Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
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neto e Greene estava praguejando com ele quando aconteceu. Um punho po<strong>de</strong>roso<br />
esmurrou o balão com dois socos ligeiros, um-dois, o segundo mais maldoso que o<br />
primeiro. E o primeiro já era maldoso. Arremessou Gadd fora do cesto, direto para a<br />
terra e levantou o balão <strong>de</strong> uma vez, mais ou menos um metro e meio no ar. O peso<br />
consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> Gadd foi removido da equação. Minha corda correu, queimando a<br />
palma das mãos, mas consegui ficar segurando, com meio metro <strong>de</strong> sobra. Os outros<br />
continuavam segurando também. Agora o cesto estava bem acima das nossas cabeças e<br />
ficamos <strong>de</strong> braços para cima, como tocadores <strong>de</strong> sino na igreja. Em meio ao nosso<br />
silêncio <strong>de</strong> espanto, antes que a gritaria recomeçasse, veio o segundo soco e atirou o<br />
balão para cima e para oeste. Subitamente estávamos pisando o ar, com todo o peso do<br />
corpo na força dos punhos.<br />
Aqueles um ou dois segundos sem chão ocupam tanto espaço na memória quanto<br />
uma longa excursão num rio nunca antes navegado. Meu primeiro impulso foi o <strong>de</strong><br />
aguentar, para dar lastro ao balão. A criança era incapaz <strong>de</strong> qualquer resposta e estava<br />
prestes a ser carregada. Três quilômetros a oeste ficavam as linhas <strong>de</strong> alta voltagem.<br />
Uma criança sozinha e precisando <strong>de</strong> ajuda. Era meu <strong>de</strong>ver aguentar e imaginei que<br />
todos fariam o mesmo.<br />
Quase simultaneamente com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> me manter na corda e salvar o garoto,<br />
virtualmente um impulso neuronal mais tar<strong>de</strong>, vieram outras idéias, nas quais se<br />
fundiam o medo e certos cálculos <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> logarítmica. Estávamos subindo<br />
cada vez mais alto e o chão ia ficando cada vez mais longe à medida que o balão era<br />
empurrado para oeste. Eu sabia que tinha <strong>de</strong> trançar as pernas e os pés na corda. Mas o<br />
fim <strong>de</strong>la mal me dava na cintura e as mãos já não estavam agüentando. Minhas pernas<br />
se agitavam no ar vazio. Cada fração <strong>de</strong> segundo que passava aumentava a altura da<br />
queda e logo chegaria um ponto em que largar a corda seria impossível ou fatal. E<br />
comparado a mim Harry estava a salvo, encolhido no fundo do cesto. O balão po<strong>de</strong>ria<br />
muito bem pousar, sem maiores problemas, no pé do morro. E talvez meu impulso <strong>de</strong><br />
não largar a corda não passasse <strong>de</strong> uma continuação do que eu vinha tentando fazer<br />
alguns segundos antes, simplesmente uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> me reajustar com rapi<strong>de</strong>z.<br />
De novo, então, menos <strong>de</strong> um batimento cardíaco encharcado <strong>de</strong> adrenalina<br />
<strong>de</strong>pois, outra variável foi acrescida à questão: alguém se largou e o balão, com os que<br />
estavam pendurados, <strong>de</strong>u mais um pulo <strong>de</strong> um metro e pouco para cima.<br />
Não soube na hora, nem jamais fiquei sabendo quem foi o primeiro a largar a<br />
corda. Não estou preparado para admitir a hipótese <strong>de</strong> que tenha sido eu. Mas cada um<br />
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