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Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC

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Mesmo sem o balão o dia teria <strong>de</strong>ixado sua marca na memória, embora do modo<br />

mais prazeroso, pois era o reencontro <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma separação <strong>de</strong> seis semanas, a maior<br />

que Clarissa e eu já tínhamos vivido, em nossos sete anos. A caminho do aeroporto, eu<br />

fizera um <strong>de</strong>svio por Covent Gar<strong>de</strong>n e encontrara um lugar semilegal para estacionar,<br />

exatamente em frente ao Carluccio's. Entrando lá, juntei coisas para um piquenique,<br />

cuja peça <strong>de</strong> resistência era uma gran<strong>de</strong> bola <strong>de</strong> "mozzarella", que a balconista pescou<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma vasilha <strong>de</strong> barro com uma pinça <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. Também comprei<br />

azeitonas pretas, salada mista e "focaccia". Depois fui pela Long Acre, com pressa, até a<br />

Bertram Rota's apanhar o presente <strong>de</strong> aniversário da Clarissa. Exceto o apartamento e o<br />

nosso carro, esse era o objeto individual mais caro que eu jamais havia comprado. A<br />

rarida<strong>de</strong> do livrinho parecia exalar um calor que eu era capaz <strong>de</strong> sentir através do<br />

embrulho grosso <strong>de</strong> papel marrom, à medida que caminhava <strong>de</strong> volta pela rua.<br />

Quarenta minutos mais tar<strong>de</strong>, eu examinava os monitores à procura <strong>de</strong><br />

informações, no terminal <strong>de</strong> chegada. O vôo <strong>de</strong> Boston acabara <strong>de</strong> pousar e eu imaginei<br />

que teria uma espera <strong>de</strong> meia hora. Se um dia alguém quisesse uma prova da tese <strong>de</strong><br />

Darwin, <strong>de</strong> que as muitas expressões <strong>de</strong> emoção nos seres humanos são <strong>de</strong> caráter<br />

universal e geneticamente inscritas, bastariam alguns minutos em frente aos portões <strong>de</strong><br />

saída do terminal quatro em Heathrow. Vi a mesma alegria, o mesmo sorriso<br />

incontrolável nas faces <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> matriarca nigeriana, uma vovó escocesa <strong>de</strong> lábios<br />

finos e um pálido e correto homem <strong>de</strong> negócios japonês, no instante em que,<br />

empurrando seus carrinhos <strong>de</strong> bagagem, reconheciam alguma face em meio à<br />

aglomeração <strong>de</strong> gente na sala <strong>de</strong> espera. A observação da varieda<strong>de</strong> humana po<strong>de</strong> ser<br />

uma fonte <strong>de</strong> prazer, mas a invariabilida<strong>de</strong> também. Fiquei escutando o mesmo suspiro<br />

numa nota <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, muitas vezes misturada a um nome, quando duas pessoas<br />

avançavam uma na direção da outra, para se abraçarem. Era uma segunda maior, uma<br />

terça menor, ou algo entre as duas? Pa-pa! Yolan-da! Ho-bi! Nz-e! Também havia uma<br />

nota ascen<strong>de</strong>nte, cantarolada em voz baixa em frente ao rosto solene e cauteloso dos<br />

bebês por pais há muito ausentes, ou avós, aduladores, implorando uma resposta<br />

imediata <strong>de</strong> amor. Han-nah? Tom-ee? Deixa eu entrar!<br />

A varieda<strong>de</strong> ficava por conta dos dramas particulares: um pai com o filho<br />

adolescente, turcos talvez, ficaram parados num longo abraço silencioso, perdoando um<br />

ao outro, ou em luto por alguma perda, indiferentes à confusão dos carrinhos ao redor;<br />

duas gêmeas idênticas, por volta dos 50 anos, cumprimentaram-se com evi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>sprezo, só encostando as mãos e beijando o ar; um menininho americano, erguido aos<br />

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