Ansiedade à matemática e diferença de gênero - Universidade ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA<br />
ANSIEDADE À MATEMÁTICA E DIFERENÇA DE GÊNERO: UMA<br />
ANÁLISE DA LITERATURA<br />
ANA CLÁUDIA TOLEDO FERRAZ<br />
SÃO CARLOS/SP<br />
NOVEMBRO/2009<br />
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS<br />
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA<br />
ANSIEDADE À MATEMÁTICA E DIFERENÇA DE GÊNERO: UMA<br />
ANÁLISE DA LITERATURA<br />
ANA CLÁUDIA TOLEDO FERRAZ<br />
SÃO CARLOS/SP<br />
NOVEMBRO/2009<br />
Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso<br />
apresentado ao Curso <strong>de</strong><br />
Licenciatura Plena em Pedagogia,<br />
da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São<br />
Carlos – UFSCar; como parte dos<br />
requisitos para obtenção do Grau<br />
<strong>de</strong> Pedagogo, sob a orientação do<br />
Prof. Dr. João dos Santos Carmo.<br />
1
DEDICATÓRIA<br />
Dedico este trabalho aos meus<br />
pais e <strong>à</strong> minha irmã que sempre<br />
estiveram ao meu lado.<br />
2
AGRADECIMENTOS<br />
Agra<strong>de</strong>ço primeiro <strong>à</strong> Deus pela oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar on<strong>de</strong> estou, e pela luz que me<br />
guia e ilumina todos os dias.<br />
Agra<strong>de</strong>ço imensamente ao meu porto seguro, minha família. Aos meus amados pais<br />
Marcos e Rosana que nunca me faltaram, que são minha base, meus exemplos. À minha irmã<br />
querida, Maria Luiza; que com sua alegria transforma os meus dias em mais felizes.<br />
Agra<strong>de</strong>ço ao meu orientador, Prof. Dr. João dos Santos Carmo, pela paciência, pelos<br />
ensinamentos, pela disposição e incansável ajuda em todos os momentos e principalmente<br />
pela confiança <strong>de</strong>positada em mim para realizar este trabalho que eu sei que também é muito<br />
importante para você.<br />
Às minhas queridas e inesquecíveis amigas, com imenso carinho, que compartilharam<br />
comigo dos momentos <strong>de</strong> elaboração e construção <strong>de</strong>ste trabalho e <strong>de</strong> tantos outros, assim<br />
como todo os momentos que vivenciamos juntas durante toda a faculda<strong>de</strong>. À vocês, meninas,<br />
Laís, Ligia, Juliana, Elen e Sheila, saibam que esta é apenas mais uma etapa <strong>de</strong> nossas vidas<br />
que concluímos, e que esta amiza<strong>de</strong> que nos une hoje e que nos uniu todos esses anos<br />
prevaleça para sempre. Obrigada por terem feito <strong>de</strong>sses anos os melhores!<br />
À Taís e <strong>à</strong> Manoela, amigas <strong>de</strong> tantos anos, agra<strong>de</strong>ço pelo carinho e amiza<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stinados a mim todos esses anos e por fazerem parte <strong>de</strong> mais esse importante passo na<br />
minha vida. Ao Flávio, “Sarcha”, pelos incansáveis momentos <strong>de</strong> força para que eu<br />
finalizasse este trabalho.<br />
A todos aqueles que são presentes em minha vida.<br />
3
RESUMO<br />
A Matemática na vida da maioria das pessoas se tornou um pesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
primeiros anos escolares. Talvez os mo<strong>de</strong>los utilizados em seu ensino tenham tornado tão<br />
aversiva essa disciplina. Além disso, há ainda a afirmação, difundida em nossa cultura, <strong>de</strong> que<br />
a <strong>matemática</strong> é uma disciplina tipicamente masculina. Alguns estudos têm indicado <strong>diferença</strong>s<br />
no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> entre homens e mulheres. Outros estudos têm apontado para<br />
um quadro chamado <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Este quadro está radicado na história <strong>de</strong><br />
fracasso no aprendizado da <strong>matemática</strong> e se caracteriza pela presença <strong>de</strong> reações fisiológicas<br />
<strong>de</strong>sagradáveis e comportamentos <strong>de</strong> fuga e esquiva diante <strong>de</strong> estímulos e situações<br />
relacionadas <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Será que a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> afetaria mais mulheres que<br />
homens? O que diz a literatura a esse respeito? No Brasil são poucas as produções voltadas<br />
para o tema ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, e não há registros <strong>de</strong> estudos que tratem <strong>de</strong> possíveis<br />
diferentes <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. A literatura internacional teria algo a dizer<br />
sobre esse aspecto? O presente trabalho tem como objetivo analisar a literatura que trata <strong>de</strong><br />
<strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Trata-se <strong>de</strong> estudo teórico que parte da<br />
<strong>de</strong>scrição do fracasso escolar em <strong>matemática</strong> e da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> para,<br />
em seguida, analisar mais <strong>de</strong>tidamente os dados referentes <strong>à</strong>s <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na<br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Os dados da literatura apontam para uma ligeira <strong>diferença</strong> entre<br />
<strong>gênero</strong>s, i<strong>de</strong>ntificando que mulheres, em geral, apresentam mais ansieda<strong>de</strong> que homens. Os<br />
dados, porém, não são conclusivos. Discutem-se os dados da literatura com base em fatores,<br />
como: influência da cultura na <strong>de</strong>terminação dos papéis e <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>; padrões <strong>de</strong><br />
interação com professores; papel da escola. Ao final são fornecidos indicativos <strong>de</strong> superação<br />
das <strong>diferença</strong>s a partir <strong>de</strong> uma educação voltada para a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>s.<br />
Palavras-chaves: <strong>Ansieda<strong>de</strong></strong> <strong>à</strong> Matemática; Matemática; Diferenças <strong>de</strong> Gênero; Dificulda<strong>de</strong><br />
em Matemática.<br />
4
ABSTRACT<br />
Mathematics has become a nightmare in the lives of most people since the early school<br />
years. Perhaps the mo<strong>de</strong>ls used in their teaching have become so aversive to that discipline.<br />
Moreover, there is the affirmation, wi<strong>de</strong>spread in our culture, that Mathematics is a discipline<br />
typically male. Some studies have indicated differences in Math performance between men<br />
and women. Other studies have pointed to other picture called mathematics anxiety. This<br />
picture is rooted in the history of failure in the Mathematics learning process and is<br />
characterized by the presence of unpleasant physiological reactions as well as escape and<br />
avoidance behaviors in the face of stimuli and situations related to mathematics. Does math<br />
anxiety affect more women than men? What does the literature show on this subject? In Brazil<br />
there are few products that point to mathematics anxiety, and there were no reports of studies<br />
<strong>de</strong>aling with different possible gen<strong>de</strong>r difference in mathematics anxiety. This study aims to<br />
analyze the literature on gen<strong>de</strong>r differences in Mathematics anxiety. This is a theoretical study<br />
that starts with the <strong>de</strong>scription of school failure in mathematics and the <strong>de</strong>finition of<br />
mathematics anxiety following by the examination ma<strong>de</strong> more closely by the data on gen<strong>de</strong>r<br />
differences in mathematics anxiety. Literature data indicate a slight gen<strong>de</strong>r gap, i<strong>de</strong>ntifying<br />
that women generally presents more anxiety than men. The data, however, is not conclusive.<br />
Literature data are discussed based on factors such as the influence of culture in <strong>de</strong>termining<br />
the roles and gen<strong>de</strong>r differences, patterns of interaction with teachers, and the school role. An<br />
educational proposal indicating overcome gen<strong>de</strong>r differences is presented.<br />
Keywords: Mathematics anxiety, Mathematics, Gen<strong>de</strong>r Differences; Difficulty in<br />
Mathematics.<br />
5
Apresentação<br />
SUMÁRIO<br />
Capítulo 1: “O Ensino da Matemática Escolar: Questões Educacionais e<br />
Sociais”<br />
Capítulo 2: “<strong>Ansieda<strong>de</strong></strong> <strong>à</strong> Matemática: Definição e Caracterização” 17<br />
Capítulo 3: “<strong>Ansieda<strong>de</strong></strong> <strong>à</strong> Matemática e Diferença <strong>de</strong> Gênero” 25<br />
3.1 Diferenças <strong>de</strong> Gênero e Matemática 25<br />
3.2 Dados sobre <strong>gênero</strong> e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> Matemática 29<br />
Capítulo 4: “Por uma educação voltada <strong>à</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> 33<br />
Referências 39<br />
06<br />
07<br />
6
APRESENTAÇÃO<br />
A <strong>matemática</strong>, como ciência e como disciplina escolar está eivada <strong>de</strong> mitos que<br />
apontam em direções específicas: é <strong>de</strong> difícil entendimento; nem todas as pessoas conseguem<br />
alcançar esse conhecimento; é preciso estudar muito para apren<strong>de</strong>r seus fundamentos; homens<br />
têm mais facilida<strong>de</strong> que mulheres <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r <strong>matemática</strong>. Este último mito, infelizmente,<br />
possui raízes históricas profundas e é mantido até hoje como parte <strong>de</strong> uma crença equivocada<br />
na superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>.<br />
Afora essas constatações, o ensino da <strong>matemática</strong> nas escolas vem sendo marcado pelo<br />
uso <strong>de</strong> controle aversivo (punição e ameaça <strong>de</strong> punição), e passado através <strong>de</strong> regras que, na<br />
maioria das vezes, não fazem sentido aos estudantes uma vez que não conseguem i<strong>de</strong>ntificar a<br />
aplicabilida<strong>de</strong>, funcionalida<strong>de</strong> e importância <strong>de</strong> parte dos conteúdos matemáticos em suas<br />
vidas.<br />
Uma das mais graves conseqüências <strong>de</strong>ste quadro complexo, é a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>, caracterizada por padrões emocionais negativos em relação a tudo que se<br />
relacione <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a própria palavra <strong>matemática</strong> até o professor <strong>de</strong>ssa disciplina.<br />
Esses padrões emocionais negativos po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scritos a partir <strong>de</strong> três gran<strong>de</strong>s aspectos:<br />
reações fisiológicas <strong>de</strong>sagradáveis; comportamento <strong>de</strong> fuga e esquiva em relação <strong>à</strong><br />
aprendizagem da <strong>matemática</strong>; autoatribuições negativas.<br />
Na literatura internacional que trata da ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> um dos tópicos menos<br />
estudados é o da <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>. Mulheres estariam mais propensas que homens a<br />
apresentar ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>? O que dizem os estudos que investigaram essa questão?<br />
Em que medida essa questão diz respeito a <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> ou a questões sociais mais<br />
amplas? No Brasil não há registro <strong>de</strong> qualquer estudo que trate <strong>de</strong>sse assunto.<br />
Desse modo, o presente trabalho objetiva analisar os dados da literatura internacional<br />
que tratam da <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> em relação <strong>à</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, <strong>de</strong> modo a<br />
sistematizar conclusões e apontar rumos a uma agenda <strong>de</strong> pesquisa que se faz necessária em<br />
nossa população brasileira.<br />
7
CAPÍTULO 1<br />
O ENSINO DA MATEMÁTICA ESCOLAR: QUESTÕES EDUCACIONAIS E<br />
SOCIAIS<br />
O verda<strong>de</strong>iro papel da instituição escolar vem sendo questionado ao longo <strong>de</strong> toda a<br />
sua existência. Seria o <strong>de</strong> responsável por promover mudanças ou apenas dar continuida<strong>de</strong> ao<br />
que já existe? Ou seja, o seu papel seria o <strong>de</strong> contribuir para que algo fosse transformado ou<br />
apenas conservado? Segundo Enguita (2004), o papel da escola acabou por contribuir com<br />
certos valores essenciais numa vida em socieda<strong>de</strong> assim como foi e é indispensável para toda<br />
a evolução dos indivíduos.<br />
É no Egito que temos alguns dos testemunhos mais antigos sobre aspectos ligados <strong>à</strong><br />
educação. Manacorda (2006) escreve que na época do Antigo Império os ensinamentos eram<br />
transmitidos <strong>de</strong> pais para filhos, baseando-se principalmente na autorida<strong>de</strong> imposta pela figura<br />
paterna e no uso do método mnemônico, sendo que conselhos <strong>de</strong> sabedoria prática também<br />
eram bastante comuns e importantes na época. Porém, o que mais se <strong>de</strong>stacava entre os<br />
ensinamentos era o “falar bem”. Este era o ponto mais importante da educação na época e<br />
quem se <strong>de</strong>stacava nesse quesito tinha gran<strong>de</strong>s chances <strong>de</strong> fazer parte da política já que esta<br />
arte era vista como a arte do governo.<br />
Des<strong>de</strong> o período do Antigo Império egípcio até seu período <strong>de</strong>mótico, a educação<br />
passa por diversas transformações. Em alguns momentos, a educação física e a escrita tornam-<br />
se mais evi<strong>de</strong>ntes tanto para a formação <strong>de</strong> escribas quanto para a formação <strong>de</strong> guerreiros,<br />
assim, a instrução intelectual passa a ser maior com a generalização da escola que acontece no<br />
Novo Império (MANACORDA, 2006).<br />
Na Grécia, encontramos na educação alguns aspectos característicos da educação do<br />
antigo Egito, porém, com algumas modificações. Basicamente a educação grega consistia na<br />
separação dos processos educativos por classe social na qual a classe governante tinha seus<br />
principais ensinamentos voltados para as formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia educativa, ou seja, a escola<br />
era separada visando a formação <strong>de</strong> cidadãos para as tarefas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que consistiam no<br />
8
“pensar” e principalmente no “falar”; enquanto que as classes excluídas e oprimidas ficavam<br />
sem nenhum tipo <strong>de</strong> instituição que visasse a instrução escolar.<br />
