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Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC

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nascimento se aproximando, ele não chegava a ser um problema. Na verda<strong>de</strong> até<br />

ajudava, nas sessões <strong>de</strong> combate que contribuíam para o nosso equilíbrio, nosso jeito <strong>de</strong><br />

falar do trabalho. Nós morávamos num edifício art déco na zona norte <strong>de</strong> Londres, com<br />

uma dose abaixo do normal <strong>de</strong> preocupações - dinheiro curto por pouco mais <strong>de</strong> um<br />

ano, uma suspeita não confirmada <strong>de</strong> câncer, os divórcios e doenças dos amigos, a<br />

irritação da Clarissa com meus ocasionais surtos compulsivos <strong>de</strong> insatisfação com o<br />

trabalho-, mas não havia nada que ameaçasse nossa existência íntima e livre.<br />

O que nós vimos quando levantamos do nosso piquenique foi o seguinte: um<br />

balão enorme, do tamanho <strong>de</strong> uma casa, com forma <strong>de</strong> lágrima, tinha <strong>de</strong>scido no campo.<br />

O piloto <strong>de</strong>via estar com meio corpo para fora do cesto <strong>de</strong> passageiros quando o balão<br />

tocou no solo. A perna <strong>de</strong>le ficara enroscada numa corda amarrada à âncora. Agora,<br />

com as rajadas <strong>de</strong> vento erguendo e empurrando o balão na direção da escarpa, ele<br />

estava sendo meio puxado, meio carregado campo afora. No cesto havia uma criança,<br />

um menino <strong>de</strong> uns <strong>de</strong>z anos. Num instante súbito <strong>de</strong> calmaria, o homem se pôs <strong>de</strong> pé e<br />

tentou agarrar o cesto, ou o menino. Veio outra rajada, então, e o piloto caiu <strong>de</strong> costas,<br />

aos trambolhões pelo chão esburacado, se esforçando para enterrar os calcanhares na<br />

terra, como ponto <strong>de</strong> apoio, ou dando uns botes para pegar a âncora atrás <strong>de</strong> si e prendê-<br />

la no chão. Mesmo se tivesse tido uma chance, não pensaria em se <strong>de</strong>svencilhar da<br />

corda. Precisava do peso do próprio corpo para manter o balão no solo e o vento po<strong>de</strong>ria<br />

ter lhe arrancado a corda das mãos.<br />

Enquanto eu corria ouvi o homem gritar com o menino, insistindo para que saísse<br />

do cesto. Mas o garoto era jogado <strong>de</strong> um lado a outro à medida que o balão cambaleava<br />

no campo. Conseguiu se equilibrar e passou uma perna pela beirada. O balão subiu e<br />

caiu, com todo o peso, num morrinho e o menino <strong>de</strong>sapareceu para trás. Depois surgiu<br />

<strong>de</strong> novo, com os braços esticados na direção do homem e gritando alguma coisa para ele<br />

-palavras ou puro terror inarticulado, eu não po<strong>de</strong>ria dizer.<br />

Eu <strong>de</strong>via estar a uns cem metros <strong>de</strong> distância quando a situação ficou sob controle.<br />

O vento baixou e o homem agora estava <strong>de</strong> pé, curvado sobre a âncora, que ele estava<br />

enterrando no chão. Já tinha livrado a perna da corda. Por algum motivo -complacência,<br />

exaustão, ou simplesmente porque tinham lhe mandado - o menino permanecia no cesto.<br />

O balão furioso foi titubeando e se inclinando e se arrastando aos puxões, mas a fera<br />

estava domada. Diminuí o passo, mas não cheguei a parar. Quando se ergueu, o homem<br />

nos avistou -pelo menos aos dois trabalhadores e a mim - e ficou fazendo gestos nos<br />

chamando. Ele <strong>ainda</strong> precisava <strong>de</strong> auxílio, mas fiquei feliz <strong>de</strong> diminuir o ritmo. Os<br />

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