf. Hb. 1.8 - “Ó Deus,<br />

o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos”. Aqui é Deus que chama<br />

Cristo de “Deus” ou “Elohim”. A palavra Elohim adquiriu aqui a significação<br />

de um singular. Houve tempos em que se pensava que o estilo real da fala<br />

era um costume de data mais tardia do que a mosaica. Faraó não a emprega.<br />

Em Gn. 41.41 -44, ele diz: “Vês aqui te tenho posto sobre toda a terra do Egito.<br />

... Eu sou Faraó”. Porém, mais tarde as investigações parecem provar que o<br />

plural para a palavra Deus foi empregado pelos cananeus antes da ocupação<br />

hebréia. Faraó é chamado ‘meus deuses’ ou ‘meu deus’, indiferentemente.<br />

A palavra ‘senhor’ encontra-se normalmente no A.T. na forma do plural (cf.<br />

Gn. 24.9,51 - “Então, pôs o servo a sua mão debaixo da coxa de Abraão, seu<br />

senhor. ... seja a mulher do filho do teu senhor, como tem dito o Senhor”;<br />

39.20 - “E o senhor de José o tomou”; 40.1 - “pecaram o copeiro do rei do<br />

Egito e o padeiro contra o seu senhor, o rei do Egito”). O plural dá ao pronunciamento<br />

um sentido de terror. Significa magnitude e plenitude.<br />

Este em prego do plural no hebraico antigo a Deus freqüentem ente se<br />

explica com o m ero plural de dignidade, = alguém que com bina em si m uitas<br />

razões para a adoração (0 'n b x de PÒN: invocar a Deus, tem er a Deus,<br />

adorar). O e h l e r , O. T. Theology, 1.128-130, cham a-a de “plural quantitativo”,<br />

significando grandeza ilim itada. Os hebreus tinham m uitas form as de plural<br />

nas quais deveriam em pregar o singular, com o ‘céus’ em lugar de ‘céu’, ‘águas’<br />

em lugar de ‘ág ua’. Nós falam os em ‘no tícias’, ‘honorários’, ‘vó s’ em vez de<br />

‘tu ’. M as os Pais da igreja tais com o B a r n a b é , Justin o M á rtir, I r in e u , T eófilo,<br />

Epifânio e T e odore to viam neste plural um a alusão à Trindade e sentim os<br />

um a inclinação para segui-los. Se se pluralizam as coisas finitas para expressar<br />

a reverência do hom em , seria m uito m ais natural pluralizar o nom e de<br />

Deus. E o propósito de Deus ao garantir tal pluralização pode ter tido m aior<br />

alcance e m aior inteligência do que a do hom em . O E spírito Santo que presidiu<br />

o desenvolvim ento da revelação bem pode te r dirigido o em prego generalizado<br />

do plural e até m esm o a sua adoção no nom e Elohim em particular,<br />

com vistas a um desdobram ento futuro da verdade relativa à Trindade.<br />

Por isso discordamos do ponto de vista de H il l, Genetic Philosophy, 323,<br />

330 - “A religião hebraica, mesmo muito mais tarde que Moisés, como existia<br />

na mente popular, estava, segundo os escritos proféticos, muito distante de<br />

um real monoteísmo e consistia numa oscilante aceitação da proeminência<br />

de um Deus tribal com forte inclinação para um politeísmo genérico. Por isso<br />

é impossível supor que qualquer coisa que abordasse o monoteísmo filosófico<br />

da teologia moderna pudesse ter sido elaborado ou mesmo aceito pelo<br />

homem primitivo. ... ‘Não terás outros deuses diante de mim’ (Ex. 20.3), o<br />

primeiro preceito do monoteísmo hebreu não foi, a princípio, entendido como<br />

uma negação da fé politeísta mas somente como uma reivindicação exclusiva<br />

da adoração e da obediência”. E. G. R o b in s o n diz, em semelhante linha,<br />

que podemos explicar as tendências idolátricas dos judeus só baseados na


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

suposição de que ele tinham noções reservadas de que Deus era simplesmente<br />

um deus nacional”.<br />

Sobre os pontos de vista tanto de H ill como de R o b in s o n , retrucamos que<br />

a primitiva intuição de Deus não é a de muitos, mas a de um só Deus. Paulo<br />

nos diz que o politeísmo é um tardio e retrógrado estágio de desenvolvimento<br />

devido ao pecado do homem (Rm. 1.19-25). Preferimos a afirmação de<br />

M cLaren: “O plural Elohim não é uma sobrevivência de um estágio politeísta,<br />

mas expressa a natureza divina na multiplicidade das suas plenitudes e perdições,<br />

mais do que na unidade abstrata do seu ser” - e, acrescentamos,<br />

expressa a natureza divina em sua plenitude essencial, como um complexo<br />

de pessoalidades.<br />

B) Passagens relativas ao Anjo do Senhor.<br />

a) O anjo de Yahweh se identifica com Yahweh; b) ele é identificado por<br />

outros com o Yahweh; c) ele aceita a adoração devida somente a Deus. Apesar<br />

de que a expressão ‘anjo de Yahweh’ é às vezes em pregada mais tarde nas<br />

Escrituras para denotar sim plesmente m ensageiro humano ou anjo criado,<br />

parece no Velho Testamento, dificilm ente com mais de um a exceção, designar<br />

o Logos preencamado, cujas m anifestações em forma angélica ou humana<br />

prefiguravam sua vinda final em carne.<br />

a) Gn. 22.11,16 - “o Anjo do Senhor lhe [a Abraão quando estava para<br />

sacrificar Isaque] bradou desde os céus ... Por mim mesmo jurei, diz o<br />

Senhor”; 31.11,13 — “E disse-me [ a Jacó] o Anjo de Deus ... Eu sou o Deus de<br />

Betei”. Gn. 16.9,13 - “Então, lhe disse o Anjo do Senhor ... ela chamou o<br />

nome do Senhor, que com ela falava: Tu és Deus que vê”; 4 8 .1 5 ,1 6 - “O Deus<br />

que me sustentou ... o Anjo que me livrou”, c) Ex. 3.2,4,5 - “E o Anjo do<br />

Senhor lhe apareceu ... bradou Deus a ele do meio da sarça ... tira os teus<br />

sapatos de teus pés”; Jz. 13.20-22 - “o Anjo do Senhor subiu ... Manoá e a<br />

sua mulher... caíram em terra sobre o seu rosto ... Manoá disse ... certamente<br />

morreremos, porquanto temos visto Deus”.<br />

O “anjo do Senhor” parece ser um mensageiro humano em Ageu 1.13 -<br />

“Ageu, o embaixador do Senhor”; um anjo criado em Mt. 1.20 - “apareceu-lhe<br />

um anjo do Senhor [chamado Gabriel]”; em At. 8.26 - “o anjo do Senhor falou<br />

a Filipe” e em 12.7 - “sobreveio [a Pedro] um anjo do Senhor”. Mas normalmente,<br />

no A.T. o “anjo do Senhor^’ é uma teofania uma manifestação do próprio<br />

Deus. A única distinção acha-se entre o Senhor em si mesmo e o Senhor<br />

numa manifestação. As aparições do “anjo do Senhor” parecem ser manifestações<br />

preliminares do Logos divino, como em Gn. 18.2,13 - “três varões<br />

estavam em pé junto a ele [Abraão]... e disse o Senhor a Abraão”; Dn. 3.25,28<br />

- “o aspecto do quarto é semelhante ao filho dos deuses ... bendito seja o<br />

Deus ... que mandou o seu anjo”. O “anjo do Senhor” no N.T. não permite que<br />

o adorem; o ‘anjo do Senhor no A.T. o requer (Ap. 22.8,9 - “Olha, não faças<br />

tal”; cf. Ex. 3.5 - “tira os teus sapatos”).<br />

4 75


4 7 6 Augustus Hopkins Strong<br />

C) Descrições da Sabedoria e Palavra divinas.<br />

à) A Sabedoria é representada como distinta de Deus e eternamente existente<br />

com Deus; b) o Verbo de Deus distingue-se de Deus como o executor da<br />

sua vontade desde a eternidade.<br />

a) Pv. 8.1 - “Não clama a sabedoria?” Cf. Mt. 11.19 - “a sabedoria é justificada<br />

pelas suas obras”; Lc. 7.35 - “a sabedoria é justificada por todos os<br />

seus filhos”; 11.49 - “Por isso, diz também a sabedoria de Deus: Profetas e<br />

apóstolos lhes mandarei”; Pv. 8.22,30,31 - “O Senhor me possuiu no princípio<br />

de seus caminhos e antes de suas obras mais antigas. ... eu estava com<br />

ele e era seu arquiteto; eu era as suas delícias. ... e achando as minhas<br />

delícias com os filhos do homens”; cf. 3.19 - “o senhor, com sabedoria,<br />

fundou a terra”, e Hb. 1.1,2 - “seu Filho ... por quem fez também o mundo”.<br />

b) SI. 107.20 - “Enviou a sua palavra, e os sarou”; 119.89 - “Para sempre, ó<br />

Senhor, a tua palavra permanece no céu”; 147.15-18 - “Quem envia o seu<br />

mandamento ... manda a sua palavra”.<br />

No livro apócrifo intitulado Sabedoria, 7.26,28, a sabedoria é descrita como<br />

“reflexo de luz eterna”, “espelho nítido da majestade de Deus”, e “imagem da<br />

sua bondade” - lembrando-nos Hb. 1.3 - “o resplendor da sua glória e a<br />

expressão exata do seu ser”. E Sabedoria (Sb) 9.9,10, representa-se a sabedoria<br />

presente com Deus quando ele fez o mundo e o autor do livro roga para<br />

que a sabedoria lhe seja enviada dos santos céus de Deus e do trono da sua<br />

glória. Em 1 Ed. 4.35-38 fala-se da verdade, semelhantemente, como um ser<br />

pessoal: “Grande é a verdade e mais forte do que todas as coisas. Toda a<br />

terra invoca a Verdade, e o céu a abençoa; todas as obras se abalam e tremem<br />

diante dela, e com ela não há coisa injusta. Quanto à verdade, ela<br />

suporta e é sempre forte; ela vive e conquista eternamente”.<br />

Convém reconhecer que em nenhum a destas descrições encontra-se a idéia<br />

de pessoalidade claramente desenvolvida. A inda menos verdade é que o apóstolo<br />

João derivou sua doutrina do Logos das interpretações de tais descrições<br />

no judeu F ilo. A doutrina de João (João 1 .1 -1 8 ) é radicalm ente diferente da<br />

idéia alexandrina de Filo sobre o Logos. Esta é um a especulação platonizante<br />

sobre o princípio mediador entre Deus e o mundo. Filo parece às vezes tender<br />

para o reconhecimento da pessoalidade no Logos, apesar de seus escrúpulos<br />

monoteístas levarem-no outras vezes a tom ar de volta o que ele deu e descrever<br />

o Logos ou como o pensamento de Deus ou como sua expressão no mundo.<br />

M as João é o prim eiro a apresentar-nos um consistente ponto-de-vista da<br />

sua pessoalidade para identificar o Logos com o M essias e distinguir o Verbo<br />

do Espírito de Deus.<br />

D o r n e r , em History ofthe Doctríne ofthe Person Christ, 1.13-45, e em seu<br />

System of Doctríne, 1.348,349, dá o melhor relato da doutrina de F ilo sobre o<br />

Logos. Ele diz que Filo chama o Logos ápxáyYeXoç, àpxvepeúç, Semepoç 0eóç.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 7 7<br />

É de duvidar que isto signifique mais que personificação, pois Filo chama o<br />

Logos de KÓo|aoç voirtóç (cosmos inteligente). Sem dúvida, como ele faz<br />

o Logos uma pessoalidade distinta, ele o faz também um ser subordinado.<br />

Ele é acusado de fazer a doutrina da Trindade originar-se da filosofia platônica<br />

unindo alexandrina à teologia judaica. Mas o platonismo não tinha Trindade.<br />

A verdade é que, através desta doutrina, o cristianismo se firmou contra<br />

as falsas idéias pagãs da multiplicidade e imanência de Deus, bem como<br />

contra as falsas idéias judaicas da unidade e transcendência de Deus. Nada<br />

deve a fontes estranhas.<br />

Não precisamos atribuir ao evangelho de João uma origem mais tardia, a<br />

fim de dar conta da sua doutrina do Logos, nem precisamos atribuir uma<br />

origem mais tardia aos sinóticos para dar conta da doutrina de um Messias<br />

sofredor. Ambas doutrinas eram igualmente desconhecidas de Filo. O Logos<br />

de Filo não se torna e nem pode tornar-se homem. Assim diz D orner.<br />

W estcott, em Bible Comentary on John, Introd., xv-xviii, e sobre Jo. 1.1 -<br />

“O emprego teológico do termo [no evangelho de João] parece derivar diretamente<br />

dos Memra palestinos e não do Logos alexandrino”. Ao invés de a<br />

doutrina de Filo ser uma pedra de avanço do judaísmo para o cristianismo, foi<br />

uma pedra de tropeço. A mesma coisa aconteceu com a doutrina do Messias<br />

e a da expiação. B enett e A deny, Bib. Introd., 340 - “A diferença entre Filo e<br />

J oão pode ser estabelecida da seguinte maneira: O Logos de Filo é a Razão,<br />

enquanto o de J oão é o Verbo; o de Filo é impessoal, enquanto o de J oão é<br />

pessoal; o de Filo não é o Messias, enquanto o de J oão é o Messias”.<br />

(321) Filo viveu de 10 ou 20 AC a, certamente 40 A.D., quando ele foi ao<br />

chefe da embaixada judaica em Roma, a fim de convencer o Imperador de<br />

abster-se de reivindicar aos judeus a honra divina. Em sua De Opifice Mundi<br />

ele diz: “A palavra nada é senão o mundo inteligível”. G ore, Incarnation, 69 -<br />

“Para Filo, o Logos deve ser traduzido por ‘Razão’. Mas nos Targuns, ou antigas<br />

paráfrases judaicas do A.T., fala-se constantemente no ‘Verbo’ de Yahweh<br />

(Memra, Devra), como o instrumento eficiente da ação divina, nos casos onde<br />

o A.T. faia do próprio Yahweh. ‘O Verbo de Deus’ viera a ser empregado pessoalmente,<br />

quase como um equivalente à manifestação do próprio Deus, ou<br />

Deus em ação”. G eorge H. G ilbert, em Biblical World, jan 1899.44 - “A filosofia<br />

grega é que sugeriu o emprego do termo Logos por João, apesar de que<br />

nessa mesma época o conteúdo da palavra era judaico”.<br />

Hatch, Hibbert Lectures, 174-208 - “Os estóicos investiram o Logos de<br />

pessoalidade. Eles eram monistas e fizeram do Xóyoq e do üXti as formas<br />

ativa e passiva do princípio uno. Alguns fizeram de Deus um modo da matéria<br />

- natura naturata; outros fizeram da matéria um modo de Deus - natura<br />

naturans = o mundo, uma evolução de Deus. As formas platônicas, como<br />

múltiplas expressões de um simples Xóyoç, foram expressas por um termo no<br />

singular, Logos, ao invés de os Logoi de Deus. A partir deste Logos saíram<br />

todas formas da mente ou da razão. Eis o que sustentava Filo: ‘A mente é um<br />

produto da alma divina e feliz (de Deus), produto não separado dele, porque<br />

nada do elemento divino é cortado ou separado, mas apenas estendido’.<br />

O Logos de Filo não é apenas uma forma, mas uma força - a energia criadora<br />

de Deus - o mais antigo do ‘Eu Sou’, com todas as forças do mundo visíveis<br />

e invisíveis”.


4 7 8 Auguslus Hopkins Strong<br />

W endt, Teaching of Jesus, 1.53 - “Filo leva a transcendência de Deus às<br />

suas conclusões lógicas. A doutrina judaica dos anjos se expandiu em sua<br />

doutrina do Logos. Os filósofos alexandrinos depois representaram o cristianismo<br />

como o judaísmo espiritualizado. Porém um sistema filosófico dominado<br />

pela idéia da transcendência divina nunca poderia ter fornecido um motivo<br />

para a obra missionária como o de Paulo. A crença de Filo na transcendência<br />

abateu suas esperanças redentora. Inversamente, porém, as esperanças<br />

redentoras do judaísmo ortodoxo salvaram-no de alguns erros da transcendência<br />

exclusiva”. Ver a citação de Siegfried na História do Povo Judeu de<br />

S chürer, artigo sobre Filo: “A doutrina de Filo desenvolveu-se a partir da<br />

distinção de Deus e a distância do mundo. É dualista. Daí a necessidade de<br />

princípios mediadores, alguns menores do que Deus e outros maiores do que<br />

a criatura. A significação cósmica de Cristo estabelecia uma ponte sobre o<br />

abismo entre o cristianismo e o pensamento grego contemporâneo. O Cristianismo<br />

representa um Deus que se revela. Porém uma doutrina do Logos<br />

como a de Filo pode revelar menos do que na verdade esconde. Ao invés do<br />

Deus encarnado para a nossa salvação, podemos ter simplesmente um princípio<br />

mediador entre Deus e o mundo, como no arianismo”.<br />

A afirmação anterior é fornecida em substância pelo Prof. W illiams A dam<br />

B rown. Concordamos com ela, acrescentando a nota de que a filosofia alexandrina<br />

deu ao cristianismo, não a substância da sua doutrina, mas apenas<br />

a terminologia da sua expressão. O apóstolo João se apegou à verdade atrás<br />

da qual Filo tateava e publicou-a só na medida em que ele pôde, ele que<br />

ouviu, viu, e manejou “a Palavra da Vida” (1 Jo. 1.1). A doutrina cristã sobre o<br />

Logos, antes de qualquer outra coisa, talvez fosse um esforço para expressar<br />

como Jesus Cristo era Deus (©eóç), e, contudo, noutro sentido não era Deus<br />

(ó Geóç); vale dizer, não era a divindade total” (citado em M arcus D ods,<br />

Expositor’s Bible, sobre João 1.1).<br />

D) Descrições do M essias.<br />

d) Ele é um com Yahweh; b) contudo, em certo sentido, ele é distinto de<br />

Yahweh.<br />

a) Is. 9.6 - “um menino nos nasceu, um filho se nos deu ... e o seu nome<br />

será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da<br />

Paz”; Mq. 5.2 - “tu, Belém ... que és pequena ... de ti sairá o que será Senhor<br />

em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da<br />

eternidade”, b) SI. 45.6,7 - “O teu trono, ó Deus é eterno e perpétuo ... por<br />

isso, Deus, teu Deus te ungiu”; Ml. 3.1 - “eu envio o meu anjo, que preparará<br />

o caminho diante de mim e, de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem<br />

vós buscais, o anjo do concerto, a quem vós desejais”. H enderson, em seu<br />

Comentário sobre esta passagem, assinala que o Messias aqui é chamado “o<br />

Senhor” ou “o Soberano” - título em lugar nenhum dado nesta forma (com<br />

artigo) a qualquer um a não ser a Yahweh; que se prediz a seu respeito como<br />

vindo ao templo como seu proprietário; e que é identificado como um anjo do<br />

concerto, em outra parte mostrado como o próprio Yahweh.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 479<br />

Convém lembrar, considerando isto, assim como outras classes de passagens<br />

anteriormente citadas que nenhum escritor judeu antes da vinda de Cristo<br />

tinha sido bem sucedido na construção de um a doutrina da Trindade. Só os<br />

que lhes trouxeram a luz da revelação do Novo Testamento na verdade mostraram<br />

seu real sentido.<br />

Nossa conclusão geral sobre as indicações veterotestamentárias devem,<br />

portanto, ser de que, conquanto elas mesmas não fornecem base suficiente<br />

para a doutrina da Trindade, contém o seu germe e podem ser empregadas na<br />

sua confirmação quando sua verdade é substancialm ente provada a partir do<br />

Novo Testamento.<br />

A partir do fato de que os judeus unem-se aos maometanos acusando os<br />

trinitários de politeísmo, fica evidente que a doutrina da Trindade não é claramente<br />

ensinada nas Escrituras Hebraicas. Não nos surpreende que não se<br />

desenvolve e é obscuro o ensino do Velho Testamento sobre esta matéria.<br />

A primeira necessidade é que se deve insistir na unidade de Deus. Até que<br />

passe o perigo da idolatria, uma clara revelação da Trindade tem sido um<br />

embaraço ao progresso religioso. Na tenra idade, a raça de então, deve aprender<br />

a unidade de Deus antes de ensinar-se de forma proveitosa a doutrina da<br />

Trindade; caso contrário, cairá no triteísmo. Por isso não devemos começar a<br />

nossa prova da Trindade com uma referência às passagens do Velho Testamento.<br />

Devemos falar destas passagens, na verdade, como fornecendo indicações<br />

da doutrina, ao invés de prová-la. Contudo, depois de ter encontrado<br />

prova da doutrina no Novo Testamento temos que achar traços dela no Velho<br />

que corroboram nossas conclusões. De fato, veremos que os traços da idéia<br />

de uma Trindade acham-se não só nas Escrituras hebraicas, mas também<br />

em algumas das religiões pagãs. E. G. R o b in s o n : “A doutrina da Trindade<br />

subjacente no A.T., sem que os seus escritores o percebam, foi a princípio<br />

reconhecida na revelação econômica do cristianismo e enunciada claramente<br />

na evolução da doutrina cristã”.<br />

II. ESTES TRÊS SÃO DESCRITOS NA ESCRITURA DE TAL<br />

MODO QUE SOMOS COMPELIDOS A CONCEBÊ-LOS<br />

COMO PESSOAS DISTINTAS<br />

1. O P ai e o Filho são pessoas distintas um a da outra<br />

a) Cristo distingue o Pai de si mesmo como ‘outro’; b) o Pai e o Filho<br />

distinguem-se como o gerador e o gerado; c) o Pai e o Filho distinguem-se<br />

como o que envia e o que é enviado.<br />

a) Jo. 5.32.37 - “Há outro que testifica de mim ... o Pai, que me enviou, ele<br />

mesmo testificou de mim”, b) SI. 2.7 - “Tu és meu Filho; eu hoje te gerei”;


4 8 0 Augustus Hopkins Strong<br />

Jo. 1.14 - “o unigênito do Pai”; 18 - “o Filho unigênito, que está no seio do<br />

Pai”; 3.16 - “seu Filho unigênito”. c) Jo. 10.36 - “àquele a quem o Pai santifi-<br />

cou e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: sou Filho de<br />

Deus?” Gl. 4.4 - “vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho”.<br />

2. O P ai e o F ilho são pessoas distintas do Espírito<br />

à) Jesus distingue o Espírito dele mesmo e do Pai; b) o Espírito procede do<br />

Pai; c) o Espírito é enviado pelo Pai e pelo Filho.<br />

a) Jo. 1 4 .1 6 ,1 7 - “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para<br />

que fique convosco para sempre, o Espírito da verdade” = aquele cuja obra é<br />

revelar e aplicar a verdade, e especialmente tornar manifesto aquele que é a<br />

verdade”. Jesus tinha sido o Consolador deles. Se ele mesmo era uma pessoa,<br />

então o Espírito é uma pessoa, b) Jo. 15.26 - “aquele Espírito de verdade<br />

que procede do Pai”, c) Jo. 14.26 - “aquele Consolador, o Espírito Santo,<br />

que o Pai enviará em meu nome”; 15.26 - ‘quando vier o Consolador, que eu<br />

da parte do Pai vos hei de enviar”; Gl. 4.6 - Deus enviou aos nossos corações<br />

o Espírito de seu Filho”. A igreja grega sustenta que só o Espírito procede do<br />

Pai; a igreja latina, que o Espírito procede tanto do Pai como do Filho.<br />

A verdadeira fórmula é: O Espírito procede do Pai através ou pelo (não ‘e’)<br />

Filho. M oberly, Atonement and Personality, 195 - “A expressão Filioque é<br />

uma defesa valiosa da verdade que o Espírito Santo não é somente a abstrata<br />

segunda Pessoa da Trindade, mas, ao invés disso, o Espírito do Cristo<br />

encarnado, reproduzindo no coração humano e revelando nele o sentido da<br />

verdadeira natureza humana”.<br />

3. O Espírito Santo é uma pessoa<br />

A) Recebe designação própria de pessoalidade.<br />

d) O pronome masculino bkeivoç, apesar de que Ttveupa é neutro; b ) o nome<br />

napáK ^rixoç que não pode ser traduzido como ‘consolo’, ou ser tomado como<br />

substantivo de qualquer influência abstrata. O Consolador, Instrutor, Protetor.<br />

Guia, Advogado deve ser um a pessoa. Isto se evidencia na aplicação de 1 João<br />

2.1 a Cristo - “temos um Advogado TcapáicXriTOv - com o Pai, Jesus Cristo, o<br />

justo” .<br />

a) Jo. 16.14 - “Ele (èiceívoç) me glorificará”; em Ef. 1.14 também, alguma<br />

das melhores autoridades, incluindo T is c h e n d o r f (8a ed.), reza õç, pronome<br />

masculino: “o qual é o penhor da nossa herança”. Mas em 14.16-18,7tapáKA.Tycoç<br />

é seguido dos neutros õ e carcó, porque interveio a palavra 7ive%ia. Considerações<br />

não teológicas, mas gramaticais controlaram o escritor. Ver G. D. S te -<br />

vens, Johannine Theology 189-217, especialmente sobre a distinção entre<br />

Cristo e o Espírito Santo. O Espírito Santo não é Cristo; é uma outra pessoa<br />

a despeito de Cristo dizer sobre a vinda do Espírito Santo: “virei para vós”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 481<br />

b) Jo. 16.7 - “se eu não for, o Consolador não virá a vós”. A palavra jiocpáKX/tyroç<br />

como aparece em 1 Jo. 2.1, citada acima, é um termo de mais amplo significado<br />

que um simples “Consolador”. Na verdade, o Espírito Santo é, como já<br />

se disse, “o princípio mater da divindade”, e “como alguém que a sua mãe<br />

consola” assim Deus, através do seu Espírito, consola os seus filhos (Is. 66.13).<br />

Mas o Espírito Santo também é um Advogado das reivindicações de Deus na<br />

alma, e dos interesses da alma na oração (Rm. 8.26 - “intercede por nós”).<br />

Ele consola não só por ser nosso advogado, mas por ser nosso instrutor,<br />

protetor, e guia; e todas estas idéias acham-se ligadas à palavra jrapáKÀriToç<br />

no bom emprego da língua grega. Na verdade, a palavra é um adjetivo verbal,<br />

significando ‘chamado para auxiliar alguém’, daí um ‘ajudador’; a idéia de<br />

encorajamento está incluída assim como a de consolo e defesa.<br />

T. D wight, em Sunday School Times, sobre Jo. 1 4 . 1 6 - 0 sentido fundamental<br />

da palavra Trapá.KXr|Toç, que é um adjetivo verbal, ‘chamado para o<br />

auxílio a alguém’, e deste modo, quando empregado como substantivo, tem a<br />

idéia de ‘auxiliador’. Este sentido mais genérico iiga-se ao emprego no evangelho<br />

de João, enquanto na Epístola (1 Jo. 2.1,2) tem a idéia de Jesus agindo<br />

como advogado em nosso lugar diante de Deus como juiz”. Deste modo em<br />

latim a palavra advocatus significa ‘chamado para’ - /'.e., chamado para ajudar,<br />

aconselhar, pleitear. Nesta conexão Jesus diz: “Não vos deixarei órfãos”<br />

(Jo. 14.18). C umming, Through the Eternal Spirit, 228 - ‘‘Como a família órfã,<br />

no dia da morte do pai, necessita de um amigo que alivie o seu sentimento de<br />

perda através da sua presença, do mesmo modo o Espírito Santo é ‘invocado’<br />

para conceder o amor e auxílio que os doze estavam perdendo na morte<br />

de Jesus”. A. A. Hodge, Pop. Lectures, 237 - “O ‘cliente’ romano, o pobre e<br />

dependente apelava para que o seu ‘patrono’ o ajudasse nas suas necessidades.<br />

O patrono pensava, aconselhava, dirigia, apoiava, defendia, supria as<br />

necessidades, restabelecia, consolava o seu cliente em todas dificuldades.<br />

O cliente, embora fraco, com um patrono poderoso, era social e politicamente<br />

seguro sempre”.<br />

B) Seu nome é mencionado em conexão im ediata com as outras pessoas e<br />

de tal modo que implicam sua pessoalidade.<br />

d ) Em conexão com os cristãos; b ) em conexão com Cristo; c) em conexão<br />

com o Pai e o Filho. Se o Pai e o Filho são pessoas o Espírito deve também ser<br />

pessoa.<br />

a) At. 15.28 - “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”, b) Jo. 1 6 .1 4 - “Ele<br />

me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”; cf.<br />

17.4 - “Eu glorifiquei-te na terra”, c) Mt. 28.19 - “batizando-os em nome do<br />

Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” 2 Co. 13.13 - “A graça do Senhor Jesus<br />

Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com vós<br />

todos”; Jd. 20,21 - “orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus,<br />

esperando a misericórdia do nosso Senhor Jesus Cristo”. 1 Pe. 1.2 - “eleitos,<br />

segundo a presciência de Deus Pai, na santificação do Espírito para a obediência<br />

e aspersão do sangue de Jesus Cristo”. Contudo, é notável que nestas<br />

passagens não há nenhuma obstrução da pessoalidade do Espírito Santo


4 8 2 Augustus Hopkins Strong<br />

como se ele desejasse atrair a atenção para si mesmo. O Espírito Santo mostra<br />

não a si mesmo, mas Cristo. Como João Batista, ele é somente uma voz e,<br />

assim, um exemplo para os pregadores cristãos que “fez capazes de ser<br />

ministros ... do Espírito” (2 Co. 3.6). Por isso freqüentemente não se percebe<br />

a sua liderança; ele apenas se junta a nós para que infiramos a sua presença<br />

a partir de novos e santos exercícios da nossa própria mente; ele continua a<br />

operar em nós mesmo quando se ignora a sua presença e os nossos pecados<br />

ultrajam a sua pureza.<br />

C) Ele opera os atos próprios da pessoalidade.<br />

Aquele que sonda, conhece, fala, testifica, revela, convence, manda, luta,<br />

move, auxilia, guia, cria, recria, santifica, inspira, intercede, ordena os negócios<br />

da igreja, opera milagres, ressuscita os mortos - não pode ser um a simples<br />

força, influência, efluxo, ou atributo de Deus, mas deve ser um a pessoa.<br />

Gn. 1.2 - “o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas”; 6.3 - “Não<br />

contenderá o meu Espírito para sempre com o homem”; Lc. 12.12 - “na mesma<br />

hora o Espírito Santo vos ensinará o que convém falar”; Jo. 3.8 - “nascido<br />

do Espírito” - B engel aqui traduz: “O Espírito sopra onde quer e ouves a sua<br />

voz” - ver também G o r d o n, Ministry of the Spirit, 166; “convencerá o mundo<br />

do pecado, e da justiça, e do juízo”; At. 2.4 - “o Espírito lhes concedia que<br />

falassem”; 8.29 - “o Espírito disse a Filipe: Chega-te”; 10.19,20 - “disse-lhe [a<br />

Pedro]: Eis que três varões te buscam ... vai com eles ... porque eu os enviei”;<br />

13.2 - “disse o Espírito Santo: “Apartai-me a Barnabé e a Saulo”; 16.6,7 -<br />

“foram impedidos pelo Espírito Santo ... o Espírito de Jesus não lho permitiu”;<br />

Rm. 8.11 - ‘vivificará também o vosso corpo mortal”, por meio do seu Espírito”;<br />

26 - “o Espírito ajuda as nossas fraquezas ... intercede por nós”; 15.19 —<br />

pelo poder dos sinais e prodígios, na virtude do Espírito de Deus”; 1 Co. 2.10,11<br />

- “o Espírito penetra todas as coisas ... ninguém sabe as coisas de Deus<br />

senão o Espírito de Deus”; 12.8-11 - distribui os dons espirituais “a cada um<br />

como quer” - aqui M eyer chama a atenção para as palavras “como quer”,<br />

como prova da pessoalidade do Espírito; 2 Pe. 1.21 - “homens santos de<br />

Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”; 1 Pe. 1.2 - “santificação do<br />

Espírito”. Como uma pessoa pode receber em várias medidas? Respondemos:<br />

sendo permitido operar em nosso benefício com vários graus de poder.<br />

“Poder não pertence ao impessoal”.<br />

D) Ele é afetado pelos atos dos outros como um a pessoa.<br />

Aquele a quem se pode resistir, contristar, irritar, blasfem ar deve ser uma<br />

pessoa; pois só um a pessoa pode perceber um insulto e ofender-se. A blasfêmia<br />

contra o Espírito Santo não pode ser sim plesmente blasfêmia contra uma<br />

força ou atributo de Deus porque em cada caso a blasfêm ia contra Deus seria<br />

um crime m enor do que a blasfêm ia contra o seu poder. Aquilo contra o que se<br />

pode com eter pecado im perdoável deve ser um a pessoa.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Is. 63.10 - “eles foram rebeldes e contristaram o seu Espírito Santo”;<br />

Mt. 12.31 - “todo pecado e blasfêmia se perdoará aos homens, mas a blasfêmia<br />

contra o espírito não será perdoada”; At. 5.3,4,9 - “mentisses ao Espírito<br />

Santo ... não mentiste aos homens, mas a Deus ... Por que é que entre vós<br />

concertastes para tentar o Espírito do Senhor?” 7.51 - “vós sempre resistis<br />

ao Espírito Santo”; Ef. 4.30 - “Não entristeçais o Espírito Santo de Deus”.<br />

Satanás não pode ser ‘contristado’. O egoísmo não pode ser irritado, mas o<br />

amor pode ser contristado. Blasfemar contra o Espírito Santo é como blasfemar<br />

contra a própria mãe. As passagens já citadas mostram que o Espírito<br />

possui uma natureza emocional. Por isso lemos sobre “o amor do Espírito”<br />

(Rm. 15.30). Os gemidos inexprimíveis do cristão na oração intercessora<br />

(Rm. 8.26,27) revelam a mente do Espírito e mostram as profundezas infinitas<br />

do sentimento que são despertadas no coração de Deus pelos pecados e<br />

necessidades dos homens. Os profundos desejos e emoções que só em parte<br />

nos são comunicados e que só Deus pode entender são uma prova conclusiva<br />

de que o Espírito Santo é uma pessoa. Eles são apenas o transborda-<br />

mento da fonte do amor divino em nós ao qual o Espírito Santo nos une.<br />

Como Cristo no jardim “começou a entristecer-se e angustiar-se muito”<br />

(Mt. 26.37), se entristece e se perturba com a ignorância, o desprezo, a resistência<br />

à sua obra, da parte daqueles que ele está tentando resgatar do pecado<br />

e conduzir para a liberdade e gozo da vida cristã. Luthardt em Sunday<br />

School Times, 26 de maio de 1888 - “Todo pecado pode ser perdoado -<br />

mesmo contra o Filho do homem - exceto o pecado contra o Espírito Santo.<br />

O pecado contra o Filho do homem pode ser perdoado porque ele pode ser<br />

falsamente concebido. Porque ele não se parece com aquilo que realmente<br />

é. Essência e aparência, verdade e realidade, contradizem-se uma à outra”.<br />

Por isso Jesus podia orar: “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que<br />

fazem” (Lc. 23.34). Contudo, o ofício do Espírito Santo é mostrar aos homens<br />

a natureza da conduta deles e, pecar contra o Espírito Santo é pecar contra a<br />

luz e sem desculpa”. Ver A. H. S trong, Christ in Creation, 297-313. S almond,<br />

em Expositor’s Greek Testament, sobre Ef. 4.30 - “O que o amor é em nós<br />

aponta, na verdade, embora numa forma oscilante, para o que é o amor em<br />

Deus. Em nós, porém, o amor, na medida em que é verdadeiro e soberano<br />

tem tanto o seu lado iroso como o entristecedor; e assim deve ser com Deus,<br />

embora seja difícil para nós pensar que isto esteja excluído”.<br />

E) Ele se m anifesta em forma visível distinto do Pai e do Filho embora em<br />

conexão direta com atos pessoais operados por eles.<br />

Mt. 3.16,17 - “Sendo Jesus batizado, saiu logo da água, e eis que se lhe<br />

abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo<br />

sobre ele. E eis que uma voz do céu dizia: Este é o meu Filho amado em<br />

quem me comprazo”; Lc. 3.21,22 - “sendo batizado também Jesus, orando<br />

ele, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea<br />

como uma pomba; e ouviu-se uma voz do céu, que dizia: Tu és meu Filho<br />

amado; em ti me tenho comprazido”. Aqui está a oração de Jesus, a voz de<br />

aprovação do Pai, e o Espírito Santo descendo em forma visível para ungir o<br />

Filho de Deus para a sua obra. “I ad Jordanem, et videbis Trinitatem”.<br />

4 8 3


4 8 4 Augustus Hopkins Strong<br />

F) Tal atribuição de um a subsistência pessoal ao Espírito distinta da do Pai<br />

e do Filho não se pode explicar como personificação; pois:<br />

a) Seria interpretar uma prosa sóbria utilizando os cânones da poesia. Tal personificação<br />

contraria o gênio da poesia hebraica na qual a própria Sabedoria é<br />

mais naturalmente interpretada designando existência pessoal, b) Tal interpretação<br />

tom aria um a multidão de passagens tautológicas, sem sentido, ou<br />

absurdas, - como se pode ver facilmente substituindo pelo nome Espírito Santo<br />

os termos erradamente sustentados como equivalentes; tais como força, ou<br />

influência, ou efluxo, ou atributo de Deus. c) E contraditada pelas passagens<br />

nas quais o Espírito Santo se distingue dos seus próprios dons.<br />

a) A Bíblia não é primordialmente um livro de poesia apesar de ter em si<br />

poesia. É mais apropriadamente um livro de história e de lei. Ainda que os<br />

métodos de alegoria fossem empregados pelos salmistas e pelos profetas,<br />

não devemos esperar que eles caraterizem grandemente os evangelho e as<br />

epístolas; 1 Co. 3.4 - “O amor é sofredor, é benigno” - é um exemplo raro em<br />

que o estilo de Paulo assume a forma de poesia. Contudo, os evangelhos e<br />

epístolas é que mais constantemente representam o Espírito Santo como uma<br />

pessoa.<br />

b) At. 10.38 - “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com<br />

poder” = ungiu-o com poder e com poder? Rm. 15.13 - “para que abundeis<br />

em esperança pelo poder do Espírito Santo” = no poder do poder de Deus?<br />

19 - “pelo poder de sinais e prodígios, no poder do Espírito de Deus” = no<br />

poder do poder de Deus? 1 Co. 2.4 - “demonstração do Espírito e do poder”<br />

= demonstração do poder e do poder?<br />

c) Lc. 1.35 - “Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te<br />

cobrirá com a sua sombra”; 4 .1 4 - “pelo poder do Espírito voltou Jesus para a<br />

Galiléia”; 1 Co. 12.4,8,11 - depois de mencionar os dons do Espírito, tais<br />

como, sabedoria, conhecimento, fé, curas, milagres, discernimento de espíritos,<br />

línguas e interpretação de línguas, tudo isso é atribuído ao Espírito que<br />

os concede: “mas um só e o mesmo Espírito opera todas essas coisas, repartindo<br />

particularmente a cada um como quer”. Não só dando, mas dando discretamente,<br />

no exercício de uma vontade independente que só pertence a<br />

uma pessoa. Rm. 8.26 - “o mesmo Espírito intercede por nós” - interprete-se,<br />

se o Espírito não é uma pessoa distinta do Pai, significando que o Espírito<br />

Santo intercede consigo mesmo.<br />

“A pessoalidade do Espírito Santo foi virtualmente rejeitada pelos arianos,<br />

assim como também por Schleiermacher e positivamente negada pelos soci-<br />

nianos” (E. G. Robinson). Gould, Bib. Theol. N.T., 8 3 ,9 6 - “Os Doze representam<br />

o Espírito enviado pelo Filho, que foi exaltado para que pudesse enviar<br />

este novo poder dos céus. Paulo representa o Espírito trazendo-nos o Cristo.<br />

No Espírito Cristo habita em nós. O Espírito é o Jesus histórico traduzido em<br />

termos de Espírito universal. Através do Espírito estamos em Cristo e Cristo<br />

em nós. Para Paulo o ser divino que habita é alternadamente Cristo e o Espírito.<br />

O Espírito é o princípio encarnado em Jesus explicando a sua preexistência<br />

(2 Co. 3.17,18). Jesus é uma encarnação do Espírito de Deus”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 8 5<br />

Esta aparente identificação do Espírito com Cristo deve ser explicada com<br />

base no fato de que a essência divina é comum a ambos e permite que o Pai<br />

habite e opere através do Filho e o Filho habite e opere através do Espírito.<br />

Não nos deve cegar a igualdade escriturística patente de que há um relacionamento<br />

pessoal entre Cristo e o Espírito Santo e a obra realizada por este<br />

em que Cristo é o objeto e não o sujeito; Jo. 1 6 .1 4 - “Ele me glorificará porque<br />

ele há de receber do que é meu e vo-lo-á de anunciar”. O Espírito Santo não<br />

é alguma coisa, mas é alguém; não cano, mas a-òtoç; o alter ego de Cristo, ou<br />

o outro eu. Por isso devemos tornar vivida a nossa crença nas orações que<br />

fazemos e nos hinos que entoamos como “Jesus lover of my soul” e “Come,<br />

Holy Spirit, heavenly Dove!”.<br />

III. ESTA T R IPE SSO A LID A D E D A N ATUREZA DIVIN A NÃO<br />

É SIM PLESM E N T E E C O N Ô M IC A E T E M P O R A L , M A S<br />

IM ANENTE E ETERNA.<br />

1. Prova da Escritura de que estas distinções de pessoalidade são eternas<br />

Provamos isto a) a partir das passagens que falam da existência do Verbo<br />

desde a eternidade com o Pai; b) a partir das passagens que declaram ou im plicam<br />

a preexistência de Cristo; c) a partir das passagens que implicam intercâmbio<br />

entre o Pai e o Filho antes da fundação do mundo; d) a partir das<br />

passagens que declaram a criação do mundo por Cristo; e) a partir das passagens<br />

que declaram ou implicam a eternidade do Espírito Santo.<br />

a) Jo. 1.1,2 - “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o<br />

Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus”; cf. Gn. 1.1 - “No princípio<br />

criou Deus os céus e a terra”; Fp. 2.6 - “sendo em forma de Deus ... ser igual<br />

a Deus”, b) Jo. 8.58 - “Antes que Abraão existisse, eu sou”; 1.18 - “O Filho<br />

unigênito, que está no seio do Pai”; Cl. 1 .1 5 - 1 7 - “primogênito de toda a criação”<br />

ou “antes de toda a criatura ... ele é antes de todas as coisas”. Nestas<br />

passagens “sou” e “é” indicam um fato eterno; o presente expressa ser permanente.<br />

Ap. 22.13,14 - “Eu sou o Alfa e Ômega, o Princípio e o Fim, o<br />

Primeiro e o Derradeiro”, c) Jo. 17.5 - “glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo,<br />

com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”; 24 -<br />

“tu me hás amado antes da fundação do mundo”, d) Jo. 1.3 - “Todas as coisas<br />

foram feitas por ele”; 1 Co. 8.6 - “um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual<br />

são todas as coisas”; Cl. 1.16 - “nele foram criadas todas as coisas ... tudo foi<br />

criado por ele e para ele”. Hb. 1.2 - “por quem fez também o mundo”; 10 -<br />

“Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, e os céus são obra de tuas mãos”,<br />

e) Gn. 1.2 - “o Espírito de Deus pairava” - existia antes da criação; SI. 33.6 -<br />

“Pela palavra do Senhor foram feitos os céus; e todo o exército deles, pelo<br />

espírito (sopro) da sua boca”; Hb. 9.14 - “pelo Espírito eterno”.


4 8 6 Augustus H opkins Strong<br />

Com estas passagens diante de nós, devemos discordar da afirmação do<br />

Dr. E. G. R o b inson: “A respeito da Trindade ontológica não conhecemos<br />

absolutamente nada. A Trindade que podemos contemplar é somente revelada,<br />

de manifestações econômicas. Podemos supor que o ontológico é subjacente<br />

ao econômico”. A nosso juízo, a Escritura nos compele a avançar para<br />

além disso e a sustentar que há relações pessoais entre Pai, Filho e Espírito<br />

Santo, independentemente da criação e do tempo. Há três consciências eternas<br />

e três vontades externas na natureza divina. Aqui estabelecemos apenas<br />

o fato; a sua explicação e sua reconciliação com a unidade fundamental de<br />

Deus será tratada na próxima seção. A seguir, mostraremos que os dois sistemas<br />

variantes que ignoram esta tripessoalidade são antibíblicos e estão, ao<br />

mesmo tempo, expostos à objeção filosófica.<br />

2. Erros refutados pelas passagens anteriores<br />

A) O Sabeliano<br />

S a b é l io (da Ptolem aida em Pentápolis, 250) sustentava que Pai, Filho e<br />

Espírito Santo são simples desenvolvimentos ou revelações às criaturas, no<br />

tempo, de outra forma ocultadas por Deus - desenvolvimentos que, porque as<br />

criaturas sempre existirão, não são transitórios, mas que ao mesmo tempo não<br />

são eternos a parte ante. Deus unido à criação é Pai; Deus unido a Jesus Cristo<br />

é Filho; Deus unido à igreja é Espírito Santo. A Trindade de Sabélio é, portanto,<br />

econômica e não imanente - de forma de m anifestações, mas não necessária<br />

e eterna na natureza divina.<br />

Alguns têm interpretado que S a b é l io nega que a Trindade é eterna a parte<br />

post, assim como a parte ante e sustenta que, quando o propósito destas manifestações<br />

temporárias se cumpre, a Tríade é resolvida em mônada. Este ponto<br />

de vista surge em outro que faz as pessoas da Trindade simples nomes para<br />

fases mutantes da atividade divina.<br />

A melhor afirmação da doutrina sabeliana, segundo a interpretação a princípio<br />

mencionada, é a de S chleierm a c h er, traduzida com comentários de<br />

M oses S tu art, em Biblical Repository, 6.1-16. O Deus imutável reflete-se de<br />

um modo diferente a partir do mundo por causa das diferentes formas<br />

de recebê-lo. P ráxeas de Roma (200), N oeto de Esmirna (230) e B erilo da<br />

Arábia (250) defendiam substancialmente os mesmos pontos de vista. Eles<br />

eram chamados monarquistas (novfi àpxfi), porque não criam na tríada mas<br />

na mônada. Eles eram chamados patripassianos, porque defendiam que, como<br />

Cristo é o único Deus em forma humana, este Deus sofre e, por isso, o Pai<br />

sofre. K night, Coloquia Peripatetica, xlii, sugere uma conexão entre sabelia-<br />

nismo e emanacionismo.<br />

H orace Bushnell, em seu Godin Christ, 113-115,130 sq., 172-175, e Christ<br />

in Theology, 119,120 defendia um ponto de vista semelhante ao de Sabélio -


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

“Pai, Filho e Espírito Santo, incidentais à revelação de Deus, podem e provavelmente<br />

são de eternidade a eternidade, tanto quanto Deus pode revelar-se<br />

eternamente e, com certeza, se revelará até onde a nossa mente pode<br />

conhecê-lo. De fato, a natureza de Deus pode revelar-se, tão verdadeiramente<br />

como o sol brilha ou como a mente viva pensa". Ele não nega a Trindade<br />

imanente, mas simplesmente diz que nada conhecemos a esse respeito. Ainda<br />

ele chama a Trindade de Pessoas na própria essência divina um claro tri-<br />

teísmo. Prefere tratar a sua doutrina como “trindade instrumental” a tratá-la<br />

como “trindade modal”. A diferença entre B ushnell, por um lado, e S abélio e<br />

S chleiermacher, por outro, parece ser a seguinte: S abélio e S chleiermacher<br />

sustentam que Deus se toma três no processo da revelação e os três se<br />

tornam meios ou modos da revelação. Pai, Filho e Espírito Santo são apenas<br />

nomes aplicados a estes modos da ação divina e não há distinções internas<br />

na sua natureza. Isto é modalismo, ou uma Trindade modal. B ushnell fica só<br />

com a Trindade da revelação e protesta contra quaisquer raciocínios construtivos<br />

a respeito da Trindade imanente. Contudo, mais tarde em seus escritos<br />

ele reverte para Atanásio e fala de um Deus eternamente “fazendo-se três”.<br />

Lyman A bbott, The Outlook, propõe como ilustração da Trindade, 1. o artista<br />

trabalhando nas suas telas; 2. o mesmo homem ensinado os alunos como<br />

sofrer; 3. o mesmo homem recebendo os seus amigos em casa. Ele não<br />

levou em conta estes tipos de conduta. Não há máscaras (personae), nem<br />

ofícios, que ele assume e abandona. Nele há uma tríplice natureza nele: é<br />

artista, mestre, amigo. Deus não é simples; é complexo. Eu não o conheço, a<br />

não ser depois de conhecer todos estes relacionamentos. Contudo, é evidente<br />

que o ponto de vista do D r. A bbott não fornece base nenhuma para o amor<br />

ou para a sociedade dentro da natureza divina. As três pessoas são apenas<br />

três aspectos ou atividades sucessivas do único Deus. O General Grant, quando<br />

estava na ativa, era apenas uma pessoa, apesar de que ele era pai, Presidente,<br />

e comandante em chefe do Exército e da Marinha dos Estados Unidos.<br />

É evidente que esta teoria em qualquer forma que possa ser sustentada está<br />

longe de satisfazer as exigências da Escritura. A Escritura fala da segunda<br />

pessoa da Trindade como existindo e agindo antes do nascimento de Jesus<br />

Cristo e do Espírito Santo como existindo e agindo antes da formação da igreja.<br />

Ambos têm um a existência pessoal, eterna no passado assim como no futuro-o<br />

que esta teoria expressam ente nega.<br />

Uma revelação que não é a auto-revelação de Deus não é honesta. S tuart:<br />

Visto que Deus se revela como três, ele deve ser de modo essencial e imanente<br />

três a partir da revelação; caso contrário, a revelação não seria verdadeira.<br />

D o rner: A Trindade da revelação será uma falsa interpretação se não<br />

tiver como retaguarda a Trindade da natureza. A duplicidade chega propriamente<br />

à triplicidade ao considerar, não tanto o que envolve a revelação de<br />

Deus a nós, como o que a mesma revelação é para ele. A falta de correspondência<br />

da doutrina sabeliana para com as Escrituras é clara, se nos lembrarmos<br />

de que neste ponto de vista os Três não podem existir ao mesmo tempo;<br />

4 8 7


4 8 8 Augustus Hopkins Strong<br />

quando o Pai diz “Tu és o meu Filho amado” (Lc. 3.22), ele simplesmente está<br />

falando a si mesmo; quando Cristo envia o Espírito, ele está enviando a si<br />

mesmo. Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o<br />

Verbo era Deus” - “afasta a noção de que o Verbo se tornou pessoal em<br />

primeiro lugar antes da criação, ou na encarnação” ( W e s t c o t t, Bib. Com.,<br />

in loco).<br />

M a s o n , Faith of the Gospel, 50,51 - “Sabélio reivindicava que a unidade<br />

tornou uma Trindade através da expansão. A Paternidade começa com o mundo.<br />

Deus não é eternamente Pai. Só temos um Deus impessoal, ininteligível<br />

que agiu sobre nós e confundiu o nosso entendimento apresentando-se a nós<br />

sob três disfarces. Antes da criação não há nenhuma Paternidade, nem mesmo<br />

em germe”.<br />

Segundo P f l e id e r e r , Philos. Religion, 2.269, O r íg e n e s sustentava que a<br />

divindade podia ser representada por três círculos concêntricos: o maior, abrangendo<br />

o ser por inteiro, é o do Pai; a seguir, o do Filho, que se estende à<br />

criação racional; e o menor, o do Espírito que rege todos os homens santos<br />

da igreja. K in g , Reconstruction of Theology, 192,194 - “Afirmar as relações<br />

sociais na divindade é asseverar o Triteísmo absoluto. ... O unitarismo dá<br />

ênfase à humanidade de Cristo, a fim de preservar a unidade de Deus; o<br />

verdadeiro ponto de vista dá ênfase à divindade de Cristo, a fim de preservar<br />

a unidade”.<br />

L. L. P a in e , Evolution of Trinitarianism, 141,287, diz que o Trinitarismo da<br />

Nova Inglaterra se carateriza por três coisas: 1. Patripassionismo sabeliano;<br />

Cristo é tudo o que há no Pai, e o Espírito Santo é a continuação da vida de<br />

Cristo; 2. Consubstancialidade, ou comunidade de essência, entre Deus e o<br />

homem; diferentemente do que há entre o ser criado e o não criado que o<br />

dualismo platônico sustentava, esta teoria torna a semelhança moral em<br />

semelhança essencial; 3. Monismo filosófico, para o qual a matéria é em si<br />

mesma a evolução do Espírito. ... Na forma seguinte da doutrina científica da<br />

evolução a divinização do homem torna-se uma verdade vital e dela surge a<br />

cristologia que, na verdade, remove o Jesus de Nazaré da ordem da divindade<br />

absoluta, mas ao mesmo tempo o exalta a um lugar de eminência moral<br />

que é seguro e supremo”.<br />

Contra o perigo de considerar Cristo como uma manifestação econômica e<br />

temporária de Deus, só podemos nos resguardar defendendo a doutrina da<br />

Escritura sobre a Trindade imanente. M o berly, Atonement and Personality, 86,165<br />

- Não podemos incorrer no perigo sabeliano ao sustentarmos - que aquilo<br />

que é revelado dentro da unidade divina não é apenas uma distinção de<br />

aspectos ou de nomes, mas uma reciprocidade real do relacionamento mútuo.<br />

Um ‘aspecto’ não pode contemplar, o outro ou ser amado por ele. ... O sabe-<br />

lianismo degrada as pessoas da divindade em aspectos. O calor e a luz da<br />

chama não podem separadamente contemplar e estar no amor recíproco”.<br />

B) O Ariano<br />

Á rio (de Alexandria; condenado pelo Concilio de Nice, 325) sustentava<br />

que o Pai é o único ser divino absolutam ente sem começo; o Filho e o Espírito


T e o l o o ia S is t e m á t ic a 489<br />

Santo, através de quem Deus cria e recria, foram criados do nada antes que o<br />

mundo fosse; e Cristo foi chamado Deus, porque ele é o seguinte em relação a<br />

Deus e dotado por Deus de poder de criar.<br />

Os seguidores de Á rio diferiam quanto ao nível preciso e reivindicações<br />

de Cristo. Enquanto S ocínio sustentava com Á rio que a adoração de Cristo era<br />

obrigatória, os unitários mais tarde perceberam a impropriedade da adoração<br />

mesmo nos mais elevados seres criados e constantem ente tendiam para um<br />

ponto de vista do Redentor que o considera sim plesmente um homem em relação<br />

peculiarm ente íntim a com Deus.<br />

O assim chamado Credo Atanasiano, que o próprio Atanásio nunca escreveu,<br />

é com muito mais propriedade designado como Symbolum Quicumque.<br />

Também tem sido chamado, embora jocosamente, ‘o Credo Anatemasiano’.<br />

Contudo, nenhum erro na doutrina pode ser mais perigoso ou digno de condenação<br />

do que o de Á rio (1 Co. 16.22 - “Se alguém não ama o Senhor Jesus<br />

Cristo, seja anátema”; 1 Jo. 2.23 - “Qualquer que nega o Filho também não<br />

tem o Pai”; 4.3 - “todo o espírito que não confessa a Jesus não procede de<br />

Deus; e este é o espírito do anticristo”). Considera que Cristo é chamado<br />

Deus só por cortesia do mesmo modo que o vice-governador recebe o título<br />

de Governador. Antes da criação do Filho, o amor de Deus, se pudesse haver<br />

amor, seria despendido no próprio Deus. Gwatkin, Studies of Arianism:<br />

“O Cristo ariano é apenas um ídolo pagão, inventado para manter um supremo<br />

paganismo num isolamento pagão do mundo. Quanto mais próximo a<br />

atenção da divindade do Filho puxa-o para baixo na direção do homem, mais<br />

remota se torna a não participada divindade do Pai. Você tem um Être Suprê-<br />

me (fr. Ser Supremo) do qual praticamente não há aproximação, o simples<br />

um em todos, destituído de pessoalidade”.<br />

G o r e , Incarnation, 90,91,110, mostra a imensa importância da controvérsia<br />

sobre ó iio o t a io v e ó |io io ú a io v . C a r l y l e , certa vez, zombou de que “o mundo<br />

cristão estivesse cortado em pedaços por causa de um ditongo”. Porém,<br />

mais tarde, ele passou a ver que o próprio cristianismo estava em perigo e<br />

que teria descido ao nível de uma lenda se os arianos tivessem vencido a<br />

batalha. Ário não apelou para a Escritura, mas principalmente para a lógica.<br />

Ele defendia que o Filho deve ser mais novo que o seu Pai. Mas estava<br />

expondo o princípio do paganismo e da idolatria, que demanda a adoração a<br />

uma criatura. Os godos convertiam-se facilmente ao arianismo. Para eles,<br />

Cristo era um deus herói, um semideus e mais tarde os godos puderam adorar<br />

Cristo e os ídolos pagãos sem parcialidade.<br />

É evidente que a teoria de Á rio não satisfaz as exigências da Escritura.<br />

Como um Deus criado, cuja existência teve um começo e, portanto, pode ter<br />

um fim, feito de um a substância que em certa época não era e, portanto, diferente<br />

da do Pai, não é Deus, mas criatura finita. M as a Escritura fala de Cristo<br />

sendo no começo com Deus.


4 9 0 Augustus Hopkins Strong<br />

L u t e r o , fa z e n d o a lu s ã o a J o . 1.1, d iz : ‘“ O V e rb o e ra D e u s ’ c o n tr a r ia Á r io ;<br />

'o V e rb o e s ta v a c o m D e u s ’ c o n tr a r ia S a b é l io ” . O C a te c is m o R a c o v ia n o , Q u a -<br />

e s . 183, 184, 211, 236, 237, 245, 246, e n s in a q u e C ris to d e v e s e r v e r d a d e ir a ­<br />

m e n te a d o ra d o e n e g a -s e q u e s e ja m c r is tã o s o s q u e s e re c u s a m a d o rá -lo .<br />

D avidis fo i p e rs e g u id o e m o rto n a p ris ã o p o r re c u s a r- s e a a d o ra r C ris to ; S o c ín io<br />

fo i a c u s a d o , e m b o r a ta lv e z in ju s ta m e n te , d e t e r c a u s a d o o a p ris io n a m e n to<br />

d e le . O C h a n c e l e r B a r t o l o m e u , d e E s s e x , a r ia n o , fo i m o rto q u e im a d o e m<br />

S m ith fie ld , a 13 d e m a r. d e 1613. O R e i J a im e (K in g J a m e s ) p e rg u n to u -lh e s e<br />

e le n ã o d irig ia s u a s o r a ç õ e s a C ris to . A re s p o s ta d o c h a n c e le r fo i q u e “ n a<br />

v e r d a d e e le o r a v a a C ris to n o s d ia s d a s u a ig n o râ n c ia , m a s n ã o n e s te s ú lti­<br />

m o s s e te a n o s ” ; o q u e c h o c o u d e ta l m o d o J a im e q u e a fa s to u - o c o m u m<br />

c h u te ” . N a fo g u e ir a o c h a n c e le r a in d a r e c u s o u - s e a r e tr a ta r - s e e a s s im<br />

fo i q u e im a d o a té à s c in z a s e m m e io a u m g r a n d e a ju n ta m e n to d e p e s s o a s .<br />

N o m ê s s e g u in te , o u tro a r ia n o c h a m a d o W h it e m a n fo i q u e im a d o e m B u rto n -<br />

o n -T r e n t.<br />

Era preciso ter coragem, mesmo uma geração mais tarde, para J o hn<br />

M il t o n , em sua Christian Doctríne, declarar-se um elevado ariano. Nesse tratado<br />

ele ensina que “o Filho de Deus não existia desde a eternidade, não é<br />

contemporâneo ou coexistente ou co-igual com o Pai, mas veio à existência<br />

através da vontade de Deus para ser o seu seguinte e o primogênito e bem<br />

amado, o Logos ou Verbo através de quem toda a criação teria o seu início”.<br />

Deste modo Milton considera o Espírito Santo como um ser criado, inferior ao<br />

Filho e possivelmente confinado aos céus e à terra. O arianismo de M ilto n,<br />

contudo, é caraterística dos seus escritos mais tardios do que mais antigos.<br />

Q u a n d o p e rg u n ta ra m a o D r . S a m u e l C la r k e s e o P a i q u e tin h a c ria d o n ã o<br />

p o d ia ta m b é m d e s tr u ir o F ilh o , r e s p o n d e u q u e a in d a n ã o tin h a p e n s a d o no<br />

a s s u n to . R alp h W ald o E m e r s o n ro m p e u c o m a s u a ig re ja e d e ix o u o m in is té rio<br />

p o rq u e e le n ã o p o d ia c e le b r a r a C e ia d o S e n h o r; is to im p lic a v a n u m a re v e ­<br />

rê n c ia m a is p r o fu n d a p a ra c o m J e s u s d o q u e e le p o d e r ia p re s ta r. E s c re v e u :<br />

“ P a re c e -m e q u e , n a ig r e ja a tu a l, o O fíc io d a C o m u n h ã o , c o m o é a g o ra c e le ­<br />

b ra d o a q u i, d o c u m e n ta u m a e s tu p id e z d a ra ç a . C o m o , m e u s c a r o s v iz in h o s ,<br />

o s d iá c o n o s , c o m s e u s c á lic e s e b a n d e ja s te r ia m s e a p ru m a d o n o s e u v ig o r<br />

s e a p r o p o s iç ã o v e io a e le s p a ra h o n r a r u m c o le g a ” . C o n tu d o o D r . L eo n a r d<br />

B a c o n d iz ia q u e o s u n itá rio s “ p a re c ia m c o m o s e a s u a c o n te m p la ç ã o e x c lu s i­<br />

v a d e J e s u s C ris to e m s e u c a r á te r h u m a n o c o m o e x e m p lo a im ita r m o s tiv e s s e<br />

o p e ra d o n e le s u m a e x c e p c io n a l b e le z a e s e m e lh a n ç a v iv a d e C r is to ” .<br />

C h a d w ic k , Otd and New Unitarían Belief, 20, fala do arianismo como exaltando<br />

a um grau de indiferença inapreciável de Deus, enquanto Socínio o<br />

venerava como um homem miraculosamente dotado e cria num livro infalível.<br />

O termo “unitário”, reivindica ele, deriva de “uniti”, uma sociedade naTransil-<br />

vânia, em apoio à tolerância mútua entre calvinistas, romanistas e socinia-<br />

nos. Tal nome se aplicava aos que defendiam a unidade divina porque eram<br />

os seus mais ativos membros. B. W. L o c k h a r t : “A Trindade garante a cognos-<br />

cibilidade de Deus. Á rio ensinava que Jesus nunca foi humano nem divino,<br />

mas criado num nível de ser entre os dois, essencialmente desconhecido do<br />

homem. Um Deus ausente fez de Jesus o seu mensageiro; o próprio Deus<br />

não tocou diretamente o mundo em qualquer ponto; desconhecido e desco-<br />

nhecível a este. A t a n á s io , ao contrário, afirmava que Deus não mandou um


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 9 1<br />

mensageiro em Cristo, mas ele mesmo veio, de sorte que, conhecer Cristo é<br />

realmente conhecer Deus, que essencialmente se revela nele. Foi ele que<br />

deu à igreja a doutrina do Deus imanente, ou Emanuel, o Deus cognoscível e<br />

verdadeiramente conhecido pelo homem, porque verdadeiramente está presente”.<br />

C h a p m a n , Jesus Christ and the Present Age, 14 - “O mundo nunca foi<br />

mais adiante do unitarismo do que hoje; podemos acrescentar que o unitaris-<br />

mo nunca foi além de si mesmo”.<br />

IV. E ST A T R IP E SSO A L ID A D E N ÃO É T R IT E ÍSM O ; P O IS,<br />

CONQUANTO H A JA T RÊS P E SSO A S, HÁ APE N AS U M A<br />

E SSÊ N C IA<br />

d) O termo ‘pessoa’ só representa aproxim adam ente a verdade. Apesar de<br />

que esta palavra mais aproxim adam ente do que qualquer outra, expressa a<br />

concepção que as Escrituras nos dão da relação entre Pai, Filho e Espírito<br />

Santo não é de si m esm a empregada nesta conexão na Escritura e empregamo-<br />

la em um sentido qualificado, não no sentido com um em que aplicamos a<br />

palavra ‘pessoa’ a Pedro, Paulo e João.<br />

A palavra ‘pessoa’ é apenas a expressão imperfeita e inadequada de um<br />

fato que transcende a nossa experiência e compreensão. B u n y a n: “Minhas<br />

obscuras e nebulosas palavras apenas conservam a verdade, como armários<br />

que guardam o ouro”. Três Deuses, limitando-se um ao outro, privariam reciprocamente<br />

a divindade um do outro. Enquanto mostramos que a unidade é<br />

articulada pelas pessoas, é igualmente importante lembrar que as pessoas<br />

são limitadas pela unidade. Para nós a pessoalidade implica separação total<br />

de todas as demais. Nele as distinções pessoais devem ser tais como são<br />

consistentes com a sua unidade. Este é o mérito da afirmação contida no<br />

Symbolum Quicumque (ou o erroneamente chamado Credo de Atanásio):<br />

“O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; entretanto não há três<br />

Deuses, mas um só. De igual modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o<br />

Espírito Santo é Senhor; contudo, não há três Senhores, mas um só Senhor.<br />

Porque como somos compelidos pela verdade cristã a reconhecer cada pessoa<br />

por si mesma como Deus e Senhor, do mesmo modo, pela mesma verdade,<br />

somos proibidos de dizer que há três Deuses ou três Senhores”. Acrescentamos<br />

que a pessoalidade de Deus como um todo é separada e distinta<br />

de todas outras e, a respeito disto, há maior analogia com a pessoalidade do<br />

homem do que com a do Pai e do Filho.<br />

A igreja de Alexandria no segundo século cantava: “Um só é santo, o Pai;<br />

Um só é santo, o Filho; Um só é santo, o Espírito”. M o b e r l y, Atonement and<br />

Personality, 154,167,168 - “As três pessoas nem são três Deuses, nem<br />

três partes de Deus. Ao invés disso são triplicemente, tripessoalmente Deus.<br />

... A distinção pessoal em Deus é interior e de unidade: Não se trata de uma<br />

distinção que qualifica a Unidade, ou usurpa o seu lugar, ou o destrói. Não se<br />

trata de uma relação de exclusão mútua, mas de inclusão. Nenhuma pessoa


4 9 2 Augustus Hopkins Strong<br />

é ou pode ser sem as outras. ... A pessoalidade do supremo e absoluto Ser<br />

não pode existir sem a reciprocidade autocontida de relações tais como Vontade<br />

e Amor. Porém a reciprocidade não seria real a menos que o sujeito que<br />

se torna objeto e o objeto que se torna sujeito fossem em cada lado semelhantemente<br />

e ao mesmo tempo pessoais. A unidade que tudo abrange é<br />

um modo mais elevado da unidade do que a do simples elemento distintivo.<br />

... Os discfpulos não devem ter a presença do Espírito em lugar do Filho, mas<br />

ter o Espírito é ter o Filho. Deus pessoal não é uma alternativa limitada para<br />

abstrações ilimitadas, tais como lei, santidade, amor, mas plenitude transcendente<br />

e inclusiva de todos eles. Os termos Pai e Filho sem dúvida são termos<br />

que surgem imediatamente dos fatos temporais da encarnação mais do que<br />

as relações eternas do ser divino. Contudo, são metáforas que significam<br />

bem mais na esfera espiritual que na material. Deste modo, pecado, juízo,<br />

graça, são metáforas. Mas em Jo. 1.1-18 não se emprega a palavra ‘Filho’,<br />

mas ‘Verbo’”.<br />

b) A qualificação necessária é que, enquanto três pessoas entre os homens<br />

têm só um a unidade específica de natureza ou essência - isto é, têm a mesma<br />

espécie de natureza ou essência, - as pessoas da divindade têm um a unidade<br />

num érica de natureza ou essência - isto é têm a m esm a natureza ou essência.<br />

A essência não dividida de Deus pertence igualm ente a cada um a das pessoas;<br />

Pai, Filho e Espírito Santo, cada um possui toda a substância e todos atributos<br />

da divindade. A pluralidade de Deus não é, portanto, pluralidade de essência,<br />

mas de distinções hipostáticas ou pessoais. Deus não é três e um, mas três em<br />

um. A essência una indivisível tem três modos de subsistência.<br />

Trindade não é um consórcio em que cada membro pode apor a sua assinatura;<br />

porque isto é apenas uma unidade de contrato e operação, não de<br />

essência. A natureza de Deus não é uma unidade abstrata, mas orgânica.<br />

Como um ser vivente, Deus não pode ser uma simples Mônada. A Trindade é<br />

o organismo da Divindade. O ser divino uno existe em três modos. A vida da<br />

parreira se faz conhecida na vida dos ramos e Cristo emprega esta união<br />

entre a parreira e os ramos para ilustrar a união entre o Pai e ele mesmo. (Ver<br />

Jo. 15.10 - “Se guardardes os meus mandamentos permanecereis no meu<br />

amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai<br />

e permaneço no seu amor”; cf. v. 5 - “eu sou a videira e vós as varas; quem<br />

está em mim e eu nele, este dá muito fruto”; 17.22,23 - “para que sejam um,<br />

como nós somos um. Eu neles e tu em mim”). Deste modo, no organismo do<br />

corpo, o braço tem a sua própria vida diferente da cabeça ou do pé, apesar de<br />

que a tem só participando da vida do todo. Ver D orner, System of Doctrine,<br />

1.450-453 - “A pessoalidade divina é tão presente em cada uma das distinções,<br />

que estas, que simplesmente e por si mesmas não seriam pessoais,<br />

contudo, participam da pessoalidade divina, cada uma a seu modo. Esta pessoalidade<br />

divina é a unidade dos três modos de subsistência que participam<br />

dela mesma. Também não é pessoal sem as outras. Em cada uma, a seu<br />

modo, está a divindade completa”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 493<br />

O corpo humano não é um organismo simples, mas complexo, uma unidade<br />

que abrange um número infinito de organismos subsidiários e dependentes.<br />

A vida do corpo manifesta-se na vida do sistema nervoso, da vida do<br />

sistema circulatório, e da vida do sistema digestivo. A destruição completa de<br />

qualquer um destes sistemas destrói os outros dois. A psicologia do mesmo<br />

modo que a fisiologia revela-nos a possibilidade de uma tríplice vida dentro<br />

dos limites de um só ser. No homem como indivíduo há às vezes uma dupla<br />

ou tripla consciência. H erbert S pencer, Autobiography, 1.459; 2.204 - “Presu-<br />

mo que as mentes mais ativas têm, mais ou menos freqüentes experiências<br />

de dupla consciência - uma parecendo tomar nota do que a outra está para<br />

fazer, e aplaudir ou censurar”. Ele menciona um exemplo da sua própria<br />

experiência. “Pode ser possível um pensamento bicéfalo, como há uma visão<br />

binocular? ... Em tais casos como se se estivesse prosseguindo bem afastado<br />

do consciente que parece constituir o meu eu: algum tipo de processo de<br />

elaboração de pensamentos coerentes apesar de que uma parte do meu eu<br />

seja um originador independente sobre cujas palavras e atos eu não tenha<br />

controle algum, e que em grande medida seja consistente; conquanto a outra<br />

parte do meu eu seja um espectador ou ouvinte passivo, completamente despreparado<br />

para muitas das coisas de que trata a primeira parte e que, contudo,<br />

embora inesperada, não seja ilógica”. Isto que pode ser mais do que uma<br />

consciência na mesma pessoalidade entre os seres humanos deve tornar-<br />

nos prudentes ao negar que possa haver três consciências em Deus.<br />

Genericamente a humanidade também é um organismo, e este fato<br />

empresta confirmação à afirmação paulina da interdependência orgânica.<br />

A sociologia moderna é a doutrina de uma vida constituída pela união de<br />

muitos. “Unus homo, nullus homo” é um princípio de ética assim como de<br />

sociologia. Ninguém pode ter consciência para consigo mesmo. A vida moral<br />

de um resulta da vida moral de todos e há uma interpenetração mútua. Contudo,<br />

todos os homens vivem, movem-se e existem em Deus (At. 17.28). Dentro<br />

dos limites da consciência universal e divina há uma múltipla consciência<br />

finita. Por que, então, pensar que é incrível que na natureza deste Deus uno<br />

haja três consciências infinitas? B aldwin, Psichology, 53,54 - “A integração<br />

da consciência finita numa abrangente consciência divina pode encontrar uma<br />

analogia na integração da consciência subordinada na personalidade unida<br />

do homem. No estado hipnótico, as múltiplas consciências podem ser induzidas<br />

no mesmo organismo nervoso. Na insanidade há uma consciência secundária<br />

em guerra com aquela que normalmente domina”. Schurman, Beliefin God,<br />

26, 161 - “O Espírito infinito pode incluir o finito, como a idéia de um simples<br />

organismo abrange dentro de uma só vida uma pluralidade de membros e<br />

funções. ... Todas as almas são partes ou funções da eterna vida de Deus,<br />

que é acima de todos, e através de todos, e em todos, e em quem vivemos,<br />

nos movemos e existimos”. Tiraríamos a conclusão de que, como no corpo e<br />

na alma do homem tanto individualmente como na raça, existe a diversidade<br />

na unidade e uma tríplice consciência e vontade consistentes com uma só<br />

essência e nela encontramos a sua perfeição.<br />

Pessoalidade de Deus é mais do que a pessoalidade do Filho e a do Espírito.<br />

A pessoalidade de Deus é distinta e separada de todas as outras e é, a<br />

este respeito, como a do homem. Por isso S hedd, Dogm. TheoL, 1.294, diz: é


4 9 4 Augustus Hopkins Strong<br />

melhor falar da pessoalidade da essência do que da sua pessoa-, porque a<br />

essência não é uma pessoa, mas três. ... A essência divina não pode ser ao<br />

mesmo tempo três pessoas e uma pessoa, se a palavra ‘pessoa’ for empregada<br />

numa significação; mas pode ao mesmo tempo ser três pessoas e um<br />

só Ser pessoal”. Conquanto falamos de um Deus que tem uma pessoalidade<br />

na qual há três pessoas, não devemos chamá-la de superpessoalidade, caso<br />

se pretenda que este termo sugira que a pessoalidade de Deus é menos que<br />

a do homem. A de Deus é inclusiva, ao invés de exclusiva.Com esta qualificação<br />

podemos concordar com as palavras de D’Arcy, Idealism and Theology,<br />

93,94,218,230, 236,254 - “A mais profunda verdade das coisas é que se deve<br />

conceber Deus como pessoal; mas deve-se crer que a última Unidade, que é<br />

a dele, é superpessoal. É uma unidade de pessoas, não uma unidade pessoal.<br />

Para nós, pessoalidade é a última forma da unidade. Com ele não é assim.<br />

Para ele todas as pessoas vivem se movem e existem. ... Deus é pessoal e<br />

superpessoal. Há nele uma unidade transcendente que pode abranger uma<br />

multiplicidade pessoal. ... Há em Deus uma unidade superpessoal na qual<br />

todas as pessoas são uma - [todas as pessoas humanas e as três divinas].<br />

... A substância é mais do que a qualidade e o sujeito é mais real que a substância.<br />

A mais real de todas é a totalidade concreta, o Universal todo inclusivo.<br />

... O que o amor luta para realizar - o domínio da oposição de pessoa para<br />

com a pessoa - atinge-se perfeitamente na Unidade divina. ... A pressuposição<br />

de que a filosofia está afastada - [de que pessoas têm uma base subjacente<br />

de unidade] é idêntica àquela em que se fundamenta a teologia cristã”.<br />

c) Esta unidade de essência explica o fato de que, enquanto Pai, Filho e<br />

Espírito Santo, a respeito de sua pessoalidade, são subsistências distintas, há<br />

um a intercomunhão de pessoas e um a im anência de um a pessoa divina na<br />

outra que permite a obra peculiar atribuir-se, com um a simples limitação, a<br />

qualquer um a das outras e a manifestação de um a se reconheça na manifestação<br />

de outra. A limitação é simplesmente esta, que, apesar de o Filho ser<br />

mandado pelo Pai e o Espírito pelo Pai e pelo Filho, não se pode dizer o<br />

contrário, que o Pai é m andado pelo Filho ou pelo Espírito. As representações<br />

da Escritura sobre esta intercomunhão impedem-nos de conceber tais distinções<br />

chamadas Pai, Filho e Espírito Santo como envolvendo separação entre<br />

elas.<br />

D orner acrescenta que “em um está cada um dos outros”. Isto é verdade<br />

com a limitação mencionada no texto acima. Qualquer coisa que Cristo faz,<br />

pode-se dizer que Deus, o Pai o faz; porque Deus age só em Cristo o Revelador<br />

e através dele. Qualquer coisa que o Espírito Santo faz, pode-se dizer<br />

que Cristo faz; porque o Espírito Santo é o Espírito de Cristo. O Espírito é o<br />

Jesus onipresente; o dito de B engel é verdadeiro: “Ubi Spiritus, Ibi Christus”<br />

(Onde está o Espírito, ali está Cristo). Seguem-se passagens que ilustram<br />

esta intercomunhão: Gn. 1.1 “Criou Deus”; cf. Hb. 1.2 - “por quem [o Filho] fez<br />

também o mundo”; Jo. 5.17,19 - “Meu Pai trabalha até agora e eu trabalho


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 9 5<br />

também. ... o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir<br />

fazer o Pai, porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente”; 14.9 -<br />

“quem me vê a mim vê o Pai”; 11 - “eu no Pai e o Pai em mim”; 18 - “não vos<br />

deixarei órfãos; voltarei para vós”, (através do Espírito); 15.26 - “quando vier<br />

o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito da<br />

verdade”; 17.21 - “para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e<br />

eu em ti”; 2 Co. 5 .1 9 - “Deus estava em Cristo reconciliando”; Tt. 2 .1 0 - “Deus,<br />

nosso Salvador”; Hb. 12.23 - “Deus, o juiz de todos”; cf. Jo. 5.22 - “E também<br />

o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo”; At. 17.31 - “com justiça<br />

há de julgar o mundo por meio do varão que destinou”.<br />

É esta intercomunhão, juntamente com a ordem da pessoalidade e operação<br />

a ser mencionada mais adiante que explica o emprego ocasional do termo<br />

‘Pai’ aplicado à divindade toda; como em Ef. 4.6 - “um só Deus e Pai de<br />

todos, o qual é sobre todos, e por todos [em Cristo], e em todos [através do<br />

Espírito]”. Esta intercomunhão também explica a designação de Cristo como<br />

“o Espírito”, e do Espírito como “o Espírito de Cristo”, como em 1 Co. 15.45 -<br />

“o último Adão em espírito vivificante”; 2 Co. 3.17 - “Ora, o Senhor é espírito”;<br />

Gi. 4.6 - “enviou o Espírito de seu Filho”; Fp. 1.19 - “socorro do Espírito de<br />

Jesus Cristo” (uerALFORD e Lange sobre 2 Co. 3.17,18). Do mesmo modo<br />

Lamb, em Ap. 5.6, “sete pontas e sete olhos, que são os sete Espíritos de<br />

Deus enviados a toda a terra” = o Espírito Santo, com suas múltiplas forças,<br />

é o Espírito do Cristo onipotente, onisciente e onipresente. Teólogos têm<br />

designado esta intercomunhão através dos termos jrepixwpricriç, circuminces-<br />

sio, intercommunicatio, circulatio, inexistentia. A palavra ovaía é empregada<br />

para denotar essência, substância, natureza, ser; e as palavras rcpóaco7tov e<br />

•órcócrtacnç, para pessoa, distinção, modo de subsistência. Sobre os empregos<br />

mutantes das palavras npóoaraov e 'ójióaraaiç, ver Dorner, Glaubenslehre,<br />

2.321, nota 2.<br />

O Espírito Santo é o alter ego de Cristo, ou outro eu. Quando Jesus se<br />

retirou, ocorreu uma mudança da sua presença para a sua onipresença; do<br />

poder limitado para o ilimitado; do companheirismo para a morada dentro do<br />

crente. Porque Cristo vem ao homem no Espírito Santo, ele fala através dos<br />

apóstolos com tanta autoridade como se os seus próprios lábios proferissem<br />

as palavras. Cada crente, tendo o Espírito Santo, tem toda a pessoa de Cristo;<br />

ver A. J. G ordon, Ministry ofthe Spirit., G ore, Incarnation, 218 - “As pessoas<br />

da Santa Trindade não são indivíduos separáveis. Cada um envoive os<br />

outros; a vinda de cada um é a dos outros. Deste modo a vinda do Espírito<br />

deve ter envolvido a vinda do Filho. Mas a especialidade do dom do Pente-<br />

costes parece ser a vinda do Espírito Santo daquela humanidade do Filho<br />

encarnado, que ascendeu e foi glorificada. O Espírito é o doador da vida, mas<br />

a vida em que ele opera na igreja é a do Encarnado, a vida de Jesus”.<br />

M oberly, , 85 - “Durante séculos e séculos, a unidade essencial de Deus<br />

tem sido queimada e marcada na consciência de Israel. Primeiro teve de ser<br />

totalmente estabelecida, como elemento básico do pensamento, indispensável<br />

inalterável, antes que, para o homem, pudesse começar a revelação da<br />

realidade das relações eternas dentro do indivisível ser de Deus. Ao chegar<br />

tal revelação, não houve modificação, mas interpretação e iluminação, da<br />

unidade proposta de forma absoluta”. E. G. Robinson, Christian Theology, 238


4 9 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

- Existe uma dificuldade extrema em fazer qualquer afirmação de uma trindade<br />

que, por um lado, não se transforme em triteísmo, e por outro, num mero<br />

modismo. É muito natural que C alvino fosse acusado de sabelianismo, e J ohn<br />

H owe de triteísmo”.<br />

V. AS TRÊS PESSOAS, PAI, FILHO, E ESPÍRITO SANTO, SÃO<br />

IGUAIS<br />

Como explicação, note que:<br />

l . Estes títulos pertencem às Pessoas<br />

a) O Pai não é Deus como tal; pois Deus não é só Pai, mas Filho e Espírito<br />

Santo. O termo ‘P ai’ designa a distinção hipostática na natureza divina em<br />

virtude da qual Deus se relaciona com o Filho e através do Filho e do Espírito<br />

Santo com a igreja e com o mundo. Como autor da vida espiritual e da natural<br />

do crente, Deus é duplam ente seu Pai; mas esta relação que Deus sustenta<br />

com as criaturas não é a base do título. Deus é Pai primeiro em virtude da<br />

relação que sustenta com o Filho eterno; só quando nos unimos espiritualmente<br />

a Jesus Cristo tom am o-nos filhos de Deus.<br />

b) O Filho não é Deus como tal; pois Deus não é só Filho, mas também Pai<br />

e Espírito Santo. ‘O Filho’ designa a distinção em virtude da qual Deus se<br />

relaciona com o Pai, é enviado pelo Pai para redim ir o mundo e com o Pai<br />

envia o Espírito Santo.<br />

c) O Espírito Santo não é Deus como tal; pois Deus não é só Espírito Santo,<br />

mas também Pai e Filho. ‘O Espírito Santo’ designa esta distinção em<br />

virtude da qual Deus se relaciona com o Pai e com o Filho e é enviado por eles<br />

para cum prir a obra de renovar os ímpios e santificar a igreja.<br />

Nenhum destes nomes designa a Mônada como tal. Cada um designa<br />

esta distinção pessoal que forma a base eterna e fundamento para uma revelação<br />

particular. No sentido de ser o Autor e provedor da vida natural do<br />

homem, Deus é Pai de todos. Mas mesmo esta filiação natural é mediada por<br />

Jesus Cristo; ver 1 Co. 8.6 - “um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas<br />

as coisas, e nós por ele”. Contudo, a expressão “Nosso Pai” pode ser empregada<br />

como a mais elevada verdade pelo regenerado que de Deus nasceu de<br />

novo, unindo-se a Cristo através do Espírito Santo. Ver Gl. 3.26 - “Porque vós<br />

sois filhos de Deus, em Jesus Cristo”; 4.4-6 - “Deus enviou seu Filho ... para<br />

que recebêssemos a adoção de filhos ... enviou o Espírito do seu Filho aos<br />

nossos corações, que clama: Aba, Pai”; Ef. 1.5 - “e nos predestinou para<br />

filhos de adoção por Jesus Cristo”. O amor de Deus por Cristo é a medida do<br />

seu amor por aqueles que são um em Cristo. A natureza humana em Cristo<br />

eleva-se à vida e comunhão da Trindade eterna.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 9 7<br />

A paternidade humana é um reflexo da divina, mas a recíproca não é verdadeira;<br />

a divina não é um reflexo da humana; cf. Ef. 3.14,15 - “o Pai, do qual<br />

toda a família (rccupiá) nos céus e na terra toma o nome”. C hadwick, Unitaria-<br />

nism, 77-83, faz o nome do ‘Pai’ apenas um símbolo da grande Causa da<br />

evolução orgânica, o Autor de todos os seres. Mas podemos retrucar com<br />

S treans, Evidence of Chrístian Experíence, 177 - “conhecer Deus fora da<br />

esfera da redenção não é conhecê-lo no mais profundo sentido do termo ‘Pai’.<br />

Só através do Filho é que o conhecemos: Mt. 11.27 - ‘Ninguém conhece o Pai<br />

senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar’ “.<br />

W hiton, Gloria Patri, 38 - “Só se pode conhecer o invisível através do<br />

visível que provém daquele. Aquele que gera todos ou a Vida Paternal que<br />

nos é oculta só pode ser conhecido pelos que foram gerados e os que têm a<br />

Vida Filial em que se revela. A bondade e a justiça que habita a eternidade só<br />

pode ser conhecida através da bondade e justiça que provém da referida<br />

eternidade nos sucessivos nascimentos do tempo. Deus acima do mundo só<br />

se faz conhecido através de Deus no mundo. O Pai, Deus transcendente, é<br />

revelado através do Filho, Deus imanente”. Faber: “Ó maravilhoso e adorável<br />

Deus! Não se ouve um só cântico, ou um único som, a não ser em toda a<br />

parte e a toda hora, no amor, na sabedoria e na força; o Pai profere o seu<br />

dileto Verbo eterno”. Podemos interpretar isso como significando que a própria<br />

expressão é uma necessidade da natureza de uma Mente infinita. Por<br />

isso o Verbo é eterno. Cristo é o espelho do qual brilham sobre nós os raios<br />

do invisível Luminar. O Reitor Fairbairn diz: “A teologia não deve estar no seu<br />

lado cristocêntrico histórico, mas no seu lado teocêntrico doutrinário”.<br />

Salmond, Expositor’s Greek Testament, sobre Ef. 1.5 - “Para Paulo, ‘adoção’<br />

não significa a concessão dos plenos privilégios da família daqueles que<br />

originariamente não são filhos e por direito na relação própria dos que são<br />

filhos por nascimento. Por isso nunca se afirma em Cristo a moSecna, pois só<br />

ele é Filho de Deus por natureza. Deste modo Paulo não considera que a<br />

nossa filiação está na relação natural dos homens para com Deus como filhos,<br />

mas implicando a nova relação da graça, encontrada na relação pactuai<br />

com Deus e na obra de Cristo (Gi. 4.5 sq.)".<br />

2. Sentido qualificado destes títulos<br />

Como a palavra ‘pessoa’, os nomes Pai, Filho e Espírito Santo não devem<br />

ser confinados às precisas limitações de sentido que requereriam se aplicados<br />

aos homens.<br />

a) As Escrituras ampliam nossas concepções da filiação de Cristo, dando a<br />

ele em seu estado preexistente os nomes de Logos, Im agem e Resplendor de<br />

Deus. - O termo ‘L ogos’ com bina em si duas idéias de pensamento e palavra,<br />

de razão e expressão. Enquanto o Logos com o pensam ento divino ou razão é<br />

um com Deus, o Logos como palavra divina ou expressão distingue-se de<br />

Deus. Palavras são significados pelos quais os seres pessoais expressam-se ou<br />

revelam-se. Porque Jesus Cristo era “o Verbo” antes que houvesse criaturas a


4 9 8 Augustus H opkins Strong<br />

quem as revelações pudessem ser feitas, parece que só é necessária a inferência<br />

deste título que em Cristo deve ser desde a eternidade expresso e revelado<br />

a si mesmo; em outras palavras, que o Logos é o princípio da verdade, ou<br />

autoconsciência em Deus. - O termo ‘Im agem ’ sugere as idéias de cópia ou<br />

contrapartida. O hom em é a im agem de Deus só de um modo relativo e derivado.<br />

Cristo é a imagem de Deus de m odo absoluto e arquétipo. Como a perfeita<br />

representação das perfeições do Pai, o Filho parece ser o objeto e princípio do<br />

amor em Deus. - O termo ‘R esplendor’, finalm ente, é um a alusão ao sol e su£<br />

radiação. Como o resplendor do sol m anifesta a natureza do sol, que doutra<br />

forma não seria revelado, ainda inseparável do sol e sempre com ele, assim<br />

Cristo revela Deus, mas é eternam ente um com Deus. Eis aqui um princípio de<br />

movimento, da vontade, que parece estabelecer conexão dele mesmo com a<br />

santidade, ou pureza autodeclarante da natureza divina.<br />

S mith, Introd. to Edward’s Observations on the Trinity. “As relações ontoló-<br />

gicas das pessoas da Trindade não são um simples vácuo no pensamento<br />

humano”. Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo” - significa mais do que “no<br />

princípio era o x, o zero”. Na verdade G odet diz que o Logos = ‘razão’ só nos<br />

escritos filosóficos, mas nunca nas Escrituras. A isto ele chama de noção<br />

hegeliana. Porém tanto Platão quanto Filo tinham feito esta uma significação<br />

comum. Sobre o Xóyoq como = razão + fala ver L ightfoot sobre Cl, 369 -<br />

Logos = “Revelador eterno da essência divina”. B ushnell: “Espelho da imaginação<br />

criadora”; “forma de Deus”.<br />

Verbo = 1. Expressão; 2. Expressão definida; 3. Expressão ordenada;<br />

4. Expressão completa. Nós fazemos o pensamento definido pondo-o em linguagem.<br />

Deste modo, a riqueza de idéias de Deus está no Verbo formado<br />

num Reino ordenado, um verdadeiro Cosmos; ver M ason, Faith ofthe Gospel,<br />

76. M ax M üller: “A palavra é tão somente o pensamento expresso como som<br />

de forma audível. Tire o som da palavra e o que resta é somente o seu pensamento”.<br />

W hiton, Gloria Patri, 72,73 - “O grego via na palavra o permanente<br />

pensamento através da forma passageira. O Verbo era Deus e, contudo, finito<br />

- finito só quanto à forma, infinito quanto ao que a forma sugere ou expressa.<br />

O Verbo deve sugerir alguma forma e qualquer forma é finita. O Verbo é a<br />

forma tomada pela Inteligência infinita que transcende a todas formas”. Consideramos<br />

esta identificação do Verbo com a manifestação finita do Verbo em<br />

contradição com Jo. 1.1, onde o Verbo é representado como existindo antes<br />

da criação, e em Fp. 2.6, onde o Verbo é representado existindo na forma de<br />

Deus antes da sua autolimitação na natureza humana. A Escritura requer de<br />

nós que creiamos numa objetivação do próprio Deus na pessoa do Verbo<br />

antes de qualquer manifestação finita de Deus ao homem. Cristo existia como<br />

Verbo e o Verbo como Deus antes que ele se fizesse carne e antes que o<br />

mundo viesse a ser; a saber, o Logos era o princípio eterno da verdade ou a<br />

consciência própria na natureza de Deus.<br />

Eis aqui passagens que representam Cristo como a imagem de Deus:<br />

Cl. 1.15 - “o qual é a imagem de Deus invisível”; 2 Co. 4.4 - “Cristo, que é a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 4 9 9<br />

imagem (eíkcov) de Deus”; Hb. 1.3 - “a imagem expressa da sua pessoa<br />

(xapotKtrip ir\q v K o a x á c e a iç amo®)”; aqui xccpcoc-crip significa ‘impressão’, ‘contrapartida’.<br />

Cristo é a imagem perfeita de Deus, como os homens não o são.<br />

Por isso ele tem consciência e vontade. Ele possui todos os atributos e poderes<br />

de Deus. A palavra ‘imagem’ sugere a igualdade perfeita a Deus que o<br />

título ‘Filho’ a princípio parece negar. A imagem viva de Deus que é igual a ele<br />

mesmo e que é o objeto do seu amor infinito não pode ser nada menos que<br />

pessoal. Como o solteiro nunca pode satisfazer o seu anseio por companheirismo<br />

alinhando o quarto com espelhos que apenas fornecem um reflexo sem<br />

vida de si mesmo, assim também Deus requer para o seu amor pessoal do<br />

mesmo modo um objeto infinito. A Imagem não é precisamente a repetição<br />

do original. A marca do selo não é precisamente a reprodução do selo.<br />

As letras no reverso do selo podem ser facilmente ser lidas só quando a<br />

impressão está diante de nós. Do mesmo modo Cristo é a interpretação e a<br />

revelação do Deus invisível. Como apenas no amor chegamos a conhecer as<br />

profundezas do nosso ser, assim também apenas no Filho é que “Deus é<br />

amor” (1 Jo. 4.8).<br />

Cristo é citado como o Resplendor de Deus em Hb. 1.3 - “que, sendo o<br />

resplendor da sua glória” (à7iat>YC(0|ia Tfjç Só^-nç); cf. 2 Co. 4.6 - “resplandeceu<br />

em vossos corações, para a iluminação do conhecimento da glória de<br />

Deus, na face de Jesus Cristo”. Note que o brilho do sol é tão velho quanto o<br />

próprio sol e sem ele o sol não seria o que é. Do mesmo modo Cristo é igual<br />

e coeterno com o Pai. SI. 84.11 - “o Senhor Deus é um sol”. Entretanto, não<br />

podemos ver o sol a não ser através da sua luz. Cristo é a luz solar que flui<br />

do Sol e que torna este visível. Se há um Sol eterno, deve haver também<br />

uma Luz Solar eterna e Cristo deve ser eterno. W e s tc o tt sobre Hb. 1.3 -<br />

“O emprego do termo intemporal e absoluto co[v, ‘sendo’ protege contra o pensamento<br />

de que a filiação do Senhor não é por natureza, mas por adoção,<br />

àjtaúyacua não expressa pessoalidade e xapctK-crip não expressa coexistência.<br />

As duas palavras se relacionam exatamente do mesmo modo que<br />

ònoo-òaioç e novoyevnç, e como devem ser combinados a fim de dar a plenitude<br />

da verdade. A verdade assim expressa sustenta de modo autêntico o que<br />

é absolutamente bom. ... Em Cristo distingue-se a essência de Deus; em<br />

Cristo se vê a revelação do caráter de Deus”.<br />

b) Os nomes assim dados à segunda pessoa da Trindade, se têm qualquer<br />

significação, trazem-no para diante das nossas mentes no aspecto geral de<br />

Revelador e sugerem um a relação da doutrina da Trindade com a verdade,<br />

amor e santidade, atributos imanentes de Deus. As preposições empregadas<br />

para descrever as relações internas da segunda pessoa com a prim eira não são<br />

preposições de repouso, mas de direção e movimento. A Trindade como organismo<br />

da Divindade garante um m ovimento de vida de Deus, processo em que<br />

sempre se objetiva e no Filho anuncia sua plenitude. Cristo representa a ação<br />

centrífuga da divindade. Mas deve haver também a ação centrípeta. No Espírito<br />

Santo o movimento se com pleta e a atividade divina e o pensamento retomam


5 0 0 Augustus Hopkins Strong<br />

para si mesm os. A verdadeira religião, trazendo-nos de volta para Deus,<br />

reproduz em nós, dentro de nossos limites, este eterno processo da mente divina.<br />

A experiência cristã testem unha que Deus em si mesmo é desconhecido;<br />

Cristo é o órgão da revelação externa; o Espírito Santo é o órgão da revelação<br />

interna - só ele pode dar-nos a apreensão interior ou entendimento da verdade.<br />

É “através do Espírito eterno” que Cristo “se ofereceu sem m ácula diante<br />

de Deus” e é só através do Espírito Santo que a igreja tem acesso ao Pai, ou as<br />

criaturas decaídas podem voltar-se para Deus .<br />

Aqui vemos que Deus é Vida, Vida auto-suficiente, Vida infinita, da qual a<br />

vida do universo é apenas um reflexo, um filete da fonte, uma gota no oceano.<br />

Visto que Cristo é o único Revelador, o único princípio proveniente de Deus é<br />

aquele em quem vem a ser e se mantém unida. Ele é a vida da natureza; toda<br />

a beleza natural e grandiosidade, todas as forças moleculares e molares,<br />

todas as leis da gravitação e da evolução, operam e manifestam o Cristo<br />

onipresente. Ele é a vida da humanidade: os impulsos intelectuais e morais<br />

do homem até onde eles são normais e relevantes, devem-se a Cristo; ele é<br />

o princípio do progresso e aprimoramento da história. Ele é a Vida da igreja; o<br />

único e exclusivo Redentor e cabeça espiritual da raça além de seu Mestre e<br />

Senhor.<br />

Toda revelação objetiva de Deus é obra de Cristo. Mas toda a manifestação<br />

subjetiva de Deus é obra do Espírito Santo. Como Cristo é o princípio de<br />

toda a saída, do mesmo modo o Espírito Santo é o princípio da volta para<br />

Deus. Deus levanta as criaturas finitas para si mesmo, sopra nelas o seu<br />

espírito ensinando-os a lançar os seus barquinhos na corrente infinita da sua<br />

vida. Nossos carros elétricos podem galgar as montanhas em grande velocidade<br />

desde que presos aos cabos. A fé é o apoio que nos liga à energia<br />

movedora de Deus. “O universo é a ligação de volta”, porque o Espírito Santo<br />

está sempre transformando a revelação objetiva em subjetiva e dirigindo de<br />

um modo consciente ou inconsciente os homens a fim de apropriar o pensamento<br />

e o amor e o propósito daquele em quem todas as coisas acham<br />

o objetivo e o fim “porque dele, por ele e para ele são todas as coisas”<br />

(Rm. 11.36); aqui há uma alusão ao Pai como a fonte, o Filho como um meio,<br />

e o Espírito como agente aperfeiçoador e complementador, nas operações de<br />

Deus. Mas todos esses processos externos são apenas sinais e reflexos finitos<br />

de um processo interno de vida na direção da natureza de Deus.<br />

M eyer sobre Jo. 1.1 - “o Verbo estava com Deus”: jtpòç xòv Oeóv não =<br />

Ttapà râ> ôecò, mas expressa a existência do Logos em Deus com respeito ao<br />

intercâmbio. A essência moral desta comunhão essencial é o amor, que<br />

exclui qualquer concepção modal. “ M arcus Dods, Expositor’s Greek Testa-<br />

ment, in loco: “Esta preposição implica intercâmbio e, por isso, pessoalidade<br />

separada”.<br />

M ason, Faith of the Gospel, 62 - “E o Verbo estava com Deus” = o seu<br />

rosto não estava fora, como se estivesse apenas revelando, ou esperasse<br />

revelar, Deus na criação. O seu rosto estava voltado para o interior. Sua pessoa<br />

inteira se dirigia para Deus, movimento correspondendo a movimento,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 501<br />

pensamento a pensamento. ... Nele Deus se revela a si mesmo. Estabeleça<br />

um contraste da atitude de Adão após o pecado, com o seu rosto desviado de<br />

Deus. G odet, sobre Jo. 1.1 - “npòç -tòv 6eóv não só indica pessoalidade, mas<br />

movimento. ... A tendência do Logos ad extra apoia-se numa anterior e<br />

essencial relação ad intra. Para revelar Deus é preciso conhecê-lo; para projetá-lo<br />

exteriormente é preciso mergulhar no seu seio”. Compare com Jo. 1.18<br />

- “O Filho unigênito, que está no seio do Pai” onde não achamos, év w> kóXtoo,<br />

mas etç dòv kóXttov. Como fjv eíç rítv rcóXiv significa ‘foram para a cidade e<br />

estavam ali’, do mesmo modo o emprego destas preposições indica em Deus<br />

movimento assim como repouso. A preposição então deve implicar que o<br />

Revelador, que existia no princípio, estava sempre junto a Deus no processo<br />

de vida da Trindade, como a perfeita objetivação de si mesmo.<br />

Há em toda a inteligência humana uma triplicidade que aponta para<br />

uma vida trinitária em Deus. Podemos distinguir um Wissen (saber), uma<br />

Bewusstsein (consciência), uma Selbstbewusstsein (autoconsciência). Na auto-<br />

consciência completa há os três elementos: 1. Nós somos nós mesmos;<br />

2. Nós formamos um Quadro de nós mesmos; 3. Nós reconhecemos este<br />

quadro como nós mesmos. O menininho fala de si mesmo na terceira pessoa:<br />

“Nenê fez”. O objeto vem antes do sujeito; “me” vem antes e em estágio mais<br />

avançado vem o eu; “a si mesmo” ainda mantém o seu lugar antes de “ele<br />

mesmo”. Mas esta dualidade só pertence à inteligência não desenvolvida; é<br />

caraterística da criação animal; voltamos para ela nos nossos sonhos; os<br />

insanos são vítimas permanentes disso; visto que o pecado é insanidade moral,<br />

o pecador não tem nenhuma esperança até que, como o filho pródigo, ele<br />

“caia em si”(Lc. 15.17). O insano é mente alienatuse falamos ao médico que<br />

se trata de um alienista. A simples dualidade nos dá apenas a noção de separação.<br />

A perfeita consciência própria quer no homem quer em Deus requer<br />

um terceiro elemento unificador. E em Deus a mediação entre o “eu” e o “tu”<br />

deve ser obra de uma Pessoa, e a Pessoa que medeia entre os dois deve ser<br />

em qualquer respeito o igual a ambos ou ele não pode adequadamente interpretar<br />

um ao outro.<br />

Dogm. Theol., 1.179-189, 2 7 6 - 2 8 3 - “É um dos efeitos da convicção através<br />

do Espírito Santo a fim de converter a consciência em consciência própria,<br />

... A convicção do pecado é a consciência do eu como autor culpado<br />

pelo pecado. A consciência própria é trina enquanto a consciência simples é<br />

dúplice. ... um e o mesmo espírito humano subsiste em dois modos ou distinções:<br />

sujeito e objeto. ... As três consciências hipostáticas em sua combinação<br />

e unidade constituem a consciência de Deus ... como as três pessoas<br />

formam uma só essência”.<br />

Dorner considera as relações internas da Trindade (System, 1.412 sq.)<br />

em três aspectos: 1. Físico. Deus é causa sui. Mas o efeito igual à causa deve<br />

ser causativo. Aqui estaria a dualidade, se não fosse o terceiro princípio da<br />

unidade. Trinitas dualitatem ad unitatem reducit (A Trindade reduz a dualidade<br />

à unidade). 2. Lógico. A consciência própria estabelece o eu sobre o eu.<br />

Contudo, o pensador não deve considerar o eu como um dos muitos, e chamar<br />

a si mesmo de ‘ele’, como fazem as crianças; porque então o pensador<br />

não seria um aufoconsciente, mas mente alienatus, ‘ao lado de si mesmo’.<br />

Por isso ele ‘cai em si’ na terceira pessoa como não acontece com o bruto.