A evolução da escola nesse período ocorre principalmente pelas contribuições<br />
financeiras <strong>de</strong> soberanos, vindo a se tornar posteriormente responsabilida<strong>de</strong> do Estado,<br />
tornando-se gradativamente públicas (MANACORDA, 2006).<br />
Já em relação <strong>à</strong> educação em Roma, esta mostra-se renovada quando se trata das<br />
questões religiosas, cívicas e morais enquanto que a educação voltada para a parte técnica<br />
como a escrita baseia-se no mo<strong>de</strong>lo grego.<br />
É muito evi<strong>de</strong>nte na educação romana a responsabilida<strong>de</strong> do pai para com os<br />
ensinamentos primários. A base da educação, po<strong>de</strong>mos assim dizer, era <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />
do mesmo. O papel da mãe, porém, não é visto como secundário, sendo muitas <strong>de</strong>las<br />
responsáveis pelos primeiros ensinamentos relacionados ao falar e ao escrever.<br />
Diferentemente umas das outras, as socieda<strong>de</strong>s que se <strong>de</strong>senvolveram durante todo o<br />
período apresentado acima, apresentam características herdadas umas das outras, modificadas<br />
e reinventadas. Mesmo com o relato da evolução da escola, fica claro que esta não se <strong>de</strong>u da<br />
mesma maneira em todos os lugares. Em alguns <strong>de</strong>stes, <strong>de</strong> modo mais rápido, <strong>de</strong> outros<br />
menos, a instituição escolar acabou por caminhar <strong>de</strong> acordo com o <strong>de</strong>senvolvimento do local<br />
na qual estava inserida. Assim po<strong>de</strong>mos citar que em tempos remotos, algumas socieda<strong>de</strong>s<br />
africanas pré-coloniais não possuíam a instituição escolar. Educar-se era viver as experiências<br />
do cotidiano da comunida<strong>de</strong> e apren<strong>de</strong>r as tarefas que consistiam basicamente em pescar,<br />
plantar e caçar. Os mais velhos, contavam suas estórias e todos celebravam em cerimônias<br />
coletivas. Dessa forma, não era necessário que se tivesse uma instituição formal para que os<br />
conhecimentos fossem passados <strong>de</strong> geração para geração. A prática educativa se dava através<br />
da aquisição do trabalho e da interiorização tanto <strong>de</strong> valores quanto <strong>de</strong> comportamentos<br />
(HARPER et al, 1986). Eram os adultos que ensinavam e suas experiências eram tidas como<br />
exemplo para os mais novos; assim, o saber, a vida e o trabalho andavam juntos.<br />
Foi na Alta Ida<strong>de</strong> Média, na Europa, que a instituição escolar tornou-se<br />
responsabilida<strong>de</strong> dos religiosos da época. Com o gradual <strong>de</strong>saparecimento da escola clássica e<br />
a formação da escola cristã, esta divi<strong>de</strong>-se entre escola episcopal nas cida<strong>de</strong>s e na escola<br />
9
cenobitica 1 nos campos. Com a responsabilida<strong>de</strong> da Igreja, cultura e escola se reorganizaram.<br />
Havia a idéia <strong>de</strong> se ter um espaço apropriado, <strong>de</strong> preferência isolado dos <strong>de</strong>mais adultos. Este<br />
tipo <strong>de</strong> escola era privilégio apenas da nobreza. Posteriormente a burguesia passa a ter acesso<br />
a essa educação, <strong>à</strong> medida que sua classe entra em ascensão, começando então, a exigir cada<br />
vez mais os mesmos direitos que os nobres. Quanto ao resto da população, operários, artesãos,<br />
lavradores; esses aprendiam no dia a dia. O conhecimento mais importante estava relacionado<br />
aos valores morais e religiosos, enquanto que o científico ficava em segundo plano.<br />
Segundo Manacorda (2006) as paróquias e os cenóbios tornam-se as novas escolas e<br />
nelas não encontramos apenas os filhos da nobreza, mas também as crianças <strong>de</strong> origem<br />
humil<strong>de</strong>. Essa mudança consistia na idéia <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> cristã que “abrisse” a educação a<br />
todos. Na verda<strong>de</strong> esse tipo <strong>de</strong> educação consistia na idéia <strong>de</strong> instruí-los, tornando-os ao<br />
mesmo tempo clérigos e servos. Ou seja, havia ali uma relação <strong>de</strong> mestre <strong>de</strong> ofício e aprendiz.<br />
Com o passar dos anos o trabalho sofre mudanças radicais. O que antes era produzido<br />
em pequenas oficinas, <strong>de</strong> maneira não-associada <strong>à</strong> corporações, passa a se reunir em oficinas<br />
nas quais diversos artesãos trabalham em prol <strong>de</strong> uma mesma finalida<strong>de</strong>. Da cooperação<br />
simples, passa-se <strong>à</strong> manufatura, o que significa que cada trabalhador realizará apenas uma<br />
parte do processo e não o todo como era feito até então. Cada grupo <strong>de</strong> pessoas era<br />
responsável por <strong>de</strong>terminada tarefa e o conjunto <strong>de</strong> todos dava forma ao produto final. Assim,<br />
nasce o sistema da fábrica e da indústria baseada nas máquinas (MANACORDA, 2006).<br />
Essas mudanças acabam por <strong>de</strong>slocar para as cida<strong>de</strong>s massas populacionais trazendo-os das<br />
oficinas para as fábricas e do campo para a cida<strong>de</strong>, misturando assim diversas culturas, idéias,<br />
morais e conflitos.<br />
Conseqüentemente a escola é forçada a se mo<strong>de</strong>rnizar no período industrial. A gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>manda por mão <strong>de</strong> obra obrigou a instituição escolar a oferecer o mínimo <strong>de</strong> instrução para<br />
a classe operária; teriam estes que serem bons cidadãos e trabalhadores disciplinados<br />
(HARPER et al, 1986). Porém a discrepância <strong>de</strong> cultura entre ricos e pobres fez nascer uma<br />
escola com essas mesmas características.<br />
1 Segundo Manacorda (2006, p. 134) no período da Ida<strong>de</strong> Média ocorre a ascensão <strong>de</strong> dois tipos <strong>de</strong> escola<br />
européia, as quais <strong>de</strong>dicam-se exclusivamente <strong>à</strong> formação religiosa. Uma na cida<strong>de</strong>; a eclesiástica e outra no<br />
campo; a cenobitica. No entanto, é importante <strong>de</strong>stacar que estas escolas cenobiais caracterizam-se<br />
principalmente por uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> leigos nobres aspirantes <strong>à</strong> carreira eclesiástica.<br />
10
A partir das reivindicações por direitos da classe operária essa situação começa a se<br />
modificar. Operários se juntam e lutam em prol das mesmas oportunida<strong>de</strong>s e condições.<br />
Busca-se então, uma <strong>de</strong>mocratização dos estudos que só po<strong>de</strong>ria acontecer com o acesso ao<br />
ensino público, gratuito e obrigatório. A escola tornar-se-ia então um instrumento <strong>de</strong><br />
emancipação e perspectivas futuras <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Aos poucos essas<br />
reivindicações vão sendo atendidas. Uma das principais mudanças refere-se <strong>à</strong> integração entre<br />
as duas escolas, a dos ricos e a dos pobres, sendo que era apenas no final dos estudos que a<br />
seleção <strong>de</strong> notas era feita para que se soubesse quem daria continuida<strong>de</strong> aos estudos<br />
universitários e quais se conduziriam <strong>à</strong>s escolas técnicas. Quem se <strong>de</strong>stacou com altas notas<br />
eram os que freqüentariam as ao passo que os <strong>de</strong>mais acabariam por ingressar mais cedo no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Po<strong>de</strong>mos refletir, diante <strong>de</strong>ssa explicitação, se efetivamente ocorreu ou não a<br />
<strong>de</strong>mocratização do ensino. Essa questão torna-se complexa a partir do momento em que<br />
temos que enten<strong>de</strong>r qual é o real significado da palavra <strong>de</strong>mocratização. Se pensarmos que a<br />
integração entre as escolas <strong>de</strong> ricos e <strong>de</strong> pobres em uma única instituição é <strong>de</strong>mocracia, então<br />
isso efetivamente aconteceu. Porém, se analisarmos a situação a partir da visão <strong>de</strong> que mesmo<br />
com a junção entre as duas escolas, os alunos que têm acesso e oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar os<br />
estudos em uma universida<strong>de</strong>, por exemplo, são os que são da classe alta, então essa<br />
<strong>de</strong>mocratização não se <strong>de</strong>u efetivamente (HARPER et al, 1986). O que po<strong>de</strong>mos ver em<br />
relação a isso é que os alunos <strong>de</strong> classes menos favorecidas acabavam ingressando no<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho antes do que os <strong>de</strong> classes favorecidas pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar no<br />
sustento da família. Não havia por parte <strong>de</strong> instituições governamentais nenhum apoio que os<br />
permitissem dar continuida<strong>de</strong> aos estudos, os únicos que po<strong>de</strong>riam ter esse “privilégio” seriam<br />
os filhos dos ricos, pois seus pais não necessitavam <strong>de</strong> sua ajuda financeira.<br />
Outras questões como atrasos, faltas, reprovações e evasões acabavam prejudicando os<br />
alunos filhos das classes populares. No Brasil, o censo <strong>de</strong> 1980 (Fonte: Cuidado, Escola!, p.<br />
35) mostrou que a evasão escolar tornou-se freqüente pelo fato dos pais dos alunos não terem<br />
condições <strong>de</strong> manter seus filhos na escola. Por mais que a instituição seja pública e gratuita,<br />
há outros gastos com os quais o Governo não arca, como por exemplo, material escolar,<br />
uniforme, condução etc. Para famílias <strong>de</strong> baixa renda esse tipo <strong>de</strong> gasto torna-se totalmente<br />
dispensável em relação a se comprar comida, ou a se pagar aluguel, sendo assim, a educação<br />
11
dos filhos nem sempre é vista como priorida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> outras necessida<strong>de</strong>s mais urgentes e<br />
que também requerem gastos.<br />
Des<strong>de</strong> sua institucionalização, a escola fez uso do controle aversivo como forma <strong>de</strong><br />
punição e como recurso para manter a or<strong>de</strong>m e a disciplina. Era muito comum que castigos<br />
fossem aplicados como exemplo não só para o aluno castigado, mas para toda a turma. Esse<br />
tipo <strong>de</strong> experiência e repressão reflete até hoje no contexto escolar. Castigos físicos e verbais<br />
eram usados com bastante freqüência, assim como ameaças constantes <strong>de</strong> reprovação. No<br />
sistema tradicional <strong>de</strong> ensino, Morrow e Torres (2004) nos mostram que o sistema público <strong>de</strong><br />
educação estava focado na construção <strong>de</strong> cidadãos para o Estado, com o intuito <strong>de</strong> se formar<br />
uma força <strong>de</strong> trabalho disciplinada e confiável. Para que isso <strong>de</strong> fato se concretizasse,<br />
professores não mediam esforços e faziam uso dos artifícios citados acima para atingir seus<br />
objetivos. A figura do professor tornou-se mais temida e mais respeitada.<br />
Diferentemente dos tempos passados, atualmente a escola não tem mais autorida<strong>de</strong><br />
perante seus alunos. A ameaça <strong>de</strong> reprovação não é mais um recurso que possa ser usado<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se iniciou a progressão continuada. Os alunos não vêem nenhuma conseqüência<br />
diante <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus atos, sendo assim, acabam por <strong>de</strong>srespeitar professores, colegas e<br />
funcionários.<br />
Com o avançar dos anos a socieda<strong>de</strong> sofreu mudanças <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância.<br />
Po<strong>de</strong>mos citar uma como sendo a que culminou em resultados que afetaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola até<br />
a instituição familiar: a globalização.<br />
A instituição familiar foi diretamente afetada por esse fenômeno, já que com a<br />
<strong>de</strong>dicação e preocupação dos indivíduos voltada para o trabalho, o planejamento da vida<br />
social e em família foi diretamente afetado. As pessoas passaram a se casar e a ter filhos bem<br />
mais tar<strong>de</strong> do que acontecia nos anos anteriores, assim como o número <strong>de</strong> filhos por família<br />
caiu para menos da meta<strong>de</strong>. Enquanto nossos avós comumente tinham entre cinco e sete<br />
filhos, nos dias atuais, ter dois é mais do que suficiente; quem se arrisca a ter três é<br />
consi<strong>de</strong>rado “corajoso”. O planejamento familiar tornou-se <strong>de</strong> extrema importância para que<br />
se mantivesse um equilíbrio entre fatores como renda e família.<br />
Com constantes transformações acontecendo, os indivíduos tiveram que se adaptar <strong>à</strong>s<br />
novas exigências principalmente do mercado <strong>de</strong> trabalho, <strong>à</strong>s novas condições <strong>de</strong> vida e do<br />
12
convívio em socieda<strong>de</strong>. As mudanças sucessivas na área tecnológica e na organização do<br />
trabalho obrigaram a instituição escolar a se adaptar <strong>à</strong>s novas exigências do mercado e dos<br />
próprios cidadãos. As pessoas passaram a <strong>de</strong>dicar mais tempo aos estudos, pois a<br />
concorrência por trabalho tornou-se enorme; a escola abriu-se ainda mais para a população em<br />
massa e a qualida<strong>de</strong> do ensino acabou por ser prejudicada. O público da escola tornou-se mais<br />
diversificado, já que a socieda<strong>de</strong> também diversificou-se (ENGUITA, 2004), o papel do<br />
professor então, tornou-se algo mais <strong>de</strong>safiante, pois ele se <strong>de</strong>para com a situação <strong>de</strong> que o<br />
que é suficiente para um, po<strong>de</strong> não ser para outro; tendo assim que buscar aten<strong>de</strong>r a toda<br />
varieda<strong>de</strong> cultural com a qual passa a conviver <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula.<br />
Toda essa questão da escola está diretamente ligada <strong>à</strong>s questões sociais que envolvem<br />
a população. Com tantas mudanças acontecendo, ao papel da escola também foi adicionado<br />
outra responsabilida<strong>de</strong>. Com os pais a maior parte do tempo fora <strong>de</strong> casa, ou seja, no trabalho,<br />
a responsabilida<strong>de</strong> por se educar (em todos os sentidos) também foi <strong>de</strong>legada <strong>à</strong> escola. Muitos<br />
pais “abandonaram” essa função <strong>de</strong>ixando-a a cargo dos professores <strong>de</strong> seus filhos.<br />
