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Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC

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Eu <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>ixar bem claro uma coisa. Talvez tenha havido alguma vaga<br />

comunhão <strong>de</strong> propósito, mas nós nunca chegamos a formar uma equipe. Não havia<br />

ocasião para tanto, não dava tempo. Coincidências <strong>de</strong> tempo e espaço e uma<br />

predisposição para ajudar haviam nos reunido sob o balão. Ninguém estava no comando<br />

-ou estávamos todos, numa competição <strong>de</strong> gritos. O piloto, <strong>de</strong> rosto vermelho, aos<br />

berros e suando, nós ignoramos. A incompetência exalava <strong>de</strong>le como o calor do corpo.<br />

Mas <strong>de</strong> nossa parte também estávamos começando a dar instruções aos berros. Tenho<br />

consciência <strong>de</strong> que se tivesse sido o lí<strong>de</strong>r inconteste a tragédia não teria acontecido.<br />

<strong>Mais</strong> tar<strong>de</strong> escutei alguns dos outros dizerem o mesmo. Mas não havia tempo, não<br />

havia oportunida<strong>de</strong> para uma expressão <strong>de</strong> força ou caráter. Qualquer lí<strong>de</strong>r, qualquer<br />

plano traçado teria sido preferível a nenhum. De todas as socieda<strong>de</strong>s humanas já<br />

estudadas pela antropologia, não existe uma única, da caça-e-coleta à pós-industrial, que<br />

não tenha tido seus comandantes e comandados; e nenhuma situação <strong>de</strong> emergência<br />

jamais foi resolvida com eficácia num processo <strong>de</strong>mocrático.<br />

Não era tão difícil baixar o cesto <strong>de</strong> passageiros o suficiente para se olhar para<br />

<strong>de</strong>ntro. Havia um novo problema. O garoto se encolhera todo no chão. Cobria o rosto<br />

com os braços, agarrando o cabelo com força. - Como é o nome <strong>de</strong>le?, perguntamos<br />

para o homem suado.<br />

Harry!<br />

- Harry.<br />

- Harry!, gritamos. - Vamos lá, Harry. Harry! Pegue a minha mão, Harry. Saia daí,<br />

Mas o Harry se encolheu <strong>ainda</strong> mais. Tremia cada vez que a gente dizia o seu<br />

nome. Nossas palavras eram como pedras atiradas sobre o corpo <strong>de</strong>le. Estava em plena<br />

paralisia da vonta<strong>de</strong>, um estado conhecido como <strong>de</strong>samparo condicionado, que se<br />

observa com freqüência em animais <strong>de</strong> laboratório submetidos a um stress<br />

incontrolável; todos os impulsos <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong>saparecem, todo instinto<br />

<strong>de</strong> sobrevivência é drenado. Puxamos o cesto até o chão e conseguimos mantê-lo assim,<br />

e já estávamos nos inclinando para tirar o menino quando o piloto se meteu com um<br />

empurrão e tentou pular para <strong>de</strong>ntro. <strong>Mais</strong> tar<strong>de</strong> relatou que nos disse o que queria fazer.<br />

Não escutamos nada, por conta da nossa própria gritaria e dos mil impropérios. O que<br />

ele estava fazendo parecia ridículo, mas suas intenções, afinal, tinham sido mais do que<br />

sensatas. Queria <strong>de</strong>sinflar o balão, puxando uma corda amarrada <strong>de</strong>ntro do cesto.<br />

- Seu cabeça <strong>de</strong> bagre!, gritou Lacey. - Aju<strong>de</strong> a tirar o menino daí.<br />

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