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Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC

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centro do campo, que nos atraía com a força <strong>de</strong> uma razão terrível, na proporção <strong>de</strong> uma<br />

magnitu<strong>de</strong> fabulosa para a insignificante aflição humana na base.<br />

O que a Clarissa estava fazendo? Ela disse que caminhou rápido até o centro do<br />

campo. Não sei como resistiu ao instinto <strong>de</strong> correr. Na hora, mesmo - do evento que<br />

estou prestes a <strong>de</strong>screver, a queda - ela já tinha quase nos alcançado e estava bem<br />

posicionada como observadora, livre <strong>de</strong> participação, livre das cordas e dos gritos e <strong>de</strong><br />

nossa ausência fatal <strong>de</strong> cooperação. O que eu <strong>de</strong>screvo está influenciado também pelo<br />

que ela viu, pelo que nos dissemos no período imediato e obsessivo <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>rações:<br />

o "aftermath", como se diz em inglês, "conseqüências", mas também "segunda<br />

colheita", termo apropriado para o que se passou num campo à espera do primeiro corte<br />

<strong>de</strong> verão. O "aftermath", a segunda colheita, o crescimento estimulado por aquele<br />

primeiro corte <strong>de</strong> maio.<br />

Eu estou me contendo, segurando a informação. Estou me alongando no momento<br />

anterior, porque nesse instante <strong>ainda</strong> havia outros <strong>de</strong>sfechos possíveis; a convergência<br />

<strong>de</strong> seis figuras num espaço ver<strong>de</strong> plano é <strong>de</strong> uma geometria consoladora, da perspectiva<br />

do gavião, a superfície limitada e cognoscível <strong>de</strong> uma mesa <strong>de</strong> bilhar. As condições<br />

iniciais, a força e a direção da força <strong>de</strong>finem todos os rumos subseqüentes, todos os<br />

ângulos <strong>de</strong> colisão e retorno, e o fulgor da luz no alto banha o campo, o feltro ver<strong>de</strong> e<br />

todos os corpos em movimento <strong>de</strong> uma clarida<strong>de</strong> tranquilizadora. Enquanto<br />

convergíamos, acho que estávamos em estado <strong>de</strong> graça matemática. Se eu me alongo<br />

sobre nossa disposição, nossas distâncias relativas e os pontos car<strong>de</strong>ais é porque, no que<br />

toca a esses acontecimentos, essa foi a última vez que entendi, seja o que for, com<br />

clareza.<br />

Estávamos correndo na direção do quê? Não penso que qualquer um <strong>de</strong> nós<br />

soubesse inteiramente. Mas superficialmente a resposta é um balão. Não o espaço assim<br />

chamado que fica em torno à fala ou pensamento <strong>de</strong> um personagem <strong>de</strong> revista em<br />

quadrinhos ou, por analogia, o outro tipo, movido a mero ar. Era um enorme balão <strong>de</strong><br />

hélio, aquele gás fundamental, forjado a partir <strong>de</strong> hidrogênio na fornalha nuclear das<br />

estrelas, o primeiro passo no caminho da geração <strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong> e varieda<strong>de</strong> da<br />

matéria no universo, incluindo nós mesmos e todos os nossos pensamentos.<br />

Estávamos correndo na direção da catástrofe, que era ela mesma uma espécie <strong>de</strong><br />

fornalha, em cujo calor i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>stinos se curvariam em novos formatos. Na base<br />

do balão ficava um cesto, <strong>de</strong>ntro do qual estava um garoto, e ao lado do cesto, agarrado<br />

a uma corda, um homem precisando <strong>de</strong> ajuda.<br />

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