Feio et al (2008) nos mostram que é extremamente importante que cada pessoa e<br />
instituição assuma seu <strong>de</strong>vido papel na socieda<strong>de</strong>. Sendo assim, escola, professores e família,<br />
se unidos e trabalhando em prol do aluno ten<strong>de</strong>m a estimulá-lo a se <strong>de</strong>senvolver. A família é o<br />
primeiro contexto on<strong>de</strong> a criança se <strong>de</strong>senvolve. Posteriormente esse contexto esten<strong>de</strong>-se <strong>à</strong><br />
escola. Se esses trabalharem em conjunto estabelece-se uma maior confiança entre pais e<br />
professores que com certeza virá a acrescentar experiências <strong>de</strong> maneira positiva na vida da<br />
criança.<br />
Outra questão importante reflete a preocupação em relação aos conteúdos que vêm<br />
sendo ensinados. A principal preocupação é que a escola consiga com o seu currículo<br />
abranger conteúdos que visem uma formação profissional. O sentido da escola torna-se então,<br />
muito mais mecânico do que filosófico, já que sua função passa a ser baseada em estatísticas<br />
<strong>de</strong> vestibulares e empregos, ao invés <strong>de</strong> ter como essência a transmissão <strong>de</strong> conhecimento<br />
para o enriquecimento intelectual do homem.<br />
Quando nos lembramos da nossa trajetória como indivíduos, uma das principais<br />
lembranças que temos é em relação aos momentos, <strong>à</strong>s experiências e aos conhecimentos<br />
vividos e adquiridos na escola. Nossos pais e avós sempre nos dizem que a escola <strong>de</strong> hoje não<br />
13
é a mesma <strong>de</strong> alguns anos atrás, mas por que eles acham isso? Um dos principais fatores que<br />
envolvem essa questão diz respeito <strong>à</strong> qualida<strong>de</strong> do ensino. Nas escolas públicas brasileiras<br />
encontramos graves problemas, que são resultados <strong>de</strong> fatores históricos e que ainda refletem<br />
na atualida<strong>de</strong> como evasão escolar, <strong>de</strong>svalorização do professor, ensino insatisfatório, entre<br />
outros tantos. É claro que não po<strong>de</strong>mos generalizar, pois ainda há algumas exceções, mas o<br />
que se vê em maioria reflete essa situação.<br />
Em relação a essas escolas, po<strong>de</strong>mos nos focar no alunado que a freqüenta, que em sua<br />
maioria pertence <strong>à</strong> camada popular. Esses alunos são os que acabam sofrendo ainda mais com<br />
o <strong>de</strong>scaso e abandono <strong>de</strong> uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Dubet (2003) nos lembra que não é<br />
diretamente a escola que faz a distribuição <strong>de</strong> alunos nas mesmas, mas sim as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />
sociais que diretamente interferem no acesso <strong>à</strong>s diversas formas <strong>de</strong> ensino. Acaba-se por<br />
camuflar a realida<strong>de</strong>, pois essa discrepância no ensino é vista como conseqüência das<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, já que estas estão diretamente relacionadas com a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> escolar.<br />
Mesmo com a abertura da escola para a gran<strong>de</strong> massa populacional, ainda são<br />
necessárias atitu<strong>de</strong>s que garantam a permanência <strong>de</strong>sses alunos na escola. Não adianta<br />
aumentar o número <strong>de</strong> vagas, sendo que durante o ano essas vagas serão <strong>de</strong>ixadas, porque os<br />
alunos não têm como se manter na escola. A evasão, a exclusão e as <strong>de</strong>sistências ainda estão<br />
fortemente presentes no cotidiano escolar.<br />
Devemos atentar também para os conteúdos ensinados. A divisão <strong>de</strong>stes em<br />
disciplinas proporcionou uma separação e uma discriminação entre as áreas humanas e exatas.<br />
Dá-se maior importância, atenção e <strong>de</strong>dicação <strong>à</strong>s matérias como Matemática, Física e<br />
Química do que a Português, História e Geografia, por exemplo. A socieda<strong>de</strong> acabou por<br />
padronizar e por estabelecer como mais importantes as matérias mais difíceis, cujos alunos<br />
têm maiores dificulda<strong>de</strong>s. Na verda<strong>de</strong>, nenhuma disciplina é mais importante do que a outra,<br />
todas têm sua importância, nem mais nem menos, apenas iguais. O que notamos a partir <strong>de</strong>ssa<br />
separação é que valorizações foram estabelecidas e quem se <strong>de</strong>staca na área <strong>de</strong> exatas acaba<br />
“se dando melhor” na vida, já que cursos mais elitizados como as engenharias, são mais<br />
valorizados no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />
Vemos assim, que diversas concepções acabam por influenciar os alunos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus<br />
primeiros anos na escola. Algumas são positivas, outras nem tanto. Algumas pessoas ao ouvir<br />
14
a palavra Matemática, remete-se a lembranças não muito agradáveis da época escolar. Essas<br />
lembranças geralmente estão ligadas a momentos <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> preocupação; questões<br />
estas que serão tratadas posteriormente; que são algumas das características mais comuns que<br />
os alunos apresentam durante a caminhada escolar, da qual faz parte o ensino das ciências<br />
exatas. O aluno muitas vezes vê-se <strong>de</strong>sestimulado diante dos recorrentes “fracassos” e a<br />
Matemática torna-se algo aversivo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinteresse. Assim, Correa e MacLean (1999), dizem<br />
que nesse sentido não haveria motivo para o aluno se esforçar mais do que o mínimo<br />
necessário que será exigido para sua aprovação.<br />
Newstead (1998) escreve que a ida<strong>de</strong> entre os 9 e os 11 anos parece ser uma fase<br />
crítica para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e reações emocionais para a Matemática, pois<br />
nessa fase da vida a ansieda<strong>de</strong> é ainda muito mais evi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>vido <strong>à</strong>s constantes mudanças<br />
ocorridas durante esse período. Apesar <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> ações acontecerem na infância, se<br />
forem tidas <strong>de</strong> maneira negativa, as conseqüências <strong>de</strong>ssa ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m culminar em<br />
insegurança que se refletirá até mesmo na vida adulta.<br />
A dificulda<strong>de</strong> que envolve a aprendizagem da Matemática tornou-se um mito em<br />
nossa socieda<strong>de</strong> e acabou por ser internalizada pelos alunos. Dessa forma, o aluno que por<br />
ventura venha a se <strong>de</strong>stacar nessa disciplina é tido como o mais inteligente da sala. Em<br />
relação <strong>à</strong> sua aprendizagem, Feio et al (2008) escrevem que em diversos estudos realizados as<br />
conclusões mostram que o maior nível <strong>de</strong> participação dos pais na educação geral dos filhos<br />
faz com que estes encarem com outras atitu<strong>de</strong>s e comportamentos essa responsabilida<strong>de</strong>.<br />
Principalmente em relação <strong>à</strong> Matemática, pois a maneira como o aluno passa a se<br />
conscientizar frente <strong>à</strong> forma <strong>de</strong> estudar essa disciplina contribui para o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
como um todo.<br />
Importante ainda é salientar que quanto mais o aluno percebe o interesse dos pais em<br />
relação <strong>à</strong> sua vida acadêmica, maior é sua aprendizagem e seu rendimento. Em relação ainda <strong>à</strong><br />
questão do apoio familiar, Feio et al (2008) nos dizem que é muito comum que <strong>à</strong> medida que<br />
a criança cresce, o interesse dos pais por sua vida acadêmica diminui, sendo mais visível o<br />
apoio familiar nas séries iniciais do que nas finais. Esse é um equívoco cometido por muitas<br />
famílias. Nenhuma fase da vida acadêmica dos seus filhos é menos importante do que a outra,<br />
visto que, o aluno está constantemente adquirindo novos conhecimentos e fazendo novas<br />
15
<strong>de</strong>scobertas, assim, é imprescindível que ele tenha ao seu lado os familiares, apoiando-o e<br />
compartilhando com ele sobre as novas experiências.<br />
Porém, nem sempre os ensinamentos passados em sala <strong>de</strong> aula condizem com o que<br />
realmente po<strong>de</strong> ser usado no dia-a-dia. Daí surge a questão: Para que vou usar isso? Em<br />
relação a essa questão, Carraher, Carraher & Schliemann (1995) afirmam que é muito<br />
importante que se leve em conta o contexto social e cultural no qual as crianças estão<br />
envolvidas para que essa Matemática faça sentido e possa ser utilizada no seu cotidiano.<br />
Citam ainda como exemplo para ilustrar sua fala, crianças que trabalham em bancas na feira e<br />
que dominam muito bem as operações <strong>matemática</strong>s como adição, subtração e multiplicação.<br />
Essas operações são realizadas normalmente sem o auxílio <strong>de</strong> papel ou <strong>de</strong> lápis, feitas<br />
mentalmente e raras vezes apresentam erros.<br />
Aliás, erros ocorrem e é impossível nos livrarmos <strong>de</strong>les. Na socieda<strong>de</strong> atual, escreve<br />
Carmo (2002), estatísticas mostram que a maior ou menor ocorrência <strong>de</strong> erros na vida <strong>de</strong> um<br />
indivíduo reflete em seu fracasso ou sucesso. Professores levam bastante em conta a questão<br />
do erro. Para muitos, se o aluno erra, é porque ele não sabe, não levando em consi<strong>de</strong>ração o<br />
processo que se teve para obter o resultado, ou em que contexto esse aluno está inserido. Se<br />
analisarmos esses erros sem levar em consi<strong>de</strong>ração esses quesitos, nunca saberemos o real<br />
motivo que levou esse aluno a errar.<br />
Sobre essa questão, o papel do professor tem extrema importância no processo <strong>de</strong><br />
aprendizagem. As pré-concepções que os alunos possuem em relação <strong>à</strong> Matemática po<strong>de</strong>m ser<br />
facilmente “quebradas” se aquele souber usar <strong>de</strong> estratégias que estimulem a curiosida<strong>de</strong> e o<br />
interesse dos alunos. Fazer uso <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino mais mo<strong>de</strong>rno é uma alternativa<br />
importante, visto que os métodos tradicionais levam em consi<strong>de</strong>ração apenas o resultado final<br />
das operações e não todo o processo utilizado para se chegar ao produto final. Com isso, o<br />
aluno se <strong>de</strong>sestimula, pois não tem reconhecido o seu esforço por tentar obter a resposta<br />
correta.<br />
Muitos professores sequer buscam por novas metodologias <strong>de</strong> ensino. Ficam<br />
“parados” no tempo, sem ao menos se “reciclarem”, não buscando alternativas que venham a<br />
enriquecer suas aulas e <strong>de</strong>spertar a curiosida<strong>de</strong> dos alunos. Talvez pensem que o<br />
tradicionalismo por si só é o suficiente e não percebem que com isso estão “errando”. Aliás,<br />
16
Carmo (2002) nos lembra <strong>de</strong> uma frase bastante conhecida entre os professores é o professor<br />
não erra, apenas se engana. Não assumir seus próprios equívocos faz com que este não se<br />
conscientize <strong>de</strong> que precisa estar em constante mudança, assim como todas as outras coisas<br />
que nos cercam, e principalmente assim como seus próprios alunos. Torna-se mais fácil<br />
procurar em outras fontes os motivos pelo “insucesso” <strong>de</strong> suas alunas, do que assumir que a<br />
responsabilida<strong>de</strong> é principalmente sua, <strong>de</strong>vido ao seu <strong>de</strong>spreparo.<br />
Vemos constantemente que a Matemática é usada por professores como algo para<br />
ameaçar e punir os alunos. Ainda mais se tratando dos professores citados acima, que não se<br />
vêem como atores do contexto <strong>de</strong> seus alunos, trabalhando sem nenhum tipo <strong>de</strong> vínculo com<br />
os mesmos. Sendo assim, fazem uso principalmente <strong>de</strong> provas como recurso para avaliá-los,<br />
muitas vezes induzindo-os ao erro elaborando questões com “pegadinhas”, ou seja, com duplo<br />
sentido.<br />
Essas questões tornam sem dúvida a Matemática a vilã das vilãs. Envolvendo diversos<br />
tipos <strong>de</strong> sentimentos, a ansieda<strong>de</strong> e aversão se mostram em primeiro lugar. Skemp (1986 apud<br />
Newstead op. cit.) nos mostra que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do indivíduo e da tarefa, uma quantida<strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> proporcionar ao indivíduo uma maior facilida<strong>de</strong> em seu<br />
<strong>de</strong>sempenho. Porém, se tomada em excesso, a ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> causar uma reação inversa <strong>à</strong><br />
esperada, tornando-se um obstáculo durante o processo. Deve-se na verda<strong>de</strong>, procurar um<br />
equilíbrio entre Matemática e ansieda<strong>de</strong> para que o conjunto <strong>de</strong>ssas não se torne aversivo ao<br />
aluno, fazendo com que este veja a disciplina como algo negativo.<br />
Po<strong>de</strong>mos assim, trabalhar a Matemática como algo envolvido no cotidiano dos<br />
indivíduos, estando presente em diversas situações com as quais nos <strong>de</strong>paramos no dia-a-dia,<br />
como quando contamos o dinheiro para pagar pelas balas que compramos no mercado. Os<br />
alunos <strong>de</strong>vem enten<strong>de</strong>r que nem tudo o que apren<strong>de</strong>mos na escola <strong>de</strong> alguma forma está<br />
ligado <strong>à</strong>s nossas necessida<strong>de</strong>s, mas que <strong>de</strong> alguma forma ou <strong>de</strong> outra acabaram sendo<br />
incluídos nos currículos como conteúdo obrigatório.<br />
No próximo capítulo, ficará mais clara a interação entre a Matemática e ansieda<strong>de</strong>.<br />
Buscar-se-á apresentar uma abordagem mais geral sobre o tema, bem como caracterizar esse<br />
fenômeno que se torna cada vez mais presente no cotidiano escolar o qual acaba por se<br />
diferenciar <strong>de</strong> outros problemas <strong>de</strong> aprendizagem.<br />
17
CAPÍTULO 2<br />
ANSIEDADE À MATEMÁTICA: DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO<br />
A pessoa que somos hoje é o resultado <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> ações e <strong>de</strong> acontecimentos que<br />
se <strong>de</strong>ram no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> toda a vida até o presente momento. Por diversas vezes paramos para<br />
pensar e nos damos conta do quão diferentes somos uns dos outros e ao refletir constatamos<br />