5 0 2 Augustus Hopkins Strong<br />

3. Ético. Deus = direito de querer por si mesmo. Mas o direito derivado de<br />

uma vontade arbitrária não será direito. O direito baseado na natureza passiva<br />

também não é direito. Direito como um ser = Pai. Direito como vontade =<br />

Filho. Sem este último princípio de liberdade, temos uma ética morta, um<br />

Deus morto, uma necessidade entronizada. A unidade entre a necessidade<br />

e a liberdade é encontrada por Deus, assim como pelo cristão, no Espírito<br />

Santo. O Pai = eu; o Filho = me; o Espírito = unidade dos dois. Não deve<br />

haver apenas o Sol e a luz solar, mas o olho para contemplar a Luz. W illiam<br />

James, em Psichology, distingue o Me, o eu conhecido, do Eu, o eu como<br />

conhecedor.<br />

E brard, Dogmatik, 1.172, fala do Filho como o movimento centrífugo,<br />

enquanto o Espírito Santo é o movimento centrípeto de Deus. Deus, independentemente<br />

de Cristo, é o não revelado (Jo. 1.18 - “Deus nunca foi visto por<br />

alguém”); Cristo é o órgão da revelação exterior (“O Filho unigênito, que está<br />

no seio do Pai, este o fez conhecer”); o Espírito Santo é o órgão da revelação<br />

interna (1 Co. 2 .1 0 - “Mas Deus no-las revelou pelo Espírito”). Que o Espírito<br />

Santo é o princípio de todo o movimento para Deus aparece em Hb. 9.14 -<br />

“Cristo, pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus”;<br />

Ef. 2.18 - “acesso ao Pai em um mesmo Espírito”; Rm. 8.26 - “o Espírito<br />

ajuda as nossas fraquezas ... o Espírito intercede por nós”; Jo. 4.24 - “Deus é<br />

espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito; 16.8-11 -<br />

“convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo”. Mason, Faith of the<br />

Gospel, 68 - “É o gozo do Filho de receber, sua alegria ao saudar mais aqueles<br />

desejos do Pai que mais custam para ele mesmo. O Espírito também tem<br />

sua alegria ao tornar conhecido; ao aperfeiçoar a comunhão e conservar vivo<br />

o amor eterno que soa incessante desde as profundezas que ele torna o<br />

coração do Pai conhecido ao Filho, o coração do Filho ao Pai”. Podemos<br />

acrescentar que o Espírito Santo é o órgão da revelação interna até mesmo<br />

ao Pai e ao Filho.<br />

c) À luz do que já se disse, podemos entender um pouco mais completamente<br />

as diferenças características entre a obra de Cristo e a do Espírito Santo.<br />

Podemos resumi-las nas quatro afirmações: primeira: toda saída parece<br />

obra de Cristo e todo retom o para Deus obra do Espírito; segundo: Cristo é o<br />

órgão da revelação exterior e o Espírito Santo o órgão da revelação interior:<br />

terceiro: Cristo é o nosso advogado no céu e o Espírito Santo é o advogado em<br />

nossa alma; quarto: na obra de Cristo somos passivos e na obra do Espírito<br />

somos ativos. Trataremos da obra de Cristo mais plenam ente adiante, quando<br />

falarmos dos ofícios de Profeta, Sacerdote e Rei. Tratar-se-á da obra do Espírito<br />

Santo quando falarmos da aplicação da redenção na regeneração e santificação.<br />

E suficiente dizer aqui que o Espírito Santo é representado nas Escrituras<br />

como o autor da vida - na criação, na concepção de Cristo, na regeneração,<br />

na ressurreição; e como doador da luz - na inspiração dos escritores da Bíblia,<br />

em convencer os pecadores, na iluminação e santificação dos cristãos.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 503<br />

Gn. 1.2 - “O Espírito de Deus pairava”; Lc. 1.35 - a Maria: “Descerá sobre<br />

ti o Espírito Santo”; Jo. 3.8 - “nascido do Espírito”; Ez. 37.9,14 - “Vem dos<br />

quatro ventos, ó espírito ... Porei em vós o meu Espírito, e vivereis”; Rm. 8.11<br />

- “vivificará o vosso corpo mortal pelo seu Espírito”. 1 Jo. 2.1 - “um advogado<br />

(jtapáKXTytov) para com o Pai, Jesus Cristo, o justo”; Jo. 14.16,17 - “outro<br />

Consolador (TtapáKX/rytov), para que fique convosco para sempre, o Espírito<br />

da verdade”; Rm. 8.26 - “o Espírito intercede por vós”; 2 Pe. 1.21 - “homens<br />

santos de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo”; Jo. 16.8 - “convencerá<br />

o mundo do pecado”; 13 - “quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos<br />

guiará em toda a verdade”; Rm. 8 .1 4 - “todos os que são guiados pelo Espírito<br />

de Deus, esses são filhos de Deus”;<br />

M cC osh: As palavras do Espírito são Convicção, Conversão, Santificação,<br />

Consolação. Donovan: O Espírito é de convicção, iluminação, reconhecimento<br />

do pecado; e de revelação, lembrança, testemunho, santificação, consolação<br />

para o Santo. O Espírito ilumina o pecador, como um lampejo ilumina o<br />

viajante que tropeça à beira do precipício à noite; ilumina o cristão quando,<br />

surgindo o sol, revela uma paisagem que já se encontrava diante dele, mas<br />

que estava oculta aos seus olhos até que o grande luminar a tornou visível.<br />

“A luz matinal não criou o amável projeto que ela revelou; apenas mostrou o<br />

real estado daquilo que as trevas ocultavam”. A defesa de Cristo perante o<br />

trono é como aquele conselho legal em nossa defesa; a defesa do Espírito<br />

Santo no coração é como a mãe que ensina o seu filho a orar por si mesmo.<br />

J. W. A. Stewart: “Sem a obra do Espírito Santo teria sido impossível a<br />

redenção, tão impossível como ao combustível aquecer sem acendê-lo, ou o<br />

pão não nutriria se não se comesse. Cristo é Deus entrando na história humana,<br />

mas, sem o Espírito, o cristianismo só seria história. O Espírito é Deus<br />

entrando nos corações humanos. O Espírito Santo vivifica o credo. Cristo é o<br />

médico que deixa o remédio e retira-se. O Espírito Santo é o enfermeiro que<br />

aplica e administra o remédio e fica com o paciente até que se complete a<br />

cura”. M atheson, Voices of the Spirit, 78 - “De nada vale existir o espelho no<br />

compartimento, se ele está iludindo o seu rosto; os raios solares chegar não<br />

podem chegar se o rosto estiver encoberto a eles. O céu está em torno de ti<br />

não só na tua infância, mas sempre. Entretanto, não basta haver um lugar<br />

preparado para ti; tu deves estar preparado para o lugar. Não basta que a tua<br />

luz tenha vindo; tu mesmo deves levantar-te e brilhar. Nenhum brilho externo<br />

pode revelar, a não ser que tu mesmo sejas o refletor da sua glória. O Espírito<br />

deve pôr-se em ti ou aos teus pés para que tu possas ouvir o que ele te<br />

diz (Ez. 2.2)”.<br />

O Espírito Santo não revela a sua pessoa, mas a de Cristo. Jo. 16.14 —<br />

“Ele me glorificará porque há de receber de mim e vo-lo-á de anunciar”. Deste<br />

modo devem os servos do Espírito ocultar-se enquanto anunciam Cristo.<br />

E. H. J ohnson, The Holy Spirit, 40 - “Há alguns anos uma grande locomotiva<br />

toda envidraçada apresentou-se por volta do campo. Quando entrou em operação<br />

podiam ser vistos o pistão e as válvulas em funcionamento; mas não se<br />

via o que as fazia funcionar. Quando o vapor está bem quente, a ponto de se<br />

dilatar, é invisível”. Do mesmo modo percebemos a presença do Espírito Santo<br />

não através de visões ou de vozes, mas através do efeito que ele produz<br />

dentro de nós na forma de um novo conhecimento, de um novo amor, e de


5 0 4 Augustus Hopkins Strong<br />

uma nova energia das nossas forças. D enney, Studies in Theology, 161 - “Ninguém<br />

pode testemunhar de Cristo e de si ao mesmo tempo. Esprit é fatal à<br />

unção; ninguém pode dar a impressão de que ele mesmo é inteligente e que<br />

Cristo é poderoso para salvar. Só se sente o poder do Espírito Santo quando<br />

a testemunha está inconsciente de si e os outros continuam inconscientes<br />

dele”. M oule, Veni Creator(Vem, ó Criador), 8 - “Como dizT ertuliano, o Espírito<br />

Santo é o vigário de Cristo. Na noite que antecedeu à crucificação, o<br />

Espírito Santo estava presente na mente de Cristo como uma pessoa”.<br />

G o r e , L u x Mundi, 318 - “Acusa-se Orígenes de que a sua linguagem<br />

parece envolver uma exclusão do Espírito Santo da natureza e uma limitação<br />

da sua atividade na igreja. A sua vida toda sem dúvida é dele. E ainda, porque<br />

o seu atributo especial é a santidade, só nas naturezas racionais é que são<br />

capazes da santidade, que exerce a sua influência especial. Uma inalação<br />

especial do Espírito divino dá ao homem a sua própria existência”. Ver G n . 2.7<br />

- “O Senhor Deus ... soprou nas suas narinas o fôlego da vida; e o homem se<br />

tornou alma vivente”; Jo. 3.8 - “O Espírito sopra onde q u er... assim é todo<br />

aquele que é nascido do Espírito”. E. H. J o h n s o n , sobre Os Ofícios do Espírito<br />

Santo, em Biblia Sacra, jul., 1892.361 -382 - Por que ele é chamado especialmente<br />

o Santo, quando o Pai e o Filho também o são, a não ser porque ele<br />

produz a santidade, /'.e., faz com que a santidade de Deus seja individualmente<br />

nossa? Cristo é o princípio do coletivismo; o Espírito Santo, do individualismo.<br />

O Espírito Santo apresenta ao homem o Cristo que está nele. Deus<br />

acima de todos = Pai; Deus através de todos = Filho; Deus em todos = Espírito<br />

Santo (Ef. 4.6)”.<br />

A doutrina do Espírito Santo nunca foi desdobrada cientificamente. Nenhum<br />

tratado a seu respeito se mostrou comparável à Doutrina do Pecado de J ulius<br />

M üller, ou à História da Doutrina da Pessoa de Cristo de I. A. D orner.<br />

No passado, o progresso da doutrina foi marcado por sucessivos estágios.<br />

A tanásio tratou da Trindade; A gostinho, do pecado; A nselmo, da expiação;<br />

Lutero, da justificação; W esley, da regeneração; e cada um destes desdobramentos<br />

se fez acompanhar de avivamentos religiosos. Estamos no aguardo<br />

de uma discussão completa sobre a doutrina do Espírito Santo e cremos que<br />

os avivamentos disseminados seguirão o reconhecimento do Agente Todo<br />

poderoso neles.<br />

3. G eração e processos consistentes com a igualdade<br />

Sugere-se em Salmos 2.7 que a geração de Cristo é eterna. “Hoje te gerei”<br />

é interpretado mais naturalm ente como a declaração de um fato eterno na<br />

natureza divina. Nem a encarnação, nem o batismo, nem a transfiguração,<br />

nem a ressurreição marcam o começo da filiação de Cristo, ou constituem-no<br />

Filho de Deus. Estes são apenas reconhecim entos e m anifestações de uma<br />

filiação preexistente, inseparável de sua divindade. Ele “nasceu antes de cada<br />

criatura” (enquanto nenhum a coisa criada existia - ver M eyer sobre Cl. 1.15)<br />

e “pela ressurreição dos mortos” não veio a ser, mas só “declarou ser”, “segundo<br />

o Espírito de santidade” (= segundo sua natureza divina) “o Filho de Deus


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 505<br />

com poder” (ver Philippi e A lfo r d sobre Ro 1.3,4). Sua filiação é única - não<br />

aplicável a qualquer criatura ou compartilhada com ela. As Escrituras sugerem,<br />

não só uma geração eterna do Filho, mas um eterno procedimento do<br />

Espírito.<br />

SI. 2.7 - “ Recitarei o decreto: O S enhor m e disse: Tu és m eu Filho; eu hoje<br />

te gerei”; ver Alexander, Com . in loco; v e r tam bém sobre At. 13.33 - “A palavra<br />

‘hoje’ refere-se à ocasião do decreto; m as isto, com o um ato divino, é<br />

eterno; e não deve ser um a declaração sobre a Filiação” . Filo diz que a palavra<br />

“hoje” para Deus significa “sem pre”. Este ato de gerar de que o salm o fala<br />

não é a ressurreição, porque enquanto Paulo em At. 13.33 se refere ao salm o<br />

para estabelecer o fato da Filiação de Jesus, o m esm o ocorre com os versos<br />

34,35 relativos a outro salm o, o de núm ero 60, para estabelecer o fato de que<br />

este Filho de Deus devia ressurgir dentre os m ortos. Jesu s é a p rese ntado<br />

com o o Filho de Deus através da sua encarnação (Hb. 1.5,6 - “quando<br />

outra vez introduz no m undo o P rim ogênito diz: E todos os anjos de Deus o<br />

adorem ”), do seu batism o (Mt. 3.17 - “ Este é o m eu Filho am ado”), na sua<br />

transfiguração (Mt. 17.5 - “ Este é o m eu Filho dileto”), na sua ressurreição<br />

(At. 13.34,35 - “que o ressuscitaria dentre os m ortos ... num outro salm o diz:<br />

Não perm itirás que o teu santo veja corru pçã o”). Cl. 1 . 1 5 - “o prim ogênito de<br />

toda a cria ção” - jipcotótokoç nácrriç ktíoecoç = prim ogênito antes de toda<br />

a criação” (Julius M ü lle r, Textos-prova, 14); ou “prim ogênito antes de cada<br />

criatura, /'.e., gerado e isto antes que cada coisa fosse cria da” (Ellicott, Com.<br />

in loco). “A qui” (diz L u th a rd t, Comp. Dogmatik, 81, sobre Cl. 1.15) se indica<br />

um a origem anterior à terrena de Deus - relação interna com a natureza divina”.<br />

L ig h tfo o t, sobre Cl. 1.15, diz que em Rabbi Bechai Deus é cham ado<br />

“primogenitus mundf.<br />

Em Rm. 1.4 (òpiaOév-coç = “manifestado para ser o onipotente Filho de<br />

Deus”) Ver Comentário de Lange, notas de S chaff nas pp. 56 e 61. B ruce,<br />

Apologetics, 404 - “A ressurreição foi a verdadeira introdução de Cristo na<br />

plena posse da Filiação divina que lhe pertencia, não só por causa do interior<br />

de uma essência espiritual santa, mas também do exterior de uma existência<br />

em poder e glória celeste”. A llen, Jonathan Edwards, 353,354 - “C alvino aponta<br />

para uma geração eterna como uma ‘ficção absurda”. Mas sustentar a divindade<br />

de Cristo simplesmente baseado na suposição de que ela é essencial<br />

para que ele faça uma expiação adequada do pecado é envolver a rejeição<br />

da sua divindade se é que a doutrina da expiação se torna detestável. ... Tal<br />

era o processo do qual, no pensamento do século passado, a doutrina da<br />

Trindade estava solapada. Não basear as distinções da essência divina por<br />

alguma necessidade imanente eterna é facilitar a negação do que tem sido<br />

chamado de Trindade ontológica e, a seguir, não foi difícil ou afastada a rejeição<br />

da Trindade econômica”.<br />

Se a leitura de W estcott and H ort ò |aovoyevfiç ©eóç, “o Deus unigênito”,<br />

em Jo. 1.18, estiver correta, temos uma nova prova da Filiação eterna de<br />

Cristo. M eyer explica éaino-ô em Rm. 8.3 - “Deus, enviando o seu Filho”, como<br />

uma alusão à Filiação metafísica. Que esta Filiação é única está claro em Jo.<br />

1.14,18 - “o unigênito do Pai ... o Filho unigênito que está no seio do Pai”;


5 0 6 Augustus H opkins Strong<br />

Rm. 8.32 - “seu próprio Filho”; Gl. 4.4 - “enviou seu Filho”; cf. Pv. 8.22-31 -<br />

“quando compunha os fundamentos da terra; então eu estava com ele e era<br />

seu aluno”; 30.4 - “Quem estabeleceu os fins da terra? Qual é o seu nome e<br />

qual é o nome do seu filho, se é que o sabes”? O processo eterno do Espírito<br />

parece estar implicado em Jo. 15.26 - “o Espírito de verdade que procede<br />

do Pai” - ver W estcott, Bib. Com., in loco; Hb. 9.14 - “o Espírito eterno”.<br />

W estcott diz aqui que rtapá (não èÇ) mostra que se refere à missão temporal<br />

do Espírito Santo não ao processo eterno. Ao mesmo tempo ele sustenta a<br />

correspondência temporal com a eterna.<br />

Os termos da Escritura ‘geração’ e ‘procedim ento’, aplicados ao Filho e ao<br />

Espírito Santo são apenas expressões aproximadas da verdade e, através de<br />

outras declarações bíblicas, devemos corrigir quaisquer impressões imperfeitas<br />

que podemos derivar somente delas. Em pregamos estes termos em um sentido<br />

especial, que explicitamente estabelecemos e definimos excluindo toda a<br />

noção de desigualdade entre as pessoas da Trindade. A geração eterna do Filho<br />

que nós sustentamos.<br />

à) Não é criação, mas com unicação do próprio Pai ao seu Filho. Porque os<br />

nomes Pai, Filho e Espírito Santo não são aplicáveis à essência divina, mas só<br />

se aplicam a suas distinções hipostáticas, elas não im plicam nenhum a derivação<br />

da essência do Filho a partir da essência do Pai.<br />

O erro dos Pais nicenos é o de explicar a Filiação como derivação da<br />

essência. O Pai não pode transmitir a sua essência ao Filho e ainda retê-la.<br />

O Pai não é fons deitatis (fonte da deidade), mas fons trinitatis (fonte da<br />

trindade).<br />

b) Não é começo de existência, mas um a eterna relação com o Pai; nunca<br />

há um tempo quando o Filho com eçou a ser, ou quando o Filho não existiu<br />

como Deus com o Pai.<br />

Se tivesse havido um sol eterno, é evidente que haveria também raio solar<br />

eterno. Ainda o raio eterno teria procedido do sol. Quando perguntaram a<br />

Cirilo se o Filho existia antes da geração, ele respondeu: “A geração do Filho<br />

não precede à sua existência, mas ele sempre existiu, e isto por geração”.<br />

c) Não é um ato da vontade do Pai, mas um a necessidade interna da natureza<br />

divina, - de modo que o Filho não depende mais do Pai do que o Pai depende<br />

do Filho e de m odo que, se for consistente com a divindade do Pai, é igualm<br />

ente consistente com a divindade do Filho.<br />

O sol depende da luz solar do mesmo modo que a luz solar depende do<br />

sol; porque sem luz solar o sol não é o verdadeiro sol. Do mesmo modo o Pai


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 0 7<br />

depende do Filho assim como o Filho depende do Pai; porque sem o Filho o<br />

Pai não seria o verdadeiro Pai. Dizer que asseidade pertence apenas ao Pai<br />

é logicamente arianismo e o próprio subordinacionismo, porque implica uma<br />

subordinação da essência do Filho para com o Pai. A subordinação essencial<br />

seria inconsistente com a igualdade. VerTHOMAsius, Chrísti Person und Werk,<br />

1.115. Palmer, Theol. Definitions, 66, 67, diz que Pai = vida independente;<br />

Filho unigênito = vida independente voluntariamente sujeita a limitações;<br />

Espírito = conseqüência necessária da existência dos outros dois. ... As palavras<br />

e ações pelas quais designamos afeto aos outros são “geradas”. A atmosfera<br />

da influência inconsciente não é “gerada”, mas “procedente”.<br />

d) Não é um a relação de qualquer modo análogo à derivação física, mas<br />

um m ovimento vivo da natureza divina em virtude da qual Pai, Filho e Espírito<br />

Santo, conquanto iguais em essência e dignidade, relacionam-se um com o<br />

outro em ordem de pessoalidade, ofício e operação e em virtude do que o Pai<br />

opera através do Filho e o Pai e o Filho através do Espírito.<br />

A subordinação da pessoa do Filho à do Pai, ou, em outras palavras, uma<br />

ordem de pessoalidade, ofício e operação que permite ao Pai ser oficialmente<br />

o primeiro, o Filho o segundo e o Espírito o terceiro é perfeitamente consistente<br />

com a igualdade. Prioridade não é necessariamente superioridade.<br />

A possibilidade de uma ordem, que ainda não envolve nenhuma desigualdade,<br />

pode ser ilustrada na relação entre marido e mulher. No ofício, o marido<br />

está em primeiro lugar e a mulher em segundo, mas a alma da mulher é tão<br />

digna como a do homem; ver 1 Co. 1 1 .3 - “Cristo é a cabeça de todo o varão,<br />

e o varão, a cabeça da mulher; e Deus, a cabeça de Cristo”. Sobre Jo. 14.28<br />

- “o Pai é maior do que eu” - ver W e s c o tt, Bib. Com., in loco.<br />

Edwards, Observations on the Trínity (editado por S m ith), 22 - “ No Filho<br />

toda a divindade e glória do Pai é com o se fosse repetida e duplicada. Tudo<br />

no Pai é repetido ou novam ente expresso, e plenam ente, de sorte que não há<br />

nenhum a inferioridade” . Edwards, Essay on the Trínity (editado por Fisher),<br />

110-116 - “O Pai é a divindade subsistente na sua m aneira excelente, não<br />

originada e em grau absolutíssim o, isto é, a divindade na sua existência direta.<br />

O Filho é a divindade gerada pelo entendim ento de Deus, ou tendo uma<br />

Idéia de si m esm o e subsistindo nessa Idéia. O E spírito S anto é a divindade<br />

subsistindo nos atos, ou é a essência divina fluente e bafejada no am or infinito<br />

de Deus e a satisfação em si m esm o. Eu creio que toda a essência divina<br />

subsiste tanto na Idéia divina com o no A m or divino e cada um deles é uma<br />

pessoa distinta. ... Não encontram os nenhum outro atributo de que na Escritura<br />

se diga que eles são Deus, ou que Deus é eles, a não ser Xóyoq e áyáTtri,<br />

a Razão e o A m or de Deus; Luz não é diferente da R a z ã o .... O E ntendim ento<br />

pode ser predicado deste Am or. ... O Pai tem S abedoria ou Razão pelo fato<br />

de o Filho estar n e le .... O E ntendim ento está no Espírito S anto porque o Filho<br />

está nele” . C ontudo, o D r. Edwards A. P ark declara que a geração eterna é<br />

um a “tolice eterna”, e pensa-se que ocultou o não publicado Ensaio sobre a<br />

Trindade de Edw ards por m uitos anos porque ensinava a referida doutrina.


5 0 8 Augustus Hopkins Strong<br />

O Novo Testamento não chama Cristo de ó 0eóç, mas de 0eóç. Com toda a<br />

franqueza reconhecemos uma subordinação eterna de Cristo ao Pai, mas<br />

sustenta-mos ao mesmo tempo que esta subordinação é de ordem, de ofício,<br />

e de operação, não o é de essência. “Non de essentia dicitur, sed de ministe-<br />

ris” (Não se diz de essência, mas de ministério). E.G. Robinson: “Geração<br />

eterna não é necessariamente subordinação e dependência eternas. Parece<br />

que até mesmo os mais ortodoxos escritores anglicanos, tais como Pearson e<br />

H ooker admitem isto plenamente. A subordinação de Cristo ao Pai não é<br />

essencial, mas simplesmente oficial. W hiton, Gloria Patrí, 42,96 - “Para os<br />

primeiros trinitários a Filiação é, em primeiro lugar, que é da própria natureza<br />

de Deus tornar-se expressão visível. Por isso, a seguir, esta expressão exterior<br />

de Deus não é outra coisa além de Deus, mas é o próprio Deus, em sua<br />

própria expressão tão divino como a divindade oculta. Deste modo responderam<br />

ao grito de Filipe: ‘mostra-nos o Pai, o que nos basta’ (Jo. 14.8) e deste<br />

modo confirmaram a declaração de Jesus, garantiram a fé paulina de que<br />

Deus nunca se deixou sem testemunha. Com isso eles significavam: ‘quem<br />

me vê a mim vê o Pai’ (Jo. 14.9). ... O Pai é a vida transcendente, a Fonte<br />

divina, ‘sobre todos’; o Filho é a Vida imanente, a Corrente divina, ‘por meio<br />

de todos’; o Espírito Santo é a vida individualizada, ‘em todos’ (Ef. 4.6).<br />

O Espírito Santo tem sido chamado ‘o executivo de Deus’ “. W hiton aqui está<br />

falando da Trindade econômica; porém tudo isto é muito mais verdadeiro no<br />

que se refere à Trindade imanente.<br />

Os mesmos princípios sobre os quais interpretamos a declaração da eterna<br />

filiação de Cristo se aplicam ao procedim ento do Espírito Santo a partir do Pai<br />

através do Filho e m ostram que isto não é inconsistente com a igual dignidade<br />

e glória do Espírito.<br />

Portanto, só form ulam os a verdade que se expressa concretam ente na<br />

Escritura e que é reconhecida em todas as épocas da igreja nos hinos e orações<br />

dirigidos ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, quando declaramos que na natureza<br />

do Deus uno há três distinções eternas que são m elhor descritas como<br />

pessoas e cada um a das quais no objeto próprio e igual da adoração cristã.<br />

Também temos a garantia declarando que, em virtude destas distinções<br />

pessoais ou modos de subsistência, Deus existe nas relações, respectivam ente,<br />

primeiro de Fonte, Origem, Autoridade e nesta relação está o Pai; segundo,<br />

de Expressão, M eio, Revelação e nesta relação está o Filho; terceiro, de Apreensão,<br />

Execução, Realização e nesta relação está o Espírito Santo.<br />

J ohn O wen, Works, 3.64,92 - “O ofício do Espírito Santo é o de concluir,<br />

completar, aperfeiçoar. Ao Pai atribuímos as opera naturae\ ao Filho, as opera<br />

gratiae procuratae\ ao Espírito, opera gratiae applicatae”. Todas as revelações<br />

de Deus se operam através do Filho ou de Espírito e este inclui aquele.<br />

K uyper, Work ofthe Holy Spirit, designa os três ofícios respectivamente como<br />

de Causa, de Construção, de Consumação; o Pai produz, o Filho dispõe, o


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 0 9<br />

Espírito aperfeiçoa. A llen, Jonathan Edwards, 365-373 - Deus é Vida, Luz,<br />

Amor. Como os Pais consideram a Razão tanto em Deus como no homem<br />

como pessoal, a onipresente segunda Pessoa da Trindade, do mesmo modo<br />

J onathan Edwards considera o Amor, tanto em Deus como no homem, como<br />

pessoal, a onipresente terceira Pessoa da Trindade. Por isso nunca se diz<br />

que o Pai ama o Espírito, como se diz que ama o Filho - porque este amor é<br />

o Espírito. Menciona-se que o Pai e o Filho amam os homens, mas nunca se<br />

diz que o Espírito os ama porque o amor é o Espírito Santo. Mas por que<br />

E dwards não podia também sustentar que o Logos ou Razão divina habitava<br />

na humanidade de sorte que o homem seria constituído em Cristo e compartilharia<br />

com ele na imagem consubstanciai ao Pai? A natureza exterior reflete<br />

a luz de Deus e ela contém Cristo; por que não a humanidade universal”?<br />

M oberly, Atonoment and Personality, 136,202, fala de “1. Deus. o Eterno,<br />

o Infinito, como ele mesmo; 2. Deus expressa a si mesmo na natureza e nas<br />

faculdades do homem - corpo, alma, e espírito - a consumação e a interpretação<br />

e a revelação do que a verdadeira humanidade significa e é, na sua<br />

própria verdade, na sua relação com Deus; 3. Deus como Espírito da Beleza<br />

e Santidade, presentes nas coisas criadas, animadas e inanimadas e constituindo<br />

em si a resposta divina para com Deus; constituindo acima de tudo na<br />

pessoalidade criada a plena realidade da sua resposta pessoal. Ou ainda:<br />

1. O que o homem em si mesmo é invisivelmente em si mesmo; 2. sua projeção<br />

material exterior ou expressão como corpo; e 3. a resposta de que aquilo<br />

que ele é através da sua expressão e operação corporal o faz verdadeiro eco<br />

ou expressão de si mesmo”. M oberly procura deste modo achar na natureza<br />

humana uma analogia com os processos interiores do divino.<br />

VI. INESCRUTÁVEL, EMBORA NÃO AUTOCONTRADITÓ-<br />

RIA, ESTA DOUTRINA FORNECE A CHAVE PARA TODAS<br />

AS OUTRAS DOUTRINAS.<br />

1. O modo desta existência triúna é inescrutável<br />

É inescrutável porque não há nenhum a analogia com ela em nossa experiência<br />

finita. Por esta razão, todas as tentativas para representá-la adequadamente<br />

são vãs:<br />

d) A partir das coisas inanimadas - com o a fonte, a correnteza e o riacho<br />

que corre dela (Atanásio); a nuvem, a chuva e o nevoeiro que caem (Boardman);<br />

cor, forma e tamanho (F. H. R obertson); princípios actínicos, luminosos e<br />

calóricos no raio de luz (Solar Hieroglyphics, 34).<br />

Lutero: “Quando a lógica faz objeção a esta doutrina que não se enquadra<br />

nas suas regras, devemos dizer: ‘Mulier taceat in ecclesia’” (A mulher<br />

esteja calada na igreja). Lutero chamava a Trindade uma flor, na qual se pode<br />

distinguir a forma, a fragrância, e a sua eficácia medicinal. G eer encontra uma


5 1 0 Augustus Hopkins Strong<br />

ilustração da Trindade no espaço infinito com as suas três dimensões. Para a<br />

analogia da nuvem, chuva, névoa, ver B oardman, A mais Elevada Vida Cristã,<br />

Solar Hieroglyphics, 34 (Rev. da Nova Inglaterra, out. 18.74.789) - “A Divindade<br />

é uma unidade tripessoal e a luz é uma trindade. Sendo imaterial e<br />

homogênea e, deste modo, essencialmente una na natureza, a luz inclui uma<br />

pluralidade de constituintes ou, em outras palavras, é essencialmente três na<br />

constituição, seus princípios constituintes são: o actínico, o luminífero, e<br />

o calorífico; na gloriosa manifestação a luz é uma, criada, constituída, e o<br />

emblema ordenado do Deus tripessoal” - de quem se diz que “Deus é luz e<br />

nele não há treva nenhuma” (1 Jo. 1.5). Os raios actínicos são por si mesmos<br />

invisíveis; só se vêem como manifestos luminíferos; só se sentem como caloríficos.<br />

J oseph C ook: “A luz solar, o arco-íris, o calor - uma radiação solar; Pai,<br />

Filho, Espírito Santo, um só Deus. Como o arco-íris, quando desdobrado,<br />

mostra o que é a luz, assim Cristo revela a natureza de Deus. Como o arco-<br />

íris é a luz revelada, do mesmo modo Cristo o é em Deus, e o Espírito, representado<br />

pelo fogo é a vida contínua de Cristo”. Ilustrações mais rudes são as<br />

de O on Paul K rüger: o azeite, o pavio, a chama, na lamparina; e Agostinho: a<br />

raiz, o tronco e os ramos, todos de uma mesma madeira, na árvore. Na ilustração<br />

de G eer, acima, das três dimensões do espaço, não podemos demonstrar<br />

que não haja um quarto, além da distância, da amplidão, da espessura,<br />

não podemos conceber a sua existência. Como estas três esgotam, até onde<br />

sabemos, todos os modos possíveis do ser material, do mesmo modo não<br />

podemos conceber uma quarta pessoa em Deus.<br />

b) A partir da constituição ou processo das nossas mentes - como a unida­<br />

de psicológica intelecto, sentimento e vontade (substancialmente sustentada<br />

por A gostinho); a unidade lógica tese, antítese e síntese (H egel); a unidade<br />

m etafísica sujeito, objeto, sujeito-objeto (M elan ch ton , O lshausen, Shedd).<br />

A gostinho: “M ens m em init sui, intelligit se, diligit se; si hoc cernim us, Trini-<br />

tatem cernim us” . ... [A m ente lem bra de si, com preende-se a si m esm a, honra-se<br />

a si m esm a; se percebem os isto, percebem os a Trindade], Existo, tenho<br />

consciência, tenho vontade; existo com o consciente e quero; estou consciente<br />

de existir e de querer; quero existir e ser consciente; e estas três funções,<br />

em b ora distintas, são inseparáveis e form am um a vida, um a m ente, um a<br />

essência. C alvino cham a o ponto de vista de A gostinho de “especulação longe<br />

de ser sólida” . M as o próprio A gostinho disse: “Se pedirem que definam os<br />

a Trindade, apenas podem os dizer que não é isto ou aquilo” (podem os dizer o<br />

que não é). João Damasceno: “tudo o que sabem os da natureza divina é que<br />

ela não deve ser conhecida”. Com isso, contudo, tanto A gostinho com o João<br />

D amasceno significam que o modo preciso da existência triúna de Deus não se<br />

acha revelado e é inescrutável.<br />

H egel, Philos. Relig., trad., 3.99,100 - “Deus é, mas ao mesmo tempo é o<br />

Outro, o próprio diferenciador, no sentido de que este é o próprio Deus e tem<br />

potencialmente em si a natureza divina e que a abolição dessa diferença,<br />

desta caraterística de ser o outro, esta volta, este amor, é o Espírito”. H egel


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 511<br />

cham a Deus de “ Idéia absoluta, unidade de V ida e Cognição, a U niversal que<br />

pensa por si m esm a e se reconhece num a R ealidade infinita, a partir da qual,<br />

com sua c a ra te rística im e dia ta não m enos se d istingue de si outra v e z ”.<br />

A doutrina geral de H egel é que a m ais elevada unidade deve ser achada<br />

apenas através do m ais com pleto desenvolvim ento e reconciliação do m ais<br />

profundo e am plo antagonism o. O ser puro é o nada puro; devem os m orrer<br />

para viver. A Luz é a tese, a Escuridão é a antítese, a S om bra é a síntese, ou<br />

união de am bas. A Fé é a tese, a D escrença é a antítese, a D úvida é a síntese,<br />

ou união de am bas. Zweifel (dúvida) vem de Zwei (dois) com o a palavra<br />

dúvida vem de 8úo (dois). H egel cham ava N apoleão de “ein W eltgeist zu Pfer-<br />

de” (um espírito do m undo a cavalo). Ladd, Introd. to Philosophy, 202, fala do<br />

m onótono tit-tat-too da lógica hegeliana” . Ruskin fa la dela com o “pura, definida,<br />

sem sentido” . No princípio hegeliano o bem e o mal não podem ser contraditórios<br />

entre si; sem o mal não poderia haver o bem . S tirling com propriedade<br />

intitulou a sua exposição da filo sofia hegeliana de “O S egredo de H egel” ,<br />

e os seus leitores freqüentem ente assinalaram que, se S tirling descobrisse o<br />

segredo, ele nunca o tornaria conhecido.<br />

O Lorde C oleridge disse a Robert B rowning que ele não podia entender<br />

toda a sua poesia. “ B em ”, respondeu o poeta, “se um leitor do seu calibre<br />

entender dez por cento do que eu escrevo, devo dar-m e por contente”. Q uando<br />

disseram a W ordsworth que o S r. Browning tinha se casado com a senho-<br />

rita Barrett, ele disse: “ É um a boa coisa que os dois se entendam , porque,<br />

senão, ninguém os entenderá” . Um aluno trouxe a H egel um a passagem dos<br />

escritos deste e pediu-lhe a interpretação. O filó sofo a exam inou e respondeu:<br />

“Q uando essa passagem foi escrita, havia duas pessoas que con heciam<br />

o seu sentido: Deus e eu m esm o. A gora há apenas um: Deus”. H einrich<br />

H eine, falando do efeito do hegelianism o sobre a vid a religiosa de Berlin, diz:<br />

“ Eu poderia acom odar-m e ao próprio cristianism o acom odado, filtrado de toda<br />

superstição que poderia ter havido nas igrejas e que estava livre da divindade<br />

de Cristo, com o a sopa de tartaru ga sem a tartaru ga” . Q uando os sistem as<br />

alem ães de filo sofia m orrerem , os seus fantasm as se levantarão em O xford.<br />

M as se eu vejo um fantasm a sentado num a cadeira, atrevidam ente, ele se<br />

ofenderá e irá em bora.<br />

A mais satisfatória exposição da analogia de sujeito, objeto, sujeito-objeto<br />

encontra-se em S hedd, History of Doctrine, 1.365, nota 2. M oberly, Atonement<br />

and Personality, 174, tem semelhante analogia: 1. O eu invisível do homem;<br />

2. a expressão visível dele mesmo num quadro ou poema; 3. a resposta deste<br />

quadro ou poema para ele mesmo. Sustenta-se que a analogia da família é<br />

melhor porque nenhuma pessoalidade do homem é completa em si mesma;<br />

marido, mulher e filhos são necessários para tornar perfeita a unidade. A llen,<br />

Jonathan Edwards, 372, diz que, na igreja primitiva a Trindade era a doutrina<br />

da razão; na Idade Média era um mistério; no século dezoito era o dogma<br />

sem sentido ou irracional; ainda no século dezenove tornou-se a doutrina da<br />

razão, verdade essencial à natureza de Deus. Para a caraterização de A llen<br />

sobre os estágios na história da doutrina acrescentaríamos que, atualmente,<br />

não podemos dizer que é possível uma completa exposição da Trindade.<br />

A Trindade é um fato único, cujos aspectos diferentes podem ser ilustrados,<br />

enquanto, como um todo, não tem analogia. O máximo que podemos dizer é


5 1 2 Augustus Hopkins Strong<br />

que a natureza humana, nos seus processos e poderes, aponta para algo<br />

mais elevado que ela mesma e que, em Deus, a Trindade é necessária a<br />

de constituir a perfeição do ser que o homem procura como objeto do amor,<br />

adoração e serviço.<br />

Nenhuma destas fornece qualquer apropriada analogia da Trindade porque<br />

em nenhum a delas se acha o elem ento essencial da tripessoalidade. Tais ilustrações<br />

podem às vezes ser usadas para desarm ar a objeção, mas não fornecem<br />

nenhum a explicação para o mistério da Trindade e, a não ser cuidadosamente<br />

resguardadas, podem levar a cruel erro.<br />

2. A D outrina da Trindade não é autocontraditória<br />

Deveria sê-lo só se declarasse que Deus é três no mesmo sentido numérico<br />

em que se diz ser um. Não declaramos isto. Declaramos simplesmente que o<br />

mesmo Deus que é um a respeito de sua essência é três em relação às suas<br />

distinções internas de tal essência, ou a respeito dos modos de seu ser. Não se<br />

pode negar tal possibilidade a não ser adm itindo que a mente humana é em<br />

todos os respeitos a m edida da divina.<br />

O fato de que a escala ascendente da vida é m arcada pela crescente diferenciação<br />

de faculdade e função deve levar-nos principalm ente a esperar no<br />

mais elevado de todos os seres um a natureza mais com plexa do que a nossa.<br />

No hom em muitas faculdades se unem em um ser inteligente e, quanto mais<br />

inteligente for o homem mais distintas se tom arão tais faculdades umas das<br />

outras; até que o intelecto e o sentimento, consciência e vontade admitam uma<br />

independência relativa e apareça até mesmo a possibilidade de conflito entre<br />

elas. Nada há de irracional ou autocontraditório na doutrina de que em Deus<br />

as principais funções são ainda mais notadam ente diferenciadas, de modo a<br />

torná-las pessoais, enquanto ao mesmo tem po tais pessoalidades se unem pela<br />

fé em que cada um a delas e de igual modo m anifestam a indivisível essência.<br />

A unidade é tão essencial à Divindade como a triplicidade. O mesmo Deus,<br />

em certo sentido é três, noutro é um. Não dizemos que um Deus é três Deuses,<br />

nem que uma pessoa é três pessoas, nem que três Deuses são um Deus,<br />

mas que há um Deus com três distinções no seu ser. Não nos referimos às<br />

faculdades do homem que fornecem qualquer analogia apropriada às pessoas<br />

da Divindade; ao invés disso negamos que a natureza humana forneça<br />

tal analogia. Intelecto, sentimento e vontade no homem não são pessoalidades<br />

distintas. Se fossem pessoalizados poderiam fornecer tal analogia. F. W.<br />

Robertson, Sermons, 3.58, fala a respeito de Pai, Filho e Espírito Santo<br />

melhor concebidos sob a figura de intelecto, sentimento e vontade pessoalizados.<br />

Com isto concordam as palavras de S ócrates, que chamava o pensamento<br />

de conversa consigo mesmo.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

SI. 8 6 .1 1 - “une o meu coração ao teu nome” - indica uma complexidade<br />

de forças no homem e uma possível desorganização devida ao pecado. Só o<br />

temor e o amor de Deus podem reduzir nossas faculdades à ordem e dar-nos<br />

paz, pureza e força. Quando William depois de muito tempo de corte propôs<br />

um casamento, Maria lhe disse que eia “unanimemente consentia”. “Amarás<br />

o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de toda a<br />

tua força, e de todo o teu entendimento” (Lc. 1 0 .2 7 ). O homem não pode ter<br />

uma vida dual, uma vida dupla, como a de Dr. J ekyll e Sr. H y d e. A vida boa é<br />

a unificada. H. H. Bo w d en: “Teoricamente o desenvolvimento simétrico é o<br />

critério completo. Este é o velho conceito grego de vida perfeita. O termo que<br />

traduzimos por ‘temperança’ ou ‘autocontrole’ é expresso de melhor forma<br />

por ‘mente integral’ “.<br />

Illingw orth, Personality Divine and Human, 54-80 - “Nosso senso de pessoalidade<br />

culmina com a Doutrina da Trindade. A pessoalidade do homem é<br />

essencialmente triúna, porque consiste num sujeito, um objeto, e a relação<br />

deles. O que é a potencial triunidade no homem é completa em Deus.<br />

... Nossa própria pessoalidade é triúna, mas é uma triunidade potencial irrea-<br />

lizável, incompleta em si mesma e deve ir além de si mesma por inteireza,<br />

como por exemplo na família. ... Mas a pessoalidade de Deus nada tem de<br />

potencial ou irrealizável a seu respeito. ... Trindade é o modo mais inteligível<br />

de conceber Deus como pessoal”.<br />

J o hn C a ir d , Fundamental Ideas of Christianity, 1 .5 9 ,6 0 - “As partes de uma<br />

pedra são precisamente iguais; as partes de um hábil mecanismo são diferentes<br />

umas das outras. Em qual dos dois casos a unidade é mais real - em qual<br />

delas há ausência de distinção, ou em qual delas há diferença essencial de<br />

forma e função, e cada parte separada tem uma individualidade e atividade<br />

própria? As mais elevadas unidades não são simples; são complexas”.<br />

G o r d o n , Christ of To-day, 1 0 6 - “Todas coisas e todas pessoas são modos de<br />

uma consciência infinita. Por isso não é incrível que possa haver três consciências<br />

em Deus. Além das múltiplas pessoalidades finitas há três pessoalidades<br />

infinitas. Na Divindade o socialismo pode ser a base da sociedade humana.<br />

Os fenômenos da dupla ou mesmo da tripla consciência no mesmo indivíduo<br />

confirmam este ponto de vista. Este fato de mais de uma consciência<br />

numa criatura finita aponta para a possibilidade de uma tríplice consciência<br />

na natureza de Deus. R o m a n e s , Mind and Motion, 1 0 2 , sugere que o organismo<br />

social, se alcança o nível mais elevado da perfeição psíquica, pode ser<br />

dotado de pessoalidade e tem algo semelhante a ela - fenômenos do pensamento<br />

e conduta que nos compelem a conceber famílias e comunidades e<br />

nações como tendo um tipo de personalidade moral que implica responsabilidade<br />

e prestação de contas. “O Zeitgeist”, diz ele, “é o produto de um tipo de<br />

psicologia coletiva, que é algo além da soma de todas as mentes individuais<br />

de uma geração”. Nós não defendemos que qualquer uma dessas consciências<br />

fragmentares ou coletivas alcança a pessoalidade no homem, ao menos<br />

na vida presente. Defendemos que elas indicam que é possível uma vida<br />

maior e mais complexa do que aquela de que temos experiência comum, e<br />

que não há nenhuma contradição necessária na doutrina de que na natureza<br />

do Deus perfeito há três distinções pessoais. R. H . H u t t o n : “Pode-se esperar<br />

que uma auto-revelação voluntária revele até mesmo as mais profundas com-<br />

515


5 1 4 Augustus Hopkins Strong<br />

plexidades das relações espirituais na sua natureza e essência eternas do<br />

que supomos que existam na nossa humanidade - a simplicidade de uma<br />

complexidade harmônica, não a simplicidade da unidade absoluta”.<br />

3. A doutrina da Trindade tem im portantes relações com outras dou­<br />

trinas<br />

A) É essencial a qualquer apropriado teísmo.<br />

Nem a independência de Deus nem a bênção de Deus podem ser mantidas<br />

em bases de unidade absoluta. O antitrinitarismo tom a quase necessariamente<br />

a criação indispensável à perfeição de Deus, tende a um a crença na eternidade<br />

da m atéria e, por fim, conduz, como o maom etanism o e m odem o judaísmo e<br />

unitarismo ao Panteísmo. “A um ser solitário é impossível o exercício do amor”.<br />

Sem a Trindade não podemos sustentar um a unidade viva em Deus.<br />

Brit. And For. Evang. Review., jan. 1882.35-63 - “O problema é encontrar<br />

um objetivo perfeito, harmônico e adequado, à inteligência perfeita, e a resposta<br />

é: ‘uma perfeita in te lig ê n c ia O autor deste artigo cita J ames M artineau,<br />

o filósofo unitário, como segue: “Há apenas um recurso para completar a<br />

necessária objetividade de Deus, a saber, admitir de alguma forma a coexistência<br />

da matéria como condição ou meio da atuação ou manifestação divina.<br />

Falhando a prova [da origem absoluta da matéria] restam-nos a causa divina,<br />

e a condição material de toda a natureza, na presença eterna e sua relação,<br />

como o objeto supremo e o objeto rudimentar”. Ver também M artineau, Study,<br />

1.405 - “Ao negar que seja possível uma pluralidade de existências próprias,<br />

refiro-me apenas às causas da mencionada existência própria. Existência<br />

própria que não de modo nenhum deve ser excluída, até onde podemos ver,<br />

por uma existência própria que é uma causa; ora, ela é requerida até mes<br />

mo para o exercício da sua causalidade”. Vemos aqui que o unitarismo de<br />

M artineau logicamente conduz ao dualismo. Mas a bem-aventurança de Deus,<br />

baseada neste princípio, requer não simplesmente um universo eterno, porque<br />

nada fornece objeto menos adequado a uma mente infinita. Um Deus<br />

que se limita necessariamente ao universo, que não é ele mesmo, existe eternamente,<br />

não é infinito, independente ou livre. A única saída para esta dificuldade<br />

é negar a autoconsciência e autodeterminação de Deus ou, em outras<br />

palavras, a mudança do nosso teísmo para o dualismo, e o nosso dualismo<br />

para o panteísmo.<br />

E. H. J ohnson, Biblia Sacra, jul., 1892.379, cita da Oxenham’s Catholic<br />

Doctrine of the Atonement, 108,109 - “Há quarenta anos James M artineau<br />

escreveu a M acdonald: ‘Nem a minha preferência intelectual nem a minha<br />

admiração moral caminha com os heróis, seitas e produções unitários, de<br />

qualquer época. Ebionitas, Arianos, Socinianos parecem-me todos desfavoravelmente<br />

em contraste com os seus opositores em apresentar, no seu todo,<br />

um tipo de pensamento menos digno do gênio do cristianismo’. Em seu jornal


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

intitulado Um Meio da Controvérsia Unitária, M artin eau diz que o unitário<br />

adora o Pai; o trinitário, o Filho: ‘Mas o Filho em um credo é o Pai em outro.<br />

... Os dois credos concordam naquilo que constitui a seiva e o cerne de<br />

ambos. O Pai é Deus em sua essência originai. Mas Deus manifesta-se no<br />

Filho’ O Dr. Johnson acrescenta: “Deste modo M artineau, após uma vida<br />

inteira de serviço prestado ao púlpito e ao magistério unitário, publicamente<br />

aceita como verdade a substância daquilo que, em comum com a igreja, ele<br />

achou proveitoso e diz aos unitários que eles e nós adoramos o Filho porque<br />

tudo o que sabemos acha-se revelado na atuação do Filho”. Após ter chegado<br />

aos oitenta, M artineau saiu do grupo unitário embora nunca se tivesse<br />

ligado a qualquer igreja trinitária.<br />

H. C. M inton, em Prínceton Rev., 1903.655-659, citou alguns dos mais<br />

significativos pronunciamentos, tais como: “A grande força da doutrina ortodoxa<br />

está, sem dúvida, no apelo que ela faz ao ‘senso de pecado’ interior - o<br />

triste peso cujo fardo oprime toda a alma séria. A grande fraqueza do unitarismo<br />

tem sido a sua insensibilidade quanto à tristeza permanente da consciência<br />

humana. Mas o remédio ortodoxo, sem dúvida, é o mais terrível de todos<br />

os equívocos, a saber, livrar-se do fardo, lançando-o sobre Cristo, ou permitindo-lhe<br />

que o leve. ... Da minha parte, eu mesmo busquei a literatura para o<br />

meu sustento e inspiração da Fé, Esperança e Amor que é quase o produto<br />

das versões ortodoxas da religião cristã. Os hinos dos Wesley, as orações dos<br />

Amigos, as Meditações da Lei e Tauler têm uma força despertadora e eleva-<br />

dora que dificilmente eu sinto nos bons livros das nossas estantes unitárias.<br />

... Contudo, eu posso me apropriar menos, ou até recusar intelectualmente<br />

qualquer artigo carateristicamente trinitário sobre o esquema da salvação”.<br />

W hito n, Gloria Patri, 23-26, procura harmonizar as duas formas da crença<br />

afirmando que “tanto os trinitários quanto os unitários consideram a natureza<br />

humana essencialmente una com a divina. Os Pais nicenos edificaram melhor<br />

que sabiam quando declararam Cristo homoousios com o Pai. Afirmamos a<br />

mesma coisa a respeito da humanidade”. Mas aqui W hiton vai além do que a<br />

Escritura garante. De ninguém a não ser o Filho unigênito se pode dizer que<br />

é antes que Abraão nascesse e que nele habita corporalmente toda a plenitude<br />

da divindade (Jo. 8.57; Cl. 2.9).<br />

O unitarismo tem dem onstrado repetidam ente s u a insuficiência lógica através<br />

deste “facilis d e sc en su s Averno”, este lapso entre o teísm o e o panteísmo.<br />

Na Nova Inglaterra o alto arianismo de C hanning degenerou-se no panteísmo<br />

meio alado de Theodore P a rk e r e no totalm ente alado de Ralph W ando<br />

Emerson. O m oderno judaísm o é panteísta quanto à su a filosofia e tam bém o<br />

era a filosofia arábica do m aom etism o. S en te-se que a sim ples pessoalidade<br />

é insuficiente para a concepção de perfeição absoluta da mente. Nós evitam<br />

os p en sar num Deus eternam ente só. “Refugiam o-nos no term o ‘divindade’.<br />

O s literatos encontram consolo falando em ‘d e u se s’”. Tw eten (traduzido em<br />

Biblia Sacra, 3.502) - “Pode haver no politeísmo um elem ento de verdade,<br />

ap esar de desfigurado e mal entendido. J oão Damasceno orgulhava-se de que<br />

a Trindade cristã estav a a meio cam inho entre o m onoteísm o abstrato dos<br />

judeus e o politeísmo idólatra dos G regos”. Tweten, citado por Shedd, Dogm.<br />

Theology, 1.255 - “Existe um nH]pw\xa em Deus. A Trindade não contradiz a<br />

unidade, m as só a solidão que é inconsistente com a plenitude e bem-aventu-<br />

515


5 1 6 Augustus H opkins Strong<br />

rança vivas atribuídas a Deus na Escritura e que Deus possui em si mesmo<br />

independentemente do finito”. O próprio S hedd assinala: “A tentativa do deís-<br />

ta e do sociniano de construir a doutrina da unidade divina é um erro, porque<br />

deixa de construir a doutrina da pessoalidade divina. Por implicação ela questiona<br />

que Deus tenha conhecimento de si próprio como simplesmente um<br />

sujeito, sem objeto; sem as distinções que, contemplando, o sujeito envolve o<br />

objeto contemplado e a percepção da identidade de ambos”.<br />

M ason, Faith of the Gospel, 75 - “ Deus não é um a unidade estéril e im óvel”<br />

. B ispo Phillips B rooks: “O unitarism o tem a noção de Deus com o isolado<br />

e individual com o é possível torná-la e está m orrendo em sua fraca deidade” .<br />

O unitarism o não é a doutrina de um Deus - porque o trinitarism o tam bém<br />

sustenta isto; ao invés disto é a unipessoalidade de um Deus. A natureza<br />

divina dem anda ou um C risto eterno ou um a criação eterna. O D r. Calthorp,<br />

unitário, de Siracusa, por isso, consistentem ente declara que “ Natureza e Deus<br />

são a m esm a coisa” . É a velha adoração de Baal e A starote - a deificação da<br />

força e do prazer. Porque “N atureza” inclui tudo - todos im pulsos tanto maus<br />

com o bons. Q uando o hom em descobre a gravidade, ele não descobre Deus,<br />

m as apenas um a das m anifestações dele.<br />

G ordon, Christh ofTo-day, 112 - “A suprem a divindade de C risto é apenas<br />

a expressão soberana da história hum ana da grande diferença de identidade<br />

que percorre o universo inteiro e que tem a sua sede no coração de Deus” .<br />

Até m esm o James Freeman C larke, em sua O rtodoxia, em Thruths and Errors,<br />

436, adm ite que “existe um a verdade essencial oculta na idéia da Trindade.<br />

Enquanto a doutrina da igreja, em cada form a que assum iu, deixou de satisfaze<br />

r o intelecto hum ano, o coração dos hom ens apegou-se à substância<br />

contida em todos eles” . W illiam A dams B rown: “Se, por natureza, Deus é amor,<br />

ele deve tam bém por natureza ser social. P aternidade e Filiação nele devem<br />

ser im anentes. Nele rem ovem -se as lim itações da pessoalidade finita” . Mas o<br />

D r. B rown e rro n e a m e n te a cre scenta : “ E stão abertos nesta d o u trin a não<br />

os m istérios do ser de Deus, com o ele é em si, m as com o ele se revela” .<br />

Do m esm o m odo P. S. Moxom: “ Não sei com o é possível atribuir qualquer<br />

qualidade moral a um a pessoa que é absolutam ente alheia a relações com<br />

outras pessoas. Se se concebesse Deus com o um solitário no universo, ele<br />

não poderia ser caraterizado com o ju s to ” . M as o D r. M oxom erroneam ente<br />

pensa que essas pessoalidades m orais devem ser exteriores a Deus. S ustentam<br />

os que a justiça, com o o am or, requer só pluralidade de pessoas dentro<br />

da Divindade.<br />

W. L. W alker, Christian Theism, 317, cita o D r. Paul C arus, Primer of<br />

Philosophy, 101 - “Não podemos conceber Deus sem atribuir-lhe trindade.<br />

Uma unidade absoluta seria uma inexistência. Pensar em Deus como real e<br />

ativo envolve uma antítese que pode ser formulada como Deus e o Mundo, ou<br />

natura naturans e natura naturata, ou de alguma outra forma. Esta antítese já<br />

implica a concepção de trindade. Quando pensamos em Deus, não só como<br />

aquele que é eterno e imutável na existência, mas também como aquilo que<br />

muda, desenvolve-se, e evolui não podemos escapar ao resultado e devemos<br />

nos encaminhar para a idéia de um Deus triúno. A concepção de um<br />

Deus-homem, de um Salvador, e de um Deus revelado na evolução apresenta<br />

a antítese do Deus Pai e do Deus Filho e a própria concepção deste relacio-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 517<br />

namento implica Deus Espírito Santo, que procede de ambos”. A confissão<br />

de uma Trindade econômica é racional apenas no que implica uma trindade<br />

imanente e eterna.<br />

B) É essencial a qualquer apropriada revelação.<br />

Se não houver Trindade, Cristo não é Deus e não pode conhecer ou revelar<br />

perfeitam ente Deus. O cristianism o não mais é a revelação una, total e final,<br />

porém só um dos muitos sistemas conflitantes e competitivos, dos quais cada<br />

um tem sua parcela de verdade, mas tam bém sua parcela de erro. Assim também<br />

com o Espírito Santo. “Como Deus só pode ser revelado através de Deus<br />

assim tam bém pode-se apropriar dele só através de Deus. Se o Espírito Santo<br />

não for Deus, então o am or e a autocom unicação de Deus à alma humana não<br />

são um a realidade” . Em outras palavras, sem a doutrina da Trindade retom aremos<br />

à m era religião natural e ao deísmo do Deus distante, - e, por fim,<br />

muda-se em panteísmo da forma já mencionada.<br />

M ar tensen, Dogmatics, 104: T homasius, Chrísti Person und Werk, 156.<br />

Se Cristo não é Deus, ele não pode conhecer perfeitamente a si mesmo, e<br />

o testemunho de si mesmo não tem nenhuma autoridade independente.<br />

Na oração o crente tem evidência prática da Trindade e pode perceber o valor<br />

da doutrina; porque ele vem a Deus Pai, em nome de Cristo, e ensina como<br />

orar corretamente através do Espírito Santo. Ver Rm. 8.27 - “Ele examina os<br />

corações [/.e., Deus] sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo<br />

Deus intercede pelos santos”. Ver também, G odet sobre Jo. 1.18 - “Deus<br />

nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, este<br />

o fez conhecer”; note aqui a relação entre oâve è^eyr|aai:o. Napoleão I:<br />

“O cristianismo diz com simplicidade: ‘Ninguém viu Deus a não ser Deus’”.<br />

Jo. 16.15 - “Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso vos disse que há de<br />

receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”; aqui Cristo reivindica para si<br />

tudo que pertence a Deus e declara que o Espírito Santo o revelará. Só o<br />

Espírito divino pode fazer isso do mesmo modo que só o Cristo divino pode<br />

impedir a mão não presunçosa de tomar tudo o que pertence ao Pai.<br />

O agnóstico estará perfeitamente correto em suas conclusões, se não<br />

houver Cristo, se não houver meio de comunicação, se não houver princípio<br />

de revelação na Divindade. Só o Filho revelou o Pai. Até mesmo Ro yce, em<br />

seu Spirit of Modem Philosophy, fala da existência da influência de um eu<br />

infinito, ou Logos, ou Mente do Mundo, de que todas as mentes individuais<br />

são partes ou pedacinhos e de cuja escolha sem fim participamos. Alguns<br />

desses princípios na natureza divina devem ser assumidos se o cristianismo<br />

é a revelação completa e suficiente da vontade de Deus ao homem. O ponto<br />

de vista unitário considera a religião de Cristo como apenas “uma das atuais<br />

obras da humanidade um momento evanescente no avanço incessante da<br />

raça. Por outro lado, o cristão considera Cristo como o único revelador de<br />

Deus, o único Deus com quem temos que ver, a autoridade final em religião,


5 1 8 Augustus Hopkins Strong<br />

a fonte de toda a verdade e o juiz da humanidade. “O céu e a terra passarão,<br />

mas as minhas palavras não hão de passar” (Mt. 24.35). A ressurreição dos<br />

justos e dos injustos será a sua obra (Jo. 5.28), e a retribuição futura será “a<br />

ira do Cordeiro” (Ap. 6.16). Visto que Deus nunca pensa, diz ou faz qualquer<br />

coisa, a não ser através de Cristo e, visto que Cristo faz a sua obra no coração<br />

humano só através da obra do Espírito Santo, podemos concluir que a<br />

doutrina da Trindade é essencial a qualquer revelação apropriada.<br />

C) É essencial a qualquer redenção apropriada.<br />

Se Deus for absoluta e sim plesmente um, não pode haver nenhum a mediação<br />

ou expiação porque o abism o entre Deus e a m ais exaltada criatura<br />

é infinito. Cristo não pode aproximar-nos de Deus mais do que ele mesmo.<br />

Só alguém que é Deus pode reconciliar-nos com Deus. Assim, também, só<br />

alguém que é Deus pode purificar nossas almas. Um Deus que é só unidade,<br />

mas em quem não há pluralidade, pode ser nosso juiz, mas, até onde podemos<br />

ver, não pode ser nosso salvador ou santificador.<br />

“Deus é o caminho para ele mesmo”. “Nada de humano sustenta diante<br />

de Deus e nada a não ser Deus pode satisfazer Deus”. Por isso, o melhor<br />

método de se argumentar com os unitários é despertar o senso de pecado;<br />

porque a alma que tem qualquer convicção apropriada dos seus pecados<br />

sente que só um Redentor infinito pode salvá-la. Por outro lado, a pouca avaliação<br />

do pecado está logicamente em conexão com um baixo ponto de vista<br />

da dignidade de Cristo. T w esten, traduzido em Biblia Sacra, 3.510 - “Parece<br />

não ser um mero acidente que o pelagianismo, quando logicamente levado a<br />

efeito, como por exemplo entre os socinianos, sempre conduziu ao unitarismo”.<br />

Na ordem reversa, também, é manifesto que a rejeição da deidade de<br />

Cristo deve tender a tornar mais superficiais os pontos de vista do pecado e<br />

da culpa e do castigo de que Cristo veio salvá-los e, com isso, matar o sentimento<br />

religioso e cortar as ligações de todo o esforço evangelizante e missionário<br />

(Jo. 12.44; Hb. 10.26). Ver A rthur, sobre a Divindade do nosso Senhor<br />

a respeito da sua obra da Expiação, em Present Day Tracts, 6. n- 35; Ellis,<br />

citado por W atson, Theol. Inst., 23; G unsaulus, Transfig. of the Christ, 13 -<br />

“Temos tentado ver Deus à luz da natureza, enquanto ele diz: ‘Na tua luz<br />

veremos a luz’ (Si. 36.9)”. Devemos ver a natureza à luz de Cristo. Só se<br />

alcança a vida eterna através do conhecimento de Deus em Cristo (Jo. 16.9).<br />

Conseqüentemente, aceitar Cristo é aceitar Deus; rejeitar Cristo é dar as costas<br />

para Deus: Jo. 12.44 - “Quem crê em mim crê não em mim, mas naquele<br />

que me enviou”; Hb. 10.26,29 - “não resta mais sacrifício pelos pecados. ...<br />

[para aquele] que pisar o Filho de Deus”.<br />

No centro de Midlothian [SE da Escócia], Jeanie Deans vai a Londres para<br />

assegurar o perdão da sua irmã. Com as vestes de camponesa, ela não pode<br />

dirigir-se ao rei porque ele não a receberá. Dirige-se a um mordomo escocês<br />

em Londres; através dele, ao Duque de Argyle; através dele, à Rainha; através<br />

da Rainha, ela recebe o perdão do Rei, que ela nunca vê. Esta era a interven­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 1 9<br />

ção medieval. Mas agora vamos diretamente a Cristo e isto nos basta, porque<br />

ele mesmo é Deus (The Outlook). Uma ocasião um homem foi à cela de um<br />

assassino convicto, a pedido de sua mulher e pediu que ele confessasse o<br />

seu crime e aceitasse a Cristo, mas ele se recusou. O falso clérigo era o<br />

governador, com o perdão que se propunha a dar caso o assassino, caso se<br />

arrependesse. A. H. S tr o n g, Christ in Creation, 86 - “Eu ouvi dizer que,<br />

durante a nossa Guerra Civil, um oficial fanfarrão, bêbado, blasfemo insultou<br />

e quase atirou do estaleiro de Alexandria um homem inofensivo em trajes<br />

civis; mas ouvi dizer que o mesmo oficial voltou-se pálido, caiu de joelhos e<br />

pediu misericórdia enquanto o homem exigiu a sua espada, deu-lhe voz de<br />

prisão e deu-se a conhecer como General Grant. Podemos abusar e rejeitar o<br />

Senhor Jesus Cristo e fantasiar que ignoramos as suas reivindicações e<br />

desobedecer as suas ordens com impunidade; mas a coisa parece mais séria<br />

quando por fim achamos que aquele de quem abusamos e rejeitamos outro<br />

não é senão o Deus vivo diante de cuja barra de tribunal nós nos encontramos”.<br />

Henry B. S mith no com eço da vida tinha influência unitária e forte preconceito<br />

contra a doutrina evangélica, especialm ente a da depravação e da divindade<br />

de Cristo. No ano da conclusão do curso superior ele se converteu.<br />

Cyrus Hamlin diz: “Considero a conversão de S mith com o o acontecim ento<br />

mais notável da m inha ép o ca na Faculdade”. As dúvidas sobre a depravação<br />

d esv an eceram -se quando, de relance, ele olhou para o seu próprio coração;<br />

a s dúvidas a respeito da divindade de Cristo não resistiram diante da sua<br />

confissão: “De um a coisa estou seguro: Necessito de um Salvador infinito”.<br />

Eis aqui a força última da doutrina trinitária. Quando o Espírito Santo convence<br />

o homem do pecado, e o põe frente a frente com a ultrajada santidade e<br />

com o amor de Deus, ele é movido a clamar das profundezas da sua alma:<br />

“Ninguém, a não ser o Salvador infinito, jamais pode salvar-me”! Só em um<br />

Cristo divino - que por nós suportou a Cruz, e em nós através do seu Espírito<br />

- pode a alma convencida encontrar paz e descanso. Deste modo todo o<br />

avivamento da verdadeira religião dá novo impulso à doutrina da Trindade.<br />

H enry B. S mith escreveu no fim da sua vida: “Quando a doutrina da Trindade<br />

foi abandonada, outros artigos de fé tais como a expiação e a regeneração,<br />

quase sempre se seguiram, por necessidade lógica, como quando se tira o fio<br />

de um colar de gemas, estas se desprendem”.<br />

D) É essencial a qualquer modelo apropriado de vida humana.<br />

Se não há Trindade imanente na natureza divina, então a paternidade em<br />

Deus teve um começo e pode ter um fim; A filiação, contudo, não mais é<br />

perfeição, porém imperfeição, ordenada com um propósito temporário. Mas<br />

se a doação paternal e o recebimento filial são eternos em Deus, então a lei do<br />

am or requer de nós conform idade com Deus em ambos estes respeitos como a<br />

mais elevada dignidade de nosso ser.<br />

Ver H utton, Essays, 1.232 - “A Trindade nos fala de algo da natureza<br />

absoluta e essencial de Deus; não somente o que ele é para nós, mas o que<br />

ele é em si mesmo. Se Cristo é o eterno Filho do Pai, Deus é na verdade e na


5 2 0 Augustus Hopkins Strong<br />

essência o Pai; a natureza social, o surgimento do amor é a própria essência<br />

do Ser eterno; a comunicação da vida, a reciprocidade de afeto vai além do<br />

tempo, pertence ao próprio ser de Deus. A idéia unitária de um Deus solitário<br />

afeta profundamente a nossa concepção de Deus e a reduz a uma simples<br />

força e identifica Deus com a causa e pensamento abstratos. O amor baseia-<br />

se na força, não a força no amor. O Pai surge no gênio onisciente e onipotente<br />

do universo”. Portanto, 1 Jo. 2.23 - “Qualquer que nega o Filho também<br />

não tem o Pai”. D’A rcy, Idealism and Theology, 204 - “Se Deus for simplesmente<br />

uma grande pessoa então temos que pensar nele como esperando até<br />

que o processo todo da criação se tenha completado antes que o seu amor<br />

possa encontrar um objeto ao qual se entregue. Nesse caso, o seu amor<br />

pertence, não à sua íntima essência, mas à relação com as suas criaturas.<br />

As palavras ‘Deus é amor’ (1 Jo. 4.8) tornam-se um exagero retórico, ao invés<br />

de expressão de uma verdade acerca da natureza divina”.<br />

H u t t o n , Essays, 1.239 - “Precisamos também da inspiração e auxílio de<br />

uma perfeita vontade filial. Não podemos conceber o Pai participando dessa<br />

atitude dependente do espírito que é a nossa principal necessidade espiritual.<br />

É a perfeição do Pai que origina - a do Filho recebe. Necessitamos de<br />

simpatia e auxílio nesta vida receptiva; daí o auxílio do verdadeiro Filho.<br />

A humildade, o sacrifício próprio, a submissão, são celestes, eternos, divinos”.<br />

A vida filial de Cristo é a raiz de toda a vida filial em nós. Ver Gl. 2.19,20<br />

- “não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e a vida que eu vivo na<br />

carne vivo-a na fé que está no Filho de Deus, que me amou e deu a sua vida<br />

por mim”. T h o m a s E r skin e de Linlathen, The Spiritual Order, 233 - “Não existe<br />

nada de degradante nesta dependência porque participamos dela com o<br />

Filho eterno”. G o r e , Incarnation, 162 - “Deus pode limitar-se através das condições<br />

da humanidade, porque, em si, Deus contém eternamente o protótipo<br />

do sacrifício próprio e limitação própria humanos, porque Deus é amor”.<br />

Sobre as trindades pagãs, ver Bib. Repository, 6.116; C h r istlieb, Mod. Doubt<br />

and Christian Beiief, 266,267 - “Lao-tsé, 600 a.C., diz: ‘Tao, o princípio inteligente<br />

de todos os seres, é por natureza um; o primeiro gerou o segundo; ambos<br />

geraram o terceiro; estes três fizeram todas as coisas’ “. A Tríada egípcia de<br />

Abidos era Osíris, sua mulher ísis, e seu Filho Hórus. Mas estes não eram<br />

pessoas de verdade; porque não só o Filho procedia do Pai, mas o Pai procedia<br />

do Filho; a trindade egípcia era panteísta quanto ao sentido. Ver R e n o u f,<br />

Hibbert Lectures, 29; R a w lin s o n , i, 46,47. A Trindade dos Vedas era Diaus,<br />

Indra, Agni. Seria derivada das três dimensões do espaço? Ou da família - pai,<br />

mãe, filho? O homem cria Deus à sua imagem e vê a vida familiar em Deus?<br />

ATrimúrti brâmane, ou Trindade, cujos membros são Brama, Vishnu, Shiva<br />

- fonte, sustento, fim - é a personificação do todo panteístico, que habita de<br />

igual modo nos bons e nos maus, em deus e no homem. Os três são representados<br />

pelas três letras místicas da sílaba Om, ou Aum, e, em Elefanta,<br />

através da imagem de três cabeças e um corpo. Os lugares dos três são<br />

revezados. W il l ia m s : “Nas três pessoas apresenta-se um só Deus; cada uma<br />

em primeiro lugar, cada uma em último, nenhuma sozinha; de Shiva, Vishnu,<br />

Brama, cada uma pode ser Primeira, segunda, terceira entre as três benditas”.<br />

Há dez encarnações de Vishnu para a salvação dos homens nos vários tempos<br />

de necessidade; e um espírito que temporariamente investe-se de quali­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

dades da matéria reduz-se à sua essência original no fim do eon (Kalpa).<br />

Esta é apenas uma forma grosseira do sabelianismo, ou de uma Trindade<br />

modal. Segundo R e n o u f não é mais antiga do que 1400 A.D. O budismo,<br />

em tempos mais tardios tinha a sua Tríada. O primeiro princípio, Buda, ou<br />

Inteligência, associado com o princípio da matéria, Darma, ou Lei, através da<br />

influência combinadora de Sanga, ou ordem, princípio mediador.<br />

A trindade grega compunha-se de Zeus, Atena e Apoio. Apoio ou Lixos<br />

(Xóyoq) profere as decisões de Zeus. “Estes três ultrapassam os outros deuses<br />

no caráter moral e no cuidado providencial sobre o universo. Eles mantêm<br />

tão estreitos e caros relacionamentos recíprocos de que se pode dizer<br />

que ‘concordam em um’ “. Contudo, a trindade grega, enquanto nos apresenta<br />

três pessoas, não nos apresenta unidade de essência. É um sistema de<br />

triteísmo. Plotino, 300 A.D. apresenta-nos uma trindade filosófica em seu tò<br />

e v , ó voúç, fi yo%r|.<br />

W a t t s , New Apologetic, 1 9 5 - As trindades pagãs são “fragmentos residuais<br />

do conhecimento perdido de Deus, não estágios diferentes num processo<br />

de evolução teológica, mas evidência de uma degradação moral e<br />

espiritual”. J o h n C a ir d , Fund. Ideas of Christianity, 9 2 - “Nos Vedas as várias<br />

divindades individuais não estão separadas por dura e rápida distinção recíproca.<br />

Elas apenas são nomes para um todo indivisível de que a divindade<br />

particular invocada num determinado tempo é o tipo ou representação. Há um<br />

reconhecimento latente de uma unidade sob toda a multiplicidade dos objetos<br />

de adoração. Nunca se emprega o elemento pessoal ou antropomórfico como<br />

na mitologia grega e romana. A pessoalidade atribuída a Mitra ou a Varuna ou<br />

a Indra ou Agni dificilmente é mais real do que o nosso moderno céu sorridente,<br />

ou a nossa ciosa brisa ou lamentoso e taciturno incansável mar. ‘Há apenas<br />

um’, dizem eles, ‘embora os poetas o chamem por diferentes nomes’.<br />

O céu de total alcance, a poderosa natureza é a realidade atrás de cada uma<br />

destas manifestações parciais. O elemento panteístico implícito na fase védica<br />

da religião hindu torna-se explícita no bramanismo e, em particular, nos assim<br />

chamados sistemas hindus de filosofia e nos seus poemas épicos. Eles procuram<br />

encontrar no fluxo e variedade das coisas a permanente essência subjacente.<br />

Isto é Brama. Deste modo Espinosa procurava repousar na substância<br />

eterna e queria ver as coisas “sob a forma da eternidade’. Todas as coisas e<br />

seres são formas de um todo, da substância infinita que chamamos Deus”.<br />

O agrupamento das religiões pagãs segundo uma trindade em Deus, juntamente<br />

com a sua incapacidade de construir o seu esquema, são evidências<br />

de uma vontade racional na natureza humana que só a doutrina cristã é<br />

capaz de fornecer. Este poder de satisfação das mais íntimas necessidades<br />

do crente é prova desta verdade. Encerramos este nosso assunto com as<br />

palavras de J er e m y T a y l o r : “Aquele que intenta falar do mistério da Trindade e<br />

o faz por palavras e nomes de invenção humana, falando de essência e existências,<br />

hipóstases e pessoalidades, prioridade na igualdade, e unidade na<br />

pluralidade, pode entreter-se e construir um tabernáculo na sua cabeça, e<br />

conversar algo - não sabe o quê; mas o homem renovado, que sente o poder<br />

do Pai, para quem o Filho se faz sabedoria, santificação e redenção em cujo<br />

coração o amor do Espírito de Deus é derramado - tal homem, embora nada<br />

entenda do ininteligível, verdadeiramente entende a doutrina cristã da Trindade”.<br />

521


C a pít u l o I II<br />

OS DECRETOS DE DEUS<br />

I. DEFINIÇÃO DE DECRETOS<br />

Decretos são o plano eterno pelo qual Deus tomou certos todos os eventos<br />

do universo, passados, presentes e futuros.<br />

a) Os decretos são muitos somente para a nossa compreensão finita; em<br />

sua própria natureza eles são apenas um plano que abrange não só os efeitos,<br />

mas também as causas; não só os fins a serem assegurados, mas também os<br />

meios necessários para assegurá-los.<br />

Rm 8.28 - “chamados por seu decreto” - os muitos decretos para a salvação<br />

de muitos indivíduos são representados como formando apenas um propósito<br />

de Deus. Ef. 1.11 - “predestinados conforme o propósito daquele que<br />

faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” - note ainda que a<br />

palavra propósito está no singular. Ef. 3.11 - “segundo o eterno propósito que<br />

fez em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Este propósito ou plano de Deus inclui<br />

tanto os meios como os fins, oração e resposta, trabalho e fruto. Provérbio<br />

tirolês: “Deus tem seu Plano para cada homem”. Cada homem, do mesmo<br />

modo que Jean Paul, é “der Einzige" - o único. H á um simples plano que<br />

abrange todas as coisas; “empregamos a palavra ‘decreto’ quando pensamos<br />

na sua participação” ( P e p p e r ). Ver H o d g e , Outlines of Theology, ed.,<br />

165, 2- ed., 200 - “Na verdade não há evento isolado: a determinação de um<br />

envolve a determinação de toda a concatenação das causas e efeitos que<br />

constituem o universo”. Prefere-se a palavra “plano” à palavra “decretos”,<br />

porque aquela exclui as idéias 1) de pluralidade, 2) de visão curta, 3) de arbitrariedade,<br />

4) de compulsão.<br />

b) Os decretos, como ato eterno de uma vontade infinitamente perfeita,<br />

apesar de ter relações lógicas uns com os outros, não têm nenhuma relação<br />

cronológica. Portanto, eles não são resultado de deliberação em qualquer sentido<br />

que implique visão curta ou hesitação.<br />

Logicamente, no decreto de Deus, o sol precede o seu brilho, e o decreto<br />

de criar o pai precede o decreto de que haverá um filho. Deus decreta o


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 2 3<br />

homem antes de decretar os atos deste; decreta a criação do homem antes<br />

de decretar a existência deste. Entretanto, não há sucessão cronológica.<br />

A palavra “conselho” em Ef. 1.11 - “o conselho da sua vontade” - não significa<br />

deliberação, mas sabedoria.<br />

c) Porque a vontade na qual os decretos têm sua origem é livre, os decretos<br />

não são simplesmente exercício instintivo ou necessário da inteligência ou<br />

vontade divina como supõe o panteísmo.<br />

É próprio da perfeição de Deus que ele tenha um plano, e o melhor possível.<br />

