Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
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Nassar, que, narrado até o final por uma voz masculina, ganha outra dimensão, nas duas<br />
últimas páginas em que a jornalista, que sofria a ação, agora começa a narrá-la, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
começo, a partir <strong>de</strong> seu ponto <strong>de</strong> vista. Sintomaticamente é cortada no início <strong>de</strong> sua<br />
versão. 57<br />
Por outro lado, o livro "O gênero gauchesco", <strong>de</strong> Josefina Ludmer, escrito em<br />
1985, na Argentina, põe em ficção a <strong>de</strong>mocracia na crítica, ao trazer para a sua reflexão<br />
várias vozes que vão e voltam, ao pensar uma genealogia do presente a partir do uso das<br />
vozes e dos corpos dos gaúchos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes do estado liberal argentino. Um trabalho<br />
que, como outros, traz em sua enunciação a leitura <strong>de</strong> Bakhtin.<br />
No limite, nosso trabalho é a tentativa <strong>de</strong> diálogo com essas ficções para ler o<br />
dispositivo utilizado pelo <strong>Mais</strong>! ao colocar em cena a ficção da comemoração.<br />
Nesse sentido, um poema como "Presídio" po<strong>de</strong> ser lido na fronteira <strong>de</strong>ssas duas<br />
ficções, a da comemoração e a da <strong>de</strong>mocracia, principalmente pela voz que fecha o<br />
poema:<br />
O verão e seu fósforo<br />
Esquentam o presídio. 58<br />
A mudança da voz é também mudança <strong>de</strong> registro: da narração das falas anteriores<br />
para a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>ssas, on<strong>de</strong> a velha voz fecha e dá a ler as falas anteriores. Quase<br />
po<strong>de</strong>ríamos dizer, assim como no <strong>Mais</strong>!.<br />
Há <strong>de</strong> qualquer modo uma aproximação mimética entre as duas enunciações, e<br />
parece que a partir <strong>de</strong>sse gesto, do poema duplicando e fazendo ver o procedimento do<br />
veículo em que está impresso - junto com outros poemas, ensaios e gravuras - que<br />
po<strong>de</strong>mos ver: o que temos é uma <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> opinião e não <strong>de</strong> fato.<br />
As observações <strong>de</strong> Beatriz Sarlo são úteis para o nosso trabalho, mesmo que ela<br />
esteja referindo-se a um processo um pouco diferente. Segundo Sarlo, a partir dos anos<br />
80, a vi<strong>de</strong>opolítica mudou a forma da política, dando a impressão <strong>de</strong> imediação, e por<br />
isso, a partir do "ao vivo", as coisas viriam a público como elas são. Mas, conforme a<br />
autora:<br />
A vi<strong>de</strong>opolítica transforma a <strong>de</strong>mocracia representativa em <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> opinião.<br />
Nesse sentido, a vi<strong>de</strong>opolítica é uma extensão cultural da política na vida: é plebéia,<br />
57 Assim, também po<strong>de</strong>mos ler, em tempos <strong>de</strong> abertura, as obras <strong>de</strong> Adília Lopes e Lobo Antunes em<br />
Portugal. Ou <strong>de</strong> Juan Jose Saer, na Argentina.<br />
58 ALVIM, Francisco. Presídio. Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 9 set. 2001. <strong>Mais</strong>!, p. 20.<br />
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