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Da teoria à terapia: o jeito de ser da gestalt - Novafapi

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Francisco Alberto <strong>de</strong> Brito Monteiro<br />

Júnior<br />

Psicólogo. Especialista em Psicologia <strong>da</strong> Educação.<br />

Aluno do Curso <strong>de</strong> Comunicação – Jornalismo <strong>da</strong><br />

UFPI.<br />

Submissão: 30/10/2009<br />

Aprovação: 30/11/2009<br />

Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.<br />

<strong>Da</strong> <strong>teoria</strong> <strong>à</strong> <strong>terapia</strong>: o <strong>jeito</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong> <strong>da</strong> <strong>gestalt</strong><br />

From the theory to the therapy: the way of being of <strong>gestalt</strong><br />

De la teoría a <strong>terapia</strong>: la manera <strong>de</strong> <strong>da</strong>r <strong>de</strong> la <strong>gestalt</strong><br />

RESUMO<br />

REFLEXÃO / REFLECTION / REFLECIONE<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma reflexão teórica acerca <strong>da</strong> evolução do conceito <strong>de</strong> Gestalt, palavra <strong>de</strong> origem alemã,<br />

passando pela Psicologia <strong>da</strong> Gestalt, até sua aplicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> prática <strong>de</strong>ntro do processo terapêutico,<br />

quando vem a <strong>ser</strong> chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Gestalt-<strong>terapia</strong>. Partindo <strong>da</strong> perspectiva do “todo” gestáltico, o<br />

su<strong>jeito</strong> é visto em seu aspecto mais dinâmico e completo, sendo parte integrante e inalienável do<br />

universo que o ro<strong>de</strong>ia. Universo esse holístico, on<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas estão interconecta<strong>da</strong>s entre<br />

si <strong>de</strong> modo indissociável. O <strong>gestalt</strong>-terapeuta é aquele que enxerga além do outro para que esse<br />

outro enxergue além <strong>de</strong>le próprio, quebrando seus bloqueios <strong>de</strong> contato e proporcionando-lhe um<br />

encontro pleno para consigo e com o mundo. Para tal, o <strong>gestalt</strong>-terapeuta precisa entrelaçar-se com<br />

a <strong>teoria</strong>, fazer <strong>de</strong>la uma arte vivencial, confundir-se com ela e permitir que seja transformadora tanto<br />

para si quanto para o cliente.<br />

Descritores: Gestalt. Psicologia. Terapia.<br />

ABSTRACT<br />

It is treated of a theoretical reflection about the evolution of the concept of Gestalt, word of German<br />

origin, going by the Psychology of Gestalt, until your practical applicability insi<strong>de</strong> of the therapeutic<br />

process, when it comes to be called Gestalt-therapy. Leaving of the perspective of the <strong>gestalt</strong>ic<br />

“whole”, the subject is seen in your more dynamic and complete aspect, being integral and inalienable<br />

part of the universe that surrounds him. Universe that holistic, where all the things are interconnected<br />

to each other inseparably. The <strong>gestalt</strong>-therapist is that that sees besi<strong>de</strong>s the other for that<br />

another to see besi<strong>de</strong>s him own, breaking the contact blocka<strong>de</strong>s of him and providing him a full<br />

encounter for I get and with the world. For such, the <strong>gestalt</strong>-therapist needs to interlace with the<br />

theory, to do a living art of it, to get confused with it and to allow that is so much changed for itself<br />

as for the client.<br />

Descriptors: Gestalt, Psychology, T herapy.<br />

RESUMEN<br />

Se trata <strong>de</strong> una reflexión teórica sobre la evolución <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> Gestalt, palabra <strong>de</strong> origen<br />

alemán, pasando por la Psicología <strong>de</strong> la Gestalt, hasta su aplicabili<strong>da</strong>d práctica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l proceso<br />

terapeutico, cuando viene a <strong>ser</strong> llama<strong>da</strong> <strong>de</strong> Gestalt-<strong>terapia</strong>. Partiendo <strong>de</strong> la perspectiva <strong>de</strong>l “todo”<br />

gestáltico, el sujeto es visto en su aspecto más dinámico y completo, siendo parte integrante e<br />

inalienable <strong>de</strong>l universo que está a su alre<strong>de</strong>dor. Universo ese holístico, don<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s las cosas están<br />

interconecta<strong>da</strong>s entre si <strong>de</strong> modo indisociable. El <strong>gestalt</strong>-terapeuta es aquél que ve a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> otro<br />

para que ese otro vea a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> él própio, quebrando sus bloqueos <strong>de</strong> contacto y proporcionándole<br />

un encuentro pleno para consigo y con el mundo. Para tal, el <strong>gestalt</strong>-terapeuta necesita enlazarse<br />

con la teoría, hacer <strong>de</strong> ella un arte vivencial, confundirse con ella y permitir que sea transformadora<br />

tanto para si cuanto para el cliente.<br />

Descriptores: Gestalt. Psicología. Terapia.<br />

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1 INTRODUÇÃO<br />

Segundo William Shakespeare (1564-1616), ‘Você faz suas escolhas<br />

e suas escolhas fazem você’. Essa frase <strong>de</strong> gênio, <strong>de</strong> alguém que não era<br />

psicólogo, mas que entendia, ou pelos menos tentava compreen<strong>de</strong>r, a<br />

complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência e, sobretudo, do <strong>ser</strong> humano, parece refletir<br />

a experiência-vivência <strong>de</strong> <strong>ser</strong> um <strong>gestalt</strong>-terapeuta. O indivíduo escolhe a<br />

Gestalt-<strong>terapia</strong> e a Gestalt-<strong>terapia</strong> escolhe o indivíduo.<br />