Nisto não há nenhuma necessidade, mas apenas a certeza de que a<br />

sabedoria infinita age sabiamente. Deus não é os seus decretos; eles não<br />

são idênticos à sua essência; eles não fluem do seu ser do mesmo modo<br />

necessário em que o Filho eterno procede do Pai eterno. Em Deus existe a<br />

vontade livre, que age com certeza infinita, embora não coagido por uma<br />

necessidade. Chamar o decreto de salvação necessária é negar a graça, e<br />

fazer de Deus um ser não livre.<br />

d) Os decretos têm referência às coisas exteriores a Deus. Deus não decreta<br />

ser santo, nem existir como três pessoas em uma essência.<br />

Os decretos são a preparação para os eventos externos - o alcance de<br />

algumas coisas e atos dentro de um plano. Eles não incluem os processos e<br />

operações dentro da divindade que não têm nenhuma relação com o universo.<br />

e) Os decretos primeiramente dizem respeito aos atos do próprio Deus, na<br />

Criação, na Providência e na graça; em segundo lugar, aos atos das criaturas<br />

livres, que ele prevê resultarão delas.<br />

“Apesar de negarmos a afirmação de W h e d o n , de que o plano divino abrange<br />

apenas as ações divinas”, admitimos que o plano de Deus refere-se primordialmente<br />

às suas próprias ações, e que os atos pecaminosos dos<br />

homens, em particular, não são objetos de um decreto de que Deus os executará<br />

eficientemente, mas de que Deus permitirá aos homens que, no exercício<br />

da sua iivre vontade, as executem.<br />

f ) O decreto de agir não é agir. Os decretos são exercício interior e manifestação<br />

dos atributos divinos e não devem ser confundidos com a Criação, a<br />

Providência e a Redenção que consistem na execução dos decretos.<br />

Os decretos são a primeira operação dos atributos, e a primeira manifestação<br />

da pessoalidade de que temos qualquer conhecimento dentro da divindade.<br />

Eles pressupõem os atos essenciais ou movimentos dentro da natureza


5 2 4 Augustus Hopkins Strong<br />

divina que chamamos geração ou procedimento. Conseqüentemente, envolvem<br />

a execução dos decretos que denominamos Criação, Providência e<br />

Redenção, mas que não devem ser confundidos com qualquer um deles.<br />

g) Portanto, os decretos não se dirigem às criaturas; não são da natureza da<br />

lei estatuída; e nem impõe coação ou obrigação à vontade dos homens.<br />

Deste modo, ordenar o universo a cuja ação os homens vão dar prosseguimento<br />

é coisa bem diferente de declarar, ordenar ou mandar que eles<br />

façam. “Nossos atos concordam com os decretos, mas não necessariamente;<br />

podemos agir de outra forma e freqüentemente o fazemos” (P ark). O francês<br />

que caiu na água e gritou: “Eu vou me afogar; que ninguém venha ajudar-<br />

me!” estava naturalmente consentindo em afogar-se; se ele tivesse dito:<br />

“Eu vou me afogar; ninguém quer ajudar-mel”, talvez tivesse chamado alguma<br />

pessoa amigável para auxiliá-lo.<br />

h) Todos os atos humanos, quer maus quer bons, entram no plano divino, e<br />

assim são objetos dos decretos de Deus, apesar de que a verdadeira atuação de<br />

Deus com relação ao mal é apenas permissiva.<br />

Nenhum decreto de Deus reza: “Pecarás”. Porque 1) nenhum decreto é<br />

dirigido a você; 2) nenhum decreto sobre você diz: você fará\ 3) Deus não<br />

pode fazer pecar, ou decretar fazê-lo. Ele somente decreta criar, e ele mesmo<br />

agir, de tal modo que você queira, de sua livre escolha, cometer o pecado.<br />

Deus determina sobre os seus atos prever qual será o resultado dos atos<br />

livres das suas criaturas e, deste modo, determina os resultados. Este decreto<br />

permissivo é tão somente o decreto de Deus a respeito do pecado. O próprio<br />

homem é capaz de produzir o pecado. Por si mesmo ele é incapaz de<br />

produzir a santidade. Na produção da santidade devem concorrer duas forças:<br />

a vontade de Deus e a do homem; a de Deus deve agir em primeiro lugar.<br />

Por isso, o decreto do bem não é simplesmente permissivo, como no caso do<br />

mal. No caso daquele, o decreto de Deus é o de produzir os agentes positivos<br />

na sua execução, tais como as circunstâncias, os motivos, as influências do<br />

Espírito. Mas, no caso do mal, os decretos de Deus são apenas as disposições<br />

para que o homem aja como lhe apraz; Deus apenas prevê o resultado.<br />

Não se deve confundir o agente permissivo com o condicional, nem o<br />

decreto permissivo com o condicional. Deus preordenou o pecado indiretamente.<br />

A máquina não é construída para a fricção, mas a despeito dela.<br />

Na parábola de Mt. 13.24-30, pergunta-se: “Por que tem, então, joio?” Não se<br />

responde dizendo: “Eu decretei o joio”, mas: “O inimigo é quem fez isso”.<br />

Contudo, devemos fazer uma exceção ao D iretor F airbairn, Place ofChristin<br />

Theology, 456, ao dizer: “Deus não permite que haja o pecado; em sua<br />

essência, ele é a transgressão da lei divina e a única atitude de Deus para<br />

com o pecado é a de oposição. O pecado ocorre porque o homem contraditou<br />

e resistiu a vontade de Deus”. Aqui a verdade da oposição divina ao pecado<br />

se evidencia tão nitidamente como se nega o decreto do pecado em qualquer


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 525<br />

sentido. Sustentamos que Deus decreta o pecado no sentido do alcance no<br />

plano das transgressões previstas do homem, enquanto ao mesmo tempo<br />

sustentamos que estas transgressões previstas são atribuídas totalmente ao<br />

homem e não a Deus.<br />

0 Enquanto o plano total com relação às criaturas é chamado predestinação,<br />

ou preordenação, seu propósito de agir de tal modo que alguns crerão e<br />

serão salvos chama-se eleição e seu propósito de agir de tal modo que alguns<br />

se recusarão a crer e se perderão é chamado reprovação. Discutiremos eleição<br />

e reprovação em capítulo posterior como parte da aplicação da Redenção.<br />

Os decretos de Deus podem ser divididos em: relativos à natureza, e aos<br />

seres morais. A estes chamamos preordenação, ou predestinação; e destes<br />

decretos sobre os seres morais há dois tipos: o decreto da eleição e o da reprovação;<br />

ver doutrina da Eleição.<br />

II. PR O VA D A DOUTRIN A DOS D ECRETO S<br />

1. D a E scritura<br />

A) As Escrituras declaram que todas as coisas estão incluídas nos decretos<br />

divinos.<br />

B) Elas declaram que se decretam as coisas e eventos especiais; como, por<br />

exemplo, a) a estabilidade do universo físico; b) as circunstâncias externas<br />

das nações; c ) a duração da vida humana; d) o modo da nossa morte; e) os atos<br />

livres do homem tanto bons como maus. C. Elas declaram que Deus decretou<br />

a) a salvação dos crentes; b) O estabelecim ento do reino de Cristo; c) a obra<br />

de Cristo e de seu povo em seu estabelecimento.<br />

A) Is. 14.26,27 - “Este é o conselho que foi determinado sobre toda esta<br />

terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o<br />

Senhor dos Exércitos o determinou ... E a sua mão estendida está; quem,<br />

pois, a fará voltar atrás?” 46.10,11 - “que anuncio o fim desde o começo e,<br />

desde a antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu<br />

conselho será firme, e farei toda a minha vontade ... porque assim disse e<br />

assim acontecerá; eu o determinei e também o farei”. Dn. 4.35 - “segundo a<br />

sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; e não<br />

há quem possa estorvar a sua mão e lhe diga: Que fazes?” Ef. 1.11 - “o propósito<br />

daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”.<br />

B) (a) SI. 119.89-91 - “Para sempre, ó Senhor, a tua palavra permanece<br />

no céu. A tua fidelidade estende-se de geração a geração; tu firmaste a terra,


5 2 6 Augustus Hopkins Strong<br />

e firme permanece. Conforme tudo o que ordenaste, tudo se mantém até<br />

hoje; porque todas as coisas te obedecem”, (b) At. 17.26 - “e de um fez toda<br />

a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra, determinando<br />

os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação”; cf. Zc. 6.1 -<br />

“quatro carros que saíram dentre dois montes, e estes eram montes de metal”<br />

= seriam os decretos dos quais procedem os desígnios providenciais de Deus?<br />

(c) Jó 14.5 - “Visto que os seus dias estão determinados, contigo está o<br />

número dos seus meses; e tu puseste limites, e não passará além deles”.<br />

(d) Jo. 21.19 - “E disse isso, significando com que morte havia ele de glorificar<br />

a Deus (e) Atos bons: Is. 44.28 - “Quem diz de Ciro: Ele é o meu pastor,<br />

e cumprirá tudo o que me apraz; dizendo também a Jerusalém: Sê edificada;<br />

e ao templo: Funda-te”; Ef. 2.10 - “Porque somos feitura sua, criados em<br />

Cristo para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos<br />

nelas”. Atos maus: Gn. 50.20 - “vós bem intentastes mal contra mim, porém<br />

Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em<br />

vida um povo grande”; 1 Re. 12.15 - “O rei, pois, não deu ouvidos ao povo,<br />

porque esta revolta vinha do Senhor “; 24 - “eu é que fiz esta obra”; Lc. 22.22<br />

- “E, na verdade, o Filho do Homem vai, segundo o que está determinado;<br />

mas ai daquele homem por quem é traído”! At. 2.23 - “este, que vos foi entregue<br />

pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o cru-<br />

cificastes e matastes pelas mãos de injustos”; 4.27,28 - “verdadeiramente,<br />

contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes,<br />

mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel, para fazerem tudo o<br />

que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se<br />

havia de fazer”; Rm. 9.17 - “Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo<br />

te levantei, para em ti mostrar o teu poder”; 1 Pe. 2.8 - “para aqueles que<br />

tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados”;<br />

Ap. 17.17 - “Porque Deus tem posto em seu coração que cumpram o<br />

seu intento, e tenham uma mesma idéia, e que dêem à besta o seu reino até<br />

que se cumpram as palavras”.<br />

C) (a)1 Co. 2.7 - “a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus<br />

ordenou antes dos séculos para a nossa glória”; Ef. 3.10,11 - “a multiforme<br />

sabedoria de Deus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus,<br />

nosso Senhor”. Ef. 1 é um peã em louvor aos decretos de Deus. (b) O maior<br />

de todos os decretos é o que se refere à dádiva de Cristo ao mundo. SI. 2.7,8<br />

- “Recitarei o decreto: ... eu te darei as nações por herança”; cf. v. 6 - “eu,<br />

porém, constituí o meu Rei sobre o meu monte Sião”; 1 Co. 15.25 - “Porque<br />

convém que ele reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus<br />

pés”, (c) Devemos fazer deste o nosso decreto; a vontade de Deus deve ser<br />

executada através da nossa vontade. Fp. 2.12,13 - “operai a vossa salvação<br />

com temor e tremor; porque é Deus que opera em vós tanto o querer como o<br />

efetuar, segundo a sua boa vontade”; Ap. 5.1,7 - “E vi na destra do que estava<br />

sentado sobre o trono um livro escrito por dentro e por fora, selado com<br />

sete selos ... E [o Cordeiro] veio e tomou o livro da destra do que estava<br />

assentado no trono”; 9 - “Digno és de tomar o livro e de abrir os seus selos” =<br />

Só Cristo tem a onisciência para conhecer, e a onipotência para executar os<br />

decretos divinos. Quando João chora porque não há ninguém no céu ou na<br />

terra para soltar os selos e ler o livro dos decretos de Deus, o Leão da tribo de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Judá aparece para abri-lo. Só Cristo conduz o curso da história rumo ao seu<br />

fim indicado.<br />

2. Da Razão<br />

a) A partir da presciência divina<br />

Presciência im plica fixidez e fixidez im plica decreto. - Desde a eternidade<br />

Deus previu todos os eventos do universo como fixos e certos. Tal fixidez e<br />

certeza não podiam ter tido sua base quer no destino cego ou nas variáveis<br />

vontades dos homens visto que nenhum destes tinha sua existência. Não podia<br />

ter tido sua base em coisa algum a fora da m ente divina, pois na eternidade<br />

nada existia além da mente divina. Mas para esta fixidez deve ter havido uma<br />

causa; se algo no futuro era fixo algum a coisa deveria tê-lo fixado. Esta fixidez<br />

podia ter tido sua base só no plano e propósito de Deus. Por fim, se Deus<br />

previu o futuro como certo, deve ter sido porque havia algo nele que o tomou<br />

certo; ou, em outras palavras, porque ele o decretara.<br />

Por isso objetamos a afirmação de E. G. Robinson, Christian Theology, 74<br />

- “O conhecimento de Deus e os propósitos de Deus, sendo ambos eternos,<br />

não se pode conceber como a base recíproca nem serem atribuídos à exclusão<br />

de um deles como causa das coisas, mas como correiatos e eternos,<br />

devem ser quantidades coiguais do pensamento”. Retrucamos que, conquanto<br />

o decreto não preceda cronologicamente, logicamente ele precede a presciência.<br />

A presciência não é formada de eventos possíveis, mas daquilo que,<br />

sem nenhuma dúvida vai ser um evento. A certeza dos eventos futuros, que<br />

Deus antecipadamente conhece pode ter sido a base só do seu decreto, visto<br />

que só ele existia para ser a base e explicação desta certeza. Os eventos só<br />

foram fixados porque Deus os fixou. S hedd, Dogm. Theol., 1.397 - “Um evento<br />

deve tornar-se certo, antes de ser conhecido como um evento certo”. Turre-<br />

tin, Inst. Theol., loc. 3, quaes. 12,18 - “Praecipuum fundamentum scientiae<br />

divinae circa futura contingentia est decretum solum”. (Só o decreto é o principal<br />

fundamento da ciência divina sobre as contingências futuras.)<br />

D ecretar a criação im plica decretar os resultados previstos da criação.<br />

- Para enfrentar a objeção de que Deus poderia ter previsto os eventos do<br />

universo, não porque ele decretara cada um, mas só porque ele decretara criar<br />

o universo e instituir suas leis, poderemos colocar o argumento de outra forma.<br />

N a eternidade não podia ter havido nenhum a causa da existência futura<br />

do universo, afora o próprio Deus porque não existia nenhum ser além do<br />

próprio Deus. Na eternidade Deus previu que a criação do mundo e a instituição<br />

de suas leis tom aria certa sua verdadeira história nos mais insignificantes<br />

527


5 2 8 Augustus Hopkins Strong<br />

pormenores. Mas Deus decretou criar e instituir estas leis. Em assim decretando,<br />

ele necessariamente decretou tudo ou que haveria de vir. Por fim, Deus<br />

previu os futuros eventos do universo como certos porque ele decretara criar;<br />

mas esta determ inação de criar envolvia tam bém a determ inação de todos os<br />

verdadeiros resultados de tal criação; ou, em outras palavras, Deus decretou<br />

aqueles resultados.<br />

E. G. Robinson, 84 - “Pode-se inferir a existência dos decretos divinos a<br />

partir da existência da lei natural”. Lei = certeza = vontade de Deus. Os positivistas<br />

externam grande desprezo pela doutrina do propósito eterno de Deus<br />

embora eles nos confiem a férrea necessidade das forças físicas e das leis<br />

naturais. O Dr. Robinson também assinala que os decretos estão “implicados<br />

nas profecias. Não podemos conceber que todos eventos devem ter convergido<br />

para o grande evento - a morte de Cristo - sem a intercessão de um<br />

propósito eterno”. E. H. J ohnson, Outline Syst. Theol., 2- ed., 251, nota -<br />

”A razão é confrontada pelo paradoxo de que os decretos divinos são ao<br />

mesmo tempo absolutos e condicionais; a solução do paradoxo é que Deus,<br />

de um modo absoluto, decretou um sistema condicional - contudo, um sistema<br />

cujas obras ele conhece previamente”. A rude pedra não cortada e a estátua<br />

em que foi transformada estão ambas incluídas no plano do escultor.<br />

Nenhum evento não decretado pode ser previsto. - Admitimos que Deus<br />

decreta em primeiro lugar e diretamente seus atos da criação, providência e<br />

graça; mas sustentamos que isto envolve tam bém em segundo lugar e indiretamente<br />

o decreto dos atos das criaturas livres que ele prevê resultarem deles.<br />

Não há, portanto, em Deus, um a coisa tal como scientia media, ou conhecimento<br />

de um evento que ocorrerá apesar de não entrar no plano divino; pois<br />

dizer que Deus prevê um evento não decretado é dizer que ele vê como futuro<br />

um evento que é simplesmente impossível; ou, em outras palavras, que ele vê<br />

um evento não como ele é.<br />

Reconhecemos só dois tipos de conhecimento: 1) O dos possíveis não<br />

decretados e 2) o conhecimento antecipado dos reais decretados. Scientia<br />

media é um suposto conhecimento intermediário entre os dois, a saber<br />

3) conhecimento antecipado dos reais decretados. Ver mais explicações abaixo.<br />

Negamos a existência deste terceiro tipo de conhecimento. Sustentamos<br />

que o pecado é decretado no sentido da determinação da parte de Deus<br />

sobre um sistema cuja previsão existia de tornar-se certo. O pecado do<br />

homem pode ser previsto, embora Deus não seja a sua causa imediata. Deus<br />

conhece as possibilidades, sem, afinal de contas, tê-las decretado. Mas Deus<br />

não pode prever as coisas reais a não ser que, por seu decreto, as tenha<br />

tornado certas no futuro. Ele não pode prever aquilo que não há para ser<br />

previsto. Royce, World and Individual, 2.374, sustenta que Deus tem, não a<br />

presciência, mas o conhecimento eterno, das coisas temporais. Porém retru­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

camos que prever como um ser moral vai agir não é mais impossível do que<br />

saber como um ser moral estando em dadas circunstâncias iria agir.<br />

Só o conhecimento do que é decretado é presciência. - O conhecimento de<br />

um plano como ideal ou possível pode preceder o decreto; mas o conhecimento<br />

de um plano como real ou fixo deve seguir o decreto. Só este conhecimento<br />

é apropriadamente presciência. Deus, portanto prevê a criação, as causas, as<br />

leis, os eventos, as conseqüências; isto é, porque ele abarcou todos estes em<br />

seu plano. A negação dos decretos logicam ente envolve a negação do presciência<br />

de Deus sobre as ações humanas livres; e a isto na verdade são conduzidos<br />

os socinianos e alguns arminianos.<br />

Um exemplo arminiano desta negação encontra-se em M cC abe, Foreknow-<br />

ledge of God, and Divine Nescience of Future Contigencies a Necessity.<br />

Per contra ver notas sobre a presciência de Deus, neste compêndio, págs.<br />

283-286 (O atributo da onisciência). P epper: “A volição divina fica logicamente<br />

entre duas divisões e tipos de conhecimento divino”. Deus conheceu as<br />

ações livres do homem como possíveis, antes de decretá-las; conheceu-as<br />

como futuras, porque ele as decretou. Logicamente, embora não cronologicamente,<br />

o decreto vem antes da presciência. Quando eu digo, “eu sei o que<br />

eu vou fazer", é evidente que já determinei e que o meu conhecimento não<br />

precede a determinação, mas segue-a e baseia-se nela. Por isso não é correto<br />

dizer que os decretos são presciência. Ele conhece antecipadamente aquilo<br />

que ele decretou e o conhece antecipadamente porque ele o decretou.<br />

Seus decretos são eternos e nada que é eterno pode ser objeto de presciência.<br />

G. F. W right, em Biblia Sacra, 1877.723 - “O conhecimento de Deus<br />

abrangeu os pormenores e incidentes de cada plano possível. A escolha de<br />

um plano fez do seu conhecimento determinado uma presciência”.<br />

Por isso há dois tipos de conhecimento: 1) conhecimento do que pode ser<br />

- do possível (scientia simplicis intelligentiae); 2) Conhecimento do que é, e<br />

deve ser, porque Deus o decretou (scientia visionis). Entre estes dois, Molina,<br />

jesuíta espanhol, erroneamente pensava que houvesse 3) um conhecimento<br />

médio das coisas que deveriam ser, apesar de que Deus não as tinha decretado<br />

(scientia media). Naturalmente que este seria um conhecimento que<br />

Deus derivou, não de si mesmo, mas das criaturas! Ver D ick, Theology, 1.351.<br />

A. S. C arman: “É difícil ver como o conhecimento de Deus pode ter sua causa<br />

a partir da eternidade por algo que não existe até um ponto definido do tempo”.<br />

Se se disser que aquilo que deve ser será, “na natureza das coisas”,<br />

respondemos que a “natureza das coisas não existe independentemente de<br />

Deus e que a base da certeza objetiva assim como da subjetiva que corresponde<br />

a ela, só se encontra no próprio Deus.<br />

Mas o decreto de Deus criar, quando ele prevê que ocorrerão alguns atos<br />

livres dos homens, é o decreto daqueles atos livres, apenas no sentido em<br />

que empregamos a palavra decretar como se acha deste modo, a saber,<br />

alguns ou abrangendo em seu plano. Nenhum arminiano que crê na presciência<br />

de Deus sobre os atos livres tem boa razão para negar os decretos de<br />

529


5 3 0 Augustus Hopkins Strong<br />

Deus explicados deste modo. Sem dúvida Deus não sabia antecipadamente<br />

que Adão existiria e o pecado, quer Deus determinasse criá-lo, quer não.<br />

Então a onisciência se torna conhecimento antecipado só sob a condição do<br />

decreto de Deus. O fato de a presciência de Deus sobre os atos livres é intuitiva<br />

não afeta esta conclusão. Admitimos que, conquanto o homem possa<br />

predizer os atos livres só pelo fato de ser racional (/'.e., na direção do motivo<br />

previamente dominante), Deus pode predizer a ação livre seja ela racional,<br />

ou não. Mas nem mesmo Deus pode predizer o que não está certo de acontecer.<br />

Deus tem uma presciência intuitiva dos atos livres no homem por causa<br />

da condição do seu próprio decreto de criar; e este decreto de criar, na previsão<br />

de tudo aquilo que se seguirá é o decreto do que se segue.<br />

b) A partir da sabedoria divina<br />

É parte da sabedoria divina prosseguir em cada em preitada segundo um<br />

plano. Quanto m aior a empreitada, mais necessário é o plano. A sabedoria,<br />

contudo, mostra-se em um a cuidadosa provisão de todas as possíveis circunstâncias<br />

e emergências que podem surgir na execução de seu plano. O fato de<br />

que muitas de tais circunstâncias e em ergências não são contempladas e não<br />

são providas nos planos dos homens deve-se apenas às limitações da sabedoria<br />

humana. Portanto, pertence à sabedoria infinita não só ter um plano, mas<br />

abrangê-lo todo, até nos mínimos porm enores no plano do universo.<br />

Nenhuma arquiteto tentaria edificar uma catedral de Colônia sem um plano;<br />

ao contrário, se possível, faria um desenho de cada pedra. O grande pintor<br />

não faz um estudo da sua tela à medida em que ele vai pintando; o seu<br />

plano surge desde o começo; as preparações para os últimos efeitos fizeram-<br />

se a partir do início. Do mesmo modo, na obra de Deus, cada pormenor é<br />

previsto e tomadas as devidas providências; o pecado e Cristo entraram no<br />

plano original do universo. R aymond, Syst. Theol., 2.156, diz que esta atitude<br />

implica que Deus não pode governar o mundo sem que todas as coisas sejam<br />

reduzidas a fórmulas mecânicas; e isto não pode ser verdade, em razão de<br />

que o governo de Deus não trata de coisas, mas de pessoas. Replicamos que<br />

o sábio estadista não governa coisas, mas pessoas, contudo na exata proporção<br />

da sua sabedoria e dirige a sua administração conforme um plano<br />

preconcebido. Deus poderia governar o universo abrangendo todas as coisas,<br />

até as mínimas ações humanas, em seu plano, mas a sua sabedoria não<br />

o faria.<br />

c) A partir da im utabilidade divina<br />

O que Deus faz sempre propôs fazê-lo. Porque com ele não há aumento de<br />

conhecimento ou poder como acontece com os seres finitos, segue-se que aquilo<br />

que sob dadas circunstâncias ele perm ite ou faz, ele deve ter eternamente


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 531<br />

decretado fazer ou permitir. Supor que Deus tem um a multidão de planos e<br />

que ele m uda seu plano de acordo com as exigências da situação é fazê-lo<br />

infinitamente dependente das variadas vontades das suas criaturas e negar-lhe<br />

um elem ento necessário à perfeição, a saber, a imutabilidade.<br />

Deus tem sido imerecidamente comparado a um jogador de xadrez, que<br />

dá um xeque-mate no seu adversário qualquer que seja o lance deste (G eorge<br />

Harris). D o mesmo modo se diz que Napoleão tinha numerosos planos antes<br />

de cada batalha e mudou de um para o outro à medida que a sorte demandava.<br />

Com Deus não é assim. Jó 23.13 - “se ele está contra alguém, quem<br />

o desviará”? Tg. 1.17 - “Pai das luzes, em quem não há mudança, nem<br />

sombra de variação”. Contraste com este trecho a afirmação de M cC abe,<br />

Foreknowledge of God, 62 - “Este novo fator, a liberdade do homem semelhante<br />

à de Deus, é capaz de contrapor-se, e em inúmeros exemplos o faz, a<br />

vontade divina, e compele o grande Eu Sou a modificar suas ações, seus<br />

propósitos e seus planos, no tratamento para com indivíduos e comunidades”.<br />

d) A partir da benevolência divina<br />

Os eventos do universo, se não determinados pelos decretos divinos, devem<br />

ser determinados ou por acaso ou pelas vontades das criaturas. Contraria qualquer<br />

apropriada concepção da benevolência divina supor que Deus permite o<br />

curso da natureza e da história e os fins a que ambos se movem e são determinados<br />

por miríades dos seres que sentem por qualquer outra força ou vontade<br />

além da sua própria. Tanto a razão como a revelação, portanto, compelem-nos<br />

a aceitar a doutrina da Confissão de W estm inster de que “Deus, desde toda a<br />

eternidade, pelo mais justo e santo conselho da sua própria vontade, livre e<br />

im utavelm ente ordenou o que quer que venha a ocorrer” .<br />

Não seria benévolo da parte de Deus tirar do seu poder aquilo que é tão<br />

essencial à felicidade do universo. T yler, Memoir and Lectures, 231-243 -<br />

“A negação dos decretos envolve a negação dos atributos essenciais de Deus,<br />

tais como a onipotência, a onisciência, a benevolência; apresenta-o como um<br />

ser desapontado e infeliz; implica em negação da sua providência universal;<br />

conduz a uma negação da maior parte do nosso próprio dever de submissão;<br />

enfraquece as obrigações de gratidão”. Damos graças a Deus pelas bênçãos<br />

que nos vêm através dos livres atos dos outros; porém, se Deus não tiver<br />

proposto tais bênçãos, devemos a nossa gratidão, não a Deus, mas aos outros.<br />

D r. A. J. G ordon diz com propriedade que um universo sem decretos<br />

seria tão irracional e aterrador como um trem expresso sem farol ou maquinista<br />

sem nenhuma certeza de que, no momento seguinte pudesse mergulhar<br />

no abismo. E mesmo Martineau, Study, 2.108, apesar de negar a presciência<br />

de Deus a respeito dos atos livres do homem, é compelido a dizer:<br />

“Não se pode deixar por conta da simples natureza criada jogar incondicional­


5 3 2 Augustus H opkins Strong<br />

mente com leme, ou mesmo um simples mundo e dirigi-lo de modo descontrolado<br />

para o céu ou para os recifes; deve-se obter alguma segurança evitando<br />

alguma falta dentro dos limites toleráveis”.<br />

III. O B JE Ç Õ E S À DOUTRIN A DOS D E CRETO S<br />

1. Que eles são inconsistentes com a livre atuação do homem<br />

A isto respondemos que:<br />

a) A objeção confunde os decretos com a sua execução. Os decretos são,<br />

como a presciência, um ato eterno da natureza divina e não são mais inconsistentes<br />

com a livre atuação do que a presciência. M esmo a presciência dos<br />

eventos im plica que tais eventos são fixos. Se esta fixidez absoluta e a presciência<br />

não são inconsistentes com a atuação livre, muito menos aquilo que é<br />

mais afastado da ação do homem, a saber, a causa oculta da fixidez e presciência<br />

- os decretos de Deus - pode ser inconsistente com a atuação livre do<br />

homem. Se algo for inconsistente com a atuação livre do homem, deve ser,<br />

não os decretos de Deus, mas a execução dos decretos na criação e providência.<br />

Sobre esta objeção, ver Forbes, Predestination and Free Will, 3 - “Todas<br />

as coisas são predestinadas por Deus, tanto as boas como as más, não pré-<br />

necessitadas, isto é, de um modo causai preordenado por ele - a não ser que<br />

façamos Deus o autor do pecado. Deste modo a predestinação não é uma<br />

palavra indiferente mesmo quando trata do autor da origem de qualquer coisa:<br />

Deus como o originador do bem, mas a criatura, do mal. Por isso predestinação<br />

significa que Deus incluiu em seu plano a respeito do mundo cada ato,<br />

bom ou mau, de cada criatura. Ele predestinou alguns atos de modo causai,<br />

outros de modo permissivo. Convém distinguir a certeza do cumprimento de<br />

todos os propósitos de Deus da necessidade deles”. Isto simplesmente significa<br />

que o decreto de Deus não é a causa de qualquer ato ou evento.<br />

Os decretos de Deus podem ser executados pela eficiência causai das suas<br />

criaturas ou pela sua própria eficiência. Em cada caso é, quando ocorre, a<br />

execução, e não o decreto, que é inconsistente com a liberdade humana.<br />

b) A objeção se apoia num a falsa teoria da livre atuação - a saber, que esta<br />

im plica indeterminação ou incerteza; em outras palavras, que a livre atuação<br />

não coexiste com a certeza como os resultados de seu exercício. Mas é a<br />

necessidade, não a certeza, que é inconsistente com a atuação livre. Esta é o<br />

poder de autodeterminação em vista dos motivos ou o poder de o homem<br />

d) escolher entre os motivos e b) dirigir sua subseqüente atividade conforme o<br />

motivo escolhido. Os motivos nunca são um a causa, mas só um a ocasião; eles


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 533<br />

influem, mas nunca coagem; e o homem é a causa e nisto é que está a liberdade.<br />

M as tam bém é verdade que o hom em nunca se acha em estado de indetermi-<br />

nação; nunca age sem um motivo, ou contrariam ente aos motivos; há sempre<br />

um a razão por que ele age e nisto se acha sua racionalidade. Ora, até onde o<br />

homem age segundo o anterior espírito dom inante - ver (b) acima - podemos,<br />

conhecendo seu motivo, predizer sua ação e nossa certeza sobre o que será a<br />

ação de modo nenhum afeta a liberdade do homem. Podemos mesmo fazer os<br />

motivos apoiarem-se em outros, a influência do que prevemos, os que agem<br />

sobre eles podem agir em perfeita liberdade. M as se o homem, influenciado<br />

pelo homem, pode ainda ser livre, então, influenciado pelos motivos divinamente<br />

previstos, pode ainda ser livre e os decretos divinos, que simplesmente<br />

certificam as ações do homem podem tam bém ser perfeitam ente consistentes<br />

com a sua liberdade.<br />

Não devemos admitir que os fins decretados só podem ser assegurados<br />

por compulsão. Os propósitos eternos não necessitam a causa eficiente do<br />

proponente. A liberdade pode ser o próprio meio para cumprir o propósito.<br />

E. G. Robinson, Christian Theology, 74 - “A certeza absoluta dos eventos, que<br />

é tudo que a onisciência determina a respeito deles, não é idêntica à necessidade<br />

deles”. J ohn M ilton, Christian Doctrine: “Com toda a certeza os eventos<br />

futuros que Deus previu acontecerão, mas não por necessidade. Sem dúvida<br />

eles acontecerão, porque a presciência divina não se enganará; mas não<br />

acontecem necessariamente, porque a presciência não tem nenhuma influência<br />

no objeto conhecido antecipadamente, até mesmo porque é uma ação<br />

intransitiva”.<br />

Há, contudo, um a classe menor de ações humanas através das quais se<br />

m uda o caráter, mais do que se expressa, na qual o hom em age segundo um<br />

motivo diferente daquele que anteriorm ente o dominou - ver (a) acima. Deus<br />

tam bém conhece antecipadam ente tais ações apesar de que não podem ser<br />

preditas pelo homem. A liberdade do hom em nelas seria inconsistente com os<br />

decretos de Deus se a certeza anterior de sua ocorrência fosse, não certeza,<br />

mas necessidade; ou, em outras palavras, se os decretos de Deus fossem em<br />

todos os casos eficazes para produzir os atos de suas criaturas. Mas não é este<br />

o caso. Os decretos de Deus podem ser executados pela livre causa do homem<br />

tão facilmente como pela de Deus; e decreto desta livre causa no que se refere<br />

à criação do universo de que ele prevê que esta causa será um a parte, de modo<br />

nenhum interfere na liberdade da referida causa, porém mais do que isso asse-<br />

gura-a e a estabelece. Porém o escrúpulo da consciência e a testemunha da<br />

consciência de que Deus decreta não se executam impondo coação sobre as<br />

vontades livres do homem.


5 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

O agricultor que, depois de ouvir um sermão sobre os decretos de Deus,<br />

rumou para o caminho do despenhadeiro, ao invés do caminho seguro para a<br />

sua casa e, conseqüentemente quebrou a carreta, concluiu antes do fim da<br />

viagem que, de qualquer forma, tinha sido predestinado a ser um tolo e que<br />

tinha cumprido a sua vocação e eleição certas. Ladd, Philosophy of Conduct,<br />

146,187, mostra que a vontade é livre, em primeiro lugar, através da consciência<br />

da capacidade do homem, e em segundo lugar, através da consciência<br />

da atribuição da culpabilidade do homem. Por natureza, ele é potencialmente<br />

autodeterminante; de fato, ele freqüentemente se torna autodeterminante.<br />

A llen, Religious Progress, 110 - “A futura igreja deve abranger a soberania<br />

de Deus e a liberdade da vontade; a depravação total e a divindade da<br />

natureza humana; a unidade de Deus e as distinções na Divindade; o gnosti-<br />

cismo e o agnosticismo; a humanidade de Cristo e a sua divindade encarnada;<br />

o individualismo e a solidariedade; a razão e a fé; a ciência e a teologia; o<br />

milagre e a uniformidade da lei; a cultura e a piedade; a autoridade da Bíblia<br />

como a palavra de Deus com a absoluta liberdade da crítica bíblica; o dom da<br />

administração como no episcopado histórico e o dom da profecia como a<br />

mais elevada sanção da comissão ministerial; a sucessão apostólica, mas<br />

também a direta e imediata vocação que só conhece a sucessão do Espírito<br />

Santo”. Sem concordarmos com estas últimas cláusulas podemos recomendar<br />

o espírito abrangente do pronunciamento especialmente sobre a perturbadora<br />

questão da soberania divina com a liberdade humana.<br />

Ajudaria-nos, estimando a força desta objeção pelo notar os quatro sentidos<br />

nos quais o termo ‘liberdade’ pode ser udado. Pode ser usado como<br />

equivalente a 1) liberdade física, ou ausência de constrangim ento exterior;<br />

2) liberdade formal, ou um estado de indeterm inação moral; 3) liberdade<br />

moral ou autodeterminação do ponto de vista dos motivos; 4) e liberdade real<br />

ou abilidade de se conform ar ao padrão divido. Nós não nos relacionamos<br />

com o prim eiro destes pontos, porque todo o acordo que o decreto estabelece<br />

não leva ao constrangimento exterior do homem. A liberdade no segundo sentido<br />

não tem existência, porque todos os homens têm caráter. A livre atuação,<br />

ou a liberdade no terceiro sentido m anifestou-se ser consistente com os decretos.<br />

A liberdade no quarto sentido ou a liberdade real é um dom especial de<br />

Deus e não deve ser confundido com a livre atuação. A objeção mencionada<br />

acima se estabelece com pletam ente na segunda dessas definições da livre<br />

atuação. Provou-se ser falso e esta objeção cai por terra.<br />

R itschl, Justification and Reconciliation, 133-188, dá uma boa definição<br />

deste quarto tipo de liberdade: “Liberdade é a autodeterminação através de<br />

ideais universais. Limitar os nossos fins aos da família ou do país é um refinado<br />

egoísmo. Liberdade é autodeterminação através do amor universal para<br />

com o ser humano ou através do reino de Deus. Porém o homem livre deve<br />

então depender de Deus em tudo, porque o reino de Deus é uma revelação<br />

de Deus”. J ohn C aird, Fund. Ideas of the Christianity, 1.133 - “Sendo deter-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 3 5<br />

minados por Deus somos autodeterminados; /.e., determinados por coisa<br />

alguma além de nós mesmos, mas pelo nosso mais nobre e mais verdadeiro<br />

eu. A vida universal vive em nós. A consciência eterna torna-se nossa; porque<br />

‘quem está em amor está em Deus, e Deus, nele’” (1 Jo. 4.16).<br />

M oberly, Atonement and Personality, 226 - “Livre vontade não é independência<br />

da criatura, mas, ao invés disso é a sua auto-realização em perfeita<br />

dependência. Liberdade é identidade própria com a bondade. Tanto a bondade<br />

quanto a liberdade estão, em sua perfeição, em Deus. Na criatura, bondade<br />

não é a distinção da bondade de Deus, mas a correspondência com ela.<br />

Na criatura, a liberdade corresponde à identidade própria com Deus com a<br />

bondade. É realizar-se e achar a si mesmo, seu verdadeiro eu, em Cristo, de<br />

modo que o amor de Deus em nós se torne uma resposta divina adequada a<br />

Deus, por verdadeiramente espelhá-lo”. G. S. L ee, The Shadow Christ, 32 -<br />

“Os Dez Mandamentos não podem ser cantados. Os israelitas cantavam<br />

sobre o Senhor e sobre o que ele havia feito, mas não o que ele determinou<br />

que fosse feito, razão por que eles nunca cantaram-no. A concepção do dever<br />

que não pode ser cantada, mas lamentada, até que ela aprenda a cantar.<br />

Esta é a história dos hebreus”.<br />

“Há uma liberdade, não cantada pelos poetas e não louvada pelos senadores,<br />

que os monarcas não podem admitir nem todas as potências da terra<br />

e do inferno confederados afastam; uma liberdade contra a perseguição, contra<br />

a fraude, contra as opressões, contra as prisões, não têm poder para<br />

impor; qualquer que a saboreia nunca mais poderá ser escravizado. ‘É a liberdade<br />

do coração comprada com o sangue que ele deu à humanidade e com<br />

o mesmo sinal selou”. R obert H errick: “Os muros de pedra não formam uma<br />

prisão, nem as barras de ferro uma cela; as mentes inocentes e tranqüilas<br />

têm isto como eremitério. Se no meu amor tenho liberdade, e na minha alma<br />

sou livre, só os anjos nas alturas gozam tal liberdade”.<br />

Uma discussão mais completa sobre a Vontade encontra-se no estudo da<br />

Antropologia, Vol. II. Por enquanto basta dizer aqui que as objeções arminia-<br />

nas sobre os decretos surgem quase totalmente do conceito errôneo de liberdade<br />

quanto ao poder decisório da vontade, em qualquer caso, contra o seu<br />

próprio caráter e todos os motivos apresentados em seu apoio. Mais adiante<br />

veremos que isto é praticamente uma negação de que o homem tem um<br />

caráter, ou de que a vontade através das suas ações certas ou erradas assim<br />

como o intelecto e o sentimento, uma inclinação permanente ou predisposição<br />

para o bem ou para o mal. Isto significa estender o poder de escolha<br />

contrária, o qual pertence à esfera da volição transitória sobre todos estados<br />

permanentes do intelecto, do sentimento e da vontade que recebem o nome<br />

de caráter moral e dizer que podemos mudar diretamente através de uma<br />

simples volição que, de fato, só podemos mudar por um processo e recursos<br />

indiretos. Contudo, mesmo este ponto de vista exagerado de liberdade parece<br />

não excluir os decretos de Deus, ou evitar uma reconciliação prática dos<br />

pontos de vista arminianos e calvinistas, até onde os arminianos admitem a<br />

presciência de Deus relativa aos atos humanos livres, e os calvinistas admitem<br />

que o decreto de Deus relativo a estes atos não significa necessariamente<br />

que Deus os produzirá de uma forma eficiente.


5 3 6 Augustus Hopkins Strong<br />

Por isso sustentamos a certeza da ação humana e deste modo nos associamos<br />

aos arminianos. Não podemos com W h e d o n (On The Wilí), e H a zar d<br />

(Man a Creative First Cause), atribuir à vontade a liberdade de indiferença, ou<br />

o poder de agir sem motivo. Juntamente com C a l d e r w o o d , Moral Philosophy,<br />

183, sustentamos que a ação sem motivo, ou ato da pura vontade, é desconhecida<br />

da consciência (ver, ainda uma afirmação inconsistente de C a ld e r w o o d<br />

na p. 188 da mesma obra). Todo ato humano futuro não será executado com<br />

um motivo, mas, sem dúvida, será mais uma coisa do que outra. Qualquer<br />

que seja o método da presciência de Deus, e o que quer que derive dos<br />

motivos quer seja intuitivo, tal presciência pressupõe o decreto de Deus criar<br />

e, deste modo, pressupõe a execução de alguns dos atos livres que se<br />

seguem à criação.<br />

Mas esta certeza não significa necessidade. Ao harmonizar os decretos<br />

de Deus com a liberdade hum ana, não devem os ir ao outro extremo, e reduzir<br />

a liberdade hum ana ao mero determinismo, ou ao poder de o agente proceder<br />

a partir do seu caráter em circunstâncias determ inadas pelo seu am bien­<br />

te. Ação hum ana não é sim plesm ente a exp ressão de sentim entos anteriores<br />

dom inantes; doutra forma nem S atan ás, nem Adão poderiam ter caído, nem o<br />

cristão jam ais pecaria. Por isso com partilham os com Jonathan Edwards e<br />

seu Tratado sobre a Liberdade da Vontade, assim tam bém com E dwards, o<br />

m oço (Works, 1.420), Alexander (Moral Science, 107) e C harles Hodge (Syst.<br />

Theology, 2.278), que seguiram todos J onathan Edwards, ao identificar a s e n ­<br />

sibilidade com a v o n tad e , ao c o n sid e ra r o s se n tim e n to s com o c a u s a<br />

d as volições e falar da conexão entre o motivo e a ação como necessários.<br />

Contrariam ente, sustentam os que a sensibilidade e a vontade são duas forç<br />

as distintas, que os sentim entos são ocasiões, m as nunca c au sa das voli­<br />

çõ es e que, conquanto os motivos p o ssam persuadir, eles nunca coagem a<br />

vontade. O poder de tom ar um a outra decisão reside na vontade, ainda que<br />

nunca seja exercida. Juntam ente com o puritano C harnock (Attributes, 1.448-<br />

450), dizem os que “o hom em tem poder para agir de outra forma que não seja<br />

a que Deus sab e antecipadam ente o que ele vai fazer”. Então, visto que os<br />

decretos de Deus não se executam por com pulsão sobre a vontade hum ana,<br />

eles não sã o inconsistentes com a vontade livre do hom em .<br />

2. Que eles afastam todo o motivo do exercício hum ano<br />

Quanto a isto respondemos que:<br />

a) Eles não podem influir assim os homens porque não se dirigem aos<br />

homens, não são a regra da ação humana e se tornam conhecidos só depois do<br />

evento. Esta objeção é, portanto, desculpa para indolência e desobediência.<br />

Os homens raramente apresentam essa desculpa em qualquer empreendimento<br />

em que a sua esperança e interesse estejam em jogo. É principalmente<br />

em matéria de religião que os homens empregam os decretos divinos<br />

para defender-se da sua preguiça ou inércia. Os passageiros do navio marítimo<br />

não negar a sua capacidade de andar do estibordo para o bombordo, na


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 3 7<br />

certeza de que eles estão sendo levados ao destino por forças além do seu<br />

controle. Tal certeza seria ainda mais irracional no caso da inércia dos passageiros,<br />

como no caso de incêndio, que pudesse resultar na destruição do navio.<br />

b) A objeção confunde os decretos de Deus com o destino. Porém deve-se<br />

observar que o destino não é inteligente enquanto os decretos são estruturados<br />

por um Deus pessoal na sabedoria infinita; o destino não se distingue da causa<br />

material e não deixa lugar para a liberdade humana enquanto os decretos<br />

excluem toda a noção de necessidade física; o destino não abrange nenhuma<br />

idéia ou fim moral enquanto os decretos fazem estas controlarem o universo.<br />

North Bristish Rev., abr., 1870 - “O determinismo e a predestinação surgem<br />

de premissas que estão em regiões perfeitamente separadas do pensamento.<br />

O predestinacionista é obrigado por sua teologia a admitir a existência<br />

de uma vontade livre em Deus e, de fato, ele a admite no diabo. Mas a consideração<br />

final que estabelece uma grande lacuna entre o determinista e o<br />

predestinacionista é que este afirma a realidade da noção vulgar da deserção<br />

moral. Mesmo que ele não fosse obrigado por sua interpretação da Escritura<br />

a afirmar isto, ele o seria para aceitar a doutrina da reprovação eterna”.<br />

H a w t h o r n e expressa a sua crença na liberdade humana quando diz que o<br />

próprio destino freqüentemente tem piorado na tentativa de afastá-lo do jantar.<br />

B e n ja m in F r a n k l in , em sua Autobiografy, cita a desculpa do índio para<br />

embebedar-se: “O Grande Espírito fez todas as coisas para algum uso e qualquer<br />

que seja o uso para o que elas foram feitas, para isso elas foram postas.<br />

O Grande Espírito fez o rum para que os índios se embebedem e assim deve<br />

ser”. M a r t a , em Isabel Carnaby desculpa-se por ter quebrado os pratos,<br />

dizendo: “Parece que tinha que ser assim. É o cantinho fino que no tempo<br />

certo se voltará e outra vez e quebrará”. Um professor do Seminário: “Você já<br />

viu alguém morrer antes do Tempo”? O estudante: “Eu nunca soube de um<br />

caso desses”. Os decretos de Deus, considerados como um plano de alcance<br />

total da parte de Deus, tem lugar na liberdade humana.<br />

c) A objeção ignora a relação lógica entre o decreto do fim e o decreto dos<br />

meios que o asseguram. Os decretos de Deus não só garantem o fim a ser<br />

obtido, mas garantem a ação livre do homem anterior a ela. Todo o conflito<br />

entre os decretos e o exercício humano deve, portanto, ser aparente e não real.<br />

Porque o escrúpulo da consciência assegura-nos que a livre atuação deve existir<br />

pelo decreto divino; e apesar de que podemos ignorar o método através do<br />

qual executam-se os decretos, não temos nenhum direito de duvidar ou dos<br />

decretos ou da liberdade. Deve-se sustentar que eles são consistentes até que<br />

se prove que um deles é enganoso.<br />

O homem que leva um vaso de peixe dourado não impede que o peixe se<br />

mova com desenvoltura dentro do vaso. O trilho duplo da estrada de ferro


5 3 8<br />

Augustus H opkins Strong<br />

permite que o trem em formidável aproximação deslize sem colidir consigo<br />

mesmo. O nosso globo nos leva consigo, enquanto corre em torno do sol,<br />

apesar de que fazemos as nossas tarefas normais sem interrupção. Os dois<br />

movimentos que, à primeira vista, parecem inconsistentes entre si, na verdade<br />

são partes de um todo. O plano de Deus e o esforço do homem estão<br />

igualmente em harmonia. M y e r s , Human Personality 1 .2 7 2 , fala no “movimento<br />

molecular em meio à calma molar”.<br />

D r . D u r y e a: “O caminho da vida tem duas cercas. Uma é arminiana, que<br />

nos livra do fatalismo; a outra é a calvinista, que nos livra do pelagianismo.<br />

Alguns bons irmãos gostam de andar sobre as cercas. Mas deste modo é<br />

difícil alguém conservar o equilíbrio. E é desnecessário porque há um lugar<br />

cheio de cercas. Quanto a mim, prefiro andar na estrada”. A afirmação de<br />

A r c h ib a ld A l e x a n d e r é ainda melhor: “O calvinismo é o mais amplo dos sistemas.<br />

Ele considera a soberania divina e a vontade humana como dois lados<br />

de um teto que se liga a uma cumeeira além das nuvens. O calvinismo aceita<br />

ambas verdades. O sistema que nega um dos dois tem apenas metade do<br />

teto cobrindo a sua cabeça”.<br />

S p u r g e o n , Autobiography, 1.176, e The Best Bread, 109 - “O sistema de<br />

verdade revelada na Escritura não é simplesmente uma linha reta, mas duas,<br />

e ninguém jamais tem o direito de ver o evangelho enquanto não sabe olhar<br />

as duas linhas de uma só vez. ... Estes dois fatos [a soberania divina e a<br />

liberdade humana] são linhas paralelas; não posso uni-las, mas não se pode<br />

fazer cruzar uma com a outra”. J o h n A. B r o a d u s : “Não se pode ver os dois<br />

lados de um edifício ao mesmo tempo; se se vai do outro lado, vêem-se dois<br />

lados diferentes, mas o primeiro está oculto. Isto é uma verdade se se está no<br />

solo. Mas se se sobe ao telhado ou num balão, pode-se ver que há dois lados<br />

e os dois juntos. Do mesmo modo a nossa mente infinita pode apossar-se da<br />

soberania e da liberdade de modo alternado, mas não simultâneo. Deus, do<br />

alto, pode ver ambos e, do céu também podemos ser capazes de olhar para<br />

baixo e ver”.<br />

d) Porque os decretos estabelecem conexão entre os meios e os fins e os<br />

fins são decretados só como resultado dos meios, estimulam esforço ao invés<br />

de desestimulá-lo. A crença no plano de Deus de que o sucesso compensará as<br />

lutas estimulará o corajoso e o perseverante esforço. Com base no próprio<br />

decreto de Deus a Escritura incentiva-nos ao uso diligente dos meios.<br />

Deus decretou a colheita só como resultado do trabalho de semeadura e<br />

ceifa do homem; Deus decreta a riqueza do homem que trabalha e poupa;<br />

deste modo decretam-se as respostas à oração, e a salvação à fé. Compare<br />

a declaração de Paulo sobre o propósito de Deus (At. 27.22,24 - “não se<br />

perderá a vida de nenhum de vós ... Deus te deu todos quantos navegam<br />

contigo”) advertindo o centurião e soldados que utilizem os recursos de segurança<br />

(v. 31 - “Se estes não ficarem no navio, não podereis salvar-vos”).<br />

Ver também Fp. 2.12,13 - “operai a vossa salvação com temor e com tremor,<br />

porque é Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar segundo a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 3 9<br />

sua boa vontade”; Ef. 2.10 - “somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para<br />

as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”;<br />

Dt. 29.29 - “As coisas encobertas são para o Senhor, nosso Deus, porém as<br />

reveladas são para nós e para os nossos filhos, para sempre, para cumprirmos<br />

as palavras desta lei”.<br />

SI. 59.10 [58.11] - “Deus meu, a misericórdia dele se antecipará” [Traduzida<br />

em Português segundo a Vulgata Latina pelo Pe. Antônio Ferreira de<br />

Figueiredo; Ed. aprovada 1842] antecipará, ou virá antes de mim; Is. 65.24 -<br />

“antes que eles clamem, eu responderei; estando eles ainda falando, eu os<br />

ouvirei”; SI. 23.2 - “Guia-me”; Jo. 10.3 - “chama pelo nome às suas ovelhas e<br />

as traz para fora”. Estes textos descrevem a graça preveniente na oração, na<br />

conversão, e na obra cristã. Platão chama a razão e a sensibilidade de um<br />

casal de má parceria de que sempre um se adiantava em relação ao outro.<br />

Decretos e liberdade parecem ser de má parceria, mas não o são. Mesmo<br />

J o n ath an E d w a r d s, de teoria determinista da vontade, em seu sermão sobre a<br />

Pressão no Reino insiste no emprego dos meios e apela para os homens<br />

como se tivessem o poder de escolher entre os motivos do eu e os de Deus.<br />

A soberania de Deus e a liberdade humana assemelham-se aos pólos positivo<br />

e negativo do magneto; eles são inseparáveis um do outro e são ambos<br />

elementos indispensáveis na atração do evangelho.<br />

P edro Damião, o grande m onge-cardeal, diz que, no se u entendimento, o<br />

pecado mais duro de desarraigar é a disposição para o riso. A hom enagem<br />

tributada ao ascetism o é a m esm a tributada ao conquistador. M as nem todas<br />

conquistas m erecem hom enagem . Tem os aqui a s m elhores palavras de Lute-<br />

ro: “S e o nosso D eus pode fazer um grande lúcio (tipo de peixe) e o bom vinho<br />

do Reno, eu bem p o sso ter a ventura de com er e beber. Tu podes gozar de<br />

c ad a prazer no m undo que não é pecado; o teu D eus não te proíbe, m as ao<br />

invés disso o quer. E ag rad a ao querido D eus sem pre que te regozijas e ris<br />

d e sd e o fundo do coração ”. M as a n o ssa liberdade tem limite. Marta Baker<br />

Dunn: “P escando peixes miúdos, um hom em atrai com um peixinho vivo e o<br />

lança na água. O peixinho parece estar n adando feliz à vontade, m as, no<br />

m om ento em que ele tenta sair do seu cam inho planejado, percebe que há<br />

um anzol no seu dorso. É o que ach am o s quando tentam os nadar contra a<br />

correnteza dos decretos de D eus”.<br />

3. Que eles fazem Deus o autor do pecado<br />

Sobre isto respondemos:<br />

a) Eles fazem Deus não o autor do pecado, mas o autor dos seres livres que<br />

são os autores do pecado. Deus não decreta eficazmente operar os maus desejos<br />

ou escolhas nos homens. Ele só decreta o pecado no sentido de criar e<br />

preservar os que hão de pecar; em outras palavras ele decreta preservar as<br />

vontades humanas que, ao escolherem seus cursos, serão maus e farão o mal.<br />

Em tudo isso o homem atribui o pecado a si mesmo e não a Deus, e Deus<br />

detesta, denuncia e pune o pecado.


5 4 0 Augustus Hopkins Strong<br />

Os irmãos de José não eram menos maus pelo fato de que Deus pretendia<br />

fazer a conduta deles resultar num bem (Gn. 50.20). O Papa Leão X e<br />

suas indulgências causaram a Reforma, mas, nem por isso, ele foi menos<br />

culpado. Os senhores de escravos não teriam sido mais desculpáveis, mesmo<br />

que tivessem sido capazes de provar que a raça negra foi amaldiçoada na<br />

pessoa de Canaã (Gn. 9.25 - “Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos<br />

seus irmãos”). Fitch, em Christian Spectator, 3.601 - “Pode haver e há um<br />

propósito de Deus que não é eficiente. Ele abrange os atos voluntários dos<br />

seres morais sem criá-los pela eficácia divina”.<br />

Mt. 26.24 - “Em verdade o Filho do Homem vai, mas ai daquele homem<br />

por quem o Filho do Homem é traído! Bom seria para esse homem se não<br />

houvera nascido. Estava previsto que Cristo haveria de sofrer, mas isso não<br />

faz os homens agentes menos livres, nem diminui a culpa da sua traição e<br />

injustiça. R o b e r t G. In g e r s o l l perguntou: “Por que Deus criou o diabo?” Respondemos<br />

que Deus não o criou. Deus fez um espírito livre e santo que abusou<br />

da sua liberdade, e que criou o pecado, e se fez diabo.<br />

P fleiderer, Philos. Religion, 1.299 - “Tem sido feita referência ao mal 1. como<br />

um princípio extra-divino - a uns ou muitos espíritos maus, ou ao destino, ou<br />

à matéria - de qualquer modo a um princípio que limita o poder divino; 2. a uma<br />

falta ou defeito na divindade, ou à sua sabedoria imperfeita, ou à sua bondade<br />

imperfeita; 3. à culpabilidade humana, ou a uma imperfeição universal<br />

da natureza humana, ou transgressões particulares dos primeiros homens”.<br />

Destas explicações, a terceira é a única verdadeira: a primeira é irracional; a<br />

segunda é blasfema. Contudo esta segunda é a explicação de O m ar K h ayyám,<br />

Rubáiyat, estrofes 80, 81 - Ó Tu, que fizeste com armadilha e com alçapão<br />

estabeleceste a estrada na qual hei de peregrinar, não queres com o predestinado<br />

rondar o Enmesh e depois atribuir a minha culpa ao pecado. Ó Tu, que<br />

fizeste o homem da mais mesquinha terra e com o Paraíso imaginaste a serpente:<br />

Porque todo o pecado juntamente com o rosto do homem está preteja-<br />

do - dá o perdão ao homem - e o toma”! E igualmente D avid H a r u m diz: “Se fiz<br />

algo de que deva entristecer, quero ser perdoado”.<br />

b) O decreto de permitir o pecado não é, portanto eficiente, mas permissivo,<br />

ou o decreto de permitir, distinto de um decreto de produzir pela eficácia<br />

do próprio pecador. Nenhuma dificuldade atribui a tal decreto permitir o pecado,<br />

que não atribua à verdadeira permissão dele. Mas Deus, na verdade, permite<br />

o pecado e para ele é correto permiti-lo. Deve, portanto ser correto para<br />

ele decretar permiti-lo. Se a santidade e sabedoria de Deus e o poder não são<br />

impugnados pela verdadeira existência do mal moral, eles não são impugnados<br />

pelo decreto original de que o pecado deve existir.<br />

J o n ath an E d w a r d s, Works, 2.100 - “O sol não é a causa da escuridão que<br />

se segue ao ocaso, mas apenas a sua ocasião. 254 - “Se a expressão autor<br />

do pecado quer dizer pecador, o agente, ou produtor do pecado, ou aquele<br />

que pratica mal - será um vitupério e uma blasfêmia supor que Deus seja o<br />

agente do pecado. ... Mas se autor do pecado quer dizer o permissor ou não


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

embaraçador do pecado e, ao mesmo tempo, o que dispõe do estado dos<br />

acontecimentos de tal modo para fins e propósitos sábios, santos e mais<br />

excelentes, tal pecado, se permitido e não obstado, certamente ocorrer, não<br />

nego que Deus é o autor do pecado; não é vitupério para o Altíssimo ser,<br />

portanto, o autor do pecado”. Sobre a objeção de que a doutrina dos decretos<br />

atribui a Deus duas vontades, e que ele preordenou o que ele proibiu, ver<br />

B e n n e t T y l e r , Memoir and Lectures, 250-252 - “Um governante pode proibira<br />

traição; mas a sua ordem não o obriga a empregar toda a força para impedir<br />

a desobediência. Ele pode promover o bem do seu reino para impedir que se<br />

cometa a traição e o traidor seja punido conforme a lei. O Fato de que, em<br />

vista deste resultado ele escolhe não impedir a traição, não implica qualquer<br />

contradição ou oposição à vontade do monarca”.<br />

Um editor ímpio desculpou o seu vício no jornalismo, dizendo que ele não<br />

se envergonhava de descrever qualquer coisa que a Providência tinha permitido<br />

que acontecesse. Mas a palavra “permitido” tem aqui uma implicação de<br />

causa. Neste sentido concordamos com as palavras de Jonathan Edwards:<br />

“O Ser divino não é autor do pecado, mas tão somente dispõe as coisas de<br />

modo tal que sem dúvida resultarão nele”. Estas são as palavras encontradas<br />

no tratado sobre o Pecado Original. Neste Ensaio sobre a Liberdade<br />

da Vontade ele acrescenta uma doutrina da causa a qual devemos repudiar:<br />

“A essência da virtude e do vício existente na disposição do coração e manifesta<br />

nos atos da vontade não está na sua Causa, mas na sua Natureza".<br />

Respondemos que o pecado não poderia ser condenado na sua natureza, se<br />

o homem não fosse a sua causa, mas Deus.<br />

R o b e r t B r o w n in g , Mlhrab Shah: “Por que razão qualquer mal acontece ao<br />

homem - desde a dor da carne até a agonia da alma - Já que a misericórdia<br />

total de Deus concorre com a onipotência? Por que permite o mal para si<br />

mesmo, isto é, o pecado do homem, considerado como tal? Imagine um mundo<br />

livre de toda a dor, com um habitante próprio; purificado do mal em pensamento,<br />

palavras e obras; não seria bom? E por que é diferente”? F a ir b a ir n<br />

responde a pergunta da seguinte maneira, em Modern Theology, 456 - “Uma<br />

vez que se pretende que se vença o mal permitindo-o; mas se houvesse obstáculo<br />

à sua aniquilação, então a vitória coincidiria com o mal que compeliu o<br />

Criador a refazer os seus passos. E recuar o seu impedimento para um outro<br />

estágio, se a possibilidade do mal tivesse embaraçado a ação criadora de<br />

Deus, então seria como que vencida pela sua própria sombra. Mas, por que<br />

ele criou um ser capaz de pecar? Do mesmo modo que ele criou-o capaz de<br />

obedecer. A capacidade de fazer o bem implica na capacidade de fazer o<br />

mal. A máquina não pode obedecer nem desobedecer, e a criatura que não<br />

tem a dupla capacidade só pode ser uma máquina, não um filho. Pode-se<br />

alcançar a perfeição moral, mas não criar-se; Deus pode criar um ser capaz<br />

de ação moral, mas não um ser com todos os frutos da referida ação armazenada<br />

dentro dele”.<br />

c) A dificuldade consiste em que na substância prende-se igualmente a<br />

todos os sistemas teístas - a questão porque se permite o mal moral sob o<br />

governo de um Deus infinitamente santo, sábio, poderoso e bom. Este problema<br />

5 4 1


5 4 2 Augustus Hopkins Strong<br />

é, para as nossas forças finitas, incapaz de plena solução e deve permanecer<br />

em elevado grau envolto em mistério. Com relação a ele podemos dizer:<br />

Negativamente, - que Deus não permite o mal moral porque ele não é<br />

inalteradamente oposto ao pecado; nem porque o mal moral não fosse previsto<br />

e independesse de sua vontade; nem porque ele não pudesse impedi-lo em<br />

um sistema moral. Tanto a observação quanto a experiência que atestam múltiplos<br />

exemplos de libertação do pecado sem violação das leis do ser humano,<br />

proíbem-nos de limitar o poder de Deus.<br />

Positivamente, - parecemos constrangidos a dizer que Deus permite o mal<br />

moral apesar de ser contrário à sua natureza e ainda o incidente de um sistema<br />

adaptado ao seu propósito da auto-revelação; ainda mais, porque é sua sábia e<br />

soberana vontade instituir e manter este sistema de que o mal moral é um<br />

incidente mais do que deter sua auto-revelação ou revelar-se através de outro<br />

sistema em que o mal moral seja continuamente evitado pelo exercício do<br />

poder divino.<br />

Há quatro perguntas que, nem a Escritura, nem a razão nos capacitam a<br />

resolver completamente e que podemos com segurança dizer que só o altíssimo<br />

conhecimento do estágio futuro fornecerão respostas. São elas: Primeira:<br />

Como pode um Deus santo permitir o mal moral? Segunda: Como um ser<br />

criado puro pode cair? Terceira: Como podemos ser responsáveis pela<br />

depravação inata? Quarta: Como, com justiça, poderia Cristo sofrer? Vamos<br />

enfrentar a primeira pergunta. Uma teodicéia completa (0eóç, Deus e Sikti,<br />

justiça) seria uma vindicação da justiça de Deus, permitindo o mal natural e<br />

moral que existe no seu governo. Conquanto uma teodicéia completa está<br />

além das nossas forças, lançamos alguma luz sobre a permissão, da parte de<br />

Deus, do mal moral, considerando: 1) que a liberdade da vontade é necessária<br />

à virtude; 2) que, mais do que o homem, Deus sofre com o pecado; 3) que,<br />

com a permissão do pecado, Deus providenciou uma redenção; e 4) que Deus,<br />

em benefício do bem, terá domínio sobre todo o mal.<br />

É possível que os anjos eleitos pertençam a um sistema moral em que se<br />

evite o pecado através de motivos repressivos. Não podemos negar que Deus<br />

impede o pecado em um sistema moral. Mas é de duvidar muito que Deus<br />

impeça o pecado num sistema moral melhor. É indispensável a mais perfeita<br />

liberdade para que se alcance a mais elevada virtude. S p u r g e o n : “Não poderia<br />

ter havido nenhum governo moral sem a permissão do pecado. Deus<br />

poderia ter criado marionetes, mas elas não teriam virtude”. B e h r e n d s : “Se os<br />

seres morais fossem incapazes de perversão, o homem teria tido toda a virtude<br />

do planeta; isto é, nenhuma virtude”. Então permitiu-se o pecado só porque<br />

ele poderia ser dominado em favor de um bem que é maior. Acrescentamos<br />

que este maior bem não é somente a mais elevada nobreza e virtude da<br />

criatura, mas também a revelação do Criador. Para o pecado, porém, no universo,<br />

não se entenderiam a justiça de Deus assim como a sua misericórdia.<br />

E. G. R o b in s o n : “Deus não poderia ter revelado o seu caráter tão perfeitamente<br />

sem o mal moral como o faz com este”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

R obert B rowning, Christimas Eve, diz-nos que era plano de Deus fazer o<br />

homem à sua imagem: “Criar o homem e depois deixá-lo capaz, como diz a<br />

sua palavra, de entristecê-lo; mas também capaz de glorificá-lo, como nunca<br />

uma máquina poderia fazer, que ora e adora, consciente da sua capacidade<br />

de qualquer coisa além de adorar e orar, naturalmente faz uma coisa perfeita”.<br />

U pton, Hibbert Lectures, 268-270, 324, sustenta que o pecado e a iniqüidade<br />

são um mal absoluto, mas um mal permitido porque o seu cancelamento<br />

seria também o da possibilidade de atingir o mais elevado bem espiritual<br />

ao mesmo tempo de Deus e do homem.<br />

C. G. F in n e y , Skeletons of a Course of Theological Studies, 26,27 -<br />

“A bondade infinita, o conhecimento e o poder apenas implicam que, se se<br />

fizesse um universo, seria melhor que fosse o mais natural possível”. Dizer<br />

que Deus não pode ser o autor do universo em que há tanto mal, diz ele,<br />

“supõe que um universo melhor, sobre tudo, seria uma possibilidade natural.<br />

Isto supõe que o universo dos seres morais poderia, sob um governo moral<br />

administrado da melhor e mais sábia maneira seria completamente isento de<br />

pecado; mas tal ponto de vista carece de prova, o que nunca vai acontecer.<br />

... O melhor universo possível não pode ser o melhor universo. Aplique-se a<br />

máxima legal ‘O réu deve gozar do benefício da dúvida, na proporção do<br />

reconhecido caráter da sua reputação’. Indica-se tão claramente a benevolência<br />

de Deus, que podemos crer nela onde não podemos vê-la”.<br />

Segundo o ponto de vista do D r . T a y l o r, Deus não tem um controle completo<br />

sobre o universo moral; os agentes morais podem praticar erros sob<br />

toda a possível influência que os evite; Deus prefere, consideradas todas as<br />

coisas, que as suas criaturas sejam santas e felizes e tudo faz para o sejam;<br />

a existência do pecado em seu todo não existe para melhor; o pecado existe<br />

porque Deus não pode impedi-lo num sistema moral; a bem-aventurança de<br />

Deus, na verdade, não é prejudicada pela desobediência das suas criaturas.<br />

Para a crítica destes pontos de vista ver T y l e r , Letters on the New Haven<br />

Theotogy, 120,219. T y le r argumenta que a eleição e a não eleição implicam o<br />

poder de Deus para impedir o pecado; que permitir não é só submeter-se a<br />

alguma coisa que ele possivelmente não pode impedir. Acrescentamos que,<br />

de fato, Deus preservou os santos anjos e há “homens justos” que foram<br />

“aperfeiçoados” (Hb. 12.23) sem violar as leis da atuação moral. Inferimos<br />

que Deus poderia deste modo ter preservado Adão. A história da igreja induz<br />

a crer que não há nenhum pecador tão obstinado que tenha um coração<br />

impossível de ser renovado por Deus; mesmo um Saulo pode tornar-se<br />

um Paulo. Por isso não nos atrevemos a atribuir limites ao poder de Deus.<br />

Enquanto o D r. T aylo r insiste em que Deus não pode evitar o pecado em um<br />

sistema moral, isto é, em qualquer sistema moral, entende-se que o D r . P a r k<br />

sustenta o ponto de vista grandemente preferível de que Deus não pode evitar<br />

o pecado no melhor sistema moral. F l in t , Chrisfs Kingdom upon Earth,<br />

59 - “A alternativa é, não o mal ou nenhum mal, mas o mal ou o impedimento<br />

do mal”.<br />

Mas mesmo admitindo que o sistema moral atual é o melhor e que em tal<br />

sistema o mal não pode ser evitado em consistência com a sabedoria e bondade<br />

de Deus fica ainda a questão de como o decreto do início de tal sistema<br />

pode consistir com o atributo fundamental de Deus, que é a santidade. Deste<br />

543


5 4 4 Augustus Hopkins Strong<br />

insolúvel mistério podemos dizer com o Dr. J ohn B rown, em Spare Hours,<br />

273, diz a respeito da Teodicéia Novíssima de Arthur H. Hallam: “Como era<br />

de se esperar, permanece a tremenda questão onde ele a encontrou. O seu<br />

brilhante amor e gênio lançam um brilho aqui e ali na obscuridade, mas é tão<br />

breve como o relâmpago na noite escura como fuligem de chaminé - as queixadas<br />

da escuridão devoram-na - tal segredo pertence a Deus. Através das<br />

profundas e deslumbrantes trevas e do seu abismo de densas nuvens, ‘tudo<br />

trevas, trevas, irrecuperáveis trevas’, nenhum raio, por decidido que seja,<br />

jamais tem ou terá vindo; sobre a sua face as suas próprias trevas devem<br />

chocar até somente aquele para quem trevas e luz são a mesma coisa, para<br />

quem a noite brilha como o dia, diz: ‘Haja luz’!”<br />

Contudo, devemos ter em mente que o decreto da redenção é tão antigo<br />

como o da apostasia. A provisão da salvação em Cristo mostra a que grande<br />

custo para Deus permitiu-se a queda da raça em Adão. Aquele que ordenou<br />

o pecado também ordenou a expiação do pecado e um meio de livrar-se dele.<br />

S hedd, Theol. Dogm., 1.388 - “A permissão para pecar teve um custo maior<br />

para Deus do que o tem para o homem. Homem algum jamais suportou sacrifício<br />

algum ou sofrimento por causa do pecado como o Deus encarnado<br />

suportou. Isto mostra que Deus não está agindo como egoísta ao permiti-lo”.<br />

V I. NOTAS FIN AIS<br />

1. Empregos práticos da doutrina dos decretos<br />

a) Inspira humildade pela representação dos insondáveis conselhos e absoluta<br />

soberania de Deus. b) Ensina confiança naquele que sabiamente ordenou<br />

nosso nascimento, nossa morte e circunstâncias mesmo nas mínimas particularidades<br />

e fez todas as coisas colaborarem no triunfo do seu reino e para o<br />

bem dos que o amam; c) Mostra aos inimigos de Deus que, como foram previstos<br />

os seus pecados e proveu-se um plano de Deus, assim eles nunca<br />

podem, enquanto permanecerem nos seus pecados, esperar escapar da pena<br />

decretada e ameaçada, d) Estimula o pecador a valorizar-se nos meios graciosos<br />

indicados, se ele for contado entre o número daqueles para quem Deus<br />

decretou a salvação.<br />

Esta doutrina é um daqueles ensinos avançados da Escritura que, para a<br />

sua compreensão, requer uma mente madura e uma profunda experiência.<br />

No início da vida cristã não se percebe o valor ou mesmo a verdade desta<br />

doutrina, mas, com o passar dos anos, ela se tornará um esteio sobre o qual<br />

se tem apoio. Nos tempos de aflição, calúnia, e perseguição a igreja tem<br />

encontrado seu consolo nos decretos e nas profecias em que eles se acham<br />

publicados. Só baseados nos decretos é que podemos crer que “todas<br />

as coisas concorrem para o bem” (Rm. 8.28) e orar “seja feita a tua vontade”<br />

(Mt. 6.10).


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

É uma evidência marcante da verdade da doutrina que mesmo os arminianos<br />

oram e cantam como os calvinistas. O arminiano C h a r le s W e s ley<br />

escreve: “Ele quer que eu seja santo - O que pode resistir a sua vontade?<br />

O conselho da sua graça dentro de mim, sem dúvida ele cumprirá”. Na teoria<br />

arminiana, não há lugar para a oração a Deus visando ao abrandamento dos<br />

corações endurecidos; a oração deve dirigir-se ao pecador; para a referida<br />

teoria, não é a vontade de Deus, mas a do pecador que encaminha a salvação.<br />

E apesar de que a doutrina dos decretos, que, à primeira vista parece<br />

desestimular o esforço, ela é o maior, aliás, o único incentivo eficaz ao esforço.<br />

Por esta razão, os calvinistas têm sido os mais firmes defensores da liberdade<br />

civil. Os que sem reservas mais se submetem à soberania de Deus são<br />

os que mais estão libertos do temor do homem. Não foi o arminiano W e s l e y,<br />

mas o calvinista W h it e f ie l d que originou o grande movimento religioso de que<br />

nasceu a igreja metodista, e o ministério de S p u r g e o n foi tão frutífero no trabalho<br />

das conversões como o de F in n e y .<br />

O calvinismo logicamente requer a separação entre a igreja e o estado;<br />

embora C alv in o não veja isto, o calvinista R o g e r W illia m s o vê. Logicamente o<br />

calvinismo requer uma forma republicana de governo; C alv in o introduziu os<br />

leigos no governo da igreja e o mesmo princípio requer a liberdade civil como<br />

correlata. O calvinismo sustenta o individualismo e a responsabilidade direta<br />

do indivíduo para com Deus. Nos países baixos, na Escócia, na Inglaterra, na<br />

América, o calvinismo influiu poderosamente no desenvolvimento da liberdade<br />

civil. R a n k e : “João Calvino foi virtualmente o fundador da América”.<br />

M o t l e y: “Para os calvinistas mais do que para qualquer outra classe de pessoas,<br />

são a causa da liberdade política da Holanda, da Inglaterra e da América”.<br />

2. O verdadeiro método da pregação da doutrina<br />

d) Devemos evitar mais cuidadosamente o exagero ou a declaração desnecessariamente<br />

detestável, b) Devemos dar ênfase ao fato de que os decretos<br />

não se baseiam na vontade arbitrária, mas na sabedoria infinita, c) Devemos<br />

esclarecer que qualquer coisa que Deus faz ou quer fazer desde a eternidade<br />

ele se propôs fazer, d) Devemos ilustrar a doutrina até onde possível com<br />

exemplos de plenitude e ampla visão nos planos humanos das grandes empreitadas.<br />

e) Então podemos fazer ampla aplicação da verdade ao estímulo do<br />

cristão e à admoestação do não crente.<br />

Como ilustração da previsão, veja-se o exemplo de Luís Napoleão, planejando<br />

o Canal de Suez e declarando a sua política como imperador, muito<br />

antes de subir ao trono da França. Sobre o tratamento prático dos decretos<br />

na pregação, ver B u s h n e l l, Sermão sobre A Vida de cada Homem como um<br />

Plano de Deus, em Sermons for the New Life; N eem ia s A d a m s , Evenings with<br />

the Doctrines, 243; Spurgeon’s Sermon on Os. 44.3 - “Porquanto te agradas-<br />

te deles”. R o b e r t B r o w n in g , Rabi Ben Esra: “Envelhece em minha companhia!<br />

Melhor ainda é, pelo resto da vida estar com aquele que, no princípio<br />

nos deu a vida; Contempla todas as coisas, mas não te atemorizes’!”<br />

5 4 5


5 4 6 Augustus Hopkins Strong<br />

S h a k e s p e a r e , King Lear, 1 .2 - “Eis o excelente janotismo do mundo que,<br />

quando envoltos na fortuna (sempre a superfluidade do nosso comportamento),<br />

acusamos o sol, a lua e as estrelas de serem culpados da nossa derrocada,<br />

como se fôssemos vilões por necessidade, tolos por compulsão e todo<br />

mal que nos ocorre se deve à confiança em Deus; extraordinária fuga do<br />

homem que deita a sua disposição à culpa de uma estrela”! Bom é Tudo que<br />

Bem Acaba: “Nossos remédios, que atribuímos ao céu, sempre estão dentro<br />

de nós; o destino celeste dá-nos o livre escopo; só deixam para trás os nossos<br />

leves desígnios quando somos obtusos”. Júlio César: “Por vezes os<br />

homens são senhores dos seus destinos; a falha, caro Bruto, não está nas<br />

nossas estrelas, mas em nós mesmos, em nós, que somos subordinados.”


C a pít u l o IV<br />

AS OBRAS DE DEUS; OU A<br />

EXECUÇÃO DOS DECRETOS<br />

I. DEFINIÇÃO DE CRIAÇÃO<br />

SEÇÃO I - CRIAÇÃO<br />

Criação é o ato livre do Deus trino pelo qual, no princípio, para sua glória,<br />

ele fez, sem o uso de matéria preexistente, todo o universo visível e invisível.<br />

Criação designa origem através de um Deus transcendental e pessoal. Em si<br />

mesma, ela mesma não é Deus. O universo se relaciona com Deus como as<br />

nossas volições se relacionam conosco. Elas não são a nossa pessoa. Nós somos<br />

maiores que elas. A criação não é a simples idéia de Deus, ou mesmo o plano<br />

de Deus, mas a idéia exteriorizada, o plano executado; em outras palavras,<br />

implica um exercício não só do intelecto, mas também da vontade que não é<br />

instintiva e inconsciente, mas pessoal e livre. Tal exercício da vontade parece<br />

envolver, não o autodesenvolvimento, mas a autolimitação da parte de Deus; a<br />

transformação da energia em força e o começo do tempo com suas sucessões<br />

finitas. Mas qualquer que seja a relação da criação com o tempo, ela faz o<br />

universo totalmente dependente de Deus, como seu originador.<br />

F. H. J ohnson, em Andover Rev., Março 1891 e What is Reality, 285 -<br />

“Criação é origem com desígnio .... O homem nunca podia ter pensado em<br />

Deus como o criador do mundo sem que primeiro o tivesse conhecido como<br />

tal”. Concordamos com a doutrina de Hazard de que o homem é a primeira<br />

causa criativa. Cria idéias e volições sem o emprego de matéria preexistente.<br />

Ele também, indiretamente, através dessas idéias e volições, cria modificações<br />

cerebrais. Como Johnson mostra, tal criação prescinde de m ãos, m as é<br />

elaborada, seletiva e progressiva. S chopenhauer: “A matéria nada mais é do<br />

que causa; seu verdadeiro ser é sua ação”.<br />

Prof. C. L. Herrick, Denison Quateríy 1896: 248, e Psychological Review?,<br />

Março, 1899, defende o que chamamos dinamismo, que ele considera como<br />

única alternativa, para um dualismo materialista que situa no devido lugar<br />

a matéria e Deus acima e distinto dela. Ele defende que o predicativo da


5 4 8 Augustus Hopkins Strong<br />

realidade só pode ser aplicado à energia. Falar de energia dentro de algo é<br />

introduzir um conceito inteiramente incôngruo, pois ela continua nossa hospede<br />

ad infinitum. “A força”, diz ele, “é energia sob resistência, ou energia<br />

autolimitada, pois todas partes do universo derivam da energia. Manifestando-se<br />

sob formas autocondicionantes, ou diferenciais, a energia é a força.<br />

A mudança da energia pura em força é a criação - introdução à resistência.<br />

A complicação progressiva de tal interferência é a evolução - forma de solução<br />

ordenada da energia. Substância é energia pura espontânea. A substância<br />

de Deus é a sua energia - o infinito e inesgotável estoque de espontaneidade<br />

que forma o seu ser. A forma que a autolimitação imprime sobre a<br />

substância, revelando-a na força, não é Deus, porque não mais possui os<br />

atributos de espontaneidade e universalidade apesar de que a força emana<br />

de Deus. Quando falamos de energia autolimitada simplesmente indicamos<br />

que a espontaneidade é inteligente. A soma dos atos de Deus é o seu ser.<br />

Não há nenhuma causa posterior ou extranea, que o estimula. Devemos<br />

reconhecer na fonte o que surge como resultado. Podemos falar de uma substância<br />

absoluta, mas não infinita, ou imutável. O universo é tão somente a<br />

expressão parcial de um Deus infinito”.<br />

Nosso ponto de vista sobre a criação aproxima-se tanto do de Lotze que<br />

condensam aqui as Dez afirmações de Broeke sobre a sua filosofia; “As coisas<br />

são as leis concretas da ação. Se a idéia do ser deve incluir a permanência<br />

bem como a atividade, devemos dizer que só a verdadeiramente pessoal<br />

o é. Tudo mais é fluxo e progresso. Só podemos interpretar a ontologia partindo<br />

da pessoalidade. A possibilidade da interação requer a dependência da<br />

multiplicidade mutuamente relativa do sistema sobre Aquele que é todo inclu-<br />

sivo e coordenativo. O finito é o modo ou fenômeno daquele que é O Ser.<br />

As coisas são apenas modos da energia do Ser. As personalidades auto-<br />

consciencientes são criadas, situadas e dependentes do Ser, de um modo<br />

diferente que a mente perceptiva interpreta como casual. A interação real só<br />

é possível entre o Infinito e o finito criado, isto é, pessoas autoconscientes.<br />

O finito não é parte do Infinito, nem esgota parcialmente a substância do<br />

Infinito. O Ser, por um ato de liberdade, situa os muitos e os muitos têm sua<br />

base e unidade na Vontade e no Pensamento do Ser. Tanto o finito como o<br />

Infinito são livres e inteligentes.<br />

“Espaço não é uma realidade extramental, sui generis, nem uma ordem<br />

de relações entre as realidades, mas uma forma de aparência dinâmica, cuja<br />

base é a mudança fixa ordenada na realidade. Assim, o tempo é a forma de<br />

mudança, a interpretação subjetiva da intemporalidade embora sucessiva na<br />

realidade. Sendo Deus a base do processo terreno, ele o é no tempo. Naquilo<br />

em que transcende o processo terreno na personalidade autoconsciente, ele<br />

não é temporal. O movimento também é a interpretação subjetiva das mudanças<br />

das coisas, que são determinadas pelas exigências do sistema terreno e<br />

do propósito realizado nele. A verdade não é o atomismo, mas o dinamismo.<br />

Os fenômenos físicos referem-se à atividade do Infinito, dada a um caráter<br />

substantivo porque pensamos sob a forma de substância e atributo. O mecanismo<br />

é compatível com a teleologia. O mecanismo é universal e necessário<br />

a todo o sistema. Entretanto é limitado pelo propósito e pelo possível aparecimento<br />

de qualquer nova lei, força ou ato de liberdade.”


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 549<br />

“A alma não é uma função de atividades materiais, mas uma realidade<br />

verdadeira. O sistema é tal que pode admitir novos fatores e a alma é um<br />

desses possíveis novos fatores. A alma é criada como realidade substancial<br />

em contraste com outros elementos do sistema que são apenas manifestações<br />

fenomenais daquele que é a realidade. A relação entre a alma e o corpo<br />

é a interação entre a alma e o universo, e o corpo é a parte do universo que<br />

está em estreita relação com a alma (versus B r a d l e y , que sustenta que ‘o<br />

corpo e a alma são igualmente estruturas fenomenais e nenhuma delas tem<br />

qualquer direito ao fato de que é possuído pelo outro’). O pensamento é o<br />

conhecimento da realidade. Devemos supor um ajuste entre o sujeito e o<br />

objeto. A suposição baseia-se no postulado da perfeita moralidade de Deus”.<br />

Para L o t z e , então, a única criação real é a das personalidades finitas, - e a<br />

matéria outra coisa não é senão um modo da atividade divina.”<br />

Para mais explicação da nossa definição devemos assinalar que:<br />

a) Criação não é “produção do nada”, como se o “nada” fosse uma substância<br />

da qual se pudesse formar “algo”.<br />

Não consideramos a doutrina da Criação ligada à expressão “criação a<br />

partir do nada” surgindo e caindo com ela. A expressão é filosófica e para ela<br />

não temos garantia bíblica; é passível de objeção por indicar que o “nada”<br />

pode ser objeto de pensamento e fonte do ser. O germe da verdade que pretende<br />

levar em si pode ser melhor compreendido na expressão “sem o emprego<br />

de matéria preexistente”.<br />

b) Criação não é moldagem de matéria preexistente, nem emanação da<br />

substância da Divindade, mas fazer existir aquilo que uma vez não existia,<br />

quer em forma quer em substância.<br />

Não há nada de divino na criação a não ser a origem da substância.<br />

A feitura compete também à criatura. G a s s e n d i disse para D e s c a r t e s , que a<br />

criação de Deus, se ele é o autor das formas, mas não das substâncias, é tão<br />

somente como o alfaiate que veste o homem com a roupa que é dele. Mas a<br />

substância não é necessariamente material. Ao invés disso, devemos conce-<br />

bê-la segundo a analogia das nossas próprias idéias e volições e manifestações<br />

do espírito. A criação não é apenas o espírito de Deus, nem mesmo o<br />

plano de Deus, mas a exteriorização daquele pensamento e a execução<br />

daquele plano. A Natureza é “uma grande folha da parte de Deus, caída do<br />

céu” e “nada contendo de comum ou impuro”; mas a matéria não é uma parte<br />

de Deus, assim como nossas idéias e volições não são parte de nós mesmos.<br />

A natureza é manifestação parcial de Deus, mas não exaure a pessoa de Deus.<br />

c ) Criação não é um processo instintivo ou necessário da natureza divina,<br />

mas um ato livre de uma vontade racional, exercido com uma finalidade definida<br />

e suficiente.