que essa <strong>diferença</strong> é o resultado dos diferentes caminhos e das diferentes vivências que<br />
experimentamos.<br />
Nesse sentido po<strong>de</strong>mos dizer que é principalmente no ambiente escolar que nos<br />
<strong>de</strong>paramos com essa série <strong>de</strong> acontecimentos que nos proporcionam experiências para<br />
caminharmos na vida. Por diversas vezes a história escolar <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós está marcada<br />
por uma longa exposição a mo<strong>de</strong>los tradicionais <strong>de</strong> ensino, no qual predominam atitu<strong>de</strong>s<br />
autoritárias <strong>de</strong> professores. Antunes (2008) escreve que a <strong>de</strong>scoberta da escola para a criança<br />
proporciona para a mesma uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> introduzir em seu cotidiano algo novo,<br />
promovendo assim mudanças. Porém, é nesse contexto também que dogmas e regras acabam<br />
“embrutecendo sua sensibilida<strong>de</strong>” (ANTUNES, 2008, p. 02). Ainda nesta idéia a autora nos<br />
diz que a partir do momento em que a criança <strong>de</strong>scobre que a imagem da escola é algo<br />
diferente da pré-idéia que ela tinha para si mesma, esta vai extinguindo <strong>de</strong> seu imaginário o<br />
conceito que até então havia elaborado. Desta forma, o que antes era um ambiente que po<strong>de</strong>ria<br />
proporcionar curiosida<strong>de</strong>, entusiasmo, alegria, dá lugar ao sentimento <strong>de</strong> obediência <strong>à</strong>s regras<br />
e a insatisfação.<br />
Diferentemente da educação infantil, on<strong>de</strong> a aprendizagem está diretamente ligada ao<br />
prazer, quanto mais velha a criança fica e vai avançando nas séries escolares, maior é a<br />
pressão e a cobrança em cima da mesma. A concepção <strong>de</strong> que apren<strong>de</strong>r exige sacrifícios<br />
torna-se mais evi<strong>de</strong>nte nessa fase, assim como a idéia <strong>de</strong> que esse sacrifício somente é<br />
reconhecido e aceito pelos que realmente estão dispostos a superar <strong>de</strong>safios (ANTUNES,<br />
2008).<br />
Toda essa mudança em relação <strong>à</strong>s idéias que se tinham e que acabam se formando<br />
posteriormente em relação <strong>à</strong> escola aliadas <strong>à</strong> pressão, cobrança, o mo<strong>de</strong>lo tradicional <strong>de</strong><br />
18
ensino no qual não nos é permitido indagar, questionar, discordar; atitu<strong>de</strong>s autoritárias <strong>de</strong><br />
professores, além <strong>de</strong> conteúdos que não sabemos para que iremos usar etc., geram conflitos e<br />
principalmente medos em relação aos professores e ao ambiente escolar.<br />
A obrigatorieda<strong>de</strong> da escola na vida <strong>de</strong> uma criança po<strong>de</strong> gerar muito mais intenções<br />
do que apenas o intuito <strong>de</strong> ensinar. Freire (2005) <strong>de</strong>fine como “educação bancária” aquela<br />
cujo principal intuito está longe <strong>de</strong> ser o ensinar por prazer ou o ensinar para a vida. Este tipo<br />
<strong>de</strong> educação visa o lucro e as metas a serem cumpridas, muitas vezes criando <strong>de</strong>scompassos<br />
entre professores e alunos e conseqüentemente gerando opressão. A essência da educação,<br />
pelo contrário da qual nos <strong>de</strong>paramos muitas vezes nos dias atuais, consiste no papel do<br />
professor como humanizador tanto <strong>de</strong> seus alunos quanto <strong>de</strong> si mesmo, proporcionando a<br />
ambos trocas <strong>de</strong> experiências, <strong>de</strong> idéias, <strong>de</strong> afeto etc. tornando-se assim companheiros uns dos<br />
outros, trabalhando a comunicação nesse contexto como papel fundamental, visto que a<br />
expressão do que pensamos, do que queremos, do que <strong>de</strong>sejamos é uma maneira <strong>de</strong><br />
“existirmos” (FREIRE, 2005).<br />
Como conseqüência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> educação opressora, o autor nos faz refletir sobre a<br />
postura <strong>de</strong>sses professores perante seus alunos. Professores que não buscam “libertar” seus<br />
alunos acabam por oprimi-los, visto que a minoria opressora domina a maioria oprimida.<br />
Muitas vezes, professores que exercem com seus alunos formas <strong>de</strong> educação autoritária<br />
refletem as suas próprias experiências vividas quando eram eles os alunos. Acabam assim,<br />
reproduzindo um contexto igual ao que se viram inseridos quando crianças por não<br />
acreditarem que mudanças são possíveis ou por acharem que os métodos adotados<br />
antigamente, mesmo com seus lados negativos (punição, humilhação etc.) acabavam por lhes<br />
possibilitar resultados que cumpriam as metas exigidas, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
proporcionar aos seus alunos instrumentos que os motivem a se “libertar”.<br />
Em relação aos conteúdos trabalhados nas diferentes concepções <strong>de</strong> educação, a<br />
“bancária” e a “libertadora”, Freire (2005) nos diz que na primeira os conteúdos estão longe<br />
da dialogicida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve envolvê-los para que haja uma melhor compreensão por parte dos<br />
envolvidos, visto que o “educador-bancário” é quem formula e respon<strong>de</strong> as próprias questões<br />
expostas nas aulas. Enquanto isso, o educador que busca uma troca <strong>de</strong> conhecimentos entre<br />
ele e seus alunos, trabalhando assim com a educação “libertadora”, faz com que o conteúdo<br />
19
não se torne algo imposto, mas algo refletido e construído a partir do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> cada<br />
um.<br />
Um ponto bem comum principalmente em relação <strong>à</strong> educação “bancária” ou<br />
tradicional, diz respeito aos conteúdos nela abordados. Não é nenhuma novida<strong>de</strong> que gran<strong>de</strong><br />
parte <strong>de</strong>sses conteúdos ensinados na sala <strong>de</strong> aula acabam sendo questionados em relação <strong>à</strong> sua<br />
real utilida<strong>de</strong> no dia a dia dos alunos. Para que nada saia do contexto planejado esse tipo <strong>de</strong><br />
educação tradicional segundo Freire (2005) acaba por frear a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus alunos<br />
tornando-se uma invasão cultural alienante.<br />
Torna-se muito comum nesse contexto <strong>de</strong> imposição por parte do professor, que<br />
atitu<strong>de</strong>s como coerção também estejam presentes no ambiente. Segundo Sidman (1995), a<br />
coerção trata-se da ação <strong>de</strong> ameaçar alguém para que este faça algo contra a sua própria<br />
vonta<strong>de</strong>. Há três modos <strong>de</strong> relações controladoras que acabam sendo trabalhadas não somente<br />
em todos os lugares, mas principalmente <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula, são elas: reforçamento<br />
positivo, reforçamento negativo e punição. A primeira das três possibilida<strong>de</strong>s é tida como não<br />
coercitiva, cabendo apenas <strong>à</strong>s outras duas essa <strong>de</strong>finição.<br />
Enquanto que no reforço positivo algo é somado <strong>à</strong> ação que acontece, no reforço<br />
negativo esse algo é subtraído. Para se notar efetivamente a <strong>diferença</strong> entre esses dois tipos <strong>de</strong><br />
reforços po<strong>de</strong>mos tomar como exemplo a própria reação da criança <strong>de</strong>ntro do ambiente<br />
escolar. O autor nos explica que quando produzimos algo que consi<strong>de</strong>ramos útil, agradável,<br />
estamos sob o controle <strong>de</strong> aspectos positivos. Mas quando tentamos nos livrar <strong>de</strong> algo, fugir<br />
ou diminuí-lo, aí aspectos negativos tomam conta do espaço e essa reação po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong><br />
coerção.<br />
O tipo <strong>de</strong> coerção, positiva ou negativa, reflete diretamente no tipo do comportamento<br />
que a criança apresentará não somente na sala <strong>de</strong> aula, mas em todos os aspectos <strong>de</strong> sua vida.<br />
Não tão incomum <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula, a punição torna-se também bastante usada.<br />
Nesse sentido, Sidman (1995) nos explica que esse tipo <strong>de</strong> comportamento punitivo consiste<br />
na idéia em que toda conduta tem a sua conseqüência. Ou seja, para cada ato que o aluno<br />
tenha <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula, seu reforço po<strong>de</strong> ser dar tanto <strong>de</strong> maneira positiva (através <strong>de</strong><br />
elogios, incentivos etc.) quanto <strong>de</strong> maneira negativa (professor chamar a atenção, ser<br />
20
corrigido etc.), sendo na “pior” das hipóteses usada a punição (ir para a diretoria, ficar sem<br />
recreio etc.).<br />
A coerção é muito usada para que consigamos que os outros façam aquilo que<br />
<strong>de</strong>sejamos. Magoamos, privamos e ameaçamos caso algo não seja feito do modo como<br />
<strong>de</strong>sejamos, caso contrário só paramos com esse tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> quando obtemos algo<br />
consi<strong>de</strong>rado aceitável (SIDMAN, 1995).<br />
No ambiente escolar essas práticas <strong>de</strong> coerção são bastante comuns. Professores fazem<br />
uso <strong>de</strong>sse meio para manter a or<strong>de</strong>m e disciplina <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula e se colocar como<br />
principal autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro daquele contexto. A fuga <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto torna-se uma<br />
“válvula <strong>de</strong> escape” para alunos que com mais freqüência recebem algum tipo <strong>de</strong> coerção.<br />
Estes “<strong>de</strong>sligam-se” da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ouvir e ignorando o que não lhe interessa;<br />
passando a ver apenas o que quer e quando quer. Na pior das hipóteses, além <strong>de</strong>sses sujeitos<br />
se “<strong>de</strong>sligarem” do que <strong>de</strong> fato acontece ao seu redor, acabam <strong>de</strong>sistindo. Sidman (1995)<br />
escreve que os <strong>de</strong>sistentes da escola são um exemplo trágico. Apesar <strong>de</strong> nos dias atuais a<br />
punição física não ser permitida, a coerção ainda acontece efetivamente. Pra ilustrar o tipo <strong>de</strong><br />
coerção que acontece no ambiente escolar, o autor cita alguns exemplos: chamar alunos para<br />
testes orais, expor alunos lentos ao ridículo, correção <strong>de</strong> trabalhos com diversos comentários<br />
escritos em <strong>de</strong>staque e com notas baixas, falar rispidamente, usá-los como exemplo <strong>de</strong> alunos<br />
fracassados, etc. Esses são só alguns dos atos cometidos por professores e que<br />
conseqüentemente acabam por refletir no comportamento <strong>de</strong> seus alunos. Como forma <strong>de</strong><br />
fuga, estes começam a se atrasar para as aulas, começam a inventar doenças, “cabulam aulas”<br />
e raramente comparecem <strong>à</strong> aula. Esses acontecimentos vão se esten<strong>de</strong>ndo até que o aluno<br />
esteja na ida<strong>de</strong> legal para se ver livre da obrigação <strong>de</strong> freqüentar a escola (SIDMAN, 1995).<br />
Outro modo comum <strong>de</strong> se <strong>de</strong>svencilhar da punição é através da esquiva. Geralmente a<br />
esquiva é usada quando já se sabe que haverá uma punição a ser aplicada caso algo que seja<br />
feito não saia como o planejado. O autor <strong>de</strong>fine esquiva como sendo “(...) geralmente um<br />
ajustamento mais adaptativo <strong>à</strong> punição do que é a fuga” (p. 137). Desta forma, o aluno se<br />
esquiva da ação antes mesmo <strong>de</strong>la acontecer. O fato <strong>de</strong> esquivar-se acontece <strong>de</strong>vido <strong>à</strong>s<br />
experiências vivenciadas anteriormente e que tiveram algum tipo <strong>de</strong> punição, logo, quando o<br />
aluno tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se esquivar, pois já sabe qual será a sua punição, ele o faz.<br />
21
Muito importante é salientar quando Sidman (1995) diz que com o conjunto <strong>de</strong> ações<br />
como punição, fuga e esquiva, é muito comum que sentimentos como ansieda<strong>de</strong> aflorem no<br />
aluno. Alguns sinais que <strong>de</strong>monstram essa ansieda<strong>de</strong> em excesso são por exemplo: apreensão<br />
sem motivo óbvio, cólicas intestinais, palpitações no coração, transpiração excessiva,<br />
calafrios e dores <strong>de</strong> cabeça. Esse tipo <strong>de</strong> sentimento causa no aluno sensações que muitas<br />
vezes ele não estava habituado a sentir, sendo assim, procura na fuga e na esquiva, maneiras<br />
<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svencilhar <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s que possivelmente gerarão punições.<br />
Dentro do contexto escolar os alunos são vistos como os principais sujeitos cujos<br />
professores <strong>de</strong>vem focar a sua prática. É muito comum que diversos temas a respeito dos<br />
mesmos sejam <strong>de</strong>batidos a todo instante, porém, uma das preocupações com a qual nos<br />
<strong>de</strong>paramos constantemente nos dias atuais diz respeito a um <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> ações que<br />
resultam principalmente em uma reação: a ansieda<strong>de</strong>. Esse <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> ações são<br />
vividas geralmente no cotidiano e apesar <strong>de</strong> serem bastante prejudiciais sozinhas, acabam por<br />
agrupar-se tornando o “problema” ainda maior.<br />
O período <strong>de</strong> constante mudança com o qual as crianças se <strong>de</strong>param na infância torna-<br />
se muitas vezes contribuinte para o surgimento <strong>de</strong> conflitos e inseguranças. A ansieda<strong>de</strong><br />
torna-se parte <strong>de</strong>sse cenário sendo <strong>de</strong>ntro do contexto escolar muitas vezes associada a fatores<br />
presentes que não são do agrado do aluno, tornando-se uma característica negativa no<br />
conjunto <strong>de</strong> ações do mesmo. Newstead (1998) nos diz que um <strong>de</strong>sses fatores associados <strong>à</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> é a <strong>matemática</strong> e que esse assunto tem tomado gran<strong>de</strong> atenção por parte <strong>de</strong><br />
pesquisadores e educadores matemáticos nos últimos anos. Este tema fora abordado apenas<br />