A Gestalt-<strong>terapia</strong> trabalha os sentimentos do outro, a fim <strong>de</strong><br />

que esse outro cumpra sua missão, perceba-se vivo e dinâmico e, sobretudo,<br />

cheio <strong>de</strong> infinitas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. O <strong>gestalt</strong>-terapeuta assume, portanto,<br />

função <strong>de</strong> catalisador <strong>da</strong> auto-percepção <strong>de</strong> si mesmo e do mundo,<br />

popularmente conheci<strong>da</strong> como awareness, a re<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que ain<strong>da</strong><br />

se está vivo e pronto para fechar velhas portas, atravessar novas janelas e<br />

fazer outros contatos plenos, necessitando, o <strong>gestalt</strong>-terapeuta, sentir realmente<br />

a interconexão <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas e <strong>ser</strong> um <strong>ser</strong>-no-mundo, tendo<br />

também consciência <strong>de</strong> sua própria consciência e do seu importantíssimo<br />

papel nessa re<strong>de</strong>scoberta do outro. No dizer do personagem Melquía<strong>de</strong>s,<br />

no livro Cem anos <strong>de</strong> solidão, “as coisas (to<strong>da</strong>s) têm vi<strong>da</strong> própria. Tudo é<br />

uma questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar a sua alma” (MÁRQUEZ, 2009).<br />

Este trabalho tem, pois, como objetivo fazer uma reflexão acerca<br />

<strong>de</strong> como a Gestalt passou <strong>de</strong> um conceito, a princípio abstrato, para se<br />

tornar uma psico<strong>terapia</strong> <strong>de</strong> fato, hoje absolutamente difundi<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />

Psicologia e com métodos eficazes <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> terapêutica, pondo o cliente<br />

em contato tanto consigo mesmo quanto com o outro, ampliando seu<br />

campo perceptivo. Do lado do terapeuta, a Gestalt-<strong>terapia</strong> implica to<strong>da</strong><br />

uma gama <strong>de</strong> sentimentos e sensações, uma vez que se faz necessário<br />

vestir realmente a camisa e vivenciar essa experiência humanista. O máximo<br />

que po<strong>de</strong> acontecer é todos saírem transformados ao final, na gran<strong>de</strong><br />

maioria <strong>da</strong>s vezes para melhor – terapeuta e cliente.<br />

2 DA PSICOLOGIA DA GESTALT À GESTALT-TERAPIA<br />

Gestalt é uma palavra alemã que não possui tradução exata para<br />

o português ou para qualquer outra língua, mas que, segundo Braghirolli<br />

et al (1997), significa, aproxima<strong>da</strong>mente, o todo, a estrutura, a forma, a<br />

organização. Engelmann (2002) credita isso ao fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX<br />

o substantivo alemão “Gestalt” possuir dois significados: um como forma e<br />

outro como enti<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta. Este último foi utilizado pelos <strong>gestalt</strong>istas<br />

<strong>de</strong> Berlim; por isso não se encontra a palavra em outras línguas, <strong>de</strong> modo<br />

que quando escreviam em outro idioma <strong>de</strong>cidiam mantê-la no original.<br />

Mais do que Gestalt, Ginger e Ginger (1995) colocam que o correto mesmo<br />

<strong>ser</strong>ia dizer Gestaltung, pois indica ação prevista, acaba<strong>da</strong> ou ain<strong>da</strong> em<br />

curso, implicando assim um processo <strong>de</strong> “formação”.<br />

Durante o século XIX e início do século XX, a Psicologia havia se<br />

consoli<strong>da</strong>do como um ramo <strong>da</strong> Biologia, e limitava-se a estu<strong>da</strong>r o comportamento<br />

do cérebro do homem. Época em que os estudos sobre a percepção<br />

humana <strong>da</strong> forma tinham em comum a análise atomista, procuravam<br />

o conjunto a partir <strong>de</strong> seus elementos. Sob esse ponto <strong>de</strong> vista, o homem<br />

ten<strong>de</strong>ria somente a perceber uma imagem por meio <strong>de</strong> suas partes componentes,<br />

compreen<strong>de</strong>ndo-as por associações <strong>de</strong> experiências passa<strong>da</strong>s.<br />

Em oposição direta a isto, ain<strong>da</strong> no início do século XX, surgiu<br />

a Teoria <strong>da</strong> Gestalt, ou “configuração”, com as idéias <strong>de</strong> psicólogos alemães<br />

e austríacos, como Christian von Ehrenfels (1859-1932), Wolfgang Köhler<br />

(1880-1943) e Kurt Koffka (1886-1941), juntamente com Max Wertheimer<br />

(1880-1943), inicialmente volta<strong>da</strong> apenas para o estudo <strong>da</strong> psicologia e<br />

dos fenômenos psíquicos. A Gestalt, entretanto, acabou ampliando seu<br />

campo <strong>de</strong> aplicação e tornou-se uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira corrente <strong>de</strong> pensamento<br />

filosófico. Segundo Schultz e Schultz (2001), o foco primordial <strong>da</strong> rebelião<br />

<strong>gestalt</strong>ista foi o aspecto <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Wilhelm Wundt acerca do seu atomismo<br />

ou elementarismo, o pressuposto wundtiano <strong>da</strong> condição fun<strong>da</strong>mental<br />

dos elementos sensoriais.<br />

A Teoria <strong>da</strong> Gestalt ou psicologia <strong>da</strong> Gestalt, afirma, entre outras<br />

coisas que não se po<strong>de</strong> ter conhecimento do todo por meio <strong>da</strong>s partes, e<br />

sim <strong>da</strong>s partes por meio do todo; os conjuntos possuem leis próprias e que<br />

são regi<strong>da</strong>s por seus elementos (e não o contrário, como antes se pensava);<br />

e só por intermédio <strong>da</strong> percepção <strong>da</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong> é que o cérebro po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> fato perceber, <strong>de</strong>codificar e assimilar uma imagem ou um conceito.<br />