5 5 0 Augustus Hopkins Strong<br />

Em gênero, a criação é diferente do eterno processo da natureza divina<br />

em virtude do qual falamos da geração e do procedimento. O Filho é gerado<br />

pelo Pai e é da mesma essência; o mundo é criado sem matéria preexistente;<br />

é diferente de Deus e feito por Deus. A geração é um ato necessário; a criação<br />

é um ato da livre graça de Deus. A geração é eterna, intemporal; a criação<br />

está no tempo, ou com o tempo.<br />

Studia Bíblica, 4.148 - Criação é a limitação voluntária que Deus impôs a<br />

si mesmo. ... Só pode ser considerada como uma criação de espíritos livres.<br />

... É uma forma de o poder onipotente submeter-se à limitação. Criação não é<br />

desenvolvimento de Deus, mas sua circunscrição. ... O mundo não é a<br />

expressão de Deus, ou a emanação de Deus, mas sua autolimitação.<br />

d) Criação é o ato do Deus trino no sentido de que todas as pessoas da<br />

Trindade, não criadas, têm parte na sua realização - o Pai como causa origina-<br />

dora, o Filho como causa mediadora e o Espírito como causa realizadora.<br />

Ao tratarmos da Trindade e da divindade de Cristo como elementos dessa<br />

doutrina, provou-se que toda a atividade criadora de Deus é exercida através<br />

de Cristo. Podemos aqui fazer referências a textos anteriormente considerados,<br />

a saber: Jo. 1.3,4 - “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele e,<br />

sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele...” I Co. 8.6 - “um<br />

Senhor, Jesus Cristo, através de quem são todas as coisas”. Cl. 1 ,1 6 - “Todas<br />

as coisas foram criadas através dele e para ele”. Hb. 1,10 - “Tu, Senhor, no<br />

começo lançaste o fundamento da terra e os céus são obras das tuas mãos”.<br />

A obra do Espírito Santo parece ser a de completar, aperfeiçoar. Para<br />

entender isto, basta apenas lembrar que o Espírito Santo consuma o nosso<br />

conhecimento e amor cristão e que ele também é o princípio da nossa própria<br />

consciência, unindo sujeito e objeto em um sujeito-objeto. Se se concebe a<br />

matéria como manifestação do espírito, segundo a filosofia idealista, então o<br />

Espírito Santo pode ser considerado como agente aperfeiçoador e realizador<br />

na exteriorização das idéias divinas. Conquanto todas as coisas são feitas<br />

através do Verbo, o Espírito Santo é o autor da vida, da ordem e do adorno.<br />

A criação não é simples manufatura; é ato espiritual.<br />

J ohn Caird, Fundamental Ideas of Christianity, 1.120 - “A criação do mundo<br />

não pode dever-se a um ser exterior. O poder pressupõe um objeto sobre<br />

o qual é exercido. 129 - Na própria natureza de Deus há uma razão por que<br />

ele deve revelar-se e comunicar-se, um mundo de existências finitas, ou cumprir<br />

e realizar-se no ser e vida da natureza e do homem. Sua natureza não<br />

seria o que é se esse mundo não existisse; sem ela faltaria algo na comple-<br />

mentação do ser divino. 144 - Mesmo com relação ao pensamento humano<br />

ou inteligência é a mente ou espírito que cria o mundo. Não se trata de mundo<br />

pronto o qual podemos ver; ao perceber o mundo, fazemo-lo. 152-154 -<br />

Fazemos progresso quando deixamos de pensar os nossos pensamentos e<br />

fazemos a média da Inteligência universal”. Conquanto aceitemos a interpretação<br />

idealística da criação de, discordamos da sua indicação de que a criação<br />

é uma necessidade de Deus. O ser trinitário de Deus o faz suficiente em<br />

si mesmo, ainda que não houvesse criação. Contudo, as próprias relações


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 551<br />

trinitárias lançam luz sobre o método da criação, visto que nos esclarecem a<br />

ordem de toda a atividade divina.<br />

II. PROVA DA DOUTRINA DA CRIAÇÃO<br />

A criação é uma verdade da qual a mera ciência ou a razão não podem<br />

assegurar-nos completamente. A ciência física pode observar e registrar<br />

mudanças, mas nada conhece sobre as origens. A razão não pode absolutamente<br />

desaprovar a eternidade da matéria. Para a prova da doutrina da criação,<br />

portanto, confiamos totalmente na Escritura. A Escritura suplementa a<br />

ciência e toma sua explicação do universo completa.<br />

Drummond em sua Natural Law in the Spiritual World, defende o ponto de<br />

vista de que os átomos, como “artigos manufaturados”, e a dissipação da<br />

energia, provam a criação do visível a partir do invisível. Mas S ir Charles<br />

Lyell diz-nos: “A Geologia é a autobiografia da terra; mas, como todas autobiografias,<br />

não remonta ao início”. Hopkins, Yale Lectures, sobre Pontos de Vista<br />

Bíblicos a Respeito do Homem: “-4 priori nada há contra a eternidade da<br />

matéria”. Wardlaw, Syst. Theol., 265 - Não podemos formar qualquer concepção<br />

distinta da criação a partir do nada. A sua própria idéia nunca podia<br />

ter vindo à mente humana se não tivesse sido tradicionalmente transmitida<br />

como parte da revelação aos pais da raça”.<br />

O filósofo alemão Hartmann retrocede aos elementos originais do universo<br />

e diz que a ciência permanece petrificada ante a questão da sua origem<br />

como diante da cabeça da Medusa. Porém, diante de problemas, diz Dorner,<br />

o dever da ciência não é a petrificação, mas a solução. Isto é verdade peculiarmente<br />

se a ciência é, como pensa Hartmann, uma explicação completa do<br />

universo. Porque a ciência, por seu próprio reconhecimento, não fornece<br />

nenhuma explicação sobre a origem das coisas, a revelação da Escritura a<br />

respeito da criação vai ao encontro de uma demanda da razão humana acrescentando<br />

um fato sem o qual a ciência seria sempre destituída da mais elevada<br />

unidade e racionalidade.<br />

E. H. J ohnson, Andover Review, Nov. 1891, 502 sg, assinala que a evolução<br />

pode reduzir-se a elementos cada vez mais simples, a matéria imóvel<br />

sem nenhuma qualidade que não seja o ser. Ora, torne-a mais simples, desves-<br />

tindo-a da existência, e chegar-se-á à necessidade de um Criador. É impossível<br />

um infinito número de estágios. Não existe número infinito. Em algum<br />

lugar existe um começo. Admitimos com o Dr. J ohnson que a única alternativa<br />

para a criação é o dualismo materialista, ou a matéria eterna que é o produto<br />

da mente e vontade divinas. A respeito das teorias do dualismo e da<br />

criação a partir da eternidade discutiremos daqui para frente.<br />

1. D eclarações diretas da E scritura<br />

A) Gênesis 1.1 - “No princípio criou Deus o céu e a terra”. Tem-se objetado<br />

a isso que o verbo KH2 não denota necessariamente a produção sem o uso


5 5 2 Augustus Hopkins Strong<br />

de m atéria preexistente (ver Gn. 1.27 - “criou Deus o homem à sua imagem”:<br />

cf. 2.7 - “formou o Senhor o hom em do pó da terra” ; tam bém Sl. 51.10- “Cria<br />

em mim um coração puro”).<br />

“Nos dois primeiros capítulos de Gênesis emprega-se N~Q 1) para denotar<br />

a criação do universo; 2) para a criação dos grandes monstros (1.21); 3) para<br />

a criação do homem (1.27). Em todo lugar lemos que Deus faz a partir de uma<br />

substância já criada, o firmamento (1.7), o sol, a lua e as estrelas (1.16), o<br />

irracional (1.25); ou a formação dos animais do campo produzidos da terra<br />

(2.19); ou, por fim, a feitura da mulher a partir da costela do homem (2.22) -<br />

citada no Bib. Com. 1.3. G u y o t , Creation, 30 - Portanto, reserva-se bará para<br />

assinalar a primeira introdução de cada uma das três esferas da existência -<br />

o mundo da matéria, o mundo da vida e o mundo espiritual representado pelo<br />

homem”.<br />

Em resposta admitimos que o argumento para a criação absoluta derivado<br />

da palavra N“Q não é inteiram ente conclusivo. Outras considerações em<br />

conexão com o sentido desta palavra, contudo, parecem tom ar esta interpretação<br />

de Gênesis 1 .1 a mais plausível. Passamos a m encionar algumas destas<br />

considerações.<br />

d) Conquanto reconheçam os que o verbo K“0 “não denota necessária ou<br />

invariavelmente produção sem o uso de matéria preexistente, sustentamos ainda<br />

que significa a produção de um efeito para o qual nenhum antecedente natural<br />

existia antes e que só pode ser o resultado da atuação divina”. Por esta razão,<br />

usa-se a espécie no Kal somente para Deus e nunca vem acompanhado de um<br />

acusativo indicando matéria.<br />

O caso acusativo, indicando matéria, nunca vem depois de bará nas passagens<br />

indicadas em razão de que está ausente todo o pensamento sobre a<br />

matéria. Esta citação é de G r e e n , Hebrew Chrestomathy, 67. Porém E. F.<br />

R o b in s o n , Christian Theoiogy, 88, assinala: Se a Escritura ensina a origem<br />

absoluta da matéria - cuja criação provém do nada, é questão aberta. ... Não<br />

se fornece nenhuma evidência decisiva da palavra hebraica barâ’.<br />

O P r o f. W. J. B e e c h e r, em S. S. Times, 23 de dezembro de 1893, 807,<br />

oferece uma afirmação moderada e erudita dos fatos - “Criar é gerar divinamente.<br />

... A Criação no sentido bíblico não exclui a utilização de matéria preexistente;<br />

porque o homem foi tomado da terra (Gn. 2.7) e a mulher, da costela<br />

do homem (2.22). Comumente Deus traz à existência coisas através da<br />

operação de causas secundárias. Porém é possível, pensamos, desviar a<br />

atenção das causas secundárias e pensar em qualquer coisa simplesmente<br />

originada de Deus, independentemente das causas secundárias. Pensar em<br />

tal coisa é pensar na criação. A Bíblia fala em Israel como criado, da prometida<br />

prosperidade de Jerusalém como criada, dos Amonitas e do rei de Tiro<br />

como criados, de pessoas em qualquer época da história como criadas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

(Is. 43.1-15; Ez. 21.30; 28.13,15; SI. 102.18; Ec 12.1; Ml. 2.10). Pensa-se nos<br />

milagres e nos últimos princípios das causas secundárias como atos necessariamente<br />

criadores; segundo o propósito que se tem em mente pode-se<br />

pensar em todas outras origens das coisas, ou como criadas ou como efetuadas<br />

por causas secundárias”.<br />

b) No relato da criação, N"Q parece distinguir-se de ntoi? “fazer” com ou<br />

sem o uso de m atéria já preexistente (Dlti?!?1? K~I3, “criado através da feitura”<br />

ou “fazer através da criação”, em 2.3; e U71T1, do firm am ento em 1.7) e de IS ',<br />

“form ar” de tal m atéria (ver X H TI, sobre o hom em como um ser espiritual,<br />

em 1.27; mas ~IP"1!, a respeito do homem considerado como um ser físico, em 2.7).<br />

C o n a n t , Genesis, 1; Bib. Com., 1,37 - “ ‘criado para fazer’ (em Gn. 2.3) =<br />

criado do nada para que ele pudesse formular disso todas obras registradas<br />

nos seis dias”. Contra estes textos, devemos colocar outros em que não aparece<br />

nenhuma distinção precisa destas palavras a respeito de uma ou de<br />

outra Bara é usada em Gn. 1.1, Asah em Gn. 2.4 a respeito da criação dos<br />

céus e da terra. A respeito da terra usa-se tanto yatzar como asah em<br />

Is. 45.18. Com relação ao homem, em Gn. 1.27 encontramos bará; em<br />

Gn. 1.26 e 9.6 temos asah; e em Gn. 2.7 yatzar. Em Is. 43.7 encontram-se<br />

todos os três no mesmo verso: “... e o tenho bará para a minha glória e o<br />

tenho yatzar e o tenho asah”. Em Is. 45.12 “asah a terra e bará o homem ...”<br />

Mas em Gn. 1.1 lemos “Deus bará a terra” e em 9.6 “asah o homem”. Is. 44.2<br />

“O Senhor que te asah (/'.e. o homem) e te yatzaf'\ mas em Gn. 1.27 Deus<br />

“bará o homem”. Em Gn. 5.2 “masculino e feminino os bará”. Em Gn. 2.22 “da<br />

costela ele asah uma mulher”; em Gn. 2.7 “yatzar" o homem i.e. bará o masculino<br />

e o feminino, embora asah a mulher e yatzar o homem, asah nem<br />

sempre é usado para transformar. SI. 51 A O - “bará em mim um coração puro”;<br />

Is. 41.19 - “a faia, o olmeiro e o álamo” na natureza - bará; Is. 65.18 - Deus<br />

“bará para Jerusalém alegria e para o seu povo gozo”.<br />

c) O contexto m ostra que o sentido aqui é de fazer sem o uso de matéria<br />

preexistente. Porque a terra em sua condição rude, informe, caótica ainda é<br />

chamada “terra” no verso 2, a palavra no verso 1 não pode referir-se a<br />

qualquer dimensão ou m oldagem dos elementos, mas deve significar chamá-<br />

las a ser.<br />

O e h l e r, Theol. of O. T., 1,177 - “berashith, ‘no princípio’ a criação divina é<br />

fixada como o começo absoluto, não como obra realizada em algo que já<br />

existia”. O v. 2 não pode ser o começo de uma história porque começa com a<br />

palavra ‘e’. D e lit zs c h fala da expressão ‘a terra era sem forma e vazia': a<br />

partir disto é evidente que o estado vazio e informe da terra não foi não criado<br />

e sem começo. ... “É evidente que ‘o céu e a terra’ como Deus os criou no<br />

princípio não eram o universo bem ordenado, mas o mundo em sua forma<br />

elementar”.<br />

553


5 5 4 Augustus Hopkins Strong<br />

d) A palavra K"Q pode ter tido um a outra significação original de “cortar”,<br />

“form ar” e que retém este sentido na conjugação piei, não necessita prejuízo à<br />

conclusão a que se chega porque termos expressivos dos processos mais espirituais<br />

derivam de raízes sensoriais. Se K13 não significa criação absoluta não<br />

há na língua hebraica nenhum a palavra que expresse esta idéia.<br />

e) M as esta idéia de produção sem o uso de m atéria preexistente inquestionavelm<br />

ente ocorreu entre os hebreus. As mais tardias Escrituras mostram<br />

que ela havia se tom ado natural à m ente hebraica. A posse desta idéia pelos<br />

hebreus, conquanto não seja achada de m odo algum, ou obscura e ambiguamente<br />

expressa nos livros sagrados dos pagãos, pode ser m elhor explicada<br />

supondo que ela derivava desta antiga revelação em Gênesis.<br />

E. H. J o h n s o n , Outline of Syst. Theol., 94 - “Rm 4.17 dá-nos conta de que<br />

a fé de Abraão, a quem Deus prometera um filho, ligava-se ao fato de que<br />

Deus chama à existência as coisas que não são! Isto pode ser aceito como a<br />

interpretação de Paulo sobre o primeiro verso da Bíblia”. É possível que o<br />

pagão tivesse ocasionais lampejos desta verdade apesar de que não com<br />

tanta clareza como a que Israel possuía. Talvez possamos dizer que, mais<br />

tarde, através das perversões, os cultos à natureza, algo da revelação original<br />

sobre a criação absoluta brilhasse, tão debilmente como o primeiro escrito<br />

de um palimpsesto que aparece através do subseqüente junto ao qual foi<br />

apagado. Se a doutrina da criação absoluta se encontra entre os pagãos, é<br />

grandemente rasurada e confusa. Nenhum dos livros pagãos a ensina como<br />

as Sagradas Escrituras dos hebreus. Contudo, fica a impressão de que sem<br />

esta “ênfase do Espírito Santo o desatento mundo ter-se-ia perdido”.<br />

Blb. Com. 1,31 - “Talvez nenhuma outra língua antiga, por mais refinada e<br />

filosófica que fosse, poderia ter distinguido com tanta clareza os diferentes<br />

atos daquele que fez todas as coisas [como o hebreu fez com as quatro diferentes<br />

palavras], e isso porque toda a filosofia pagã avaliava a matéria como<br />

não criada, mas eterna”. P r o f . E. D. B u r t o n : “O Bramanismo e a religião original,<br />

de que o Zoroastrianismo é uma reforma, eram divisões orientais e ocidentais<br />

de uma religião ariana positiva e, provavelmente monoteísta. Os Vedas,<br />

que representam o Bramanismo, deixam uma pergunta sobre a origem do<br />

mundo: se de Deus pela emanação, ou feitura de material eternamente existente.<br />

Mais tarde o Bramanismo veio a ser panteísta e o Budismo, uma Reforma<br />

do Bramanismo, ateísta”.<br />

Inclinamo-nos ainda a sustentar que nenhuma nação antiga, além dos<br />

hebreus, conheceu a doutrina da criação absoluta. Recentes investigações,<br />

contudo, tornam isto um tanto mais duvidoso do que outrora podia ser. S a y c e,<br />

Hilbert Lectures, 142,143, vê a criação entre os antigos babilônios. Em sua<br />

obra Religions of Ancient Egypt and Babylonia, 372-397, diz: “Os elementos<br />

da cosmologia hebraica são todos babilônicos; mesmo a palavra criadora em<br />

si era uma concepção babilônica; mas o espírito que inspira a cosmologia é a<br />

antítese daquele que inspirou a cosmologia da Babilônia. Entre o politeísmo


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 5 5<br />

da Babilônia e o monoteísmo de Israel há uma lacuna que não pode ser preenchida.<br />

Logo que temos um monoteísmo claro, vem a criação absoluta como<br />

corolário. Com a corrupção da idéia monoteísta, a criação deu lugar à transformação<br />

panteísta”.<br />

Outros têm defendido agora que o Zoroastrianismo, os Vedas e a religião<br />

dos antigos egípcios tinham a idéia da criação absoluta. Hino védico no Rig<br />

Veda, 10.9, citado por J. R C l a r k e, Ten Great Religions 2.205 - “Originaria-<br />

mente este universo era uma só alma; nada mais existia, quer ativo, quer<br />

inativo. Pensava ele: ‘criarei mundos’; e assim criou vários mundos: a terra, a<br />

luz, o ser mortal, as águas”. R e n o u f, Hibbert Lectures, 216-222, fala de um<br />

papiro sobre a escada do Museu Britânico que reza: “O grande Deus, Senhor<br />

do céu e da terra, que fez todas as coisas que são ... o onipotente Deus, auto-<br />

existente, que fez o céu e a terra;... o céu ainda não era criado, não criada era<br />

a terra; tu ajuntaste a terra... aquele que fez todas as coisas, mas não foi feito”.<br />

Porém a religião egípcia, mais tarde, em seu desenvolvimento, assim como<br />

o Bramanismo, era panteísta e é possível que todas as expressões que<br />

temos citado devem ser interpretadas não como indicação de uma crença na<br />

criação a partir do nada, mas como afirmação da emanação, ou como a divindade<br />

assumindo novas formas e modos de existência.<br />

B) Hebreus 11.3 - “Pela fé entendemos que os mundos foram formados<br />

pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que aparece” =<br />

o mundo não foi feito da m atéria perceptível aos sentidos e preexistente, mas<br />

pelo fiat direto da onipotência (ver A l f o r d e L ü n e m a n n , Meyer’s Com. In<br />

loco).<br />

Compare 2 Macabeus 7.28 - èí; orne õvtcov è7toír|aev cuná ó ©eóç A Vulgata<br />

traduz isto como “quia ex nihilo fecit illa Deus”, e é da Vulgata que surge a<br />

expressão “criar a partir do nada”. H e d g e , Ways of the Spirit, assinala que a<br />

Sabedoria 11.17 contém à|iópcpot> $A/nç e interpreta isto como o oík<br />

õ v t c o v de 2 Macabeus e nega que isto se refere à criação a partir do nada.<br />

Porém convém lembrar que mais tarde foram compostos escritos apócrifos<br />

sob a influência da filosofia platônica; que a passagem na Sabedoria pode ser<br />

uma interpretação racionalista do que se acha em Macabeus; e que, ainda que<br />

fosse independente não deveríamos admitir a harmonia do ponto de vista nos<br />

apócrifos. 2 Macabeus 7.28 deve fixar-se como testemunho da crença judaica<br />

na criação sem matéria preexistente, - crença que não pode levar a nenhuma<br />

outra fonte que não sejam as Escrituras do A.T. Comp. Ex. 34.10 - “Farei maravilhas<br />

tais como não têm sido feitas (criadas) em toda a terra”; Nm. 16.30 “se<br />

o Senhor fizer (criar uma criatura) uma nova coisa”; Is. 4.5 - “O Senhor criará<br />

... nuvem e fumaça”; 41.20 - “o Santo de Israel fez (criou) isso”; 45.7,8 -<br />

“Formo a luz, crio as trevas”; 57.19 - “Crio o fruto dos lábios”; 65.17 - “Crio<br />

novos céus e nova terra”; Jr. 31.22 - “O Senhor criou uma nova coisa”.<br />

Rm. 4.17 - “Deus, que vivifica os mortos e chama as coisas que não são<br />

como se fossem”; 1 Co. 1.28 - “[Deus escolheu] as coisas que não são para<br />

aniquilar as que são”; 2 Co. 4.6 - “Deus, que disse, a luz brilhará nas trevas”<br />

= criou a luz sem matéria preexistente, porque as trevas não são matéria;


5 5 6 Augustus Hopkins Strong<br />

Cl. 1 .1 6 ,1 7 - “Nele todas as coisas foram criadas .... e ele é antes de todas as<br />

coisas”. Assim também SI. 33.9 - “Falou e logo se fez”; 148.5 - “Mandou e<br />

foram criados”; Filo, Criação do Mundo, caps. 1-7 e A Vida de Moisés, livro 3,<br />

cap. 36 - “Ele produziu a mais perfeita obra, o Cosmos, do não existente (xov<br />

Uri õvtoç) para ser (eiç tò eivai)”. E. H. J o h n s o n , Sys. Theol., 94 - “Não temos<br />

razão alguma para crer que a mente hebraica tinha a idéia da criação a partir<br />

de matéria invisível. Mas a criação a partir da matéria visível acha-se negada<br />

expressamente em Hb. 11.3. Este texto, portanto, eqüivale a uma afirmação<br />

de que o universo foi feito sem a utilização de qualquer matéria preexistente”.<br />

2. Evidência indireta da Escritura<br />

a) A duração passada do mundo é limitada; b) antes que o mundo começasse<br />

a ser cada pessoa da divindade já existia; c) a origem do universo é atribuída<br />

a Deus e a cada um a das pessoas da divindade. Estas representações da<br />

Escritura não são apenas mais consistentes com o ponto de vista de que o<br />

universo foi criado por Deus sem o uso de m atéria preexistente, mas são inexplicáveis<br />

sob qualquer das outras hipóteses.<br />

a) Mc. 13.19 - “desde o princípio da criação, que Deus criou, até agora”;<br />

Jo. 17.5 - “antes que mundo existisse”; Ef. 1,4 - “antes da fundação do mundo”.<br />

b) SI. 90.2 - “antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a<br />

terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus”. Pv. 8.23 -<br />

“Desde a eternidade fui estabelecida; desde o princípio, antes do começo da<br />

terra”; Jo. 1.1 - “No princípio era o Verbo”; Cl. 1.17 - “Ele é antes de todas as<br />

coisas”; Hb. 9.14 - “o Espírito eterno” (ver Comentário de T h o lu c k in loco),<br />

c) Ef. 3.9 - “Deus, que tudo criou”. Rm. 11.36 - “dele são todas as coisas”.<br />

1 Co. 8.6 - “um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas”... Jo. 1.3 -<br />

“Todas as coisas foram feitas por intermédio dele”. Hb. 1.2 - “através de quem<br />

também fez os mundos”. Gn. 1.2 - “e o Espírito de Deus se movia sobre a<br />

face das águas”.<br />

Destas passagens podemos inferir que 1) todas as coisas dependem<br />

absolutamente de Deus; 2) Deus exerce o controle supremo sobre todas as<br />

coisas; 3) Deus é o único ser infinito; 4) só Deus é eterno; 5) não há nenhuma<br />

substância a partir da qual Deus cria; 6) as coisas não procedem de Deus por<br />

emanação necessária; o universo tem sua fonte e origem na vontade transcendente<br />

de Deus.<br />

III. T eorias que se opõem à C riação<br />

1. Dualismo<br />

Há duas formas de dualismo:<br />

A) A que sustenta dois princípios auto-existentes: Deus e a matéria. Estes<br />

são distintos e coetem os. A matéria, contudo, é um a substância inconsciente,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 557<br />

negativa e imperfeita, e está subordinada a Deus e se tom a instrumento da<br />

vontade dele. Este é o princípio subjacente dos gnósticos alexandrinos. E essencialmente<br />

um a tentativa de com binar com Cristo a concepção platônica ou<br />

aristotélica do t>Xr|. Deste modo pensava-se contar com a existência do mal e<br />

escapar à dificuldade de im aginar um a produção sem o uso de m atéria prée-<br />

xistente. Basílides (que floresceu em 125) e Valentino (falecido em 160),<br />

representantes deste ponto de vista, sofreram a influência da filosofia hindu e<br />

seu dualismo quase não difere do panteísmo. Sem elhante ponto de vista tem<br />

sido sustentado m odernam ente por John S tu a r t M ill e talvez por Frederick<br />

W. Robertson.<br />

O dualismo procura mostrar como o Uno se torna múltiplo, como o Absoluto<br />

dá surgimento ao relativo, como o bem pode coexistir com o mal. A üXti<br />

de P latão parece nada significar senão espaço vazio, do qual o não ser, ou<br />

simplesmente a existência negativa impede a plena realização das idéias<br />

divinas. A r is t ó t e l e s considerava a ü X ri como uma causa mais positiva da<br />

imperfeição, - é como se fosse a matéria dura que embaraça o escultor na<br />

expressão do seu pensamento. O verdadeiro problema tanto para P latão como<br />

para A r is t ó te le s é explicar a passagem da existência puramente espiritual<br />

para a que é fenomenal e imperfeita, do absoluto e ilimitado para aquilo que<br />

existe no espaço e no tempo. Em vez de ser considerado criado, o finito é<br />

como se tivesse existência eterna, limitando todas manifestações divinas.<br />

A üXri, por ser simples abstração, torna-se fonte positiva ou negativa do mal.<br />

Os judeus de Alexandria, sob a influência da cultura helenista, procuraram<br />

fazer este dualismo explicar a doutrina da criação.<br />

B a s ílid e s e V a l e n t in o , contudo, estavam também sob a influência de um<br />

filósofo panteísta trazida do remoto Oriente - a filosofia do budismo, que<br />

ensina que a fonte original de todos é um inominável Ser, destituído de todas<br />

as qualidades e, assim, não se distingue do Nada. Deste Ser, que é o não-ser,<br />

procedem todas as coisas existentes. A r is t ó t e l e s e H eg e l semelhantemente<br />

ensinam que o Ser puro é igual ao Nada. Mas, como o objetivo dos filósofos<br />

alexandrinos era mostrar como algo podia ser originado, eles foram obrigados<br />

a conceber o Nada primitivo como capaz de tal origem. Contudo, eles, na<br />

falta de qualquer concepção de criação absoluta, foram compelidos a conceber<br />

a matéria que podia ser formada. Por isso, o vazio, o Abismo toma lugar<br />

na natureza. Se se disser que eles não concebiam o Vazio ou o Abismo como<br />

substância, respondemos que eles lhe deram tanto existência substancial como<br />

deram a primeira Causa das coisas, que, apesar de suas descrições negativas<br />

envolviam a Vontade e o Desígnio. E embora eles não atribuam a esta<br />

substância secundária uma influência positiva para o mal, eles vêem o<br />

inconsciente empecilho de todo o bem.<br />

P r in c ipal T u l l o c h , Enciclopédia Britânica, 10.704 - “Na Gnose alexandrina<br />

... a correnteza do ser em seu fluxo sempre externo entra em contato com<br />

a matéria morta que, deste modo, recebe animação e se torna uma fonte viva<br />

do mal”. W in d e l b a n d , Hist. Philosophy, 1 2 9 ,1 4 4 ,2 3 9 - “Com V a l e n t in o , lado a<br />

lado com a divindade derramada na Pleroma da Plenitude das formas espiri-


5 5 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

tuais, aparece o Vazio, igualmente original e a partir da eternidade; ao lado da<br />

Forma aparece a matéria; ao lado do bem aparece o mal”. Mansel, Gnostic<br />

Heresis, 139 - “A teoria platônica da matéria inerte, semi-existente ... foi adotada<br />

pela gnose do Egito ... 187 - V alentino não se contenta, como Platão, ...<br />

em admitir como germe do mundo natural a matéria informe existente desde<br />

a eternidade. ... A teoria inteira pode ser descrita, na linguagem alegórica,<br />

como o desenvolvimento da hipótese panteísta que Basílides adotara em seu<br />

esboço”. A. H. N ewman, Ch. History, chama a filosofia de B asílides de “fundamentalmente<br />

panteísta”. “Valentino”, diz ele, “não se preocupava tanto em<br />

insistir na original não existência de Deus e de tudo”. Respondemos que,<br />

mesmo para Basílides, o ser não existente é dotado de poder; e este poder<br />

nada realiza enquanto não entre em contato com as coisas não existentes<br />

e, a partir delas, modele a semente do mundo. As coisas não existentes<br />

são tão substanciais como o Modelador e implicam tanto objetividade como<br />

limitação.<br />

Lightfoot, Com. on Colossians, 76-113, traçou uma conexão entre a doutrina<br />

gnóstica, a mais antiga heresia colossense e o ainda mais antigo ensino<br />

dos essênios da Palestina. Todos estes se caraterizavam 1) pelo espírito de<br />

casta ou exclusividade intelectual; 2) pelos dogmas peculiares quanto à criação<br />

e quanto ao mal; 3) pelo ascetismo prático. A matéria é má e faz separação<br />

entre o homem e Deus; por isso os seres intermediavam entre o homem<br />

e Deus como objetos de adoração; também, por isso, a mortificação do corpo<br />

como um meio de purificar o homem do pecado. O antídoto de Paulo para<br />

ambos os erros era simplesmente a pessoa de Cristo, o verdadeiro e único<br />

mediador e santificador.<br />

H arnack, Hist. Dogma., 1.128 - “A maioria dos empreendimentos gnósti-<br />

cos podem ser vistos como tentativas de transformar o cristianismo em teoso-<br />

fia. ... No gnosticismo o espírito helênico desejava fazer-se mestre do cristianismo<br />

ou, mais corretamente, das comunidades cristãs”. ... 232 - H arnack<br />

representa uma das doutrinas filosóficas fundamentais do gnosticismo, a do<br />

cosmos como mistura da matéria com centelhas divinas que surgiram de uma<br />

descida destas para aquela [gnosticismo alexandrino], ou, como diz alguém,<br />

de perverso, ou simplesmente permitiram o empreendimento de um espírito<br />

subordinado [gnosticismo sírio], Podemos comparar o saduceu hebreu com<br />

o epicurista grego; o fariseu com o estóico; o essênio com o pitagórico.<br />

Os fariseus exageravam a idéia da transcendência de Deus. Os anjos devem<br />

estar entre Deus e o mundo. Os gnósticos intermediários eram a realização<br />

lógica. Só as obras exteriores de obediência eram válidas. Em lugar disto,<br />

Cristo pregou uma religião a partir do coração. W endt, Teaching of Jesus,<br />

1.52 - “A rejeição dos sacrifícios de animais e conseqüente abstinência da<br />

adoração no templo da parte dos essênios, que parecem estar em desarmonia<br />

com o resto da sua obediência legal explica-se melhor como conseqüência<br />

da idéia de que a oferta de sangue de animal a Deus era derrogatória ao<br />

seu caráter transcendental. Por isso, interpretavam a ordem do Velho Testamento<br />

alegoricamente”.<br />

Lyman A bbott: “O oriental sonha; o grego define; o hebreu age. Todas<br />

estas influências se encontram e interferem em Alexandria. As emoções são<br />

mediações entre o Deus absoluto, incognoscível, de alcance total e o Deus


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 59<br />

pessoal, revelado santo na Escritura. O Ascetismo é um resultado: a matéria<br />

não é divina, pelo que está livre disso. A licença é outro resultado: a matéria<br />

é não divina, pelo que a desconsidera - não há doença e não há pecado - é<br />

a moderna doutrina da Ciência Cristã”. K elney, Christian Doctrine, 1.360-373;<br />

2.354, concebe a glória divina como ambiente material eterno de Deus de<br />

que o universo é formado.<br />

O autor de “O Universo Invisível” (p. 17) erroneamente chama J. S tuart<br />

M ill de maniqueu. Entretanto, M ill nega a crença na pessoalidade deste princípio<br />

que existe e limita Deus; ver seus Posthumous Essays on Religion, 176-<br />

195. F. H. R obertson, Lectures on Genesis 4-6 - “Antes a criação do mundo<br />

tudo era caos ... mas, com a criação, a ordem começou ... Deus não parou<br />

de criar, pois a criação continua a cada dia. A natureza é Deus em operação.<br />

Só após surpreendentes mudanças, como na primavera, dizemos figurada-<br />

mente, ‘Deus descansa’”.<br />

Com relação a este ponto de vista notam os que:<br />

d) A m áxim a ex nihilo nihilfit, na qual se apóia, é verdadeira naquilo que<br />

afirm a que nenhum evento ocorre sem causa. É falsa, se significa que nada<br />

jam ais pode ser feito sem m atéria preexistente. Portanto, a máxim a é aplicável<br />

só ao reino das causas secundárias e não im pede a força criativa da grande<br />

prim eira Causa. A doutrina da criação não dispensa a causa; por outro lado,<br />

atribui ao universo um a causa suficiente em Deus.<br />

Lucrécio: “Nihil posse criari de nihilo, neque quod gentium est ad nihil<br />

revocari”. P érsio: “Gigni De nihilo, in nihilum nil posse reverteri”. M artensen,<br />

Dogmatics, 135 - “O nada, de que Deus cria o mundo, é a possibilidade eterna<br />

do que ele quer que sejam as fontes de todas as realidades do mundo”.<br />

L ewes, Problems of Life and Mind, 2.292 - “Por isso, quando se argumenta<br />

que nem se deve pensar na criação de alguma coisa a partir do nada e, por<br />

isso, peremptoriamente deve ser rejeitado, o argumento parece-me defeituoso.<br />

O processo merece a atenção do nosso pensamento, embora seja imaginável<br />

e concebível, mas não provável”. Lipsius, Dogmatik, 288, assinala que a<br />

teoria do dualismo é tão difícil como a da criação absoluta. Ela pensa em um<br />

ponto no tempo quando Deus começa a moldar a matéria preexistente e não<br />

pode apresentar nenhuma razão por que Deus não o fez antes, visto que<br />

sempre deve ter havido nele um impulso para a referida moldagem.<br />

b) A pesar de que a criação sem o uso de m atéria preexistente é inconcebível,<br />

no sentido de ser irretratável à imaginação, contudo, a eternidade da<br />

m atéria é igualmente inconcebível. Para a criação sem m atéria preexistente,<br />

contudo, achamos remotas analogias na nossa própria criação de idéias e vontades,<br />

fato tão inexplicável como o de Deus causar substâncias novas.<br />

M ivart, Lessons from Nature, 371,372 - Em certo sentido temos um auxílio<br />

para o pensamento da criação absoluta em nossa vontade livre, que, origi-


5 6 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

nando e determinando de modo tão absoluto possamos tomá-la com um tipo<br />

do ato criativo”. Falamos de ‘faculdade criadora’ do poeta ou do artista. Não<br />

podemos tornar reais os produtos da nossa imaginação como Deus pode<br />

fazer com as dele. Mas, se o pensamento fosse apenas substância, a analogia<br />

seria completa. S hedd, Dogm. Theol., 1.467 - “Nossos pensamentos e<br />

volições são criados ex nihilo no sentido de que um pensamento não se opera<br />

a partir de outro, nem uma volição a partir de outra”. Deste modo, a substância<br />

criada pode ser apenas a mente e a vontade de Deus em exercício, automaticamente<br />

na matéria, livremente no caso dos seres livres.<br />

B eddoes: “Tenho um pouco do Fiat em minha alma e posso criar o meu<br />

mundozinho”. M ark Hopkins: “O homem é uma imagem de Deus como criador.<br />

... Pode propositadamente criar, ou fazer existir, futuro que só teria existido<br />

para ele”. E. C. Stedman, Nature of Poetry, 233 - “Assim como o Poeta, o<br />

artista é criativo; ele se torna participe da imaginação divina e poder e até<br />

mesmo da responsabilidade divina”. W ordsworth chama o poeta de “sereno<br />

criador das coisas imortais”. A imaginação, diz ele, é tão somente outro nome<br />

para “o mais claro discernimento, amplitude da mente e a razão na sua mais<br />

exaltada manifestação”. Se somos ‘deuses’ (SI. 82.6), essa parte do Infinito<br />

que está incorporada em nós deve participar de uma limitada extensão do<br />

poder de criar”. V eitch, Knowing and Being, 289 - “A vontade, expressão da<br />

personalidade, tanto originando soluções como moldando matéria existente<br />

na forma, é a mais próxima abordagem no pensamento que podemos fazer<br />

da criação divina”.<br />

Criação não é apenas o pensamento de Deus; é também a vontade dele -<br />

pensamento é a expressão, razão exteriorizada. Vontade é criação a partir do<br />

nada no sentido de que não há o emprego de matéria preexistente. No exercício<br />

da imaginação criativa da parte do homem, existe a vontade assim como<br />

o intelecto. Royce, Studies of Good and Evil, 256, assinala que pode haver o<br />

elemento original 1) no estilo ou forma da nossa obra; 2) na seleção dos<br />

objetos que imitamos; 3) na invenção das novas combinações da matéria.<br />

O estilo, a combinação da matéria, então, abrangem os métodos da nossa<br />

originalidade. Nossas novas combinações da natureza como expressão da<br />

mente e vontade divinas aproximam mais a criação e a nossa compreensão<br />

do que o velho conceito do mundo como substância capaz de existir independente<br />

de Deus. H udson, Law of Psychic Phenomena, 294, defende o pensamento<br />

de que temos poder para criar fantasmas visíveis ou pensamentos<br />

incorporados que podem subjetivamente ser percebidos pelos outros. Ver também<br />

de H udson, Scientific Demonstration of Future Life, 153. Ele define o<br />

gênio como o resultado da ação sincrônica das faculdades subjetiva e objetiva.<br />

Jesus de Nazaré, em seu julgamento, foi um maravilhoso psíquico. Percepção<br />

intuitiva e razão objetiva estavam com ele sempre em ascendência.<br />

Seus milagres eram falsamente interpretados como fenômenos psíquicos.<br />

Jesus nunca reivindicou que as suas obras eram o lado exterior da lei natural.<br />

Todo homem tem o mesmo poder intuitivo, embora em diferentes graus.<br />

Podemos acrescentar que, quando o homem gera uma criança, dá existência<br />

substancial a um outro ser. O ato de Cristo criar o homem pode ser<br />

como o ato do Pai gerá-lo. B ehrends: “A relação entre Deus e o universo é<br />

mais íntima e orgânica que a relação entre um artista e a sua obra. A figura do


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

mármore independe do escultor no momento em que se completou. Ela continua,<br />

mesmo depois da morte dele. Mas o universo desapareceria com o<br />

afastamento da presença e atuação de Deus. Se eu tivesse de empregar<br />

qualquer figura seria a da geração. A imanência de Deus é o segredo da<br />

permanência e uniformidade da natureza. A criação é primordialmente um<br />

ato espiritual. O universo não é o que vemos e tateamos. O universo real é um<br />

império de energias, uma hierarquia de forças correlatas cuja realidade e cuja<br />

unidade estão arraigadas na vontade racional de um Deus perpetuamente<br />

ativo na preservação. Mas não há nenhuma identidade de substância, nem<br />

qualquer divisão da substância divina.<br />

Bowne, Theory of Thought and Knowledge, 36 - “Concebe-se uma mente<br />

que cria de modo integral seus objetos somente pela sua própria atividade e<br />

sem a dependência de qualquer coisa a não ser ela mesma. Tal é a nossa<br />

concepção da relação do Criador com os seus objetos. Mas não é este o caso<br />

em ligeira extensão. A nossa vida mental começa e chegamos gradualmente<br />

ao conhecimento das coisas e de nós mesmos. Em certo sentido, apresentam-se<br />

os nossos objetos; i.e. não temos objetos à vontade ou as suas propriedades<br />

variam ao nosso bel-prazer. Neste sentido somos passivos quanto ao<br />

conhecimento e nenhum idealismo pode afastar este fato. Entretanto, em certo<br />

sentido, nossos objetos são nossos produtos; pois um objeto existente torna-<br />

se objeto para nós só quando pensamos nele e assim fazemo-lo nosso. Neste<br />

sentido, o conhecimento é um processo ativo e não uma recepção passiva<br />

da informação pronta vinda de fora”. C larke, S elfand the Father, 38 - Somos<br />

nós humilhados por termos dados para que a nossa imaginação opere? por<br />

sermos incapazes de criar a matéria? Não o somos a menos que seja vergonhoso<br />

assemelharmo-nos ao Criador”. A causa é tão misteriosa como a criação.<br />

Balzac convivia com suas personagens como se fossem seres reais.<br />

c) É antifilosófico postular duas substâncias eternas quando um a Causa<br />

auto-existente de todas as coisas explicará os fatos, d) Contradiz nossa noção<br />

fundamental de Deus como soberano absoluto supor a existência de qualquer<br />

outra substância que independe da vontade dele. e) Esta substância com que<br />

Deus deve necessariamente operar, porque é, segundo esta teoria, inerentem<br />

ente má, não só limita o poder de Deus, mas destrói sua bênção, f) Esta<br />

teoria não responde seu propósito de explicar o mal moral, a não ser que só se<br />

adm ita que o espírito é matéria, - caso em que o dualismo dá lugar ao mate-<br />

rialismo.<br />

M artensen, Dogmatics, 121 - Deus se torna simplesmente um demiurgo,<br />

se a natureza existe antes do espírito. Só pode ter poder para completar e sse<br />

espírito aquele que, em perfeito sentido, é capaz de começar a obra da criação”.<br />

S e Deus não cria, ele não deve utilizar a matéria que ele acha e a sua<br />

obra com a matéria prima deve ser uma perpétua tristeza. Tal limitação no<br />

poder da divindade parece a J ohn S tuart Mill a melhor explicação para as<br />

imperfeições existentes no universo.<br />

5 6 1


5 6 2 Augustus Hopkins Strong<br />

A outra forma de dualismo é:<br />

B) A que sustenta a existência eterna de dois espíritos antagônicos, um<br />

m au e o outro bom. Neste ponto de vista a m atéria não é substância negativa e<br />

im perfeita que, contudo, tem existência própria, mas é obra ou instrumento de<br />

um a inteligência pessoal positivamente maligna, que com bate contra todo o<br />

bem. Este é o ponto de vista dos m aniqueus. O m aniqueísm o compõe-se<br />

de cristianismo e da doutrina persa das duas inteligências eternas e opostas.<br />

Zoroastro, contudo, faz com que a m atéria seja pura e que a criação do bem<br />

venha a ser. Parece que M ani considera a m atéria com o escrava do espírito<br />

mau, ou sua absoluta criação.<br />

A velha história das viagens de Mani, na Grécia, é totalmente equívoca.<br />

G u e r ic k e , Church History, 1.185-187, sustenta que o maniqueísmo não contém<br />

nenhuma mistura da filosofia platônica, não tem nenhuma conexão com<br />

o judaísmo e, como seita, não veio de relações diretas com Igreja Católica.<br />

H a r m o c h , Wegweiser, 22, chama o Maniqueísmo de um composto de Gnosti-<br />

cismo e zoroastrianismo. H e r z o g , Encyclopãdie, art. Mani undManichàer<br />

e os Maniqueus), considera o Maniqueísmo como o fruto, o clímax e a plenitude<br />

do Gnosticismo. O Gnosticismo é uma heresia na igreja; o Maniqueísmo,<br />

como o neoplatonismo, é uma anti-igreja. J. P. L a n g u e : “Estas teorias opostas<br />

representam várias concepções pagãs do mundo, que, como palimpsestos,<br />

apresentam-se através do Cristianismo”. Is a a c T aylo r fala do “criador dos carnívoros”;<br />

e alguns cristãos modernos poeticamente consideram Satanás como<br />

um segundo deus e igual a ele.<br />

M o n ie r W il l ia m s , no século XIX, janeiro 1881: 155-177 - Ahura Mazda foi o<br />

criador do universo. A matéria foi criada por ele e não se identifica com ele, e<br />

nem era sua emanação. Na natureza divina havia dois opostos, mas não opondo<br />

princípios ou forças, chamados “gêmeos” - um construtivo, o outro destrutivo;<br />

um benéfico, o outro maléfico. Z o r o a s t r o chamava estes “gêmeos” também<br />

pelo nome de “espíritos” e declarava que “um destes dois espíritos criou<br />

a realidade, o outro a irrealidade”. W illia m s diz que estes dois princípios só se<br />

conflitam no nome. Só havia antagonismo entre o bem resultante e o mal<br />

produzido pelo agente livre, o homem.<br />

Podemos acrescentar que, mais tarde, esta personificação de princípios<br />

na divindade parece ter-se tornado uma crença definida nos dois espíritos<br />

pessoais opostos e que Mani, Manes, ou os maniqueus adotaram um tipo de<br />

zoroastrianismo, acrescentando alguns elementos cristãos. H a g e n b a c h , History<br />

of Doctrine, 1.470 - A doutrina dos maniqueus é de que a criação é obra<br />

de Satanás. A. H. N e w m a n , Church History, 1 .1 9 4 - “O Maniqueísmo é o Gnosticismo,<br />

com seus elementos cristãos reduzidos ao mínimo, e o Zoroastrianismo,<br />

babilônico antigo e outros elementos orientais elevados ao máximo.<br />

O Maniqueísmo é o dualismo oriental com nomes cristãos, raramente retendo<br />

um traço do seu significado próprio. O que há de mais fundamental no Maniqueísmo<br />

é o dualismo absoluto. O reino da luz e o reino das trevas, com seus<br />

governantes, opõem-se eternamente um ao outro”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Deste ponto de vista podemos apenas dizer que se refuta à) com todos os<br />

argumentos da unidade, onipotência, soberania e bênção de Deus; b) com as<br />

representações escriturísticas do príncipe do mal como criatura de Deus e<br />

sujeito ao controle de Deus.<br />

Passagens da Escritura que mostram Satanás como criatura de Deus ou<br />

sujeito a ele são as seguintes: Cl. 1.16 - “Porque nele foram criadas todas as<br />

coisas que há no céu e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam<br />

dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e<br />

para ele”, cf. Ef. 6.12 - “porque não temos que lutar contra carne e sangue,<br />

mas contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas<br />

deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”.<br />

2 Pe. 2.4 - “porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas,<br />

havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando<br />

reservados para o juízo”; Ap. 20.2 - “Ele prendeu o dragão, a antiga serpente<br />

que é o diabo e satanás”; 10 - “e o Diabo, que os enganava, foi lançado no<br />

lago de fogo e enxofre”.<br />

A mais estreita analogia com o dualismo maniqueu acha-se no conceito<br />

popular de Diabo, mantido pela igreja medieval romana. Resta a pergunta se<br />

ele era considerado como um rival ou como um servo de Deus. M a t h e s o n ,<br />

Messages of Old Religions, diz que o zoroastrianismo reconhece um elemento<br />

obstrutivo na natureza do próprio Deus. A moral iníqua é uma realidade e<br />

há o elemento de verdade no zoroastrianismo. Porém não há nenhuma reconciliação<br />

nem há evidência de que todas as coisas cooperam para o bem. E. H.<br />

J o h n s o n : “Esta teoria estabelece a matéria como um tipo de divindade um<br />

ídolo insensível dotado do verdadeiro atributo divino da existência própria.<br />

Entretanto, podemos apenas reconhecer um Deus . Promover a matéria a<br />

uma coisa eterna, independente do Onisciente, mas sempre ao lado dele é a<br />

mais revolucionária de todas as teorias”. Te n n y s o n , Unpublished Poem (Life<br />

1.314) - “Pobre de mim! pois que em volta de nós aqui há como se algum<br />

deus menor tivesse feito o mundo, mas não tivesse força para moldá-lo, como<br />

se ele ainda não fosse o altíssimo, contemplado do além e entrar nele e torná-lo<br />

belo?<br />

E. G. R o b in s o n : “O mal não é eterno; se fosse, estaríamos tributando nosso<br />

respeito a ele. ... Há muito de Maniqueísmo na piedade moderna. Influenciamos<br />

a alma através do corpo. Daí o sacramentalismo e a penitência.<br />

O puritanismo é o Maniqueísmo teológico. Cristo recomendou o jejum porque<br />

este pertencia à sua época. O Cristianismo veio do Judaísmo. O eclesialismo<br />

vem em grande parte da reprodução do que Cristo fez. O cristianismo não é<br />

perfuntório em suas práticas. Devemos jejuar só quando houver boa razão<br />

para isso”. L. H. M il l s , New World, março, 1805.51, sugere que o farisaísmo<br />

pode ser a mesma coisa que o farseísmo, que é outra forma do parseísmo.<br />

O pensamento dele é de que a ressurreição, a imortalidade, o Paraíso, Satanás,<br />

o Juízo, o Inferno, vieram de fontes persas e gradualmente evadiram<br />

para a simplicidade dos saduceus. P f l e id e r e r , Philos. Religion, 1.206 -<br />

“Segundo a lenda persa, o primeiro casal humano era boa criatura, Espírito<br />

totalmente sábio, Ahura, que soprou neles o seu próprio ar. Porém, logo os<br />

563


5 6 4 Augustus Hopkins Strong<br />

homens primitivos deixaram-se seduzir pelo hostil Espírito Angromainiu na<br />

mentira e idolatria, pelo que os espíritos maus adquiriram força sobre eles e<br />

sobre a terra e espoliaram a criatura boa”.<br />

D is s e l h o f f, Die klassische Poesie und die góttliche Offenbarung, 1 3 -2 5 -<br />

“O Gathas de Zoroastro são os primeiros poemas da humanidade. Neles o<br />

homem se ievanta para afirmar sua superioridade com relação à natureza<br />

e afirmar a espiritualidade de Deus. Deus não se identifica com a natureza.<br />

Os deuses impessoais da natureza são ídolos vãos e causa da corrupção.<br />

Seus adoradores são servos da falsidade. Ahura-Mazda (sábio-vivo) é uma<br />

personalidade moral e espiritual. Arimã é igualmente eterno, mas não igualmente<br />

poderoso. O bem não tem vitória completa sobre o mal. Admite-se o<br />

dualismo e perde-se a unidade. O conflito entre os tipos de fé leva à separação.<br />

Enquanto uma parte da raça permanece nas montanhas iranianas para<br />

sustentar a liberdade e a independência da natureza, a outra vai para o<br />

sudeste, às exuberantes margens do Ganges, servir às forças da natureza.<br />

O Oriente defende a unidade como o Ocidente a dualidade. Contudo, Zoroastro,<br />

nos Gathas, é quase deificado; e sua religião, que começa concedendo<br />

predominância ao Espírito bom, termina solapando a adoração à natureza”.<br />

2. E m anação<br />

Esta teoria sustenta que o universo é a m esm a substância de Deus e produto<br />

de sucessivas evoluções do seu ser. Este é o ponto de vista dos gnósticos<br />

sírios. Seu sistema foi um a tentativa de interpretar o cristianismo nas formas<br />

da Teosofia oriental. S w e d e n b o r g , no século passado, ensinou semelhante<br />

doutrina.<br />

A esta teoria objetamos nas seguintes bases: d) N ega virtualmente a infini-<br />

tude e a transcendência de Deus, - aplicando a ele um princípio de evolução,<br />

desenvolvim ento e progresso que pertence apenas ao finito e imperfeito.<br />

b) Contradiz a santidade divina, - porque o homem, que por esta teoria é a<br />

substância de Deus, contudo, nunca é moralm ente mau. c) Conduz logicamente<br />

ao panteísmo, - porque a reivindicação de que a pessoalidade humana é<br />

apenas ilusória não pode ser sustentada sem tam bém abrir mão da crença na<br />

pessoalidade de Deus.<br />

S aturnino de A ntioquia, Bardesana de E dessa, T aciano da A ssíria, Marcião de<br />

S inope, todos do segundo século, representavam este ponto de vista. B lunt,<br />

Dict. of Doct. and Hist. Theology, art. Em anação: “A operação divina estava<br />

sim bolizada na im agem dos raios de luz provindos do sol, tanto m ais intensos<br />

quanto m ais próxim os da substância lum inosa do corpo de que fazem parte,<br />

m as decrescem em intensidade na m edida em que recuam da fonte até, fina lm<br />

ente, desaparecerem nas trevas. A ssim o resplendor espiritual da M ente<br />

S uprem a form ou um m undo do espírito, cuja intensidade varia inversam en­<br />

te à distância de sua fonte até a d istância em que desaparece na matéria.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Por isso há uma cadeia de eons sempre expansivos que são crescentes atenuações<br />

de sua substância e o conjunto que constitui a sua plenitude, i.e. a<br />

revelação plena de seu ser oculto”. Emanação, de e, e manare, fluir para<br />

frente. G u e r ic k e , Church History, 1.160 - “muitas chamas de uma luz. ... o<br />

contrário direto da doutrina da criação a partir do nada”. N e a n d e r, Church<br />

History, 1.372-374. A doutrina da emanação é nitidamente materialista.<br />

Ao contrário disto, sustentamos que o universo é expressão de Deus, porém<br />

não é emanação dele.<br />

Sobre a diferença entre a emanação oriental e a geração eterna, ver S h e d d,<br />

Dogm. Theoi., 1.470 e History Doctrine 1.11-13,318 nota - “1. O que é eternamente<br />

gerado não é finito, mas infinito; é uma pessoa divina e eterna que não<br />

é o mundo ou qualquer porção dele. Nos esquemas orientais, a emanação é<br />

um modo de relatar a origem do finito. Porém a geração eterna ainda deixa o<br />

finito ser originado. A geração do Filho é a geração de uma pessoa infinita<br />

que, mais tarde cria o universo finito de nihiio. 2. A geração eterna tem como<br />

resultado uma subsistência ou hipóstase pessoal totalmente distinta do mundo;<br />

mas a emanação relativa à divindade só produz uma energia impessoal<br />

ou, na melhor das hipóteses, personificada, ou efluência que é uma das forças<br />

ou princípios da natureza - uma simples anima mundt'. As verdades das<br />

quais a emanação é perversão e caricatura são, portanto, a geração do Filho<br />

e o processo do Espírito.<br />

R e it o r T u l l o c h, Encyc. Brit., 10 .7 0 4 - “Todos os Gnósticos concordam em<br />

considerar que este mundo não proveio imediatamente do Supremo Ser.<br />

... O Supremo Ser é considerado totalmente inconcebível e indescritível -<br />

insondável Abismo (V a l e n t in o ) - inominável ( B a s íl id e s ). Desta fonte transcendente<br />

brota, por emanação, a existência em uma série de forças espirituais.<br />

... A passagem do mundo espiritual mais elevado para o material é, por um<br />

lado, apreendido como simples degenerescência contínua da Fonte da Vida,<br />

terminando no reino das trevas e morte - chegando ao caos que circunda o<br />

reino da luz. Por outro lado, a passagem é apreendida em uma forma dualís-<br />

tica mais precisa como uma invasão positiva do reino da luz por um auto-<br />

existente reino das trevas. Com o Gnosticismo adota um ou outro destes modos<br />

de explicar a existência do mundo presente, cabem duas divisões que, a partir<br />

de seus lugares de origem, recebem os respectivos nomes de gnose alexandrino<br />

ou sírio. Uma, como vimos, apresenta um tipo de especulação mais<br />

ocidental, a outra mais oriental. O elemento dualista, em um caso, raramente<br />

aparece sob a noção panteísta e apresenta semelhança com a üA.r| platônica,<br />

simples necessidade vazia. No outro caso, o elemento dualista é claro e proeminente,<br />

correspondendo à doutrina zoroastriana do princípio ativo do mal e<br />

do bem - do reino de Arimã e do de Ormuz. Na gnose síria ... aparece em<br />

primeiro lugar um princípio hostil do mal em colisão com o bem”.<br />

Convém lembrar que o dualismo é uma tentativa de substituir a doutrina<br />

da criação absoluta pela teoria de que a matéria e o mal se devem a algo<br />

negativo ou positivo fora de Deus. O dualismo é uma teoria de origens, não<br />

de resultados. Tendo isto em mente, podemos chamar os gnósticos alexandrinos<br />

de dualistas enquanto consideramos a emanação como o ensino cara-<br />

terístico dos gnósticos sírios. Estes fazem a natureza ser apenas um eflu-<br />

xo de Deus e o mal somente uma forma degenerada do bem. Se os sírios<br />

5 6 5


5 6 6 Augustus Hopkins Strong<br />

sustentam que a palavra independe de Deus, tal independência é concebida<br />

mais tarde somente como resultado ou produto, não como um fato original.<br />

Alguns, como S a t u r n in o e B a r d e s a n a , tendem para a doutrina do Maniqueísmo,<br />

outros, como T a c ia n o e M a r c iã o , para o dualismo egípcio; mas todos sustentam<br />

a emanação para explicar filosoficamente o que as Escrituras chamam<br />

Criação. Estas notas servem como qualificação e crítica às opiniões<br />

que citamos a seguir.<br />

S heldon, Ch. Hist., 1.206 - “Os sírios, em geral, eram m ais dualistas que<br />

os alexandrinos. Alguns, após acom odarem -se ao panteísm o hindu, consideravam<br />

o reino m aterial com o a região do vazio e da ilusão, o vago oposto ao<br />

Plerom a, o do m undo da realidade e plenitude espirituais; outros atribuem<br />

um a natureza m ais positiva à m atéria e consideram -na capaz de um a agressividade<br />

cruel m esm o independente de qualquer vivificação das vantagens<br />

da vid a nos altos céus” . M ansel, Gnostic Heresies, 139 - Com o de Saturnino,<br />

se diz de Bardesana que com bina a doutrina da m alignidade da m atéria com a<br />

de um princípio ativo do mal; e estabelece conexão destas duas teorias geralm<br />

ente antagônicas, sustentando que a m atéria inerte é coeterna com Deus,<br />

enquanto Satanás, com o princípio ativo do mal, foi produzido a partir da m atéria<br />

(ou, segundo outra declaração, coeterna com ela) e atua em conjunto com<br />

ela. 142 - A caraterística usualm ente selecionada com o da gnose síria é a<br />

doutrina do dualism o; isto significa a suposição da existência de dois princípios<br />

ativos e independentes; um do bem , o outro do mal. Esta suposição é<br />

distintam ente sustentada por S aturnino e Bardesana ... em contraposição à<br />

teoria platônica da m atéria inerte auto-existente, adotad a pela gnose do Egito.<br />

Tal princípio encontra seu desenvolvim ento lógico, no século seguinte, no<br />

M aniqueísm o; este conduz, quase com igual certeza, ao P anteísm o” .<br />

A. H. N e w m a n , Ch. History, 1 .1 9 2 - “Marcião não especula quanto à origem<br />

do mal. O demiurgo e seu reino são aparentemente considerados como se<br />

existissem desde a eternidade. Ele também considera a matéria intrinseca-<br />

mente má e pratica rígido ascetismo”. M a n s e l, Gnostic Heresies, 210 - “Com<br />

a maioria dos gnósticos, M a r c iã o não considera o Demiurgo um ser derivado<br />

e dependente, cuja imperfeição se deve ao fato de distar da mais elevada<br />

Causa; nem ainda, conforme a doutrina persa, admite um eterno princípio de<br />

pura malignidade. Seu segundo princípio independe do primeiro e é seu coe-<br />

terno; contudo, opõe-se a ele, não como o mal ao bem, mas como a imperfeição<br />

à perfeição, ou, como se expressa M a r c iã o , como um ser justo com relação<br />

a um bom. 2 1 8 - 0 não reconhecimento de qualquer princípio do puro<br />

mal. Só há três princípios: O Supremo Deus, o Demiurgo, e a Matéria eterna,<br />

estes dois imperfeitos, porém não necessariam ente maus. Parece que<br />

alguns dos marcionitas acrescentaram um espírito mau como um quarto princípio.<br />

... M a r c iã o é o menos gnóstico de todos. ... 31 - Pode-se ver a influência<br />

hindu no Egito, a persa na Síria.... 32 - O Gnosticismo deve muito de sua<br />

forma filosófica e tendências ao Platonismo, modificado pelo Judaísmo.<br />

Ao dualismo da religião persa deve ao menos uma forma de suas especulações<br />

sobre a origem e remédio para o mal e muitos pormenores de sua doutrina<br />

das emanações. Ao Budismo da índia, modificado ainda provavelmente<br />

pelo Platonismo, creditam-se as doutrinas do antagonismo entre o espírito<br />

e a matéria e a irrealidade da existência derivada (o germe do Docetismo


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Gnóstico) e, ao menos em parte, a teoria que considera o universo como uma<br />

série de emanações sucessivas a partir da Unidade absoluta”.<br />

A emanação sustenta que alguma substância procede da natureza de Deus<br />

e que ele formou a referida substância no universo. Mas, afinal de contas, a<br />

matéria não é composta de substância. É tão somente a atividade de Deus.<br />

Orígenes sustentava que, etimologicamente, yuxií denota um ser que, separado<br />

de Deus, a fonte central de luz e calor, resfria-se em seu amor ao bem,<br />

mas ainda tem a possibilidade de retornar à sua origem espiritual. P f l e id e r e r ,<br />

Philosophy of Religion, 2.271, assim descreve o ponto de vista de Orígenes:<br />

“Como o nosso corpo, embora constituído de muitos membros, ainda é um<br />

organismo conservado junto por uma alma, assim deve-se pensar no universo<br />

como um imenso ser vivo que se mantém junto através de uma alma, força<br />

e Logos de Deus”. P a l m e r , Theol. Definition, 63, nota - “O mal do emanacio-<br />

nismo se vê na história do Gnosticismo. Emanação é uma parte da essência<br />

divina considerada separada dela e emitida como independente. Não tendo<br />

nenhum limite perpétuo de conexão com o divino, ou mergulha para a degradação,<br />

como pensa Basílides, ou se torna ativamente hostil ao divino, como<br />

criam os ofitas. ... De igual modo os deístas de época posterior vieram a<br />

considerar as leis da natureza como tendo existência independente i.e. como<br />

emanações”.<br />

J o h n M ilto n, Christian Doctrine, sustenta este ponto de vista. A matéria é<br />

um efluxo do próprio Deus e não é intrinsecamente má e incapaz de aniquila-<br />

ção. A existência finita é uma emanação da substância de Deus e este perdeu<br />

o seu domínio sobre as porções vivas ou centros de existência finita que<br />

ele dotou de vontade livre de modo que estes seres independentes podem<br />

originar ações moralmente não refreáveis por ele mesmo. Esta doutrina da<br />

vontade livre isenta M ilto n da culpa de Panteísmo. L o t z e , Philos. Religion,<br />

xlviii, li, distingue criação de emanação, dizendo que a criação necessita de<br />

uma vontade divina, enquanto a emanação flui como conseqüência natural<br />

do ser divino. O motivo de Deus na Criação é o amor que o impulsiona a<br />

comunicar sua santidade a outros seres. Deus cria espíritos infinitos individuais<br />

e, conseqüentemente, permite que o pensamento, que a princípio é<br />

dele, se torne o pensamento destes outros espíritos. A criação do mundo<br />

consiste nesta transferência do seu pensamento pela vontade. F. W. F a r r a r ,<br />

sobre Hb. 1.2 (‘A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem também fez o<br />

mundo’) - “A palavra Eon foi empregada pelos gnósticos para descrever as<br />

várias emanações pelas quais eles tentavam de uma vez ampliar e estabelecer<br />

uma ponte sobre o abismo entre o humano e o divino. Acima dessa lacuna<br />

João lançou a arca da Encarnação quando escreveu 'e o Verbo se fez carne’<br />

(Jo. 1.14)”.<br />

U p t o n , Hibbert Lectures, cap. 2 - “Na própria feitura das almas originadas<br />

da sua própria essência e substância e na falta da sua causalidade para que<br />

todos os homens sejam livres, Deus já morre para que eles vivam. Deus se<br />

afasta das nossas vontades para tornar possível a livre escolha e até a oposição<br />

a si mesmo. O individualismo admite o dualismo, mas não uma divisão<br />

completa. Nosso dualismo sustenta ainda o estabelecimento de conexões<br />

subterrâneas da vida entre os seres humanos, entre o homem e a natureza,<br />

entre o homem e Deus. Até mesmo a criação física é, em seu cerne, ética:<br />

567


5 6 8 Augustus Hopkins Strong<br />

cada coisa depende das outras e deve servi-las ou perder a sua própria vida<br />

e beleza. O ramo deve permanecer na videira, ou seca e é cortado e queimado”<br />

(275).<br />

S w e d e n b o r g defendia a emanação - ver Divine Love and Wisdom, 283,<br />

303, 305 - Cada um que pensa a partir da razão clara vê que o universo não<br />

é criado do nada.... Todas as coisas foram criadas a partir de uma substância<br />

como somente Deus é uma substância em si mesma e, portanto, o esse real,<br />

é evidente que a existência das coisas não tem sua origem em nenhuma<br />

outra fonte. ... Contudo, o universo criado não é Deus porque Deus não está<br />

no espaço e no tempo. ... Há uma criação do Universo, e de todas as coisas<br />

nele, pela mediação contínua do primeiro. ... Nas substâncias e matéria em<br />

que consiste a terra nada há de divino em si mesmas, porém são desprovidas<br />

de tudo o que é divino em si mesmas. ... Ainda, pela continuação a partir da<br />

substância da soma espiritual traz aquilo que há no divino”. O suedenborguis-<br />

mo é “o materialismo aprofundado e confirmado no seu interior”. Este sistema<br />

remete à Oração Dominical, que diz: “assim na terra como no céu”. Ele não<br />

gostava de algumas seitas e achava que todos os pertencentes a elas esta-<br />

vam nos infernos, condenados ao castigo eterno. A verdade não é emanação<br />

materialista, como imaginava S w e d e n b o r g , mas energia divina no espaço e<br />

no tempo. O universo é o sistema de Deus em relativa autolimitação da matéria<br />

à mente. Teve um começo e foi Deus quem o instituiu. É uma manifestação<br />

finita e parcial do Espírito infinito. A matéria é uma expressão do espírito,<br />

mas não emanação dele, algo mais do que são nossos pensamentos e voli-<br />

ções. Os espíritos finitos, por outro lado, são diferenciações no ser do próprio<br />

Deus, e assim não são emanações.<br />

N a p o le ã o perguntou a G o e t h e o que é matéria. “Esprit gelé- espírito gelado”<br />

é a resposta que S c h e llin g queria que Goethe tivesse dado. Mas a matéria<br />

nem é espírito, nem ambos são simples efiuxos da substância de Deus.<br />

Requer-se uma divina instituição deles (citação de D o r n e r , System of Doctri-<br />

ne, 240). S c h le g e l igualmente chama a arquitetura de uma “música gelada” e<br />

outro escritor chama a música de “arquitetura dissolvida”. Há um automatis-<br />

mo psíquico, como diz L a d d , em sua Philosophy of Mind, 169; e H eg e l chama<br />

a natureza de “cadáver do entendimento - espírito em alienação de si mesmo”.<br />

Mas o espírito é o Adão cuja natureza é Eva; e o homem diz para a<br />

natureza: “Esta é osso dos meus ossos e carne da minha carne” como Adão<br />

em Gn. 2.23.<br />

3. Criação a p a rtir da eternidade<br />

Esta teoria considera a criação com o um ato de Deus na eternidade passada.<br />

Foi proposta por Orígenes e sustentada recentem ente por M artensen,<br />

M artineau, J ohn C aird, K night e P fleiderer. A necessidade de supor essa<br />

criação a partir da eternidade tem sido argum entada a partir da onipotência, da<br />

independência da categoria de tempo, da im utabilidade e do amor de Deus.<br />

Consideraremos estes argumentos em sua ordem.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Orígenes sustenta que Deus é desde a eternidade o criador do mundo<br />

dos espíritos. M a r t e n s e n , em sua Dogmatics, 114 favorece as máximas: “Sem<br />

o mundo, Deus não é Deus. ... Deus criou o mundo para satisfazer as suas<br />

necessidades. ... Ele só pode constituir-se o Pai dos espíritos”. Tristezas de<br />

Werter de G o e t h e : “O vôo do pássaro acima da minha cabeça inspirou-me o<br />

desejo de ser transportado para as plagas das memoráveis águas e lá sorver<br />

os prazeres da vida, provenientes da global espuma do infinito”. R o bert<br />

B r o w n in g , Rabi Ben Ezra, 31 - “Mas agora eu, como outrora, careço de ti, ó<br />

Deus, que moldas o homem E daí, nem mesmo quando o torvelinho ameaça,<br />

Eu, no rodopio da vida abundante em cores e formas, em vertiginosa escravi-<br />

zação - iludo o meu fim, para saciar a minha sede”. Mas o criador considera<br />

isto como dependência e escravidão do seu próprio mundo.<br />

P it á g o r a s sustentava que as substâncias e leis da natureza são eternas.<br />

M a r t in e a u , Study of Religion, 1.144; 2.250, parece fazer a criação do mundo<br />

um processo eterno, concebendo-o como uma autodivisão da divindade em<br />

quem, de alguma forma, o mundo sempre esteve contido ( S c h u r m a n , Belief in<br />

God, 140). K n ig h t, Studies in Philos. and Lit, 94, cita de C aim de B yr o n -<br />

“Sente-se ele em seu grande e solitário trono, Criando mundos, para fazer a<br />

eternidade menos pesada à sua imensa existência e impartilhável solidão. ...<br />

Ele, infeliz em sua elevação incansável e feliz ainda deve criar e recriar”.<br />

B y r o n põe estas palavras na boca de Lúcifer. Contudo, K n ig h t em seus<br />

Essays in Philosophy, 143,147, considera o universo um perene efeito de<br />

uma causa eterna. O Dualismo, pensa ele, está envolto na própria noção de<br />

uma busca a Deus.<br />

W. N. C l a r k e, Christian Theology, 117 - “Deus é a fonte do universo. Quer<br />

por produção imediata em algum ponto no tempo de maneira que, depois de<br />

existir sozinho, eis que, por seu ato, veio o universo, ou por sua produção<br />

perpétua, a partir do seu próprio ser espiritual, de modo que a existência<br />

eterna sempre se fez acompanhar de um universo em algum estágio do ser,<br />

Deus fez com que o universo viesse a existir. ... Qualquer método pelo qual o<br />

Deus independente produza o universo que sem ele não poderia ter tido existência<br />

alguma, concorda com os ensinos da Escritura. Muitos acham filosoficamente<br />

mais fácil Deus, desde a eternidade, produzir a criação a partir de si<br />

mesmo de modo que nunca houve tempo em que não existiu um universo em<br />

algum estágio da existência, do que pensar em uma criação instantânea de<br />

todas as coisas existentes quando nada houvera a não ser Deus. A Teologia<br />

é compelida a decidir entre estes dois pontos de vista porque cremos que<br />

Deus é um espírito livre maior que o universo”. Discordamos da conclusão do<br />

D r . C la r k e e sustentamos que a Escritura requer de nós que remetamos o<br />

universo a um começo, enquanto a razão se satisfaz com este ponto de vista<br />

mais do que a teoria da criação a partir da eternidade.<br />

d) A onipotência de Deus não necessita a criação a partir da eternidade.<br />

Onipotência não im plica necessariamente a verdadeira criação; implica só o<br />

poder de criar. Contudo, na natureza da causa, a criação é um a coisa começada.<br />

A criação a partir da eternidade é um a contradição de termos e o que é<br />

autocontraditório não é objeto de poder.<br />

5 69


5 7 0 Augustus Hopkins Strong<br />

O argumento se apóia em uma falsa concepção de eternidade considerando-a<br />

como um prolongamento do tempo num passado infinito. Em nossa<br />

discussão sobre a eternidade, já vimos, como um atributo de Deus, que ela<br />

não é um tempo sem fim, ou um tempo sem começo, mas superioridade<br />

com relação à lei do tempo. Visto que a eternidade não é mais passada do<br />

que presente, a idéia de criação a partir da eternidade é irracional. Devemos<br />

distinguir criação na eternidade passada (= Deus e o mundo coeternos,<br />

embora Deus causa o mundo do mesmo modo em que gera o Filho) da criação<br />

contínua (que é uma explicação da preservação, mas não da criação).<br />

Esta e não aquela que R o t h e sustenta (sob a doutrina da preservação,<br />

415,416/ ap. vol. 2 pg. 7). B ir k s , Difficultes of Belief, 81,82 - Não há criação a<br />

partir da eternidade porque a eternidade passada, na verdade, não pode<br />

focalizar mais do que podemos atingir sobre os limites de uma eternidade<br />

vindoura. Não havia tempo nenhum antes da criação porque não havia<br />

nenhuma sucessão”.<br />

B ir k s, Scripture Doctrine ofCreation, 78-105 - “ O primeiro verso de Gênesis<br />

exclui cinco falsidades especulativas: 1. que nada há a não ser a matéria<br />

não criada; 2. que não há Deus independentemente de suas criaturas; 3. que<br />

a criação é uma série de atos sem um começo; 4. que não há universo real;<br />

5. que nada pode ser conhecido de Deus ou da origem das coisas”. V e it c h,<br />

Knowing and Being, 22 - As idéias sobre a criação e energia não têm sentido<br />

e substituem a concepção ou ficção de um mundo de relacionamento eterno<br />

ou bilateral não do que tem sido, mas do que sempre é. É outra forma da<br />

filosofia da gangorra. Só o Eu eterno é, se o múltiplo eterno for; o múltiplo<br />

eterno é se o Eu eterno for. Um, sendo o outro, é ou faz-se um; o outro, sendo<br />

um, é ou faz-se o outro. Isto pode chamar-se unidade; ao invés disso, ele é,<br />

se é que podemos inventar um termo adequado à nova e maravilhosa concepção,<br />

uma duidade (de dois, ou binidade) original e não gerada”.<br />

b) A independência de Deus relativa ao tempo não necessita a criação a<br />

partir da eternidade. Porque Deus é livre da lei do tempo não se segue que a<br />

criação seja livre de tal lei. É verdade que não se concebe nenhum a criação<br />

eterna porque isto envolve um número infinito. O tempo deve ter tido um<br />

começo e, porque o universo e o tempo coexistem, a criação não pode ter sido<br />

desde a eternidade.<br />

Jd. 25 - “Por todos os séculos” - implica que o tempo teve um começo e<br />

Ef. 1.4 - “Antes da fundação do mundo” - implica que a própria criação teve<br />

um começo. É a criação infinita? Não, diz D o r n e r , Doctrine (Glaubenslehre),<br />

1.459 porque para uma criação perfeita a unidade é tão necessária como a<br />

multiplicidade. O universo é um organismo e não pode haver nenhum organismo<br />

sem um número definido de partes. Por semelhante razão, D o r n e r ,<br />

System Doctrine, 2.28, nega que o universo possa ser eterno. Admitindo, por<br />

um lado, que o mundo, apesar de eterno pudesse depender de Deus e logo o<br />

plano se desenvolvesse, não poderia haver nenhuma razão para que a execução<br />

fosse adiada, apesar de que, por outro lado a absoluta infinitude é


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

imperfeita e não se concebe ou é possível nenhum universo com número<br />

ilimitado de partes. Assim J u liu s M ü l l e r , Doctrine of Sin, 1.220-225 - “Aquilo<br />

que tem um alvo ou um fim deve ter um começo; na teleologia a história<br />

implica criação”.<br />

L o t z e , Philos. Religion, 74 - “O mundo, com relação à existência, assim<br />

como seu conteúdo, depende totalmente da vontade de Deus e não é simplesmente<br />

o involuntário desenvolvimento dele.... A palavra ‘criação’ não deve<br />

ser empregada para designar uma obra de Deus assim como a dependência<br />

absoluta do mundo com relação a ele”. Assim S c h u r m a n , Belief in God,<br />

146,156,225 - “Criação é a dependência eterna do mundo com relação a<br />

Deus. ... A natureza é a exteriorização do espírito. ... As coisas naturais existem<br />

somente como modos da atividade divina; elas não têm existência alguma<br />

em si mesmas”. Sobre este ponto de vista de que Deus é a base, não o<br />

criador do mundo, ver H o v e y, Studies in Ethics and Religion, 25-56 - “A criação<br />

não é mais um mistério do que a ação causai” em que tanto L o tz e como<br />

S c h u r m a n crêem. Negar que o poder divino tem capacidade para originar o<br />

verdadeiro ser - poder acrescentar à soma total da existência - bem se assemelha<br />

a dizer que tal poder é finito”. Ninguém pode provar que “a essência do<br />

espírito é revelar-se”, ou que ele deve fazer isto através de um organismo ou<br />

exteriorização. A sucessão eterna de mudanças na natureza não é mais compreensível<br />

do que um Deus criador e que o universo tem origem no tempo.<br />

c) A imutabilidade de Deus não necessita a criação a partir da eternidade.<br />

Sua imutabilidade requer, não um a criação eterna, mas tão somente um plano<br />

eterno da criação. O princípio oposto nos com peliria a negar a possibilidade<br />

dos milagres, da encarnação e da regeneração. Como a criação, estes seriam<br />

eternos.<br />

Fazemos distinção entre idéia e plano, entre plano e execução. Boa parte<br />

do plano de Deus ainda não foi executada. É tão fácil conceber o começo de<br />

sua execução como o seu prosseguimento. Mas o seu começo relativo ao<br />

plano de Deus é a criação. A vontade ativa é um elemento da criação.<br />

A vontade de Deus nem sempre é ativa. Ele espera “a plenitude dos tempos”<br />

antes de enviar seu Filho. Como podemos fazer um retrospecto da vida terrena<br />

de Cristo no começo, também podemos fazê-lo com o universo no começo.<br />

Os que defendem a criação a partir da eternidade geralmente interpretam<br />

Gn. 1.1 - “No princípio criou Deus os céus e a terra” e Jo. 1.1 - “No princípio<br />

era o Verbo” significando igualmente “na eternidade”. Mas nenhum destes<br />

textos tem tal sentido. Em cada um somos levados ao começo da criação e<br />

afirma-se que Deus é o autor e que o Verbo já era.<br />

d) O amor de Deus não necessita a criação a partir da eternidade. Criação é<br />

finita e não pode fornecer a satisfação perfeita ao amor infinito de Deus. Contudo,<br />

Deus tem desde a eternidade um objeto de am or infinitamente superior a<br />

qualquer possível criação na pessoa de seu Filho.<br />

571


5 7 2 Augustus Hopkins Strong<br />

Visto que todas as coisas são criadas em Cristo, o Verbo eterno, Razão<br />

e poder de Deus, este pode “reconciliar consigo todas as coisas” em Cristo<br />

(Cl. 1.20). A ta n á s io chamava Deus de ktíottiç, oi>ç dexvutiç - criador, não<br />

artesão. Com isso ele queria dizer que Deus é imanente, não o Deus do<br />

deísmo. Porém no momento em que concebemos Deus revelando-se em<br />

Cristo, a idéia da criação como satisfação eterna do seu amor desaparece.<br />

Deus pode ter um plano sem executá-lo. O decreto pode preceder à criação.<br />

As idéias do universo podem existir na mente divina antes de serem<br />

realizadas pela vontade de Deus. Há propósitos de salvação em Cristo que<br />

antedatam o mundo (“Como também nos elegeu nele antes da fundação do<br />

mundo” ... E f. 1.4). Uma vez aceita firmemente, a doutrina da Trindade capacita-nos<br />

a ver a falácia de tais pontos de vista como o de P f le id e r e r , Philos.<br />

Religion, 1.286 - “Não se deve pensar no começo e no fim da criação de<br />

Deus. Isso eqüivaleria a supor uma mudança na criação e descanso de Deus,<br />

que igualaria o ser divino ao curso mutável da vida humana. Nem se pode<br />

conceber o que teria impedido Deus de criar o mundo até o começo da criação.<br />

... Dizemos, com S c o tu s E rig e n a , que o criar divino é igualmente eterna<br />

como o ser de Deus”.<br />

é) A criação a partir da eternidade, ainda é inconsistente com a independência<br />

e pessoalidade divina. Porque o poder e o amor de Deus são infinitos<br />

um a criação que os satisfizesse deve ser infinita em extensão como eterna na<br />

duração passada - em outras palavras, um a criação igual a Deus. Mas um<br />

Deus assim dependente da criação exterior nem é livre nem soberano. Um<br />

Deus que existe em relações necessárias com o universo, se é diferente em<br />

substância do universo, deve ser o Deus do dualismo; se é da m esm a substância,<br />

deve ser o Deus do Panteísmo.<br />

G o r e , Incarnation, 1 3 6 ,1 3 7 - “A teologia cristã é a harmonia do panteísmo<br />

com o deísm o.... Participa de todas as riquezas inerentes ao lado moral sem<br />

fazer Deus depender do mundo, como o mundo depende de Deus. Por outro<br />

lado, o cristianismo converte o deísmo inteligível em um teísmo racional. Ele<br />

pode explicar como Deus, no tempo, tornou-se o criador porque sabe como a<br />

criação tem seu análogo eterno na natureza não criada; a natureza de Deus<br />

deve eternamente produzir, comunicar-se, viver”. Em outras palavras, pode<br />

explicar como Deus vive eternamente, independente, auto-suficiente, porque<br />

ele é trino. Criação a partir da eternidade é o desenvolvimento natural e lógico<br />

das tendências unitárias na teologia. Forma um todo com o monismo estóico<br />

de que lemos em H a t c h , Hibbert Lectures, 177 - “O monismo estóico concebia<br />

o mundo como uma auto-evolução de Deus. A idéia de um começo não<br />

entra necessariamente em tal concepção. Ela consiste na idéia de um processo<br />

eterno de diferenciação. O que é sempre foi sob formas mudadas e<br />

mutáveis. A teoria é mais cosmológica do que cosmogônica. Ela explica o<br />

mundo ao invés de dar conta de sua origem”.


4. Geração espontânea<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Esta teoria sustenta que a criação é apenas o nom e de um processo natural<br />

ainda em andamento; a m atéria tem em si o poder, sob condições apropriadas,<br />

de em preender novas funções e de desenvolver formas orgânicas. Sustentam<br />

este ponto de vista Owen e B astian. Objetamos que<br />

a) É pura hipótese, não verificada, mas contrária a todos os fatos conhecidos.<br />

Nenhum exemplo digno de crédito da produção de formas vivas a partir<br />

da matéria inorgânica ainda foi acrescentado. Até onde a ciência pode atualm<br />

ente ensinar-nos, a lei da natureza é “omne vivum e vivo” ou “ex ovo” .<br />

O w e n , Comparative Anatomy of the Vertebrates, 3.814-818 - sobre Mono-<br />

genia e Taumatogenia; citado em A r g il e , Reign Law, 281 - “Não discernimos<br />

nenhuma evidência de pausa ou intromissão na criação ou aparecimento de<br />

novas plantas ou animais”.<br />

Em favor da máxima de R e d i, “omne vivum e vivo” Enciclopédia Britânica,<br />

art. Biologia, 689 - “Atualmente não há nenhuma sombra de fidedigna evidência<br />

direta de que a biogênese ocorre ou tem ocorrido dentro do período<br />

durante o qual se registra a existência da terra”. F l in t, Physiology of Man,<br />

1.263-265 - Como o único verdadeiro ponto de vista filosófico de tratar a<br />

questão, admitimos, com quase todos os escritores modernos de Fisiologia,<br />

que não existe a geração espontânea, - e que não se entende o modo exato<br />

da produção dos mínimos infusórios na escala da vida”. Sobre a Filosofia da<br />

Religião ver A. H. S t r o n g , Philosophy and Religion, 39-57.<br />

b) Se tais exemplos pudessem ser autênticos, nada provaria como um a doutrina<br />

apropriada da criação; pois ainda existiria um a im possibilidade de contar<br />

com tais propriedades vivificantes da m atéria a não ser com base no ponto<br />

de vista escriturístico de um inventor e originador da matéria e suas leis. Em<br />

resumo, a evolução im plica numa involução anterior; se é que algo vem da<br />

matéria, tal coisa deve ter sido posta nela.<br />

S u l l y: “Toda a doutrina da Evolução deve admitir algum arranjo inicial<br />

definido que se supõe conter as possibilidades da ordem que achamos e s ta r<br />

desenvolvidas e nenhuma outra possibilidade”. B ix t y , Crisis of Morais, 2 5 8 -<br />

Se não se pode crer em nenhum fiat criador a partir do nada, menos a in d a é<br />

capaz de executar tal contradição”. Como podemos obter moralidade s ó a<br />

partir de um ser moral, também só podemos obter vitalidade a p a rtir d e u m<br />

germe vital. M a r t in e a u , Seat of Autority, 14 - “Ao chocar p o r m u ito te m p o u m<br />

ovo que a seguir não se torna em nada, você pode incubar q u a lq u e r u n iv e rs o<br />

real ou possível. Não há evidência de que isto é mero ardil de im a g in a ç ã o ,<br />

ocultando os roubos de causa, perpetrando aos poucos e fo r m a n d o a p iih a a<br />

partir do armazenamento de grão a grão?”.<br />

5 7 3


5 7 4 Augustus Hopkins Strong<br />

A galinha precede os ovos. As formas orgânicas perfeitas antecedem a<br />

todas as células vivas quer animais, quer vegetais. “Omnis celluia e celluia,<br />

sed primaria celluia ex organismo”. Deus criou primeiro a árvore e sua<br />

semente estava nela quando a criou (Gn. 1.12 ... “árvore frutífera cuja semente<br />

está nela”). O protoplasma não é o próton, mas o dêuteron; os elementos<br />

antecedem-lhe. Não é verdade que o homem não foi feito, mas que apenas<br />

se desenvolveu como pensa T o p s y; R o y c e , Spirit of Modem Philosophy, 273 -<br />

“A Evolução é a tentativa de compreender o mundo da experiência nos termos<br />

dos postulados idealísticos fundamentais: 1) sem idéias não há realidade;<br />

2) a ordem racional requer um Ser racional que a introduza; 1) sob o<br />

nosso eu inconsciente deve haver um Eu infinito: A pergunta é: O mundo tem<br />

um sentido? Basta que se faça referência às idéias do mecanismo. A evolução,<br />

da nebulosa ao homem, é tão somente o desdobramento da vida do Eu<br />

divino”.<br />

c) Esta teoria, portanto, se verdadeira, só suplem enta a doutrina da criação<br />

original, absoluta, im ediata com outra doutrina da criação mediata e derivada<br />

ou do desenvolvimento da m atéria ou força originada no princípio. Tal desenvolvimento,<br />

contudo, não pode proceder a qualquer fim valioso sem a orientação<br />

da inteligência que o iniciou. Em bora as Escrituras não sancionem a doutrina<br />

da geração espontânea, reconhecem processos de desenvolvimento que<br />

suplementam o fiat divino que no princípio fez os elementos virem a ser.<br />

Existe uma coisa que se chama vontade livre e esta não corre numa raia<br />

como a vontade determinista. Se há vontade livre no homem, então há muito<br />

mais vontade livre em Deus e a vontade de Deus não corre numa raia. Deus<br />

não está limitado por lei ou à lei. Sabedoria não implica monotonia ou uniformidade.<br />

Deus pode fazer uma coisa que nunca se repete. Circunstâncias<br />

nunca se assemelham duas vezes. Eis a base não só da criação, incluindo o<br />

milagre, a encarnação, a ressurreição, a regeneração, a redenção. Apesar de<br />

que a vontade em Deus e no homem é quase sempre automática e age<br />

segundo a lei, a força dos novos começos, da ação criativa, reside na vontade<br />

que sempre é livre e a vontade livre principalmente faz Deus ser Deus e o<br />

homem ser homem. Sem isso a vida seria dura, pois seria apenas a vida do<br />

irracional. Todo o esquema da evolução que ignora tal liberdade de Deus é<br />

panteísta em suas tendências, pois praticamente nega tanto a transcendência<br />

de Deus como a sua pessoalidade.<br />

L e ib n it z declina de aceitar a teoria de N e w t o n sobre a gravitação porque<br />

lhe parece substituir as forças de Deus pelas forças naturais. Atualmente muitos<br />

ainda se recusam a aceitar a teoria darwiniana da Evolução porque lhes parece<br />

substituir as forças de Deus pelas forças naturais. Mas a lei é apenas um<br />

método; ela pressupõe um legislador e um agente. A Gravitação e a Evolução<br />

apenas são operações habituais de Deus. Se se provasse ser verdadeira a<br />

geração espontânea, esta seria apenas um modo de Deus originar a vida.<br />

E.G. R o b in s o n , Christian Theology, 91 - “A geração espontânea não excluiria<br />

a idéia de uma vontade criadora operando através da lei natural e causas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

secundárias.... A física nada sabe a respeito do começo da vid a.... Compete<br />

falar dos processos da ciência da natureza e contra os seus ensinos relativos<br />

não há necessidade de que a teologia se ponha em hostilidade. ... Ainda que<br />

o homem derivasse dos animais inferiores, isto não provaria que Deus não<br />

criou e ordenou as forças utilizadas. Pode ser que Deus tenha dotado a vida<br />

animal de um poder plasmável”.<br />

W a r d , Naturalism and Agnosticism, 1.180 - “É muito mais verdadeiro<br />

dizer que o universo é vida do que dizer que é um mecanismo. ... Nunca<br />

podemos chegar a Deus por um simples mecanismo.... Eu argumentaria com<br />

L e ib n it z que a passividade absoluta, ou inércia, não é uma realidade, mas um<br />

limite. 269 - O senhor S pencer admite que é impossível interpretar o espírito<br />

em termos de matéria. 302 - A seleção natural sem os fatores teleológicos<br />

não se coaduna com o relato da evolução biológica e tais fatores teleológicos<br />

implicam algo psíquico dotado de sentidos e vontade, /'.e., Life andMind. 130-135<br />

- O empenho é mais importante que a cognição. 149-151 - As coisas e eventos<br />

precedem o espaço e o tempo. 252-257 - A nossa assimilação da natureza<br />

é a congratulação do espírito pelo espírito. 259-267 - Ou a natureza é por<br />

si mesma inteligente, ou há inteligência além da natureza. 274-276 - As aparências<br />

não escondem a realidade. 274 - A verdade não é Deus e mecanismo,<br />

mas só Deus; não o mecanismo. 283 - O Naturalismo e o Agnosticismo,<br />

a despeito deles mesmos, levam-nos ao mundo do Monismo Espiritualista”.<br />

N ew m an S m it h , Christian Ethics, 36 - A geração espontânea é uma ficção na<br />

ética, assim como na Psicologia e na Biologia. O moral não pode derivar do<br />

amoral, nem ainda o consciente do inconsciente, ou a vida das rochas azóicas”.<br />

IV. O RELATO MOSAICO DA CRIAÇÃO<br />

1. Sua dupla natureza-, unindo as idéias de criação e de desenvolvimento.<br />

a) Declaração da criação. - A narrativa m osaica evita o erro de fazer o<br />

universo eterno ou resultado de um processo eterno. A cosm ogonia de Gênesis,<br />

diferentem ente das cosm ogonias do paganism o, é prefaciada pelo ato<br />

originador de Deus e é suplem entada por sucessivas manifestações do poder<br />

criativo na introdução da vida do bruto e do ser humano.<br />

Toda adoração da natureza, quer tome a forma do Panteísmo antigo, quer<br />

do materialismo moderno, contempla o universo apenas como um nascimento<br />

ou crescimento. Este ponto de vista tem um fundo de verdade ao considerar<br />

as forças naturais como tendo existência real. É falso ao considerar que<br />

estas forças não necessitam de um originador ou sustentador. H esíodo pensava<br />

que no princípio a matéria era informe. Gênesis não começa assim.<br />

Deus não é demiurgo, laborando sobre a matéria eterna. Deus antedata a<br />

matéria. Ele é o criador da matéria no princípio (Gn. 1.1 bará) e subseqüentemente<br />

criou a vida animal (Gn. 1.21 - “e criou Deus” - novamente bará).<br />

Muitas afirmações sobre a doutrina da Evolução erram, considerando-a<br />

como um processo eterno ou auto-originado. Mas o processo requer um originador<br />

e as forças requerem um sustentador. Cada passo implica incremento<br />

575


5 7 6 Augustus Hopkins Strong<br />

de energia e o processo na direção de um fim racional implica inteligência e<br />

previsão no poder governante. Schurman diz com precisão que o darwinismo<br />

explica a sobrevivência do mais apto, mas não pode explicar a sua chegada.<br />

S c h u r m a n , Agnosticism e Religion, 34 - “Um caos primitivo de pó estelar mantém<br />

no seu ventre não só o cosmos que enche o espaço, não só as criaturas<br />

vivas que gera, mas também o intelecto que o interpreta, a vontade que o<br />

confronta e a consciência que o transfigura, mas sem dúvida tem Deus como<br />

centro, como um universo mecanicamente organizado e periodicamente ajustado<br />

deve tê-lo na circunferência.... Não há nenhum antagonismo real entre a<br />

criação e a evolução. 59 - Causalidade natural é a expressão de uma Mente<br />

sobrenatural na natureza e o homem - um ser ao mesmo tempo de sensibilidade<br />

e de atividade própria racional e moral - é sinal e exemplo sempre presente<br />

do intercâmbio do natural com o sobrenatural na parte da existência<br />

universal mais próxima e melhor conhecida por nós”.<br />

S e e b o h m , citado por J. J. M u r p h y , Nat. Selection and Spirit. Freedom, 76 -<br />

Quando admitimos que o argumento de Darwin em favor da teoria da Evolução<br />

prova sua verdade, duvidamos de que a relação natural possa ser em<br />

qualquer sentido a causa da origem das espécies. Provavelmente ela exerceu<br />

um papel importante na história da evolução; seu papel tem sido o de<br />

aumentar a rapidez com que o processo de desenvolvimento prosseguiu.<br />

É provável que de si mesmo fosse incapaz de originar as espécies; a mecânica<br />

através a qual estas vêm-se desenvolvendo independe completamente da<br />

seleção natural e pode ter produzido todos os resultados a que chamamos<br />

evolução das espécies sem seu auxílio; apesar de que o seu processo teria<br />

sido lento se não tivesse havido a luta da vida para aumentar sua marcha”.<br />

New World, junho, 1896, 237-262, artigo de H o w is o n sobre os limites da Evolução<br />

encontra-os 1) na realidade numenal; 2) na quebra entre o inorgânico e<br />

o orgânico; 3) na quebra entre a gênese fisiológica e lógica; 4) na incapacidade<br />

de explicar o grande fato sobre o qual seu movimento se apóia; 5) na<br />

consciência própria a priori que é o ser essencial e a verdade pessoal da<br />

mente.<br />

A Evolução, segundo H e r b e r t S p e n c e r , é “uma integração da matéria e<br />

concomitante dissipação do movimento durante o quai a matéria passa de<br />

uma indefinida homogeneidade incoerente para uma coerente homogeneidade<br />

definida e durante a qual o movimento retido passa para uma transferência<br />

paralela”. D. W. S im o n critica esta definição como defeituosa “porque<br />

1) omite toda a menção tanto à energia como às suas diferenciações e 2)<br />

porque introduz na definição do processo um dos seus fenômenos, a saber, o<br />

movimento. De fato, tanto a energia e a força como a lei são subseqüente e<br />

ilicitamente introduzidas como fatores distintos do processo: portanto, eles<br />

devem ter achado reconhecimento na definição e descrição”. M a r k H o p k in s ,<br />

Life, 189 - “Qual a necessidade de Deus? Acaso não temos força uniforme<br />

em todas as coisas, e não continuam todas as coisas como eram desde o<br />

princípio da criação, como se tivessem sido assim desde o começo? Não<br />

temos nós o to nâv, o Todo universal, a alma do universo, operando em si<br />

mesmo a partir da inconsciência, através das moléculas e larvas e camun-<br />

dongos e marmotas e macacos até chegar ao clímax no homem”?


