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Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC

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as trilhas que mergulhavam na escuridão das plantações <strong>de</strong> faias, até alguns vales mal<br />

cuidados, mal drenados, on<strong>de</strong> o musgo grosso e iri<strong>de</strong>scente cobria os troncos<br />

apodrecidos das árvores e, ocasionalmente, vislumbravam-se uns cervos pequenos, aos<br />

tropeções na vegetação rasteira.<br />

A maior parte do tempo <strong>de</strong>ssa nossa caminhada a oeste vínhamos falando da<br />

pesquisa da Clarissa: John Keats morrendo em Roma, numa casa ao pé da escadaria na<br />

Piazza di Spagna, on<strong>de</strong> se hospedara com seu amigo Joseph Severn. Seria possível que<br />

<strong>ainda</strong> existissem três ou quatro cartas inéditas <strong>de</strong> Keats? Po<strong>de</strong>ria uma <strong>de</strong>las ser<br />

en<strong>de</strong>reçada a Fanny Brawne? A Clarissa tinha bons motivos para pensar que sim e<br />

passara boa parcela <strong>de</strong> um semestre acadêmico em licença, viajando pela Espanha e<br />

Portugal, visitando casas conhecidas <strong>de</strong> Fanny Brawne e da outra Fanny, irmã <strong>de</strong> Keats.<br />

Agora estava <strong>de</strong> volta <strong>de</strong> Boston, on<strong>de</strong> estivera trabalhando na Biblioteca Houghton, em<br />

Harvard, tentando encontrar a correspondência <strong>de</strong> parentes distantes <strong>de</strong> Severn. A<br />

última carta conhecida <strong>de</strong> Keats foi escrita quase três meses antes <strong>de</strong> sua morte, e<br />

en<strong>de</strong>reçada ao velho amigo Charles Brown. Guarda um tom sobranceiro, mas é<br />

característica ao jogar, quase entre parênteses, uma <strong>de</strong>scrição brilhante da criação<br />

artística: "O entendimento do contraste, o senso <strong>de</strong> luz e sombra, toda aquela<br />

informação (no sentido primitivo) necessária a um poema, são gran<strong>de</strong>s inimigos da<br />

recuperação gástrica". É aquela com a <strong>de</strong>spedida famosa, tão pungente em sua<br />

reticência e cordialida<strong>de</strong>: "Mal posso lhe dizer a<strong>de</strong>us, mesmo numa carta. Sempre fui<br />

sem jeito para as cortesias. Deus o abençoe! John Keats". Mas todas as biografias<br />

concordam que Keats estava se curando <strong>de</strong> uma tuberculose quando escreveu essas<br />

linhas e permaneceu neste estado por mais <strong>de</strong>z dias. Visitou a Villa Borghese e passeou<br />

pelo Corso. Escutou com prazer Severn tocando Haydn, malcriadamente jogou o<br />

almoço pela janela, em protesto contra a qualida<strong>de</strong> da comida, e até pensou em escrever<br />

um novo poema. Se existissem cartas <strong>de</strong>sse período, que motivo teria Severn ou, com<br />

maior probabilida<strong>de</strong>, Brown, para suprimi-las? A Clarissa pensava ter <strong>de</strong>scoberto a<br />

resposta em duas referências nas cartas entre parentes distantes <strong>de</strong> Brown, escritas na<br />

década <strong>de</strong> 1840, mas <strong>ainda</strong> precisava reunir maiores provas, <strong>de</strong> outras fontes.<br />

- Ele sabia que nunca mais veria Fanny, me disse. - Escreveu para Brown dizendo<br />

que a simples visão do nome <strong>de</strong>la escrito era mais do que podia suportar. Mas jamais<br />

<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> pensar nela. Ainda estava razoavelmente saudável naqueles dias <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

e gostava tanto <strong>de</strong> Fanny. É fácil imaginá-lo escrevendo uma carta que nunca teve<br />

intenção <strong>de</strong> enviar.<br />

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