Schultz e Schultz (2001) citam duas gran<strong>de</strong>s influências para essa noção<br />

<strong>gestalt</strong>ista <strong>da</strong> percepção: o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804),<br />

com a sua ênfase na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um ato perceptivo, e o movimento fenomenológico,<br />

quando refere <strong>à</strong> <strong>de</strong>scrição imparcial <strong>da</strong> experiência imediata<br />

tal como ela ocorre.<br />

Ginger e Ginger (1995) conceituam Gestalt como a psicologia<br />

segundo a qual o campo receptivo se organiza <strong>de</strong> maneira espontânea,<br />

sob a forma <strong>de</strong> conjuntos estruturados e significantes. Não se po<strong>de</strong> reduzir<br />

a percepção <strong>de</strong> uma totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>à</strong> soma dos estímulos percebidos, uma vez<br />

que o todo é diferente <strong>de</strong> suas partes. Máxima essa atribuí<strong>da</strong> aos <strong>gestalt</strong>istas<br />

que Engelmann (2002), por outro lado, consi<strong>de</strong>ra erra<strong>da</strong>, afirmando<br />

que a psicologia <strong>da</strong> Gestalt é anterior <strong>à</strong> existência <strong>da</strong>s partes, pois a Gestalt<br />

<strong>de</strong> início vai <strong>ser</strong> dividi<strong>da</strong> em partes.<br />

De acordo com Rodrigues (2006), a psicologia <strong>da</strong> Gestalt foi<br />

um campo estritamente experimental, que se ocupou em trazer questionamentos<br />

que foram contrários <strong>à</strong> visão mecanicista (causa-efeito) e <strong>à</strong> atomística<br />

(que tem o átomo como a menor parte ou elemento constitutivo<br />

<strong>da</strong>s coisas). Psicologia <strong>da</strong> Gestalt e Gestalt-<strong>terapia</strong> são, portanto, campos<br />

<strong>de</strong> atuação diferentes e preocupações distintas. Enquanto a psicologia <strong>da</strong><br />

Gestalt foi um campo <strong>de</strong> pesquisa que trouxe novas perspectivas para<br />

enten<strong>de</strong>r a maneira com a qual o homem se relaciona com o mundo, a<br />

Gestalt-<strong>terapia</strong> se preocupa com o campo clínico, com as técnicas <strong>de</strong> trabalho<br />

e estudos que visam <strong>da</strong>r ao homem as condições necessárias para<br />

seu próprio crescimento.<br />

Fritz Perls (1893-1970) é tido como o criador <strong>da</strong> Gestalt-<strong>terapia</strong>,<br />

que além <strong>de</strong> <strong>ser</strong> uma psico<strong>terapia</strong> é também compreendi<strong>da</strong> como uma<br />

autêntica filosofia existencial, uma “arte <strong>de</strong> viver”. Essa forma particular <strong>de</strong><br />

conceber as relações do indivíduo com o mundo enfatiza a toma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

consciência <strong>da</strong> experiência atual (“o aqui e o agora”, que inclui o ressurgimento<br />

eventual <strong>de</strong> uma vivência antiga) e reabilita a percepção emocional<br />

e corporal, pondo em <strong>de</strong>staque os processos <strong>de</strong> bloqueio, quando<br />

<strong>de</strong>smascara evitações, medos e inibições, assim como as ilusões, <strong>de</strong>ixando<br />

claro que ca<strong>da</strong> um é responsável por suas escolhas e suas evitações (GIN-<br />

GER; GINGER, 1995).<br />

A princípio, <strong>de</strong> acordo com Ginger e Ginger (1995), Perls, no<br />

ano do “batismo oficial” <strong>da</strong> nova <strong>terapia</strong>, 1951, nomeara seu método terapêutico<br />

<strong>de</strong> “<strong>terapia</strong> <strong>da</strong> concentração”, em oposição ao método psicanalítico<br />

<strong>da</strong> livre associação. Entretanto, essa concentração do cliente no presente,<br />

na experiência vivi<strong>da</strong> no “aqui e agora”, <strong>à</strong> época já não passava <strong>de</strong> um<br />

mero aspecto técnico, levando Perls a sugerir “Gestalt-<strong>terapia</strong>”, um nome<br />

mais global para o novo método. Apesar dos protestos dos pesquisadores<br />

<strong>gestalt</strong>istas, que acreditavam que o método <strong>de</strong> Perls não se encaixava na<br />

Teoria <strong>da</strong> Gestalt, o termo prevaleceu e se impôs em todo o mundo.<br />

Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), a Gestalt-<strong>terapia</strong> se ali-<br />

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menta <strong>da</strong> noção <strong>da</strong> psicologia <strong>da</strong> <strong>gestalt</strong> clássica. Advém, portanto, <strong>de</strong> um<br />

conjunto <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos sem fim e rudimentar que é apresentado pelo ambiente<br />

e organizado e mol<strong>da</strong>do pelo su<strong>jeito</strong> <strong>da</strong> percepção em “todos” que possuem<br />

forma e estrutura. “Todos” que são subjetivamente estruturados, e<br />

não os <strong>da</strong>dos brutos incognoscíveis componentes <strong>da</strong> experiência <strong>de</strong> uma<br />

pessoa. De acordo com Braghirolli et al (1997), os <strong>gestalt</strong>istas ilustram essa<br />

noção <strong>de</strong> “todo” mostrando que uma melodia, por exemplo, não po<strong>de</strong> <strong>ser</strong><br />

<strong>de</strong>composta em suas notas musicais componentes sem que perca a estrutura<br />

que a i<strong>de</strong>ntifica e, inversamente, se constituirá na mesma melodia<br />

toca<strong>da</strong> com outras notas (por exemplo, com uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> escala).<br />