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

b) Reconhecido o desenvolvimento. - O relato mosaico representa a ordem<br />

atual das coisas como resultado não simplesmente da criação original, mas<br />

também do subseqüente arranjo e desenvolvimento. Descreve-se a formação<br />

da matéria inorgânica e o uso desta matéria na providência das condições da<br />

existência organizada. Descreve-se a vida como reproduzindo-se depois de<br />

sua introdução segundo as suas leis e em virtude de sua energia interior.<br />

Martensen erroneamente afirma que “o judaísmo representa o mundo<br />

exclusivamente como criatura não como natura como k x ío iç não como<br />

cp-óoiç”. Isto não é verdade. A criação é representada como a produção, não<br />

de alguma coisa morta, mas viva e capaz de autodesenvolvimento. A criação<br />

lança os alicerces da cosmogonia. Não há apenas a moldagem e organização<br />

de matéria que o ato criativo original fez existir (Gn. 1.2,4,6,7,9,16,17;<br />

2.2,6,7,8 - o Espírito pairando (chocando), a separação luz e trevas, águas e<br />

águas; aparecimento da terra seca; estabelecimento do sol, lua estrelas; a<br />

rega com a névoa; a formação do corpo do homem; a plantação do jardim),<br />

mas há também a dádiva e emprego de forças produtivas das coisas e seres<br />

criados (Gn. 1.12,22,24,28 - a terra produziu erva; as árvores deram frutos<br />

nos quais havia semente; a terra produziu criaturas vivas; o homem recebeu<br />

ordem para ser frutífero e multiplicar-se).<br />

Atualmente a tendência entre os cientistas é considerar toda a história da<br />

vida no planeta como resultado da Evolução, excluindo a criação tanto no<br />

começo da história como ao longo do seu curso. Sobre o progresso e, a partir<br />

do oróipo (gr. õpoç = montanha+hippos=cavalo > cavalo montês), o menor<br />

membro dos eqüinos, animal de quatro artelhos, até o anquitério com três,<br />

seguido do hipário até, por fim, chegar ao nosso cavalo comum, ver Huxley.<br />

Ele argumenta que, se um animal complicado como o cavalo surgiu de uma<br />

modificação de uma forma inferior e menos especializada, não há razão para<br />

pensar que outros animais surgiram de modo diferente. C larence King, Address<br />

At. Yale College, 1877, considera a Geologia americana como um ensino da<br />

doutrina de uma súbita, embora natural, modificação das espécies. “Quando<br />

explode a modificação catastrófica nas eras da uniformidade e soam aos<br />

ouvidos de cada de cada ser vivo as palavras: ‘Muda ou morre!’, a plasticidade<br />

torna-se o único princípio de ação”. A natureza continuou aos saltos e<br />

correspondendo aos saltos da geologia, achamos os da biologia.<br />

Admitimos a probabilidade de que a grande maioria do que chamamos<br />

espécies surgiu de alguns de tais procedimentos. Se a ciência considera certo<br />

que todas espécies de criaturas vivas presentes derivaram por descendência<br />

natural de uns poucos germes originais e que estes eram uma evolução<br />

de forças inorgânicas e naturais, não devemos, evidentemente, considerar o<br />

relato mosaico como inverídico. A única coisa que se nos pede é que revisemos<br />

nossa interpretação da palavra bará em Gn. 1.21,27 e que lhe demos o<br />

sentido da criação mediata, ou criação via lei. Gn. 1.11 - “produza a terra<br />

relva”; 20 - “produzam as águas abundantemente criaturas viventes que se<br />

movem”; 2.7 - “o Senhor formou o homem do pó”; 9 - “da terra o Senhor fez<br />

crescer toda árvore”; cf. Mc. 4.28 - a-ò-co^cari -p yfj raproDcpopeí - “a terra produz<br />

5 7 7


5 7 8 Augustus Hopkins Strong<br />

fruto automaticamente” parece quase favorecer tal sentido. G o e t h e , Sprüche<br />

in Reimen - “Não, tal Deus não receberá minha adoração, esse Deus que<br />

põe o mundo ao léu da sorte do seu dedo, essa coisa eterna; Deus deve<br />

habitá-la”.<br />

Todo o crescimento de uma árvore ocorre num período de quatro a seis<br />

semanas em maio, junho, julho. O crescimento da fibra entre a casca resulta<br />

do tronco não porque recebe uma nova força vinda de fora, mas porque desperta<br />

da vida interior. O ambiente muda e começa o crescimento. Podemos<br />

até mesmo falar em uma transcendência imanente de Deus - vitalidade inesgotável<br />

que às vezes faz grandes movimentos progressivos. É o que os antigos<br />

tentavam expressar quando diziam que as árvores eram habitadas por<br />

dríadas e gemiam e, quando machucadas, sangravam. A vida de Deus está<br />

em tudo. Na Evolução não podemos dizer, com L e C o n t e , que a mais elevada<br />

forma de energia “deriva da inferior”. O que podemos dizer é que tanto as<br />

elevadas como as inferiores dependem constantemente de estar sob a vontade<br />

de Deus. A inferior é tão somente a preparação de Deus para a sua mais<br />

elevada manifestação.<br />

Mesmo H a e c k e l, Hist.Creation, 1.38, pode dizer que, na narrativa mosaica,<br />

“duas grandes e fundamentais idéias vêm ao nosso encontro - a da separação,<br />

ou diferenciação, e a do desenvolvimento progressivo ou aperfeiçoamento.<br />

Podemos tributar nossa justa e sincera admiração ao grande<br />

discernimento do legislador judaico à natureza e sua simples e natural hipótese<br />

da criação sem descobrir nela a revelação divina”. H enry D r u m m o n d, cujo<br />

primeiro livro, Nature Law in the Spirit World, nos seus últimos dias sentiu<br />

pender para uma direção determinista e materialista, mas veio a crer em “uma<br />

lei espiritual num mundo natural”. Sua obra Ascensão do Homem considera a<br />

evolução e a lei apenas como métodos de uma divindade presente. O darwi-<br />

nismo, a princípio parecia mostrar que a história passada da vida sobre o<br />

planeta era de carnificina impiedosa e cruel. A sobrevivência do mais capaz<br />

tinha como lado oposto a destruição de miríades. A Natureza era “vermelha<br />

nos dentes e tinha garras como o abutre”. Mas outro pensamento tem mostrado<br />

que este ponto de vista sombrio resulta de uma indução parcial dos fatos.<br />

A vida paleontológica não era só uma luta pela vida, mas pela vida dos<br />

outros. O começo do altruísmo deve ser visto no instinto de reprodução e no<br />

cuidado com a descendência. Na cova dos leões e na toca dos tigres e a cada<br />

águia mãe alimentando o filhote há um sacrifício de si mesmo que se reflete<br />

ferozmente na subordinação dos interesses pessoais do homem em benefício<br />

dos interesses dos outros.<br />

O D r . G e o r g e H a r r is , em sua Moral Evolution, acrescentou à doutrina de<br />

Drummond outra consideração de que a luta pela vida de alguém tem seu<br />

lado moral assim como a luta pela vida dos outros. O instinto de preservação<br />

de si mesmo é o começo do direito, da retidão, da justiça e da lei terrena.<br />

Cada criatura deve-o a Deus a fim de preservar o seu próprio ser. Assim<br />

podemos encontrar um reflexo da moralidade mesmo no afã predatório e<br />

exterminador das eras geológicas. O Deus imanente sempre esteve preparando<br />

o caminho para o direito, para a dignidade, para a liberdade do ser<br />

humano. B. P. B o w n e, no Independent, 19 de abril de 1900 - O sistema de<br />

Copérnico aturdiu o homem por algum tempo e apoiou-se no sistema ptole-


5 8 0 Augustus Hopkins Strong<br />

mentares. O primeiro capítulo de Gênesis descreve a criação do homem como<br />

a coroa da obra geral de Deus. A segunda descreve a criação do homem com<br />

maior especificidade como começo da história humana.<br />

C a n o n R a w l in s o n , em Aids to Faith, 275, compara o relato mosaico com a<br />

cosmogonia de Beroso, o caldeu. P f l e id e r e r , Philos. of Religion, 1.267-272,<br />

dá uma relato das teorias pagãs sobre as origens do universo. A n a x á g o r a s foi<br />

o primeiro a representar a primeira matéria caótica formada através da compreensão<br />

ordenada (voúç) de Deus e A r is t ó t e l e s por essa razão o chamou “o<br />

primeiro sóbrio entre muitos ébrios”. S c h u r m a n , Belief in God, 138 - “Nestas<br />

cosmogonias o mundo e os deuses crescem juntos; a cosmogonia é ao mesmo<br />

tempo teogonia”. E. G. R o b in s o n : “Os escritores da Bíblia criam e pretendiam<br />

afirmar que o mundo foi feito literalmente em três dias. Mas, baseado no<br />

princípio de que Deus pode significar mais do que eles significaram, a doutrina<br />

dos períodos pode não ser inconsistente com o relato deles”.<br />

b) A interpretação muito literal afastaria a narrativa de toda a comparação<br />

com as conclusões da ciência, pondo a história das eras geológicas em<br />

Gênesis 1.1,2 e fazendo o restante do capítulo 12 um relato da adequação da<br />

terra, ou alguma porção dela, limitada e seis dias de vinte e quatro horas<br />

cada. A este ponto de vista objetamos que não há na narrativa mosaica<br />

nenhuma indicação de tão grande intervalo entre o primeiro e o segundo versos;<br />

que não há nenhuma indicação de tal pausa na história geológica entre<br />

as eras de preparação e o presente; e que há indicações no registro mosaico<br />

de que a palavra “dia” não é empregada no sentido literal; enquanto as outras<br />

Escrituras inquestionavelmente empregam-na para designar um período de<br />

duração indefinida (Gn. 1.5 - “A luz Deus chamou dia” - um dia antes que<br />

houvesse sol; v. 8 - “Foi a tarde, a manhã e o dia segundo”; 2.2 - “Deus<br />

descansou no sétimo dia”; cf. 4.7-10 - o dia de descanso de Deus parece<br />

continuar e seu povo é exortado a entrar nele; Gn. 2.4 - “o dia em que o<br />

Senhor fez o céu e a terra” - “dia” aqui abrange sete dias; cf. Is. 7.12 - “o dia<br />

do Senhor dos Exércitos”; Zc. 14.7 - “será um dia que é conhecido do<br />

Senhor; nem dia nem noite será”; 2 Pe. 3.8 - “um dia é para o Senhor como<br />

mil anos e mil anos como um dia”).<br />

c) A interpretação muito científica encontraria na narrativa uma minuciosa<br />

e precisa correspondência ao registro geológico. Não se deve esperar isto,<br />

mesmo porque é estranho ao propósito da revelação ensinar ciência. Apesar<br />

de que se pode assinalar um acordo geral entre as narrativas mosaica e geológica<br />

é um embaraço desnecessário sermos compelidos a achar em cada<br />

pormenor daquela uma precisa afirmação de algum fato científico. Com muito<br />

mais probabilidade afirmamos que é<br />

d) A interpretação figurativa sumária. Antes de explicar isto em pormenores,<br />

apresentamos como premissa que a finalidade deste ou de qualquer<br />

outro esquema futuro não é harmonizar Gênesis e a geologia. Tal posicionamento<br />

de todas questões envolvidas pressupõe não só uma perfeita ciência<br />

do universo físico, mas também uma perfeita ciência da hermenêutica. Isto<br />

basta, se quisermos oferecer soluções tentativas que representam o estado<br />

presente do pensamento sobre a matéria. Lembrando, então, que tal esquema<br />

de harmonização pode desenvolver-se rapidamente sem o preconceito<br />

para com a narrativa da Escritura, apresentamos, a seguir, um relato aproxi­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

mado das coincidências entre os registros mosaicos e os geológicos. O esquema<br />

dado aqui é uma combinação das conclusões de Dana e Guyot e admite a<br />

verdade substancial da hipótese nebular. É interessante observar que Agostinho,<br />

que nada conhecia da ciência moderna, tivesse chegado, por simples<br />

estudo do texto, a alguns dos mesmos resultados. Ver Confissões, 12.8 -<br />

Primeiro Deus criou uma matéria caótica que se seguiu ao nada. Esta matéria<br />

caótica, amorfa, foi, subseqüentemente, ordenada nos seis dias seguintes”;<br />

De Genes, ad Lit., 4.27 - “A duração desses dias não deve ser determinada<br />

pela duração dos nossos dias da semana. Em ambos os casos há uma série<br />

e é o que basta”. A seguir, apresentamos o esquema:<br />

1. Se originariamente na condição de um fluido gasoso, a terra deve ter<br />

sido vazia e sem forma como descreve Gn. 1.2. Contudo, a terra ainda não<br />

está aqui separada da névoa em condensação e a sua condição fluida é indicada<br />

pelo termo “águas”.<br />

2. O começo da atividade da matéria manifestar-se-ia na produção da luz<br />

porque esta resulta da atividade molecular. Isto corresponde à afirmação do<br />

v. 3. Como resultado da condensação, a névoa se torna luminosa e o processo<br />

das trevas para a luz é descrito da seguinte maneira: “foi a tarde, a manhã,<br />

o dia primeiro”. Aqui temos o dia sem termos o sol - caraterística na narrativa<br />

bem consistente com dois fatos da ciência: primeiro, que a nebulosa seria<br />

materialmente de si mesma luminosa e, a seguir, que a própria terra, que<br />

chegou à presente forma antes do sol, seria, quando emitida, uma massa de<br />

si mesma luminosa e derretida. Portanto, o dia seria contínuo, sem noite.<br />

3. O desenvolvimento da terra em uma esfera independente e sem separação<br />

do fluido em torno de si corresponde à divisão das “águas sob o firmamento<br />

das águas sobre o firmamento” no v. 7. Aqui a palavra “águas” é empregada<br />

para designar a “matéria primordial cósmica”, (Guyot, Creation, 35-37)<br />

ou à massa fundida da terra unida ao sol, do qual a terra foi lançada. O termo<br />

“águas” é o melhor que a língua hebraica tem para expressar a idéia de massa<br />

fluida. O Salmo 148 parece ter este sentido quando fala das “águas que<br />

estão acima nos céus” (v. 4) - águas que se distinguem dos “abismos” abaixo<br />

(v. 7) e de “vapor” (v. 8) acima.<br />

4. A produção das caraterísticas físicas da terra pela condensação dos<br />

vapores que envolviam a esfera ígnea e o conseqüente delineamento dos<br />

continentes e oceanos é descrito a seguir no v. 9 como o ajuntamento das<br />

águas em um lugar e o aparecimento da terra seca.<br />

5. A expressão da idéia da vida nas plantas inferiores porque é em gênero<br />

e efeito a criação do reino vegetal, é descrita a seguir no v. 11, como produzindo<br />

a existência das formas caraterísticas desse reino. Isto antecede a toda<br />

a menção da vida animal porque o reino vegetal é a base natural do animal.<br />

Se se dissesse que os nossos mais antigos fósseis são animais, responderíamos<br />

que as mais antigas formas vegetais, as algas facilmente se dissolviam e<br />

facilmente podiam desaparecer; que o grafite é o minério de ferro macio,<br />

parecendo inferior a qualquer animal remanescente, são o resultado de qualquer<br />

vegetação anterior; tais formas animais, quando e onde quer que existam<br />

devem subsistir aos vegetais e pressupô-los. A era eolítica necessariamente<br />

deve preceder à eozóica. Se se disser que as árvores frutíferas não<br />

foram criadas no terceiro dia, respondemos: porque a criação do reino vegetal<br />

581


5 8 2 Augustus Hopkins Strong<br />

foi descrita em um instante e não se deve fazer nenhuma menção subseqüente,<br />

o momento é certo para introduzir isto e mencionar suas principais<br />

caraterísticas.<br />

6. Os vapores que até então têm envolvido o planeta agora desanuviam-<br />

se como antes da introdução da vida em suas mais elevadas formas animais.<br />

O conseqüente aparecimento da luz solar é descrito nos v. 16 e 17 como a<br />

feitura do sol, da lua e das estrelas e o trato deias como luminares da terra.<br />

Compare Gn. 9.13 - “O meu arco tenho posto na nuvem”. O arco-íris existia<br />

antes na natureza, mas agora é indicado para servir a um propósito peculiar,<br />

assim também o sol, a lua e as estrelas, que antes foram indicados como<br />

luzes visíveis para a terra, e isto porque a terra não tinha mais era luz e a luz<br />

do sol, lutando através das nuvens que envolvem a terra não bastava para as<br />

mais elevadas formas de vida que haveriam de vir.<br />

7. A apresentação de quatro grandes tipos do reino animal (radiados [como<br />

a medusa], moluscos, articulados, vertebrados), que caraterizam o estágio<br />

seguinte do progresso geológico, está representada nos versos 20 e 21 como<br />

a criação dos animais inferiores - os que formam cardumes nas águas, as<br />

espécies da terra que rastejam e as que voam. H u x l e y , em seus Discursos<br />

Americanos, contrapõe-se a esta atribuição da origem dos pássaros no quinto<br />

dia e declara que os animais terrestres existem nos extratos mais baixos<br />

que qualquer forma de pássaros - os pássaros aparecem só na era oolítica,<br />

ou nova pedra arenosa. Mas respondemos que o quinto dia é dedicado às<br />

produções marinhas, enquanto as terrestres pertencem ao sexto. Os pássaros,<br />

segundo a mais tardia ciência, são produções marinhas, não terrestres.<br />

Eles se originaram dos sáurios e eram, a princípio, lagartos voadores. Havendo<br />

apenas uma menção às produções marinhas, todas, incluindo pássaros,<br />

povoam o quinto dia. Assim o Gênesis antecipa a mais tardia ciência.<br />

8. A introdução dos mamíferos - espécies vivíparas que são eminentes<br />

acima de todos os vertebrados por uma qualidade profética de um elevado<br />

propósito moral, os novos mamam - é indicado nos v. 24 e 25 do gado e<br />

predadores ao sexto dia.<br />

9. O homem, um ser de caraterísticas morais e intelectuais e o primeiro<br />

em quem a unidade do grande desígnio tem plena expressão, forma tanto no<br />

registro mosaico como no geológico o último passo no progresso da criação<br />

(v. 2 6 - 3 1 ) . Com o P r o f. D a n a podemos dizer que “na sucessão podemos<br />

observar não simplesmente uma ordem de eventos como aquela deduzida da<br />

ciência; há um sistema na ordenação e na profecia de longo alcance a que a<br />

filosofia não podia ter alcançado, contudo, podia ter instruído”.<br />

P r o f . J o h n T a y l o r : “O homem não é somente um ser mortal, mas moral.<br />

Se ele mergulha abaixo de seu plano de vida, deixa de trilhar o assinalado<br />

para ele por todo o seu desenvolvimento passado. Para o progresso, o mais<br />

alto vertebrado teve de subordinar tudo ao desenvolvimento mental. Para tornar-se<br />

humano, houve necessidade de desenvolver a inteligência racional.<br />

Para tomar-se mais elevado, o homem atual deve subordinar tudo ao desenvolvimento<br />

mental. Eis a grande lei do desenvolvimento animal e humano<br />

claramente revelado na seqüência das funções físicas e psíquicas”. W. E.<br />

G l a d s t o n e , em S. S. Times, 26 de abril de 1890, chama os dias mosaicos<br />

de “capítulos da história da criação”. Ele se recusa a chamá-los épocas ou


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

períodos porque não são de igual duração e, às vezes, parciais. Mas defende<br />

a correspondência geral da narrativa mosaica às mais tardias conclusões da<br />

ciência e assinala: “Qualquer homem cujo labor e dever por várias vintenas<br />

de anos tem incluído como ponto central o estudo dos meios de tornar-se<br />

inteligível à massa está em muito melhor posição para julgar quais seriam as<br />

formas e métodos de falar adequados ao escritor mosaico, do que o mais<br />

perfeito hebraísta, o mais consumado físico devotado à ciência como tal”.<br />

V. O FIM DE DEUS NA C R IA Ç Ã O<br />

A sabedoria infinita deve, ao criar, propor a si m esm a os mais abrangentes<br />

e mais valiosos fins; o fim mais digno de Deus e o mais frutífero no bem. Só à<br />

luz do fim proposto podemos apropriadam ente ajuizar a obra de Deus, ou o<br />

caráter de Deus revelado através dela.<br />

Parece que a Escritura deve dar-nos resposta para a pergunta: Por que<br />

Deus criou? O grande Arquiteto pode melhor falar do seu próprio desígnio.<br />

Ambrósio: “A quem darei maior crédito sobre Deus do que o próprio Deus?”<br />

G e o r g e A. G o r d o n , New Epoch for Faith, 1 5 - Deus é necessariamente o ser<br />

dos fins. A teleologia é a trama e solução da humanidade; também deve sê-lo<br />

da divindade. A ciência da evolução tem-se empenhado neste ponto de vista.<br />

A ciência natural é apenas um fraco disfarce da ignorância quando não implica<br />

em propósito cósmico. O movimento da vida a partir do inferior para o<br />

superior é um movimento sobre os fins. A vontade é o último motivo do universo<br />

e a vontade é a faculdade dos fins. No momento em que se conclui que<br />

Deus é torna-se certo que ele é o ser dos fins. O universo vive do desejo e<br />

do movimento. Fundamentalmente é ao todo uma expressão da vontade.<br />

Segue-se que o fim último de Deus na história humana deve ser digno dele<br />

mesmo.<br />

Ao determ inar este fim, voltamo-nos prim eiro para:<br />

1. O testemunho da Escritura<br />

Este pode ser resumido em quatro afirmativas. Deus acha seu fim a) em si<br />

mesmo; b) em sua própria vontade e prazer; c) em sua própria glória; d) em<br />

tom ar conhecido seu poder, sua sabedoria e seu santo nome. Todas estas afirm<br />

ativas podem ser combinadas no seguinte, a saber, que o supremo fim de<br />

Deus na criação não é nada fora de si mesmo, mas é a sua própria glória - na<br />

revelação da perfeição infinita do seu próprio ser, nas criaturas e através delas.<br />

a) Rm. 11.36 - “Para ele são todas as coisas”. Cl. 1.16 - ‘Todas as coisas<br />

foram criadas ... para ele (Cristo)”; compare Is. 48.11 - “por amor de mim, por<br />

amor de mim o farei... e minha glória não darei a outrem”; e 1 Co. 1 5 .2 8 “... se<br />

5 8 3


5 8 4 Augustus Hopkins Strong<br />

sujeitou aquele que todas as coisas lhe sujeitou para que Deus seja tudo em<br />

todos”.<br />

b) Ef. 1.5,6,9 - “e nos predestinou ... segundo o beneplácito da sua vontade<br />

para o louvor e glória da sua graça ... mistério de sua vontade ... segundo<br />

o beneplácito que propusera em si mesmo”; Ap. 4.11 - “tu criaste todas as<br />

coisas e por tua vontade são e foram criadas”.<br />

c) Is. 43.7 - “ ... que criei para a minha glória”.<br />

d) SI. 143.11 - “por amor da tua justiça tira a minha alma da angústia”;<br />

Ez. 36.22 - “Não é por vosso respeito que faço isto, mas pelo meu santo<br />

nome”; 39.7 - “farei conhecido meu santo nome”. Rm. 9.17 - a Faraó: “para<br />

isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder e para que o meu<br />

nome seja anunciado em toda a terra”. 22,23 - “riquezas da sua glória” tornada<br />

conhecida nos vasos da ira e nos vasos da misericórdia; Ef. 3.9,10 - “criou<br />

todas as coisas; para que a multiforme sabedoria de Deus através da igreja<br />

seja conhecida dos principados e potestades nos céus”.<br />

Porque a santidade é o atributo fundam ental em Deus, fazer-se a si mesmo,<br />

o seu próprio prazer, sua glória, sua m anifestação, para ser o seu fim na criação,<br />

deve achar o seu principal fim na sua santidade, seu sustento, expressão e<br />

comunicação. Fazer seu principal fim, contudo, não é excluir alguns dos fins<br />

subordinados tais como a revelação de sua sabedoria, poder, amor e conseqüente<br />

felicidade das inúmeras criaturas a quem se faz a sua revelação.<br />

É a glória de Deus que o faz glorioso. Não é algo exterior como o louvor e<br />

a estima do homem, mas algo interior como a dignidade e o valor de seus<br />

próprios atributos. Para um nobre o louvor é bem insípido a não ser que ele<br />

esteja cônscio em si mesmo de algo que o justifique. Devemos ser como<br />

Deus para ter o respeito de si mesmo. Bem disse P itágoras: “O fim do homem<br />

é ser como Deus” Assim Deus deve olhar para dentro de si e achar a sua<br />

honra e seu fim em si mesmo. S churman, Belief n God, 214-216 - “Deus glo-<br />

rifica a si mesmo ao comunicar-se. O objetivo do amor é o exercício da santidade.<br />

A auto-afirmação condiciona a autocomunicação.<br />

E. G. Robinson, Christian Theology, 94,196 - “A lei e o evangelho são<br />

apenas dois lados de um objeto, a altíssima glória de Deus no altíssimo bem<br />

do homem. ... Não há demérito em Deus fazer de si mesmo o seu principal<br />

fim: a) Tanto é indigno como criminoso um ser finito fazer-se o seu próprio fim<br />

porque é um fim que pode ser alcançado degradando-se e fazendo os outros<br />

errarem; mas b) para um Criador infinito não fazer-se o seu próprio fim seria<br />

desonrar-se a si mesmo e levar ao erro as suas criaturas, porque portanto<br />

c) ele deve agir sem um fim, o que é irracional, ou partir de um fim que é<br />

impossível sem levar suas criaturas ao erro, porque d) o mais elevado bem-<br />

estar de suas criaturas e conseqüentemente a sua felicidade é impossível a<br />

não ser através da subordinação e conformidade da vontade deles com a do<br />

seu rei infinitamente perfeito e e) sem este altíssimo bem-estar e felicidade<br />

de suas criaturas o fim do próprio Deus em si torna-se impossível pois ele só<br />

é glorificado quando seu caráter se reflete em suas criaturas inteligentes e


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

por elas é reconhecido”. A criação nada pode acrescentar à riqueza essencial<br />

ou dignidade de Deus. Se o fim fosse exterior a ele mesmo, torná-lo-ia dependente<br />

e servo. Os antigos teólogos, portanto, falam da “glória declarativa” de<br />

Deus e da sua “glória essencial” como resultado da obediência e salvação do<br />

homem.<br />

2. O testemunho da razão<br />

Que a sua glória, no sentido já mencionado, é o supremo fim de Deus na<br />

criação, é evidente a partir das seguintes considerações:<br />

a) A própria glória de Deus é o único fim verdadeira e perfeitam ente atingido<br />

no universo. A sabedoria e a onipotência não podem escolher um fim que<br />

seja destinado para sempre a não ser atingido; pois “o que ele desejar isso<br />

fará” (Jó 23.13). O supremo fim de Deus não pode ser a felicidade das criaturas<br />

porque muitas são miseráveis aqui e o serão para sempre. O supremo fim<br />

de Deus não pode ser a santidade das criaturas pois muitas são impuras e<br />

o serão para sempre. Mas, conquanto nem a santidade nem a felicidade das<br />

criaturas é verdadeira e perfeitam ente atingida, a glória de Deus se faz conhecida<br />

e o será tanto nos salvos como nos perdidos. Este, então, deve ser o supremo<br />

fim de Deus na criação.<br />

Esta doutrina nos ensina que ninguém pode fru stra r o plano de Deus.<br />

Deus receberá glória de cada vida hum ana. O hom em pode glorificar Deus<br />

voluntariam ente através do am or e obediência, mas, se não fizer isso, será<br />

coagido a glorificá-lo pela sua rejeição e castigo. M elhor será que o ferro<br />

fundido livrem ente corresponda ao m olde preparado pelo grande Determ ina-<br />

dor do que ser o duro e frio ferro que deve ser m alhado para receber a form a.<br />

C leantes, citado por S êneca: “ D ucunt volentem fata, nolentem trahunt". W. C.<br />

W ilkinson, Epic of Saul, 271 - “M as alguns são instrum entos e outros m inistros<br />

de Deus, que opera sua santa vontade para com todos” . C risto batiza “no<br />

Espírito S anto e no fog o” (Mt. 3.11). A lexander Mc. Laren: “ Há dois fogos;<br />

devem os nos libertar de um, ou de outro. Ou alegrem ente aceitam os o fogo<br />

purificador do Espírito Santo, que queim a o nosso pecado, ou terem os de<br />

enfrentar o punidor que nos queim a ju ntam e nte com o pecado. S er purificado<br />

por um, ou ser consum ido por outro é um a escolha que está diante de nós” .<br />

Hare, A m issão do C onsolador em João 16.8 m ostra que o Espírito Santo, ou<br />

convence os que se subm etem à sua influência, ou convence os que resistem<br />

- a palavra èXéyxw tem esse duplo sentido.<br />

b) A glória de Deus é intrinsecamente o fim mais valioso. O bem das criaturas<br />

é de insignificante importância com parado com este. A sabedoria dita<br />

que o m aior interesse deve ter precedência sobre o menor. Porque Deus<br />

não pode escolher m aior fim, ele deve escolher a si mesmo como o seu fim.<br />

5 8 5


5 8 6 Augustus Hopkins Strong<br />

M as isto significa escolher sua santidade e sua glória na manifestação da referida<br />

santidade.<br />

Is. 40.15,16 - “Eis que as nações são como a gota de um balde e como o<br />

pó miúdo das balanças”; como a gota que caiu sem ser percebida, como o<br />

fino pó das balanças que o comerciante nem nota no peso, assim são todos<br />

os milhões tanto da terra como do céu diante de Deus. Ele criou e pode, num<br />

instante, destruir. O universo é apenas uma gota de orvalho na franja da sua<br />

veste. É mais importante que Deus seja glorificado do que o universo seja<br />

feliz. Como em Hb. 6.13 - “visto que não podia jurar por um outro maior, jurou<br />

por si mesmo” - aqui pode-mos dizer: Porque ele não podia escolher outro<br />

fim maior quando criou, escolheu a si mesmo. Jurar por si mesmo é jurar por<br />

sua santidade [Si 89.35 - “uma vez jurei por minha santidade (não mentirei a<br />

Davi”)]. Inferimos que encontrar seu fim em si mesmo é achar esse fim na<br />

santidade dele.<br />

A vara ou a pedra não existem para si m esm as, porém para algum conhe-<br />

ci-m ento. Em parte a alm a do hom em existe para si m esm a. M as eia está<br />

consciente de que num sentido m ais im portante ela existe para Deus. Diz-se<br />

que “o pensam ento m oderno louva e serve a criatura m ais do que o Criador;<br />

na verdade, parece que o principal fim do C riador é glorificar o hom em e<br />

agradá-lo sem pre”. P ro f. C liffo r d : “O reino de Deus é obsoleto; o reino do<br />

hom em chegou” . Tudo isto é a insanidade do pecado. Per contra, ver. A lle n ,<br />

Jonathan Edwards, 329,330 - “ Duas coisas são claras na doutrina de Edwar-<br />

ds: 1-, que Deus não pode am ar algo m ais do que a si m esm o; ele é tão<br />

grande e tão preponderante todo o seu ser que o que fica de fora dificilm ente<br />

m erece consideração; 2%, Deus am a a sua criatura a ponto de se infundir<br />

nela: a plenitude de sua própria essência transb ord a no m undo exterior e o<br />

que ele am a nos seres criados é a essência concedida a eles” . A crescentaríam<br />

os que Edwards não diz que eles são a essência de Deus.<br />

c) Sua própria glória é o único fim que se harm oniza com a independência<br />

e a soberania de Deus. Cada ser depende de quem quer que seja ou de qualquer<br />

coisa que ele faça o seu fim último. Se algo na criatura é o fim último de<br />

Deus, ele depende da criatura. M as porque Deus depende só de si mesmo, ele<br />

acha em si mesmo o seu fim.<br />

Criar não é aumentar a bênção em Deus, mas revelá-la. Não há nenhuma<br />

necessidade ou deficiência que a criação supre. Todas as criaturas que derivam<br />

dele nada podem acrescentar-lhe. Toda a nossa adoração é apenas uma<br />

retribuição do que lhe pertence. Eie nos dá atenção por amor de si e não<br />

porque os nossos pequenos regatos de louvor acrescentam algo à sua oceânica<br />

plenitude de regozijo. Por amor a si mesmo e não por causa da nossa<br />

miséria ou das nossas orações ele nos redime e exalta. Fazer do nosso prazer<br />

e bem-estar o seu último fim seria abdicar do seu trono. Portanto, ele<br />

criou só por amor a si e por amor à sua glória. Por essa razão o London<br />

Spectator responde: “A glória de Deus é o esplendor de uma manifestação,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

não o intrínseco esplendor manifesto. Contudo, o esplendor de uma manifestação<br />

consiste no efeito desta naqueles a quem é dada. Preciosamente porque<br />

a manifestação da bondade de Deus pode ser útil a nós e não a ele, tal<br />

manifestação nos beneficia, não a ele. Por ela recebemos tudo - ele nada,<br />

exceto que se sente gratificado com o que ele deseja conceder-nos”. Nesta<br />

última cláusula encontramos o nosso reconhecimento da fraqueza na teoria<br />

de que o fim supremo de Deus é o bem de suas criaturas. O que na verdade<br />

Deus recebe é a plenitude do seu plano, a realização da sua vontade, a manifestação<br />

de si mesmo. O grande pintor ama a sua tela menos do que o seu<br />

ideal. Ele pinta para expressar-se a si mesmo. Deus ama cada alma que ele<br />

criou, porém ainda mais a expressão das suas próprias perfeições. Tais próprias<br />

perfeições são o fim divino. Robert Browning, Paracelsus, 54 - “Deus é<br />

o poeta perfeito. Aquele que realiza suas próprias perfeições”.<br />

O amor de Deus o faz um ser auto-expressivo. A auto-expressão é um<br />

impulso inato nas suas criaturas. Todo o gênio participa desta caraterística de<br />

Deus. O pecado substitui o transbordamento pela ocultação e interrompe a<br />

autocomunicação que faria o bem de cada um o bem de todos. Nem mesmo<br />

o pecado pode impedi-lo completamente. O ímpio é impelido a confessar.<br />

Pela lei natural revelar-se-ão, no juízo, os segredos de todos os corações.<br />

A regeneração restaura a liberdade e o regozijo da auto-revelação. Cristianismo<br />

e confissão de Cristo são inseparáveis. O pregador é tão somente um<br />

cristão mais avançado neste privilégio divino. Necessitamos de falar. A oração<br />

é a mais completa expressão individual e a presença de Deus é o único<br />

lugar da expressão perfeitamente livre.<br />

No reino das coisas seculares, o grande poeta mais se aproxima da realização<br />

deste privilégio do cristão. Nenhum grande poeta jam ais escreveu sua<br />

melhor obra por dinheiro, ou por fama, ou m esm o por fazer o bem. Hawthorne<br />

era m al-hum orado e só parcialm ente sincero quando dizia que nunca escrevera<br />

um a página a não ser em troca de pagam ento. A esp eran ça de p ag amento<br />

pode ter posto a p ena em ação, m as só o am or pela su a obra o podia<br />

ter feito. Motley com mais verdade declara que to d as coisas perdem o sentido<br />

quando o escritor co m eça a considerar o que vai receber. Mas Hawthorne<br />

necessitava do dinheiro para viver enquanto Motley tinha um pai rico e um tio<br />

para sustentá-lo. O grande escritor certam ente absorve-se em su a obra. Para<br />

ele, necessid ad e e liberdade com binam -se. Ele canta com o os pássaros, sem<br />

intenção dogmática. Contudo, ele é grande em proporção quando tem o coração<br />

moral e religioso. “Arma virumque can o ” (eu canto a s arm as e o varão) é<br />

a única vez que a Eneida em prega a primeira p e sso a em bora toda ela seja<br />

um a revelação de Virgílio. P ouco sa b e m o s da vida de S hakespeare, m as muito<br />

de seu gênio.<br />

Nada se acrescenta à árvore quando produz flores e frutos; sozinha ela<br />

reve-la sua natureza íntima. Mas devemos distinguir no homem sua verdadeira<br />

natureza da falsa. O verdadeiro tesouro sobre o qual o grande poeta se<br />

realiza não são as suas peculiaridades privadas, mas a permanentemente<br />

universal. Logfellow: “Ele é o maior artista do lápis ou da pena, que segue a<br />

natureza. Nunca o homem, como artista ou artesão, perseguindo suas fantasias,<br />

pode tocar o coração ou prazer humano ou satisfazer nossas mais<br />

nobres necessidades”. T ennyson, depois de observar a vida subaquática de<br />

5 8 7


5 8 8 Augustus Hopkins Strong<br />

um riacho exclamou: “Que imaginação Deus tem!” Caird, Philos. Religion,<br />

245 - “O mundo das inteligências finitas, embora diferente de Deus, ainda em<br />

sua natureza ideal está unido a ele. Aquilo que Deus cria e pelo que ele revela<br />

os tesouros ocultos da sua sabedoria e amor não é estranho à sua própria<br />

vida infinita, mas está unido a ela. Ao conhecer as mentes que o conhecem,<br />

na entrega total dos corações que o amam, não há nenhum paradoxo em<br />

afirmar que ele conhece e ama a si mesmo”.<br />

d) Sua própria glória é um fim que abrange e assegura, como fim subordinado,<br />

cada interesse do universo. Os interesses do universo estão ligados aos<br />

interesses de Deus. Não há nenhum a santidade ou felicidade para as criaturas<br />

a não ser na absoluta soberania de Deus e reconhecim ento como tal. Não é,<br />

portanto, o egoísmo, mas a benevolência que faz Deus e a sua própria glória o<br />

fim supremo da criação. Não se trata de vangloria e ao expressar seu ideal,<br />

isto é, ao expressar-se a si mesmo, na criação ele com unica à sua criatura o<br />

supremo bem possível.<br />

Esta expressão de si mesmo não é egoísmo, mas benevolência. Como o<br />

verdadeiro poeta se esquece de si mesmo na sua obra, assim Deus não se<br />

manifesta em conseqüência do que pode fazer por ela. Mas na manifestação<br />

de si mesmo Deus envolve todo o bem em favor de suas criaturas. Somos<br />

constrangidos a amar-nos a nós mesmos bem como a nossos interesses na<br />

mesma proporção do valor dos referidos interesses. O monarca de um reino<br />

ou o general de um exército devem ter cuidado com a sua própria vida porque<br />

a sua morte pode causar a perda de milhares de vidas de soldados ou de<br />

súditos. Da mesma maneira Deus é o cerne do grande sistema. Só sendo<br />

tributários do coração podem os membros ser supridos das correntes da santidade<br />

e felicidade. Portanto, só um ser no universo está certo de viver por si<br />

mesmo. O homem não vive em proveito de si mesmo, porque há um fim mais<br />

elevado. Porém, para Deus, não há mais elevado fim do que ele mesmo.<br />

“Espera-se que só um ser no universo não tem o dever de submissão.<br />

O homem deve estar sujeito às ‘autoridades superiores’ (Rm. 13.1). Mas não<br />

há nenhuma autoridade superior a Deus”. Ver P ark, Discourses, 181-209.<br />

Eis o lem a de B ismarck: “O hne Kaiser, kein R eich” - “Sem im perador não<br />

há im pério” . Isto se aplica a Deus com o o lem a de Von M oltke: “ Erst wágen,<br />

dann w agen” - “prim eiro o peso (ponderação), depois a ousadia” - aplica-se<br />

ao hom em . Edwards, Works, 2.215 - “O erário público é m ais im portante que<br />

o interesse particular. É natural e próprio que Deus valha infinitam ente mais<br />

que suas criaturas” . S hakespeare, Hamlet, 3.3 - “Se um sim ples particular<br />

está obrigado a defender a sua vida com toda força e vig o r de seu talento,<br />

m uito m ais estará aquele em cujo bem -estar se estriba e apóia a existência<br />

das m ultidões. Q uando sucum be o m onarca, a m ajestade real não m orre só,<br />

mas, com o um vórtice, arrasta consigo tudo quanto o rodeia. É com o se fosse<br />

um a form idável roda, fixa no cum e de altíssim a m ontanha e a cujos raios<br />

estivessem sujeitas e aderidas dez mil peças m enores que, ao serem derrubadas,<br />

arrastam consigo todos esses fracos ornatos, os quais, com o séquito


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 589<br />

mesquinho, acompanham-na em sua impetuosa ruína. Basta que o rei suspire<br />

para que todo o reino gema”.<br />

e) A glória de Deus é o fim que num correto sistema moral se propõe às<br />

criaturas. Este deve, portanto, ser o fim que aquele a cuja imagem elas foram<br />

feitas propõe para si mesmo. Aquele que constitui o centro e o fim de todas as<br />

criaturas deve achar seu centro e fim em si mesmo. Este princípio de filosofia<br />

m oral e a conclusão tirada dele são tanto explícita quanto implicitamente<br />

ensinados na Escritura.<br />

O começo de toda religião é a escolha da finalidade para Deus como também<br />

a nossa - o abrir mão da nossa preferência da felicidade e o entrar para<br />

uma vida dedicada a Deus. Do fato de que a busca da santidade não só é<br />

bem sucedida em si mesma, mas traz felicidade como conseqüência fica claro<br />

que a felicidade não é a base da obrigação moral. Arcebispo Leighton,<br />

Obras, 695 - “Um maravilhoso exemplo de sabedoria e bondade é que Deus<br />

estabeleceu conexão da sua própria glória com a nossa felicidade, de tal modo<br />

que não podemos propriamente querer uma, mas que a outra se segue naturalmente<br />

e a nossa felicidade, por fim, encontra solução na sua eterna glória”.<br />

A verdadeira fonte de consolo na aflição, da força no labor, do estímulo na<br />

oração é que a vontade de Deus garante o fim para o qual ele criou, /.e., a sua<br />

glória e que o seu fim é o nosso. Ver SI. 25.11 - “Por amor do teu nome...<br />

perdoa a minha iniqüidade, pois é grande”. 115.1 - “Não a nós, Senhor, não a<br />

nós, mas ao teu nome dá glória”; Mt. 6.33 - “Mas buscai primeiro o reino de<br />

Deus e a sua justiça e todas essas coisas vos serão acrescentadas”; 1 Co. 10.31<br />

- “Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa, fazei tudo para a<br />

glória de Deus”; 1 Pe. 2.9 - “vós sois a raça eleita ... para que possais mostrar<br />

as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa<br />

luz”; 4.11 - falando, ministrando “para que em tudo Deus seja glorificado através<br />

de Jesus Cristo a quem pertence a glória e o poder para todo o sempre.<br />

Amém”.<br />

É nosso dever fazer o máximo por nós mesmos por amor a Deus. Jr. 45.5 -<br />

“E procuras tu grandezas? não as busques”. Mas em lugar nenhum se proíbe<br />

que busquemos grandes coisas para Deus. Devemos “procurar com zelo os<br />

melhores dons” (1 Co. 12.31). A auto-realização como a auto-expressão é<br />

próprio da humanidade. Kant: “O homem, e com ele toda criatura racional, é<br />

um fim em si mesmo”. Mas esta busca do seu próprio bem deve subordinar-<br />

se ao mais alto motivo: a glória de Deus. A diferença entre o regenerado e o<br />

não regenerado consiste totalmente no motivo. Este vive para o eu, aquele<br />

para Deus. O jovem que no Yale College começou a aprender suas lições<br />

para Deus ao invés de aprendê-las para si mesmo, deixando sua salvação<br />

nas mãos de Cristo bem ilustra o fato. Deus requer a auto-renúncia, tomando<br />

a cruz e seguindo a Cristo porque a primeira necessidade do pecador é<br />

mudar seu centro. Ser autocentrado é ser selvagem. A luta pela vida dos<br />

outros é melhor. Há, porém algo ainda mais elevado. A dignidade da vida<br />

depende do objeto que fixamos no lugar do eu. Siga a Cristo, faça Deus ser o


5 9 0 Augustus H opkins Strong<br />

centro da sua vida, - e assim você atingirá o melhor; ver C olestock, Changing<br />

Viewpoint, 113-123.<br />

G eorge G. G ordon, The New Epoch for Faith, 11-13 - “O último ponto de<br />

vista do universo é o religioso. É digno, por fim, do supremo Ser. Eis a nota de<br />

valor permanente no grande ensaio de Edwards sobre o Fim da Criação.<br />

O valor final da criação é o seu valor para D eus.... O homem vive na sociedade<br />

e através dela - eis a verdade que A ristóteles ensina - mas ele não vê<br />

que a sociedade só atinge seu fim em Deus e através dele. Hovey, Studies, 65<br />

- “Manifestar a glória e a perfeição de Deus é, portanto, o principal fim da<br />

nossa existência. Viver de tal maneira que a vida dele se reflita na nossa; que<br />

o seu caráter reapareça, embora de modo frágil; que reconheçamos e declaremos<br />

a atividade e o amor dele é fazer aquilo para o que nós fomos criados.<br />

E assim, exigindo que nós o glorifiquemos, Deus simplesmente requer que<br />

façamos o absolutamente justo e ao mesmo tempo indispensável ao nosso<br />

mais elevado bem-estar. Qualquer objetivo inferior não pode ter sido posto<br />

diante de nós, sem tornar-nos contentes com um caráter diferente do Bem<br />

Primeiro e do bem-estar.<br />

VI. RELAÇÃO DA DOUTRINA DA CRIAÇÃO COM AS OUTRAS<br />

DOUTRINAS<br />

1. Com a santidade e a benevolência de Deus<br />

Como obra de Deus, a criação m anifesta a necessidade dos atributos<br />

morais dele. Mas a existência do mal físico e moral no universo parece à<br />

prim eira vista im pugnar tais atributos e contradizer a declaração da Escritura<br />

de que a obra da mão de Deus era “muito boa” (Gn. 1.31). Esta dificuldade<br />

pode em grande parte ser rem ovida ao considerar que:<br />

d) A princípio, o mundo era bom em dois sentidos: primeiro, como livre do<br />

mal moral, - o pecado foi um acréscimo posterior, obra não de Deus, mas dos<br />

espíritos criados; segundo, adaptado a fins benéficos, - por exemplo, a revelação<br />

da perfeição de Deus e a provação e felicidade das criaturas inteligentes e<br />

obedientes.<br />

b) A dor física e imperfeição, até onde existiam antes da introdução do mal<br />

moral devem ser consideradas: primeiro como partes côngruas de um sistema<br />

em que o pecado foi previsto como um incidente; e segundo, constituindo, em<br />

parte, o meio da disciplina futura e redenção para os decaídos.<br />

Os coprólitos dos sáurios contêm as escamas e os ossos dos peixes que<br />

eles devoraram. Rm. 8.20-22 - “Porque a criação está sujeita à vaidade, não<br />

por sua própria vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança<br />

de que a criação será libertada da servidão da corrupção para a liberdade da<br />

glória dos filhos de Deus . Porque sabemos que toda a criação (irracional)


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

geme e está com dores de parto até agora; 23 - nosso corpo mortal como<br />

parte da natureza, participa do mesmo gemido. 2 Co. 4.17 - “nossa leve e<br />

momentânea tribulação, produz para nós um peso eterno de glória mui excelente”.<br />

Bowne, Philosophy of Theism, 224-240 - “Como explicar o nosso universo<br />

um tanto desgastado? O pessimismo admite que a sabedoria perfeita é<br />

compatível com a obra perfeita e que sabemos que o universo é verdadeiramente<br />

indigno e insignificante”. J ohn Stuart M ill, Essays of Religion, 29, traz<br />

uma terrível sentença da natureza, tempestades, relâmpagos, terremotos,<br />

peste, ruína e morte. Entretanto, o cristianismo considera-os devidos ao<br />

homem, não a Deus; como incidentes do pecado; como gemidos da criação<br />

clamando por livramento e liberdade. O corpo humano, como parte da natureza,<br />

aguarda a adoção, e a ressurreição do corpo deve acompanhar a renovação<br />

do mundo.<br />

Darwin julgava que no mundo da natureza e do homem em sua totalidade<br />

“prevalece decididamente a felicidade”. W allace, Darwinism, 36-40 - “Os animais<br />

gozam toda a felicidade de que são capazes”. Drummond, Ascent ofMan,<br />

203 sgs. - “Na luta pela vida não há ira - só fome”. M artineau, Study, 1.330 -<br />

“A dissipação da vida é tão somente a exuberância da natureza”. Newman<br />

S mith, Place of Death in Evolution, 44-56 - “A morte somente sepulta a dissipação<br />

inútil. A morte entrou por causa da vida”. Estes pronunciamentos, contudo,<br />

diminuem a importância da maldade no mundo e ignoram o ensino<br />

escriturístico sobre a conexão entre a morte e o pecado. Um mundo futuro no<br />

qual o pecado e a morte não entram mostra que o mundo presente é anormal<br />

e que a moralidade é a única cura para a mortalidade. As imperfeições do<br />

universo não podem ser explicadas alegando que elas dão ensejo à luta e à<br />

virtude. Só podemos explicar a mortalidade pela imoralidade e esta não da<br />

parte de Deus, mas do homem. Fairbairn: “O sofrimento é o protesto de Deus<br />

contra o pecado”.<br />

A teoria de W allace a respeito da sobrevivência do mais adequado foi<br />

sugerida pela pródiga destruição da natureza. T ennyson: “Das cinqüenta<br />

sementes que ela freqüentemente traz apenas uma vinga”. W illiam J ames:<br />

“Nossos cães estão dentro da vida humana, mas não pertencem a ela. O cão,<br />

sob a faca da vivissecção, não é capaz de entender o propósito do seu sofrimento.<br />

Para ele só há dor. Do mesmo modo podemos estar embebidos numa<br />

mesma atmosfera espiritual, uma dimensão do seu ser para cuja apreensão<br />

não temos no momento nenhum órgão presente. Se conhecêssemos o propósito<br />

da nossa vida, tudo o que em nós é heróico concordaria religiosamente”.<br />

M ason, Faith of the Gospel, 72 - “O amor está preparado para assumir<br />

medidas mais profundas e firmes do que a benevolência, que, por sua natureza,<br />

é algo de pouca profundidade”. Os Lagos de Killamy, na Irlanda, mostram<br />

que paraíso poderia ser o mundo se a guerra não o tivesse desolado e se o<br />

homem adequadamente cuidasse dele. O nosso senso moral não pode justificar<br />

o mal na criação a não ser sob a hipótese de que este tem alguma causa<br />

e razão para a má conduta do homem.<br />

Este não é um mundo perfeito. Não era perfeito mesmo quando originaria-<br />

mente constituído. Sua imperfeição se deve ao pecado. Deus o fez com referência<br />

à queda, - o estágio ordenado para o grande drama do pecado e da<br />

redenção que devia legitimar-se nela. Aceitamos a idéia de Bushnell sobre as<br />

5 9 1


5 9 2 Augustus Hopkins Strong<br />

“conseqüências antecipadoras”, e ilustraria com a construção de uma sala<br />

hospitalar enquanto nenhum membro da família está doente, e com a salvação<br />

dos patriarcas através de um Cristo que ainda estava para vir. Se os<br />

antigos vertebrados da história geológica forem tipos do homem e preparação<br />

para a sua vinda, então a dor e a morte entre os mesmos vertebrados<br />

podem de igual modo ter sido um tipo do pecado do homem e sua resultante<br />

miséria. Se o pecado não tivesse sido um incidente previsto e prevenido, o<br />

mundo poderia ter sido um paraíso. Ele só se tornará um paraíso quando se<br />

completar a obra redentora de Cristo. K reibig, Versóhnung, 369 - "A morte de<br />

Cristo se fez acompanhar de assustadoras ocorrências no mundo exterior<br />

para mostrar que os efeitos do seu sacrifício atingiram até mesmo a natureza”.<br />

Perowne menciona o SI. 96.10 - “Ele firmou o mundo para que não se<br />

abale” - para referir-se à restauração da criação dos seres inanimados; cf.<br />

Hb. 12.27 - “E esta palavra: Ainda uma vez, mostra a mudança das coisas<br />

móveis, como as coisas feitas, para que as imóveis permaneçam”; Ap. 21.1,5<br />

- “Novo céu nova terra ... eis que faço novas todas as coisas”.<br />

Tem-se feito muita zombaria sobre esta doutrina das conseqüências antecipadoras.<br />

J ames D. Dana: “É engraçado que o pecado de Adão teria matado<br />

os trilobitas! O bacamarte deve ter dado, no tempo, um coice de tão tremenda<br />

forma que golpearia os pobres inocentes!” Contudo cada apólice de seguro,<br />

cada tomada de um guarda-chuva, cada compra de alianças de casamento é<br />

uma conseqüência antecipadora. Negar que Deus fez o mundo ser o que é<br />

em vista dos eventos que ocorrem nele é atribuir-lhe menos sabedoria que<br />

aos nossos semelhantes. A mais racional explicação do mal físico no universo<br />

acha-se em Rm. 8.20,21 - “a criação está sujeita à vaidade ... por aquele<br />

que a sujeitou” - i.e. pelo pecado do primeiro homem - “na esperança de que<br />

a própria criação também será libertada”.<br />

M artineau, Types, 2.151 - “Que sentido tem a Piedade em um mundo onde<br />

o sofrimento não tivesse razão de ser?” H icks, Critique of Design Arguments,<br />

386 - “A própria maldade do mundo convence-nos de que Deus é bom”.<br />

As palavras de S ir H enry T aylor: “A dor no homem tem a elevada missão<br />

de malhar e abanar o trigo; nos brutos isto é doloroso” têm como resposta:<br />

O bruto é tão somente um apêndice do homem e, como a natureza inanimada,<br />

ele sofre desde a queda do homem - sofre não totalmente em vão, pois<br />

mesmo nos brutos a dor serve para ilustrar a influência maligna do pecado e<br />

sugerir motivos para resisti-lo. Pascal - “Qualquer que seja o preço que a<br />

virtude possa ter é muito barato”. A dor e a imperfeição do mundo são a severidade<br />

de Deus sobre o pecador e a sua advertência para com ele.<br />

2. Com sabedoria e livre vontade de Deus<br />

Nenhum plano qualquer que seja duma criação finita pode expressar plenamente<br />

a perfeição infinita de Deus. Contudo, porque Deus é imutável deve<br />

sempre ter tido um plano para o universo; porque ele é perfeito deve ter tido o<br />

m elhor plano possível. Como sábio ele não pode escolher um plano menos<br />

bom ao invés de um mais bom. Como racional não pode fazer um a escolha


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 9 3<br />

simplesmente arbitrária entre planos igualm ente bons. Não há aqui nenhuma<br />

necessidade, mas só a certeza de que a sabedoria infinita agirá sabiamente.<br />

Como nenhum a coação vinda de fora, assim tam bém nenhuma necessidade<br />

vinda de dentro leva Deus a criar o verdadeiro universo. A criação tanto é<br />

sábia como livre.<br />

Como Deus é racional e sábio, o fato de ter ele um plano sobre o universo<br />

deve ser melhor do que não ter o plano que deveria ser. Mas houve tempo em<br />

que o universo não era; contudo, sem o universo Deus era bendito e suficiente<br />

a si mesmo. Além disso, porque Deus é tanto racional como sábio, sua real<br />

criação não pode ser pior possível nem arbitrariamente escolhida entre duas<br />

ou mais igualmente boas. Consideradas todas as coisas deve ser a melhor<br />

possível. Não somos pessimistas; somos otimistas.<br />

Mas discordamos de que a forma de otimismo que considera o mal como<br />

indispensável condição do bem e o pecado como produto direto da vontade<br />

de Deus. Sustentamos que outra forma de otimismo que considera o pecado<br />

como naturalmente destrutivo, mas praticado, a despeito de si mesmo, por<br />

uma providência direta superior contribua para o mais elevado bem.<br />

J anet, em sua obra Final Causes, 429 sgs. e 490-503, reivindica que o<br />

otimismo sujeita Deus ao destino. J á tivemos a ocasião de mostrar que esta<br />

objeção equivoca a certeza, que é consistente com a liberdade e a necessidade,<br />

que é inconsistente com a liberdade. A doutrina oposta atribui arbitrariedade<br />

irracional a Deus. Estamos certos ao dizer que o universo atualmente<br />

existente, considerado como uma realização parcial do plano de<br />

desenvolvimento da parte de Deus, é o melhor possível neste ponto particular<br />

do tempo, - em resumo, que tudo é para melhor, - ver Rm. 8.28 -<br />

“Todas as coisas colaboram para o bem dos que amam a Deus; 1 Co. 3.21<br />

- “tudo é vosso”.<br />

Baird, Elohim Revealed, 397-419 especialmente 405 - A sabedoria cujos<br />

recursos tem sido de tal modo despendidos que não pode igualar suas realizações<br />

é uma capacidade finita e não uma profundeza ilimitada do Deus infinito”.<br />

Entretanto respondemos que a sabedoria que não faz o melhor não é<br />

sabedoria. O limite não está no poder abstrato de Deus, mas nos seus outros<br />

atributos como a verdade, o amor e a santidade. Por isso Deus pode dizer em<br />

Is. 5.4 - “que mais podia fazer à minha vinha que eu não lhe tenha feito?”<br />

A perfeita antítese a um otimismo ético encontra-se no pessimismo amoral<br />

e ateísta de S chopenhauer (D/e Welt ais Wille und Vorstelung- O Mundo<br />

como Vontade e Representação) e Hartmann (Philosophie des Unbewussten<br />

- Filosofia do Inconsciente). “A vida toda se resume em esforço e o esforço é<br />

doloroso; portanto, vida é dor”. Mas podíamos retorquir: A vida é ativa e a<br />

ação sempre se faz acompanhar de prazer; portanto vida é prazer. O pessimismo<br />

é natural em uma mente amargada pelo desapontamento e esquecimento<br />

de Deus: Ec 2.11 - “e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito”; ou<br />

“tudo era vaidade e correr atrás do vento”. Homero: “Nada há mais miserável<br />

que o homem”. Sêneca louva a morte como a melhor invenção da natureza.<br />

Entretanto deixou-se a S chopenhauer e a Hartmann definir a vontade como


5 9 4 Augustus Hopkins Strong<br />

anseio insatisfeito, considerar a vida como em si como enorme erro e a raça<br />

humana como a única medida de salvação permanente, ato coeso e universal<br />

de suicídio.<br />

G. H. B eard, Andover Rev., 18 9 2 -Schopenhauer profere uma verdade do<br />

Novo Testamento: a completa desilusão da auto-indulgência. A vida dominada<br />

pelos desejos e dedicada tão somente à aquisição é um pêndulo oscilante entre<br />

a dor e o tédio”. B owne, Philos. ofTheism, 124 - Para S chopenhauer a base do<br />

mundo é a pura vontade sem o intelecto ou a personalidade. Mas a pura<br />

vontade não é nada”. Royce, Spirít of Mod. Philos., 253-260 - S chopenhauer<br />

uniu o pensamento de Kant A mais íntima de todas as coisas é uma’, com o<br />

discernimento hindu, ‘A vida de todas estas coisas, que és tu’. Para ele a<br />

música mostra melhor o que é a vontade: apaixonada, batalhadora, vagante,<br />

incansável, sempre voltada para si, cheia de anseios, vigor, majestade, capricho.<br />

S chopenhauer condena o suicídio individual e aconselha a resignação.<br />

O que eu sempre desejo, entretanto nunca adquiro plenamente, leva H egel à<br />

concepção do espírito absolutamente ativo e triunfante. S chopenhauer vê nisso<br />

a prova da natureza totalmente má das coisas. Assim enquanto H egel é<br />

otimista, S chopenhauer é pessimista”.<br />

W inwood R eade, The Martyrdom of Man, pretende descrever a história<br />

humana. O. W. H olmes diz que o Peregrino de Bunyan representa o universo<br />

como uma armadilha que apanha a maioria dos vermes humanos que têm<br />

diante de si a isca”. Strauss: “Se os profetas do pessimismo provam que o<br />

melhor que o homem devia fazer é nunca ter vivido, provam com isso que a<br />

melhor coisa que eles deviam ter feito é nunca ter profetizado”. Hawthorne,<br />

Note-book-, É curioso imaginar que lamentações e descontentamentos seriam<br />

estimulados, se algumas das assim chamadas calamidades dos seres humanos<br />

fossem abolidas, - como, por exemplo, a morte”.<br />

3. Com Cristo como revelador de Deus<br />

Porque Cristo é o revelador de Deus na criação assim como na redenção o<br />

remédio para o pessimismo é 1) o reconhecim ento da transcendência de Deus<br />

- atualmente o universo não expressa plenam ente o seu poder, sua santidade<br />

ou seu amor, e a natureza é um esquema da evolução progressiva que compreendemos<br />

im perfeitamente e na qual há muito a seguir; 2) o reconhecimento do<br />

pecado com o um ato livre da criatura que causou toda a tristeza e dor de modo<br />

que Deus não é no sentido adequado o seu autor; 3) o reconhecimento de<br />

Cristo por nós na cruz e de Cristo em nós pelo seu Espírito revelando a duradoura<br />

tristeza e sofrimento do coração de Deus por causa da transgressão<br />

humana e manifesta no amor auto-sacrificial para libertar os homens dos múltiplos<br />

males nos quais os pecados os envolveram ; e 4) o reconhecimento da<br />

provação presente e do juízo futuro de m odo que se faz a provisão removendo<br />

o escândalo ora sobre o governo divino e justificando os caminhos de Deus<br />

para o homem.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

A cruz de Cristo é a prova de que Deus sofre mais do que o homem por<br />

causa do pecado humano e o juízo de Cristo mostrará que o ímpio não será<br />

sempre próspero. Só em Cristo achamos a chave do atro problema da história<br />

e a garantia do progresso humano. Rm. 3.25 - “o qual Deus propôs para<br />

propiciação pela fé no seu sangue para demonstrar a sua justiça pela remissão<br />

dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus”. 8.32 - “Aquele<br />

que nem mesmo poupou seu próprio Filho, antes, o entregou por todos nós,<br />

como não nos dará também com ele todas as coisas”? Hb. 2.8,9 - “não<br />

vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas... vemos, porém, Jesus...<br />

coroado de glória e de honra”; At. 17.31 - “tem determinado um dia em que<br />

julgará a terra com justiça por meio do varão que destinou”.<br />

G. A. G ordon, New Epoch of Faith, 199 - “ H uxley chama o livro de Jó o<br />

clássico do pessimismo”. O D eão Swift, sobre os seus próprios sucessivos<br />

aniversários natalícios costumava ler o terceiro capítulo de Jó que começa<br />

com o terrível “Pereça o dia em que nasci” (3.3). Mas a predestinação e a<br />

eleição não são arbitrárias. A sabedoria escolheu o melhor plano possível:<br />

ordenou a salvação de todos os que sabiamente podiam ter sido salvos, permitiu<br />

o menor mal que a sabedoria pode permitir. Ap. 4.11 - “Criaste todas as<br />

coisas e por tua vontade são e foram criadas”. M ason, Faith ofthe Gospel, 79<br />

- Todas as coisas estavam presentes na mente de Deus por causa da sua<br />

vontade e, quando lhe aprouve, deu-lhas”. P fleiderer, Grundriss, 36, advoga<br />

o idealismo realista. O Cristianismo, diz ele, não é otimismo abstrato, pois<br />

reconhece o mal do verdadeiro e considera o conflito como tarefa da história<br />

do mundo; não é pessimismo, pois não considera o mal como invencível, mas<br />

o bem como o fim e a força do mundo.<br />

Jones, Robert Browning, 109, 311 - “O Panteísm o otimista afirma que<br />

todas as coisas são boas; o otimismo cristão afirma que todas a s coisas cooperam<br />

para o bem. Reverie, Asolando: ‘Era d e sd e a primeira força - eu sei’.<br />

A vida m e esclareceu que devo lutar, m as por pontos de vista definidos, o<br />

am or é tão claro que s e pode ver’. Aventura de Balaustion: Alegria seja contigo,<br />

Auxiliador do mundo! Suponho que este é o autêntico sinal e selo do<br />

divinal que se torna cad a vez mais alegre até atingir a alegria d as flores,<br />

explode em ira a ponto de sofrer pela hum anidade e recom eçar a tristeza’.<br />

Browning, em penhava-se em achar D eus no hom em e ainda deixar livre o<br />

se r hum ano. S u a fé otimista b u scav a a reconciliação com a m oralidade.<br />

Ele detestava a doutrina de que os m ales do m undo s e devem sim plesm ente<br />

à arbitrária soberania e satirizava esta doutrina no monólogo de Caliban em<br />

Stebos: ‘Não am ando, não odiando, só escolhendo’. Pippa Passos: ‘D eus está<br />

no céu - Tudo está certo com o m undo’. M as com o isto é consistente com a<br />

culpa do pecador? Browning não diz. O am or exige distinção entre D eus e o<br />

hom em . Saul: ‘Tudo é amor, m as tudo é lei’. C a rly le forma m arcante contraste<br />

com Browning. C arlyle era pessim ista. Ele renunciaria a felicidade pelo<br />

dever e, com o um meio para alcançar e s s e fim, supriria não só a conversa<br />

sem valor, m as até o próprio pensam ento. E stava iniciada a batalha em bora<br />

em um a c au sa estranha. A c a u sa de D eus não é nossa. O dever é tão grande<br />

a m e a ç a com o o do escravo. A lei moral não é um a revelação benéfica que<br />

reconcilia Deus com o hom em . Tudo é m edo e não há am or”. Carlyle levou<br />

Emerson pelas favelas de Londres à m eia-noite e perguntou-lhe: E agora,<br />

5 9 5


5 9 6 Augustus Hopkins Strong<br />

você crê no Diabo”? Porém Emerson respondeu: “estou cada vez mais convencido<br />

da grandeza e bondade do povo inglês”.<br />

H enry W ard Beecher, quando interrogado se valia a p e n a viver, respondeu<br />

que dependia muito do fígado (há um trocadilho em inglês: to live = viver; liver<br />

= fígado). Otimismo e pessim ism o sã o em grande parte assunto de digestão.<br />

O P residente Marc Hopkins perguntou a um brilhante estudante se ele não<br />

cria que este é o melhor sistem a possível. Q uando o estudante respondeu<br />

pela negativa, o presidente perguntou-lhe com o poderia melhorar isso. Ele<br />

respondeu: “Eu m ataria todos os percevejos, pulgas e faria crescerem ao<br />

Norte laranjeiras e bananeiras mais adiante”. Um a sen h o ra picada por m osquito<br />

perguntou se seria próprio falar de criaturas com o “insetozinhos depra­<br />

v ados”. Disseram -lhe que isto seria impróprio porque a depravação sem pre<br />

implica um anterior estado de inocência, enquanto o m osquito sem pre foi<br />

m au com o é agora. Dr. Lyman Beacher, contudo, parece ter sustentado o ponto<br />

de vista contrário. Q uando ele capturou o m osquito que o picou, esm ag a n ­<br />

do o inseto, disse: “Ora veja! Vou m ostrar a você que existe um D eus em<br />

Israel”. Ele identificou o mosquito com todo o mal que existe no mundo. Allen,<br />

Religious Progress, 22 - “W ordsworth tinha ainda esperança, ap esar de que<br />

a Revolução F rancesa o tinha oprimido. Macaulay, depois de ler a História dos<br />

P a p a s de Ranke, negou todo o progresso religioso”.<br />

P fleiderer, Philos. Religion, 1.301, 302 - Os gregos da época de Homero<br />

tinham um ingênuo e jovial otimismo. Mas mudaram o seu ponto de vista para<br />

o pessimismo. Tal mudança foi causada pela crescente contemplação da desordem<br />

moral do mundo”. Butcher sustenta que a grande diferença entre<br />

gregos e hebreus é que aqueles não tinham esperança ou ideal de progresso.<br />

A. H. Bradford, Age of Faith, 74-102 - “Os poetas voluptuosos são pessimistas<br />

porque o prazer sensual passa rapidamente e deixa atrás de si lassi-<br />

dão e enervação. O pessimismo é a base do estoicismo. É inevitável onde<br />

não há fé em Deus e numa vida futura. A vida de uma semente enterrada não<br />

inspira, a não ser na previsão de sol, flores e frutos”. Bradley, Appearance<br />

and Reality, xiv, resume o ponto de vista otimista da seguinte maneira:<br />

“O mundo é o melhor dos mundos possíveis e tudo que ele contém é um mal<br />

necessário”. Ele devia acrescentar que a dor é a exceção e a livre vontade<br />

finita é a causa da perturbação. A dor torna-se o meio de desenvolver o caráter<br />

e, cumprido o seu propósito, ela passa.<br />

J ackson, James Martineau, 390 - “Tudo está bem, diz um pregador americano,<br />

porque, se há algo que não vai bem, é bom que não vá bem. É bom que<br />

a ira e a falsidade não vão bem, que a malícia e a inveja e a crueldade não<br />

vão bem. Que espera o mundo, ou que confiança se tem em Deus, se não<br />

estivessem bem? Viver se translitera mal, só quando a lemos de modo errado”.<br />

J ames Russel Lowell, Letters, 2.51 - “Quanto mais eu aprendo ... mais cresce<br />

a minha confiança no bom senso geral e intenções honestas. ... Os sinais dos<br />

tempos deixam de alarmar e parecem tão naturais como para uma mãe a<br />

dentição do seu sétimo bebê. Grande é o meu consolo em Deus. Acho que às<br />

vezes ele se alegra conosco e gosta de nós como um todo e não nos deixaria<br />

numa caixa de jogo tão descuidadamente, a não ser que conhecesse a estrutura<br />

do seu universo como uma prova de fogo”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 9 7<br />

Compare todo o pessimismo desesperançado de O mar Khayyam, Rubaiyat,<br />

estrofe 99 - “Ah Amor! poderíamos você e eu com ele conspirar para nos<br />

apegarmos a este inteiro esquema de coisas se não pudéssemos destroçar -<br />

e então remodelá-lo o mais próximo do modelo do coração?” Royce, Studies<br />

ofG oodand Evil, 14, discutindo o problema de Jó, sugere a seguinte solução:<br />

“Quando você sofre, os seus sofrimentos são os sofrimentos de Deus, não a<br />

sua obra externa, nem a sua pena externa, nem o fruto da sua negligência,<br />

mas exatamente o seu próprio ai pessoal. Em você o próprio Deus sofre,<br />

precisamente como você e tem a mesma preocupação em vencer este<br />

pesar”. F. H. J ohnson, What is Reality?, 349, 505 - “O ideal cristão não é<br />

sustentável, se admitimos que Deus pode tão facilmente desenvolve sua criação<br />

sem conflito. ... A felicidade é apenas um dos fins dele; a solução do<br />

caráter moral é outra”. A. E. W affle, Uses of Moral Evil: “1) Auxilia o desenvolvimento<br />

do caráter santo através da oposição; 2) fornece oportunidade para<br />

ministrar; 3) torna conhecidos a nós os principais atributos de Deus; 4) realça<br />

as bênçãos do céu”.<br />

4. Com a Providência e a Redenção<br />

O cristianismo é essencialm ente um esquem a de amor e poder sobrenaturais.<br />

Concebe Deus acim a do mundo assim como nele; capaz de manifestar o<br />

próprio Deus e manifestá-lo verdadeiramente por meios desconhecidos da simples<br />

natureza.<br />

M as esta absoluta soberania e transcendência, que se m anifestam na providência<br />

e na redenção, são inseparáveis do ato da criação. Se o mundo for<br />

eterno, como Deus, deve ser um efluxo da substância de Deus e deve ser absolutamente<br />

igual a Deus. Só um a adequada doutrina da criação pode garantir a<br />

distinção absoluta de Deus relativamente ao mundo e a soberania de Deus<br />

sobre o mundo.<br />

A alternativa lógica da criação é, portanto, um sistema de panteísmo, no<br />

qual Deus é um a força im pessoal e necessária. Daí os ditos panteístas de<br />

Fichte: “A suposição de um a criação é o erro fundamental de toda a falsa<br />

m etafísica e falsa teologia” ; de H egel: “Deus evolui o mundo de si mesmo<br />

para trazê-lo de volta outra vez a si m esm o no E spírito” ; e de S t r a u ss:<br />

“A Trindade e a criação, vistas especulativam ente, são um a coisa só e tem<br />

o mesmo nome, - só que um a é vista de um m odo absoluto e a outra empiri-<br />

cam ente” .<br />

Starret, Studies, 155,156 - Hegel sustentava que é próprio da natureza<br />

de Deus criar. A criação é o posicionamento de Deus com relação a um outro<br />

que não um outro. A criação é dele, pertence ao seu ser ou essência. Isto<br />

envolve o finito como objeto autoposicionado e sua auto-revelação. É necessário<br />

Deus criar. O amor, diz H egel, é tão somente outra expressão do Deus


5 9 8 Augustus Hopkins Strong<br />

eternamente Trino. O amor deve criar e amar o outro. Mas, amando este<br />

outro, Deus apenas está amando a si mesmo”. Já mostramos em nossa discussão<br />

sobre a teoria da criação a partir da eternidade, a insuficiência da<br />

criação para satisfazer tanto o amor como o poder de Deus. Uma doutrina<br />

apropriada da Trindade considera a hipótese de uma criação eterna desnecessária<br />

e irracional. Tal hipótese é de tendência panteísta. Luthardt, Com-<br />

pendium der Dogmatik, 97 - “O dualismo podia ser chamado de alternativa<br />

lógica da criação, mas pelo fato de que sua noção de dois deuses é autocon-<br />

traditória e conduz ao rebaixamento da idéia de Deus, de tal modo que o<br />

impessoal deus do panteísmo toma o seu lugar”. D orner, System of Doctrine,<br />

2.11 - “O mundo não pode ser refém da necessidade a fim de satisfazer, ou a<br />

falta, ou a grande plenitude em Deus. ... A doutrina da criação absoluta evita<br />

confundir Deus com o mundo. A declaração de que o Espírito pairava (hebr.<br />

chocava) sobre os elementos amorfos e a vida se desenvolveu sob a operação<br />

contínua das leis e presença de Deus, evita a separação de Deus com<br />

relação ao mundo. Evitam-se assim panteísmo e deísmo”. Ver Kant e S pinoza<br />

contrastados em S hedd, Dogm Theol.,~\ .468,469. O incomum tratamento completo<br />

da doutrina da criação neste capítulo deve-se à convicção de que a<br />

doutrina constitui um antídoto à maioria das falsas filosofias da nossa época.<br />

5. Com a observância do Sábado<br />

A partir deste ponto de vista observamos, contudo, a importância e o valor<br />

do Sábado como ato comemorativo da criação de Deus e assim a personalidade,<br />

a soberania e a transcendência de Deus.<br />

a) O Sábado é obrigação perpétua como um m em orial da atividade criadora<br />

indicado por Deus. Sua exigência antedata o Decálogo e forma um a parte<br />

da lei moral. Feita na criação, aplica-se ao homem como homem, em qualquer<br />

lugar e sempre em seu estado presente.<br />

Gn. 2.3 - “E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele<br />

descansou de toda a sua obra que Deus criara e fizera”. Nosso descanso<br />

deve ser uma representação miniatural do descanso de Deus. Como Deus<br />

trabalhou seis dias divinos e descansou um dia divino, assim devemos nós,<br />

em imitação a ele trabalhar seis dias humanos e descansar um dia humano.<br />

No Velho Testamento há indicações de uma observância do dia de sábado<br />

antes da legislação mosaica. Gn. 4.3 - “E aconteceu, ao cabo de dias, que<br />

Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor”; 8.10,12 - Noé por duas<br />

vezes aguardou sete dias antes de enviar a pomba da arca; 29.27,28 - “cumpre<br />

a semana”; cf. Jz. 14.12 - “os sete dias da festa”; Ex. 16.5 - a porção<br />

dobrada do maná prometida no sexto dia, para que não se ajuntasse no sábado<br />

{cf. vv. 20,30). Esta divisão de dias em semanas é melhor explicada pela<br />

instituição original do sábado na criação do homem. Moisés fala no quarto<br />

mandamento como já conhecido e observado: Ex. 20.8 - “Lembra-te do dia<br />

do sábado para santificá-lo”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 5 9 9<br />

O sábado é reconhecido nos relatos Assírios da Criação. P rofessor S ayce:<br />

“Sete era um número sagrado originado dos semitas desde os antecessores<br />

acádios. De sete em sete eram os nós mágicos das feiticeiras; o corpo do<br />

doente devia ser ungido sete vezes na purificação com óleo. Como o sábado<br />

de descanso caía no sétimo dia, assim os planetas, como demônios mensageiros<br />

de Anu, eram sete e os deuses de número sete recebiam uma honra<br />

especial”. Mas agora a descoberta de uma tábua do calendário na Mesopotâ-<br />

mia mostra-nos a semana de sete dias e o sábado em plena preponderância<br />

na antiga Babilônia muito antes dos dias de Moisés. Nessa tábua o sétimo, o<br />

décimo quarto, o vigésimo primeiro e o vigésimo oitavo dias eram chamados<br />

sábados, palavra empregada por Moisés seguida da expressão: ‘dia de descanso’.<br />

As restrições são tão rígidas na tábua como lei de Moisés. Esta instituição<br />

deve ter remontado ao período acádico, anterior aos dias de Abraão.<br />

Em uma das descobertas recentes este dia é chamado ‘o dia de descanso<br />

para o coração’, mas dos deuses; por causa da propiciação oferecida nesse<br />

dia, seu coração se punha em repouso.<br />

S. S. Times, Jan. 1892, artigo do Dr. Jensen, da Universidade de Estrasburgo,<br />

sobre a Semana Bíblica e Babilônica: Subattu na Babilônia significa<br />

dia de propiciação, implicando propósito religioso. A narrativa babilônica do<br />

dilúvio implica uma semana de sete dias e o arco-íris continuou por seis dias<br />

desaparecendo no sétimo; outro período de sete dias entre o término da tempestade<br />

e o desembarque de Noé, a pomba, a andorinha e o corvo enviados<br />

outra vez no sétimo dia. Os sábados são chamados dias de descanso para o<br />

coração, dias de cessação de trabalho”. H utton, Essays, 2.229 - “Porque na<br />

mente de Deus há uma fonte de eterno repouso assim como de energia criadora,<br />

somos levados a respeitar a lei do descanso do mesmo modo que a lei<br />

do trabalho”. Na verdade, podemos questionar se esta doutrina do descanso<br />

de Deus não refuta por si mesma a teoria da criação eterna contínua e necessária.<br />

b) Nem o Nosso Senhor nem seus apóstolos ab-rogaram o Sábado do<br />

Decálogo. A nova dispensação afastou as prescrições mosaicas quanto ao método<br />

de guardar o Sábado, mas ao mesmo tem po declara que sua observância é<br />

de origem divina e é um a necessidade da natureza humana.<br />

Nem tudo na lei mosaica foi ab-rogado em Cristo. A adoração e a reverência,<br />

a consideração pela vida, pela pureza e pela propriedade ainda continuam<br />

obrigatórias. Cristo não pregou na cruz todos mandamentos do Decálogo.<br />

Jesus não se defendeu da culpa da quebra do sábado dizendo que o<br />

sábado foi ab-rogado mas fixando a sua verdadeira idéia quanto à necessidade<br />

humana fundamental de cumpri-lo. Mc. 2.27 - “O sábado foi feito [por<br />

Deus] por causa do homem e não o homem por causa do sábado”. As restrições<br />

puritanas não são essenciais ao sábado, nem mesmo correspondem<br />

mais tarde aos métodos da observância do Velho Testamento. O sábado<br />

judaico assemelhava-se mais ao Dia de Ações de Graças na Nova Inglaterra<br />

do que ao seu Dia de Jejum. Ne. 8.12,18 - “Então todo o povo se foi a comer,<br />

e a beber, e a enviar porções e a fazer grandes festas ... e celebravam a


6 0 0 Augustus Hopkins Strong<br />

solenidade da festa sete dias e, no oitavo dia, a festa do encerram ento, segundo<br />

o rito” - parece que inclui o sáb ad o com o dia de alegria.<br />

O rígenes, Homília 23 sobre Números (Migne, II. 358): “Deixando, portanto,<br />

as observâncias judaicas do sábado, vejamos em que devem elas consistir.<br />

No sábado, nenhuma de todas as ações do mundo deve ser feita”. Cristo<br />

anda pela seara, cura o paralítico, ceia com um fariseu, tudo no sábado. J ohn<br />

Milton em sua Christian Doct., é extremamente anti-sabatista, sustentando<br />

que o Decálogo foi abolido com a lei mosaica. O seu pensamento é que<br />

não é certo se “o dia do Senhor” era semanal ou anual. Na mente dele, a<br />

observância do sábado é matéria não de autoridade, mas de conveniência.<br />

Arcebispo Paley: “Na minha opinião, Paulo considerava o sábado como um<br />

tipo de ritual judaico, e não obrigatório para os cristãos. A cessação do trabalho<br />

nesse dia além do tempo de assistir ao culto público não se insinua em<br />

qualquer parte do Novo Testamento. A noção que Jesus e seus apóstolos<br />

tinham da guarda do sábado judaico, só mudando do sétimo para o primeiro<br />

prevalece sem razão suficiente”.<br />

S egundo G uizot, Calvino se ag rad av a tanto com um jogo praticado em<br />

G enebra no dom ingo que não só assistia, m as adiava seu serm ão de modo<br />

que a su a congregação p u d e sse assistir. Q uando J ohn Knox visitou C alvino<br />

achou-o jogando um a partida de boliche no domingo. Martinho Lutero dizia:<br />

“C onserve santo o dia por c au sa do seu uso tanto físico com o espiritual. Mas<br />

se em qualquer lugar o dia for santificado sim plesm ente por c au sa do dia, se<br />

se praticar qualquer observância com b a se judaica, então ordeno que trabalhem<br />

nele, de m odo a fazer algo que reprove este ab u so no espírito e liberdade<br />

cristãos”. Porém os escritores m ais liberais e m esm o os mais radicais<br />

reconhecem os em pregos econôm icos e patrióticos do sábado. R. W. Emer­<br />

son diz que a su a observância é “o cerne da n o ssa civilização”. C harles S um-<br />

mer: “S e perpetuarm os a n o ssa República, devem os santificá-la assim como<br />

fortificá-la e fazê-la ao m esm o tem po tem plo e cidadela”. O liver W endel<br />

Holmes: “Aquele que ordenou o sáb ad o am ou os pobres”. Na Pensilvânia trazem<br />

d as m inas cad a domingo as m ulas que estiveram trabalhando durante a<br />

se m a n a toda na escuridão, - para que não fiquem cegas. Assim a vista espiritual<br />

do hom em d e sa p are ce rá se não subirem sem an alm en te para a luz<br />

de Deus.<br />

c) O Sábado obriga-nos a separar um sétimo do nosso tempo para o descanso<br />

e adoração. Não impõe a sim ultânea observância de um a porção de<br />

tempo fixo a todo o mundo, nem isso seria possível. O exemplo de Cristo e a<br />

sanção apostólica transferiram o Sábado do sétimo dia para o primeiro em<br />

razão de que este é o dia da ressurreição de Cristo e o dia quando a criação<br />

espiritual de Deus tornou-se com pleta em Cristo.<br />

O homem em diferentes longitudes não pode observar simultaneamente<br />

nenhuma porção exata do tempo absoluto. Em Berlin o dia começa seis<br />

horas antes de em Nova Iorque, de modo que uma quarta parte do que é<br />

domingo em Berlin ainda será sábado em Nova Iorque. Cruzando os 180


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 0 1<br />

graus de longitude do Ocidente ao Oriente ganhamos um dia e o sabatista<br />

do sétimo dia que circunavega o globo pode retornar ao ponto de partida<br />

observando o mesmo sábado que os seus companheiros cristãos. A. S. C arman,<br />

Examiner, 4 de janeiro de 1894, afirma que Hb. 4.5-9 faz referência à mudança<br />

do sétimo dia para o primeiro nas alusões a “um repouso de sábado” que<br />

“resta” e a um “outro dia” tomando o lugar do dia original de repouso. O Ensino<br />

dos Doze Apóstolos: “No dia do Senhor ajuntai-vos, e rendei graças e parti<br />

o pão”.<br />

A mudança do sétimo dia para o primeiro parece dever-se à ressurreição<br />

de Cristo no “primeiro dia da semana (Mt. 28.1), ao seu encontro com os<br />

discípulos naquele dia e no domingo seguinte (Jo. 20.26) e ao derramamento<br />

do Espírito no domingo de Pentecostes sete semanas depois. Assim pelo<br />

próprio exemplo de Cristo e pela sanção dos apóstolos o primeiro dia tornou-<br />

se “o dia do Senhor” (Ap. 1.10) no qual os crentes se reúnem regularmente<br />

em cada semana com o seu Senhor (At. 20.7 - “no primeiro dia da semana,<br />

quando nos reuníamos para partir o pão”) e traziam as contribuições para<br />

beneficência (1 Co. 1,2 - “sobre a oferta que se levanta em favor dos santos<br />

... no primeiro dia da semana, separai conforme a prosperidade, para que<br />

não se levantem coletas quando eu chegar”). Eusébio, Com. sobre o SI. 92<br />

(Migne V. 1191, C): “Portanto as coisas [regulamentos levíticos] tendo já sido<br />

rejeitadas, o Logos através da Nova Aliança transferiu e mudou a festa<br />

do sábado para o dia do nascer do sol... o dia do Sen h or... sábado santo e<br />

espiritual”.<br />

J ustino Mártir, Primeira Apologia: “No dia chamado domingo, todos os<br />

que moram na cidade ou no campo reúnem-se em um lugar e lêem-se as<br />

memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. ... O domingo é o dia<br />

em que todos nós realizamos a assembléia comum porque é o primeiro<br />

dia em que Deus fez o mundo e o Nosso Salvador Jesus no mesmo dia<br />

ressuscitou dos mortos. Porque ele foi crucificado no dia anterior, que é o<br />

de Saturno (sábado); e no dia posterior ao de Saturno, que é o dia do Sol<br />

(domingo), tendo aparecido aos apóstolos e discípulos, ensinou-lhes estas<br />

coisas que apresentamos para vossa consideração”. Isto parece indicar que,<br />

entre a ressurreição e a ascensão, Jesus deu a ordem a respeito da observância<br />

do primeiro dia da semana. Ele foi “recebido em cima” só depois que<br />

tinha dado o mandamento através do Espírito aos apóstolos que ele escolheu”<br />

(At. 1.2).<br />

Então o sábado cristão é o dia da ressurreição de Cristo. O sábado judaico<br />

comemorava só o começo do mundo; o sábado cristão comemora também<br />

a nova criação do mundo em Cristo em que a obra de Deus na humanidade<br />

pela primeira vez torna-se completa. C. H. M. sobre Gn. 2: “Se eu celebro o<br />

sétimo dia ele me marca como um homem terreno do mesmo modo em que o<br />

dia claramente é o descanso da terra - repouso da criação; se inteligentemente<br />

eu celebro o primeiro dia da semana, sou marcado como um homem<br />

celeste, crendo na nova criação em Cristo”. (Gl. 4 10,11) - “Observais dias, e<br />

meses, e estações e anos. Receio de vós que eu haja trabalhado em vão<br />

para convosco”. Cl. 2.16,17 - “Ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber,<br />

ou pelo dia de festa, ou lua nova, ou dia de sábado; que são a sombra das<br />

coisas futuras; mas o corpo é de Cristo”.