entre alunos do colegial e adultos, <strong>de</strong>ixando a fase da infância <strong>de</strong> fora do mesmo. Porém,<br />
pesquisas recentes mostram que a fase entre os nove e os onze anos po<strong>de</strong> ser uma das mais<br />
importantes a esse respeito. É importante salientar que além <strong>de</strong> ser um estudo novo esse<br />
fenômeno é <strong>de</strong>scrito pela literatura estrangeira (NEWSTEAD, 1998; FEIO; GONZÁLEZ-<br />
PIENDA, NUÑES, CARMO, & FERRANTI, 2008; CORREA, & MACLEAN, 1999;<br />
RAMPERSAD, 2003; LEUG & COHEN, 2004; ALLEN, 2001) sendo ainda recente no<br />
Brasil.<br />
Porém, como po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar se uma criança encontra-se ou não em um estado <strong>de</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>? Geary (1994) escreve que a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> é um estado <strong>de</strong><br />
medo/insegurança ou apreensão e que essas sensações estão geralmente ligadas a momentos<br />
22
<strong>de</strong>ntro do ambiente escolar que envolvem testes, lições <strong>de</strong> casas e presenças na lousa. Assim,<br />
baixos níveis <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s <strong>matemática</strong>s estão associados a níveis mais elevados <strong>de</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, porém a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> parece não estar ligada fortemente<br />
relacionada com a questão da inteligência <strong>de</strong> modo geral.<br />
A ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> po<strong>de</strong> influenciar o <strong>de</strong>senvolvimento e o <strong>de</strong>sempenho<br />
matemático <strong>de</strong> duas formas: A primeira consiste no fato <strong>de</strong> que indivíduos que têm<br />
dificulda<strong>de</strong>s em <strong>matemática</strong> não se preparam a<strong>de</strong>quadamente para os exames e não estudam a<br />
matéria cotidianamente. Ou seja, não <strong>de</strong>dicam parte do seu tempo para o estudo que<br />
possivelmente viria a fazê-los compreen<strong>de</strong>r melhor a disciplina. Segundo ponto importante é<br />
que quanto maior a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, maior é a dificulda<strong>de</strong> em realizar ativida<strong>de</strong>s<br />
<strong>matemática</strong>s. Hembree (1990 apud Geary, 1994) nos dá como exemplo uma meta-análise na<br />
qual estima que alunos com altos níveis <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> possuem uma redução <strong>de</strong><br />
até 7% em suas notas em relação aos <strong>de</strong>mais alunos. Com isso o autor nos mostra que quanto<br />
maior a insegurança e a ansieda<strong>de</strong> em relação aos testes matemáticos, maior é a preocupação<br />
do aluno, o que acaba por influenciá-lo <strong>de</strong> maneira negativa, já que este se prejudica no<br />
momento da avaliação. Po<strong>de</strong>mos ainda salientar que toda essa ansieda<strong>de</strong> aumenta ainda mais<br />
os fatores <strong>de</strong> excitação fisiológica, tornando-se mais difícil a concentração e fazendo com que<br />
o aluno procure terminar sua ativida<strong>de</strong> o mais rápido possível para que essas sensações<br />
acabem, sem se importar se suas respostas estão corretas ou não.<br />
Outro ponto importante baseia-se no comportamento do professor. Lima (2004 apud<br />
Carmo & Figueiredo, 2009) nos diz que é muito comum que docentes iniciantes imitem com<br />
freqüência atitu<strong>de</strong>s comportamentais <strong>de</strong> seus próprios professores da época <strong>de</strong> formação ou <strong>de</strong><br />
colegas mais experientes que possam ser tidos como exemplo. Dessa forma, é comum que<br />
algumas heranças sejam herdadas <strong>de</strong> comportamentos <strong>de</strong> outras épocas (como no ensino<br />
tradicional no qual a punição e a aversivida<strong>de</strong> eram pontos essenciais para se manter a<br />
disciplina).<br />
Por muitas vezes não saberem como agir, professores iniciantes acabam por reproduzir<br />
ações que tinham como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> seus próprios professores e até mesmo <strong>de</strong> seus pais,<br />
adotando métodos e técnicas coercitivas como forma <strong>de</strong> resposta mais rápida <strong>à</strong>s suas<br />
expectativas (CARMO & FIGUEIREDO, 2009), como por exemplo, para punir um<br />
comportamento ina<strong>de</strong>quado. É gran<strong>de</strong> a discussão sobre as conseqüências que esse tipo <strong>de</strong><br />
23
ação coercitiva po<strong>de</strong> causar no aluno em seu processo <strong>de</strong> ensino/aprendizagem. Uma <strong>de</strong>ssas<br />
preocupações é o modo que o agente punidor causa no aluno que tem sua imagem <strong>de</strong><br />
professor <strong>de</strong>turpada para a <strong>de</strong> repressor. Nesse caso, é comum que o aluno busque alternativas<br />
para se <strong>de</strong>svencilhar da situação que o constrange e o chateia.<br />
Nesse sentido, uma série <strong>de</strong> reações por parte do aluno <strong>de</strong>monstram como ele foi<br />
atingido pelas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> terceiros. Essas ações consistem em três aspectos conjuntos. O<br />
primeiro são as reações fisiológicas: taquicardia, dores <strong>de</strong> estômago, suor, náuseas, sonolência<br />
na aula.... O segundo engloba algo mais profundo do que características físicas, mas sim as<br />
pré-concepções que aquele indivíduo tem a respeito da <strong>matemática</strong>, por exemplo, algumas<br />
pessoas acreditam que não nasceram para apren<strong>de</strong>r <strong>matemática</strong> ou que esta é algo muito<br />
difícil para se enten<strong>de</strong>r, sendo que apenas pessoas com capacida<strong>de</strong> são capazes <strong>de</strong><br />
compreendê-la. Assim, conseqüentemente, o terceiro aspecto é o resultado dos dois anteriores<br />
e consiste em comportamentos <strong>de</strong> fuga e esquiva em que a criança/indivíduo começa a faltar<br />
<strong>à</strong>s aulas <strong>de</strong> <strong>matemática</strong>, pe<strong>de</strong> para sair mais cedo, pe<strong>de</strong> para ir ao banheiro ou beber água com<br />
bastante freqüência; essas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>monstram claramente que a criança tenta não se <strong>de</strong>parar<br />
com o “<strong>de</strong>safio” que é para ela a <strong>matemática</strong>. Na verda<strong>de</strong>, o que ocorre segundo Carmo &<br />
Figueiredo (2009), é que a aversivida<strong>de</strong> atribuída <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> consiste na forma como ela é<br />
ensinada e nas pré-concepções que a socieda<strong>de</strong> criou e cria entorno <strong>de</strong>la. Ao invés <strong>de</strong> ser<br />
utilizada como fonte <strong>de</strong> conhecimento que pertença ao dia a dia do aluno, ela encontra-se<br />
<strong>de</strong>svinculada <strong>de</strong> qualquer sentido que faça parte do cotidiano do mesmo, tendo então seu<br />
interesse diminuído em relação aos outros conteúdos.<br />
Não <strong>de</strong>vemos tomar a ansieda<strong>de</strong> como algo meramente ruim. Uma pequena dose <strong>de</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> sim contribuir <strong>de</strong> maneira positiva para o <strong>de</strong>senvolvimento da criança. Aquela<br />
se torna prejudicial a partir do momento em que passa a ser um empecilho para que a criança<br />
busque por novas experiências, fazendo disso um obstáculo com o qual não po<strong>de</strong> lidar. O fato<br />
<strong>de</strong> se ter perante a <strong>matemática</strong> o fator ansieda<strong>de</strong>, não quer dizer necessariamente que esta<br />
sensação esteja presente em outros aspectos da vida da criança/indivíduo.<br />
Newstead (1998) nos atenta para uma questão importante. Deve-se analisar se a raiz<br />
do ensino <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> <strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula diz respeito aos métodos usados pela<br />
instituição ou a qualida<strong>de</strong> do ensino encontrado na mesma. A respeito disso Correa e<br />
MacLean (1999) escrevem que os conceitos criados em relação <strong>à</strong>s habilida<strong>de</strong> cognitivas dos<br />
24
indivíduos para apren<strong>de</strong>r <strong>matemática</strong>, encontrando maior ou menor grau <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> em<br />
relação <strong>à</strong> sua aprendizagem po<strong>de</strong> contribuir também para um pré-conceito em relação <strong>à</strong> sua<br />
aprendizagem da disciplina.<br />
De extrema importância ainda, o apoio e incentivo por parte dos pais. Peréz (2005)<br />
escreve que é muito comum que pais, diante da dificulda<strong>de</strong> dos filhos, amenizem suas<br />
dificulda<strong>de</strong>s dizendo que estes nunca foram bons em tal disciplina e que o que muito do que<br />
se apren<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> <strong>de</strong>ntro da escola não haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser usado no <strong>de</strong>correr<br />
da vida. Sendo assim, ao invés <strong>de</strong> incentivá-los, os pais acabam por <strong>de</strong>sestimular os filhos a<br />
serem matematicamente capazes. É evi<strong>de</strong>nte se levar em conta, diante <strong>de</strong>ssa dificulda<strong>de</strong> por<br />
parte das crianças, que métodos que envolvam e façam sentido para os alunos sejam<br />
<strong>de</strong>senvolvidos e aplicados mostrando-os que com estudo e <strong>de</strong>dicação muitos “obstáculos”<br />
po<strong>de</strong>m ser enfrentados.<br />
A intervenção por parte da família, diz Carmo & Figueiredo (2009), tem gran<strong>de</strong> peso<br />
nesse sentido. Se além da escola e dos professores, a família também reforça a <strong>matemática</strong><br />
como algo difícil e para poucos, é inevitável que o aluno internalize esse conceito e este venha<br />
a <strong>de</strong>svalorizar ainda mais a sua capacida<strong>de</strong>, aumentando a sua ansieda<strong>de</strong> e insegurança.<br />
Como modo <strong>de</strong> incentivar seus alunos, o professor <strong>de</strong>ve questioná-los e <strong>de</strong>spertar nos<br />
mesmos a curiosida<strong>de</strong> e principalmente a reflexão crítica para a resolução dos problemas<br />
apresentados (PÉREZ, 2005). O autor ainda escreve que é comum que até mesmo os<br />
professores se sintam ansiosos matematicamente ou apresentem antipatia para com a<br />
<strong>matemática</strong>, po<strong>de</strong>ndo assim transmitir esses sentimentos para seus alunos.<br />
Ainda nesse sentido que engloba professores e <strong>matemática</strong>, a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong><br />
tem sido estudada também em outros ângulos. Gênero e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>; inteligência<br />
e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>; <strong>de</strong>sempenho escolar e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>; ansieda<strong>de</strong> geral e<br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>; escolha profissional e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>; aplicação <strong>de</strong> escalas<br />
para i<strong>de</strong>ntificar a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>.<br />
Apesar <strong>de</strong> todo esse estudo voltado para a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> é importante<br />
salientar que este não se trata <strong>de</strong> um distúrbio orgânico, embora componentes fisiológicos<br />
estarem presentes, ou seja, a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> tem como causa uma história prolongada<br />
<strong>de</strong> exposição a controle aversivo em sala <strong>de</strong> aula e um fracasso na tentativa <strong>de</strong> melhorar o<br />
25
<strong>de</strong>sempenho em <strong>matemática</strong>. Portanto, é na história <strong>de</strong> vida que <strong>de</strong>veremos buscar as raízes<br />
para essa questão. Cada indivíduo é único e não po<strong>de</strong>mos generalizar quando citamos ou<br />
estudamos algo. Principalmente a cultura <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>ve ser levada em consi<strong>de</strong>ração para<br />
que então faça sentido analisar suas ações e reações. Nesse sentido, a cultura oci<strong>de</strong>ntal tem<br />
enfatizado que os homens são melhores que as mulheres em Matemática. Porém, em que<br />
medida essa afirmação é comprovada nos estudos que tratam <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>? Essa questão será objeto <strong>de</strong> discussão no capítulo seguinte.<br />
26
CAPÍTULO 3<br />
ANSIEDADE À MATEMÁTICA E DIFERENÇA DE GÊNERO<br />
O presente capítulo objetiva oferecer um panorama acerca dos dados sobre <strong>diferença</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, apresentados pela literatura. Inicialmente faremos uma<br />
breve discussão sobre <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>matemática</strong> para, em seguida, direcionarmos<br />
nosso olhar para a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> e, finalmente, apontarmos algumas conclusões<br />
sobre o tema.<br />
3.1. Diferenças <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e <strong>matemática</strong><br />
Tanto na cultura oci<strong>de</strong>ntal quanto na oriental, a história das mulheres foi e tem sido até<br />
hoje, <strong>de</strong> certa forma, uma história <strong>de</strong> submissão ao homem. Em que pese <strong>à</strong>s conquistas sociais<br />
adquiridas pelo sexo feminino a partir dos anos 1970, essas conquistas ainda são um tanto<br />
tímidas quando nos <strong>de</strong>paramos, por exemplo, com <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s no trabalho, principalmente<br />
se compararmos os salários <strong>de</strong> homens e mulheres que exercem a mesma ativida<strong>de</strong>.<br />
Em relação ao campo intelectual, durante muito tempo este foi consi<strong>de</strong>rado um<br />
assunto masculino e as poucas mulheres que se atreviam a lançar-se intelectualmente eram<br />
perseguidas ou, já a partir dos tempos mo<strong>de</strong>rnos, tinham que trocar seus nomes para nomes<br />
masculinos. É no século XX que começa a se esboçar um espaço mais amplo para as<br />
mulheres, com o direito <strong>de</strong> acesso a escolas, embora esse acesso <strong>de</strong>sse direito a uma formação<br />
que era consi<strong>de</strong>rada servil: a <strong>de</strong> professora. Enquanto os rapazes po<strong>de</strong>riam freqüentar cursos<br />
<strong>de</strong> engenharia, medicina e direito, as mulheres po<strong>de</strong>riam, quando muito, freqüentar estudos<br />