Dessa perspectiva do “todo”, atribui-se <strong>à</strong> Gestalt um conceito<br />

holístico, no qual tudo está interconectado entre si, como fazendo parte,<br />

em essência, <strong>da</strong> mesma coisa, do mesmo todo que move o Universo.<br />

Quem pontua essa questão muito bem é Ginger e Ginger<br />

(1995, p. 84):<br />

A visão holística <strong>da</strong> Gestalt se in<strong>ser</strong>e, é evi<strong>de</strong>nte, nessa percepção do mundo<br />

– que po<strong>de</strong>ríamos qualificar <strong>de</strong> taoísta – em que nunca interessa ao terapeuta<br />

um sinal isolado, um gesto ou uma palavra, até um comportamento complexo<br />

mais elaborado, mas antes a interconexão permanente do indivíduo<br />

global com seu meio geral, social e cósmico, o todo num fluxo incessante que<br />

só po<strong>de</strong>mos apreen<strong>de</strong>r por uma vigilância constante, no aqui e agora, com<br />

seu cortejo ininterrupto <strong>de</strong> Gestalts que se formam, se realizam e se dissolvem<br />

num processo em perpétua turbulência.<br />

Dentro <strong>de</strong>sse fluxo contínuo, a experiência do self (eu) varia <strong>de</strong> tamanho<br />

e finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do que esteja acontecendo. Po<strong>de</strong>, por<br />

exemplo, diminuir, ficar ínfimo, quando se per<strong>de</strong> na contemplação <strong>de</strong> uma<br />

obra <strong>de</strong> arte ou se estar embriagado <strong>de</strong> amor, ou expandir, tomar to<strong>da</strong> a<br />

figura do awareness (consciência <strong>da</strong> consciência), quando se sente dor, no<br />

caso o self se torna a dor (PERLS et al, 1997).<br />

Po<strong>de</strong>-se compreen<strong>de</strong>r a partir <strong>de</strong>sse contexto um outro conceito<br />

importante em Gestalt: figura/fundo. De maneira simples, como abor<strong>da</strong>m<br />

Schultz e Schultz (2001), a figura <strong>ser</strong>ia o objeto ob<strong>ser</strong>vado para o qual temos<br />

uma tendência em organizar a percepção, enquanto o fundo <strong>ser</strong>ia o<br />

segundo plano sobre o qual a figura se <strong>de</strong>staca. Para Perls et al (1997), o<br />

processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> figura/fundo é dinâmico no qual as urgências e<br />

recursos do campo progressivamente emprestam suas forças ao interesse,<br />

brilho e potência dominante. Já Ponciano (1997), diz que a função do self<br />

é se colocar como figura e/ou fundo nas relações exteriores.<br />

A Gestalt-<strong>terapia</strong> como conhecemos atualmente possui diversas<br />

influências, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a psicologia <strong>da</strong> Gestalt <strong>à</strong> filosofia existencial, passando<br />

pela psicanálise <strong>de</strong> Freud (reformulando as <strong>teoria</strong>s dos mecanismos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e trabalho com os sonhos), a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> Kurt Lewin,<br />

as religiões orientais (como o Zen Budismo), a fenomenologia, e outras.<br />

De acordo com Ginger e Ginger (1995), <strong>da</strong> fenomenologia a Gestalt-<strong>terapia</strong><br />

reteve alguns aspectos. Entre os quais, po<strong>de</strong>mos citar a importância<br />

maior em <strong>de</strong>screver do que explicar (o como prece<strong>de</strong> o porquê) e a<br />

vivência imediata tal como é percebi<strong>da</strong> ou senti<strong>da</strong> corporalmente. Outro<br />

aspecto refere-se ao aqui e agora, o que conduz <strong>à</strong> importância <strong>de</strong> uma<br />

toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> consciência do corpo e do tempo vivido, como experiência<br />

única <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>ser</strong> humano. Do existencialismo, ela absorveu o primado<br />

<strong>da</strong> vivência concreta em relação aos princípios abstratos, a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> existência humana e a noção <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> pessoa<br />

que participa ativamente <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> seu projeto existencial e<br />

confere um sentido original ao que ocorre e ao mundo que a ro<strong>de</strong>ia, construindo<br />

assim sua liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

<strong>Da</strong> psicologia <strong>da</strong> <strong>gestalt</strong> apresenta<strong>da</strong> por Wertheimer, Kohler e Koffka,<br />

a Gestalt-<strong>terapia</strong> herdou alguns princípios gestataltistas <strong>da</strong> organi-<br />

Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.<br />

zação <strong>da</strong> percepção. Schultz e Schultz (2001) falam que esses princípios<br />

são essencialmente leis ou regras a partir <strong>da</strong>s quais organizamos o nosso<br />

mundo perceptivo. Essa organização acontece <strong>de</strong> forma espontânea e instantânea<br />

sempre que se vê ou se ouve diferentes formas ou padrões; assim<br />

partes do campo se combinam e se unem para formar estruturas que são<br />

distintas do fundo.<br />

Uma influência importante para a Gestalt-<strong>terapia</strong> foi a <strong>teoria</strong> do<br />

campo <strong>de</strong> Kurt Lewin (1890-1947). Este, <strong>de</strong> acordo com Ginger e Ginger<br />

(1995), extrapolou os princípios <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> <strong>da</strong> Gestalt para uma <strong>teoria</strong> geral<br />

do campo psíquico, estu<strong>da</strong>ndo a inter<strong>de</strong>pendência entre a pessoa e seu<br />

meio social, o que proporcionou a criação <strong>da</strong> dinâmica <strong>de</strong> grupos. Ponciano<br />

(1999) coloca que o pressuposto básico metodológico <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> <strong>de</strong><br />

campo é a relação pessoa/campo (ambiente), e que é a partir <strong>da</strong> noção<br />

<strong>de</strong> campo (pessoa/meio) que se pensa a questão <strong>da</strong> energia como força<br />

transformadora, por meio <strong>da</strong> emoção e <strong>da</strong>s relações pessoa-mundo.<br />