6 0 2 Augustus Hopkins Strong<br />

Seção II - PRESERVAÇÃO<br />

I. DEFINIÇÃO DE PRESERVAÇÃO<br />

É a atuação contínua pela qual Deus conserva existentes as coisas que ele<br />

criou, bem como as propriedades e forças de que as dotou. Como na doutrina<br />

da criação tentamos explicar a existência do universo, assim na doutrina da<br />

Preservação tentamos explicar sua continuação.<br />

Como explicação assinalamos:<br />

a) Preservação não é criação, pois a preservação pressupõe a criação.<br />

O que se preserva deve existir e isto pelo ato criador de Deus.<br />

b) Preservação não é simples negação da ação ou impedimento de destruição<br />

da parte de Deus. É um a atuação positiva pela qual, a cada momento, ele<br />

sustenta as pessoas e dá forças ao universo.<br />

c) Preservação implica um concurso natural de Deus em todas operações<br />

da m atéria e da mente. Apesar de que os seres pessoais existem e de que a<br />

vontade de Deus não é a única força, ainda é verdade que, sem seu concurso,<br />

nenhum a pessoa e nenhum a força podem continuar a existir ou a agir.<br />

D o rner, System of Doctrine, 2.40-42 - “Criação e preservação não podem<br />

ser a mesma coisa, pois, nesse caso, o homem seria apenas um produto das<br />

forças naturais supervisionadas por Deus; porquanto o homem está acima da<br />

natureza e não se explica a partir desta. A natureza não é o todo do universo,<br />

mas tão somente a base dele. ... O descanso de Deus não é a cessação de<br />

atividade, mas um novo exercício do poder”. E Deus não é a “alma do universo”.<br />

Esta expressão é panteísta e implica que Deus é tão somente o agente.<br />

É uma coisa maravilhosa que a vida física continua. O bombeamento do<br />

sangue através do coração, quer durmamos, quer estejamos acordados,<br />

requer dispêndio de energia bem maior do que podemos avaliar. O músculo<br />

do coração nunca descansa a não ser entre as batidas. Todo o sangue do<br />

corpo passa pelo coração em cada meio minuto. A pressão do coração é<br />

maior do que a do punho. Os dois ventrículos do coração sustentam em<br />

média dez onças ou 5/8 de uma libra e este total é bombeado em cada batida.<br />

Em setenta e duas por minuto, i.e. 2.700 libras por hora, e 64.000 onças ou<br />

32,4 toneladas por dia. Enciclopédia Britânica, 11.554 - “O coração realiza<br />

cerca de 1/5 de todo o trabalho mecânico do corpo - o equivalente ao levantamento<br />

do seu próprio peso 13.000 pés (± 4.333 m) por hora. Só descansa<br />

em curtos momentos como se a sua ação fosse contínua. Deve ser necessariamente<br />

o mais antigo sofredor de qualquer improvidência quanto à nutrição<br />

e a este respeito a emoção mental é tão poderosa causa da bancarrota constitucional<br />

como o mais violento exercício muscular”.<br />

Antes da época da guilhotina na França, quando o criminoso era executado<br />

sentado em uma cadeira e decapitado ao golpe de uma afiada espada, um<br />

observador declarou que o sangue jorrava para cima a vários pés. Ainda esta


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 0 3<br />

grande força é tão ruidosamente exercida pelo coração, na maioria dos casos,<br />

que disso não temos consciência. A força em operação é o poder de Deus e<br />

a esse exercício do poder damos o nome de preservação. C rane, Religion of<br />

To-rriorrow, 130 - “Não ganhamos o pão porque Deus instituiu algumas leis<br />

para o crescimento do trigo ou para a ação de assar, deixando que as leis<br />

corram por si mesmas. Porém Deus, pessoalmente presente no trigo, o faz<br />

crescer e na massa o torna pão. Ele não faz a gravitação ou a coesão, mas<br />

elas são fases da sua ação presente. O Espírito é a realidade, a matéria e a<br />

lei são os modos da expressão dela. Assim, na redenção não é por operação<br />

de algum plano perfeito que Deus salva. Ele é o Deus imanente e todos os<br />

seus benefícios são apenas fases da sua pessoa e influência imediata”.<br />

II. Prova da D outrina da P reservação<br />

1. Da E scritura<br />

Em numerosas passagens da Escritura a preservação distingue-se da criação.<br />

Apesar de que Deus descansou da obra da criação e estabeleceu uma<br />

ordem das forças naturais, declara-se que um a atividade divina especial e contínua<br />

se exerce no sustento do universo e de suas forças. Ademais, declara-se<br />

que esta atividade divina é a de Cristo; como ele é o agente m ediador na criação,<br />

assim tam bém o é na preservação.<br />

Ne. 9.6 - “Só tu és Senhor, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu<br />

exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto neles há e<br />

tu os guardas a todos”; Jó 7.20 - “Tu, ó vigia [rodapé > ‘preservador’]<br />

dos homens!”; SI. 36.6 - “Tu, Senhor, preservas os homens e os animais”;<br />

SI. 104.29,30 - “tira-lhes a respiração, morrem e voltam ao próprio pó. Envias<br />

o teu Espírito e são criados e renovas a face da terra”. Ver P errowne sobre o<br />

SI. 104 - “Um salmo para o Deus que está na natureza e com ela para o<br />

próprio bem”. H umboldt, Cosmos, 2.413 - “O SI. 104 apresenta uma imagem<br />

do cosmos inteiro”. At. 17.28 - “nele vivemos, nos movemos e existimos”;<br />

Cl. 1 .1 7 - “nele subsistem todas as coisas”; Hb. 1 .2 ,3 - “sustentando todas as<br />

coisas pela palavra do seu poder”; Jo. 5.17 - “meu Pai trabalha até agora e eu<br />

trabalho” - refere-se mais naturalmente à preservação, visto que a obra da<br />

criação já estava encerrada; cp. Gn. 2.2 - “no sétimo dia terminou Deus a sua<br />

obra que tinha feito e descansou no sétimo dia de toda obra que tinha feito”.<br />

Deus é o sustentador de toda a vida física; ver SI. 66.8,9 - “Bendizei, povos,<br />

ao nosso Deus ... que sustenta com vida a nossa alma”. Deus é também o<br />

sustentador da vida espiritual; ver 1 Tm. 6.13 - “Mando-te diante de Deus,<br />

que todas as coisas vivifica (Çcooyovovv-toç zà návxa) = o grande Preservador<br />

capacita-nos a persistir em nossa carreira cristã. Mt. 4.4 - “Nem só de pão<br />

viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus” apesar<br />

de originariamente referir-se à alimentação física é igualmente verdadeiro<br />

sobre o sustento espiritual. No SI. 104.26 - “Ali passam os navios”. Dawson,


6 0 4 Augustus Hopkins Strong<br />

Mod. Ideas of Evolution, é de parecer que não se faz referência às obras do<br />

homem, mas às de Deus como no paralelismo: “e o leviatã” indicaria “e os<br />

navios flutuantes como o náutilus que é um ‘naviozinho’ O SI. 104 é um<br />

longo hino ao poder preservador de Deus, que conserva vivas todas as criaturas,<br />

tanto pequenas como grandes.<br />

2. Da Razão<br />

Podemos argumentar a atuação preservadora de Deus com as seguintes<br />

considerações:<br />

a) A matéria e a mente não são auto-existentes. Porque elas não têm a<br />

causa do seu ser em si mesmas sua continuação bem como sua origem podem<br />

dever-se a um poder superior.<br />

Dorner, Glaubenslehre: “Se o mundo fosse auto-existente, seria um Deus<br />

e nenhuma religião seria possível. O mundo é receptivo a novas criações;<br />

mas estas, uma vez introduzidas, estão sujeitas, como as demais, à lei da<br />

preservação” - i.e. dependem da existência contínua de Deus.<br />

b) Força implica em uma vontade da qual é a expressão direta ou indireta.<br />

Conhecemos a força somente através do exercício da nossa vontade. Porque a<br />

vontade é a causa única da qual temos conhecimento direto as causas secundárias<br />

na natureza são consideradas apenas como obras secundárias, regulares<br />

e automáticas da grande primeira Causa.<br />

M a r t in e a u , Essays, 1 .6 3 ,2 6 5 e Study, 1 .2 4 4 - “As causas secundárias na<br />

natureza têm a mesma relação com a Causa Primária como o movimento<br />

automático dos músculos ao darem passos para a primeira decisão da vontade<br />

que iniciou a caminhada”. Freqüentemente se objeta que não podemos<br />

identificar força e vontade porque, em muitos casos, o esforço da nossa von-<br />

\aòe é vrâníttf ero por ^áfta àatorça nervosa e muscular. Mas isto sõ prova que<br />

a força não pode ser identificada com a vontade humana, e não que não<br />

possa ser identificada com a divina. Para a vontade divina não falta força<br />

alguma; em Deus vontade e força são a mesma coisa.<br />

Adotamos, portanto, ponto de vista de Maine de Biran, de que a causa<br />

pertence só ao espírito. Porter, Human Intellect, 582-588, faz a seguinte<br />

objeção a este ponto de vista: “Isto implica, primeiro, que a concepção de<br />

uma causa material é autocontraditória. Mas a mente reconhece em si mesma<br />

energias espirituais que não são voluntárias; porque derivamos da vontade<br />

a nossa noção de causa, não se segue que a relação causai sempre<br />

envolve vontade; seguir-se-ia que o universo, até onde não é inteligente é<br />

impossível. Em segundo lugar, implica que há apenas um agente no universo<br />

e que os simples fenômenos da matéria e da mente são apenas manifestações<br />

de uma simples força - a do Criador”. Respondemos a este raciocínio<br />

afirmando que nenhuma coisa morta pode agir e que aquilo que chamamos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 0 5<br />

energias espirituais involuntárias são, na verdade, atividades inconscientes<br />

ou esquecidas da vontade.<br />

A partir do nosso atual ponto de vista criticaríamos, também, Hodge, Syste-<br />

matic Theology, 1.596 - “Porque temos a nossa idéia de força a partir da<br />

mente, não se segue que esui seja a única força. O fato de que a mente é<br />

uma causa não prova que a eletricidade não o possa ser. Se a matéria é força<br />

e nada mais que força, então a matéria não é nada e o mundo exterior é tão<br />

somente Deus. Apesar de tal argumento, o homem crerá que o mundo exterior<br />

é uma realidade - que a matéria é, e que ela é a causa dos efeitos que<br />

atribuímos à sua atuação”. New Englander, set. 1883, 552 - “Nos tempos<br />

primitivos o homem empregava as causas secundárias, i.e., máquinas bem<br />

pequenas para cumprirem seus propósitos. Seu modo comum de ação era o<br />

uso direto das mãos ou da voz, e atribuía naturalmente aos deuses o mesmo<br />

método de que ele se valia. O próprio uso das causas secundárias conduziu<br />

o homem a mais elevadas concepções da ação divina”. Dorner: “Se a palavra<br />

não tivesse nenhuma dependência, não refletiria Deus, nem a criação teria<br />

qualquer sentido”. Mas tal independência não é absoluta. Apesar de que o<br />

homem vive, move-se e existe em Deus (At. 17.28), qualquer coisa material<br />

ou espiritual que tenha vindo a ser, só tem vida em Cristo (Jo. 1.3,4 “Todas as<br />

coisas foram feitas por intermédio dele e sem ele nada do que foi feito se fez.<br />

Nele estava a vida [rodapé >nada se fez. O que se fez era a vida nele.< RSV).<br />

A Preservação é a vontade contínua de Deus. Bowne, Introdução à Psicologia,<br />

305, fala de um tipo de vontade ao atacado. Agostinho: “Dei voluntas<br />

est rerum natura”. Reitor Fairbairn: “A natureza é espírito”. Tennyson, The<br />

Ancient Sage: “A força é das alturas”. Lord Gifford, citado em Max Müller,<br />

Anthropological Religion, 392 - “A alma humana nem deriva de si mesma,<br />

nem subsiste por si mesma. Desvaneceria se não tivesse substância, e sua<br />

substância é Deus”. Upton, Hibbert Lectures, 284,285 - A matéria é simplesmente<br />

o espírito em sua mais baixa forma de manifestação. A Causa absoluta<br />

deve ser o Eu mais profundo que achamos no cerne da nossa consciência<br />

própria. Através da autodiferenciação Deus cria tanto a matéria como a<br />

mente”.<br />

c) A soberania de Deus requer uma crença na sua atuação preservadora<br />

especial; porque esta soberania não seria absoluta se algo ocorresse ou existisse<br />

independente de sua vontade.<br />

J ames Martineau, Seat ofAuthority, 29,30 - “Toda força cósmica é vontade.<br />

... Esta identificação da natureza com a vontade de Deus seria panteísta só<br />

se mudássemos e identificássemos Deus com nada mais que a vida do universo.<br />

Porém nós não negamos a transcendência. As forças naturais são a<br />

vontade de Deus, mas esta é mais do que aquelas. Ele não eqüivale a tudo,<br />

mas à sua Mente diretiva. Deus não é a fúria do animal seivagem, nem o<br />

pecado do homem. Há coisas e seres que lhe são objetivos. ... Ele põe a sua<br />

força naquilo que é o outro ser além dele, e afasta-se do seu outro emprego<br />

através da antecipação do empenho relativo a um fim. Entretanto, ele é a<br />

fonte contínua e suprimento de força do sistema”.


6 0 6 Augustus Hopkins Strong<br />

As forças naturais são as volições genéricas de Deus. Porém as vontades<br />

humanas, com seu poder alternativo, são o resultado da autolimitação de<br />

Deus, até mais do que o é a natureza, pois as vontades humanas nem sempre<br />

obedecem à vontade divina; podem até opor-se a ela. Na vontade está o<br />

Infinito, não só como imanente, mas também como transcendente e, no caso<br />

do pecado, tanto opondo-se ao pecador como punindo-o. Esta contínua vontade<br />

de Deus tem sua analogia em nossa vontade subconsciente. J. M. Whiton,<br />

no Am. Jour. Theol., 1901.320 - “Quando andamos, a nossa própria vontade<br />

desenvolve uma volição separada para cada passo, mas depende da ação<br />

automática dos centros nervosos inferiores, que ela não só movimenta como<br />

mantém a sua operação. Assim a Vontade divina não opera em inúmeros<br />

atos isolados da volição”. A. R. Walllace: “O universo inteiro não só depende<br />

da vontade das inteligências mais elevadas, ou de uma suprema Inteligência,<br />

mas, na verdade, é umas e a outra. ... A livre vontade do homem é apenas<br />

uma artéria maior na corrente controladora da Vontade universal, cujo fluxo<br />

de duração evolutiva constitui a auto-revelação do Infinito”. Esta declaração<br />

de Wallace une a vontade finita de forma muito mais completa à vontade de<br />

Deus. Isto é verdade com relação à natureza e com todos os santos, mas não<br />

é verdade a respeito do ímpio. Sem dúvida Deus mantém a existência deles,<br />

mas o mesmo Deus se opõe à sua conduta. A preservação deixa lugar para a<br />

liberdade humana, para a responsabilidade, para o pecado e para a culpa.<br />

Portanto, todas as forças naturais e todos os seres pessoais testemunham<br />

que a vontade de Deus originou estes e aquelas que ele sustenta continuamente.<br />

O universo físico, na verdade, em nenhum sentido independe de<br />

Deus, pois suas forças são apenas a vontade constante de Deus e suas leis<br />

são apenas os hábitos de Deus. Só na vontade livre dos seres inteligentes<br />

Deus separou de si qualquer porção da força e a fez capaz de contradizer a<br />

sua santa vontade. Mas mesmo aos agentes livres Deus não deixa de dar<br />

apoio. A doutrina da preservação, portanto, mantém uma base média entre<br />

dois extremos. Ela sustenta que os seres pessoais finitos têm existência real<br />

e independência relativa. Por outro iado, sustenta que estas pessoas retêm o<br />

seu ser e forças só quando sustentadas por Deus.<br />

Deus é a alma, mas não a soma, das coisas. O cristianismo defende a<br />

transcendência de Deus bem como a sua imanência. A imanência sozinha é<br />

o aprisionamento de Deus como a transcendência sozinha é o seu banimento.<br />

Gore, Encarnação, 136 sgs - A teologia cristã é a harmonia do panteísmo<br />

com o deísmo”. Sustenta a transcendência e desse modo tem todo o bem do<br />

panteísmo sem suas limitações. Sustenta a imanência e desse modo tem<br />

todo o bem do deísmo sem a sua incapacidade de mostrar como Deus poderia<br />

ser bendito sem a criação. Diman, Theistic Argument, 367 - “A teoria dinâmica<br />

da natureza como um organismo plasmávei permeado por um sistema<br />

de forças que unem por fim em uma Força suprema harmoniza-se mais com<br />

o espírito e ensino do Evangelho do que com as concepções mecânicas que<br />

prevaleciam há um século e que insistiam em ver a natureza como uma complicada<br />

máquina feita por um grande Artífice que está totalmente separado<br />

dela”. A doutrina da preservação apresenta um Deus tanto na natureza como<br />

além dela. Conforme se considera um ou outro elemento, temos o erro do<br />

Deísmo, ou o da Criação contínua - teorias que ora passamos a considerar.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 0 7<br />

III. T E O R IA S QUE VIRTUALM E N TE N E G A M A DOUTRINA<br />

D A PR E SE R V A Ç Ã O<br />

1. Deísmo<br />

Este ponto de vista representa o universo como um mecanismo auto-sus-<br />

tentado do qual Deus afastou-se tão logo o criou e que o abandonou a um<br />

processo de auto-desenvolvimento. Defenderam-no nos séculos dezessete e<br />

dezoito os ingleses H e r b e r t , C o l l i n s , T i n d a l e B o l in g b r o k e .<br />

Lord Herbert of Cherbury foi um dos primeiros a sistematizar o deísmo.<br />

Seu Livro De Veritate\o\ publicado em 1624. Ele argumenta contra a probabilidade<br />

da revelação da vontade de Deus a apenas uma parte da terra. A isto<br />

ele chama de “religião particular”. Contudo, buscou e, segundo o seu próprio<br />

relato, recebeu uma revelação do céu estimulando a publicação de sua obra<br />

que se opunha à revelação. “Pediu um sinal” e veio a resposta através de “um<br />

alto embora bondoso ruído vindo dos céus”. Teve a vaidade de pensar que o<br />

seu livro era de tal importância à causa da verdade como à exortação à declaração<br />

da vontade divina, quando os interesses da metade da humanidade<br />

não garantiam nenhuma revelação; o que Deus não faria por uma nação,<br />

faria por um indivíduo. O Deísmo é o exagero da verdade sobre a transcendência<br />

de Deus. Melanchthon ilustra com o fabricante de navios: “Ut faber<br />

discedit a navi exstructa et relinquit eam nautis”. Deus é o criador, não o guardador,<br />

do vigia. Em Sartor Resartus, Carlyle faz Teufelsdrôckh falar de “um<br />

Deus ausente, sempre sentado ocioso desde o primeiro Sábado fora do universo,<br />

e vendo-o vagar”.<br />

“O Deísmo dava ênfase à inviolabilidade da lei natural e defendia um ponto<br />

de vista mecânico do mundo (Ten Broeke). O seu Deus é um tipo de Brama<br />

hindu, “tão ocioso como a pintura de um navio na de um oceano” - mero ser<br />

apático e imóvel. Bruce, Apologetics, 115-131 - “Deus fez o mundo tão bom<br />

no princípio que o melhor que podia fazer é deixá-lo. É inadmissível a oração.<br />

O Deísmo implica um ponto de vista pelagiano da natureza humana. A morte<br />

nos redime separando-nos do corpo. Há uma imortalidade natural, mas não<br />

há ressurreição. Lord Herbert de Cherbury, irmão do poeta George Herbert de<br />

Bemerton representa o nascimento do Deísmo; Lord Bolingbroke seu declínio.<br />

Blount atacava a Pessoa divina do fundador da fé; Collins sua base na<br />

profecia; Woolston sua comprovação miraculosa; Toland sua literatura canônica.<br />

Tyndal apoiava-se em uma base mais geral e procurava mostrar que era<br />

desnecessário buscar uma revelação especial, impossível de ser comprovada,<br />

e a religião da natureza é suficiente e superior a todas religiões de instituição<br />

positiva”.<br />

A este ponto de vista objetamos:<br />

d) Apóia-se em uma falsa analogia. - O homem é capaz de construir um<br />

relógio que se move por si mesmo tão somente porque ele emprega forças


6 0 8 Augustus Hopkins Strong<br />

preexistentes tais como a gravidade, a elasticidade, a coesão. Mas em uma<br />

teoria que assemelha o universo a uma máquina tais forças são aquelas com as<br />

quais as próprias coisas contam.<br />

O Deísmo considera o universo como um “movimento perpétuo”. Os pontos<br />

de vista modernos da dissipação da energia têm servido para desacredi-<br />

tá-lo. A vontade é a única explicação das forças da natureza. Mas segundo o<br />

deísmo, Deus constrói uma casa, fecha-se do lado de fora, tranca a porta e<br />

amarra suas próprias mãos para estar certo de nunca usar a chave. J ohn<br />

C a ird , Fund. Ideas of Christianity, 1 1 4 -1 3 8 - “Uma mente feita, uma natureza<br />

espiritual criada por uma onipotência exterior é uma noção impossível e auto-<br />

contraditória. ... O inventor humano ou o artista trata da matéria preparada<br />

para a sua mão. O deísmo reduz Deus a uma personalidade antropomórfica<br />

finita, do mesmo modo que o panteísmo anula o mundo finito ou absorve-o no<br />

Infinito”. Por isso Spinoza, o panteísta, foi o grande opositor do deísmo do<br />

século XVI.<br />

b) É um sistema de antropomorfismo, conquanto professa excluir o antro-<br />

pomorfismo. - Porque o sustento de todas as coisas envolveria uma multiplicidade<br />

de cuidados minúsculos se o homem fosse o agente, concebe o sustento<br />

do universo como que envolvendo tais pesos no caso de Deus. Assim poupa<br />

a dignidade de Deus negando virtualmente sua onipresença, sua onisciência e<br />

sua onipotência.<br />

A infinitude de Deus torna em fontes de prazer tudo o que seria preocupação<br />

para o homem. Para a inexaurível plenitude de Deus sobre a vida não há<br />

ônus que envolva o sustento do universo que ele criou. Contudo, porque Deus<br />

é observador perpétuo podemos alterar o verso do poeta e dizer: “Não há flor<br />

que nasça para enrubescer o invisível e destruir sua doçura no ar deserto”.<br />

Deus não expõe seus filhos tão logo eles nascem. Eles não são apenas prole;<br />

eles também vivem, movem-se e existem nele e são participantes da natureza<br />

divina. G o r d o n , Chirst of To day, 2 0 0 “A pior pessoa em toda a história é<br />

algo para Deus, ainda que seja nada para o mundo”.<br />

c) Ela não pode ser sustentada sem negar toda a interferência providencial<br />

na história da criação e na subseqüente história do mundo. - Mas a introdução<br />

da vida, a criação do homem, a encarnação, a regeneração, a comunhão das<br />

criaturas inteligentes com um Deus presente e as interposições de Deus na<br />

história secular são fatos.<br />

Portanto, o deísmo tende para o ateísmo. U p t o n , Hibbert Lectures, 2 8 7 -<br />

“O defeito de deísmo é que, do lado humano, trata todos os homens como<br />

indivíduos isolados, esquecendo-se da natureza divina imanente que os<br />

interrelaciona e, até certo, ponto os unifica; e que, do lado divino, separa de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Deus os homens e toma a relação entre eles puramente exterior1’. Ruskin:<br />

“A mente divina é tão visível em sua plena energia operacional em cada plataforma<br />

inferior e na moldagem da pedra como o levantamento das colunas<br />

do céu e a fixação dos alicerces da terra; e para mente perceptiva correta<br />

manifestam-se a mesma majestade, o mesmo poder, a mesma unidade e a<br />

mesma perfeição no lançamento do barro como na disseminação das<br />

nuvens, na moldagem do pó como no acender a estrela diurna”.<br />

2. Criação contínua<br />

Este ponto de vista considera o universo de momento a momento o resultado<br />

de uma nova criação. Sustentam-no os teólogos Edwards, Hopkins e<br />

Emmons e, mais recentemente, na Alemanha, R othe.<br />

Edwards, Works, 2.486-490, cita e defende a afirmação do Dr. Taylor:<br />

“Deus é a origem de todo o ser e a causa única de todos efeitos naturais”.<br />

O próprio Edwards diz: “A m anutenção que D eus faz da substância criada ou<br />

a c au sa da existência d esta em c ad a m om ento sucessivo é o equivalente a<br />

um a produção imediata a partir do n ad a a c ad a m om ento”. Ele argum enta<br />

que a existência p a ssa d a de um a coisa não pode se r a c au sa da su a existência<br />

presente porque um a coisa não pode agir no tem po e lugar onde não está.<br />

“Isto eqüivale a dizer que D eus não pode produzir um efeito que dure por um<br />

m om ento além do exercício direto do seu poder criador. P arece que o que o<br />

hom em pode fazer D eus não pode” (A. S. C arman). Hopkins, Works, 1.161-167<br />

- A preservação “é, na realidade, a criação contínua”. Emmons, Works, 4.363-<br />

389, esp. 381 - “Porque todos os h om ens são a g en tes dependentes, todos<br />

os se u s movimentos, exercícios ou açõ e s devem ter origem em um a eficácia<br />

divina”. 2.683 - Há a p en a s um a verdadeira e satisfatória resposta à pergunta<br />

que tem agitado por séculos: ‘De onde veio o m al?’ ei-la: Veio da primeira<br />

grande C a u sa de todas as coisas. ... É consistente com a retidão moral da<br />

Divindade produzir exercícios pecam inosos ou santos nas m entes dos homens.<br />

Ele desenvolve uma influência positiva que faz os poderes morais agirem, em<br />

cada circunstância da sua conduta como lhe apraz”. Portanto, Deus cria<br />

todas as volições da alma, quando opera com sua força onipotente todas as<br />

mudanças do mundo material. Rothe defende também este ponto de vista.<br />

Na mente dele a expressão exterior é necessária para Deus. Sua máxima é:<br />

“Kein Gott, ohne Welt” - “Sem Deus não há mundo”.<br />

O elemento de verdade na criação contínua é o fato de admitir que toda<br />

força é vontade. Seu erro é sustentar que toda força é vontade divina, e esta<br />

no exercício direto. Mas a vontade humana é tanto uma força como a vontade<br />

divina e as forças da natureza não são obras primárias e imediatas de Deus,<br />

mas secundárias e automáticas. Estas notas podem capacitar-nos a avaliar o<br />

contexto de verdade nas seguintes afirmações que necessitam importante<br />

qualificação e limitação. Bowne, Phiiosophy of Theism, 202, compara o universo<br />

à nota musical que só existe na condição de ser incessantemente<br />

reproduzida. Herbert S pencer diz que “as idéias são como as cordas e cadências<br />

produzidas pelo piano, que sucessivamente desaparecem quando as<br />

609


6 1 0 Augustus Hopkins Strong<br />

outras são produzidas”. M a u d s l e y , Physiology of Mind, cita esta passagem,<br />

mas, bem pertinente, pergunta: “O que pensar do executante, no caso do<br />

piano e no caso do cérebro, respectivamente? No cérebro, onde se acha<br />

o equivalente às concepções harmônicas na mente do executante?” P r o f.<br />

F it z g e r a l d : “Toda natureza é pensamento vivo - a linguagem de Alguém em<br />

quem vivemos, nos movemos e existimos”. D r . O liv e r L o d g e , na Associação<br />

Britânica em 1891: “A barreira entre a matéria e a mente pode desaparecer<br />

como tem acontecido tantas vezes”.<br />

A isto objetamos nas seguintes bases:<br />

d) Contradiz o testemunho da consciência de que a atividade regular e executiva<br />

não é a simples repetição de uma decisão inicial, mas o exercício da<br />

vontade inteiramente diferente em gênero.<br />

L a d d , em sua Philosophy of Mind, 144, indica o erro na criação contínua<br />

da seguinte maneira: “Todo o mundo das coisas momentaneamente se<br />

extingue e é substituído por um mundo semelhante de realidades verdadeiramente<br />

novas”. As palavras do poeta seriam então literalmente verdadeiras:<br />

“Cada nova e vigorosa criação, Divina improvisação, Do coração de<br />

Deus procede”. S e t h , Hegelianism e Personality, 6 0 , diz isto a F ic h t e , “ o<br />

mundo foi perpetuamente recriado em cada espírito finito, - e a revelação à<br />

inteligência é o único sentido admissível do termo assaz abusado, criação”.<br />

A. L. M o o r e , Science and the Faith, 184,185 - “A teoria da intervenção ocasional<br />

implica, como correlata, a teoria da ausência comum. ... Para os cristãos<br />

os fatos da natureza são atos de Deus. A religião relaciona estes fatos<br />

com a autoria divina; a ciência os relaciona com partes de uma ordem visível<br />

reciprocamente. A religião não fala desta interrelação; a ciência não fala<br />

da sua relação com Deus”.<br />

A criação contínua é uma teoria errônea porque aplica às vontades humanas<br />

um princípio que é verdadeiro só com relação à natureza irracional e que<br />

só em parte é verdadeiro. Sei que eu não sou Deus em ação. A minha vontade<br />

é prova de que toda força é vontade divina. Mesmo no ponto de vista<br />

monístico, contudo, podemos falar de causas secundárias na natureza, visto<br />

que a ação regular e habituai de Deus é uma coisa secundária e subseqüente,<br />

enquanto seu ato de iniciação e organização é primária. Nem o universo,<br />

nem qualquer parte dele deve ser identificado com Deus, nem mesmo<br />

os meus pensamentos e atos devem ser identificados comigo. M a r t in e a u ,<br />

Nineteenth Century, abril, 1895.559 - “O que é a natureza senão a promessa<br />

hipotecada de Deus e causalidade habitual? E o que é o espírito senão a<br />

província de sua livre causalidade correspondendo às necessidades e afeições<br />

de seus filhos livres? ... Deus não é um arquiteto aposentado que, de<br />

quando em quando pode ser chamado para fazer reparos. A natureza não é<br />

por si mesma ativa e a atuação de Deus não é intromissão”. Wiiliam Watson,<br />

Poems, 88 - “Se a natureza for um fantasma, como tu dizes, Uma esplêndida<br />

ficção e um sonho prodigioso, Não me apressarei a alcançar o real e verdadeiro,<br />

Mais do que contentar-me com os mundos que só aparentam”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 1 1<br />

b) Exagera o poder de Deus só sacrificando a sua verdade, seu amor e sua<br />

santidade; - pois se as personalidades finitas não são o que parecem - a saber,<br />

existências objetivas - impugna-se a veracidade de Deus: se a alma humana<br />

não tem nenhuma liberdade e vida real, o amor de Deus não tem nenhuma<br />

autocomunicação com as criaturas; se a vontade de Deus é a única força no<br />

universo, não se pode mais declarar a santidade de Deus, pois deve-se considerar<br />

a vontade divina nesse caso como autora do pecado humano.<br />

Com base neste ponto de vista a identidade pessoal é inexplicável. Edwards<br />

baseia a identidade no decreto arbitrário de Deus. Portanto, Deus pode<br />

decretar, fazer a posteridade de Adão unida ao seu primeiro pai e responsável<br />

pelo seu pecado. A teoria da criação contínua de Edwards, na verdade, foi<br />

vista como uma explicação do problema da origem do pecado originai. A união<br />

dos atos e exercícios com Adão divinamente indicada foi considerada suficiente<br />

sem a união substancial ou geração natural da parte dele para explicar<br />

o fato de que nascemos corruptos e culpados. Este ponto de vista teria sido<br />

impossível se Edwards não tivesse sido um idealista praticando muito mais<br />

de atos e exercícios e muito menos de substância.<br />

É difícil explicar a origem do idealismo de Jonathan Edwards. Às vezes<br />

tem-se atribuído à leitura de Berkeley. Dr. S amuel J ohnson, mais tarde Presidente<br />

do King’s College na cidade de Nova Iorque, amigo pessoal do Bispo<br />

Berkeley e ardente seguidor do seu ensino, foi tutor no Yale College enquanto<br />

Edwards estava em Weathersfield e J ohnson permanecia em New Haven,<br />

e estava entre os desafetos de Johnson como tutor. Contudo, Edwards, em<br />

Original Sin, 479, parece fazer referência à filosofia de Berkeley quando diz:<br />

“O curso da natureza é demonstrado por recentes desenvolvimentos na filosofia,<br />

na verdade ... nada além da ordem estabelecida e operação do Autor<br />

da natureza”. O P residente McC racken, Philos. Ver., jan., 1892.26-42, sustenta<br />

que a Clavis Universalis de Arthur Collier é a fonte do idealismo de Edwards.<br />

É mais provável que seu idealismo fosse resultante de seu próprio pensamento<br />

independente, talvez ocasionado por simples sugestões a partir de<br />

Locke, Newton, C udworth e Norris, cujos escritos ele conhecia.<br />

Em que consistia este idealismo integral de Edwards pode-se depreender<br />

do Discurso de Noah Porter sobre o Bispo George Berkeley, 71 e citações no<br />

Joun. Spec. Philos., outubro 1883.401-420 - “Nada mais a não ser o fato de<br />

que tem um ser próprio além do que os espíritos e os corpos são apenas a<br />

sombra do ser. ... Vendo que o cérebro apenas existe mentalmente, reconheço<br />

que falo de modo inadequado quando digo que a alma apenas concentra<br />

no cérebro as suas operações. Pois, falando ainda mais estritamente e de<br />

modo mais abstrato, ele é apenas a conexão da alma com estas e os modos<br />

de suas próprias idéias ou os atos mentais da divindade, que vê que o cérebro<br />

existe só na idéia. ... O que, na verdade, é a substância de todos os<br />

corpos é a idéia infinitamente exata e precisa e perfeitamente estável na mente<br />

de Deus, juntamente com sua vontade estável que a mesma será gradualmente<br />

comunicada a nós e a outras mentes conforme certos métodos e leis<br />

fixos e estabelecidos; ou, em linguagem um tanto diferente, a idéia divina


6 1 2 Augustus Hopkins Strong<br />

infinitamente exata e precisa, com uma vontade responsável, perfeitamente<br />

exata, precisa e estável relativa às comunicações correspondentes às mentes<br />

criadas e os efeitos sobre tais mentes”.<br />

c) Como o deísmo tende para o ateísmo assim a doutrina da criação contínua<br />

tende para o panteísmo. - Argumentando que, porque derivamos nossa<br />

noção de força da ação da nossa vontade, portanto, toda a força deve ser vontade<br />

e a vontade divina compele a vontade humana a unir-se a esta toda abrangente<br />

vontade de Deus. A mente e a matéria de igual modo tomam-se fenômenos<br />

de uma força que têm os atributos de ambas; e com a existência distinta e<br />

personalidade da alma humana, perdemos a existência distinta e personalidade<br />

de Deus assim como a liberdade e responsabilidade do homem.<br />

Lotze tenta escapar das causas materiais e ainda defender as causas<br />

secundárias dando a entender que tais causas secundárias podem ser espíritos.<br />

Porém, mesmo podendo ver como pode existir um tipo de espírito no<br />

irracional e no vegetal, é difícil ver como o que chamamos de matéria insensata<br />

pode ter espírito. Deve ser um tipo bem peculiar de espírito - e tal caso<br />

não ajudaria o nosso raciocínio. Com base nesta teoria, o corpo de um cão<br />

necessita de ser muito mais dotado que a sua alma. J ames S eth, Philos. Re v.,<br />

jan. 1894.73 - “Este princípio de unidade é uma verdadeira cova de leões;<br />

todos os rastos apontam para a mesma direção. Ou se trata de uma árida<br />

unidade - Um anula muitos; ou é tão somente o Todo; a totalidade existencial<br />

desunificada”. Bem assinala Dorner que “preservar não é fazer a criatura<br />

existir, mas é conceder-lhe poderes e conservar a sua atividade”.<br />

IV. NOTAS SO B RE A P A R C E R IA D IVIN A<br />

d) A eficácia divina interpenetra à do homem sem destruí-la ou absorvê-la.<br />

O influxo da energia sustentadora de Deus é tal que os homens retêm suas<br />

faculdades e poderes. Deus não opera tudo, mas em todos.<br />

Preservação é, pois, o meio caminho entre os dois erros: a negação da<br />

causa primária (deísmo ou ateísmo) e a negação das causas secundárias<br />

(criação contínua ou panteísmo). 1 Co. 12.6 - “Há diversidade de operações,<br />

mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos”, cf. Ef. 1.23 - “que é o seu<br />

corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. A ação de Deus não<br />

é actio in distans, ou ação onde ele não está. Em lugar disso é ação nos<br />

agentes livres e através deles, no caso dos seres inteligentes e morais, conquanto<br />

dependa de sua própria vontade contínua no caso da natureza.<br />

Q b a ra m 4 ■& -TOtoreza Tiao é. Tseus<br />

opera através destas causas secundárias humanas, mas não as substitui.<br />

Não podemos ver a linha entre as duas - a ação das causas primárias e a das<br />

secundárias; embora ambas sejam reais cada uma é distinta da outra apesar


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 1 3<br />

de que o método da participação de Deus é inescrutável. Como a pena e a<br />

mão produzem juntas a escrita, assim a obra de Deus faz as forças naturais<br />

operarem com ele. O crescimento natural indicado nas palavras “cuja semente<br />

esteja nela” (Gn. 1.11) tem sua contrapartida no crescimento espiritual contido<br />

nas palavras “a sua semente permanece nele” (1 Jo. 3.9). Paulo se considera<br />

um agente reprodutor nas mãos de Deus: ele gerou filhos no evangelho:<br />

“eu, pelo evangelho, vos gerei” (1 Co. 4.15); o Novo Testamento fala desta<br />

ação de gerar como uma obra de Deus: “Bendito seja Deus ... que ... nos<br />

regenerou...” (1 Pe. 1.3). Recebemos a ordem de operar a nossa salvação<br />

com temor e tremor apoiados no fato de que é Deus quem opera em nós tanto<br />

o querer como o efetuar (Fp. 2.12,13).<br />

b) Apesar de que Deus preserva a mente e o corpo na obra deles, devemos<br />

lembrar sempre que Deus concorre com os atos maus de suas criaturas somente<br />

quando são atos naturais e não quando são um mal.<br />

Na santa ação Deus concede as forças naturais e através da sua palavra<br />

e Espírito influencia a alma no uso correto de tais forças. Porém na ação má<br />

Deus somente concede as forças naturais; a má direção destas forças é causada<br />

só pelo homem. Jr. 44.4 - “Ora, não façais esta coisa abominável que<br />

aborreço”; Hc. 1.13 - “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a<br />

opressão não podes contemplar; por que, pois, olhas para os que procedem<br />

aleivosamente e te calas quando o ímpio devora aquele que é mais justo do<br />

que ele?” Tg. 1.13,14 - “Ninguém, sendo tentado, diga: de Deus sou tentado;<br />

porque Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta. Mas cada<br />

um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência”.<br />

Aarão desculpou-se por ter feito um ídolo egípcio, dizendo que o fogo o tinha<br />

feito; ele pediu ouro ao povo; “eles me deram, e iancei-o no fogo, e saiu este<br />

bezerro” (Ex. 32.24). Aarão omite um importante ponto - sua atuação pessoal<br />

em tudo. Do mesmo modo lançamos na natureza e em Deus a culpa dos<br />

nossos pecados. Pyn disse de S trafford que Deus lhe dera grandes talentos<br />

de que o Diabo fizera aplicação. Porém, é mais correto dizer que é o próprio<br />

ímpio que se vale dos poderes que Deus deu. Nós somos os carros elétricos<br />

para os quais Deus fornece a energia motriz, mas nós, os condutores, é que<br />

lhe damos a direção. Nós somos órgãos; mas o vento ou sopro do órgão é de<br />

Deus; entretanto, cabe a nós dedilhar as teclas. Visto que o fabricante do<br />

órgão também está presente em cada momento como seu preservador, o<br />

vergonhoso abuso do seu instrumento e a terrível música executada são um<br />

contínuo pesar e sofrimento da sua alma. Porque é Cristo que sustenta todas<br />

as coisas pela palavra do seu poder, a preservação envolve o seu sofrimento<br />

e esta é a expiação cujo clímax e demonstração se vêem na cruz do Calvário<br />

(Hb. 1.3).


6 1 4 Augustus Hopkins Strong<br />

SE Ç Ã O III - PR O VID Ê N CIA<br />

I. D EFIN IÇÃO DE PR O VID ÊN CIA<br />

É a atuação contínua de Deus pela qual ele faz todos os eventos do universo<br />

físico e moral cumprirem o desígnio para o qual ele o criou.<br />

Como a criação explica a existência do universo e como a Preservação<br />

explica sua continuação, assim a Providência explica sua evolução e progresso.<br />

Em explicação note:<br />

d) A Providência não deve ser tomada simplesmente no sentido de prever.<br />

É prever também ou é uma atuação positiva em conexão com todos os eventos<br />

da história.<br />

b) Deve-se distinguir providência de preservação. Enquanto a preservação<br />

é a manutenção da existência e dos poderes das coisas criadas, providência é<br />

um verdadeiro cuidado e controle delas.<br />

c) Porque o plano original de Deus é todo abrangente a providência que<br />

executa o plano também o é abarcando em seu escopo coisas pequenas e grandes<br />

e exercendo cuidado sobre indivíduos assim como sobre classes.<br />

d) Com relação aos atos bons dos homens, a providência abrange todas as<br />

influências naturais da hereditariedade e do meio que preparam o homem para<br />

a operação da palavra de Deus e do Espírito e que constituem motivos para a<br />

obediência.<br />

e) Com relação aos atos maus dos homens, a providência nunca é causa<br />

eficiente do pecado, obstante, permissiva, diretiva e determinativa.<br />

f) Porque Cristo é o único revelador de Deus e o mediador de toda a atividade<br />

divina a providência deve ser considerada a obra de Cristo; ver 1 Co. 8.6<br />

- “um só Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas”; c/João 5.17 -<br />

“meu Pai trabalha até agora e eu trabalho também”.<br />

Os alemães têm em seu vocabulário a palavra Fürsehung, providência e a<br />

palavra Vorsehung, previsão, visão antecipada. A nossa palavra ‘providência’<br />

abrange ambos os sentidos destas palavras.<br />

Providência é a atenção de Deus concentrada em toda a parte. Seu cuidado<br />

é tanto microscópico como telescópico. Robert Browning, Pippa Passos, ad<br />

finem: “Todo o trabalho é o mesmo para com Deus - Para com Deus, cujas<br />

marionetes, de melhor ou pior forma, somos nós: não há último nem primeiro”.<br />

Canon Farrar: “Em um capítulo do Alcorão acha-se a história de como<br />

Gabriel, quando aguardado junto aos portais de ouro, foi enviado por Deus à<br />

terra para fazer duas coisas. Uma era impedir Salomão do pecado de esquecer<br />

a hora de orar em exultação por seus cavalos reais; a outra ajudar, na<br />

subida do Ararat, uma formiguinha amarela, que se tornara cada vez mais


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 1 5<br />

cansada no trabalho de levar alimento para o seu olheiro e que, sem o auxílio,<br />

pereceria na chuva. Para Gabriel aquela ordem parecia tão real como a outra<br />

porque a ordem partia de Deus. ‘Silenciosamente ele partiu da Presença e<br />

impediu que o rei pecasse. E ajudou a formiguinha a entrar’. 'Nada é demasiado<br />

elevado ou humilhante; demasiado fraco ou poderoso, desde que seja<br />

da vontade de Deus”’. Um pregador começou o seu sermão sobre Mt. 10.30 -<br />

“Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” - dizendo: “Porque<br />

alguns de vós, meus ouvintes, não credes que até mesmo as vossas cabeças<br />

estão contadas!”<br />

Os problemas do tratamento providencial de Deus só são inteligíveis quando<br />

consideramos que Cristo é o revelador de Deus e que o seu sofrimento<br />

pelo pecado abre-nos o coração de Deus. A história toda é a manifestação<br />

progressiva da santidade e do amor de Cristo e na cruz temos a chave que<br />

destrava o segredo do universo. Focalizando a cruz, cremos que o Amor dirige<br />

tudo e que “todas as coisas colaboram para o bem daqueles que amam a<br />

Deus” (Rm. 8.28).<br />

II. PR O VA D A DOUTRIN A D A PR O VID Ê N CIA<br />

1. Prova escriturística<br />

A) A Escritura testemunha<br />

Um governo geral providencial e controle a) sobre o universo todo;<br />

b) sobre o mundo físico; c) sobre a criação irracional; d) sobre os negócios das<br />

nações; e) sobre o nascimento e destino da vida do homem;/) sobre os sucessos<br />

exteriores e derrotas na vida dos homens; g) sobre as coisas aparentemente<br />

acidentais ou insignificantes; h) na proteção dos justos; i) no suprimento<br />

das necessidades do povo de Deus; j) nas respostas às orações; k) na exposição<br />

e punição dos ímpios.<br />

a) SI. 103.19 - “O seu reino domina sobre tudo”; Dn. 4.35 - “segundo a<br />

sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra”;<br />

Ef. 1.11 — “faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade”.<br />

b) Jó 37.5,10 - “Deus troveja. ... pelo assopro de Deus se dá a geada”;<br />

SI. 104.14 - “Faz crescer a erva para os animais”; 135.6,7 - “Tudo o que o<br />

Senhor quis, ele fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos.<br />

... vapores.... relâmpagos.... ventos”; Mt. 5 .4 5 - “faz que o seu sol se levante.<br />

... e a chuva desça”; SI. 104.16 - “Satisfazem-se as árvores do Senhor” =<br />

são plantadas e guardadas por Deus de modo tão cuidadoso como os que<br />

estão sob o cultivo humano; cf. Mt. 6.30 - “se assim o Senhor veste a erva do<br />

campo”.<br />

c) SI. 104.21,28 - “os leõezinhos bramam ... de Deus buscam o seu sustento<br />

... dando-lho tu, eles recolhem”; Mt. 6.26 - “as aves dos céus, vosso Pai<br />

celestial as alimenta”; 10.29 - “dois pardais ... nenhum deles cairá em terra<br />

sem a vontade de vosso Pai”.


6 1 6 Augustus Hopkins Strong<br />

d) Jó 12.23 - “Multiplica os povos e os faz perecer; dispersa as nações e<br />

de novo as conduz”; SI. 22.28 - “o reino é do Senhor, e ele domina entre as<br />

nações”; 66.7 - “Ele domina eternamente pelo seu poder; os seus olhos<br />

estão sobre as nações”; At. 17.26 - “de um fez toda a geração dos homens<br />

para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes<br />

ordenados e os limites da sua habitação”.<br />

e) 1 Sm. 16.1 - “enche o teu vaso de azeite e vem; enviar-te-ei a Jessé, o<br />

belemita; porque dentre os seus filhos me tenho provido de um rei”; SI. 139.16<br />

- “Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe, e no teu livro todas estas<br />

coisas foram escritas”; Is. 45.5 - “eu te cingirei, ainda que tu não me conheças”;<br />

Jr. 1.5 - “Antes que eu te formasse no ventre, eu te conheci ... eu te<br />

santifiquei... e te dei por profeta”; Gl. 1 . 1 5 , 1 6 - “aprouve a Deus, que desde o<br />

ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, revelar seu<br />

Filho em mim para que o pregas-se entre os gentios”.<br />

f) SI. 75.6,7 - “nem do Oriente, nem do Ocidente, nem do deserto vem a<br />

exaltação. Mas Deus é o juiz; a um abate e a outro exalta”; Lc. 1.52 - “depôs<br />

dos tronos os poderosos e elevou os humildes”.<br />

g) Pv. 16.33 - “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a<br />

sua disposição”; Mt. 10.30 - “até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão<br />

todos contados”.<br />

h) SI. 4.8 - “Em paz também me deitarei e dormirei, porque só tu, Senhor,<br />

me fazes habitar em segurança”; 5.12 - “circundá-lo-ás da tua benevolência<br />

como de escudo”; 63.8 - “a tua destra me sustenta”; 121.3 - “aquele que te<br />

guarda não tosquenejará”; Rm. 8.28 - “todas as coisas contribuem juntamente<br />

para o bem dos que amam a Deus”.<br />

/) Gn. 22.8,14 - “Deus proverá para si o cordeiro ... Yahweh jiré (o Senhor<br />

proverá)”; Dt. 8.3 - “o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da<br />

boca do Senhor viverá o homem”; Fp. 4.19 - “O meu Deus suprirá todas as<br />

vossas necessidades”.<br />

j) SI. 68.10 - “tu, ó Deus, proveste o pobre da tua bondade”; Is. 64.4 -<br />

“nem com os olhos se viu um Deus além de ti, que trabalhe para aquele que<br />

nele espera”; Mt. 6.8 - “vosso Pai sabe o que vos é necessário antes de vós<br />

lho pedirdes”; 32.,33 - “todas essas coisas vos serão acrescentadas”.<br />

k) SI. 7.12,13 - “Se o homem se não converter, Deus afiará a sua espada;<br />

já tem armado o seu arco e está aparelhado; e já preparou para ele armas<br />

mortais; e porá em ação as suas setas inflamadas”; 11.6 - “Sobre os ímpios<br />

fará chover laços, fogo, enxofre e vento tempestuoso; eis a porção do seu<br />

copo”.<br />

Recentes estudos de fisiografia confirmam notavelmente as afirmações<br />

da Escritura a respeito da providência de Deus. Nos estágios antigos do seu<br />

desenvolvimento o homem vivia quase totalmente sujeito à natureza, e o<br />

ambiente era o fator determinante no seu progresso. Aqui está o elemento de<br />

verdade no ponto de vista de B uckle. Mas ele ignorava o fato de que, à medida<br />

que a civilização avançava, as idéias, pelo menos esporadicamente, exerciam<br />

um papel de maior destaque no ambiente. O Desfiladeiro das Termópilas<br />

não pode ser explicado pelo clima. Em estágios mais tardios do desenvolvimento<br />

humano, a natureza, em grande parte está sujeita ao homem e<br />

o ambiente conta relativamente pouco. “Não haverá Alpes”! diz Napoleão.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 1 7<br />

C harles K ingsley: “O espírito da tragédia antiga era o homem vencido pelas<br />

circunstâncias”. Contudo, muitas caraterísticas nacionais podem ser atribuídas<br />

a circunstâncias físicas e, quando é este o caso, elas se devem à providência<br />

de Deus. A necessidade que o homem tem de água fresca o leva aos<br />

rios; daí a localização original de Londres. O comércio requer portos marítimos;<br />

daí a localização de Nova Iorque. A necessidade de defesa leva o<br />

homem aos abrigos e às montanhas; daí a localização de Jerusalém, Atenas,<br />

Roma, Edimburgo. Estes lugares de defesa tornaram-se também lugares de<br />

adoração e de apelo para Deus.<br />

G oldwin S mith, em suas Lectures and Essays, sustenta que as caraterísticas<br />

nacionais não são congênitas, mas resultam do ambiente. A grandeza de<br />

Roma e a da Inglaterra deveram-se à sua posição. Os romanos deveram o<br />

seu sucesso ao fato de serem, a princípio, menos afeitos à guerra do que os<br />

seus vizinhos. Eles eram comerciantes no centro da costa marítima e tiveram<br />

de depender da disciplina para enfrentar os saqueadores nas montanhas que<br />

os cercavam. Só quando se lançaram à conquista de outras terras a ascendência<br />

no espírito militar tornou-se completa e, a partir de então, o espírito<br />

militar trouxe o despotismo como a sua pena natural. Em contato com as<br />

variadas raças, Roma foi induzida à fundação de colônias. Adotou e assimilou<br />

as nações conquistadas e, governando-as, aprendeu a organização e a<br />

lei. A regra era parcere subjetis, como também debellare superbos. Semelhantemente<br />

G oldwin S mith sustenta que a grandeza da Inglaterra deveu-se à<br />

sua localização. Por ser uma ilha, somente sendo uma raça ousada e empreendedora<br />

poderia estabelecer-se. A migração marítima reforçou a liberdade.<br />

A localização insular livrou-a da invasão. Contudo, o isolamento tornou-a<br />

arrogante e confiante em si mesma. Tornou-se um natural centro de comércio.<br />

Há uma firmeza no progresso político que teria sido impossível no continente.<br />

Contudo, a sua consolidação foi tardia, porque a Grã Bretanha compreende<br />

diversas ilhas. A Escócia era a mais liberal; a Irlanda estava fadada<br />

à sujeição.<br />

Isaac Taylor, Spirít of Hebrew Poetry, tem um valioso capítulo sobre a<br />

Palestina com o o teatro providencial da revelação divina. P eq u en a terra, m as<br />

um exem plo para todas terras e um a estrad a que liga a s m aiores da antigüidade,<br />

ela foi preparada por D eus para receber e com unicar a su a verdade.<br />

A Geografia Histórica da Terra S an ta de G eorge Adam S mith é um repertório<br />

de informações sobre o assunto. S tanley, Life and Letters, 1.270-271, trata da<br />

paisagem e da história da Grécia. S haler, Interpretation of Nature, vê tal diferença<br />

entre a curiosidade grega e a investigação d as cau sas, por um lado e,<br />

por outro a indiferença dos rom anos para com a explicação científica dos<br />

fatos, que não pode p en sar nos rom anos e nos gregos com o povos cognatos.<br />

Ele crê que a Itália foi, a princípio povoada pelos etruscos, raça sem ítica da<br />

África, e que os rom anos descendiam deles. O s rom anos tinham tão pouco<br />

do espírito naturalista com o os hebreus. O s judeus e os rom anos originaram<br />

e propagaram o cristianismo, m as não tinham nenhum interesse em ciências.<br />

Sobre a preparação do arranjo de Deus no que tange às condições físicas<br />

da vida nacional, podem ser encontradas marcantes sugestões em S haler,<br />

Nature and Man in America. Um exemplo da colonização da Baía de Massa-<br />

chusetts entre 1689 e 1639, única década em que podiam ser encontrados


6 1 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

homens como J ohn W inthrop e a única em que eles verdadeiramente emigraram<br />

da Inglaterra. Depois de 1639 muita coisa tinha de ser feita na terra e,<br />

com Carlos II, o espírito que animou os peregrinos já não mais existia na<br />

Inglaterra. Os colonizadores edificaram o melhor que puderam, pois, apesar<br />

de que eles buscavam um lugar para adorar a Deus, não tinham a mínima<br />

idéia de transmitir esta mesma liberdade religiosa a outros. R. E. T hompson,<br />

The Hand of Godin American, sustenta que a República Americana por muito<br />

tempo ter-se-ia despedaçado por causa do seu peso e dimensão se a invenção<br />

do navio a vapor em 1807, da locomotiva em 1829, do telégrafo em 1837,<br />

do telefone em 1877, não delimitassem as partes remotas do país. Uma<br />

mulher inventou a colheitadeira, combinando a ação de um conjunto de<br />

tesouras de corte. Isto aconteceu em 1835. Só em 1855 é que a competição<br />

da fazenda do Imperador em Compeiègne deu supremacia à colheitadeira.<br />

Sem ela a agricultura teria sido impossível durante a nossa guerra civil, quando<br />

os nossos homens estavam no campo e as mulheres e os meninos tinham<br />

que ajuntar a safra.<br />

B) Um governo e controle extensivo às ações livres dos homens - d) aos<br />

atos livres dos hom ens em geral; b) aos atos pecam inosos dos homens tam ­<br />

bém.<br />

a) Ex. 12.36 - “O Senhor deu graça ao seu povo em os olhos dos egípcios,<br />

e estes emprestavam-lhes, e eles despojavam os egípcios”; “o Senhor me<br />

tinha posto em tuas mãos (Saul a Davi); SI. 33.14,15 - “da sua morada contempla<br />

todos os moradores da terra. Ele é que forma o coração de todos eles”<br />

(/'.e., de igual modo tanto um como o outro); Pv. 16.1 - “Do homem são as<br />

preparações do coração, mas do Senhor, a resposta da boca”; 19.21 - “Muitos<br />

propósitos há no coração do homem, mas o conselho do Senhor permanecerá”;<br />

20.24 - “Os passos do homem são dirigidos pelo Senhor; o homem,<br />

pois, como entenderá o seu caminho?” 21.1 - “Como ribeiros de águas,<br />

assim é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo quanto quer o inclina” (/'.e.,<br />

tão facilmente como os riachos dos campos do oriente, voltam-se ao mínimo<br />

movimento da mão ou do pé do agricultor); Jr. 10.23 - “Eu sei, ó Senhor, que<br />

não é do homem o seu caminho, nem do homem que caminha, o dirigir os<br />

seus passos”; Fp. 2.13 - “é Deus quem opera em vós tanto o querer como o<br />

efetuar, segundo a sua boa vontade”; Ef. 2.10 - “somos feitura sua, criados<br />

em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos<br />

nelas”; Tg. 4.13-15 - “Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto<br />

ou aquilo”.<br />

b) 2 Sm. 16.10 - “se o Senhor lhe (a Simei) disse: Amaldiçoa a Davi”; 24.1<br />

- “a ira do Senhor se tornou a acender contra Israel, e ele incitou a Davi<br />

contra eles, dizendo: Vai numera a Israel e a Judá”; Rm. 11.32 - “Deus encerrou<br />

a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia”;<br />

2 Ts. 2.11,12 - “Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a<br />

mentira, para que sejam julgados todos os que não creram a verdade; antes<br />

tiveram prazer na iniqüidade”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 61 9<br />

H enry W ard B eecher: “Parece não haver nenhuma ordem nos movimentos<br />

das abelhas do enxame, mas o favo mostra que há um plano entre todas<br />

elas”. J ohn H unter comparava o seu próprio cérebro com um enxame em que<br />

há um grande zumbido e aparente desordem embora sob tudo isto instala-se<br />

uma perfeita ordem. “Quando as abelhas reúnem blocos de doces em tempo<br />

de necessidade, mas são colonizadas pela superior inteligência do homem<br />

para atender os seus próprios propósitos do mesmo modo os homens planejam<br />

e trabalham dirigidos pela sabedoria infinita para a sua glória”. D r. D eems:<br />

Grande é o mundo no tempo e nas vagas, é Deus quem o guia; não se apressa.<br />

Feliz é o homem que faz o melhor que pode e não se preocupa com<br />

o resto”.<br />

A Escritura descreve a providência de Deus com relação aos atos maus dos<br />

homens em quatro tipos:<br />

a) Obstante, - Deus, pela sua providência, obsta o pecado que se cometeria.<br />

Deve-se considerar o fato de obstar o pecado com o m atéria não de obrigação,<br />

mas de graça.<br />

Gn. 20.6 Sobre Abimeleque: “eu te tenho impedido de pecar contra mim”;<br />

31.24 - “Veio, porém, Deus a Labão, o aramameu, em sonhos, de noite, e<br />

disse-lhe: Guarda-te, que não fales a Jacó nem bem nem mal”; SI. 19.13 —<br />

“Também da soberba guarda o teu servo, para que não se assenhoreie de<br />

mim”; Os 2.6 - “Eis que cercarei o teu caminho com espinhos; e levantarei<br />

uma parede de sebe para que ela não ache as suas veredas” - aqui os “espinhos”<br />

e a “parede” podem representar os impedimentos e sofrimentos pelos<br />

quais Deus misericordiosamente reprime a fatal perseguição do pecado. Pais,<br />

governo, igreja, tradições, costumes, leis, idade, doença, morte são influências<br />

impeditivas. Às vezes o homem se acha à beira do precipício do pecado<br />

e uma forte tentação o impulsiona para o salto fatal. De repente todos nervos<br />

se relaxam, todo o desejo do mal se vai e ele recua do precipício no qual<br />

estava em vias de lançar-se. Deus interferiu através da voz da consciência e<br />

do Espírito. Isto também faz parte da sua providência impeditiva. Aos sessenta<br />

anos, é oito vezes menos provável que o homem cometa crimes do que<br />

com vinte e cinco. A paixão acalmou; o medo da punição aumentou. Quando<br />

perguntaram ao gerente de uma grande loja de departamentos o que podia<br />

impedir de absorver todo o negócio da cidade, respondeu: “A morte!” Sem<br />

dúvida a morte limita as agregações da propriedade, e assim constitui um<br />

recurso empregado por Deus para o exercício da providência impeditiva.<br />

Na vida de J ohn G. Paton, a chuva mandada por Deus impediu que os nativos<br />

o assassinassem e lhe saqueassem os bens.<br />

b) Permissivo, - Deus permite que os homens acalentem o pecado e manifestem<br />

as disposições más dos seus corações. A providência permissiva de<br />

Deus é sim plesmente o ato negativo de conter os obstáculos no caminho do<br />

pecador, ao invés de obstar seu pecado através do exercício do poder divino.


6 2 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Não im plica nenhum a ignorância, passividade, ou indulgência, mas consiste<br />

em detestar o pecado e determ inar sua punição.<br />

2 Cr. 32.31 - “Deus o desamparou [Ezequias], para tentá-lo, para saber<br />

tudo o que havia no seu coração”; cf. Dt. 8.2 - “para te humilhar, para te<br />

tentar, para saber o que estava no teu coração”; SI. 17.13,14 - “livra a minha<br />

alma do ímpio, pela tua espada; dos homens com atua mão, Senhor”; 81.12,13<br />

“pelo que eu o entreguei aos desejos do seu coração, e andaram segundo os<br />

seus próprios conselhos. Ah! Se o meu povo me tivesse ouvido! Se Israel<br />

andasse nos meus caminhos!”; Is. 53.4,10 - “Verdadeiramente, ele tomou<br />

sobre si as nossas enfermidades ... Todavia agradou ao Senhor moê-lo”;<br />

Os. 4.17 - “Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o”; At. 14.16 - “o qual, nos<br />

tempos passados, deixou andar todos os povos em seus próprios caminhos”;<br />

Rm. 1.24,28 - “Deus os entregou às concupiscências do seu coração, à imun-<br />

dícia ... Deus os entregou a um sentimento perverso para fazerem coisas que<br />

não convêm”; 3.25 - “para mostrar a sua justiça, pela remissão dos pecados<br />

dantes cometidos, sob a paciência de Deus”; Para o tópico da providência<br />

permissiva pode-se fazer referência a 1 Sm. 18.10 - “o mau espírito da parte<br />

de Deus se apoderou de Saul”. Como os escritores hebreus viam nas causas<br />

secundárias a operação da grande primeira Causa e diziam: “O Deus da glória<br />

troveja” (SI. 29.3), assim, porque mesmo os atos dos ímpios entram<br />

no plano de Deus, os escritores hebreus às vezes representavam Deus<br />

como fazendo o que simplesmente permite que os espíritos finitos façam.<br />

Em 2 Sm. 24.1 Deus demove Davi de numerar Israel, mas em 1 Cr. 21.1 a<br />

mesma coisa se refere a Satanás. Contudo, a providência de Deus nestes<br />

casos pode ser tanto diretiva como permissiva.<br />

T ennyson, The Higher Pantheisnr. “Deus é lei, diz o sábio; e regozijemo-<br />

nos, ó alma, porque ele troveja pela lei; o trovão ainda é a sua voz”. F isher,<br />

Natures and Method of Revelation, 56 - “A clara separação da eficácia de<br />

Deus vinda do seu ato permissivo reservava-se para um dia posterior. Toda a<br />

ênfase estava no Velho Testamento depositada no soberano poder de Deus”.<br />

Coleridge em suas Confissões de um Espírito Inquiridor, carta II, fala sobre “o<br />

hábito, universal entre os doutores hebreus, de referirem todas as coisas<br />

excelentes ou extraordinárias à grande primeira Causa sem mencionar as<br />

causas próximas e instrumentais - marcante ilustração do que se pode<br />

encontrar comparando as narrativas dos mesmos eventos nos Salmos e nos<br />

livros históricos. ... A distinção entre o providencial e o miraculoso não entraram<br />

em suas formas de pensamento - de qualquer modo, em sua forma de<br />

expressar seus pensamentos”. A mulher que tinha sido caluniada rebelou-se<br />

quando se disse que Deus o tinha permitido para o seu bem; ela sustentava<br />

que Satanás tinha inspirado seu acusador; ela precisava aprender que Deus<br />

tinha permitido a obra de Satanás.<br />

c) D ire tiv o , - Deus dirige os atos maus para fins que, os que os cometem,<br />

não prevêem e nem pretendem. Quando o mal está no coração e na vontade,<br />

Deus ordena seu fluxo em um a direção e não em outra de modo que seu curso


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 2 1<br />

pode ser m elhor controlado e não resulte em prejuízo. A isso às vezes dá-se o<br />

nome de providência dominante.<br />

Gn. 50.20 - “Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou<br />

em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida um povo<br />

grande”; SI. 76.10 - “Porque a cólera do homem redundará em teu louvor, e o<br />

restante da cólera, tu o restringirás”; = pôr como ornamento - veste-te a ti<br />

mesmo para a tua própria glória; Is. 10.5 - “Ai da Assíria, a vara da minha ira!<br />

Porque a minha indignação é como o bordão nas suas mãos”; Jo. 13.27 -<br />

“O que fazes faze-o depressa”; = faze de um modo particular o que, na verdade<br />

está sendo feito (W estcott, Bib. Com. in loco)', At. 4.27,28 - “contra o teu<br />

santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio<br />

Pilatos com os gentios e os povos de Israel para fazerem tudo o que a tua<br />

mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de<br />

fazer”.<br />

Sobre este tópico da providência diretiva convém fazer referência às passagens<br />

a respeito de Faraó em Ex. 4.21 - “endurecerei o seu coração para<br />

que não deixe ir o povo”; 8.15 - “agravou o seu coração” - i.e. o próprio Faraó<br />

endureceu o seu coração. Aqui a atuação controladora de Deus não interferiu<br />

na liberdade de Faraó ou coagiu-o a pecar; mas, no julgamento da sua crueldade<br />

e impiedade anteriormente existentes, Deus retirou as suas restrições<br />

externas que estavam com aquele pecador nos seus limites e o pôs em circunstâncias<br />

que o teriam influenciado a agir corretamente num pensamento<br />

direcionado para o bem, mas que Deus previu conduziria a uma disposição<br />

como a de Faraó para uma maldição peculiar à impiedade que, na verdade<br />

ele estava perseguindo.<br />

Então, Deus endureceu o coração de Faraó, em primeiro lugar, permitindo<br />

que ele endurecesse o seu próprio coração; Deus é o autor do pecado de<br />

Faraó só no sentido de que ele é o autor de um ser livre que é o responsável<br />

direto pelo seu pecado; em segundo lugar, dando-lhe meios de esclarecimento,<br />

as próprias oportunidades são pervertidas por ele em ocasiões de mais<br />

virulenta iniqüidade e a resistência ao bem torna o resultado um mal maior;<br />

em terceiro lugar, abandonado judicialmente, Faraó, quando se torna manifesto<br />

que ele não faria a vontade de Deus tornando assim moralmente certo,<br />

embora não necessário, que ele fizesse o mal; e em quarto lugar, dirigindo as<br />

circunstâncias de Faraó para que o pecado dele se manifestasse mais de<br />

uma forma do que de outra. O pecado é como a lava de um vulcão, que, sem<br />

dúvida, efluirá, mas cujo curso Deus dirige montanha abaixo de sorte a causar<br />

o menor dano. A gravitação para baixo se deve à vontade má do homem;<br />

a direção para este lado ou para aquele deve-se à providência de Deus.<br />

Ver Rm. 9.17,18 - “Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu<br />

poder e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois,<br />

compadece-se de quem quer e endurece a quem quer”. Portanto, as próprias<br />

paixões que estimulam o homem a rebelar-se contra Deus são completamente<br />

subservientes aos seus propósitos.<br />

Deus endurece o coração de Faraó só depois de infligidas as primeiras<br />

pragas. Faraó já tinha endurecido o seu próprio coração. Deus não endurece


6 2 2 Augustus H opkins Strong<br />

o coração do homem que não o tinha endurecido antes. C rane, Religion of<br />

To-morrow, 140 - “Nunca se diz que Deus endureceu o coração de um<br />

homem bom, ou de alguém que anda em retidão. Deus sempre aqueles que<br />

se inclinam para o mal. Faraó endurece o seu coração antes de Deus endurecê-lo.<br />

A natureza dos seres humanos deve endurecer quando resiste às influências<br />

amenizadoras”. O Vigia, 5 de dezembro de 1901.11 - “Deus decretou<br />

a Faraó o que Faraó escolhera por si mesmo. A persistência na inclinação em<br />

certas direções e volições desperta dentro do corpo e da alma forças que não<br />

estão sob o controle da vontade e que induzem o homem ao caminho que ele<br />

escolheu. Com o passar do tempo a natureza endurece o coração do homem<br />

para fazer o mal”.<br />

d) Determinativo, - Deus determ ina os limites alcançados pelas más paixões<br />

de suas criaturas e a m edida dos seus efeitos. Porque o mal moral é um<br />

germe capaz de indefinida expansão a determ inação de Deus sobre a medida<br />

de seu desenvolvimento não altera seu caráter ou envolve cumplicidade de<br />

Deus na vontade pervertida que o embalou.<br />

Jó 1.12 - “E o Senhor disse a Satanás: eis que tudo quanto tem está na<br />

tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão”; SI. 124.2 - “Se não<br />

fora o Senhor, que esteve ao nosso lado, quando os homens se levantaram<br />

contra nós, eles, então, nos teriam engolido vivos”; 1 Co. 10.13 - “não vos<br />

deixará tentar acima do que podeis; antes, com a tentação dará também o<br />

escape para que a possais suportar”; 2 Ts. 2.7 - “Porque o mistério da injustiça<br />

opera; somente há um que, agora, resiste até que do meio seja tirado”;<br />

Ap. 20.2,3 - “Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás,<br />

e amarrou-o por mil anos”.<br />

P epper, Outlines of Syst. Theol., 76 - A união da vontade de Deus com a<br />

do homem é “tal que, enquanto em um ponto de vista tudo pode ser atribuído<br />

a Deus, em outro tudo pode ser atribuído à criatura. Mas, como Deus e a<br />

criatura unem-se em operação, sem dúvida conhece-se e é cognoscível só<br />

por Deus. Fornece-se uma obscura analogia na união da alma com o corpo<br />

no homem. A mão retém suas próprias leis físicas, contudo obedece à vontade<br />

humana. Esta teoria reconhece a veracidade em seu testemunho da liberdade<br />

pessoal e ainda a plenitude do controle de Deus tanto sobre o mal como<br />

sobre o bem. Os seres livres são governados, mas como livres em sua liberdade.<br />

A liberdade não é sacrificada em benefício do controle. Os dois coexistem,<br />

cada um em sua integridade. Qualquer doutrina que não permite isto<br />

falseia a Escritura e destrói a religião”.<br />

2. P rova racional<br />

A) Argumentos a priori dos atributos divinos, d) Da im utabilidade de Deus.<br />

Este certifica que Deus executará seu eterno plano do universo e a história<br />

deste. M as a execução deste plano não envolve só a criação e a preservação,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

mas tam bém a providência, b) Da benevolência de Deus. Isto torna certo que<br />

ele cuidará do universo inteligente que ele criou. O que valeu a pena criar<br />

tam bém vale a pena cuidar. E este cuidar é a providência, c) D a justiça de<br />

Deus. Como fonte da lei moral, Deus deve assegurar a vindicação da lei administrando<br />

justiça no universo e punindo os rebeldes. E esta administração da<br />

justiça é providência.<br />

Sobre a s idéias da providência, ver C ícero, De Natura Deorum, 11.30,<br />

onde Balbus fala da existência dos d e u se s com o “quo co ncesso, confitendum<br />

est eorum consilio m undum administrari”. E picteto, sec. 41-0 principal e<br />

m ais importante dever na religião é ter a m ente com noções justas e convenien<br />

tes dos d e u se s - crer que há tão su p rem o s se re s e que eles governam e<br />

dispõem de todos os negócios do m undo com um a providência justa e boa”.<br />

Marco Antonino: “S e não há d e u ses, ou s e eles não se preocupam com os<br />

negócios hum anos, por que eu desejaria viver num m undo sem d e u se s e sem<br />

providência? M as não há dúvida de que há d e u se s e que eles se preocupam<br />

com os negócios hum anos”. Ver Biblia Sacra, 16.374. Contudo, com o veremos,<br />

muitos dos escritores p ag ão s criam num a providência geral ao invés de<br />

num a particular.<br />

(426) Sobre o argumento da providência derivado da benevolência de Deus,<br />

ver Appleton, Works. 146 - “É a indolência mais consistente com a majestade<br />

de Deus do que deve ser a ação? A felicidade das criaturas é um bem. Será<br />

que honra a Deus dizer que ele é indiferente àquilo que ele sabe que é bom e<br />

valioso? Ainda que o mundo tivesse vindo a existir sem a sua atuação, seria<br />

próprio do caráter moral de Deus dar alguma atenção a criaturas tão numerosas<br />

e tão suscetíveis ao prazer e à dor especialmente quando ele exercesse<br />

tão grande e favorável influência sobre as suas condições morais”. Jo. 5.17 -<br />

“Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” - aplica-se tanto à providência<br />

como à preservação.<br />

A complexidade da ordem providencial de Deus pode ser ilustrada pela<br />

explicação de Tyndall sobre o fato de que a tranqüilidade emocional não se<br />

desenvolve na periferia das aldeias inglesas.: 1. Nas aldeias inglesas os cães<br />

correm soltos. 2. Em lugares onde os cães correm soltos, os gatos devem<br />

ficar em casa. 3. Nos lugares onde os gatos ficam em casa, há abundância de<br />

ratos nos campos. 4. Nos lugares onde há abundância de ratos no campo,<br />

destroem-se os ninhos de mamangava. 5. Nos lugares onde se destroem os<br />

ninhos de mamangava, não há fertilização do pólen. Por isso, nos lugares<br />

onde os cães vivem soltos, não se desenvolve a tranqüilidade emocional.<br />

B) Argumentos a posteriori a partir dos fatos da natureza e da história.<br />

a) O destino exterior dos indivíduos e nações não está inteiram ente nas mãos<br />

deles, mas em muitos respeitos reconhecidam ente está ao dispor de um a força<br />

superior, b) A observada ordem moral do mundo, apesar de imperfeita, não<br />

pode ser com preendida sem o reconhecim ento de um a providência divina.<br />

Retira-se o estímulo ao vício e recom pensa-se a virtude além da força da<br />

6 2 3


6 2 4 Augustus Hopkins Strong<br />

simples natureza. Deve haver um a m ente e um a vontade governante que outras<br />

não são senão as de Deus.<br />

O berço dos indivíduos e das nações, as forças naturais de que eles são<br />

dotados, as oportunidades e imunidade que eles gozam, estão além do seu<br />

próprio controle. O destino do homem no tempo e na eternidade pode ser<br />

praticamente decidido pelo nascimento num lar cristão, ao invés de num apartamento<br />

em Cinco Pontas, ou num craal dos hotentotes. O progresso depende<br />

grandemente da “variedade do ambiente (H. S pencer). Mas esta variedade<br />

ambiental independe em grande parte dos nossos esforços.<br />

“Há uma divindade que molda os nossos fins, a dureza os talha como queremos”.<br />

Aqui S hakespeare expõe a consciência humana. “O homem propõe e<br />

Deus dispõe”, tornou-se um provérbio. A experiência ensina que o sucesso e<br />

a derrota não se devem totalmente a nós. Freqüentemente o homem trabalha<br />

e perde; consulta e nada produz; peleja e se quebra”. Nem sempre a providência<br />

está do lado dos mais pesados batalhões. Não são as armas que<br />

decidem o destino do mundo, mas as idéias - como Xerxes encontrou as<br />

Termópilas, e Napoleão Waterloo. Os grandes movimentos via de regra<br />

começam sem ter consciência da sua grandeza. Cf. Is. 42.16 - “guiarei os<br />

cegos por um caminho que nunca conheceram”; 1 Co. 5.37,38 - “semeias o<br />

simples grão ... mas Deus dá-lhe o corpo como quer”.<br />

A obra retorna ao operador, e o caráter molda o destino. Isto é verdade ao<br />

longo da corrida. A eternidade há de mostrar o quanto é veraz essa máxima.<br />

Mas neste tempo numerosas exceções são suficientes para permitir que se<br />

torne possível a prova moral. Se o castigo sempre se seguisse ao mal, a<br />

justiça teria uma força compulsiva sobre a vontade e seria impossível a mais<br />

elevada virtude. Os amigos de Jó o acusaram de agir com base neste princípio.<br />

Os fiihos hebreus negam esta verdade quando dizem: “E, se não”, - mesmo<br />

que Deus não nos livre - “não serviremos a teus deuses, nem adoraremos<br />

a estátua de ouro, que levantas-te” (Dn. 3.18).<br />

M artineau, Seath of Authority, 298 - “Através de alguma falsa direção ou<br />

fraqueza, grande parte dos maiores agentes da história deixaram de alcançar<br />

o seu próprio ideal, embora tenham executado maiores e mais benéficas<br />

revoluções; as conquistas de Alexandre, do Império Romano, das Cruzadas,<br />

das perseguições eclesiásticas, do ascetismo monástico, do zelo missionário<br />

do cristianismo, têm desempenhado um papel momentoso no drama do mundo,<br />

embora seja uma parte surpreendente a cada um deles. Tudo isto mostra<br />

a presença controladora de uma Razão e de uma Vontade transcendental e<br />

divina”. K idd, Social Evolution, 99, declara que o progresso da raça ocorreu<br />

apenas sob condições que não tiveram a sanção da razão de grande parte<br />

dos indivíduos que se lhes submeteram. Ele conclui que uma religião racional<br />

é cientificamente impossível e que a função da religião é prover a sanção<br />

grandemente racional do progresso social. Preferimos dizer que a providência<br />

propulsiona a raça mesmo contra a sua vontade.<br />

James R ussel L owell, Letters, 2.51, sugere que o calmo controle que Deus<br />

exerce sobre as forças do universo tanto físicas como mentais devem garantir-nos<br />

confiança em tempos quando o mal parece iminente: “Quantas vezes


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 25<br />

tenho visto as máquinas a fogo da igreja e do estado retinindo e movendo-se<br />

para sair - falso alarme! E quando os céus carregam-se de nuvens, que brilho<br />

podem lançar as palhoças em fogo!”<br />

III. TEORIAS OPOSTAS À DOUTRINA DA PROVIDÊNCIA<br />

1. Fatalism o<br />

Sustenta a certeza, mas nega a liberdade de autodeterm inação humana,<br />

substituindo a providência pelo destino.<br />

A este ponto de vista objetamos que a) contradiz o consciente que testifica<br />

que somos livres; b) exalta o poder divino com prejuízo da verdade, da sabedoria,<br />

da santidade, do am or de Deus; c) destrói toda a evidência da personalidade<br />

e liberdade de Deus; d) faz praticam ente da necessidade o único Deus e<br />

deixa os imperativos da nossa natureza moral sem validade presente ou vindi-<br />

cação futura.<br />

Freqüentemente têm-se chamado os maometanos de fatalistas, e o efeito<br />

prático dos ensinos do Corão sobre as massas contribuem para isso. O mao-<br />

metano comum não tem médico ou remédio porque tudo acontece como Deus<br />

já havia predito. Contudo, S mith, em Maomé e o maometanismo (ing.), nega<br />

que o fatalismo seja essencial ao sistema. Islão = “submissão”, e o particípio<br />

Muçuln = submetido, submisso”, /'.e., a Deus. Provérbio turco: “Não se pode<br />

escapar ao que está previamente escrito”. O maometano pensa que o atributo<br />

dominante de Deus é a grandeza ao invés de ser a justiça, a força ao invés<br />

de ser a pureza. Deus não é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, mas<br />

a personificação da vontade arbitrária. Porém há no sistema uma ausência<br />

do sacerdotalismo, um zelo pela honra de Deus, uma fraternidade dos fiéis,<br />

uma reverência por aquilo que é considerado a palavra de Deus e uma audaciosa<br />

e habitual devoção dos seus seguidores à sua fé.<br />

Stanley, Life and Letters, 1.489, refere-se à tradição muçulmana que há<br />

no Egito como o destino do Islão que requer ao menos deve ser superado<br />

pelo cristianismo. F. W. S anders “nega que o Corão seja peculiarmente sensual.<br />

As religiões cristã e judaica”, diz ele, “também têm seu paraíso. O Corão<br />

faz isto a sua recompensa, mas não o ideal de conduta; ‘A graça do teu<br />

Senhor - é a grandiosa bênção’. A ênfase do Corão está na vida correta.<br />

O Corão não ensina a propagação da religião pela força. Ele declara que não<br />

deve haver coação em assuntos religiosos. A prática de converter através da<br />

espada distingue-se do ensino de Maomé, como a Inquisição e o tráfico de<br />

escravos do cristianismo não provam que Jesus os ensinava. O Corão não<br />

instituiu a poligamia. Ele encontrou uma ilimitada poligamia, o divórcio e o<br />

infanticídio. Este último é proibido; os dois primeiros restringem-se e são amenizados,<br />

como também Moisés encontrou a poligamia, mas permitiu-a com<br />

restrições. O Corão não é hostil ao ensino secular. O ensino floresceu sob os<br />

califados de Bagdá e Espanha. Quando os maometanos opõem-se ao ensino,


626 Augustus H opkins Strong<br />

fazem-no sem a autoridade do Corão. A Igreja Católica Romana se opôs às<br />

escolas, mas não atribuímos isto ao evangelho”.<br />

Os calvinistas defendem a liberdade, visto que a vontade do homem acha<br />

a mais elevada liberdade só na submissão a Deus. O islão também cultiva a<br />

submissão não do amor, mas do temor. A diferença essencial entre o maome-<br />

tismo e o cristianismo encontra-se na revelação que este dá do amor de Deus<br />

em Cristo - revelação que assegura dos livres agentes de submissão do amor.<br />

2. Casualism o<br />

Transfere a liberdade da m ente para a natureza como o fatalismo transfere<br />

a fixidez da natureza para a mente. Assim troca a providência pelo acaso.<br />

Sobre este ponto de vista assinalamos:<br />

a) Se o acaso for o único nom e para a ignorância humana, para o fato de<br />

que há ocorrências triviais na vida que não têm nenhum sentido ou relação<br />

conosco, - podemos reconhecer isto e ainda sustentar que a providência põe<br />

em ordem cada assim chamado acaso para propósitos que estão além do nosso<br />

conhecim ento. O acaso, neste sentido, é coincidência providencial que não<br />

podem os entender e com a qual não precisam os nos preocupar.<br />

Nem todas oportunidades são de igual importância. O encontro casual de<br />

um estranho na rua não precisa trazer a providência de Deus diante de mim,<br />

embora eu saiba que Deus a ponha em ordem. Contudo, eu posso conceber<br />

tal encontro como oportunidade de entabular uma conversa religiosa e uma<br />

conversa com o estranho. Quando estamos preparados para isso, vemos<br />

muitas oportunidades que agora não têm sentido para nós do mesmo modo<br />

que o ouro no leito do rio para os índios da Califórnia. Eu seria ingrato se<br />

fugisse de um instantâneo relâmpago, e não agradecesse a Deus; contudo, a<br />

palavra do Dr. Arnold de que cada menino na fase escolar deve pôr o chapéu<br />

para a glória de Deus e com elevado propósito moral, parece mórbido. Há um<br />

lugar certo para o emprego de arbitrariedades. Não devemos nos afligir nem<br />

à igreja de Deus exigindo minúcias farisaicas. A vida é muito breve para<br />

debatermos questões sobre qual sapato devemos calçar primeiro. “Ame a<br />

Deus e faça o que ele quer que façamos”, diz A gostinho; isto é, ame a Deus e<br />

age com base nesse amor de um modo simples e natural. Ser livre no trabalho<br />

que você presta, embora você sempre deve estar vigilante sobre as indicações<br />

da vontade de Deus”.<br />

b) Se o acaso for tomado no sentido de total ausência de todas conexões<br />

causais nos fenômenos da m atéria e da mente, - opomos a esta noção o fato de<br />

que o juízo causai é formado segundo a lei fundamental e necessária do pensamento<br />

humano e nenhum a ciência ou conhecim ento é possível sem a suposição<br />

da sua validade.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 627<br />

Em Lc. 10.31, nosso Salvador diz: “ocasionalmente, descia pelo mesmo<br />

caminho um certo sacerdote”. Janet: “Acaso não é uma causa, mas uma<br />

coincidência de causas”. Bowne, Theory of Though and Knowledge, 197 -<br />

“Acaso não significa falta de causa, mas a coincidência de um evento de uma<br />

série de causas mutuamente independentes. Deste modo, fala-se de um<br />

encontro fortuito entre duas pessoas como uma oportunidade casual quando<br />

o movimento de nenhuma delas implica a outra. A antítese da casualidade é<br />

o propósito”<br />

c) Se o acaso for usado no sentido de causa sem desígnio, - é evidentemente<br />

insuficiente explicar as seqüências regulares e uniform es da natureza ou do<br />

progresso moral da raça humana. Estas coisas m ostram um a mente superintendente<br />

e designativo - em outras palavras, um a providência. Porque a razão<br />

não exige apenas um a causa, mas um a causa suficiente para a ordem do m undo<br />

físico e moral, o casualismo deve ser rejeitado.<br />

Perguntaram ao observador do sinal de rádio como estava o clima em<br />

Rochester. “Clima?” respondeu; “em Rochester não há condições climáticas;<br />

só há condições atmosféricas!” Do mesmo modo C hauncey W right falava dos<br />

altos e baixos dos negócios humanos somente como “condições atmosféricas<br />

cósmicas”. Mas a nossa intuição de desígnio compele-nos a ver a mente<br />

e o propósito no indivíduo e na história nacional bem como no universo físico,<br />

O mesmo argumento que prova a existência de Deus prova também a existência<br />

de uma providência.<br />

3. Teoria de uma providência simplesmente g eral<br />

M uitos que reconhecem o controle de Deus sobre os movimentos dos planetas<br />

e os destinos das nações negam qualquer arranjo divino nos eventos<br />

particulares. A m aior parte dos argumentos contra o deísmo é igualmente<br />

válida contra a teoria de um a providência sim plesmente geral. Este ponto de<br />

vista é, na verdade, a única forma do deísmo, que sustenta que Deus não se<br />

afastou totalmente do universo, mas que sua atividade nele se limita à manutenção<br />

das leis gerais.<br />

Este parece ter sido o ponto de vista da maior parte dos filósofos pagãos.<br />

C ícero: “Magna dii curant; parva negligunt (Os deuses cuidam das grandes<br />

causas; negligenciam as pequenas)”. “Até mesmo nos reinos entre os homens”,<br />

diz ele, “os reis não se perturbam com coisas insignificantes”. Fullerton, Con-<br />

ceptious of the Infinite, 9 - “ P lutarco pensava que não podia haver uma infinidade<br />

de mundos; é possível que a providência não se encarregasse de tantas<br />

coisas. ‘O infinito perturbador e ilimitado não pode ser captado por nenhuma<br />

consciência”. Os antigos cretenses faziam de Jove uma imagem sem ouvidos,<br />

porque diziam eles: “É uma vergonha crer que Deus ouça a conversa


6 2 8 Augustus Hopkins Strong<br />

dos homens”. Do mesmo modo, J erônimo, o Pai da igreja, pensava ser absurdo<br />

que Deus devia saber quantos mosquitos e baratas há no mundo. Paráfrase<br />

de texto de David Harum: “Basta um número razoável de galãs para uma<br />

jovem; eles evitam que ela duvide que é uma moça”.<br />

Em acréscimo aos argumentos supracitados, podemos afirmar contra esta<br />

teoria que:<br />

a) O controle geral sobre o curso da natureza e da história é impossível sem<br />

o controle sobre as mínimas particularidades que afetam o curso da natureza e<br />

da história. Incidentes tão superficiais que quase escapam à observação quando<br />

da sua ocorrência freqüentemente determinam todo o futuro de uma vida humana<br />

e através dessa vida os destinos de um império todo e de uma era inteira.<br />

“Nada começou grande”. “Tome cuidado com o centavo e os reais cuidarão<br />

de si mesmos”. “Cuidar da corrente é cuidar dos seus elos”. Exemplos<br />

disso são as insônias do rei Assuero (Et 6.1), e a aparente casualidade que<br />

levou à leitura do registro do serviço de Mardoqueu e até à salvação dos<br />

judeus na Pérsia; a teia da aranha tecida na entrada da caverna em que<br />

Maomé se refugiara, que deste modo enganou os perseguidores para que ele<br />

continuassem numa busca inútil, deixando ao mundo a religião e o império<br />

dos maometanos; a pregação de Pedro o Eremita, que ocasionou a primeira<br />

Cruzada; o fortuito tiro de um arqueiro que feriu o olho direito de Haroldo o<br />

último dos reis legitimamente inglês, ganhou a batalha de Hastings em favor<br />

de Guilherme, o Conquistador, e garantiu o trono da Inglaterra para os nor-<br />

mandos; a revoada de pombos para o sudoeste, que mudou o curso de<br />

Colombo, até agora rumo a Virgínia, para as índias Ocidentais, e desta forma<br />

impediu o domínio espanhol sobre a América do Norte; a tempestade que<br />

dispersou a Armada Espanhola (vera Invencível Armada) e salvou a Inglaterra<br />

do Papado, e a tempestade que dispersou a frota francesa reunida para<br />

conquistar a Nova Inglaterra - esta última no dia de jejum e oração indicado<br />

pelos puritanos a fim de evitar a calamidade; a colonização da Nova Inglaterra<br />

pelos puritanos, em vez de ser pelos jesuítas franceses; a ordem do Concilio<br />

impedindo Cromwell e seus amigos de viajar para a América; a ausência<br />

dos aprisionadores do major André, que o levaram a fazer uma pergunta<br />

imprópria ao invés de mostrar o seu passaporte e que salvou a causa americana;<br />

o começo do frio inusitadamente antecipado, que frustrou os planos de<br />

Napoleão e destruiu o seu exército na Rússia; o tiro fatal no Forte de Sumter,<br />

que precipitou a guerra de secessão e resultou na abolição da escravatura na<br />

América do Norte. A natureza tem ligação com a história; a brisa muda o<br />

curso do projétil; o verme perfura a prancha do navio. Deus cuida do mínimo,<br />

ou ele não cuida do máximo.<br />

“As grandes portas oscilam em pequenas dobradiças”. O latido do cão<br />

determinou a F. W. Robertson que se tornasse um pregador em vez de um<br />

soldado. R obert B rowning, o S r. S ludge, o médium: “Achamos que as grandes<br />

coisas são feitas de pequenas e as pequenas se tornam menores<br />

até que, finalmente, Deus aparece atrás de todas elas”. E. G. Robinson: “Não


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 2 9<br />

podemos supor que só um pequeno esboço tenha estado na mente de Deus<br />

enquanto a complementação deixa de ser feita de alguma outra forma.<br />

O geral inclui o específico”. Dr. Lloyd, um dos professores de Oxford, disse a<br />

Pusey: “Eu gostaria de que você aprendesse algo a respeito dos críticos alemães”.<br />

“No espírito obediente daqueles tempos”, escreve Pusey, “eu me pus<br />

de pronto a aprender alemão, e fui para Gõttingen, a fim de estudar a língua e<br />

a teologia. Minha vida mudou com a sugestão do Dr. Lloyd”.<br />

G oldwin Smith: “Se um a bala tivesse entrado no cérebro de Cromweil ou<br />

de Guilherme III em su a primeira batalha, ou se G ustavo não tivesse caído<br />

em Lützen, parece que o curso da história teria m udado. Até m esm o o curso<br />

da ciência m udaria se não tivesse havido um Newton ou um Darwin”. A a n e ­<br />

xação da C órsega à França deu-a a Napoleão, e à Europa um conquistador.<br />

Martineau, Seat of Autority, 101 - “Se o mosteiro de Erfurt tivesse delegado<br />

outro que não fosse o jovem Lutero em su a peregrinação à paganizada Roma,<br />

ou s e Leão X m an d a sse um agente m enos escan d alo so que T e tz e l em sua<br />

negociação com a Alemanha, a s se m en tes da Reforma teriam caído à beira<br />

do cam inho onde não havia profundidade no solo, e a revolta ocidental da<br />

m ente hum ana podia ter tom ado outro rumo e outra form a”.<br />

b) O amor de Deus que assiste um cuidado geral o universo deve também<br />

assistir com um cuidado particular os m ínim os eventos que afetam a felicidade<br />

de suas criaturas. Cabe ao am or de Deus nada considerar insignificante ou<br />

indigno de nota o que tem que ver com os interesses do objeto de seu sentimento.<br />