que a <strong>de</strong>ixariam mais ilustrada e a capacitariam a dar aulas para crianças, na aquisição <strong>de</strong> suas<br />
primeiras letras.<br />
A <strong>de</strong>scrição do parágrafo anterior, diga-se <strong>de</strong> passagem, refere-se <strong>à</strong> situação das<br />
classes hegemônicas, uma vez que ser mulher e pobre era um passaporte garantido <strong>à</strong> servidão<br />
total ao homem e <strong>à</strong> não escolarização. Não é difícil, portanto, enten<strong>de</strong>r que em relação <strong>à</strong><br />
27
<strong>matemática</strong> em particular haja todo um discurso predominantemente masculino. A história da<br />
<strong>matemática</strong> está repleta <strong>de</strong> eminentes matemáticos que trouxeram gran<strong>de</strong>s contribuições e o<br />
leitor, provavelmente, terá dificulda<strong>de</strong>s em apontar o nome <strong>de</strong> alguma mulher que fez ou faz a<br />
história da <strong>matemática</strong>. Não que não tenha havido ou não haja mulheres que se <strong>de</strong>stacam em<br />
<strong>matemática</strong>, mas a predominância masculina muitas vezes abafa as iniciativas femininas.<br />
A <strong>matemática</strong>, por ser consi<strong>de</strong>rada ciência exata com altas exigências no campo do<br />
raciocínio lógico, é a base para muitas profissões consi<strong>de</strong>radas como tipicamente masculinas.<br />
Dessa forma, as engenharias em geral, bem como a Física e a Estatística, e algumas ciências<br />
sociais aplicadas, como a Economia, são vistas como “naturalmente” sendo profissões<br />
masculinas.<br />
Nossa cultura oci<strong>de</strong>ntal, em particular no Brasil, nos ensina, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> crianças, algumas<br />
regras (discursos) em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>:<br />
1. Matemática é uma ciência exata e lógica;<br />
2. Matemática é difícil, muito difícil;<br />
3. Matemática não é para qualquer pessoa;<br />
4. É preciso estudar muito para apren<strong>de</strong>r <strong>matemática</strong>;<br />
5. Homens são naturalmente melhores que mulheres em <strong>matemática</strong> e em estudos<br />
que envolvem <strong>matemática</strong> e lógica.<br />
Parece que durante muito tempo essas “verda<strong>de</strong>s” foram aceitas sem qualquer<br />
discussão. Crescer ouvindo essas afirmações, tanto na família quanto na escola e nas mídias<br />
em geral, tem um efeito danoso na formação e diferenciação dos papéis sexuais. Nesse<br />
aspecto, vemos claramente que as atitu<strong>de</strong>s em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> vão se formando <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
cedo. E, <strong>de</strong> certa forma, a própria aca<strong>de</strong>mia tem <strong>de</strong>stacado, por meio <strong>de</strong> pesquisas com<br />
aplicação <strong>de</strong> testes psicológicos, que há uma <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
homens e mulheres frente a <strong>matemática</strong>. Essas <strong>diferença</strong>s possivelmente se naturalizaram,<br />
tendo em vista a brevíssima contextualização histórica apontada até aqui.<br />
Fox (1977) <strong>de</strong>staca que os testes indicam uma acentuada <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e<br />
atitu<strong>de</strong>s relacionadas <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, sendo que o <strong>gênero</strong> masculino se sobressai quando<br />
comparado ao feminino. Este autor enfatiza que as explicações para essas <strong>diferença</strong>s têm sido<br />
baseadas em afirmações que dizem ser isso uma conseqüência natural <strong>de</strong> <strong>diferença</strong>s inatas<br />
28
entre homens e mulheres. Porém, enfatiza que uma variável crítica para essas <strong>diferença</strong>s não<br />
se refere a <strong>diferença</strong>s inatas e sim <strong>à</strong>s escolhas que meninos e meninas fazem, a partir <strong>de</strong><br />
incentivos familiares, no período em que <strong>de</strong>vem seguir para estudos mais avançados que<br />
darão suporte ao seu futuro profissional (tendo em vista uma realida<strong>de</strong> estaduni<strong>de</strong>nse dos anos<br />
1970). Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma questão cultural e não propriamente <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong><br />
<strong>diferença</strong>s biológicas inatas.<br />
Para Fox (1977), a percepção <strong>de</strong> que a <strong>matemática</strong> é um domínio masculino representa<br />
o núcleo central <strong>de</strong> duas questões fundamentais: aprendizagem do papel sexual e o<br />
<strong>de</strong>sempenho em <strong>matemática</strong>. O autor aponta dados <strong>de</strong> investigação que <strong>de</strong>monstram que as<br />
<strong>diferença</strong>s têm um forte componente familiar, mas po<strong>de</strong>mos ir além afirmando que as<br />
famílias, por terem em geral uma estrutura centralizada na figura masculina e por ser uma<br />
instituição reprodutora da condição social, acabam por impor uma lente social que enfatiza<br />
papéis e opções masculinos e femininos. Ou seja, os pais ensinam suas crianças a olharem<br />
para a <strong>matemática</strong> como um conhecimento importante, mas que é naturalmente um<br />
conhecimento mais tipicamente masculino que feminino. Se é verda<strong>de</strong> que hoje em dia,<br />
muitas mulheres seguem carreiras “masculinas”, ainda é verda<strong>de</strong> que essas mulheres são<br />
vistas como diferentes das <strong>de</strong>mais mulheres e até julgadas como tendo certas atitu<strong>de</strong>s<br />
masculinas.<br />
Por outro lado, Souza (2006) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, em nossa socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, a <strong>matemática</strong><br />
é consi<strong>de</strong>rada uma disciplina com fortes barreiras <strong>à</strong> entrada <strong>de</strong> mulheres. Isso se <strong>de</strong>ve,<br />
segunda a autora, <strong>à</strong> consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que a mulher seria incapaz <strong>de</strong> obter um conhecimento<br />
matemático razoável. Souza (2006) <strong>de</strong>staca que parece haver um consenso sobre três<br />
aspectos: 1) as mulheres, historicamente, têm tido maior dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>;<br />
2) a <strong>matemática</strong> tem sido <strong>de</strong>finida como uma área masculina; 3) o <strong>de</strong>sempenho em<br />
<strong>matemática</strong> é inferior em mulheres quando comparadas aos homens. Ainda segundo a autora,<br />
esta última afirmação passou a ser seriamente criticada justamente em função das duas<br />
primeiras afirmações. Ou seja, as <strong>diferença</strong>s parecem ocorrer muito mais em função das<br />
condições históricas que direcionam ao homem um po<strong>de</strong>r social maior que <strong>à</strong>s mulheres.<br />
De acordo com Loos (2007), as atitu<strong>de</strong>s em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> são construídas<br />
principalmente na escola e, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> nas atitu<strong>de</strong>s, a autora<br />
<strong>de</strong>staca que:<br />
29
(1) po<strong>de</strong>m variar <strong>de</strong> acordo com os diferentes conteúdos (o aluno<br />
po<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar agrado por alguns aspectos <strong>de</strong>sta matéria, e<br />
<strong>de</strong>sgosto por outros); ou ainda, conforme o nível <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong><br />
com cada assunto (quando o aluno enten<strong>de</strong> melhor, muitas vezes<br />
passa a gostar daquele tema); (2) <strong>de</strong>senvolvem-se ao longo da vida,<br />
isto é, não somente quando a pessoa tem uma ida<strong>de</strong> avançada ou uma<br />
experiência gran<strong>de</strong> na área. Tais atitu<strong>de</strong>s, segundo a autora,<br />
começam a se formar, em alguns casos, antes mesmo da criança<br />
começar a freqüentar a escola. Parece, portanto, tratar-se <strong>de</strong> um<br />
fenômeno acumulativo, uma experiência construída sobre a outra; (3)<br />
em princípio ten<strong>de</strong>m a ser positivas, mas po<strong>de</strong>m variar com o passar<br />
do tempo, tornando-se, muitas vezes, negativas – tal fato foi sugerido<br />
também por outros autores (por exemplo, SUYDAM, 1984); (4) estes<br />
sentimentos negativos são persistentes, sendo que o matiz negativo<br />
das atitu<strong>de</strong>s em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> freqüentemente persiste ao<br />
longo dos cursos superiores (LOOS, 2007, p. 238)<br />
Até aqui temos <strong>de</strong>stacado que os argumentos e afirmações que <strong>de</strong>stacam <strong>diferença</strong>s<br />
inatas entre homens e mulheres em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> não se sustentam. Destacamos<br />
também que nosso olhar <strong>de</strong>ve ser direcionado para as condições históricas que formaram uma<br />
visão <strong>de</strong> que a <strong>matemática</strong> é uma área tipicamente masculina, bem como para as condições<br />
concretas nas quais as famílias e as escolas reforçam uma atitu<strong>de</strong> diferenciada em meninos e<br />
meninas frente <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Dessas consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar que a literatura ressalta<br />
o papel prepon<strong>de</strong>rante da escola na experiência continuada em relação á <strong>matemática</strong>.<br />
No capítulo anterior, vimos que uma das dificulda<strong>de</strong>s no aprendizado da <strong>matemática</strong><br />
se refere <strong>à</strong> aplicação do sistema aversivo e <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo tradicional <strong>de</strong> ensino. Vimos<br />
também que uma das conseqüências <strong>de</strong>ssa situação é o surgimento <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> fuga e<br />
esquiva em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, acompanhada <strong>de</strong> reações fisiológicas <strong>de</strong>sagradáveis e<br />
atribuições negativas relacionadas <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> e ao próprio <strong>de</strong>sempenho em <strong>matemática</strong>. A<br />
essa condição geral, a literatura tem chamado <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Diante do que vem<br />
sendo exposto no presente capítulo, uma pergunta que se faz necessária é: a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong><br />
30
<strong>matemática</strong> é predominante em mulheres quando comparadas aos homens? Para tanto, vamos<br />
olhar como a literatura tem tentado respon<strong>de</strong>r a essa questão.<br />
Uma primeira consi<strong>de</strong>ração que salta aos olhos é que não há, no Brasil, dados sobre<br />
<strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> em ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Recorremos, portanto, aos dados da<br />
literatura internacional.<br />
3.2. Dados sobre <strong>gênero</strong> e ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong><br />
No Brasil não há estudos que buscam pesquisar se há <strong>diferença</strong> entre homens e<br />
mulheres quanto <strong>à</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Um único estudo que se refere muito rapidamente<br />
a esta questão é o <strong>de</strong> Souza (2006, p. 46) que, ao <strong>de</strong>finir, ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, diz que esta<br />
é “um sentimento <strong>de</strong> tensão, apreensão ou medo que interfere no <strong>de</strong>sempenho em Matemática,<br />
sendo um fenômeno que em geral acomete mais as mulheres que os homens” (negritos<br />
meus). A autora, no entanto, apenas faz essa afirmação sem apresentar dados que a respal<strong>de</strong>m,<br />
<strong>de</strong>ixando a impressão <strong>de</strong> que é muito mais uma suposição do que algo empiricamente<br />
comprovado.<br />
Assim, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscarmos dados da literatura internacional, particularmente<br />
na língua inglesa. De acordo com Geary (1994), a ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> é ligeiramente a<br />
mo<strong>de</strong>radamente mais intensa em mulheres do que em homens. Esta é uma afirmação muito<br />
geral e baseada em dados que o autor pesquisou na literatura norte-americana. Po<strong>de</strong> ser<br />
entendida como uma afirmação que resume uma série pequena <strong>de</strong> estudos que procuram<br />
investigar <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e presença <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Mas, se olharmos mais<br />
<strong>de</strong> perto para os estudos relatados, veremos que são pouquíssimos que trataram<br />
exclusivamente <strong>de</strong>ste interesse e, além disso, os procedimentos metodológicos não seguem<br />
um padrão único, nem quanto ao tipo <strong>de</strong> participante envolvido nem quanto <strong>à</strong> coleta <strong>de</strong> dados<br />
em si.<br />
Desse modo, o que apresentamos a seguir são alguns pontos em comum a partir <strong>de</strong><br />
dados espalhados na literatura. Esse levantamento foi feito através da pesquisa <strong>de</strong> trabalhos<br />
que abordam a temática. Assim, a análise <strong>de</strong>stes foca a ansieda<strong>de</strong> e a questão <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> como<br />
31
pontos que influenciam ou não os pré-conceitos existentes na socieda<strong>de</strong> em relação <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>.<br />
Uma primeira afirmação que po<strong>de</strong>ria se referir a <strong>diferença</strong>s emocionais <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> em<br />
relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> foi apresentada por Aiken (1976). Segundo este autor, parece que<br />
durante a escola elementar (equivalente ao nosso ensino fundamental) e nas primeiras séries<br />
do high school (equivalente ao nosso ensino secundário), os meninos relatam um afeto<br />
positivo em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> ligeiramente maior que as meninas. Outros dois estudos<br />
(BETZ, 1978; BRUSH, 1980) afirmam que durante o ensino secundário e o ensino<br />
universitário, mulheres relatam apresentar maior ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> que os homens.<br />
Estes dados, no entanto, não são conclusivos. Assim, Eccles e Jacobs (1986) sugeriram que as<br />
<strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> estavam diretamente relacionadas <strong>à</strong>s<br />