O campo é a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fatos co-existentes em <strong>da</strong>do momento<br />

e concebido em termos <strong>de</strong> mútua inter<strong>de</strong>pendência. Sua significação<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> percepção <strong>de</strong> correlação entre su<strong>jeito</strong> e objeto. O comportamento<br />

é <strong>de</strong>terminado por forças subjacentes no campo, que <strong>de</strong>ve <strong>ser</strong><br />

compreendido partindo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições psicológicas e não somente <strong>de</strong><br />

forças físicas ou fisiológicas. Po<strong>de</strong>-se perceber a tendência <strong>de</strong> a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong><br />

campo formar um conjunto <strong>de</strong> informações e postulados que aponta, em<br />

sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para um novo mo<strong>de</strong>lo, um novo paradigma <strong>de</strong> se enten<strong>de</strong>r<br />

a pessoa humana <strong>de</strong> maneira inteira e integradora (PONCIANO, 1999).<br />

Abor<strong>da</strong>ndo a “fronteira <strong>de</strong> contato”, margem flutuante on<strong>de</strong> ego e<br />

outro se encontram e algo acontece, Perls et al (1997) fala que é, precisamente,<br />

nesse local <strong>de</strong> encontros entre self e outro e <strong>de</strong> afastamento para<br />

ambos que a psicologia po<strong>de</strong> explicar melhor a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que as<br />

pessoas têm em mol<strong>da</strong>r sua própria experiência. A<strong>de</strong>mais, é na fronteira<br />

<strong>de</strong> contato que ocorre o crescimento, pois é on<strong>de</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> emergente<br />

<strong>de</strong> uma pessoa e o que está disponível no ambiente para satisfazê-<br />

-la se juntam ou se digladiam, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo se o encontro for amigável ou<br />

não-amigável. Esse “ciclo <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s” também po<strong>de</strong> <strong>ser</strong><br />

chamado <strong>de</strong> “ciclo <strong>de</strong> auto-regulação organísmica”, “ciclo <strong>de</strong> experiência”<br />

ou, como é popularmente conhecido, “ciclo do contato”.<br />

Em sua obra O Ciclo do Contato, Ponciano (1997) <strong>de</strong>fine contato<br />

como sendo sinônimo <strong>de</strong> encontro pleno, <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça, <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>. Contato<br />

possui um significado especial para o <strong>gestalt</strong>-terapeuta, uma vez que a<br />

Gestalt está centra<strong>da</strong> no conceito <strong>de</strong> contato e na natureza <strong>da</strong>s relações<br />

<strong>de</strong> contato <strong>da</strong> pessoa consigo e com o mundo exterior. O contato é, portanto,<br />

a matéria-prima <strong>da</strong> relação psicoterapêutica e <strong>de</strong>fine a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

processo. Tudo na natureza é contato e sem contato tudo per<strong>de</strong> o sentido.<br />

O universo do contato é o <strong>da</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, por isso é que a psico<strong>terapia</strong>,<br />

como função do contato, ocorre somente quando se faz a totali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Nesse sentido, totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, consciência e contato formam o tripé <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma força mobilizadora, síntese harmoniosa <strong>da</strong>s diferenças,<br />

fruto <strong>da</strong> relação <strong>de</strong> diferença eu-mundo e eu-no-mundo. O contato<br />

pleno acontece quando as funções sensitivas, motoras e cognitivas<br />

se unem, num dinâmico movimento <strong>de</strong>ntro-fora-<strong>de</strong>ntro, para, por meio<br />

<strong>de</strong> uma consciência emociona<strong>da</strong>, proporcionar no su<strong>jeito</strong> bem-estar, uma<br />

escolha, uma opção real por si mesmo (PONCIANO, 1997).<br />

3 APLICANDO A GESTALT-TERAPIA<br />

Como <strong>terapia</strong>, a Gestalt permite ao terapeuta lançar mão <strong>de</strong> alguns<br />

conceitos e técnicas no processo <strong>de</strong> aju<strong>da</strong> ao cliente. Estando a Gestalt<br />

51


centra<strong>da</strong> no conceito <strong>de</strong> contato, fala-se muito em “fechar <strong>gestalt</strong>”, quando<br />

o processo foi adiante e não ficou na<strong>da</strong> em aberto. Quando fica, quando as<br />

<strong>gestalt</strong>s não se fecham, é porque ocorreu um bloqueio em uma <strong>da</strong>s fases<br />

do ciclo, como postula Ponciano (1997).<br />

Dentre os bloqueios <strong>de</strong> contato, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar: fixação, o processo<br />

pelo qual o su<strong>jeito</strong> se apega excessivamente a pessoas, idéias ou coisas,<br />

e temendo surpresas diante do novo e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sente-se incapaz<br />

<strong>de</strong> explorar situações que flutuam rapi<strong>da</strong>mente, permanecendo fixado<br />

em coisas e emoções – medo <strong>de</strong> correr riscos; introjeção, que é o processo<br />

através do qual o su<strong>jeito</strong> obe<strong>de</strong>ce e aceita opiniões arbitrárias, normas e<br />

valores que pertencem aos outros, engolindo coisas dos outros sem querer,<br />

e sem conseguir <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus direitos por medo <strong>da</strong> sua própria agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

e <strong>da</strong> dos outros – gosta <strong>de</strong> <strong>ser</strong> mimado; e projeção, processo pelo<br />

qual o su<strong>jeito</strong> possui dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar o que é seu, atribuindo ao<br />

outro, ao mau tempo, coisas <strong>de</strong> que não gosta em si próprio, bem como<br />

a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelos seus fracassos. Desconfia <strong>de</strong> todo mundo como<br />

prováveis inimigos – gosta que os outros façam as coisas no seu lugar.<br />

Em contraposição aos bloqueios <strong>de</strong> contato, temos os fatores <strong>de</strong><br />