Pode-se esperar, portanto, que o am or infinito dê providência a todos<br />

até as mínimas coisas da criação. Sem a crença neste cuidado particular o<br />

hom em não pode crer no cuidado geral de Deus. A fé em um a providência<br />

particular é indispensável ao próprio sistem a da religião prática; pois os<br />

homens não adorarão ou reconhecerão um Deus que não tenha relação direta<br />

com eles.<br />

Os cuidados do homem com o seu próprio corpo envolve cuidado com os<br />

seus membros de menor importância. Conhece-se a dedicação daquele que<br />

ama através das mínimas preocupações para com o ser amado. Assim todos<br />

os negócios são de interesse de Deus. Pope, Essay of Marr. “Toda a natureza<br />

é apenas arte para ti; Toda a eventualidade, a direção que tu não podes ver;<br />

Toda a discórdia, a harmonia não entendida; Todo o mal parcial, o bem universal”.<br />

Se se fizesse a colheita e se perdesse sem a atuação de Deus; se a<br />

chuva ou o sol podem agir de igual sorte, varrendo os resultados dos anos e<br />

Deus não der uma mãozinha; se o vento e a tempestade naufragarem o navio<br />

e afogarem os nossos mais queridos amigos e Deus não cuidar de nós ou das<br />

nossas perdas, então toda possibilidade da confiança geral em Deus também<br />

desaparecerá.<br />

Mostra-se o cuidado de Deus nas mínimas coisas assim como nas maiores.<br />

No Getsêmani Cristo diz: “Deixai ir estes, para se cumprir a palavra que<br />

tinha dito: Dos que me deste nenhum deles perdi” (Jo. 18.8,9). É o mesmo


6 3 0 Augustus Hopkins Strong<br />

espírito de sua oração com a finalidade de interceder: “Tenho guardado aqueles<br />

que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição”<br />

(Jo. 17.12). Cristo se entrega a si mesmo como prisioneiro para que os seus<br />

discípulos possam ir livremente, assim como ele nos redime da maldição da<br />

lei fazendo-se maldição por nós (Gl. 3.13). O orvalho é moldado pela mesma<br />

lei que envolve os planetas em esferas. O Gal. Grant dizia que nunca, a não<br />

ser uma só vez, buscou um lugar para si mesmo e nesse lugar ele se encontrava<br />

em relativa falha; ele tinha sido um instrumento nas mãos de Deus para<br />

cumprir os seus propósitos independentemente de qualquer plano ou pensamento,<br />

ou sua própria esperança.<br />

No seu caminho pelo tenebroso continente à procura de Davi Livingstone,<br />

H enry M. S tanley escreveu no Scribner de junho de 1890: “Oprimido na mais<br />

tenebrosa hora, confesso humildemente que sem o auxílio de Deus achava-<br />

me desamparado; fiz um voto na solidão da floresta que eu confessaria o seu<br />

auxílio diante de todos os homens. Como que um silêncio mortal envolveu-<br />

me; era meia-noite; estava debilitado pela doença, prostrado na fadiga e abatido<br />

de ansiedade por causa dos meus companheiros pretos e brancos, cujo<br />

fado era um mistério. Na angústia física e mental roguei a Deus que me<br />

devolvesse o meu povo. Nove horas mais tarde eu exultava com extasiante<br />

alegria. Via plenamente a bandeira carmesim crescente e sob as suas ondu-<br />

lantes faldas, eis a coluna da retaguarda a muito perdida. ... Os meus próprios<br />

desígnios foram constantemente frustrados por infelizes circunstâncias.<br />

Empenhei-me em tornar o meu curso o mais reto possível, mas havia uma<br />

incalculável influência no leme. ... Tenho estado consciente da realização de<br />

que a produção de cada esforço estava nas minhas mãos. ... Parece que a<br />

divindade nos cercou durante a peregrinação impelindo-nos para onde ela<br />

queria, efetuando a sua própria vontade, mas guiando-nos constantemente e<br />

protegendo-nos”. Ele se recusa a crer que se trata do resultado da ‘sorte’, e<br />

encerra com uma doxologia que esperaríamos de Livingstone, mas não dele:<br />

“Graças te dou ó Deus, para todo o sempre”!<br />

c) Em tempos de perigo pessoal e de notáveis conjunturas de negócios<br />

públicos, os homens indistintam ente atribuem a Deus um controle dos eventos<br />

que ocorrem em torno deles. As orações que em tais espantosas emergências<br />

brotam dos lábios dos homens são provas de que Deus está presente e<br />

ativo nos assuntos humanos. Este testem unho da nossa constituição mental<br />

deve ser considerado virtualm ente como o testemunho daquele que estruturou<br />

esta constituição.<br />

Nenhum avanço da ciência pode livrar-nos desta convicção, visto que ela<br />

vem de uma fonte mais profunda que a simples razão. A intuição do desígnio<br />

é despertada pela conexão dos eventos da nossa vida diária tanto quanto<br />

pelas adaptações que vemos na natureza. SI. 107.23-28 - “Os que descem<br />

ao mar em navios ... sobem aos céus, descem aos abismos ... e esvai-se toda<br />

a sua sabedoria. Então, clamam ao Senhor na sua tribulação”. Uma estreita<br />

fuga da morte mostra-nos um Deus e Libertador presente. Temos um exemplo


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

no general sentindo a terra inteira, manifesta na imprensa assim como no<br />

púlpito, na explosão da nossa rebelião e subseqüente Proclamação da Emancipação<br />

do Presidente.<br />

“Est deus in nobis; agitante calescimos illo” (Há um deus em nós; enquanto<br />

ele opera somos aquecidos). Contrastando a ignorância de Nansen a respeito<br />

de Deus em sua peregrinação polar com a invocação de Deus que o D r.<br />

Jacob C hamberlain fez na sua dificuldade na índia, ver Missionary Review,<br />

maio, 1898. S. S. T imes, 4 de mar. de 1893 - "B enjamin Franklin tornou-se<br />

deísta aos quinze anos. Antes da Guerra Revolucionária ele era apenas um<br />

negociante astuto e dinâmico. Tinha um espírito público; fez uma feliz descoberta<br />

científica. Mas as palavras de Poor Richard expressam a sua mente<br />

naquela época. Os perigos e ansiedades da grande guerra deram-lhe um<br />

discernimento mais profundo. Ele e outros caíram em si ‘com uma corda no<br />

pescoço’. Quando ele à Convenção Constitucional de 1787, propôs que as<br />

sessões diárias fossem abertas com oração porque as experiências da guerra<br />

mostraram-lhe que ‘Na verdade Deus dirige os negócios dos homens’.<br />

Na discussão sobre a cunhagem de moeda americana, F ranklin propôs que<br />

não se estampasse nelas ‘Centavo Economizado é Centavo ganho’, ou qualquer<br />

outra peça de prudência internacional, mas ‘O Temor do Senhor é o<br />

Princípio da Sabedoria’.<br />

d) A experiência cristã confirma as declarações da Escritura de que Deus<br />

realiza os eventos particulares relativos especialm ente ao bem e ao mal do<br />

indivíduo. Tais eventos ocorrem às vezes em conexão tão direta com as orações<br />

cristãs que não sobra nenhum a dúvida sobre a disposição providencial<br />

deles. A possibilidade de tal atuação divina nos eventos naturais não pode ser<br />

questionada por alguém que, como o cristão, teve a experiência das maiores<br />

maravilhas da regeneração e do relacionam ento diário com Deus e que crê na<br />

realidade da criação, da encarnação e dos milagres.<br />

A providência abre o caminho para a conversão do homem, por vezes<br />

através da sua transformação parcial, às vezes através da súbita morte de<br />

uma pessoa próxima. É o que ocorreu com L utero e com J udson. O cristão<br />

aprende que a mesma Providência que o conduz antes da conversão, depois<br />

dela preocupa-se em dirigir os seus passos e suprir as suas necessidades.<br />

Daniel D efoe: “Tenho sido alimentado mais por milagre do que Elias quando<br />

os anjos foram os seus provedores”. No SI. 32, Davi celebra não só a misericórdia<br />

perdoadora de Deus, mas a sua subseqüente direção providencial:<br />

“sob as minhas vistas, te darei conselho” (v. 8). Pode-se objetar que freqüentemente<br />

enganamo-nos quanto ao sentido dos acontecimentos. Replicamos<br />

que, do mesmo modo que na natureza, também na providência, somos compelidos<br />

a crer, não que conhecemos os desígnios, mas que há um desígnio.<br />

Por exemplo, o afogamento de S helley e a oração de J acob K napp para que o<br />

seu antagonista fosse acometido de surdez. O fato de Lyman B eecher atribuir<br />

a queima da igreja unitária ao juízo de Deus sobre a falsa doutrina foi invalidada<br />

pouco mais tarde pelo incêndio da igreja dele (de B eecher).<br />

631


6 3 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

Jó 2 3 .10 - “Ele sabe o meu caminho”, ou “o caminho que está comigo”, /'.e.,<br />

meu mais íntimo caminho, vida e caráter: “Prove-me, e sairei como o ouro”.<br />

1 Co. 10.4 - “e a pedra era Cristo” = Cristo era a fonte sempre presente do seu<br />

refrigério e vida, tanto física quanto espiritual. A providência de Deus é totalmente<br />

exercida através de Cristo. 2 Co. 2.14 - “E graças a Deus, que sempre<br />

nos faz triunfar em Cristo”. Paulo se gloria, não em conquistar, mas em ser<br />

conquistado. Que Cristo triunfe, não Paulo. Grande Rei da graça: que o meu<br />

coração seja dominado; serei conduzido também ao triunfo; cativo voluntário<br />

do meu Senhor; para que a própria conquista seja da sua palavra”. Por isso<br />

Paulo chama-se a si mesmo de “prisioneiro de Cristo Jesus” (Ef. 3.1). Foi Cristo<br />

que o encerrou por dois anos em Cesaréia e, depois, dois anos em Roma.<br />

IV. R E L A Ç Õ E S D A DOUTRIN A D A PR O VID Ê N CIA<br />

1. Com os milagres e com as obras da graça<br />

A providência particular é a atuação de Deus naquilo que nos parece<br />

assunto de menor importância na natureza e na vida humana. A providência<br />

especial é apenas um exemplo da providência particular de Deus especialmente<br />

relativa a nós ou que causa impressão peculiar em nós. É especial, não<br />

no que respeita os recursos de que Deus se vale, mas o efeito que produz sobre<br />

nós. Na providência especial temos só uma manifestação mais impressionante<br />

do controle universal de Deus.<br />

Os milagres e obras da graça como a regeneração não devem ser considerados<br />

pertencentes a diferente ordem de coisas a partir de providências especiais<br />

de Deus. Eles também, como as providências especiais, podem ter conexões<br />

naturais e antecedentes, apesar de que eles sugerem mais prontamente<br />

sua autoria divina. A natureza e Deus não são mutuamente exclusivas, - a<br />

natureza é mais um método de operação de Deus. Porque a natureza é somente<br />

a manifestação de Deus, a providência especial, o milagre e a regeneração<br />

simplesmente são diferentes graus da natureza extraordinária. Algumas das<br />

maravilhas da Escritura, tais como a destruição do exército de Senaqueribe e<br />

a divisão do Mar Vermelho, as pragas do Egito, as codomizes e a pesca maravilhosa<br />

podem ser contadas como exagero das forças naturais, enquanto, ao<br />

mesmo tempo, são operações da obra maravilhosa de Deus.<br />

A queda da neve de um teto é um exemplo da providência comum (ou<br />

particular). Mas se ela matar alguém, ela se torna uma providência especial<br />

para a pessoa que foi morta e para outros que por essa causa aprendem a<br />

lição da insegurança da vida. Deste modo a provisão do carvão para o combustível<br />

nas eras geológicas pode ser considerada por diferentes pessoas ou<br />

à luz de uma providência geral ou especial. Em todas operações da natureza


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 3 3<br />

e em todos eventos da vida apresenta-se a providência de Deus. Ela se torna<br />

especial quando manifestamente sugere algum cuidado de Deus para conosco<br />

ou algum dever nosso para com Deus. S a v a g e, Life beyond Death, 285 -<br />

“A vida de Mary A. Livermore foi salva durante as suas viagens no Oeste ao<br />

ouvir e imediatamente obedecer ao que lhe parecia uma voz. Ela não sabe de<br />

onde veio; mas saltou, à ordem da voz de um lado do carro para o outro e, na<br />

mesma hora, o lado onde ela estava sentada foi esmagado e totalmente destruído”.<br />

Semelhantemente, a vida do D r . O n c k e n foi salva num acidente ferroviário<br />

em Norwalk.<br />

Trench chama de “milagres providenciais” as maravilhas bíblicas que<br />

podem ser explicadas pela atuação de leis naturais (ver T r e n c h , Miracles,<br />

19). M o s l e y , também (Miracles, 117-120) chama tais maravilhas de milagres e<br />

providenciais especiais por causa da sua predição da palavra de Deus que as<br />

acompanha. Ele diz que, com efeito, a diferença entre os milagres e as providências<br />

especiais é que esta fornece alguma garantia, enquanto aquela, a<br />

garantia completa, por crer que são operadas por Deus. Ele chama a providência<br />

especial de “milagres invisíveis”. O B p. d e S o u t h a m p t o n , Piace of Miracles,<br />

12,13 - “A arte de Bezalel ao construir o tabernáculo e os planos de<br />

generais tais como Moisés e Josué, Gideão, Baraque e Davi, no Velho Testamento,<br />

são atribuídos à inspiração direta de Deus. Um pequeno escritor religioso<br />

os teria atribuído à instintiva habilidade militar. Não há o envolvimento<br />

necessário de nenhum milagre quando, ao tratar-se do sistema cerimonial,<br />

se diz: ‘Falou o Senhor a Moisés’ (Nm. 5.1). Deus está presente em toda a<br />

parte na história de Israel, mas os milagres são assinaladamente raros”. Preferimos<br />

dizer que a linha divisória entre o natural e o sobrenatural, entre a<br />

providência especial e o milagre é arbitrária e que o mesmo evento pode<br />

freqüentemente ser considerado como providência especial ou como milagre<br />

conforme o modo como encaramos o ponto de vista da relação com outros<br />

eventos ou da sua relação com Deus.<br />

E. G. R o b in s o n : “Se o Vesúvio despedisse cinzas e lava e um forte vento<br />

os espalhasse dir-se-ia que choveu fogo e enxofre, como em Sodoma e<br />

Gomorra”. Há abundante evidência de ação vulcânica na região do Mar Morto.<br />

Ver artigo sobre Preparação Física de Israel na Palestina, de G. F r ed e r ic k<br />

W r ig h t, em Biblia Sacra, abr., 1901.364. Os três grandes milagres - a destruição<br />

de Sodoma e Gomorra, a divisão das águas do Jordão, a queda dos<br />

muros de Jericó - são descritos como efeito da erupção vulcânica, elevação<br />

do leito do rio em uma das barrancas e o terremoto sob os muros. O lodo de<br />

sal lançado pode ter envolvido a mulher de Ló e feito dela “uma estátua de<br />

sal” (Gn. 19.26). De igual modo, algumas da curas de Jesus, como, por exemplo,<br />

as operadas nos paralíticos e epiléticos, podem ter uma explicação natural,<br />

apesar de que elas mostram que Cristo é o Senhor absoluto da natureza.<br />

2. Com a oração e a resposta<br />

O que já se disse a respeito da conexão de Deus com a natureza sugere a<br />

pergunta: Como pode Deus responder a oração consistentemente com a fixi-<br />

dez da lei natural?


6 3 4 Augustus Hopkins Strong<br />

T y n d a l l (ver referência acima), embora repelindo a acusação de negar<br />

que Deus pode responder a oração de todos, ainda nega que ele possa res-<br />

pondê-la sem um milagre. Ele diz expressamente que “sem perturbar a lei<br />

natural perfeitamente séria como a parada de um eclipse, ou a rolagem do<br />

São Lourenço nas Cataratas de Niágara, nenhum ato de humildade individual<br />

ou nacional poderia trazer chuva do céu ou mudar o curso do sol para nós”.<br />

Como resposta, replicamos:<br />

A) Negativamente, a verdadeira solução não deve encontrar-se:<br />

a) Fazendo o único efeito da oração ser uma influência reflexa do pedinte.<br />

- Oração pressupõe um Deus que ouve e responde. Não deve ser feita a não<br />

ser que se creia que cumpre os resultados objetivos e subjetivos.<br />

Conforme o primeiro ponto de vista mencionado acima, a oração é uma<br />

simples ginástica espiritual - um esforço para levantarmo-nos do solo atando<br />

a nós as correias das botinas. D a v id H u m e disse corretamente, depois de ouvir<br />

um sermão do D r . L e e c h m a n : “Não podemos utilizar nenhuma expressão ou<br />

pensamento nas nossas orações e súplicas que não impliquem a influência<br />

de tais orações”. O homem orará a um Deus que é surdo-mudo? Soará<br />

ao vento o marinheiro ao gurupés apenas para melhorar a sua voz? H o r a c e<br />

B u s h n e l l chamava este mau emprego da oração um simples “exercício de<br />

sino surdo”. O Barão de Münchhausen saiu de um charco na China atando-se<br />

à cauda de um suíno.<br />

H y d e , God’s Education of Man, 15 4 ,15 5 - “A oração não e o ato reflexo da<br />

minha vontade sobre ela, mas a comunhão de duas vontades em que o finito<br />

entra em conexão com o Infinito e, como o trole, se vale do seu propósito e<br />

força”. H a r n a c k , Wesen des Chrístenhums[A Existência do Cristão), 42, parece<br />

seguir Schleiermacher numa irracional limitação da oração às petições<br />

gerais que só recebem respostas subjetivas. Ele nos diz que “Jesus ensinou<br />

a Oração Dominical aos seus discípulos em resposta a um pedido de orientação<br />

sobre como orar. Entretanto, em vão buscamos nela requisitos de dádivas<br />

especiais de graça, ou bens particulares, muito embora elas sejam espirituais.<br />

O nome, a vontade, o Reino de Deus - são os objetos da prece”.<br />

H a r n a c k esquece que o mesmo Cristo também disse: “tudo o que pedirdes,<br />

orando, crendo, recebereis e tê-lo-eis” (Mc. 11.24).<br />

b) Nem sustentando que Deus responde a oração simplesmente por meios<br />

espirituais, tais como a ação do Espírito Santo sobre o espírito do homem.<br />

- O reino do espírito não está menos sujeito à lei do que o reino da matéria.<br />

A Escritura e a experiência, contudo, igualmente testemunham que em resposta<br />

à oração os eventos ocorrem no mundo exterior o que não ocorreria se a<br />

oração não tivesse sido feita.<br />

Segundo esta teoria, Deus alimentou o faminto Elias, não com uma mensagem<br />

distinta do céu, mas dando uma disposição compassiva para com a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 635<br />

viúva de Zarefate (ou Sarepta) de sorte que ela foi movida a ajudar o profeta.<br />

1 Re. 17.9 - “eis que eu ordenei ali a uma mulher viúva que te sustente”.<br />

Mas Deus também podia sustentar Elias enviando os corvos e o anjo<br />

(1 Re. 17.4; 19.15) e o derramamento da chuva que se seguiu à oração de<br />

Elias (1 Re. 18.42-45) não pode ser explicado como um fenômeno espiritual<br />

subjetivo. D im a n , Theistic Argument, 268 - “Nossos atlas mapeiam não só a<br />

sólida praia, mas as correntes aéreas do oceano e consultamos os matutinos<br />

para certificar sobre a formação de tempestades nos declives das Montanhas<br />

Rochosas”. Mas a lei governa tanto no reino do espírito como no da natureza.<br />

O Governador Rice em Washington se sentiu movido a enviar dinheiro para<br />

uma família faminta em Nova Iorque e garantir-lhe o emprego. Apesar de que<br />

ele não tinha nenhuma informação sobre a necessidade, a família se ajoelhou<br />

em oração pedindo socorro precisamente antes de vir o auxílio.<br />

c) Nem sustentando que Deus suspende ou interrompe a ordem da natureza<br />

em resposta a cada oração. - Este ponto de vista não leva em conta que as leis<br />

naturais têm existência objetiva e revelam a ordem do ser divino. Assim a<br />

onipotência pode suspender a lei natural, mas a sabedoria, até onde podemos<br />

perceber, não o faz.<br />

A terceira teoria bem podia ser defendida por aqueles que só vêem na<br />

natureza a vontade totalmente operada por Deus. Mas as propriedades e forças<br />

da matéria são revelações da vontade divina e a vontade humana só tem<br />

independência relativa no universo. Desejar que Deus responda todas as<br />

nossas orações é desejar a onipotência sem a onisciência. Portanto, toda a<br />

verdadeira oração expressa uma petição: “Seja feita a tua vontade” (Mt. 6.10).<br />

E. G. Robinson: “É muito comum orar e muitas orações são destituídas desta<br />

qualidade. O homem tem necessidade de orar em voz alta mesmo em particular<br />

para obter benefício. Um dos principais benefícios da liturgia inglesa é<br />

que o ministro não se destaca. O protestantismo faz com que você trabalhe;<br />

no romanismo a igreja faz tudo por você”.<br />

d) Nem considerando a oração como uma força física, ligada em cada caso<br />

à sua resposta, como na física a causa está ligada ao seu efeito. - A oração não<br />

é uma força agindo diretamente na natureza; caso contrário não haveria<br />

nenhuma discrição quanto à sua resposta. Ela pode cumprir os resultados na<br />

natureza, só como influência de Deus.<br />

Educamos os nossos filhos de dois modos: em primeiro lugar, ensinando-os<br />

a fazer por si mesmos o que eles podem fazer; e em segundo lugar,<br />

estimulando-os a buscar auxílio em assuntos além de suas forças. Deus nos<br />

educa assim: em primeiro lugar, através de uma lei impessoal e, em segundo<br />

lugar, através da dependência pessoal. Ele tanto nos ensina a trabalhar como<br />

a pedir. Note a completa falta de sabedoria dos cientistas modernos que<br />

se submetem ao ensino da lei impessoal, pondo de parte o mais elevado e


6 3 6 Augustus Hopkins Strong<br />

m e lh o r e n s in o q u e d e p e n d e d a p e s s o a lid a d e ” ( H o p k in s , Sermon on the Prayer-<br />

gauge, 16).<br />

Parece mais de acordo tanto com a Escritura quanto com a razão dizer que:<br />

B) Deus pode responder a oração mesmo quando tal resposta envolve<br />

mudanças nas seqüências da natureza;<br />

d) Pelas novas combinações das leis naturais em regiões afastadas da nossa<br />

observação de modo que são produzidos os efeitos que, se estas mesmas forças<br />

fossem deixadas ao seu destino, nunca teriam cumprido. Como o homem<br />

combina as leis da atração química e da combustão para detonar a arma de<br />

fogo e explodir a rocha, assim Deus pode combinar as leis da natureza para<br />

efetuar as respostas à oração. Em tudo isto não há nenhuma suspensão ou<br />

violação da lei, mas o uso de uma lei que desconhecemos.<br />

H o p k in s , Sermon on the Prayer-gauge: “A natureza é uniforme em seus<br />

processos, mas não em seus resultados. Você diz que a água não pode correr<br />

montanha acima? Pode e faz. Sempre que o homem constrói uma barragem<br />

a água sobe acima das montanhas em volta até alcançar o topo da barragem.<br />

O homem pode fazer uma faísca elétrica cumprir a sua ordem; porque<br />

Deus não pode usar um raio de eletricidade? Não somos escravos das leis,<br />

mas estas é que são. Elas cumprem as nossas ordens da melhor maneira<br />

porque são uniformes. E as nossas servas não são senhoras de Deus”.<br />

K e n d a l l B r o o k s : “O senhor de um instrumento musical pode variar sem limite<br />

a combinação de sons e as melodias que tais combinações podem reproduzir.<br />

As leis do instrumento não se mudam, mas a firmeza imutável produz uma<br />

infinita variedade de sons. É necessário que eles sejam imutáveis para<br />

garantir o resultado desejado. Assim a natureza, que exerce a capacidade do<br />

Mestre divino, é governada por imutáveis leis; mas, por estas leis, ele produz<br />

uma infinita variedade de resultados”.<br />

H o d g e , Popular Lectures, 45, 99 - “O sistema de leis naturais é muito mais<br />

flexível nas mãos de Deus do que nas nossas. Atuamos externamente em<br />

causas secundárias; Deus age nelas internamente. Agimos sobre elas em<br />

apenas uns poucos pontos isolados; Deus age em cada ponto do sistema ao<br />

mesmo tempo. A natureza toda pode plasmar-se de tal modo à sua vontade<br />

como o ar nos órgãos do grande cantor que o articula em uma expressão<br />

adequada a cada pensamento e paixão da sua alma que se eleva”. U p t o n ,<br />

Hibbert Lectures, 155 - “Se todos os elementos químicos do nosso sistema<br />

solar preexistissem na névoa cósmica incandescente, pode não ter havido<br />

tempo quando bem subitamente as atrações entre estes elementos vencessem<br />

o grau de força calórica que os mantêm separados e a corrida dos elementos<br />

na união química deve ter sido consumada com inconcebível rapidez.<br />

O uniformitarismo não é universal”.<br />

S h a l e r , Interpretation of Nature, cap. 2 - Através de um pequeno aumento<br />

da força centrífuga a órbita elíptica se muda em uma parábola e o planeta se<br />

torna em um cometa. Através de uma pequena redução na temperatura, a


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 3 7<br />

água se torna sólida e perde muitos dos seus poderes. Assim ocorrem resultados<br />

inesperados e surpresas tão revolucionárias como se uma Força<br />

Suprema imediatamente interviesse”. W illiam J ames, Address before Soc. For<br />

Psych. Research: “O pensamento transferência pode envolver um ponto crítico,<br />

como os psicólogos chamam, que passa só quando algumas condições psíquicas<br />

se realizam e de outra forma não se alcançariam - como uma grande<br />

conflagração romperá em certa temperatura abaixo da qual nenhuma conflagração,<br />

qualquer que seja, grande ou pequena, pode ocorrer”. Tennyson, Life,<br />

1.324 - “Orar é como abrir uma comporta entre o grande oceano e os nossos<br />

pequenos canais, quando o grande mar se une e flui com sua onda toda”.<br />

Porque a oração não é nada mais e nada menos do que um apelo a um Deus<br />

pessoal e presente, cuja concessão ou recusa da bênção requerida crê-se que é<br />

determinada pela própria oração, devemos concluir que esta deve mover Deus,<br />

ou, em outras palavras, induzi-lo a exercer da sua parte uma volição imperativa.<br />

C halmers, Works, 2.314 e 7.234 elabora o ponto de vista de que, em<br />

resposta à oração, Deus combina as forças naturais. Ver Diman, Theistic<br />

Argument, 111 - “Quando se concebem as leis não como simples, mas como<br />

uma combinação, ao invés de serem imutáveis em sua operação, são agentes<br />

de incessante mudança. Os fenômenos são governados não por forças<br />

invariáveis, mas por infindas combinações variantes de invariáveis forças”.<br />

J anet, Final Causes, 219 - “Acendo um fogo na minha fornalha. Só interfiro<br />

para produzir e combinar os diferentes agentes cuja ação natural importa<br />

na produção do efeito que eu necessito; mas dado o primeiro passo todos os<br />

fenômenos que constituem a combustão engendram um outro de conformidade<br />

com as suas leis, sem uma nova intervenção do agente; assim um<br />

observador que estudasse a série destes fenômenos, sem perceber a primeira<br />

mão que preparara tudo, não poderia de apoiar-se à mão, em qualquer ato<br />

especial, embora haja um plano e uma combinação preconcebidos”.<br />

Hopkins, Sermon on Prayer-gauge: O homem, espalhando cal no campo<br />

pode fazer o cereal crescer mais abundantemente; acendendo grandes<br />

fogueiras e pondo fogo em canhão, pode provocar chuva; seguramente Deus,<br />

em resposta à oração, pode fazer tanto quanto o homem faz. Lewes diz que o<br />

caráter fundamental de toda a filosofia teológica é a concepção dos fenômenos<br />

como sujeitos à volição sobrenatural e, conseqüentemente, de modo tão<br />

eminente como irregularmente variável. Esta noção, diz ele, é refutada, em<br />

primeiro lugar, pela previsão exata e racional dos fenômenos e, em segundo<br />

lugar, pela possibilidade de modificarmos estes fenômenos de modo a promover<br />

a nossa própria vantagem. Mas, em resposta, perguntamos: se nós<br />

podemos modificá-los, e Deus, não pode? Mas, para que isto não pareça<br />

implicar mutabilidade de Deus ou inconsistência na natureza, em acréscimo,<br />

assinalamos que:<br />

b) Deus pode predispor as leis do universo material e os eventos da história<br />

de tal modo que, conquanto a resposta à oração seja uma expressão da vontade


6 3 8 Augustus Hopkins Strong<br />

dele, é atendida através da operação de agentes naturais perfeitamente de acordo<br />

com o princípio geral de que os resultados, tanto temporais como espirituais,<br />

devem ser alcançados pelas criaturas inteligentes através do uso de recursos<br />

apropriados e designados.<br />

J. P. C o o k e , Credentials of Science, 194 - “O tear de Jacquard por si mesmo<br />

teceria uma fabricação perfeitamente uniforme; os cartões perfurados<br />

determinam uma seleção de linhas e, através de uma combinação de variadas<br />

condições tão complexas que o observador não pode seguir seus intricados<br />

trabalhos, aparece o predeterminado padrão”. E. G. R o b in s o n : “A mais<br />

formidável objeção a esta teoria é o aparente semblante que empresta à doutrina<br />

necessitária. Mas se ele pressupõe que se levaram em conta as ações<br />

livres, não se pode facilmente mostrar que isto é falso”. O bispo a quem se<br />

pediu através do seu curado que sancionasse as orações pedindo chuva era<br />

excessivamente cético quando respondeu: “Consulte primeiro o barômetro”.<br />

P h il l ip s B r o o k s : “Orar não é conquistar a relutância de Deus, mas sustentar a<br />

voluntariedade de Deus”, seco o lugar onde o auditório tinha-se reunido e, no<br />

dia seguinte, as chuvas desceram sobre a terra onde no dia anterior não<br />

tinham caído.<br />

Os peregrinos de Plymouth, em alguma parte em 1628, oravam pedindo<br />

chuva. Reuniram-se às 9 da manhã e continuaram a orar durante 8 ou 9<br />

horas seguidas. Enquanto estavam reunidos ajuntaram-se nuvens e, na manhã<br />

seguinte começou a cair chuva que, com alguns intervalos, durou catorze<br />

dias. J o h n E a s t e r foi há muitos anos evangelista em Virgínia. Estava sendo<br />

realizada uma reunião ao ar livre. Milhares de pessoas participaram quando<br />

nuvens de pesada tempestade começaram a formar-se. Não havia abrigo<br />

para que as multidões se protegessem. A chuva já tinha atingido os campos<br />

quando J o h n E a s t e r bradou: “Tenham calma, irmãos, enquanto eu invoco a<br />

Deus para que pare a tempestade até que o evangelho seja pregado a esta<br />

multidão”! Então ele se ajoelhou e orou para que o auditório pudesse passar<br />

sem a chuva e que depois que eles tivessem ido pudessem ter refrescantes<br />

chuvas. Eis que as nuvens se foram como tinham chegado e passaram do<br />

lado da multidão e depois fecharam outra vez deixando seco o lugar onde o<br />

auditório tinha-se reunido e, no dia seguinte as chuvas desceram sobre o<br />

campo onde ela não havia caído no dia anterior.<br />

Porque Deus é imanente na natureza, uma resposta à oração, ocorrendo<br />

através da intervenção da lei natural, pode ser uma revelação tão real do cuidado<br />

pessoal de Deus como se as leis da natureza fossem suspensas e Deus<br />

interviesse através do exercício de seu poder criativo. Oração e resposta, apesar<br />

de terem a volição imediata de Deus como seu limite de conexão podem<br />

ainda alcançar providência no plano original do universo.<br />

O universo não existe para si mesmo, mas para fins morais e para seres<br />

morais, para revelar Deus e facilitar o intercâmbio entre Deus e as criaturas


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 63 9<br />

inteligentes. B ispo B e r k e l e y: “O universo é a incessante conversa de Deus<br />

com as suas criaturas”. O universo sem dúvida se presta a fins morais - o<br />

dissuasão ao vício e a recompensa à virtude; por que não a fins espirituais<br />

também? Quando nos lembramos de que não existe nenhuma oração verdadeira<br />

que Deus não inspire; que a verdadeira oração é uma parte do plano do<br />

universo unido a todo o restante e que recebeu provisões no começo; que<br />

Deus está na natureza e na mente supervisionando todos os seus movimentos,<br />

tornando cumprida a sua vontade e revelando o seu cuidado pessoal;<br />

que Deus pode ajustar as forças da natureza umas às outras muito mais<br />

habilmente do que o homem quando produz os efeitos que a natureza por si<br />

nunca pôde cumprir; que Deus não está confinado à natureza ou às forças<br />

dela, mas é capaz de operar por sua obra criativa e vontade onipotente, onde<br />

não bastam outros meios, - não precisamos ter medo algum ou de que a lei<br />

natural barrará as respostas divinas à oração, ou que estas respostas causarão<br />

um choque ou uma dissonância no sistema do universo.<br />

Matheson, Messages of the Old Religions, 321,322 - A poesia hebraica<br />

nunca trata a natureza exterior por n o ssa causa. O olho nunca repousa na<br />

beleza por ela m esm a. Os c éu s são a obra d as m ãos de Deus, a terra é o<br />

escabelo dos pés de Deus, os ventos sã o os ministros de Deus, a s estrelas<br />

sã o o exército de Deus, o trovão é a voz de Deus. O que cham am o s natureza<br />

o judeu ch am a D eus”. S rta. Heloise E. Hersey: "Platão, no Fedro, expõe em<br />

um esplêndido mito os m eios pelos quais os d e u se s se refrigeram. Um a vez<br />

por ano, em um exército poderoso, eles conduzem a s carruagens até o mais<br />

alto cum e do céu. Daí eles podem contem plar a s m aravilhas e os segredos<br />

do universo; e avivados pela vista da grande planície da verdade, voltam<br />

refeitos e s e alegram com a visão celestial. Arcebispo T rench, Poems, 134 -<br />

“Senhor, que m udança dentro de nós um a breve hora p a ssa d a na tua p resen ­<br />

ça prevalecerá para tornar - o que a s carg as p e sa d a s dos n o sso s peitos<br />

levam que ressequido solo se refresca com o se chovesse! Ajoelhamo-nos e<br />

tudo em torno de nós parece humilhar-se; levantam o-nos todos distantes ou<br />

próximos avança em um esboço ensolarado, bravo e claro; Com o fracos ajoelham<br />

o-nos e levantam o-nos cheios de poder! Por isso, por que com eterem os<br />

este erro ou outros - para não serm os sem pre fortes; para estarm os sem pre<br />

sobrecarregados de cuidados; para serm o s fracos e apáticos, ansiosos ou<br />

perturbados quando conosco em oração e a alegria e a força e a coragem<br />

estão em ti?<br />

C) Ao perguntar-se se a relação entre a oração e sua providencial resposta<br />

pode ser testada cientificamente, respondemos que pode como um filho obediente<br />

pode testar o amor do pai.<br />

d) Há uma prova geral na experiência passada do cristão e na história passada<br />

da igreja.<br />

SI. 116.1-8 - “Amo ao Senhor porque ele ouviu a minha voz e a minha<br />

súplica”. L u t e r o ora pela morte de M e l a n c h t o n , e ele recupera. G e o r g e M ü ller<br />

confia na oração e constrói seus grandes orfanatos. C h a r le s H. S p u r g e o n :<br />

“Se há algum fato que pode ser provado é que Deus ouve a oração. Se há


6 4 0<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

qualquer declaração cientffica capaz de comprovação matemática, esta é uma”.<br />

A linguagem do S r . S p u r g e o n é retórica: ele simplesmente quer dizer que a<br />

resposta de Deus à oração remove toda dúvida. A d o n ir a m J u d s o n : “Eu nunca<br />

estive profundamente interessado em qualquer objeto, nunca orei sincera e<br />

fervorosamente por alguma coisa, mas ela veio; às vezes - não importa a<br />

distancia do dia - de algum modo, de alguma forma, provavelmente a última<br />

coisa que eu poderia ter divisado - veio. E ainda sempre tenho tido a minha fé<br />

tão pequena! Que Deus me perdoe e embora ele condescenda em usar-me<br />

como seu instrumento, apaga o pecado da incredulidade do meu coração!”<br />

b) Na condescendência para com a cegueira humana, Deus pode às vezes<br />

submeter a um teste formal de sua fidelidade e poder, - como no caso de Elias<br />

e os sacerdotes de Baal.<br />

Is. 7.10-13 - Acaz é repreendido por não pedir um sinal, - em Acaz ele<br />

indica descrença. 1 Re. 18.36-38 - Disse Elias: “manifeste-se hoje que tu<br />

és Deus em Israel ... então caiu fogo do Senhor e consumiu o holocausto”.<br />

Romaine fala de “um ano famoso pela descrença”. Mt. 21.21,22 - “mas se até<br />

a este monte disserdes: Ergue-te e precipita-te no mar, assim será feito.<br />

E tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis”. “Impossível?” diz<br />

Napoleão; “então se fará!” A rth u r H a l l a m , citado em T e n n y s o n , Life, 1.44 -<br />

“Sobre a oração, você me pergunta como distinguir as operações de Deus em<br />

mim a partir dos movimentos em meu coração. Por que você os distinguiria,<br />

ou como você sabe que há distinção? É Deus menor porque ele age através<br />

de leis gerais quando trata dos elementos comuns da natureza?” “Preste atenção<br />

na oração para ver o que sucederá. Meninos traquinas que batem a uma<br />

porta por travessura, não ficam esperando que alguém a abra; mas o homem<br />

que tem um assunto a tratar bate e bate até obter resposta”.<br />

M a r t in e a u , Seat of Authoríty, 102,103 - “Deus não somente está além da<br />

natureza, - ele está nela. Na natureza e na mente devemos encontrar a ação<br />

do seu poder. Não há necessidade alguma de que ele seja um terceiro fator<br />

bem acima da natureza e da vida do homem”. H a r t l e y C o l e r id g e : “Não tenhas<br />

medo de orar, - orar é um direito. Se não podes orar com esperança, mas<br />

oras, embora a esperança seja fraca, ou adoeça por causa da demora:<br />

Ora na escuridão, se não há luz. Longo é o tempo, distante da vista humana,<br />

quando a guerra e a discórdia na terra cessarem; Se desejares o bem, pede-<br />

o ao céu, embora não esperes vê-lo; Ora buscando a perfeição, apesar<br />

de que o fermento impede ao espírito que chegue a alcançá-la aqui na terra;<br />

Mas se por qualquer circunstância não tens coragem de orar, ora, então a<br />

Deus pedindo que afaste tal indisposição”.<br />

c) Quando já foi dada a prova suficiente para convencer o cândido inquiridor,<br />

não pode haver consistência com a majestade divina continuar a impor<br />

um teste por simples curiosidade ou ceticismo, - como no caso dos judeus que<br />

pediam um sinal do céu.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Mt. 12.39 - “Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém não se lhe<br />

dará outro sinal, senão o do profeta Jonas”. A oração padrão de T y n d a ll<br />

garantiria um conflito de orações. Porque a nossa vida presente é uma provação<br />

moral, a demora na resposta às nossas orações e mesmo a negação de<br />

coisas específicas que nós pedimos pode apenas ser sinal da fidelidade e<br />

amor de Deus. G e o r g e M ü l l e r : “ E u mesmo tenho apresentado alguns pedidos<br />

diante de Deus por dezessete anos e seis meses e até hoje não passei<br />

um só dia sem orar por eles; contudo, a resposta completa não ocorreu até<br />

agora. Mas eu espero; confiadamente espero”. A oração de Cristo, “passa de<br />

mim este cálice” (Mt. 26.39), e a de Paulo para que pudesse passar o seu<br />

“espinho na carne” (2 Co. 12.7,8), não foram respondidas no sentido preciso<br />

do que se pediu. As nossas orações são respondidas da forma que esperamos.<br />

A oração de Cristo não foi respondida com a remoção literal do cálice,<br />

porque bebê-lo era realmente a glória dele; e a de Paulo não foi respondida<br />

pela a remoção literal do espinho porque este era necessário ao seu aperfeiçoamento.<br />

Tanto no caso de Jesus como no de Paulo, havia interesses maiores<br />

a serem consultados do que a libertação do sofrimento.<br />

d) Porque a vontade de Deus é a ligação entre a oração e a resposta não<br />

pode haver uma demonstração física de sua eficácia em qualquer caso proposto.<br />

Os testes físicos não têm aplicação às coisas em que a vontade livre entra<br />

como elemento constitutivo. Mas há testes morais e estes são tão científicos<br />

como os físicos.<br />

Diman, Theistic Argument, 576, faz referência à n eg ação de G oldwin S mith<br />

de que qualquer m étodo científico pode se r aplicado à história porque faria o<br />

hom em um elo necessário em um a cadeia de c a u sa e efeito e assim negaria<br />

su a vontade livre. M as Diman diz que isto não é m ais impossível que o d e se n ­<br />

volvim ento do aco rd o individual relativo a u m a lei fixa de crescim ento,<br />

enquanto ainda a vontade livre é assiduam ente respeitada. Froude diz que a<br />

história não é ciência porque nenhum a ciência poderia predizer o M aometa-<br />

nismo ou o Budismo; e G oldwin S mith diz que “a predição é a coroa de toda<br />

ciência”. M as Diman assinala; “a geometria, a geologia, a fisiologia são ciências,<br />

a p e sa r de que elas não predizem ”. Buckle pôs a história em condição de<br />

desprezo afirmando que ela poderia se r analisada e m encionada som ente<br />

com relação à s leis e forças intelectuais. Contra tudo isto replicamos que<br />

pode haver testes científicos que não sã o físicos e nem m esm o intelectuais,<br />

porém som ente morais. Tal teste D eus determ ina que o seu povo use em<br />

Ml. 3.10 - “Trazei os v o sso s dízimos à c a s a do S e n h o r ... e depois fazei prova<br />

de mim, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e<br />

não derram ar sobre vós um a bênção tal que dela vos venha maior abastan-<br />

ça ”. Tal oração é um reflexo d as palavras de Cristo - um fragm ento do seu<br />

ensino transform ado em súplica (Jo. 15.7) Tal oração inteira é ainda a obra do<br />

Espírito de D eus (Rm. 8.26,27). É, portanto a certeza de um a resposta.<br />

Mas o teste da oração proposto por T y n d a l l não se aplica à coisa a ser<br />

testada por ela. H o p k in s , Prayer and tha Prayer-gauge, 22 sgs. - “Não podemos<br />

medir o trigo pela jarda ou o peso de um discurso com um par de balanças.<br />

641


6 4 2<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

... A sabedoria de Deus pôde ver que não é o melhor para os que pedem nem<br />

para os objeta-vos da sua petição aceitar o pedido. Portanto, os crentes não<br />

puderam, sem autorização divina especial, descansar a sua fé nos resultados<br />

de tal teste. ... Por que podemos nós pedir grandes mudanças na natureza?<br />

Pela mesma razão que uma criança bem informada não pede a lua como um<br />

brinquedo. ... A oração tem duas limitações. Em primeiro lugar, a não ser por<br />

direção especial de Deus, não pode-mos pedir um milagre, pela mesma<br />

razão que uma criança não pediria a seu pai que queimasse a casa abaixo.<br />

A natureza é a casa em que vivemos. Em segundo lugar, não podemos pedir<br />

qualquer coisa sob as leis da natureza que se contraponha ao objetivo de tais<br />

leis. Qualquer coisa que pudermos fazer por nós mesmos sob estas leis, Deus<br />

espera que façamos. Se a criança está com frio, deixe-a aproximar-se do<br />

fogo, - não peça a seu pai que a carregue”.<br />

A Sociologia de H e r b e r t S pe n c e r é apenas física social. Ele nega a liberdade<br />

e declara que qualquer que afixar D.V. (Deo Volente = se Deus quiser)<br />

ao anúncio da Conferência do Mildmay é incapaz de entender de sociologia.<br />

A previsão exclui a vontade divina ou a humana. Mas o S r . S pencer insinua<br />

que os males da seleção natural podem ser modificados pela seleção natural.<br />

O que é isto senão a interferência da vontade? E se o homem tem a capacidade<br />

de interferir, Deus não pode fazer o mesmo? Até a criança sábia não<br />

espera que o pai dê tudo o que ela pede. Nem o pai que ama o filho lhe dá<br />

como brinquedo uma navalha, ou o enche de doces prejudiciais à saúde<br />

somente porque o filho deseja tais coisas. Se um operador de navio me desse<br />

a permissão para mover a alavanca que põe o mecanismo todo em movimento,<br />

eu abriria mão do meu poder e preferiria deixar a responsabilidade<br />

com ele a menos que antes ele me sugerisse e me apresentasse o processo<br />

de funcionamento. Assim o Espírito Santo “ajuda nossas fraquezas; porque<br />

não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito<br />

intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm. 8 .2 6 ). E não devemos<br />

falar em “submeter” à perfeita Sabedoria, ou em resignar-se ao perfeito Amor.<br />

S h a k e s p e a r e, Antônio e Cleópatra, 2.1 - “O que eles (deuses) negam adiar<br />

eles não negam .... Nós, ignorantes de nós mesmos, pedimos com freqüência<br />

nossos próprios malefícios que as sábias forças nos negam para o nosso<br />

próprio bem; assim encontramos proveito em deixar de receber nossos rogos”.<br />

3. Com a atividade cristã<br />

Aqui a verdade está entre os dois extremos do quietismo e do naturalismo.<br />

a) Em oposição à falsa abnegação da razão humana e da vontade que o<br />

quietismo demanda, sustentamos que Deus nos guia, não através do contínuo<br />

milagre, mas por sua natural providência e energia das nossas faculdades através<br />

de seu Espírito, de modo que racional e livremente fazemos a nossa própria<br />

obra e operamos a nossa própria salvação.<br />

U pham, Interior Life, 3 5 6 , define o quietismo como “a cessação de pensamentos<br />

vagantes e imaginações discursivas, sobra dos desejos e afeições


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

irregulares e perfeita submissão da vontade”. Seus defensores, contudo, têm<br />

freqüentemente falado disto como um abandono da nossa vontade e razão e<br />

a absorção total destas pela sabedoria e vontade de Deus. Esta fraseologia é<br />

equívoca e tem sabor de uma incorporação panteísta do homem em Deus.<br />

Dorner: O quietismo faz de Deus um monarca sem súditos vivos”. Alguns<br />

quietistas ingleses, como os maometanos, não usarão os médicos em caso<br />

de doença. Eles citam 2 Cr. 16.12,13 - Asa “não buscou ao Senhor, mas os<br />

médicos. E Asa dormiu com seus pais”. Eles se esquecem de que os médicos<br />

citados em Crônicas eram, provavelmente, os necromantes pagãos. Cromwell<br />

aos seus Ironsides (homens de atitude férrea): “Confiai em Deus, e conservai<br />

a vossa pólvora seca!”<br />

A providência não exclui, ao contrário, implica a operação da lei natural<br />

pela qual entendemos o meio regular da atuação de Deus. Não abre espaço<br />

para desculpa do sarcasmo do Medium Sr. Sludge de R o b e r t B r o w n in g , 223 -<br />

“Poupai o vosso precioso eu daquilo que acontece aos trinta e três que a<br />

providência esqueceu”. S c h u r m a n , Belief in God, 213 - Os templos estão<br />

repletos de ofertas votivas dos que só escaparam do afogamento”. B entham<br />

costumava dizer, quando algo particularmente aparente não ocorria como<br />

catástrofe natural. Deus se revela na lei natural. Os médicos e os remédios<br />

são os métodos dele, do mesmo modo que a concessão de fé e coragem ao<br />

paciente. Os que defendem a cura pela fé devem prover pela fé para que<br />

nenhum crente morra. Com os milagres apostólicos deve caminhar a inspiração<br />

segundo a declaração de E d w a r d Ir v in g . “Todo homem é tão ocioso como<br />

admitem as circunstâncias”. Lançamos sobre os ombros da Providência os<br />

fardos cujo transporte é de nossa competência. “Operai a vossa salvação<br />

com temor e tremor; pois é Deus quem opera em vós tanto o querer como o<br />

efetuar, segundo o seu beneplácito” (Fp. 2.12,13).<br />

A oração sem o uso dos meios é um insulto a Deus. “Se Deus decretou<br />

que você deve viver, para que comer ou beber”? Pode um homem que está se<br />

afogando recusar-se a nadar, ou deixar de agarrar-se à corda que lhe é lançada<br />

e ainda pedir a Deus que o salve porque ele tem fé? “Amarre o seu camelo”,<br />

diz Maomé, “e confie-o a Deus”. Frederick Douglas costumava dizer que,<br />

quando escravo, freqüentemente orava por liberdade, mas sua oração nunca<br />

foi respondida até que ele orou com os seus pés - e saiu correndo. W h it n e y,<br />

Integrity of Chrístian Science, 68 - “A existência do dínamo na casa de força<br />

não torna desnecessário o cabo do trole, nem o motor secundário, nem a<br />

aplicação da força do condutor. O verdadeiro quietismo é descansar no<br />

Senhor após ter feito a nossa parte”. SI. 37.7 - “Descansa no Senhor e espera<br />

nele”; Is. 57.2 - “Ele entrará em paz; descansarão nas suas camas os que<br />

houveram andado na sua retidão”. Ian M a c L a r e n , Cure of Souls, 147 -<br />

“A religião tem três lugares de permanência: na razão, que é a teologia; na<br />

consciência, que é a ética; no coração, que é o quietismo”.<br />

G e o r g e M ü l l e r , escrevendo sobre a certeza da vontade de Deus, diz:<br />

No começo eu procuro ter meu coração em tal estado que não tenha vontade<br />

por si mesmo com relação a um dado assunto. Nove décimos das atividades<br />

são vencidos quando os nossos corações estão prontos para fazer a vontade<br />

do Senhor, qualquer que seja. Feito isto, não deixo de sentir o resultado ou a<br />

sua simples impressão. Se ajo desta forma, eu me exponho a um grande<br />

6 4 3


6 4 4 Augustus Hopkins Strong<br />

engano. Busco a vontade do Espírito de Deus através do seu Verbo, ou em<br />

conexão com ele. O Espírito e o Verbo devem estar em sintonia. Se olho para<br />

o Espírito sem o Verbo, abro espaço também para grandes enganos. Afinal<br />

de contas, se o Espírito Santo nos guia, ele o faz de acordo com as Escrituras<br />

e nunca as contraria. A seguir, leva em conta as circunstâncias providenciais.<br />

Com freqüência, estas indicam claramente a vontade de Deus em conexão<br />

com o Verbo e o Espírito. Peço a Deus em oração que me revele a vontade<br />

correta. Através da oração a Deus, do estudo da Palavra e da reflexão entro<br />

em deliberado juízo sobre o meu melhor conhecimento e habilidade e, se a<br />

minha mente estiver em paz, eu continuo”.<br />

Não devemos confundir piedade racionai com falso entusiasmo. Ver Isaac<br />

T a y l o r , Natural History of Enthusiasm. “O que se exige de nós não é quietude<br />

(em Inglês quiescence), mas aquiescência”. Como Deus alimenta “as aves<br />

do céu” (Mt. 6.26) não com gotas de comida nas suas bocas, mas estimulando-as<br />

a buscar o alimento por si mesmas, assim Deus provê às suas criaturas<br />

racionais dando-lhes um senso comum santificado e levando-as para usá-lo.<br />

No verdadeiro sentido o cristianismo nos dá mais desejo do que nunca.<br />

O Espírito Santo emancipa a vontade, estabelece-a sobre os objetivos apropriados,<br />

e enche-a de nova energia. Portanto, não devemos nos render passivamente<br />

a tudo o que professa ser uma sugestão divina; 1 Jo. 4.1 - “não<br />

creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus”. O teste é a<br />

palavra de Deus revelada: Is. 8.20 — “À lei e ao testemunho! Se eles não<br />

falarem segundo és-ta palavra, nunca verão a alva”.<br />

b) Em oposição ao naturalismo, sustentamos que Deus está continuamente<br />

perto do espírito humano por sua operação providencial e esta se ajusta à<br />

natureza e necessidades do cristão quanto ao fornecimento de instrução relativa<br />

ao dever, à disciplina do caráter religioso e do auxílio e conforto necessários<br />

nas provações.<br />

Na interpretação das providências de Deus, como na da Escritura, dependemos<br />

do Espírito Santo. A obra do Espírito é, sem dúvida, em grande parte<br />

uma aplicação da verdade da Escritura às circunstâncias presentes. Embora<br />

nunca nos permitimos agir cega ou irracionalmente, mas costumamos ponderar<br />

a evidência com relação ao dever, devemos esperar, como dom do Espírito,<br />

um entendimento das circunstâncias - fino sentido dos propósitos providenciais<br />

com relação a nós, o que fará curso claro para nós, apesar de que nem<br />

sempre somos capazes de explicá-lo aos outros.<br />

O crente pode ter uma divina orientação contínua. Diferente do infiel e<br />

incrédulo de quem se diz no SI. 106.13, “não esperam o seu conselho”, o<br />

verdadeiro crente tem a sabedoria do alto. SI. 32.8 - “Instruir-te-ei e ensinar-<br />

te-ei o caminho que deves seguir”; Pv. 3.6 - “Reconhece-o em todos os teus<br />

caminhos e ele endireitará as tuas veredas”; Fp. 1.9 - “E peço isto: que o<br />

vosso amor aumente mais e mais em ciência e em todo o conhecimento”<br />

(cda0r|cr£i = discernimento espiritual); Tg. 1.5 - “se algum de vós tem falta de


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em<br />

rosto”; Jo. 15.15 - “Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o<br />

que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos”; Cl. 1.9,10 - “que<br />

sejais cheios do conhecimento da sua vontade em toda a sabedoria e inteligência<br />

espiritual para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe<br />

em tudo”.<br />

O Espírito de Deus toma tanto a Providência como a Bíblia um elemento<br />

pessoal para nós. O Deus vivo nos fala a partir de cada página da natureza,<br />

assim como da Bíblia. T h o l u c k: “Quanto mais reconhecemos em cada ocorrência<br />

diária a secreta inspiração de Deus, guiando-nos e controlando-nos,<br />

mais tudo o que aos outros parece um aspecto comum e diário nos provará<br />

ser um sinal e uma obra maravilhosa”. H u t t o n , Essays. “Animais que são<br />

cegos escravos do impulso levados por forças interiores, têm, por assim<br />

dizer, poucas válvulas na sua constituição moral para entrar na orientação<br />

divina. Mas as mentes vivificadas em cada palavra de Deus dão constante<br />

oportunidade de interferir nas sugestões que podem alterar o curso da sua<br />

vida. Quanto mais elevada é a mente, mais desliza para a região do controle<br />

providencial. Deus transforma o bem através do mais frágil sopro do pensamento”.<br />

Assim, o hino cristão “Guia-me, grande Yahweh!” compara a direção<br />

que Deus exerce sobre o crente com a de Israel através da coluna de fogo e<br />

da nuvem; e Paulo, em seu calabouço chama-se a si mesmo “prisioneiro de<br />

Jesus Cristo” (Ef. 3.1). A aflição é a disciplina da providência de Deus. Provérbio<br />

grego: “Aquele que não leva surra não recebe educação”.<br />

Abraão “saiu sem saber para onde ia” (Hb. 11.8). Não conhecia o lugar do<br />

seu destino, a não ser depois de chegar a Canaã. Como um filho, ele pôs a<br />

sua mão na mão do seu Pai invisível, para ser conduzido ao lugar que ele não<br />

conhecia. Freqüentemente somos guiados sem discernimento disso. Is. 42.16<br />

- “Guiarei os cegos por um caminho que nunca conheceram; fá-los-ei caminhar<br />

por veredas que não conheceram”. Assim agimos mais sabiamente do<br />

que nós mesmos entendemos e depois olhamos para trás com espanto para<br />

ver o que fomos capazes de cumprir. E m e r s o n : “Mesmo vindo de Deus por si<br />

não podia libertar-se; ele construiu melhor do que sabia”. Provérbio chinês:<br />

“O bom Deus nunca fere com as duas mãos”. O tato é um tipo de automatis-<br />

mo psíquico” (L a d d ). Há um tato cristão que raramente é uma falha porque<br />

aquele que o possui “é guiado pelo Espírito de Deus” (Rm. 8.14). Contudo,<br />

devemos sempre fazer concessões como Cromwell costumava dizer, “em<br />

favor da possibilidade de errar”.<br />

Quando os amigos de Lutero escreveram desesperançados sobre as<br />

negociações na Dieta de Worms, de Coburgo ele respondeu que estivera<br />

olhando para o alto ao céu noturno, recoberto de estrelas como lantejoulas e<br />

não tinha visto nenhuma coluna sustentando-as. E mesmo assim elas não<br />

caiam. Deus não precisa de nenhuma escora para as suas estrelas e planetas.<br />

Ele não as suspende em nada. Assim, na obra da providência de Deus, o<br />

invisível é a escora do visível. H en r y D r u m m o n d , Life, 127 - “Processos para<br />

encontrar a vontade de Deus: 1. Orar. 2. Pensar. 3. Conversar com sábios,<br />

mas não considerar como final a decisão deles. 4. Acautelar-se quanto à tendência<br />

da sua vontade, mas não ter muito medo dela (Deus nunca opõe<br />

necessariamente a natureza e predileções do homem. É um erro pensar que<br />

64 5


6 4 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

a vontade dele está sempre em linha de desacordo). 5. Enquanto isso, faça o<br />

que se segue (porque fazer a vontade de Deus nas pequenas coisas é<br />

o melhor preparo rumo ao conhecimento dela sobre as grandes coisas).<br />

6. Quando há necessidade de decisão e ação, siga à frente. 7. Nunca reconsidere<br />

a decisão uma vez executada. 8. É provável que você nunca descubra,<br />

mesmo mais tarde, talvez muito mais tarde que, afinal de contas, você foi dirigido”.<br />

A miel lamentava que tudo havia sido deixado sob a sua responsabilidade<br />

e declarava: “Este é o pensamento que me desgosta sobre o governo da<br />

minha vida. Para obter a verdadeira paz, o homem precisa sentir-se dirigido,<br />

perdoado e sustentado por uma Força suprema, a fim de sentir-se no caminho<br />

certo, no lugar em que Deus quer que ele esteja, - em harmonia com<br />

Deus e com o universo. Tal fé fortalece e acalma. Eu não a tenho. Tudo me<br />

parece arbitrário e fortuito”. Muito melhor é a fé que sentia W o r d s w o r th ,<br />

Excursion, livro 4.581 - “Só existe um apoio adequado às calamidades da<br />

vida moral: uma firme crença em que o processo do nosso destino, conquanto<br />

triste e perturbado, é ordenado por um Ser de infinita benevolência e poder,<br />

cujos propósitos eternos abrangem todos acidentes, convertendo-os em bem”.<br />

S r a . B ro w n in g , De profundis, estrofe xxiii - Enquanto prosseguem meus dias,<br />

“louvo-te; enquanto os meus dias prosseguem, amo-te! Em meio a trevas e<br />

fome, em meio a fogo e gelo, de mãos vazias e tesouro perdido, graças te dou<br />

enquanto prosseguem meus dias!”<br />

4. Com os maus atos dos agentes livres<br />

a) Devemos aqui distinguir entre a atuação natural e a atuação moral de<br />

Deus, ou entre os atos da providência permissiva e os atos da causa eficiente.<br />

Sempre devemos lembrar que Deus nem opera o mal, nem faz as suas criaturas<br />

operá-lo. A culpa de todo o pecado é a vontade própria e a perversidade da<br />

criatura; declarar Deus o seu autor é a maior das blasfêmias.<br />

B ispo W o r d s w o r t h : “Deus prevê as más ações, mas nunca as forçsl’. Deus<br />

não causa o pecado, assim como o cavaleiro em um ginete que coxeia causa<br />

a sua coxeadura”. Nem se pode dizer que Satanás é o autor do pecado do<br />

homem. As forças do homem são dele. Não é Satanás, mas o próprio homem<br />

que faz aplicação errada das suas forças. Ele não é a causa, mas a ocasião<br />

do pecado que está na ira; a causa está na vontade má que produz a sua<br />

persuasão.<br />

b) Porém, conquanto o homem forma sua má decisão independentemente<br />

de Deus, por sua atuação natural, ele ordena o método em que este mal interior<br />

se expressará, limitando-o no tempo, no lugar e na medida, ou dirigindo-<br />

o para o fim que a sua sabedoria e o amor (não a intenção do homem) estabeleceram.<br />

Em tudo isto, contudo, Deus só permite que o pecado se desenvolva<br />

segundo a sua própria natureza, de modo que possa ser conhecido, detestado<br />

e, se possível, vencido e renegado.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 4 7<br />

P h il ip p i, Glaubenslehre, 2.272-284 - “A traição de Judas opera a reconciliação<br />

do mundo, e a apostasia de Israel a salvação dos gentios. ... Deus<br />

abranda o caminho do pecador e lhe dá a oportunidade da insurreição contra<br />

o mal como o sábio médico que traz para a superfície do corpo a doença que<br />

o tem devasta interiormente, para que possa ser curado, se possível, através<br />

de recursos brandos, ou, se não, com a faca”.<br />

O cristianismo levanta-se apesar de, ou melhor, em conseqüência da oposição,<br />

como uma pipa contra o vento. Quando Cristo usou a espada de que<br />

ele se cingiu, como usou Ciro e o Assírio, quebrou-a e lançou-a fora. Ele<br />

transtorna o mundo que ele mesmo ordenou. Vale-se de cada membro da<br />

sociedade como a locomotiva usa cada dente da engrenagem. Os sofrimentos<br />

dos mártires aumentam em número a igreja; o culto das relíquias estimula<br />

as Cruzadas; o culto dos santos leva a peças de milagres e ao drama moderno;<br />

o culto de imagens auxilia a moderna arte; o monasticismo, o escolasticis-<br />

mo, o papado, e mesmo a crítica cética e destrutiva levantam defensores da<br />

fé. S h a k e s p e a r e , Ricardo III, 5.1 - “Assim ele força a espada dos ímpios a<br />

tornarem seus próprios pontos contra os peitos dos seus senhores”; Hamlet,<br />

1.2 - “Os atos criminosos aparecerão aos olhos dos homens, muito embora<br />

estejam sepultados no mais profundo solo” vol. I Abril p. 214; Macbeth, 1.7 -<br />

“A justiça, com a mão eqüitativo, apresenta a nossos próprios lábios os ingredientes<br />

do cálice que nós mesmos empeçonhamos” (idem p. 133).<br />

O imperador da Alemanha foi a Paris incógnito e voltou, pensando que<br />

ninguém tinha notado a sua ausência. Mas a cada passo, indo e vindo, ele<br />

estava rodeado de detetives que viam que nenhum mal se aproximava dele.<br />

A andorinha repetidas vezes se dirigia para uma mariposa, mas havia uma<br />

vidraça entre ambos e nenhuma das duas o sabia. C h a r le s D ic kens pôs o<br />

queixo de encontro ao vidro da redoma da cobra, mas não pôde evitar de<br />

sobressaltar-se quando a cobra o atacou. T á c it o , Annales, 14.5 - “Noctem<br />

sideribus illustrem, quasi convincendum ad scelus, dii praebuere” - “os deuses<br />

concederam uma noite brilhante de estrelas, como se tivessem o propósito<br />

de provar um crime”. Ver F. A. N o b l e , Our Redemption, 59-76, sobre o<br />

registro de si mesmo e a revelação dos seus próprios pecados com a citação<br />

do discurso de D a n ie l W eb s t e r no caso de K napp em Salém: “Convém confessar.<br />

Confessar-se-á. Não há nenhum refúgio da confissão a não ser o suicídio<br />

e o suicídio é confissão”.<br />

c) Nos casos da persistente iniqüidade, a providência de Deus ainda compele<br />

o pecador a cumprir o desígnio para o qual ele e todas coisas foram criadas,<br />

a saber, a manifestação da santidade de Deus. Apesar de lutar contra o<br />

plano de Deus, pela sua própria resistência, deve servir o dito plano. O pecado<br />

se faz o próprio detentor, juiz, atormentador dele. Seu caráter e sentença tornam-se<br />

uma advertência para os outros. Recusando glorificar Deus na sua<br />

salvação, ele o glorifica na destruição.<br />

Is. 10 .5 ,7 - “Ai da Assíria, a vara da minha ira! Porque a minha indignação<br />

é como o bordão nas minhas m ãos.... ainda que ele não cuide assim”. C har les


6 4 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

K ingsley, Two Years Ago: “Ele [Treludra] é uma daquelas naturezas básicas<br />

que o fato só açoita em grande fúria, - a Faraó, cujo coração o próprio Senhor<br />

só pode endurecer” - aqui acrescentaríamos a qualificação: ‘em consistência<br />

com os limites que ele estabeleceu para a operação da sua graça’. A ordem<br />

de Faraó para destruir as crianças israelitas (Ex. 1.16) tornou-se o meio de<br />

pôr Moisés sob a proteção real, de treiná-lo para a obra futura e, por fim,<br />

resgatar toda a nação cujos filhos Faraó procurou destruir. Assim, do bem<br />

Deus extrai o mal. E m erson: Minha vontade se cumprirá, Pois à luz do dia<br />

como nas trevas O raio tem olhos para ver o seu caminho de volta ao para a<br />

minha terra”.<br />

Cl 2.15 - “despojando os principados e potestades” - as hostes dos espíritos<br />

maus como enxames sobre ele em seu ocaso final - “os expôs publicamente<br />

e deles triunfou em si mesmo” i.e. na cruz, tornando assim o mal que<br />

eles praticaram em um bem. Royce, Spirit of Modern Philosophy, 443, -<br />

O Amor, andando à procura do mal absoluto, é como a lâmpada elétrica<br />

na pesquisa de uma sombra; quando o amor chega, a sombra desaparece”.<br />

Porém isto não significa que todas as coisas são boas, mas que “todas as<br />

coisas cooperam para o bem” (Rm. 8.28). - Deus, encaminhando para o bem<br />

aquilo que em si mesmo é mau. J ohn Wesley: “Deus sepulta o seu obreiro,<br />

mas continua a sua obra”. Sermão sobre “Os Equívocos do Diabo”: Satanás<br />

pensava que podia vencer Cristo no deserto, no jardim e na cruz. Ele triunfou<br />

quando lançou Paulo na prisão. Mas a cruz foi para Cristo um levantamento<br />

que atrairia todos a ele (Jo. 12.32), e o aprisionamento de Paulo forneceu<br />

suas epístolas ao Novo Testamento.<br />

“Uma das maravilhas do amor divino é que mesmo as nossas máculas e<br />

pecados Deus tomará quando verdadeiramente nos arrependemos e as<br />

entregamos nas suas mãos e de algum modo transformam-se em bênçãos.<br />

Um amigo certa vez mostrou a R uskin um lenço caro no qual havia uma mancha<br />

de tinta. ‘Nada se pode fazer com isso’, disse o amigo pensando que o<br />

lenço perdera o valor e agora estava estragado. Ruskin levou-o consigo e,<br />

depois de um certo tempo, devolveu-o ao amigo. De uma forma hábil e artística<br />

ele fez um esplêndido desenho com tinta da índia, usando o borrão como<br />

sua base. Ao invés de danificado, o lenço se tornou muito mais belo e precioso.<br />

Assim Deus faz os borrões e manchas nas nossas vidas, os nossos<br />

defeitos quando os cometemos a ele e, por sua maravilhosa graça, transforma-os<br />

em marcas de beleza. O aflitivo pecado de Davi não só foi perdoado,<br />

mas tornou-se um poder transformador na sua vida. A dolorosa queda de<br />

Pedro tornou-se um passo acima pelo perdão do Senhor e seu gentil tratamento”.<br />

Assim “os homens podem levantar-se pisando as pedras do seu eu<br />

rumo às coisas mais elevadas” (T ennyson, In Memoriam, I).<br />

SEÇÃO IV - OS ANJOS BONS E OS MAUS<br />

Como ministros da providência divina há um a classe de seres finitos, de<br />

m aior inteligência e poder do que o homem em seu estado presente, alguns<br />

dos quais servem positivamente ao propósito de Deus através da santidade e


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 4 9<br />

execução voluntária de sua vontade, alguns negativamente, dando ao universo<br />

exemplos de rebelião derrotada e punida e ilustrando a graça distinta de Deus<br />

na salvação do homem.<br />

As sutilezas dos escolásticos que embaraçaram esta doutrina na Idade Média<br />

e as representações exageradas do poder dos espíritos maus que então prevaleciam,<br />

conduziram, por reação natural, a um a indevida depreciação da matéria<br />

em tempos mais recentes.<br />

Para as discussões escolásticas ver T omás de A quino, Summa (ed. Migne),<br />

1.833-993. Os escolásticos debatiam questões tais como quantos anjos<br />

podem ao mesmo tempo ficar na ponta de uma agulha (relação dos anjos<br />

com o espaço); se um anjo pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; qual<br />

é o intervalo entre a criação dos anjos e a sua queda; se o pecado de um anjo<br />

causou o pecado dos demais; se os que retiveram a integridade são tantos<br />

quantos os que caíram; se a nossa atmosfera é o lugar da punição dos anjos<br />

decaídos; se os anjos da guarda têm a sua incumbência a partir do batismo,<br />

ou desde o nascimento, ou enquanto a criança está no ventre materno; mesmo<br />

os excrementos dos anjos são objeto de discussão, pois se há “comida de<br />

anjos” (SI. 78.25) e se os anjos comiam (Gn. 18.8), argumentava-se que<br />

devemos seguir as conseqüências lógicas.<br />

D ante considera a criação dos anjos simultânea à do universo em toda a<br />

extensão. “Ele considera que a queda dos anjos rebeldes ocorreu dentro de<br />

vinte segundos após a criação e se originou no orgulho que fez Lúcifer não<br />

querer esperar o tempo prefixado pelo seu Criador para iluminá-lo com o seu<br />

perfeito conhecimento” - Ver R o ssetti, Sombra de Dante, 14,15. Diferentemente<br />

de D ante, M ilton põe a criação dos anjos em eras antes da criação do<br />

homem. Ele nos conta que o primeiro nome de Satanás no céu já se perdeu.<br />

As sublimes associações com que M ilton cerca o adversário diminui nossa<br />

aversão do maligno. Satanás foi chamado o herói do Paraíso Perdido. A representação<br />

de D ante é muito mais verdadeira com relação à Escritura. Mas não<br />

devemos chegar ao extremo de dar designações ridículas ao Diabo. Isto indica<br />

e causa ceticismo quanto à sua existência.<br />

No período medieval a mente do homem estava carregada do terror do<br />

espírito do mal. Pensava-se que era possível vender a alma a Satanás através<br />

de um pacto escrito com sangue. G oethe representa Mefistófeles dizendo<br />

a Fausto: “Para o teu serviço aqui eu concordo que tu me mandes Correr sem<br />

parar ao teu chamado; Quando bem distante tu me achares, Então farás tanto<br />

por mim”. As catedrais cultivavam e perpetuavam esta superstição através de<br />

figuras de demônios malignos que arreganham os dentes das gárgulas dos<br />

seus tetos e dos capitéis das suas colunas e a pregação popular exaltava<br />

Satanás ao nível de um deus rival - mais temido que o verdadeiro Deus vivo.<br />

Satanás era pintado como tendo chifres e cascos - imagem de sensual e<br />

bestial - que levou C uvier a considerar que o adversário não podia devorar<br />

porque os chifres e cascos não indicavam um carnívoro mas um quadrúpede<br />

ruminante.


6 5 0<br />

Augustus H opkins Strong<br />

Mas certam ente é possível que um a escala ascendente das inteligências<br />

criadas não atinjam o ponto mais alto no homem. Como a distância entre o<br />

hom em e as formas inferiores de vida preenchem -se com inumeráveis gradações<br />

do ser, é possível que tam bém entre o hom em e Deus existam criaturas de<br />

inteligência mais elevada que a do homem. Esta possibilidade se transforma<br />

em certeza através das declarações expressas da Escritura. A doutrina está<br />

entrelaçada com os livros da revelação mais tardios assim como com os mais<br />

antigos.<br />

Q uenstedt (Theology; 1.629) considera a existência dos anjos como os<br />

prováveis antecedentes porque não há lacuna na criação; a natureza não<br />

procede persaltum (aos saltos). Assim temos 1) seres puramente corpóreos,<br />

como as pedras; 2) seres em parte corpóreos e em parte espirituais como o<br />

homem 3) seres inteiramente espirituais como os anjos. G o d e t, em seus<br />

Biblical Studies ofthe O. T., 1-29, sugere outra série de gradações. Assim como<br />

temos 1) os vegetais = espécie sem individualidade; 2) os animais = individualidade<br />

limitada à espécie; e 3) o homem = espécie dotada de individualidade:<br />

também podemos esperar 4) os anjos = individualidade sem espécie.<br />

Se as almas vivem após a morte, sem dúvida há uma classe de espíritos<br />

desencarnados. Não é impossível que Deus tenha criado espíritos sem corpos.<br />

E. G. R obinson, Christian Theology, 110 - “A existência de deidades inferiores<br />

em todas as mitologias pagãs e a disposição universal do homem para<br />

crer em seres superiores a si e inferiores ao Deus supremo é um argumento<br />

pressuposto em favor da sua existência”. Locke: “Para mim é provável que<br />

haja mais espécies acima de criaturas inteligentes do que sensíveis e materiais<br />

abaixo de nós, porque em todo o mundo visível e corpóreo não vemos<br />

lacunas e brechas”. F oster, Christian Life and Theology, 193 - “Certamente<br />

pode-se crer na existência dos anjos com base no testemunho de alguém<br />

que defende ter vindo do mundo celeste se se pode crer no ornitorrinco com<br />

base no testemunho dos viajantes”. T ennyson, Two Voices: “Esta verdade dentro<br />

da tua mente recita, Que um ilimitado universo É melhor, ou pior ilimitado.<br />

Pensais vós que este mundo de esperanças Não poderia achar-se mais<br />

imponente do que seus pares Em mais de cem milhões de esferas?”<br />

A doutrina dos anjos fornece uma barreira contra a falsa concepção de<br />

que este mundo inclui o universo espiritual inteiro. A terra é apenas uma parte<br />

de um organismo maior. Como o cristianismo uniu judeus e gentios, daqui em<br />

diante harmonizará a nossa ordem de criação assim como outras: Cl. 2.10 -<br />

“que é a cabeça de todo o principado e potestade” = Cristo é a cabeça dos<br />

anjos assim como dos homens; Ef. 1.10 — “congregar todas as coisas em<br />

Cristo, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra”.<br />

I. AFIRMAÇÕES E SUGESTÕES DA ESCRITURA<br />

1. Quanto à natureza e atributos dos anjos<br />

a) Eles são seres criados.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 5 1<br />

SI. 148.2-5 - “Louvai-o todos os seus anjos. ... pois mandou e logo foram<br />

criados”; Cl. 1.16 - “Porque nele foram criadas todas as coisas. ... sejam<br />

tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades”. cf. 1 Pe. 3.22<br />

- “anjos, e autoridades e potestades”. Deus é o único ser não criado e eterno.<br />

Isto está implicado em 1 Tm. 6.16 - “aquele que tem, ele só, a imortalidade”.<br />

b) São seres incorpóreos.<br />

Em Hb. 1.14, onde uma só palavra é empregada para designar os anjos,<br />

eles são descritos como “espíritos” - “não são todos eles espíritos ministra-<br />

dores?” Os homens, com sua dupla natureza, material e imaterial, não poderiam<br />

ser designados como “espíritos”. Parece estar implicado em Ef. 6.12 -<br />

“porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas contra ... as hostes<br />

espirituais da maldade nos lugares celestiais” que a sua caraterística de “espíritos”<br />

impede-nos de considerar os anjos como tendo um organismo corpó-<br />

reo; cf. Ef. 1.3 “bênçãos espirituais nos lugares celestiais”; 2.6 “e nos fez<br />

assentar nos lugares celestiais. Em Gn. 6.2 “filhos de Deus = não anjos, mas<br />

descendentes de Sete e adoradores do verdadeiro Deus. Em SI. 78.25, “o<br />

pão dos anjos” (Revista e Atualizada do Brasil) = maná vindo do céu, onde<br />

habitam os anjos; melhor, contudo, é o texto da Revista e Corrigida: “pão dos<br />

poderosos” - provavelmente significando anjos, apesar de que a palavra<br />

“poderosos” em parte alguma é aplicada a eles; possivelmente = “pão dos<br />

príncipes ou dos nobres”, i.e. o mais refinado e mais delicado pão. Mt. 22.30<br />

- “nem casam, nem são dados em casamento, mas serão como os anjos no<br />

céu” - e Lc. 20.36 “nem podem morrer, pois são iguais aos anjos” - implicam<br />

só que os anjos não têm distinção de sexo. Os santos devem ser como<br />

os anjos, não que sejam incorpóreos, mas que não mantêm união sexual<br />

como aqui.<br />

Não existe “alma de anjos”, como “almas dos homens” (Ap. 18.13) e podemos<br />

inferir que os anjos não têm corpos nos quais as almas possam morar;<br />

ver Elementos Essenciais da Natureza Humana. N evius, Demon-Possession,<br />

258 atribui aos espíritos maus um instinto ou anseio de possuir um corpo<br />

mesmo que seja o de um animal inferior: “Assim na Escritura são representados<br />

espíritos vagando em busca de repouso em corpos e pedindo permissão<br />

para entrar nos porcos” (Mt. 12.43; 8.31). Portanto, os anjos, visto que<br />

não têm corpos, não conhecem nada sobre crescimento, idade, ou morte.<br />

M artensen, Christian Dogmatics, 133 - “Precisamente porque os anjos não<br />

são almas, mas apenas espíritos é que eles não podem possuir a mesma<br />

essência rica que o homem, cuja alma é o ponto de união em que se encontram<br />

o espírito e a natureza”.<br />

c) São agentes pessoais - isto é, inteligentes e voluntários.<br />

2 Sm. 14.20 - “sábio, conforme a sabedoria de um anjo de Deus”; Lc. 4.34<br />

- “bem sei que és o Santo de Deus”; 2 Tm. 2.26 “laços do diabo, em cuja<br />

vontade estão presos”; Ap. 22.9 - “Olha, não faças tal” = exercício da vontade;<br />

Ap. 12.12 - “o diabo desceu a vós e tem grande ira” = propósito mau.