<strong>diferença</strong>s nos <strong>de</strong>sempenhos em <strong>matemática</strong> entre meninos e meninas. Ou seja, parece que<br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> não é um fenômeno intrínseco ao <strong>gênero</strong>, como se fosse algo<br />
biológico; mas está relacionado ao <strong>de</strong>sempenho e este, como vimos na primeira seção <strong>de</strong>ste<br />
capítulo, está ligada a questões sociais e <strong>à</strong> forma como o gostar da <strong>matemática</strong> é mo<strong>de</strong>lado<br />
culturalmente.<br />
Wigfield e Meece (1988) afirmaram que ainda sabemos muito pouco sobre <strong>diferença</strong>s<br />
na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> entre estudantes jovens (séries iniciais), embora Meece (1981)<br />
tenha concluído que a <strong>diferença</strong> nas séries (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do sexo) é mais acentuada que a<br />
<strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>. Assim, temos dois aspectos importantes: 1) <strong>diferença</strong>s no <strong>de</strong>sempenho e<br />
no gostar da <strong>matemática</strong>, que são <strong>diferença</strong>s mo<strong>de</strong>ladas culturalmente; 2) <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> séries,<br />
que talvez estejam ligadas a questões <strong>de</strong> conteúdo. Esses dois aspectos parecem ser mais<br />
importantes que <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> e parecem estar na base dos resultados que apontam<br />
para ligeiras <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>.<br />
No estudo <strong>de</strong> Wigfield e Meece (1988), aplicaram uma escala <strong>de</strong> reações afetivas<br />
negativas em estudantes elementares e do ensino secundário. Meninos e meninas não<br />
diferiram no relato acerca <strong>de</strong> preocupação com a <strong>matemática</strong>, o que, segundo os autores, po<strong>de</strong><br />
indicar que ambos tinham preocupações idênticas em relação ao <strong>de</strong>sempenho nas tarefas <strong>de</strong><br />
<strong>matemática</strong>. Porém, houve mais relatos <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> reações negativas em relação <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong> nas meninas do que nos meninos, o que está <strong>de</strong> acordo com os estudos <strong>de</strong> Betz<br />
(1978), Brush (1980) e Meece (1981). Wigfield e Meece concluem que os resultados po<strong>de</strong>m<br />
32
significar que na medida em que os conteúdos <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> ficam mais difíceis, é provável<br />
que as meninas passem a apresentar maior dificulda<strong>de</strong> e passem a optar por cursos<br />
universitários que não exigem um conhecimento matemático avançado.<br />
Estas <strong>diferença</strong>s ligeiras que mostram que mulheres parecem ser mais ansiosas que<br />
homens em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, são abordadas por Allen (2001) como sendo <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong><br />
experiências sociais e acadêmicas e não <strong>diferença</strong>s intrínsecas ao <strong>gênero</strong>. Allen (2001) sugere<br />
que professores apresentam padrões <strong>de</strong> atenção diferenciados para meninos e meninas quando<br />
estes estão estudando <strong>matemática</strong>. Antes <strong>de</strong> Allen, um estudo <strong>de</strong> Springer (1994) já <strong>de</strong>stacava<br />
que o impacto da estereotipia <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> nos estudos <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> é bastante profundo, e<br />
po<strong>de</strong> afetar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>matemática</strong> entre as mulheres.<br />
McGinley (2000) foi o único estudo encontrado, em nosso levantamento, que tratou<br />
especifica e exclusivamente <strong>de</strong> <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> quanto <strong>à</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. Nesse<br />
estudo, McGinley fez um levantamento comparativo dos resultados presentes na literatura e<br />
aponta três principais conclusões: 1) estudantes do sexo masculino ten<strong>de</strong>m a seguir mais<br />
carreiras que exigem conhecimento sofisticado <strong>de</strong> <strong>matemática</strong>, quando comparados com<br />
estudantes do sexo feminino; 2) meninos ten<strong>de</strong>m a ser mais auto-confiantes em relação a seus<br />
<strong>de</strong>sempenhos em <strong>matemática</strong> do que meninas; 3) meninas ten<strong>de</strong>m a apresentar maiores graus<br />
<strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> do que meninos.<br />
Perez (2005), conduziu um estudo extenso sobre <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> sexo relacionadas <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>, incluindo amostras com estudantes <strong>de</strong> diferentes etnias. Uma primeira pergunta<br />
<strong>de</strong> seu estudo foi: existe uma <strong>diferença</strong> estatisticamente significativa <strong>de</strong> graus relatados <strong>de</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> em estudantes homens e mulheres, hispânico/latinos, que freqüentem<br />
disciplinas <strong>de</strong> álgebra na faculda<strong>de</strong>? A hipótese era <strong>de</strong> que os homens relatariam níveis mais<br />
baixos <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. A escala utilizada foi a MARS (Mathematics Anxiety<br />
Rating Scale). Em uma primeira aplicação da escala não foi i<strong>de</strong>ntificada qualquer <strong>diferença</strong><br />
estatisticamente significativa entre homens e mulheres a escala voltou a ser aplicada ao final<br />
do semestre e também não houve <strong>diferença</strong>s estatísticas. Perez sugeriu que o <strong>gênero</strong> não foi<br />
uma variável relevante nos relatos <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> e aponta que possivelmente a<br />
origem étnica seja um fator relevante para a não-<strong>diferença</strong>. Perez também sugere que os<br />
instrumentos atuais <strong>de</strong> medição <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> talvez não sejam indicados para a<br />
população estudada.<br />
33
Por fim, um estudo clássico <strong>de</strong> Tobias (1978) aponta que a esquiva apresentada por<br />
mulheres adolescentes e adultas em relação <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> (que seria uma das medidas<br />
fundamentais da ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>), está profundamente enraizada nos papéis sexuais<br />
que nossa socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>la nos indivíduos; isto é, está ligada <strong>à</strong> percepção ensinada <strong>de</strong> que a<br />
<strong>matemática</strong> é uma disciplina tipicamente masculina.<br />
Po<strong>de</strong>mos inferir, a partir dos relatos apresentados, algumas conclusões provisórias em<br />
relação <strong>à</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> e <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>:<br />
1. Não há dados conclusivos em relação a possíveis <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>;<br />
2. Os estudos ainda são poucos e se limitam a uma população norte-americana ou<br />
falante <strong>de</strong> inglês, embora algumas sejam <strong>de</strong> origem étnica não anglo-saxônica;<br />
3. Os dados apenas sugerem um ligeiro maior nível <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> em<br />
mulheres do que em homens;<br />
4. As <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> i<strong>de</strong>ntificadas po<strong>de</strong>m estar sendo causadas por <strong>diferença</strong>s<br />
na socialização <strong>de</strong> meninos e meninas. Esta socialização começa na família e a<br />
escola fortalece certos padrões do que é ser homem e o que é ser mulher, incluindo<br />
gostar <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> e a idéia <strong>de</strong> que <strong>matemática</strong> é coisa <strong>de</strong> homens;<br />
5. Mulheres ten<strong>de</strong>m a apresentar mais esquiva <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> na escolha <strong>de</strong> profissões<br />
a serem seguidas (carreiras universitárias);<br />
6. Mulheres ten<strong>de</strong>m a relatar maior reação negativa que homens quanto <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>;<br />
7. Provavelmente estas <strong>diferença</strong>s apontadas nos itens 5 e 6 po<strong>de</strong>m ser resultado não<br />
<strong>de</strong> uma <strong>diferença</strong> em ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, e sim <strong>de</strong> uma <strong>diferença</strong> na<br />
socialização.<br />
Assim, como no Brasil não há estudos sobre <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> na ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong><br />
<strong>matemática</strong>, é importante que estudos sejam conduzidos. Além disso, tudo o que vem sendo<br />
discutido até aqui, aponta para uma preocupante questão <strong>de</strong> como meninos e meninas<br />
apren<strong>de</strong>m a lidar diferencialmente com a <strong>matemática</strong>. É possível pensar em uma educação<br />
que supere esse aspecto? É possível propor uma educação que auxilie meninos e meninas a<br />
34
encararem a <strong>matemática</strong> <strong>de</strong> maneira igual? Esse é aspecto que vamos discutir no próximo<br />
capítulo.<br />
35
CAPÍTULO 4<br />
POR UMA EDUCAÇÃO VOLTADA À IGUALDADE DE GÊNEROS<br />
Por que em nossa socieda<strong>de</strong> as <strong>diferença</strong>s entre homens e mulheres ainda são<br />
explicitadas <strong>de</strong> diversas maneiras? Andra<strong>de</strong>, Franco & Carvalho (2003) nos fazem refletir<br />
sobre essa questão importante em relação <strong>à</strong>s <strong>diferença</strong>s que são colocadas entre homens e<br />
mulheres. Quando nascemos as únicas características que nos diferenciam quanto ao <strong>gênero</strong><br />
são as características físicas e biológicas. Porém, com as interações sociais que se dão ao<br />
longo <strong>de</strong> toda a vida, influências sociais, econômicas, culturais refletem no processo <strong>de</strong><br />
formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do indivíduo, diferenciando assim, atitu<strong>de</strong>s e comportamentos <strong>de</strong><br />
meninos e meninas (ANDRADE et al, 2003). Quando adultos é muito comum que essa<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> que foi construída reflita no mercado <strong>de</strong> trabalho, nas relações<br />
familiares, na socieda<strong>de</strong> e principalmente na educação. Assim, Souza (2006) diz que a<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> do indivíduo <strong>de</strong>limita uma série <strong>de</strong> comportamentos que se tornam mais<br />
comuns e que influem diretamente na forma com que esse indivíduo se relaciona com os<br />
diversos objetos sociais com que se <strong>de</strong>para no cotidiano.<br />
Na socieda<strong>de</strong> atual, apesar dos muitos avanços e conquistas realizadas pelas mulheres,<br />
ainda há muito que progredir. Presenciamos ações e reflexões nas quais as mulheres não são<br />
vistas <strong>de</strong> maneira igualitária aos homens, sendo que sua capacida<strong>de</strong> não é menor ou diferente<br />
da capacida<strong>de</strong> do sexo oposto. Seria a educação um meio para que se pu<strong>de</strong>sse trabalhar e se<br />
conscientizar os alunos em relação a essas questões? Até que ponto a instituição escolar ajuda<br />
a combater esse tipo <strong>de</strong> <strong>diferença</strong> e até que ponto ela incentiva a mesma? Essas questões estão<br />
muito ligadas <strong>à</strong> internalização que a socieda<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> alguns conceitos. A <strong>diferença</strong> que se<br />
estabelece entre os grupos é fruto do <strong>de</strong>senvolvimento social e das pré-concepções que foram<br />
criadas ao longo dos tempos, não sendo incomum então, que hoje em dia haja a idéia <strong>de</strong> que<br />
homens são melhores do que mulheres em Matemática.<br />
Um bom exemplo disso nos é exposto por Wal<strong>de</strong>n e Walkerdine (1982 apud<br />
ANDRADE et al, 2003) quando analisam os resultados <strong>de</strong> pesquisas e percebem que há a<br />
visão <strong>de</strong> que meninas que não vão bem em <strong>matemática</strong> são mais femininas do que as que vão<br />
36
em. Essa conclusão mostra claramente que o diferente <strong>de</strong>sempenho dos <strong>gênero</strong>s está ligado <strong>à</strong><br />
internalização e naturalização <strong>de</strong> papéis sociais que cada <strong>gênero</strong> <strong>de</strong>ve ter e que<br />
conseqüentemente repercute na i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />
Souza (2006) escreve que a maioria dos homens e mulheres conseguiu um<br />
<strong>de</strong>terminado grau <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação masculina ou feminina concordante com o sexo biológico.<br />
Esses estudos sobre <strong>diferença</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong>, segundo D´Amorim (1989 apud Souza, 2006) se<br />
apoiaram no conceito <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>-feminilida<strong>de</strong> sendo que eram vistos numa única<br />
dimensão, ou seja, altamente masculinos ou altamente femininos (M-F) . Nesse sentido, testes<br />
foram aplicados (M-F) para obter a manutenção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do <strong>gênero</strong> congruente com o<br />
sexo biológico. Porém, com as mudanças ocorridas na socieda<strong>de</strong>, com as revoluções<br />
feministas, com a abertura do mercado <strong>de</strong> trabalho para a mão <strong>de</strong> obra feminina, com a luta<br />
por justiça social; esse cenário se modificou e o que antes era apenas caracterizado como<br />
cenário masculino, acabou a<strong>de</strong>rindo aos padrões também femininos, constatando-se que a<br />
masculinida<strong>de</strong> e a feminilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>radas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e possíveis <strong>de</strong> serem<br />
incorporadas por um mesmo indivíduo ao mesmo tempo. Desta forma, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>gênero</strong><br />
do indivíduo <strong>de</strong>limita atitu<strong>de</strong>s e comportamento que lhe são mais comuns no dia-a-dia<br />
(SOUZA, 2006).<br />
Ainda nesse contexto, a autora explica que para um indivíduo tipificado sexualmente<br />