cura, que estão sempre atrelados aos primeiros, <strong>de</strong>stacando-se: flui<strong>de</strong>z,<br />

processo pelo qual o su<strong>jeito</strong> se movimenta, localiza-se no tempo e no<br />

espaço, <strong>de</strong>ixando posições antigas e renovando-se, mais solto e espontâneo<br />

e com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar e recriar a própria vi<strong>da</strong>; consciência: processo<br />

pelo qual se dá conta <strong>de</strong> si mesmo <strong>de</strong> maneira mais clara e reflexiva, está<br />

mais atento ao que ocorre <strong>à</strong> sua volta, percebe-se relacionando com mais<br />

reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong> com as pessoas e coisas; e mobilização, processo pelo qual<br />

sente necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se mu<strong>da</strong>r, <strong>de</strong> exigir seus direitos, <strong>de</strong> separar suas<br />

coisas <strong>da</strong>s dos outros, <strong>de</strong> sair <strong>da</strong> rotina, <strong>de</strong> expressar seus sentimentos exatamente<br />

como sente e <strong>de</strong> não ter medo <strong>de</strong> <strong>ser</strong> diferente.<br />

Ponciano (1997) postula que a idéia do ciclo como processo terapêutico<br />

passa pela compreensão <strong>de</strong> que o processo <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> ou <strong>da</strong> cura<br />

possui uma lógica, uma seqüência na qual uma coisa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> outra<br />

e on<strong>de</strong> tudo afeta tudo. Entretanto, nenhuma pessoa está em um único<br />

ponto no Ciclo do Contato, e sim em vários, seja na direção <strong>da</strong> cura, seja na<br />

direção dos bloqueios, mesmo porque ca<strong>da</strong> ponto do ciclo contém todos<br />

os outros. Por outro lado, a pessoa geralmente está mais em um ponto do<br />

que em outro, por isso se po<strong>de</strong> dizer que alguém é mais tipicamente um<br />

introjetor, um confluente e assim por diante.<br />

Em relação <strong>à</strong>s técnicas utiliza<strong>da</strong>s pela Gestalt, Ginger e Ginger<br />

(1995) colocam que elas só têm sentido em seu contexto global, isto é,<br />

integra<strong>da</strong>s em um método coerente e pratica<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com uma filosofia<br />

geral. Assim, o essencial <strong>da</strong> Gestalt não está em suas técnicas, e sim<br />

no espírito geral do qual ela proce<strong>de</strong> e que as justifica.<br />

Ginger e Ginger (1995) citam também algumas <strong>da</strong>s técnicas que<br />

a Gestalt usa, como, por exemplo, o exercício <strong>de</strong> awareness, que se trata<br />

<strong>de</strong> estar atento ao fluxo constante <strong>da</strong>s sensações físicas (exteroceptivas<br />

e proprioceptivas), dos sentimentos, <strong>de</strong> tomar consciência <strong>da</strong> sucessão<br />

ininterrupta <strong>de</strong> “figuras” que aparecem no primeiro plano, sobre o “fundo”<br />

formado pelo conjunto <strong>da</strong> situação que se vive e do su<strong>jeito</strong> que se é, no<br />

plano corporal, emocional, imaginário, racional ou comportamental. Tem-<br />

-se, também, o hot seat (ca<strong>de</strong>ira quente), uma <strong>da</strong>s técnicas mais utiliza<strong>da</strong>s<br />

pelos <strong>gestalt</strong>-terapeutas. Coloca-se o cliente diante <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ira vazia,<br />

na qual, conforme sua vonta<strong>de</strong>, ele po<strong>de</strong> projetar um personagem imaginário<br />

com o qual <strong>de</strong>seja se relacionar. Esta é uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> do cliente<br />

expressar o que está preso em sua garganta. Depois, ele se coloca no lugar<br />

<strong>de</strong>sse personagem imaginário e elabora uma resposta para si mesmo. Geralmente,<br />

obtém uma nova dimensão para a sua angústia.<br />

Uma outra técnica, o monodrama se trata <strong>de</strong> uma variação do<br />

psicodrama, em que o próprio protagonista <strong>de</strong>sempenha, <strong>de</strong> maneira<br />

alterna<strong>da</strong>, os diferentes papéis <strong>da</strong> situação por ele evoca<strong>da</strong> (ele mesmo,<br />

a esposa, os filhos, o chefe). Troca sempre <strong>de</strong> lugar quando for mu<strong>da</strong>r <strong>de</strong><br />

papel para que a situação fique clara. Essa técnica facilita a encenação do<br />

próprio sentimento, <strong>à</strong> medi<strong>da</strong> que este emerge <strong>da</strong> situação, sem interferência<br />

eventual na problemática pessoal <strong>de</strong> um parceiro anterior, que<br />

po<strong>de</strong> não estar na mesma sintonia, como ocorre no psicodrama. Por fim, a<br />

amplificação, que torna mais explícito o que está implícito, projetando na<br />

cena exterior aquilo o que acontece na cena interior. Permite, assim, que<br />

todos adquiram mais consciência do modo como se comportam aqui e<br />

agora, na “fronteira do contato” com o meio.<br />

Além <strong>da</strong>s cita<strong>da</strong>s, existem diversas outras técnicas e maneiras <strong>de</strong><br />

se trabalhar em Gestalt-<strong>terapia</strong>. Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do estilo pessoal <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

terapeuta, <strong>de</strong> seu modo <strong>de</strong> <strong>ser</strong>, uma vez que <strong>ser</strong> <strong>gestalt</strong>-terapeuta está<br />

intimamente associado <strong>à</strong> própria vivência do terapeuta como humanista,<br />

ao modo <strong>de</strong> perceber o mundo e a si mesmo.<br />

No enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Erthal (2004), o principal instrumento <strong>de</strong> trabalho<br />