6 5 2 Augustus Hopkins Strong<br />

d) Possuem inteligência e poder sobre-humanos que têm seus limites fixados.<br />

Mt. 24.36 - “do dia e da hora ninguém sabe, nem os anjos do céu” = o<br />

conhecimento deles, embora sobre-humano, é finito. 1 Pe. 1.12 - “para as<br />

quais coisas os anjos bem desejam atentar”; SI. 103.20 - “anjos ... magníficos<br />

em poder”; 2Ts. 1 .7 - “com os anjos do seu poder”; 2 Pe. 2.11 - “enquanto os<br />

anjos, sendo maiores (que os homens) em força e poder; Ap. 20.2,10 - “prendeu<br />

o dragão ... e amarrou-o ... foi lançado no lago de fogo”. Comp. SI. 72.18<br />

- “Deus ... só ele faz maravilhas” = só Deus pode fazer milagres. Comparados<br />

com Deus os anjos são imperfeitos (Jó 4.18; 15.15; 25.5).<br />

Poder, mais do que beleza e inteligência, é a sua característica marcante.<br />

Eles são “principados e potestades” (Cl. 1.16). Assombram os que os contemplam<br />

(Mt. 28.4). O rolar da pedra sobre o sepulcro exigia força. Uma roda<br />

de granito com oito pés de diâmetro (2,54 m) e um pé (0,33 m) de espessura,<br />

rolando em um sulco, pesaria mais de quatro toneladas. Mason, Faith of the<br />

Gospel, 86 - “O poder espiritual e a incandescente indignação no rosto de<br />

Estêvão lembrava ao Sinédrio uma visão angelical”. Mesmo em seu terno<br />

ministrar eles eram fortes (Lc. 22.43 - “E apareceu-lhe um anjo do céu, que o<br />

confortava” cf. Dn. 10.19 - “Anima-te, anima-te! E falando ele comigo, esforcei-me<br />

e disse: Fala, Senhor, porque me confortaste). Em 1 Tm. 6.15 “Rei dos<br />

reis e Senhor dos senhores” - as palavras “reis” e “senhores” (PaaiXevóvtcov<br />

e KDpieuóvxcov) podem referir-se aos anjos. Especialmente no caso dos espíritos<br />

maus, o poder parece a principal coisa na mente, i.e. “o príncipe deste<br />

mundo”, “o homem forte armado”, “a potestade das trevas”, “os príncipes das<br />

trevas deste mundo”, “o grande dragão”, “todo o poder do inimigo”, “dar-te-ei<br />

todas estas coisas”, “livra-nos do maligno”.<br />

é) Distinguem-se dos homens em ordem de inteligência e são mais antigos<br />

que eles.<br />

Os anjos são distintos dos homens. 1 Co. 6.3 - “havemos de julgar os<br />

anjos”; Hb. 1.14 “Não são, porventura, todos eles espíritos ministradores<br />

enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” Eles<br />

não são espíritos humanos glorificados; ver Hb. 2.16 - “Porque, na verdade,<br />

ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão”; também<br />

12.22,23, onde as inumeráveis hostes de anjos” distinguem-se da “igreja dos<br />

primogênitos” e dos “espíritos dos justos aperfeiçoados”. Em Ap. 22.9 -<br />

“Eu sou um conservo teu” sugere semelhança com os homens, não na natureza,<br />

mas no serviço e subordinação a Deus, o objeto próprio da adoração.<br />

Sunday School Times, 15 de mar. de 1902.146 - Fala-se dos anjos como<br />

maiores em força e poder do que o homem, mas de que se pode dizer a<br />

respeito de muitos animais inferiores ou mesmo do redemoinho e do fogo.<br />

Nunca se fala dos anjos como uma ordem superior de seres espirituais. Nós<br />

devemos “julgar os anjos” (1 Co. 6.3) e os inferiores não devem julgar os<br />

superiores”.<br />

Os anjos são uma ordem de inteligência mais antiga que o homem. Os Pais<br />

tornaram a criação dos anjos simultânea à formação do ser dos elementos,


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 653<br />

talvez baseando sua opinião no apócrifo Eclesiástico 18.1 - “Aquele que vive<br />

eternamente criou todas as coisas juntas”. Em Jó 38.7, o paralelismo hebraico<br />

faz “as estrelas da manhã” = “filhos de Deus”, de modo que se fala dos<br />

anjos como presentes em certos estágios da obra criativa de Deus. A menção<br />

da “serpente” em Gn. 3.1 implica que a queda de Satanás se deu antes da<br />

queda do homem. Podemos inferir que a criação dos anjos ocorreu antes<br />

da criação do homem - o inferior antes do superior. Em Gn. 2.1 “todo o seu<br />

exército”, que Deus tinha criado pode-se pretender a inclusão dos anjos.<br />

O homem foi a coroa da criação, criado depois dos anjos. M ason, Faith of<br />

the Gospel, 81 - “Talvez os anjos tivessem sido criados antes do elemento<br />

material dos céus e terra - substrato espiritual sobre o qual as coisas materiais<br />

foram plantadas, criação preparatória para receber o que se seguiria.<br />

Na visão de Jacó eles sobem e descem; seu lugar natural é o mundo aqui<br />

embaixo”.<br />

Não se pode explicar a constante representação dos anjos como seres pessoais<br />

na Escritura como personificação do bem e do mal em acomodação às<br />

superstições judaicas sem opor-se a muitas passagens narrativas de sentido<br />

óbvio; implicando da parte de Cristo, ou dissimulação, ou ignorância quanto a<br />

um ponto importante da doutrina; e a crença na inspiração do Velho Testamento<br />

a partir da qual estes pontos de vista judaicos da crença angelical derivavam.<br />

Jesus se acomodou à crença popular com respeito ao menos ao “seio de<br />

Abraão” (Lc. 16.22) e confessou sua ignorância sobre o tempo do fim (Mc. 13.32);<br />

verRusH R h ees, Life of Jesus of Nazareth, 245-248. Mas naquele caso seus<br />

ouvintes provavelmente tenham entendido que falasse figurada e retorica-<br />

mente, enquanto neste não havia nenhum falso ensino, mas só limitação do<br />

conhecimento sobre a verdade. Nosso Senhor não hesitou em contradizer a<br />

crença farisaica sobre a eficácia das cerimônias e a negação da ressurreição<br />

e vida futura segundo a crença dos saduceus. A doutrina dos anjos tinha mais<br />

forte apoio na mente popular do que estes erros dos fariseus e saduceus.<br />

O fato de que Jesus não corrigiu ou negou a crença gerai, mas ele mesmo<br />

a expressou e confirmou implica que a crença era racional e escriturística.<br />

Sobre uma das melhores declarações do argumento, ver B roadus, Com. on<br />

Mt. eus 8.28 (1Q vol., p. 265, ed. em português).<br />

Ef. 3.10 - “a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados<br />

e potestades nos céus” - exclui a hipótese de que os anjos são apenas<br />

concepções abstratas do bem ou do mal. Falamos de pessoas no mundo da<br />

lua, como lunáticas só quando sabemos que ninguém supõe que creiamos<br />

que a lua exerce poder enlouquecedor. Mas os contemporâneos de Cristo<br />

supunham mesmo que ele cresse nos espíritos angélicos bons e maus.<br />

Se esta crença era um erro, de modo algum era prejudicial e a benevolência<br />

assim como a veracidade de Cristo tê-lo-iam levado a corrigi-la. Assim<br />

também, se Paulo tivesse sabido que não havia tais seres como os anjos,<br />

ele não teria honestamente contendido com os colossenses, proibindo-os de


6 5 4 Augustus Hopkins Strong<br />

adorá-los (Cl. 2.18), mas teria negado a sua existência, como negou a existência<br />

dos deuses pagãos (1 Co. 8.4).<br />

T heodore Parker dizia que havia muita evidência de que Je s u s cria em um<br />

diabo pessoal. Harnack, W esen d es Christenthum s (A P e ss o a [ou caráter] do<br />

Cristão), 35 - “Não há dúvida de que J e su s compartilhava com se u s contem ­<br />

porâneos a representação de dois reinos: o de D eus e o do diabo” W endt,<br />

Teaching of Jesus, 1.164 - J e s u s “faz S a ta n á s ap arecer com o o tentador<br />

imediato. Sinto-m e bem longe de p e n sa r que ele a g e assim por sim ples<br />

linguagem figurada. Não há dúvida de que J e s u s aceitava a s idéias contem<br />

p o rân eas quanto à existência real de S a ta n á s e, concordem ente, nos<br />

caso s particulares de doença, ele supõe um a tentação satânica real”. Maurice,<br />

Theological Essays, 32,34 - “O reconhecim ento de um espírito m au é cara-<br />

terística do cristianismo”. H. B. S mith, 261 - “P arece que o poder de S atan ás<br />

no m undo c h eg a ao ponto culm inante no tem po de Cristo, e diminui daí<br />

em diante”.<br />

A m esm a nota se aplica ao ponto de vista que considera Satanás tão<br />

somente como um termo coletivo para todos os seres maus, quer humanos,<br />

quer sobre-humanos. As representações bíblicas da ira progressiva do grande<br />

adversário, desde o prim eiro assalto à virtude hum ana em Gênesis até a derrota<br />

no Apocalipse, somam-se ao já m encionado testem unho de Cristo, com o<br />

fim de im pedir quaisquer outras conclusões que não sejam esta, de que há um<br />

ser pessoal de grande força, que pratica a oposição organizada ao governo<br />

divino.<br />

C rane, The Religion of To-morrow, 299 sgs. - “Dizemos bem ‘diabo pessoal’,<br />

porque não há nenhum diabo que não seja pessoalidade”. Não podemos<br />

negar a pessoalidade de Satanás a não ser que sejamos compelidos a<br />

negar a existência dos anjos bons, a pessoalidade do Espírito Santo e a pessoalidade<br />

de Deus Pai, - podemos até acrescentar a pessoalidade da alma<br />

humana. N igel P enruddock em “Endymion" do Lord Beaconsfield diz: “Dá-me<br />

um só argumento contra a sua (de Satanás) pessoalidade, que não se aplica<br />

à pessoalidade de Deus”. Um dos mais ingênuos artifícios de Satanás é persuadir<br />

o homem de que ele não existe. A seguir vem o artifício de substituir<br />

a crença em um diabo pessoal pela crença em um espírito mau impessoal.<br />

Tal substituição achamos em P fleid er er, Philosophy of Religion, 1.311 -<br />

“A idéia do diabo foi um expediente bem aceito para a necessidade da reflexão<br />

religiosa avançada, a fim de excluir Deus da relação com o maligno e<br />

com a maldade do mundo”. P fleiderer fala-nos que o otimismo primitivo dos<br />

hebreus, como o dos gregos, deu lugar nos últimos tempos ao pessimismo e<br />

desespero. Mas os hebreus ainda tinham esperança na libertação através do<br />

Messias e um apocalíptico reino do bem.<br />

Sobre o ponto de vista de que Satanás é simplesmente um termo coletivo<br />

designando os seres maus, ver Bushnell, Nature and the Supernatural, 134-<br />

137. Bushnell, ao sustentar que o mal moral deve ser uma “condição privativa”<br />

necessária de todos os seres como tais, crê que “todos os anjos bons


T e o l o o ia S is t e m á t ic a<br />

passaram por uma queda e foram auxiliados, do mesmo modo que o será o<br />

redimido da humanidade”. “Anjos eleitos” (1 Tm. 5.21) então seriam os salvos<br />

após a queda, não os salvos da queda; e “Satanás” seria, não anom e particular<br />

de uma pessoa, mas todos ou o total das mentes e forças más.<br />

2. Quanto ao seu núm ero e organização<br />

a) Eles são um a grande multidão.<br />

Dt. 33.2 - “O Senhor ... veio com dez milhares de santos”; SI. 68.17 -<br />

“Os carros de Deus são vinte milhares, milhares de milhares”; Ap. 5 .1 1 - “Ouvi<br />

uma voz de muitos anjos ... e era o número deles milhões de milhões e milhares<br />

de milhares”. Anselmo pensava que o número dos anjos perdidos era<br />

completado pelo número dos homens eleitos. Savage, A Vida após a Morte,<br />

61 - Os fariseus sustentavam noções exageradas do número de espíritos<br />

angélicos. Eles “diziam que, se o homem lançasse uma pedra sobre o seu<br />

ombro ou jogasse fora um caco de cerâmica, deveria pedir perdão a qualquer<br />

espírito que ele possivelmente pudesse acertar”. Na época de W. H. H.<br />

M u r r a y dizia-se que era perigoso no Adirondack atirar com arma de fogo, -<br />

poderia ferir um homem.<br />

b) Constituem-se um grupo distinto de um a raça.<br />

Mt. 22.30 - “não casam, nem são dados em casamento, mas serão como<br />

os anjos no céu”; Lc. 20.36 - “já não podem mais morrer, pois são iguais aos<br />

anjos e são filhos de Deus”. Nós somos chamados “filhos dos homens”, mas<br />

os anjos nunca são chamados “filhos dos anjos”, mas só “filhos de Deus”.<br />

Eles não se desenvolvem a partir de uma estirpe e tal natureza comum não<br />

os une como acontece com a raça humana. Não há entre eles um caráter ou<br />

uma história comum. Cada um foi criado separadamente e cada anjo apóstata<br />

caiu por si mesmo. A humanidade toda caiu de uma vez em seu primeiro<br />

pai. Corte uma árvore e você cortará os seus galhos. Mas os anjos eram<br />

árvores separadas. Alguns caíram no pecado e alguns permaneceram santos.<br />

Ver G odet, Bib. Studies O. T., 1 -29. Talvez esta seja uma razão por que foi<br />

providenciada uma salvação para os homens decaídos, mas não para os anjos<br />

decaídos. Cristo pôde juntar-se à humanidade tomando a natureza comum<br />

a todos. Não havia natureza comum dos anjos a qual ele pudesse tomar.<br />

Ver Hb. 2.16 - “ele não tomou os anjos”. Os anjos são filhos de Deus, não<br />

tendo pais terrenos e não tendo pai que não fosse o divino. Ef. 3.14,15 - “o<br />

Pai, do qual toda família (em uma das versões em Inglês = “father-hood” =<br />

paternidade) nos céus e na terra leva o nome”, - não “every family”, como na<br />

Revised Version, pois não há famílias entre os anjos. A tradução no rodapé<br />

“paternidade” é melhor do que “família”. Todas as jtccTpicd provém de rca-níp.<br />

D o d g e, Christian Theology, 172 - “A ligação entre os anjos é tão somente<br />

mental e moral. Eles nada podem receber em herança, nada através da vida<br />

doméstica e familiar, nada através de uma sociedade unida pelos laços de<br />

6 5 5


6 5 6 Augustus Hopkins Strong<br />

sangue.... Não pertencendo somente a um mundo, mas a dois, a alma humana<br />

tem em si as fontes da mais profunda e mais ampla experiência que os<br />

anjos.... Deus mais se aproxima do homem do que dos anjos”. N ewman S mith,<br />

Through Science to Faith, 191 - “A espécie morreu na ressurreição da vida do<br />

homem; o homem como indivíduo continua a viver. O sexo não será mais<br />

necessário para a vida; não se casarão, mas os homens e mulheres, os filhos<br />

vindos do casamento serão como os anjos. Como na consumação, através<br />

da morte da espécie humana, ganhar-se-á a imortalidade dos indivíduos”.<br />

c) Eles são de vários níveis e dons.<br />

Cl. 1.16 - “sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades”;<br />

1 Ts. 4.16 - “voz de arcanjo”; Jd. 9 - “o arcanjo Miguel”. Miguel (= quem é como<br />

Deus?) é o único expressamente chamado arcanjo na Escritura, apesar de que<br />

Milton chamou Gabriel (= o herói de Deus) de arcanjo. Na Escritura, Miguel parece o<br />

mensageiro da lei e do julgamento; Gabriel, o mensageiro da misericórdia e da promessa.<br />

O fato de que a Escritura tem apenas um arcanjo é prova de que a sua<br />

doutrina dos anjos não deriva, como às vezes se tem afirmado, de fontes babilônicas<br />

ou persas; pois nelas achamos sete arcanjos ao invés de um. Contudo, achamos o<br />

espírito mau entronizado como deus, enquanto na Escritura ele é representado como<br />

tremendo escravo.<br />

W endt, Teaching of Jesus, 1.51 - “A devota e confiante percepção da aproximação<br />

de Deus que se expressa em tantos belos pronunciamentos do salmista, talvez<br />

mais tarde seja suplantada pela crença nos anjos no judaísmo, o que é bem análogo<br />

à supersticiosa crença da parte da Igreja Romana a respeito dos santos. É bem<br />

significativo que, no tempo de Jesus, os judeus não mais concebiam a promulgação<br />

da lei no Sinai, que era o fundamento de toda a sua religião, como revelação imediata<br />

de Yahweh a Moisés a não ser a instituída pela mediação dos anjos (At. 7.38,53;<br />

Gl. 3.19; Hb. 2.2; Josefo, Ant., 15.5,3).<br />

d) Eles têm um a organização.<br />

1 Sm. 1.11 - “Senhor dos Exércitos”; 1 Re. 2 2 .1 9 - “Vi o Senhor assentado<br />

sobre o seu trono e todo o seu exército estava junto a ele à sua mão direita e<br />

à sua esquerda”; Mt. 26.53 - “doze legiões de anjos” - sugere a organização<br />

do exército romano; 25.41 - “o diabo e os seus anjos”; Ef. 2.2 - “o príncipe<br />

das potestades do ar”; Ap. 2.13 - “trono de Satanás” (não “sentado”); 16.10 —<br />

“trono da besta” - “uma paródia infernal do reino celeste” (T rench). A expressão<br />

“exército do céu”, em Dt. 4.19; 17.3; At. 7.42, provavelmente = estrelas;<br />

mas em Gn. 32.2, “o exército de Deus” = anjos, pois, quando Jacó viu os<br />

anjos, ele disse: “este é o exército de Deus”. Em geral, as expressões “Deus<br />

dos exércitos”, “Senhor dos exércitos” parecem significar “Deus dos anjos”,<br />

“Senhor dos anjos”; comp. 2 Cr. 18.18; Lc. 2.13; Ap. 1 9 .1 4 - “os exércitos que<br />

estão no céu”. Contudo, em Ne. 9.6 e SI. 33.6 a palavra “exército” parece<br />

incluir tanto os anjos como as estrelas.<br />

Satanás é “o macaco de Deus”. Ele tem um trono. Ele é o “príncipe do<br />

mundo” (Jo. 14.30; 16.11), “o príncipe das forças do ar” (Ef. 2.2). Há um cosmos


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 5 7<br />

e uma ordem do bem, apesar de que Cristo é mais forte do que o forte homem<br />

armado (Lc. 11.21) e governa até mesmo sobre Satanás. A primeira menção<br />

de Satanás está na Queda do homem em Gn. 3.1-15; a segunda, em Lv. 16.8,<br />

onde se diz que um dos dois bodes, no dia da expiação, é “para Azazel”, ou<br />

Satanás; a terceira onde Satanás induziu Davi a enumerar Israel (1 Cr. 21.1);<br />

a quarta no livro de Jó 1.6-12; a quinta em Zc. 3.1-3, onde Satanás apresenta-<br />

se como adversário do sumo sacerdote Josué, mas o Senhor dirige-se a<br />

Satanás e o repreende. O pensamento de Cheyne, Com. on Isaiah, vol. 1,<br />

p. 11, é de que as estrelas eram chamadas os exércitos de Deus, indicando<br />

que eram criaturas animadas. Ultimamente a crença nos anjos lançou no<br />

cenário a crença de que as estrelas são seres animados; contudo, os anjos<br />

tinham conexão estreita com as estrelas. M arlow e, T amburlaine, diz: “A lua, os<br />

planetas e a luz dos meteoros, Estes anjos de armadura de cristal combatiam<br />

um combate de dúvida”.<br />

Consideramos os ‘querubins’ de Gênesis, de Êxodo e de Ezequiel, - com<br />

os serafins de Isaías e as ‘criaturas vivas’ do livro de Apocalipse devem ser<br />

identificadas, - a mais provável interpretação é a que os considera, não como<br />

verdadeiros seres de nível mais elevado que o homem, mas como aparências<br />

sim bólicas que pretendiam representar a hum anidade redim ida dotada de<br />

todas as perfeições perdidas na queda e que se fizeram lugar de habitação de<br />

Deus.<br />

Alguns defendem que os querubins são símbolos dos atributos divinos, ou<br />

do governo de Deus sobre a natureza. Entretanto, qualquer que seja a verdade<br />

deste ponto de vista, pode incluir-se na doutrina fixada acima. Na verdade<br />

os querubins são símbolos da natureza permeada de energia divina e subordinada<br />

aos propósitos divinos, mas só são símbolos da natureza porque são<br />

símbolos do homem em sua dupla capacidade de imagem de Deus e sacerdote<br />

da natureza. Porque tem um corpo, o homem é parte da natureza; porque<br />

tem alma, emerge da natureza e lhe dá voz. Através do homem, a natureza,<br />

de outra forma cega e morta, é capaz de apreciar e expressar a glória do<br />

Criador.<br />

A doutrina dos querubins abrange os seguintes pontos: 1. Os querubins<br />

não são seres pessoais, mas figuras artificiais, temporárias, simbólicas.<br />

2. Conquanto não sejam existências pessoais, são símbolo da existência pessoal<br />

- símbolos não das perfeições divinas ou angélicas, mas da natureza<br />

humana (Ex. 1.5 - “tinham a semelhança de um homem”; Ap. 5.9 - “com o teu<br />

sangue compraste para Deus”. 3. São emblemas da natureza humana, não<br />

em seu estágio presente de desenvolvimento, mas possuídos de todas as<br />

suas perfeições originais; por esta razão as mais perfeitas formas animais - a<br />

coragem real do leão, o paciente trabalho do boi, a elevada perspicácia da<br />

águia - combinam-se com a do homem (Ez. 1 e 10; Ap. 4.6-8). Estas formas<br />

querubínicas representam, não simplesmente as perfeições materiais e terrenas,<br />

mas a natureza humana espiritualizada e santificada. São “criaturas<br />

vivas” e a sua vida é santa e obediente à vontade divina (Ez. 1.12 - “para


6 5 8 Augustus Hopkins Strong<br />

onde o Espírito havia de ir, iam”). 5. Simbolizam uma natureza humana exaltada<br />

ao lugar de habitação de Deus. Por isso as cortinas interiores do taber-<br />

náculo eram entretecidas com figuras de querubins e a glória de Deus se<br />

manifestava no propiciatório entre os querubins (Ex. 37.6-9). Enquanto a<br />

espada flamejante nos portais do Éden era símbolo da justiça, os querubins<br />

eram símbolos da misericórdia - guardando o “caminho da árvore da vida”<br />

para o homem, até pelo sacrifício e renovação que o Paraíso reconquistaria<br />

(Gn. 3.24).<br />

Em corroboração com este ponto de vista geral, note que os anjos e querubins<br />

nunca andam juntos; e que, nas visões finais do livro de Apocalipse,<br />

estas formas simbólicas não mais são vistas. Quando a humanidade redimida<br />

tiver entrado no céu, as figuras que tipificavam aquela humanidade, tendo<br />

servido o seu propósito, finalmente desaparecerão. “Os leões alados, as águias<br />

e os touros, que guardam as entradas do palácio de Nínive, são adoradores e<br />

não divindades”. Ultimamente tem sido mostrado que o touro alado era chamado<br />

“Kerub” quase em tempo tão remoto como o de Moisés. A palavra aparece<br />

em sua forma hebraica 500 anos antes que os judeus tivessem qualquer<br />

contato com o domínio persa. Os judeus não a derivaram de qualquer raça<br />

ariana. Ela pertencia à sua própria língua.<br />

A forma variável dos querubins parece provar que eles são aparições simbólicas<br />

e não seres reais. Pode-se encontrar um paralelo na literatura clássica.<br />

Em H orácio, Carmina, 3.11,15, Cérbero tem três cabeças; em 2.13,34,<br />

tem um cento. B real, Semantics, sugere que as três cabeças podem ser três<br />

cabeças de cães, enquanto as cem cabeças podem ser cabeças de cobras.<br />

Mas Cérbero também é representado na Grécia como tendo só uma cabeça.<br />

Cérbero deve, portanto, ser um símbolo e não uma criatura existente. H. W.<br />

C ongdon de Wyoming, N. Y., sustentava, contudo, que os querubins são símbolos<br />

da vida de Deus no universo como um todo. Ez. 28.14-19 - “querubim<br />

ungido para proteger” = o poder do rei de Tiro era de tal modo penetrante em<br />

todo o seu domínio, sua soberania tão absoluta e os seus decretos tão prontamente<br />

obedecidos, que o seu reinado assemelhava-se ao governo divino<br />

sobre o mundo. O Senhor Congdon considerava os querubins como uma prova<br />

do monismo.<br />

3. Quanto ao seu caráter m oral<br />

a) Foram criados santos.<br />

Gn. 1.31 - “Deus viu tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom”; Jd.<br />

6 - “anjos que não guardavam o seu principado” - àpxriv aqui parece significar<br />

o seu começo no caráter santo e não o seu senhorio e domínio original.<br />

b) Foram provados.<br />

Inferimos isto de 1 Tm. 5.21 - “os anjos eleitos”; cf. 1 Pe. 1 .1 ,2 - “eleitos ...<br />

para a obediência”. Parece seguir-se que houve um período de provação,<br />

durante o qual a obediência ou desobediência deles determinou o seu desti-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

no futuro. M ason, Faith ofthe Gospel, 106-108 - “Gn. 3 .1 4 - ‘Porquanto fizeste<br />

isto maldita serás’ - na sentença contra a serpente parece implicar que o<br />

dia da graça de Satanás terminou quando seduziu o homem. Daí em diante<br />

foi levado a viver no pó, para triunfar só no pecado auferindo a subsistência<br />

do homem, para possuir o corpo ou a alma, para tentar os bons”.<br />

c) Alguns preservaram sua integridade.<br />

SI. 89.7 - “a assembléia dos santos”; Mc. 8.38 - “os santos anjos”. Shakes-<br />

peare, Macbeth, 4.3 - “Os anjos ainda têm brilho, embora o mais brilhante<br />

caiu”.<br />

d) Alguns caíram do estado de inocência.<br />

Jo. 8.44 - “Ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade<br />

porque não há verdade nele”; 2 Pe. 2.4 - “anjos quando pecaram”; Jd. 6 -<br />

“anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram sua própria habitação”.<br />

S hakespeare, Henrique VIII, 3.2 - “Cromwell, eu te determino que<br />

faças voar para longe a tua ambição; Por esse pecado caíram os anjos; como,<br />

então, o homem, Imagem do Criador, espera lucrar com isso? ... Quão desgraçado<br />

é o homem que depende dos favores dos príncipes! ... Quando ele<br />

cai, cai como Lúcifer, nunca recobra a esperança”.<br />

e) Os bons confirmam-se na bondade.<br />

Mt. 6 .1 0 - “Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu”; 18.10 —<br />

“Os anjos no céu sempre contemplam a face de meu Pai, que está no céu”;<br />

2 Co. 11.14 - “um anjo de luz”.<br />

f) Os maus confirmam-se na maldade.<br />

Mt. 13.19 - “o maligno”; 1 Jo. 5.18,19 - “o maligno não lhe toca ... o mundo<br />

todo jaz no maligno”; cf. Jo. 8.44 - “Vós tendes por pai ao diabo ... quando ele<br />

profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”;<br />

Mt. 6.13 - “livra-nos do maligno”.<br />

Destas afirmações escriturísticas inferimos que todas as criaturas livres<br />

passam por um período de provação; que tal provação não envolve necessariamente<br />

uma queda; que é possível um desenvolvimento dos seres morais<br />

sem pecado. Outros trechos da Escritura parecem indicar que a revelação de<br />

Deus em Cristo é objeto de interesse e de admiração para outras ordens de<br />

inteligência que não sejam a humana; que em Cristo eles estão mais próximos<br />

de Deus e de nós; em resumo, que eles se confirmam em sua integridade<br />

na cruz. Ver 1 Pe. 1.12 - “para as quais coisas os anjos desejam bem<br />

atentar”; Ef. 3.10 - “para que, agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de<br />

Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus”; Cl. 1.20 - “por<br />

6 5 9


6 6 0 Augustas Hopkins Strong<br />

meio dele reconciliasse consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra<br />

com as que estão nos céus”; Ef. 1.10 - “tornar a congregar em Cristo todas as<br />

coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus<br />

como as que estão na terra” = “a unificação do universo todo em Cristo como<br />

o centro divino ... O grande sistema é uma harpa cujas cordas todas estão<br />

afinadas a não ser uma, e essa corda dissonante desafina toda a harpa.<br />

O universo inteiro sentirá a influência e será reduzido a harmonia quando<br />

essa corda, o mundo em que vivemos, for afinada pela mão do amor e misericórdia”<br />

- citação livre de L eitch, God’s Glory in the Heavens, 327-330.<br />

Não é impossível que Deus esteja usando esta terra como uma chocadei-<br />

ra para povoar o universo. M ark H opkins, Life, 317 - “Enquanto finalmente<br />

estiver reunida e preservada, como Paulo diz, uma santa igreja e cada<br />

homem aperfeiçoado e a igreja imaculada ... haverá outras formas de perfeição<br />

em outros departamentos do universo. E quando o grande dia da restituição<br />

vier e Deus vindicar o seu governo, pode ser visto entrando de outros<br />

departamentos do universo um grande desfile de formas angelicais, grandes<br />

legiões brancas de Sírios, vindas de Arcturos e das câmaras do Sul em volta<br />

do trono de Deus em torno de cujo centro gira o universo”.<br />

4. Quanto às suas funções<br />

A) Funções dos anjos bons.<br />

a) Eles estão na presença de Deus e o adoram.<br />

SI. 29.1,2 - “Dai ao Senhor, ó filhos dos poderosos, dai ao Senhor glória e<br />

força. Dai ao Senhor a glória devida ao seu nome; adorai ao Senhor na beleza<br />

da sua santidade” - P erow ne: “Pensa-se no céu como um grande templo,<br />

e todos os adoradores vestidos com vestes sacerdotais”. SI. 89.7 - “Deus<br />

deve ser em extremo tremendo na assembléia dos santos", i.e. anjos - Perowne:<br />

“Os anjos são chamados uma assembléia ou congregação, do mesmo<br />

modo que a igreja acima, que, como a igreja abaixo, adora e louva a Deus”.<br />

Mt. 18.10 - “Os seus anjos nos céus sempre vêem a face de meu Pai, que<br />

está nos céus”. Parece que, em alusão a este texto, D ante representa os<br />

santos habitando na presença de Deus e ao mesmo tempo prestando humilde<br />

serviço aos seus companheiros homens aqui na terra. Em perfeita proporção<br />

com a sua aproximação de Deus e com a luz que dele recebem, está a<br />

influência que são capazes de exercer sobre os outros.<br />

b) Regozijam-se nas obras de Deus.<br />

Jó 38.7 - “todos os filhos de Deus rejubilavam”; Lc. 15.10 - “há alegria<br />

diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”; cf. 2 Tm. 2.25 -<br />

“se porventura Deus lhes dará arrependimento”. Dante representa os anjos<br />

que estão mais perto de Deus, a infinita fonte da vida, como avançando sempre<br />

para a fonte da juventude, de sorte que os anjos mais velhos são os mais<br />

novos.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 6 1<br />

c) Executam a vontade de Deus, - operando na natureza.<br />

SI. 103.20 - “Anjos seus, ... que cumpris as suas ordens, obedecendo à<br />

voz da sua palavra”; 104.4 - “faz dos ventos seus mensageiros (anjos), dos<br />

seus ministros, um fogo abrasador”, i.e. relâmpagos. Ver A lford sobre Hb. 1.7<br />

- “Aqui a ordem das palavras hebraicas (no SI. 104.4) não é a mesma dos<br />

versos anteriores (ver especialmente o v. 3), onde temos: ‘que fez das nuvens<br />

o seu carro’. Para esta transposição aqueles que insistem em que a passagem<br />

significa ‘ele fez dos ventos seus mensageiros’ não podem apresentar<br />

nenhuma razão”.<br />

Farrar sobre Hb. 1.7 - ‘de se u s anjos faz ventos”: “O s rabinos freqüentem<br />

ente s e referem ao fato de que Deus faz os anjos assum irem qualquer form<br />

a que lhe agrade, quer de hom em (Gn. 18.2) ou de mulher (Zc. 5.9 - “duas<br />

mulheres; havia vento em su a s a s a s ”), ou vento, ou c h am a (Ex. 3.2 - “anjo do<br />

Senhor em cham a de fogo”; 2 Re. 6.17). Mas e s s a forma inatingível e fugidia<br />

da existência que é a glória dos anjos seria de inferioridade com relação ao<br />

seu Filho. Ele não podia revestir-se, com o os que depen d em da vontade de<br />

Deus, com roupas fugidias de fenôm enos m ateriais”. J ohn Henry N ewman,<br />

em su a Apology, vê um anjo em cad a flor. Mason, Faith of the Gospel, 82 -<br />

“O rIgenes não p en sav a que um a folha de g ram a nem um a m osca existisse<br />

sem seu anjo. Ap. 14.18 - um anjo ‘que tinha poder sobre o fogo’; Jo. 5.4 -<br />

fonte intermitente sob o controle de um anjo; Mt. 28.2 - a descida do anjo<br />

causou um terrem oto na m anhã da ressurreição de Cristo; Lc. 13.11 - o controle<br />

de d o en ças é atribuído a anjos”.<br />

d) dirigindo os negócios das nações.<br />

Dn 10.12,13,21 - “Eu vim por causa das tuas palavras. Mas o príncipe do<br />

reino da Pérsia se pôs defronte de mim ... Miguel, um dos primeiros príncipes,<br />

veio para ajudar-me ... Miguel, vosso príncipe”; 11.1 - “Eu, pois, no primeiro<br />

ano de Dario, medo, levantei-me para o animar e fortalecer”; 12.1 - “E, naquele<br />

tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe que se levanta pelos<br />

filhos do teu povo”. M ason, Faith of the Gospel, 87, sugere a questão “se o<br />

espírito da época” ou “o caráter nacional” em qualquer caso particular pode<br />

dever-se aos “principados” invisíveis aos quais vivem submissos. Sem dúvida<br />

Paulo reconhece em Ef. 2.2 “o príncipe das potestades do a r,... o espírito que<br />

opera nos filhos da desobediência”. Será que os anjos bons não são responsáveis<br />

pela influência nos assuntos nacionais a fim de combater os maus e<br />

auxiliar os bons?<br />

é) velando pelos interesses das igrejas em particular.<br />

1 Co. 1 1 .1 0 - “Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de poderio<br />

[i.e., um véu], por causa dos anjos” - que cuidam da igreja e tem cuidado da<br />

ordem dela. M atheson, Spiritual Development of St. Paul, 242 - “A cobertura<br />

do homem é o poderio da mulher. O poder dela é de ministrar e isto é que faz


662 Augustus Hopkins Strong<br />

a aliança com alguém maior do que o homem - o anjo. O cristianismo é uma<br />

força feminina. O judaísmo tinha considerado a mulher só como um instrumento<br />

para um fim - a multiplicação da raça. Portanto o judaísmo a tinha<br />

degradado. Paulo a restaura à sua original e igual dignidade. Cl. 2.18 - “Ninguém<br />

vos domine a seu bel-prazer, com pretexto de humildade e culto dos<br />

anjos” - falso culto que seria natural se os anjos estivessem presentes para<br />

cuidar das reuniões dos santos. 1 Tm. 5.21 - “Conjuro-te, diante de Deus, e<br />

do Senhor Jesus Cristo, e dos anjos eleitos, que guardes estas coisas” - os<br />

deveres públicos do ministro cristão.<br />

Alford considera “os anjos das sete igrejas” (Ap. 1.20) como seres sobrehumanos<br />

indicados para representar e guardar as igrejas e isso nas seguintes<br />

bases: 1) que a palavra é empregada em outro lugar no livro de Apocalipse<br />

só neste sentido; e 2) que nada no livro se dirige a um mestre individualmente,<br />

mas a alguém que reflete o aspecto e a sorte da igreja como nenhuma<br />

pessoa o poderia. Contudo, preferimos considerar “os anjos das sete igrejas”<br />

como significando apenas os pastores das sete igrejas. A palavra “anjo” significa<br />

tão somente “mensageiro”, e pode ser usada para indicar seres humanos<br />

assim como sobre-hum anos-ver Ag. 1 . 1 3 - “Ageu, o embaixador do Senhor”<br />

- literalmente “o anjo do Senhor”. O emprego da palavra neste sentido figurado<br />

não seria incôngruo com relação ao caráter místico do livro de Apocalipse<br />

(ver Bíblia Sacra, 12.339). J ohn Lightfoot, Heb. And Talmund. Exerc,<br />

2.90, diz que “anjo” era um termo designativo de oficial ou ancião de uma<br />

sinagoga. Segundo a igreja de Irving, os “anjos” constituem uma classe de<br />

oficiais.<br />

f) assistindo e protegendo cada um dos crentes individualmente.<br />

1 Re. 19.5 - “um anjo o tocou e lhe disse [a Elias]: Levanta-te e come”;<br />

SI. 91.11,12 - “Aos seus anjos dará ordem a teu respeito para te guardarem<br />

em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos para que não<br />

tropeces com teu pé em pedra”; Dn. 6.22 - “O meu Deus enviou o seu anjo e<br />

fechou a boca dos leões para que não me fizessem dano”; Mt. 4.11 - “chegaram<br />

os anjos e o serviram” - Jesus foi o tipo de todos os crentes; 18.10 - “Não<br />

desprezeis algum destes pequeninos porque eu vos digo que os seus anjos<br />

nos céus sempre vêem a face de meu Pai”; compare v. 6 - “um destes pequeninos<br />

que crêem em mim”; ver M eyer, Comen. in loco, que considera estas<br />

passagens como prova da doutrina dos anjos da guarda. Lc. 16.22 - “o mendigo<br />

morreu e ... foi levado pelos anjos para o seio de Abraão”; Hb. 1.14 —<br />

“Não são todos eles espíritos ministradores enviados para servir a favor<br />

daqueles que hão de herdar a salvação?” Compare At. 12.15 - “E diziam: é o<br />

seu anjo” - de Pedro que estava batendo à porta; ver Hackett, Com. in loco: a<br />

afirmação “expressa uma crença popular prevalecente entre os judeus de<br />

que nem se afirma nem se nega”. S hakespeare, Henrique IV, 2- parte, 2.2 -<br />

“Para o moço - há um anjo bom em volta dele”. Per contra ver B roadus, Com.<br />

on Mat. 18.10 - “simplesmente se diz em relação aos crentes como uma<br />

classe, que há anjos, que são ‘seus anjos’; mas não há nada aqui, ou em<br />

outro lugar que mostre que um anjo tenha o encargo pessoal de um crente”.


g) punindo os inimigos de Deus.<br />

T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

2 Re. 19.35 - “Sucedeu, pois, que, naquela mesma noite, saiu o anjo do<br />

Senhor e feriu no arraial dos assírios cento e oitenta e cinco mil deles”;<br />

At. 12.23 - “e, no mesmo instante, feriu-o o anjo do Senhor porque não deu<br />

glória a Deus e, comido pelos bichos, expirou”.<br />

Uma pesquisa do testemunho geral da Escritura quanto às funções dos<br />

anjos bons conduz-nos às seguintes conclusões:<br />

Primeira, - que os anjos bons não devem ser considerados como agentes<br />

mediadores da providência regular e comum, mas como ministros da sua providência<br />

especial nos assuntos da sua igreja. Ele ‘faz dos seus anjos vento’ e<br />

‘chama de fogo’, não em seu processo ordinário, mas em conexão com a<br />

ostentação especial do seu poder e para os fins morais (Dt. 33.2; At. 7.53;<br />

Gl. 3.19; Hb. 2.2). A intervenção deles é aparentemente ocasional e excepcional<br />

- não por opção deles, mas só no que lhes é permitido ou ordenado por<br />

Deus. Por isso não devemos conceber os anjos como intermediando entre nós<br />

e Deus, nem devemos, sem a revelação especial do fato, atribuir-lhes em qualquer<br />

caso particular os efeitos que as Escrituras geralmente atribuem à providência<br />

divina. Como os milagres, portanto, as aparições angélicas geralmente<br />

marcam a entrada de Deus em novas épocas nos desdobramentos dos planos<br />

dele. Por isso lemos sobre os anjos na conclusão da criação (Jó 38.7); na<br />

doação da lei (Gl. 3.19); no nascimento de Cristo (Lc. 2.13); nas duas tentações<br />

no deserto e no Getsêmani (Mt. 4.11, Lc. 22.43); na ressurreição<br />

(Mt. 28.2); na ascensão (At. 1.10); no juízo final (Mt. 25.31).<br />

A substância destas notas pode encontrar-se em H odge, Systematic Theology,<br />

1.637-645. M ilton conta-nos que “Milhões de criaturas espirituais andam<br />

pela terra invisível, tanto quando acordamos como quando dormimos”.<br />

Se isto é verdade ou não é questão de interesse por que tais seres angélicos<br />

que se relacionam com assuntos humanos no presente não são vistos pelos<br />

homens. A admoestação de Paulo contra o “culto dos anjos” (Cl. 2.18) parece<br />

sugerir a razão. Se os homens não se abstêm de cultuar os seus semelhantes,<br />

quando estes têm sido sacerdotes ou mediadores das comunicações<br />

divinas, o perigo da idolatria seria muito maior se entrássemos em contato<br />

mais estreito e constante com os anjos; ver Ap. 22.8,9 - “prostrei-me aos pés<br />

do anjo que mas mostrava para o adorar. E disse-me: Olha, não faças tal”.<br />

O fato de que não vemos anjos nos nossos dias não nos torna mais céticos<br />

quanto à sua existência como o fato de que nos nossos dias não vemos<br />

milagres o que nos faria duvidarmos da sua realidade no Novo Testamento.<br />

Como se permitia que os espíritos maus trabalhassem mais ativamente quando<br />

a cristandade começou a apelar para os homens, assim os anjos bons também<br />

com freqüência foram reconhecidos como executando os propósitos<br />

6 6 3


6 6 4 Augustus H opkins Strong<br />

divinos. N evius, Demon-Possession, 278, entende que os espíritos maus<br />

ainda estão trabalhando onde a cristandade entra em conflito com o paganismo<br />

e que eles se afastam para o cenário à medida que o cristianismo triunfa.<br />

Isto pode ser verdade a respeito dos anjos bons. Caso contrário poderíamos<br />

correr o perigo de superestimar sua grandeza e autoridade. O P adre<br />

T aylor estava certo quando disse: “As pessoas são melhores do que os<br />

anjos”. Não adianta cantar: “Eu quero ser um anjo”. Nós nunca o seremos.<br />

V ítor H ugo estava errado quando dizia: “Eu sou o girino de um arcanjo”. John<br />

S mith não é um anjo e nunca o será. Mas ele pode ser bem maior do que<br />

um anjo porque Cristo não tomou a natureza dos anjos, mas a do homem<br />

(H b. 2.16).<br />

Como ficou indicado acima, não há razão alguma para crer que mesmo a<br />

presença invisível dos anjos é uma constante. O sonho de Doddrige de que<br />

os antigos eram impedidos pela interposição angélica parece incorporar uma<br />

verdade essencial. Nós acrescentamos as passagens mencionadas no texto:<br />

Jó 38.7 - “Quando as estrelas da alva juntas cantavam alegremente e todos<br />

os filhos de Deus rejubilavam? Dt. 33.2 - “O Senhor veio de Sin ai... ele veio<br />

com dez mil santos: à sua direita havia para eles o fogo da lei”; Gl. 3.19 -<br />

“[A lei] foi ordenada ... por meio dos anjos, pela mão de um mediador”; Hb. 2.2<br />

- “a palavra falada por meio de anjos”; At. 7.53 - “vós recebestes a lei por<br />

ordenação dos anjos”; Lc. 2 .1 3 - “e, no mesmo instante, apareceu com o anjo<br />

uma multidão dos exércitos celestiais”; Mt. 4.11 - “então o diabo o deixou; e<br />

eis que chegaram os anjos e o serviam”; Lc. 22.43 - “E apareceu-lhe um anjo<br />

do céu, que o confortava; Mt. 28.2 - “um anjo do Senhor, descendo do céu,<br />

chegou, removendo a pedra, e sentou-se sobre ela”; At. 1.10 - “E, estando<br />

com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram<br />

dois varões vestidos de branco”; Mt. 25.31 - “E, quando o Filho do Homem<br />

vier na sua glória, e todos os santos anjos, com ele, então se assentará no<br />

trono da sua glória”.<br />

Segunda, - que o poder deles, por natureza dependentes e derivados, é<br />

exercido segundo as leis do mundo espiritual e natural. Eles não podem, como<br />

Deus, criar, operar milagres, agir sem meios, sondar os corações. Diferentemente<br />

do Espírito Santo, que pode diretamente influir a mente humana, eles<br />

podem influir os homens só em meios análogos àqueles pelos quais os homens<br />

influenciam-se uns aos outros. Como os anjos maus podem tentar os homens<br />

para o pecado, assim também é provável que os anjos bons possam atrair para<br />

a santidade.<br />

Recentes pesquisas psíquicas desvendam quase ilimitadas possibilidades<br />

de influir outras mentes por sugestão. Fracos fenômenos físicos, como o<br />

odor da violeta ou a vista de uma pétala de rosa em um livro, pode desencadear<br />

o pensamento que muda todo o curso da vida. Uma palavra ou um olhar<br />

têm grande poder sobre nós. F isher, Nature and Method of Revelation, 276 -<br />

“Os fatos do hipnotismo ilustram a possibilidade de uma mente cair em estranha<br />

servidão a um outro”. Se um outro homem é capaz de influir-nos podero­


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

samente, é perfeitamente possível que os espíritos não sujeitos às limitações<br />

da carne possam influir-nos ainda mais.<br />

B inet, em suas Alterações da Personalidade, diz que experimentos sobre<br />

pacientes histéricas produziram em sua mente a convicção de que, nelas ao<br />

menos, “existe uma pluralidade de pessoas ... Quase com certeza estabelecemos<br />

que em tais pacientes, ao lado da personalidade principal, há uma<br />

secundária, desconhecida pela primeira, que vê, ouve, reflete, raciocina e<br />

age”; ver Andover Review, abril, 1800.422. H u dso n, Law Psychic Phenomena,<br />

81-143, defende que temos duas mentes: a objetiva e consciente e a subjetiva<br />

e inconsciente. Esta opera automaticamente sobre a sugestão da objetiva<br />

ou de outras. Em vista dos fatos mencionados por B inet e H udso n, defendemos<br />

que a influência dos espíritos angélicos não é mais incrível que a da<br />

sugestão dos homens vivos. Não há necessidade alguma de atribuir os fenômenos<br />

do hipnotismo a espíritos dos mortos. Nossa natureza humana é<br />

maior e mais suscetível à influência espiritual do que comumente cremos.<br />

Na verdade, estes fenômenos psíquicos provêem-nos da corroboração do<br />

nosso Monismo Ético, pois, se em um ser humano pode haver duas ou mais<br />

consciências, então no Deus uno não pode haver só três pessoalidades infinitas,<br />

mas também muitas finitas.<br />

B) Funções dos anjos maus.<br />

d) Eles se opõem a Deus e lutam para derrotar a vontade dele. Isto se acha<br />

implícito nos nomes aplicados ao chefe deles. A palavra “Satã” significa<br />

“adversário” - primeiro de Deus e em segundo lugar dos homens; o termo<br />

“diabo” significa “caluniador” - de Deus para os homens e dos homens para<br />

Deus. Indica também a descrição do “homem do pecado” como “aquele que<br />

se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus”.<br />

Jó 1.6 - Satanás aparece entre “os filhos de Deus”; Zc. 3.1 - “o sumo<br />

sacerdote Josué ... e Satanás estava à sua direita para se lhe opor”; Mt. 13.39<br />

- “O inimigo que o semeou é o diabo”; 1 Pe. 5.8 - “o diabo, vosso adversário”.<br />

Satanás calunia Deus para os homens em Gn. 3.1,4 - “É assim que Deus<br />

disse? ... “certamente não morrereis”; calunia o homem para Deus em Jó 1.9,11<br />

- “Jó teme a Deus debalde? ... Estende a tua mão e toca-lhe em tudo quanto<br />

tem e verás se não blasfema de ti na tua face!”; 2.4,5 - “pele por pele e tudo<br />

quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a tua mão e toca-<br />

lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema de ti na tua face!” Ap. 12.10<br />

- “o acusador de nossos irmãos é derribado, o qual diante do nosso Deus os<br />

acusava de dia e de noite”.<br />

Note como em oposição ao espírito mau que acusa Deus ao homem e o<br />

homem a Deus, está o Espírito Santo, o Advogado, que pleiteia a causa de<br />

Deus com o homem e a do homem com Deus: Jo. 16.8 - “quando ele vier,<br />

convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo”; Rm. 8.26 - “e da<br />

mesma maneira o Espírito ajuda as nossas fraquezas porque não sabemos<br />

o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede<br />

por nós com gemidos inexprimíveis “. É por isso que Balaão diz: Nm. 23.21:<br />

665


6 6 6<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

“Não viu iniqüidade em Israel, nem contemplou maldade em Jacó”; e o Senhor<br />

diz a Satanás quando resiste a Josué: “O Senhor te repreende, ó Satanás,<br />

sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreende” (Zc. 3.2). “Assim ele se<br />

põe entre o seu povo e toda a língua que os acusa” (C.H.M.). Para a descrição<br />

do “homem do pecado” ver 2 Ts. 2.3,4 - “o qual se opõe”; cf. v. 9 “cuja<br />

vinda é sob a eficácia de Satanás”.<br />

Sobre o “homem do pecado”, ver W m. A r n o ld S t e v e n s, in Baptist Quaterly<br />

Review, julho, 1889: 328-360. Como em Dn. 11.36, o grande inimigo da fé, “se<br />

levantará e se engrandecerá sobre todo deus” é o rei sírio Antíoco Epifanes,<br />

que é assim descrito por Paulo como o ímpio em 2 Ts. 2.3,4 “o corrupto e ímpio<br />

judaísmo da era apostólica”. Este só teve sua sede no templo de Deus. Seria<br />

sentenciado à destruição quando viria o Senhor na queda de Jerusalém. Mas<br />

este cumprimento não exclui um futuro e final cumprimento da profecia.<br />

Contrastes entre o Espírito Santo e o espírito do mal: 1. A pomba e a<br />

serpente; 2. o pai da mentira e o Espírito da verdade; 3. homens possuídos<br />

pelos espíritos mudos e homens que proferem maravilhas em diversas línguas;<br />

4. homicida desde o princípio e o Espírito doador da vida, que regenera<br />

a alma e desperta os nossos corpos mortais; 5. o adversário e o Ajudador;<br />

6. o acusador e o Advogado; 7. a ciranda de Satanás e o seleção da parte do<br />

Senhor; 8. a inteligência organizadora e a maldade do ímpio e a combinação<br />

do Espírito Santo entre as forças da matéria e a mente edificadora do<br />

reino de Deus; 9. o homem forte totalmente armado e um mais forte do que<br />

ele; 10. o maligno que só faz o mal e o Santo que é o autor da santidade no<br />

coração do homem. A oposição dos anjos maus no começo e daí em diante<br />

desde a queda pode ser a razão por que eles são capazes de se redimir.<br />

b) Eles estorvam o bem -estar temporal e eterno do homem, - por vezes<br />

exercendo o controle sobre os fenômenos naturais, porém mais comumente<br />

sujeitando a alma hum ana à tentação. As Escrituras também reconhecem a<br />

posse do homem, quer física, quer espiritual, pelos demônios.<br />

O controle dos fenômenos naturais é atribuído aos espíritos maus em<br />

Jó 1.12,16,19 e 2.7 - “tudo está em tuas mãos” - e Satanás emprega o relâmpago,<br />

o redemoinho, a doença, para os seus propósitos; Lc. 13.11,16 - “uma<br />

mulher que tinha um espírito de enfermidade ... a qual há dezoito anos Satanás<br />

mantinha presa”; 2 Co. 12.7 - “um espinho na carne, a saber, um mensageiro<br />

de Satanás (ayye^oç Sortavâ)', para me esbofetear”; 1 Ts. 2.18 - “nós<br />

bem quisemos, uma outra vez, ir ter convosco, mas Satanás no-lo impediu”;<br />

Hb. 2.14 - “o que tinha o império da morte, isto é, o diabo”. A tentação é<br />

atribuída aos espíritos maus em Gn. 3.1 e sgs. - “Ora, a serpente era a mais<br />

astuta”; cf. Ap. 20.2 - “a antiga serpente, que é o diabo e Satanás”; Mt. 4.3 -<br />

“chegando-se a ele o tentador”; Jo. 13.27 - “após o bocado, entrou nele Satanás”;<br />

At. 5.3 - “por que encheu Satanás o teu coração para que mentisses ao<br />

Espírito Santo?” Ef. 2.2 - “espírito que agora opera nos filhos da desobediência”;<br />

1 Ts. 3.5 - “temendo que o tentador vos tentasse”; 1 Pe. 5.8 - “o diabo,<br />

vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem<br />

possa tragar”.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

Nos tempos de Cristo, uma crença popular sem dúvida exagerava a influência<br />

dos espíritos maus. S a v a g e, Life after Death, 113 - “Enquanto Deus estava<br />

a certa distância, os demônios estavam bem próximos. O ar em torno da terra<br />

ficava cheio destes espíritos maus tentadores. Eles causavam o naufrágio<br />

dos navios e a repentina morte na terra; causavam ferrugem no cereal; feriam<br />

e sopravam nas tempestades; tomavam posse dos corpos e das almas dos<br />

homens. Faziam aliança e hipotecavam as almas dos homens”. Se algum<br />

bom término se conseguiu a despeito deles, sentiam que o seu trabalho deve<br />

perverter-se no fim e no fim encontrar meios para o mal”. No Fausto de G o e t h e,<br />

Margaret detecta o mal em Mefistófeles: “Vós vedes que eie não tem simpatia<br />

por nenhuma alma. Está escrito no seu rosto - ele nunca amou ... Sempre<br />

que ele se aproxima, eu não posso orar”. Mefistófeles se descreve como “Ein<br />

Theil von jener Kraft Die státs das Bõse will und státs das Guteschafft” - “Parte<br />

desse poder não entendido que sempre quer o mal e sempre opera o bem”<br />

- através da reinante providência de Deus. “O diabo profere suas orações<br />

negativas”. “Ele tenta aprender a língua basca, mas tem de parar depois de<br />

aprender três palavras em dois anos”. W alter S c o t t conta que um aparecimento<br />

de enxofre na Escócia foi considerado como devido a uma imersão<br />

compulsória de Satanás nesse lugar.<br />

As tentações de Satanás são representadas tanto negativas como positivas,<br />

- ele retira a semente lançada e sem eia o joio. Ele controla muitos dos espíritos<br />

subordinados; há só um diabo, mas muitos anjos e demônios e através da<br />

atuação deles Satanás pode cum prir seus propósitos.<br />

A atuação negativa de Satanás apresenta-se em Mc. 4.15 - “tendo eles<br />

ouvido, vem logo Satanás e tira a palavra que foi semeada no coração deles”;<br />

a atuação positiva dele em Mt. 13.38,39 “o joio são os filhos do maligno; e o<br />

inimigo que o semeou é o diabo”. Um diabo, mas muitos anjos; ver Mt. 25.41<br />

- “o diabo e os seus anjos”; Mc. 5.9 - “respondeu-lhe, dizendo: o meu nome<br />

é Legião porque somos muitos”; Ef. 2.2 - “o príncipe das potestades do ar”;<br />

6.12 - “principados ... potestades ...príncipe das trevas deste século ... hostes<br />

espirituais da maldade”. Não sabemos qual é o modo de acesso de Satanás<br />

à mente humana. Talvez movendo o nosso organismo físico, ele produz<br />

sutis sinais de pensamento e desejos. Certamente ele tem o poder de apresentar<br />

de modo cativante os objetos do apetite e ambição egoística como ele<br />

fez com Cristo no deserto (Mt. 4.3,6,9), e apelar para o nosso amor à independência,<br />

dizendo-nos, como aos nossos primeiros pais - “sereis como Deus”<br />

(Gn. 3.5).<br />

C. C. E v e r e t t , Essays Theol. and Lit., 186-218, sobre o Diabo: “Se os<br />

poderes sobrenaturais só se mantivessem distantes e não interferissem nos<br />

processos naturais do mundo, não haveria nenhuma doença, nem morte, nem<br />

tristeza ... Isto mostra uma fé real, apesar de que talvez inconsciente da bondade<br />

e fidedignidade da natureza. Eis aqui o germe de uma religião positiva,<br />

apesar de que, quando esta aparece, pode adotar a forma de supernaturalis-<br />

mo”. Se Satanás não existisse, então as tentações de Cristo viriam de dentro<br />

e mostrariam uma predisposição para o mal da parte dele mesmo.<br />

6 67


6 6 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

A possessão se distingue da doença corporal ou da mental apesar de<br />

que tal doença freqüentemente acompanha a possessão ou resulta dela.<br />

- Os demônios falam nas pessoas possessas com conhecimento sobrenatural<br />

e Cristo os domina. Jesus reconhece a atuação satânica em tais casos de<br />

possessão e regozija-se de expelir os demônios como sinal da queda de<br />

Satanás. Estes fatos tornam impossível interpretar as narrativas da possessão<br />

demoníaca como descrições populares de condições físicas ou mentais.<br />

Parece que a possessão ou é física, como no caso dos endemoninhados<br />

gerasenos (Mc. 5.2-4), ou espiritual, como no caso da “jovem que tinha o<br />

espírito de adivinhação” (At. 16.16), cujo corpo não parece ter sido afetado.<br />

Distingue-se da enfermidade física: ver Mt. 17 .15,18 - “lunático ... o demônio<br />

saiu dele; e, desde aquela hora, o menino sarou”; Mc. 9.25 - “espírito mudo e<br />

surdo”; 3.11,12 - “os espíritos imundos ... clamavam, dizendo: Tu és o Filho<br />

de Deus. E ele os ameaçava muito, para que não o manifestassem”; Lc. 8.30,31<br />

- “E perguntou-lhe Jesus, dizendo: Qual é o teu nome? E ele disse: Legião;<br />

porque tinham entrado nele muitos demônios. E rogavam-lhe que não os mandasse<br />

para o abismo”; 10.17,18 - “E voltaram os setenta com alegria, dizendo:<br />

Senhor, pelo teu nome até os demônios se nos sujeitam. E disse-lhes:<br />

Eu via Satanás, como um raio, cair do céu”.<br />

Estas descrições de intercâmbio pessoal entre Cristo e os demônios não<br />

podem ser interpretadas como metáfora. “Na tentação de Cristo e na possessão<br />

dos porcos, não podia haver lugar para a imaginação. Cristo está acima<br />

das suas alucinações. Os brutos abaixo delas”. F a r r a r (Life of Christ, 1.337-<br />

341 e 2 excurso vii), conquanto admita que a existência e atuação dos anjos<br />

bons, dá, de modo bem inconsistente, uma interpretação metafórica dos relatos<br />

escriturísticos sobre os anjos maus. Encontramos evidência corroborativa<br />

da doutrina bíblica no domínio que um homem iníquo freqüentemente exerce<br />

sobre os outros; na opinião de alguns médicos modernos que tratam dos<br />

insanos, alguns fenômenos, na experiência dos seus pacientes, são melhor<br />

explicados supondo uma sujeição da vontade a uma força estranha; finalmente,<br />

na influência do Espírito Santo sobre o coração humano. UerTRENCH,<br />

Miracles, 125-136; Dicionário Bíblico de Smith, 1.586 - “A possessão se distingue<br />

da simples tentação pela completa ou incompleta perda da razão ou<br />

poder da vontade do sofredor; suas ações, palavras e quase seus pensamentos<br />

são governados pelo espírito mau, até que a sua personalidade pareça<br />

destruída, ou ao menos reprimida na produção da consciência de uma dupla<br />

vontade dentro dele como em um sonho. Nas comuns investidas e nas tentações<br />

de Satanás, a própria vontade realiza-se conscientemente e, em conseqüência,<br />

assume gradualmente, sem a aparente perda da ação, as caraterís-<br />

ticas da natureza satânica. Solicita-se, argumenta-se e persuade-se contra o<br />

empenho da graça, mas não se rende”.<br />

T. H. W r ig h t, The Finger of God, argumenta que Jesus, em sua menção<br />

aos demoníacos, acomodou-se às crenças da sua época. F is h e r , Nature and<br />

Method of Revelation, 274, na referência de W eis s a M eyer sobre M t. 4.24,<br />

apresenta o argumento de M eyer contra a possessão demoníaca, da seguinte<br />

maneira: 1. a ausência de referências à possessão demoníaca no Velho<br />

Testamento e o fato de que os assim chamados endemoninhados eram curados<br />

pelos exorcistas; 2. que nenhum caso claro de possessão ocorre atual-


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 6 9<br />

mente; 3. que não há nenhuma notícia de possessão demoníaca no Evangelho<br />

de João, apesar de que a vitória contra Satanás faz parte da obra do<br />

Messias e se diz que Satanás entra na mente humana e assume o seu controle<br />

(Jo. 13.27); 4. e que os assim chamados endemoninhados não são,<br />

como seria de esperar, de temperamento diabólico e cheios de sentimentos<br />

malignos para com Cristo. H a r n a c k , Wesen des Christenthums, 38 - "A crença<br />

popular na possessão demoníaca deu forma às concepções dos que<br />

tinham enfermidades nervosas, de modo que eles se expressavam em linguagem<br />

própria só daqueles que realmente eram possessos. Jesus não é um<br />

adepto da Ciência Cristã; ele chama doença de doença e saúde de saúde;<br />

mas considera toda a doença como prova e efeito da operação do maligno”.<br />

Sobre Mc. 1.21-34, ver M a c l a r e n , em Sunday School Times, 23 de jan de<br />

1904 - “Alguns dizem que esse endemoninhado era epilético. É possível;<br />

mas se a epilepsia não é o resultado da possessão, como se justifica a forma<br />

da violenta aversão contra Jesus? E o que há na epilepsia que dá o discernimento<br />

do caráter dele e o propósito da sua missão?” A expulsão que Jesus<br />

faz dos demônios, expelindo-os através de uma palavra, é a caraterística<br />

maravilhosa do nosso Senhor. N e v iu s , Demon-Possession, 240 - “Pode a<br />

possessão demoníaca ser apenas uma forma diferente de hipnotismo mais<br />

avançada? ... É possível que estes espíritos maus estejam familiarizados com<br />

o nosso sistema nervoso e capazes de atuar sobre eles e influenciar a humanidade<br />

segundo as leis físicas e psicológicas.... O transe hipnótico pode ocorrer<br />

através da energia da força de vontade, atuação do espírito sobre o espírito,<br />

sem o emprego de órgãos físicos”. N ev iu s cita F. W. A. M y e r s , Fortnightly<br />

Rev., nov, 1885 - “Segundo o meu ponto de vista, tem-se conseguido tal descoberta<br />

como a telepatia, ou a transferência do pensamento e sensações de<br />

mente para mente sem a atuação de órgãos do sentido”.<br />

c) Contudo, a despeito deles mesmos, executam os planos de Deus punindo<br />

os ímpios, flagelando os bons e ilustrando a natureza e destino do mal<br />

moral.<br />

Castigo do ímpio: SI. 78.49 - “Lançou contra eles o furor da sua ira: cólera,<br />

indignação e calamidade, legião de anjos portadores de males”; 1 Re. 22.23<br />

- “Eis que o Senhor pôs o espírito da mentira na boca de todos estes teus<br />

profetas e o Senhor falou mal contra ti”. Em Lc. 22.31, a ciranda de Satanás<br />

realiza a intenção oposta à do joeireiro e a mesma coisa que a triagem do<br />

Mestre (M a c l a r e n).<br />

Castigar os bons: Jó caps. 1 e 2; 1 Co. 5.5 - “seja entregue a Satanás<br />

para a destruição da carne para que o espírito seja salvo no Dia do Senhor<br />

Jesus”; cf. 1 Tm. 1.20 - “Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás,<br />

para que aprendam a não blasfemar”. Tal entrega a Satanás para a destruição<br />

da carne parece envolver quatro coisas: 1) exclusão da igreja; 2) a autoridade<br />

de infligir a doença ou morte do corpo; 3) a perda de toda a proteção<br />

da parte dos anjos bons, que ministram só aos santos; 4) a sujeição aos<br />

esbofeteamentos e tormentos do grande acusador. G o u l d , no Am. Com. on 1<br />

Co. 5.5, considera “a entrega a Satanás” simplesmente pôr o homem fora da


6 7 0 Augustas Hopkins Strong<br />

igreja através da exclusão. Só isto eqüivale a bani-lo para “o mundo” do qual<br />

Satanás é o governante.<br />

Os espíritos maus ilustram a natureza e o destino do mal moral: ver<br />

Mt. 8.29 - “vieste atormentar-nos antes do tempo?” 25.41 - “fogo eterno preparado<br />

para o diabo e os seus anjos”; 2 Ts. 2.8 - “então será revelado o<br />

iníquo”; Tg. 2 .1 9 - “os demônios também crêem e estremecem”; Ap. 12.9,12<br />

- “o diabo e Satanás, que engana todo o mundo ... o diabo desceu a vós e<br />

tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo”; 20.10 - “lançado no lago<br />

de fogo ... e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre”.<br />

Interessante é a questão se a Escritura reconhece qualquer conexão<br />

especial dos espíritos maus com os sistemas de idolatria, feitiçaria e espiritismo<br />

que sobrecarregam o mundo. 1 Co. 10.20 - “as coisas que os gentios<br />

sacrificam, sacrificam-nas aos demônios e não a Deus”; 2 Ts. 2.9 - “a eficácia<br />

de Satanás com todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira” - parecem<br />

favorecer a resposta afirmativa. Mas 1 Co. 8.4 - “quanto ao comer das<br />

coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o ídolo não é nada no mundo” -<br />

parece favorecer a resposta negativa. Esta última pode, contudo, significar<br />

que “os seres que os ídolos são destinados a representar não têm existência<br />

alguma embora demonstra-se depois (10.20) que há outros seres em conexão<br />

com o falso culto” (Ann. Par. Bible, in loco). “O paganismo é o reino do<br />

diabo” ( M eyer), e enquanto os pagãos pensam sacrificar a Júpiter ou a Vênus,<br />

na verdade estão “sacrificando aos demônios”, e assim estão promovendo os<br />

planos de um espírito maligno que usa estas formas de falsa religião como<br />

meio de escravizar as almas deles. De igual modo, a rede de influências que<br />

apóiam o papado, o espiritismo, a descrença moderna, é de difícil explicação<br />

a não ser que creiamos em uma inteligência sobre-humana que organiza<br />

estas forças contra Deus. Nestas, assim como nas religiões pagãs, há fatos<br />

inexplicáveis apoiados em princípios simplesmente naturais de doença e<br />

alucinação.<br />

N e v iu s , Demon-Possession, 294 - “Paulo ensina que os deuses mencionados<br />

sob diferentes nomes são imaginários e inexistentes; mas atrás deles<br />

e em conexão com eles, há demônios que se valem da idolatria para afastar<br />

o homem de Deus; e é a estes que os pagãos inconscientemente prestam<br />

obediência e serviço. ... É mais razoável crer que os sofrimentos do povo<br />

iludido foram causados pelo diabo, não pelas assim chamadas feiticeiras.<br />

Substituamos “artifícios diabólicos” por “feitiçaria” ... Se as cortes em Salem<br />

procedessem na conjectura bíblica de que o testemunho dos que estão sob o<br />

controle dos espíritos maus, neste caso, seriam falsas, uma coisa como a<br />

tragédia de Salem nunca teria sido conhecida”.<br />

Um a pesquisa do testemunho da Escritura com respeito às funções dos<br />

espíritos maus conduz-nos às seguintes conclusões gerais:<br />

Primeira, - o poder dos espíritos maus sobre os homens não independe da<br />

vontade humana. Não se pode exercer este poder sem pelo menos o consentimento<br />

da vontade humana e pode-se enfrentá-lo e livrar-se dele através da<br />

oração e fé em Deus.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 671<br />

Lc. 22.31,40 - “Satanás vos pediu para cirandar como trigo ... orai para<br />

que não entreis em tentação”; Ef. 6.11 - “Revesti-vos de toda a armadura de<br />

Deus para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo”; 16 -<br />

“o escudo da fé com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do<br />

maligno”; Tg. 4.7 - “resisti ao diabo e ele fugirá de vós”; 1 Pe. 5.9 - “ao qual<br />

resisti firmes na fé”. O carvão já está no coração humano em forma de inclinação<br />

corrompida; Satanás só ateia o fogo. A dupla fonte do pecado é ilustrada<br />

em Atos 5.3,4 - “Por que encheu Satanás o teu coração? ... Por que formas-<br />

te este desígnio no teu coração?” Ter-se-ia resistido o impulso satânico e<br />

“depois de vendido” sugere que ainda estava “no poder dele mesmo” como<br />

estava a terra que ele tinha vendido (M a c l a r e n ).<br />

A alma é um castelo em que o rei dos espíritos maus não pode entrar sem<br />

permissão. B is p o W o r d s w o r t h : “O diabo pode tentar-nos a cair, mas não pode<br />

fazer-nos cair; ele pode persuadir-nos a lançarmo-nos abaixo, mas ele não<br />

pode lançar-nos”. E. G. R o b in s o n : “Cabe a nós deixar que o diabo tenha o<br />

controle sobre nós. Despachamos sobre os ombros do diabo muitos dos<br />

erros que cometemos assim como Adão teve a petulância de dizer a Deus<br />

que a mulher é que cometeu o erro”. Tanto Deus como Satanás estão à porta<br />

e batem, mas nem o céu nem o inferno podem entrar a não ser que queiramos.<br />

“Não podemos impedir que os pássaros sobrevoem nossas cabeças,<br />

mas podemos impedi-los de fazer ninhos nos nossos cabelos”. Mt. 12.43-45<br />

- “quando o espírito imundo tem saído do homem” - sugere que o homem<br />

que se livra de um vício, mas não ocupa sua mente com coisas melhores está<br />

em condições de ser nova vítima de possessão, “sete outros espíritos piores<br />

do que ele” implica que alguns demônios são mais ímpios que outros e assim<br />

mais duros de serem expelidos (Mc. 9.29). Os judeus tinham expelido a idolatria,<br />

mas outros piores pecados tinham se apossado deles.<br />

H u d s o n , Law of Psychic Phenomena, 1 2 9 - “Os que se submetem à hipnose<br />

não podem ser controlados de modo a fazer o que ele sabe que está errado<br />

a não ser que ele voluntariamente consinta”. A. S. H a r t : “A não ser que<br />

alguém queira ser hipnotizado ninguém pode exercer-lhe sua influência. Quanto<br />

mais inteligente se é, mais suscetível. O hipnotismo requer do sujeito dois<br />

terços da obra, enquanto o instrutor exerce só um terço - ao contar o que o<br />

sujeito faz. Não é uma influência inerente, nem um dom; mas pode ser aprendido<br />

por qualquer que lê. É impossível compelir uma pessoa a praticar o erro<br />

conquanto sob influência, pois o paciente retém uma consciência da diferença<br />

entre o certo e o errado”.<br />

H õ f f d in g , Outilines Psychology, 330-335 - “Algumas pessoas tem o poder<br />

de, intencionalmente, invocar alucinações; mas freqüentemente ocorre-lhes<br />

como ao Zauberlehrling (O Aprendiz de Magia, ou Aprendiz de Feiticeiro), em<br />

que os fantasmas ganham poder sobre eles e não serão novamente dispersos.<br />

O Pescador de G o e t h e - ‘Ela quase o derrubou e quase o afundou’ -<br />

repete a dualidade no segundo termo; pois afundar é deixar que alguém se<br />

afunde”. M a n t o n , the Puritan: “Um estranho não pode afastar um cão do rebanho,<br />

mas o Pastor pode fazê-lo com uma palavra; assim o Senhor pode facilmente<br />

repreender Satanás quando o acha mais violento”. Spurgeon, o<br />

moderno puritano, assinala o que se disse acima: “Ó senhor, quando sou<br />

afligido pelo meu grande inimigo, afasta-o, rogo-te! Deixa-me ouvir uma voz


6 7 2 Augustus Hopkins Strong<br />

dizendo: ‘O Senhor te repreende, ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu<br />

Jerusalém, te repreende!’ (Zc. 3.2). Porque tu me elegeste, repreende-o, rogo-<br />

te, e livra-me da ‘força do cão’! (SI. 22.20)”.<br />

Segunda, - o poder deles é limitado pela vontade de Deus, tanto no tempo<br />

como no espaço. Os espíritos maus nem são onipotentes, nem oniscientes,<br />

nem onipresentes. Devemos atribuir a doença e a calam idade natural à atuação<br />

deles só quando isto for m atéria de revelação especial. Como os espíritos<br />

maus se opõem a Deus, este os com pele a servir aos propósitos dele. O poder<br />

de fazerem o mal dura apenas um lapso e o juízo final e o castigo vindicarão a<br />

permissão que Deus lhes concedeu de praticarem o mal.<br />

1 Co. 10.13 - “fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que<br />

podeis; antes com a tentação dará o escape, para que a possais suportar”;<br />

Jd. 6 - “Os anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua<br />

própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até o juízo<br />

daquele grande Dia”.<br />

L u t e r o viu Satanás mais perto do homem do que o seu paletó, ou sua<br />

camisa, ou até mesmo a sua pele. Em todos os infortúnios ele via a obra do<br />

diabo. Havia uma conflagração na cidade? Olhando mais de perto, você pode<br />

ver um demônio soprando a chama. Ele atribuía a peste e a tempestade<br />

a Satanás. Tudo isto eram resquícios dos exageros medievais do poder de<br />

Satanás. Naquela época, supunha-se que os homens pudessem fazer pactos<br />

com o maligno, através dos quais o poder sobrenatural se adquiria com o<br />

preço da perdição final (ver Fausto de G o e t h e ).<br />

A Escritura não fornece garantia para tais representações. Parece que se<br />

permitiu uma atividade especial de Satanás na tentação e na possessão<br />

durante o ministério do nosso Salvador, para que o poder de Cristo viesse a<br />

ser demonstrado. Através da sua morte Jesus “aniquilou o que detinha o<br />

império da morte, isto é, o diabo” (Hb. 2.14) “E, despojando os principados<br />

e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo (Rev. e<br />

At. do Brasil) na cruz” (Cl. 2.15). 1 Jo. 3.8 - “Para isto, o Filho de Deus se<br />

manifestou: para desfazer as obras do diabo”. Os espíritos maus agora existem<br />

e agem só sob sofrimento. McLeod, Temptation of our Lord, 24 - “A força<br />

de Satanás é limitada: 1) pelo fato de que ele é uma criatura; 2) por causa da<br />

providência de Deus; 3) por causa da sua própria iniqüidade”.<br />

G e n u n g , Epic of the Inner Life, 136 - “Não tendo nem princípio fixo em si<br />

mesmo, nem conexão com a fonte da ordem exterior, Satanás não tem capacidade<br />

profética. Ele pode apelar para o acaso, mas não pode prever. Assim<br />

Mefistófeles insolentemente gaba-se de que ele pode desviar Fausto: ‘Quanto<br />

você quer apostar? Há ainda uma oportunidade de ganhá-lo, Desde que<br />

você se entregue ao meu caminho para instruí-lo!’ E em Jó 1.11; 2.5, Satanás<br />

desafia: ‘verás se ele não blasfema de ti na tua face”’. W illia m A s h m o r e :<br />

“É Satanás onipresente? Não, mas é muito sagaz. É ele limitado? Sim, mas<br />

com corda muito frouxa”. Na história persa, Deus espalhou a semente.<br />

O diabo enterrou-a e mandou a chuva apodrecê-la. Mas logo ela surgiu e o<br />

deserto floriu como a rosa.


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

II. O B JE Ç Õ E S À DOUTRIN A DOS A N JO S<br />

1. À doutrina dos anjos em geral<br />

Objeta-se:<br />

a) Que se opõe ao ponto de vista científico m odem o do mundo como sistem<br />

a de forças e leis definidas. - Respondemos que, qualquer que seja a verdade<br />

que possa haver neste ponto de vista m oderno não exclui o papel da atuação<br />

livre divina ou humana. Portanto, não exclui a possibilidade da atuação<br />

angélica.<br />

L a d d , Philosophy of Knowtedge, 3 3 2 - “ É mais fácil crer nos anjos do que<br />

no éter; em Deus do que nos átomos; e na história do seu reino como uma<br />

auto-revelação divina do que no processo de evolução puramente mecânica<br />

dos físicos e biólogos”.<br />

b) Que se opõe a doutrina moderna do espaço infinito acima e abaixo de<br />

nós - espaço povoado de mundos. Com a aceitação da velha concepção do<br />

firmamento, como um limite separando este mundo das regiões além, susten-<br />

ta-se que devemos abandonar toda a crença em um céu dos anjos. - Respondemos<br />

que as noções do universo infinito, do céu como um lugar definido e dos<br />

espíritos como confinados a um lugar fixo não têm garantia certa quer na<br />

razão, quer na Escritura. Nada conhecemos dos modos de existência de espíritos<br />

puros.<br />

O que conhecemos do universo é certamente finito. Parece que os anjos<br />

são seres incorpóreos e, como tais, livres de todas as leis da matéria e do<br />

espaço. O céu e o inferno são essencialmente condições correspondentes ao<br />

caráter - em que o corpo e as circunstâncias da alma expressam e refletem<br />

seu estado interior. A coisa principal em que se deve insistir é, portanto, o<br />

estado; o lugar é somente incidental. A declaração de Cristo a respeito daquele<br />

que “pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo (Mt. 10.28) fornece<br />

alguma razão para crer que o inferno é também um lugar.<br />

Não nos é revelado onde estão o céu e o inferno. Mas não é necessário<br />

supor que estão em alguma parte remota do universo; por nada sabermos,<br />

eles podem estar pouco atrás de nós, de modo que, se os nossos olhos estivessem<br />

abertos, como os do servo do profeta (2 Re. 6.17), nós mesmos os<br />

veríamos. Baseados em Ef. 2.2 - “príncipe das potestades do ar” e 3.10 -<br />

“principados e potestades nos céus” - alguns têm atribuído à atmosfera da<br />

terra a habitação dos espíritos angélicos, tanto bons como maus. Mas as<br />

expressões “ar” e “lugares celestiais” podem simplesmente ser designações<br />

metafóricas do seu método espiritual de existência.<br />

A filosofia idealista, que considera o tempo e o espaço não como condicio-<br />

nantes do pensamento de Deus, mas tão somente como formas subjetivas do<br />

673


6 7 4 Augustas Hopkins Strong<br />

nosso pensar humano, possivelmente pode fornecer algum subsídio na consideração<br />

deste problema. Se a preocupação é apenas a expressão da mente<br />

e da vontade de Deus, sem existência independente da sua inteligência e<br />

vontade, a questão de lugar deixa de ter significação. Nesse caso o céu é tão<br />

somente o estado em que Deus se manifesta na sua graça e o inferno é o<br />

estado em que um ser moral se encontra em oposição a Deus e Deus em<br />

oposição a ele. Cristo pode manifestar-se aos seus seguidores em toda a parte<br />

da terra e a todos habitantes do céu ao mesmo tempo (Jo. 14.21; Mt. 28.20;<br />

Ap. 1.7). De igual modo, os anjos, seres puramente espirituais, podem independer<br />

das leis de espaço e de tempo sem se limitar a qualquer local fixo.<br />

Preferimos, portanto, deixar sem decisão o assunto lugar e aceitar a existência<br />

e operação tanto dos anjos bons como dos maus como matéria de fé,<br />

sem professar o entendimento das suas relações com o espaço.<br />

2. À doutrina dos anjos maus em particular<br />

Objeta-se que:<br />

a) A idéia da queda dos anjos é auto contraditória porque um a queda determ<br />

inada pelo orgulho pressupõe orgulho - isto é, um a queda antes da queda. -<br />

Respondemos que a objeção confunde a ocasião do pecado com o pecado em<br />

si. O motivo externo da desobediência não é a desobediência. A queda ocorreu<br />

só quando a livre vontade escolheu o motivo exterior. Só quando egoisti-<br />

camente se adotou o motivo da independência, o inocente desejo do conhecimento<br />

e do poder se tomaram orgulho e pecado. Como um a vontade má poderia<br />

originar-se nos espíritos criados é um problem a insolúvel. Nossa fé na santidade<br />

de Deus, contudo, compele-nos a atribuir a origem desta vontade má,<br />

não ao Criador, mas à criatura.<br />

Não pode haver nenhuma propensão pecaminosa antes que haja pecado.<br />

A razão do primeiro pecado não pode ser o próprio pecado. Isto seria torná-lo<br />

um desenvolvimento necessário; negar a santidade de Deus, o Criador; deixar<br />

a base do teísmo em favor do panteísmo.<br />

b) É irracional supor que Satanás teria sido capaz de m udar sua natureza<br />

toda através de um simples ato, de modo que, desde então, só desejasse o mal.<br />

- Respondemos, porém, que as circunstâncias de tal decisão nos são desconhecidas;<br />

conquanto o poder dos atos simples de m udar permanentem ente o<br />

caráter é m atéria de observação entre os homens.<br />

Um exemplo do efeito sobre o caráter e a vida do simples ato de falsidade<br />

ou sonegação. O primeiro frasco de bebida intoxicante e a primeira operação<br />

sugestiva de impureza estabelece freqüentemente traços nervosos no cérebro<br />

e associações mentais irreversíveis dominantes em toda a vida. “Semeia um


T e o l o g ia S is t e m á t ic a<br />

ato e colherá um hábito; semeia um hábito e colherá um caráter; semeia um<br />

caráter e colherá um destino”. O que é verdade a respeito do homem também<br />

pode sê-lo a respeito dos anjos.<br />

c) É impossível que tão sábio ser entre na desesperançada rebelião. - Respondemos<br />

que nenhum a som a do simples conhecim ento garante a ação moral<br />

correta. Se os homens gratificam a presente paixão, apesar de seu conhecimento<br />

de que o pecado envolve a m iséria presente e a perdição futura, não é<br />

impossível que Satanás possa ter feito o mesmo.<br />

S cherer, Essays on English Literature, 139, apresenta a seguinte objeção:<br />

“A idéia de S atanás é contraditória; porque se opõe ao conhecim ento de<br />

Deus e ainda tenta rivalizar contra ele” . Entretanto, devem os lem brar que o<br />

entendim ento é servo da vontade e é por ela obscurecido. M uitos hom ens<br />

inteligentes deixam de v e r de que depende a sua paz. É a própria loucura do<br />

pecado que persiste na iniqüidade m esm o quando vê e tem e a aproxim ação<br />

do ju ízo de Deus. J onathan Edwards: “E m bora o diabo seja m uito sagaz e<br />

sutil, ainda ele é um dos m aiores tolo s e cabeças duras do m undo com o são<br />

os m ais sutis iníquos. O pecado é de tal natureza que, estranham ente, envai­<br />

dece e torna estulta a m ente”. Um a das peças de B en J ohnson tem este título:<br />

“O Diabo é um Asno”.<br />

S chleiermacher, Die Chrístliche Glaube, 1.210, argumenta que a iniqüidade<br />

contínua deve ter enfraquecido o entendimento de Satanás de sorte que<br />

ele não pode mais ser temido. E acrescenta: “Nada mais fácil do que contender<br />

contra o maligno emotivo”. Por outro lado, parece que, na Escritura, há<br />

evidência de uma ira progressiva e uma atividade devastadora no caso do<br />

maligno, a começar em Gênesis, culminando no Apocalipse. Com esta crescente<br />

maldade há também abundante evidência da sua ignorância. Podemos<br />

exemplificar os equívocos do diabo ao representar erroneamente 1. Deus ao<br />

homem (Gn. 3.1 - “É assim que Deus disse?”). 2. O homem ao próprio<br />

homem (3.4 - “Certamente não morrereis”). 3. O homem a Deus (Jó 1.9 -<br />

“Porventura Jó teme a Deus em vão?”). 4. Deus a ele mesmo (Mt. 4.3 - “Se tu<br />

és Filho de Deus”). 5. Ele mesmo ao homem (2 Co. 11.14 - “Satanás se<br />

transfigura em anjo de luz”). 6. Ele mesmo a si mesmo (Ap. 12.12 - “o diabo<br />

desceu a vós e tem grande ira” - pensando que podia opor-se a Deus com<br />

sucesso ou destruir o homem).<br />

d) Criar e m anter espíritos que sabemos virão a ser maus e farão o mal é<br />

inconsistente com a benevolência de Deus. - Respondem os que não é mais<br />

inconsistente com a benevolência de Deus do que a criação e preservação dos<br />

homens cuja ação Deus dirige para o avanço dos seus propósitos e cuja iniqüidade<br />

finalm ente ele traz à luz e pune.<br />

A sedução do puro pelo impuro, a chantagem, a escravização e a guerra,<br />

tudo isso tem sido permitido entre os homens. Não é mais inconsistente com<br />

6 7 5


6 7 6 Augustus Hopkins Strong<br />

a benevolência de Deus permiti-los entre os espíritos angélicos. C aro lin e Fox<br />

conta de Emerson e C a rly le que este certa feita conduziu seu amigo, sereno<br />

filósofo, pelas abominações das ruas de Londres à meia-noite, perguntando-<br />

lhe com humor terrível, freqüentemente, em cada um dos poucos passos:<br />

“E agora? Você crê no diabo?” E merson respondeu que, quanto mais ele via o<br />

povo inglês, mais e melhor pensava neles. Talvez porque, com tais abismos<br />

abaixo deles, podiam, não obstante, alcançar tais altitudes da civilização. Até<br />

mesmo o vício e a miséria, canalizados para o bem, e o destino dos anjos<br />

maus podem tornar-se uma advertência para o universo.<br />

é) A noção de organização dos espíritos maus é autocontraditória porque a<br />

natureza do mal é separar e dividir. - Respondem os que tal organização dos<br />

espíritos maus não é mais impossível do que a organização dos homens ímpios<br />

com o propósito de am pliar os seus fins egoísticos. A aversão comum a Deus<br />

pode constituir um princípio de união entre eles como entre os homens.<br />

Os ímpios são bem sucedidos em seus planos só quando de alguma forma<br />

aderem ao bem. Mesmo uma súcia de roubadores deve ter leis e há um<br />

tipo de “honra entre os ladrões”. De outra forma o mundo seria um pandemônio<br />

e a sociedade seria o que H obbes chamava: “bellum omnium contra<br />

omnes (guerra de todos contra todos)”. Ver W h itehouse, art. sobre Satanás,<br />

no Hastings’ Bible D i c t “Algumas personalidades são centros ganglionados<br />

de um sistema nervoso, encarnação da má influência. A Bíblia ensina que<br />

Satanás é o seu centro”.<br />

Entretanto, o poder organizador de Satanás tem suas limitações. N evius,<br />

Demon-Possession, 270 - “Satanás não é onisciente e não é certo que todos<br />

os demônios estão sob o seu inteiro controle. A falta de vigilância da parte do<br />

diabo e a ambição dos seus anjos podem obstruir e adiar a execução dos<br />

seus planos do mesmo modo que entre os homens”. Um parlamentar inglês<br />

consolava-se, dizendo: “Se as pulgas tivessem todas a mesma mente, elas<br />

nos poriam fora da cama”. P latão, Lisis, 214 - “Os bons são iguais uns aos<br />

outros, e amigos uns dos outros, e os maus nunca formam unidade uns com<br />

os outros ou consigo mesmos; porque eles são apaixonados e incansáveis, e<br />

qualquer variação e inimizade provavelmente formam união ou harmonia com<br />

outra coisa qualquer”.<br />

f ) A doutrina é m oralmente perniciosa porque transfere a culpa do pecado<br />

humano ao ser ou seres que tentam os homens a isso. - Respondemos que nem<br />

a consciência, nem a Escritura permitem que a tentação seja um a desculpa<br />

para o pecado ou considera Satanás como tendo poder para coagir a vontade<br />

humana. A objeção, contudo, contradiz nossa observação, - pois só onde se<br />

reconhece a existência pessoal de Satanás reconhece-se o pecado em sua verdadeira<br />

natureza.<br />

O caráter diabólico do pecado torna-se mais culposo e detestável. A imoralidade<br />

está, não na perseverança, mas na negação da doutrina. O abandono


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 7 7<br />

da doutrina de Satanás está em conexão com a frouxidão na administração<br />

da justiça criminal. A pena vem a ser considerada somente como dissuasiva<br />

e reformatória.<br />

g) A doutrina degrada o homem, representando-o como instrumento e<br />

escravo de Satanás. - Respondemos que, na verdade, ela mostra que seu verdadeiro<br />

estado acha-se degradado, mas apenas como resultado da exaltação<br />

da nossa idéia de sua dignidade e de sua possível glória em Cristo. O fato de<br />

que se sugeriu o pecado do homem vir de fora e não de dentro pode ser uma<br />

circunstância m itigadora que tom a possível sua redenção.<br />

Ao invés disso ela põe um estigma sobre a natureza humana, dizendo que<br />

ela não é decaída - que sua condição presente é o seu estado original e<br />

normal. Nem se deve atribuir ao homem uma dignidade que ele não possui se<br />

em conseqüência disso privamo-lo da dignidade que ele pode possuir. O pecado<br />

de Satanás é, em essência, o pecado contra o Espírito Santo para o qual<br />

não pode haver o “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc. 23.34),<br />

porque ele escolheu o mal com a mala gaudia mentls (maus prazeres da<br />

mente), ou a mais nítida intuição de que isto é mau. Se o diabo não existe,<br />

então o próprio homem é o diabo. Tem-se dito que Voltaire, sem crer em um<br />

diabo, o via em toda a parte - até mesmo onde ele não estava. O cristão do<br />

Peregrino de Bunyan, recebe o consolo quando acha que as sugestões blasfemas<br />

que lhe vieram no vale escuro eram o inimigo que o perseguia. Se toda<br />

a tentação viesse de dentro, o nosso caso pareceria desesperador. Mas, se “um<br />

inimigo é quem fez isso” (Mt. 13.28), então há esperança. E, então, podemos<br />

aceitar a máxima: “Nullus diabolus, nullus Redemptor (Se não há diabo, não<br />

há Redentor”. Os unitários não têm nenhum Capitão da Salvação e não têm<br />

nenhum Adversário contra quem contenderiam.<br />

III. E M PR E G O S P R Á T IC O S D A DOUTRIN A DOS A N JO S<br />

1. Emprego da doutrina dos anjos bons<br />

a) Ela nos dá um novo senso da grandeza dos recursos divinos e da graça<br />

de Deus na nossa criação ao pensar na m ultidão das inteligências não decaídas<br />

que executaram os propósitos divinos antes que o hom em aparecesse.<br />

b) Fortalece nossa fé no cuidado providencial de Deus ao saber que se<br />

delega aos espíritos de tão alto nível m inistrar às criaturas que estão envolvidas<br />

com as tentações e conscientes do pecado.<br />

c) Ensina-nos a humildade, porque seres de tanto m aior conhecimento e<br />

poder que os nossos alegremente executam, anônimos, estes trabalhos em<br />

favor daqueles cuja única reivindicação é a de serem filhos do mesmo Pai.


6 7 8<br />

Augustus Hopkins Strong<br />

d) Ajuda-nos na luta contra o pecado a aprender que estes mensageiros de<br />

Deus estão perto para assinalar o nosso erro se caímos e sustentar-nos se resistimos<br />

à tentação.<br />

é) Am plia nossas concepções da dignidade do nosso ser e das ilimitadas<br />

possibilidades da nossa futura existência para lem brar estas formas de típica<br />

inocência e amor que louvam e servem a Deus incessantem ente no céu.<br />

Exemplo de aparição de anjos na vida de Jacó em Betei (Gn. 28.12 -<br />

Conversão de Jacó?) e em Maanaim (Gn. 32.1,2 - dois acampamentos, de<br />

anjos, à direita e à esquerda; cf. SI. 34.7 - “O anjo do Senhor acampa-se ao<br />

redor dos que o temem, e os livra”); assim também, o Anjo que, em Peniel,<br />

lutou com Jacó ao entrar na terra prometida (Gn. 32.24; cf. Os. 12.3,4 - “no<br />

vigor da sua idade, lutou com Deus; lutou com o anjo e prevaleceu”), e “o anjo<br />

me livrou de todo o mal” (Gn. 48.16) ao qual Jacó se refere no leito da morte.<br />

E dmund S penser, The Faerie Queene (A Rainha das Fadas): “E há preocupação<br />

no céu? e há amor nos espíritos celestiais para com as criaturas abaixo<br />

para que possa compadecer-se delas no seu mau comportamento? Há; caso<br />

contrário haveria muito mais homens desvalidos do que animais. Mas ah!<br />

quanta graça do altíssimo Deus que ama de tal modo as suas criaturas e<br />

abrange todas as suas obras com misericórdia, que benditos anjos ele manda<br />

para um lado e para outro para servir ao ímpio, para servir o seu inimigo<br />

ímpio! Quão freqüentemente as suas salvas de prata partem e vêm socorrer-<br />

nos, socorrer o necessitado! Com que freqüência as suas asas douradas cortam<br />

os imensos céus como arautos voadores enfrentando sórdidos inimigos<br />

a fim de, militantes, auxiliar-nos! Lutam por nós; estão em vigília, na devida<br />

guarda e os brilhantes esquadrões rodeiam os nossos pés; e tudo por amor,<br />

nada por recompensa. Por que o Deus celeste teria tanta consideração para<br />

com os homens?”<br />

Isto nos mostra que o pecado não é mera limitação, a fim de ver inteligências<br />

que mantiveram sua integridade. S hakespeare, Henrique VIII, 2.2 - “Ele<br />

aconselha o divórcio - uma perda daquela que pendurou vinte anos em torno<br />

do seu pescoço e mesmo assim não perdeu o seu brilho; daquela que o ama<br />

com a excelência com que os anjos amam os homens; daquela que ao desabar<br />

o maior golpe da fortuna, bendirá o rei”. Medida por Medida, 2.2 -<br />

“Ó homem, ó homem orgulhoso, apresenta fantásticos artifícios perante os<br />

altos céus, e faz chorar os anjos”.<br />

2. Empregos da doutrina dos anjos maus<br />

á) Ela ilustra a real natureza do pecado e a profundidade da ruína a que ele<br />

pode levar a alma a refletir a condição moral presente e eterna miserabilidade<br />

a que estes espíritos, tão altamente dotados, chegaram por sua rebelião contra<br />

Deus.<br />

b) Inspira um tem or salutar e aversão das prim eiras abordagens do mal<br />

vindas de dentro ou de fora para lem brar que estes podem ser os avanços


T e o l o g ia S is t e m á t ic a 6 79<br />

cobertos de um ser pessoal e maligno que procura derrotar nossa virtude e<br />

envolver-nos em nossa própria apostasia e destruição.<br />

c) Envolve-nos em Cristo como o único Ser que é capaz de livrar-nos e a<br />

outros do inimigo de todos os bons.<br />

d) Ela nos ensina que a nossa salvação é inteiram ente de graça porque não<br />

se providenciou nenhum a expiação e nenhum a renovação para tão grande<br />

multidão de espíritos rebeldes - a simples justiça teve seu curso e nenhum<br />

m erecimento se interpôs ou salvou.<br />

Philippi em sua Glaubenslehre (Doutrina), 3.151-284, sugere as seguintes<br />

relações da doutrina de Satanás com a do pecado: 1. Porque Satanás é um<br />

anjo decaído, que outrora foi puro, o mal não é auto-existente ou necessário.<br />

O pecado não pertence à substância que Deus criou, mas é um acréscimo<br />

posterior. 2. Porque Satanás é uma criatura essencialmente espiritual, não<br />

pode ter sua origem na natureza simplesmente sensorial, ou simplesmente<br />

uma natureza física. 3. Porque Satanás não é uma criatura fraca e de pobres<br />

dotes, o pecado não é um resultado necessário da fraqueza ou limitação.<br />

4. Porque Satanás está confirmado no mal, o pecado não é necessariamente<br />

transitório ou ato remediável da vontade. 5. Porque em Satanás o pecado não<br />

termina, não se trata de um passo desenvolvido pela criatura, ou um estágio<br />

do progresso para algo mais elevado e melhor.<br />

“Eles nunca submergem tão fundo, Eles nunca sobem tão alto; eles nunca<br />

conhecem tais profundezas do sofrimento, Tais alturas da majestade. O Salvador<br />

não une a sua natureza à deles; Porque eles não derramam o sangue<br />

divino, nem soltam um só gemido”. Se não lhes foi provida redenção alguma,<br />

pode ser porque: 1. o pecado teve origem com eles; 2. o pecado que eles<br />

cometeram é “pecado eterno” (cf. Mc. 3.29); 3. eles pecaram com nítida inteligência<br />

e mais completo conhecimento do que nós (cf. Lc. 23.34); 4. seu ser<br />

incorpóreo agravou o seu pecado e assimilou-o ao nosso pecado contra o<br />

Espírito Santo (cf. Mt. 12.31,32); 5. este ser incorpóreo não deu nenhuma<br />

oportunidade para Cristo objetivar sua graça e visivelmente juntar-se a ele<br />

(cf. Hb. 2.16); 6. a persistência deles no mal apesar do crescente conhecimento<br />

do caráter de Deus apresentado na história humana, resultou em<br />

endurecimento do coração que não é suscetível de salvação.<br />

Contudo, os anjos foram criados em Cristo (Cl. 1.16); consistem nele (v. 17);<br />

Cristo deve sofrer por causa dos pecados deles; Deus os salvaria, se consis-<br />

tentemente ele pudesse. O Dr. G. W. Samson sustentava que o Logos tornou-<br />

se um anjo antes de tornar-se homem e isto explica suas aparições como “o<br />

anjo do Senhor” no Velho Testamento (Gn. 22.11). Não se afirma que todos<br />

anjos decaídos serão eternamente atormentados (Ap. 14.10). Em termos igualmente<br />

fortes (Mt. 25.41; Ap. 20.10) declara-se a existência de um lugar de<br />

castigo eterno para os maus, mas não cremos que todos homens irão para lá<br />

apesar de que todos homens são maus. O silêncio da Escritura sobre uma<br />

provisão de salvação para os anjos decaídos não é prova de que não haverá<br />

tal provisão. 2 Pe. 2.4 mostra que os anjos maus não receberam o juízo final,<br />

mas estão em estado temporário de existência e tal estado final ainda está


6 8 0 Augustus Hopkins Strong<br />

por ser revelado. Se Deus ainda não proveu, pode ele não prover-lhes a<br />

redenção e os “anjos eleitos” (1 Tm. 5.21) talvez sejam os que Deus predestinou<br />

para estarem na futura provação e serem salvos, enquanto os<br />

que persistem em sua rebeldia serão consignados ao lago de fogo e enxofre<br />

(Ap. 20.10)?<br />

O guardador de uma jovem tigre deu uns tapinhas de carinho na cabeça<br />

dela e ela lambeu as mãos dele. Mas quando ela se tornou mais velha agarrou<br />

a sua mão com os dentes e começou a morder. Ele puxou a mão em<br />

cortes. Aprendeu a não acariciar um tigre. Aprendamos a não acariciar Satanás.<br />

Não “ignoremos os seus ardis” (2 Co. 2.11). Não é bom pesadas armas<br />

de fogo no canto da chaminé. “Os que têm medo da ader (tipo de víbora) não<br />

se aproximarão do seu sibilado”. Talmage: “Ó Senhor, ajuda-nos a ouvir o<br />

chocalho da cascavel antes de sentirmos os seus ferrões”, lan Maclaren, Cure<br />

of Souls, 215-0 pastor treme por causa de uma alma, “quando vê o destruidor<br />

rondando como um predador venenoso no ar e quer que ela esteja sob as<br />

asas de Cristo”.<br />

Thomas K. Beecher: “Suponha que eu more na Broadway, onde o povo se<br />

levanta sempre em diferentes direções. Deixaria eu portas e janelas abertas,<br />

e diria à multidão de estranhos: Entrem pelas minhas portas, atravessem o<br />

meu salão, penetrem a sala de visitas, sintam-se em casa na minha sala de<br />

jantar, subam aos meus aposentos? Não! Fecharia as janelas, trancaria as<br />

portas, passaria a chave contra os intrusos e as abriria só para mim e para os<br />

meus e para aqueles que tenho por companheiros. Contudo, aqui vemos<br />

tolos e tolas estendendo seus braços e dizendo aos espíritos do vasto abismo:<br />

‘Entrem e tomem posse de mim. Escrevam com as minhas mãos, pensem<br />

com o meu cérebro, falem com os meus lábios, andem com os meus<br />

pés, usem-me como um meio para o que quiserem’. Deus respeita a santidade<br />

do espírito do homem. Até mesmo Cristo se põe à porta e bate. Espírito<br />

Santo, enche-me de modo que não haja lugar para nenhum outro”. (Ap. 3.20;<br />

Ef. 5.18).


• Deus<br />

• Inspiração<br />

• Revelação<br />

• Existência<br />

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T E O L Q G J A<br />

SISTEMATICA<br />

A ugustus H opkins<br />

<strong>STRONG</strong><br />

De há muitos anos conheço e utilizo a obra t e o l o g i a s i s t e m á t i c a de<br />

Augustus Hopkins Strong, filósofo, teólogo e educador norte-americano. Por 40<br />

anos foi ele presidente e professor do Seminário Teológico de Rochester, Estado<br />

de Nova York. Sua magnum opus é esta obra lançada no início do século passado<br />

e que continua a ser uma referência indispensável a quem estuda as Sagradas<br />

escrituras voltado para as suas santas doutrinas.<br />

Com erudição, destreza e farta documentação, Strong discorre sobre os<br />

ensinos da Palavra de Deus, dentro do ramo a que se propôs: aTeologia Sistemática.<br />

O seu método de abordagem do assunto é exclusivo, o que também motiva<br />

grande procura pela obra. Os diversos e valiosos índices no final da obra, torna-a<br />

ainda mais útil e prática. Recomendo com convicção, prazer e gratidão a obra de<br />

Strong.<br />

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Antonio Gilberto<br />

Pastor, teólogo e educador<br />

A literatura evangélica no Brasil cresceu m aravilhosam ente. Também a<br />

teológica avançou. M ais um a vitória para pastores e obreiros: sai no vernáculo<br />

a im ortal obra do am ericano Augustus Hopkins Strong: TEOLOGIA<br />

SISTEM ÁTICA. Livro profundo, rico em citações. Como Deus o abençoou<br />

na outra Am érica, que abençoe também o famoso Strong em nosso gostoso<br />

idiom a de Camões.<br />

ISBN 85-89320-09-X<br />

9788589 320092<br />

Enéas Tognini<br />

Pastor fundador da Igreja<br />

Batista do Povo e do Seminário<br />

Teológico Batista Nacional

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