há uma série <strong>de</strong> objetos sociais que são consi<strong>de</strong>rados ina<strong>de</strong>quados para o seu sexo, sendo<br />
assim, são menos percebidos por apresentarem menor sentido. Por outro lado, objetos sociais<br />
que apresentem características que estejam <strong>de</strong> acordo com o sexo ten<strong>de</strong>m a ser mais bem<br />
notados, visto que fazem mais sentido <strong>de</strong>ntro do contexto <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>de</strong> cada indivíduo, por<br />
exemplo, o batom faz mais sentido para o contexto feminino do que masculino enquanto que<br />
uma bola <strong>de</strong> futebol faz mais sentido no contexto masculino. A partir <strong>de</strong>sse estudo analisado<br />
por Souza (2006) po<strong>de</strong>mos tentar enten<strong>de</strong>r por que socialmente a Matemática é vista como<br />
algo puramente masculino, sendo que, como foi citado anteriormente, meninas que se<br />
<strong>de</strong>stacam nessa área acabam sendo consi<strong>de</strong>radas masculinizadas, ou seja, menos femininas do<br />
que as que se <strong>de</strong>stacam nas áreas <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s.<br />
O peso que o papel da escola tem na socieda<strong>de</strong> faz com que a instituição escolar seja a<br />
responsável por diversas socializações, reproduções e produções. Refletindo sobre essa<br />
questão, Dubet (2003) escreve que é a própria escola quem reproduz e opera gran<strong>de</strong>s divisões<br />
37
e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. Ou seja, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s são as responsáveis pela entrada nas carreiras<br />
escolares enquanto que os próprios processos escolares produzem essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> que<br />
acabam por reproduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais. A escola não é mais “neutra” e nem<br />
“inocente”; torna-se sua característica mais marcante a reprodução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais<br />
que conseqüentemente culminam também nas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s escolares (DUBET, 2003).<br />
O autor ainda nos lembra que o real sentido da instituição escolar remete a um<br />
ambiente on<strong>de</strong> se firma a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos em oportunida<strong>de</strong>s, talentos e potencialida<strong>de</strong>s,<br />
sendo que todas as crianças têm o mesmo valor, mesmo que condições sociais afetem o<br />
reconhecimento <strong>de</strong> suas qualida<strong>de</strong>s e o seu <strong>de</strong>senvolvimento. A massificação da escola<br />
proporcionou esse tipo <strong>de</strong> pensamento no qual “em princípio” todos têm os mesmos direitos.<br />
Porém, contradizendo todos esses aspectos, notamos principalmente na prática que a<br />
instituição escolar hierarquiza, or<strong>de</strong>na e classifica seus alunos <strong>de</strong> acordo com seus méritos,<br />
tornando os indivíduos responsáveis pelos mesmos (DUBET, 2003).<br />
Po<strong>de</strong>mos notar no cenário da educação brasileira que a história <strong>de</strong> homens e mulheres<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto sofreu e sofre ainda gran<strong>de</strong>s mudanças. Carvalho (2003) escreve que na<br />
década <strong>de</strong> 1960 eram os homens que tinham o maior nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, aproximadamente<br />
três anos <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> média, enquanto que as mulheres freqüentavam a escola por menos<br />
<strong>de</strong> dois anos; percebe-se um cenário em que o acesso <strong>à</strong> escola era em geral muito baixo, sendo<br />
ainda pior para as mulheres. Passados 40 anos, este cenário sofreu mudanças significativas. A<br />
escolarida<strong>de</strong> média passou para seis anos, sendo que o grupo feminino foi o que mais teve a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> aos estudos enquanto que os meninos abandonavam a<br />
escola para se <strong>de</strong>dicarem ao trabalho, invertendo assim a idéia <strong>de</strong> que os homens seriam os<br />
maiores beneficiados com o passar do tempo por se encontrarem nos maiores níveis <strong>de</strong><br />
estudo.<br />
Ao analisar resultados brasileiros, a autora mostra que se for feito um recorte por<br />
<strong>gênero</strong> nesses estudos, a faixa etária acima <strong>de</strong> 40 anos explicita um maior número <strong>de</strong> homens<br />
alfabetizados do que mulheres, sendo que na faixa entre 15 a 19 anos o número <strong>de</strong> homens<br />
analfabetos é quase o dobro do que <strong>de</strong> mulheres. Isso mostra realmente o quanto as mulheres<br />
acabaram se tornando mais escolarizadas do que os homens. Não po<strong>de</strong>mos esquecer que esses<br />
estudos citados acima mostram perspectivas gerais, porém, em alguns lugares e em alguns<br />
casos ainda há, tanto para o homem quanto para a mulher, dificulda<strong>de</strong>s em se apren<strong>de</strong>r, pois o<br />
38
trabalho e a falta <strong>de</strong> permanência na escola não lhes possibilita maiores estudos. A partir<br />
<strong>de</strong>sse resultado po<strong>de</strong>mos notar que mesmo sendo analfabetas, essas pessoas tiveram acesso <strong>à</strong><br />
escola, porém, são pessoas marcadas por uma trajetória <strong>de</strong> repetências, cujo sistema não<br />
consegue englobá-las no dia a dia da instituição e que conseqüentemente acabam por não<br />
apren<strong>de</strong>r a ler e escrever (CARVALHO, 2003).<br />
Por que será então, a partir <strong>de</strong>ssas análises e <strong>de</strong>sses resultados que notamos que as<br />
mulheres não são vistas no contexto da <strong>matemática</strong> como “superiores” ou no mesmo “nível”<br />
do que os homens? Toda reflexão explicitada acima nos mostra que o <strong>gênero</strong> feminino, apesar<br />
<strong>de</strong> ter <strong>de</strong>morado para conquistar um maior espaço na socieda<strong>de</strong>, conseguiu se <strong>de</strong>senvolver,<br />
estudar e trabalhar se não igual, <strong>de</strong> forma “superior” aos homens, mas mesmo assim ainda<br />
sofre preconceitos em relação a muitas áreas.<br />
A questão <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> <strong>de</strong>ntro do ambiente escolar é muito contraditória. Por um lado<br />
vemos que em sua maioria são os meninos que se <strong>de</strong>stacam nas áreas da Matemática enquanto<br />
que as meninas ficam com as áreas <strong>de</strong> Humanida<strong>de</strong>s. Caso um menino goste mais da área que<br />
teoricamente pertence <strong>à</strong>s meninas, este é motivo <strong>de</strong> chacota e <strong>de</strong>sconfiança pelos colegas em<br />
relação <strong>à</strong> sua masculinida<strong>de</strong>, sendo que a mesma coisa acontece com a menina que se <strong>de</strong>staca<br />
na área <strong>de</strong> exatas. Todos esses padrões escolares e sociais são na verda<strong>de</strong> reflexos dos<br />
preconceitos existentes nesses meios.<br />
Durante a realização <strong>de</strong>sse trabalho, po<strong>de</strong>-se perceber que a maioria da socieda<strong>de</strong> (não<br />
po<strong>de</strong>mos generalizar, visto que nem todos pensam da mesma forma) acredita na superiorida<strong>de</strong><br />
masculina, ou seja, na dominação do masculino sobre o feminino (ROSEMBERG, 2001)<br />
refletindo assim uma socieda<strong>de</strong> machista. Esse fator <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> em que as pessoas<br />
acreditam reflete em diversos cenários, sendo a Matemática um <strong>de</strong>les.<br />
A ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> reflete um quadro muito presente no cotidiano escolar que<br />
embora não seja algo novo, visto que a Matemática está presente na escola a muitos anos, é<br />
um fator que ainda é pouco estudado principalmente no cenário da literatura nacional. Ao<br />
estabelecer como objetivo geral o estudo da literatura que trata <strong>de</strong> <strong>diferença</strong>s <strong>de</strong> <strong>gênero</strong> nos<br />
padrões <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>, a maioria dos estudos que abordam e analisam este tema<br />
encontram-se em língua estrangeira, principalmente inglesa. Desta forma, as dificulda<strong>de</strong>s com<br />
as quais nos <strong>de</strong>paramos em relação ao tema proposto se mostraram conforme os textos<br />
39
elacionados <strong>à</strong> ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> foram sendo estudados e cujas conclusões não<br />
abordavam o panorama da questão no Brasil. Assim, a falta <strong>de</strong> material <strong>de</strong> literatura brasileira<br />
fez com que o presente trabalho se baseasse em uma realida<strong>de</strong> que não retrata a realida<strong>de</strong> em<br />
que vivemos, no sentido que diferentes culturas refletem em diferentes resultados.<br />
Em relação a caracterizar e <strong>de</strong>screver o fenômeno apresentado, a análise dos textos<br />
mostraram que a maioria das crianças estudadas, assim como alguns adolescentes também,<br />
apresentaram características semelhantes que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> taquicardia, suor, dores <strong>de</strong> estômago,<br />
passando por pré-concepções internalizadas com a influência da socieda<strong>de</strong> como acreditar que<br />
a <strong>matemática</strong> é muito complexa e que nunca a enten<strong>de</strong>rá e conseqüentemente fazer uso <strong>de</strong><br />
comportamento <strong>de</strong> fuga e esquiva para po<strong>de</strong>r “escapar” <strong>de</strong> situações em que a <strong>matemática</strong><br />
esteja presente. Porém, ao mesmo tempo em que esses estudos apresentam a caracterização<br />
dos sintomas <strong>de</strong> maneira semelhante, não se aprofundam nos resultados quando estes se<br />
referem <strong>à</strong> questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho e <strong>gênero</strong>, assim como, ansieda<strong>de</strong> e <strong>gênero</strong>. Ou seja, os<br />
testes que são apresentados nos estudos tratam apenas superficialmente dizendo, por exemplo,<br />
que meninas apresentam <strong>de</strong>sempenho positivo em Matemática menor em relação ao<br />
<strong>de</strong>sempenho positivo dos meninos; meninos acham que meninas se comportam<br />
diferentemente em ativida<strong>de</strong>s escolares ligadas <strong>à</strong> Matemática; meninas que não vão bem em<br />
<strong>matemática</strong> são mais femininas do que as que vão bem, etc. Dessa forma, um dos principais<br />
pontos a serem salientados encontra-se na discussão das metodologias adotadas e no<br />
aprofundamento dos resultados obtidos.<br />
Como apontamentos para futuras pesquisas na área é importante que se <strong>de</strong>senvolva<br />
programas <strong>de</strong>ntro do ambiente escolar que promovam a quebra <strong>de</strong> tabus e preconceitos acerca<br />
do <strong>de</strong>sempenho em <strong>matemática</strong> em homens e mulheres e que esses programas auxiliem os<br />
alunos a enxergarem a <strong>matemática</strong> como instrumento cultural para todas as pessoas e não<br />
como um corpo <strong>de</strong> conhecimentos típicos <strong>de</strong> homens.<br />
Um dos importantes pontos trabalhados nesse trabalho consiste no fato da influência<br />
que o pensamento da socieda<strong>de</strong> reflete em cada indivíduo. Dessa forma, se conseguirmos<br />
colocar em prática trabalhos que <strong>de</strong>smistifiquem os conceitos e idéias equivocadas criadas em<br />
torno da Matemática, então, po<strong>de</strong>mos começar a pensar em reverter esse quadro <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong><br />
que caracteriza essa disciplina. Outro ponto importante está relacionado com os professores<br />
<strong>de</strong> <strong>matemática</strong> e com aqueles que ainda estão em formação. Deve-se olhar para a formação<br />
40
<strong>de</strong>sses professores, as licenciaturas, <strong>de</strong> forma a verificar como e em que medida os<br />
formadores reforçam a noção <strong>de</strong> que a <strong>matemática</strong> é <strong>de</strong> difícil apreensão e é mais facilmente<br />
aprendida por homens do que por mulheres. É importante que se fique atento para que<br />
conceitos que foram incorporados por esses professores quando eram eles os alunos, não<br />
interfiram e não sejam passados para seus próprios alunos como verda<strong>de</strong> absolutas ou como<br />
conceitos que possam influenciar a opinião dos <strong>de</strong>mais, fazendo com que isso os prejudique<br />
nos momentos que se <strong>de</strong>pararem com situações que envolvam <strong>matemática</strong>.<br />
Enquanto isso, principalmente para professores que já estão na profissão há algum<br />
tempo, é necessário que sejam feitos trabalhos como formação continuada afim <strong>de</strong> que esses<br />
profissionais estejam sempre em contato com novas pesquisas, teorias, práticas, e que haja a<br />
quebra <strong>de</strong> valores e conceitos que estão ultrapassados. É importante que não apenas<br />
professores da área <strong>matemática</strong>, mas todos os professores se emprenhem em dar continuida<strong>de</strong><br />
<strong>à</strong> sua formação, buscando se atualizar para que novas experiências possam ser propostas aos<br />
seus alunos possibilitando a si mesmos e aos outros, oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> expandir seus<br />
conhecimentos. Nesse ponto, os alunos <strong>de</strong>vem ser o principal foco, pois serão eles os maiores<br />
beneficiados, já que são os que mais estão expostos a sofrerem com os preconceitos e tabus.<br />
Finalmente, propomos que sejam <strong>de</strong>senvolvidas pesquisas no Brasil em relação <strong>à</strong><br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong> nas escolas, assim como a relação que se estabelece entre <strong>gênero</strong> e<br />
ansieda<strong>de</strong> <strong>à</strong> <strong>matemática</strong>. É importante que sejam efetuados estudos nessa área assim como os<br />
levantamentos <strong>de</strong> dados, visto que este tema tem sido vivenciado no ambiente escolar há<br />
muitos anos, porém, só agora tem sido tratado com mais atenção. Devemos levantar dados no<br />
Brasil, para que nosso país também possa estar a par <strong>de</strong>sse fenômeno que há anos reflete a<br />
realida<strong>de</strong> das salas <strong>de</strong> aula e que justamente por ser algo que não é novo, acaba sendo<br />
esquecido e não estudado com veemência.<br />
41
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