Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
seria o bastante para cancelar qualquer alternativa. Quando levantei e o vi, ele estava a<br />
uns 30 metros <strong>de</strong> altura e em ascensão, precisamente no ponto on<strong>de</strong> o terreno <strong>de</strong>sce.<br />
Não estava se <strong>de</strong>batendo, dando chutes no ar, tentando subir pela linha. Perfeitamente<br />
imóvel, pendia ao longo da corda, toda energia concentrada nos punhos cada vez mais<br />
sem força. Já era uma figura minúscula, quase um ponto preto no céu. Do menino não<br />
se avistava nada. O balão e seu cesto foram se afastando para cima e para oeste e,<br />
quanto menor ficava Logan, tanto mais terrível, tão terrível que chegava a ter graça,<br />
uma acrobacia, uma brinca<strong>de</strong>ira, um <strong>de</strong>senho animado; e um riso <strong>de</strong> medo me escapou<br />
do peito. Porque esse era o tipo <strong>de</strong> disparate que acontece com o Pernalonga, ou Tom e<br />
Jerry, e por um instante até pensei que não era verda<strong>de</strong> e que só eu era capaz <strong>de</strong><br />
perceber a piada e minha <strong>de</strong>scrença completa traria tudo <strong>de</strong> volta ao normal, com o<br />
doutor Logan são e salvo no chão.<br />
Não sei se os outros estavam <strong>de</strong> pé ou se arrastando. Toby Greene <strong>de</strong>via estar<br />
dobrado sobre o calcanhar. Mas lembro do silêncio quando eu ri. Nada <strong>de</strong> exclamações,<br />
nada <strong>de</strong> instruções aos gritos como antes. Desamparo mudo. Ele agora estava a 200<br />
metros <strong>de</strong> distância e uns 100 metros, talvez, <strong>de</strong> altura. Nosso silêncio era uma espécie<br />
<strong>de</strong> aceitação, uma sentença <strong>de</strong> morte. Ou então vergonha horrorizada, porque o vento<br />
baixara, mal dava para sentir nas costas. Ele estava há tanto tempo na corda que eu<br />
comecei a achar que ficaria assim até o balão pousar sozinho, ou até que o menino<br />
recuperasse a luci<strong>de</strong>z e <strong>de</strong>scobrisse a válvula do gás, ou até que um raio, ou um <strong>de</strong>us, ou<br />
alguma outra coisa impossível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado aparecesse para apanhá-lo. Nem<br />
bem tinha nutrido essa esperança quando o vimos <strong>de</strong>slizar até o fim da corda. E<br />
continuava lá. Por dois segundos, três, quatro. E então se largou. Mesmo então, houve<br />
uma fração <strong>de</strong> tempo em que ele praticamente não caiu e eu <strong>ainda</strong> pensei na<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que alguma lei aberratória da física, ou uma corrente quente<br />
po<strong>de</strong>rosíssima, algum fenômeno não mais estranho do que esse que estávamos<br />
testemunhando sobreviesse para sustentar seu peso. Ficamos vendo ele cair. Dava para<br />
perceber a aceleração. Sem misericórdia, sem qualquer concessão especial para a carne,<br />
para a coragem ou a bonda<strong>de</strong>. Só a gravida<strong>de</strong> impiedosa. E <strong>de</strong> algum ponto, talvez <strong>de</strong>le<br />
mesmo, ou <strong>de</strong> algum pássaro indiferente, ouviu-se um grasnido fino cortar o ar. Caiu<br />
como tinha se pendurado, um palito preto rígido. Eu nunca vi nada tão terrível quanto<br />
aquele homem caindo.<br />
208