Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
Mais, ainda - Centro de Comunicação e Expressão - UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
maçã:"Ao ler, vão-se formando as várias faces da mesma fruta, recortadas pela visão,<br />
até seu enquadramento final nesta cena maior" 31 .<br />
Po<strong>de</strong>ríamos ir além e dizer que, enquanto a voz vai produzindo cada ponto <strong>de</strong><br />
vista vai também compondo o poema, ou, <strong>de</strong> outro modo, o poema se faz "em torno" da<br />
maçã, nos <strong>de</strong>slocamentos e fixações. <strong>Mais</strong> que construir uma maçã, parece que o "em<br />
torno" constrói o poema.<br />
Na sua leitura, Arrigucci Jr. não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> perceber aí a relação entre arte e política<br />
presente no poema: "No modo <strong>de</strong> ser humil<strong>de</strong> da maçã, se po<strong>de</strong> reconhecer uma ética,<br />
para a qual o valor mais alto é o que não se mostra ostensivamente. Um sentido político<br />
<strong>de</strong>mocrático, pois supõe e <strong>de</strong>scobre o valor no dia-a-dia do povo, entre os pobres". 32<br />
O foco recai no reconhecimento do sublime como política <strong>de</strong>mocrática, que<br />
reclama a inclusão. O sentido profundo do poema revela-se - na forma como o crítico o<br />
lê, e porque ele o procura - nos pobres, no povo, como um "valor mais alto". Esse o<br />
milagre político do poema.<br />
Leitura datada das relações entre literatura e história, prioriza no poema o que ele<br />
retira (e dá valor) do mais baixo. Assim, a leitura do crítico é solidária com a última<br />
estrofe:<br />
E quedas tão simples<br />
Ao lado <strong>de</strong> um talher<br />
Num quarto pobre <strong>de</strong> hotel. 33<br />
Davi Arrigucci Jr. lê, nessa estrofe, a inclusão não explicitada do povo no poema.<br />
E, percebe, nessa inclusão, um sentido <strong>de</strong>mocrático (presente no poema). Acredito que<br />
essa atribuição <strong>de</strong> sentido é problemática ao ser universalizada. Parece funcionar bem<br />
como “memória do presente” em que Arrigucci Jr. publicou a leitura, em 1985,<br />
ocupando um número inteiro do Folhetim. Para chegar à leitura da inclusão, Arrigucci<br />
Jr. fez uma análise técnica dos pontos <strong>de</strong> vista que vão construindo a maçã. Gostaria <strong>de</strong><br />
pensar esses pontos <strong>de</strong> vista como políticos, porque neles po<strong>de</strong>mos ler tanto um<br />
questionamento da <strong>de</strong>mocracia quanto um questionamento dos usos que a indústria<br />
cultural fez <strong>de</strong>les, nos anos 90, ancorada na idéia <strong>de</strong> pluralismo.<br />
31 ARRIGUCCI JR., Davi. Humilda<strong>de</strong>, paixão e morte. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 23.<br />
32 ARRIGUCCI JR., Davi. Humilda<strong>de</strong>, paixão e morte. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 44.<br />
176