do psicólogo é ele próprio. Ela <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma compreensão fenomenológica<br />

do cliente, apoia<strong>da</strong> na <strong>de</strong>scrição que ele traz para <strong>de</strong>ntro do<br />

consultório, na vivência <strong>de</strong>le <strong>de</strong> sua própria situação. Cabe ao terapeuta a<br />

função <strong>de</strong> receptor sem valores morais (ou seja, neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta),<br />

consi<strong>de</strong>rando o contexto, a día<strong>de</strong> e o sentido certo <strong>da</strong> comunicação <strong>de</strong>sse<br />

cliente. A interação profissional-cliente nunca po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> unilateral,<br />

uma vez que existe um impacto que ca<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> día<strong>de</strong> estabelece<br />

na relação.<br />

É pela fala e pela linguagem que as pessoas comunicam seus sentimentos,<br />

pensamentos e intenções. Mas, apesar <strong>de</strong>ssa função social, há<br />

ain<strong>da</strong> a função egocêntrica, na qual não existe preocupação em saber<br />

com que se está falando. Trata-se <strong>de</strong> um falar para si mesmo, o que expressa<br />

uma forma aliena<strong>da</strong> e onipotente. To<strong>da</strong> linguagem é uma forma<br />

<strong>de</strong> comportamento interpessoal. A personali<strong>da</strong><strong>de</strong> do falante está incluí<strong>da</strong><br />

no comunicado pela própria forma sutil ou discreta como se expressa.<br />

Não se po<strong>de</strong> não comunicar (no sentido <strong>de</strong> que não é possível conceber<br />

a não-expressão), pois o silêncio, a forte introspecção, já é em si uma comunicação.<br />

O trabalho do terapeuta é, praticamente, seguir as falas <strong>de</strong><br />

seu cliente, mescla<strong>da</strong>s pela criteriosa escolha <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> intervenção feita<br />

(ERTHAL, 2004).<br />

Erthal (2004) articula <strong>de</strong>z tipos <strong>de</strong> intervenções para que o terapeuta<br />

baseie ca<strong>da</strong> vivência, ca<strong>da</strong> momento entre ele e o cliente, e assim<br />

conduza a sessão sempre se apoiando na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do seu cliente, naquilo<br />

o que ele está, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, trazendo para o âmbito do<br />

consultório e para a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>terapia</strong>. Dentre as intervenções, po<strong>de</strong>-se<br />

<strong>de</strong>stacar: a refletora <strong>de</strong> vivências emocionais (interpretação vivencial), na<br />

qual o terapeuta transcen<strong>de</strong> o conteúdo verbal <strong>da</strong>quilo que é expresso<br />

pelo cliente a fim <strong>de</strong> obter uma compreensão do sentimento contido nas<br />

formulações e assim expressar esse sentimento <strong>de</strong> maneira correta; a inquisitiva,<br />

talvez uma <strong>da</strong>s mais usa<strong>da</strong>s, na qual a intenção do terapeuta é<br />

obter <strong>da</strong>dos maiores sobre um <strong>de</strong>terminado assunto, estimulando o cliente<br />

a continuar falando, com especificação do foco <strong>de</strong> atenção. As perguntas<br />

po<strong>de</strong>m facilitar o campo perceptual do cliente, transmitir o interesse<br />

do terapeuta em pesquisar com mais profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> o assunto, no entanto<br />

é preciso cui<strong>da</strong>do para não usar em <strong>de</strong>masia e banalizar a intervenção. O<br />

psicólogo iniciante geralmente fica ansioso e conduz a entrevista com um<br />

bombar<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> perguntas que “facilitam” a sua atuação, bloqueando<br />

o fluxo espontâneo <strong>da</strong> comunicação do cliente, que por sua vez termina se<br />

52 Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.


acostumando a <strong>ser</strong> in<strong>da</strong>gado e apenas espera pela próxima pergunta; e o<br />

confronto, cujo objetivo é mostrar as contradições que o cliente apresenta,<br />

a fim <strong>de</strong> possibilitar maneiras novas <strong>de</strong> se perceber. As respostas <strong>de</strong> conteúdo<br />

não-verbal facilitam esse confronto ao apontar para as discrepâncias,<br />

como, por exemplo, o cliente relatar algum acontecimento triste só que<br />

com uma expressão <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isso <strong>de</strong>monstra uma incongruência que<br />

po<strong>de</strong> <strong>ser</strong> a indicação <strong>de</strong> alguma coisa com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> acarretar efeitos <strong>de</strong><br />

significativa mu<strong>da</strong>nça no <strong>jeito</strong> em que a pessoa vê a si mesma e sente a si<br />

mesma na frente do outro.<br />

É fácil, por fim, obter a percepção <strong>de</strong> que a Gestal-<strong>terapia</strong> se apóia<br />

na relação terapeuta-cliente, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma visão holística e, sobretudo,<br />

humanista, para alcançar o resultado a que se propõe – um resgate <strong>da</strong><br />

harmonia e do bom funcionamento do organismo, em todos os aspectos<br />

(físicos, psicológicos) que o circun<strong>da</strong>m.<br />

Segundo Car<strong>de</strong>lla (1994), para que a relação tenha realmente natureza<br />

terapêutica, <strong>de</strong>ve ocorrer o fenômeno do amor, concebido pela<br />

autora como um estado e um modo <strong>de</strong> <strong>ser</strong> caracterizados pela integração<br />

e diferenciação <strong>de</strong> um indivíduo, que lhe permite ver, aceitar e encontrar<br />

o outro como único, singular e semelhante na condição <strong>de</strong> humano. O<br />

amor é a polari<strong>da</strong><strong>de</strong> oposta do egocentrismo e do sofrimento emocional,<br />

o amor é <strong>de</strong> natureza incondicional, o que implica a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

amar o diferente e não apenas o semelhante, e, quando recíproco na relação,<br />

proporciona aos indivíduos um sentimento mútuo (do latim muto,<br />

que significa mu<strong>da</strong>r) <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> tornar possível o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />

Encontro, proporciona também um sentimento <strong>de</strong> transcendência <strong>de</strong> si<br />

mesmo e <strong>de</strong> harmonia com a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e a existência. Envolve fatores<br />

como maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> emocional, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e posse <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>,<br />

auto-sustentação e in<strong>de</strong>pendência em relação aos outros. Nas palavras românticas<br />

do gran<strong>de</strong> poeta <strong>Da</strong>nte Alighieri (1265-1321): ‘O amor me move:<br />

só por ele eu falo’.<br />

Refletindo sobre o “amor terapêutico”, Car<strong>de</strong>lla (1994) acredita que<br />

na relação terapeuta-cliente o amor po<strong>de</strong> acontecer e se manifesta sob<br />

características distintas <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> amar. As atitu<strong>de</strong>s amorosas<br />

do terapeuta facilitam o <strong>de</strong>senvolvimento do potencial <strong>de</strong> amor do<br />

cliente, <strong>de</strong>vendo <strong>ser</strong> a base para o trabalho psicoterapêutico, juntamente<br />

com conhecimentos teóricos, filosóficos e técnicos, sem os quais a relação<br />

terapêutica <strong>ser</strong>ia, obviamente, <strong>de</strong>scaracteriza<strong>da</strong>. O trabalho terapêutico é,<br />

BRAGHIROLLI, E. M. et al. Psicologia geral. 14. ed. Petrópolis (RJ): Vozes,<br />

1997.<br />

ENGELMANN, A. A psicologia <strong>da</strong> <strong>gestalt</strong> e a ciência empírica contemporânea.<br />

Teoria. e Pesquisa. 2002, vol.18, no.1, p.1-16.<br />

GINGER, S., GINGER, A. Gestalt: uma <strong>terapia</strong> do contato. 2. ed. São Paulo<br />

(SP): Summus, 1995.<br />

MÁRQUEZ, G. G.Cem anos <strong>de</strong> solidão. Editora: Record , 2009.<br />

SCHULTZ, D. P., SCHULTZ, S. E. História <strong>da</strong> psicologia mo<strong>de</strong>rna. 14. ed. São<br />

Paulo (SP): Cutrix, 2001.<br />

RODRIGUES, H. E. O que é “<strong>gestalt</strong>-<strong>terapia</strong>”? Disponível em .<br />

Acesso em: 10 jan. 2006.<br />

Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.<br />

REFERÊNCIAS<br />

em si, uma prática <strong>de</strong> amor, pela qual o terapeuta cria condições para que<br />

o cliente possa ouvir, ver, compreen<strong>de</strong>r, aceitar e amar a si mesmo.<br />

Parafraseando seu próprio conceito <strong>de</strong> amor, Car<strong>de</strong>lla (1994, p.<br />

59) <strong>de</strong>fine: “O amor terapêutico manifesta-se através <strong>de</strong> um estado e um<br />

modo <strong>de</strong> <strong>ser</strong> caracterizados pela integração e diferenciação <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

que nos permite ver, aceitar e encontrar o outro (cliente) como um<br />

<strong>ser</strong> único, diferenciado, e semelhante na sua condição <strong>de</strong> humano”.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Ser um <strong>gestalt</strong>-terapeuta é estar em contato pleno com to<strong>da</strong>s as<br />

coisas, com todos os pontos infinitos que integram o Universo, seja o físico<br />

ou o psicológico. E isso constantemente, pois não existe hora marca<strong>da</strong><br />

para se aju<strong>da</strong>r uma pessoa; o <strong>gestalt</strong>-terapeuta não permanece <strong>gestalt</strong>-terapeuta<br />

somente <strong>de</strong>ntro do consultório, mas, sobretudo, fora <strong>de</strong>le, quando<br />

vai para casa, quando enfrenta a fila do pão, quando está entre amigos,<br />

quando também precisa <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>.<br />

Trata-se <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que temos perante nós mesmos e o<br />

outro, esse outro que é a essência do <strong>gestalt</strong>-terapeuta, cuja meta é ajudá-<br />

-lo, abraçá-lo, mostrar que ele não está sozinho. O filósofo Platão (428/27<br />

a.C. – 347 a.C.) postulou algo inusitado, que nem por isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>ser</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro: ‘O corpo humano é a carruagem, eu, o homem que a conduz,<br />

os pensamentos as ré<strong>de</strong>as, os sentimentos são os cavalos’. O <strong>gestalt</strong>-terapeuta<br />

<strong>ser</strong>ia aquele que alimentaria os cavalos na noite anterior para que a<br />

viagem flua harmoniosa e chegue ao seu <strong>de</strong>stino, a fim <strong>de</strong> que a carruagem<br />

cumpra sua missão existencial e tenha, ela própria, sentido.<br />

Para <strong>ser</strong> <strong>gestalt</strong>-terapeuta, portanto, é preciso amar incondicionalmente<br />

e ver o outro (cliente) como a si próprio, transcen<strong>de</strong>r o técnico e o<br />

profissional e <strong>ser</strong>, sobretudo, um artista, já que Perls diz que a Gestalt-<strong>terapia</strong><br />

é uma arte, uma arte do bem, <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> harmonia que precisam <strong>ser</strong><br />

busca<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. Não basta apenas ter afini<strong>da</strong><strong>de</strong> e conhecer<br />

a <strong>teoria</strong>, é necessário confundir-se com ela, uma vez que Gestalt-<strong>terapia</strong> é,<br />

acima <strong>de</strong> tudo, um <strong>jeito</strong> <strong>de</strong> <strong>ser</strong>.<br />

PERLS, F. S., HEFFERLINE, R., GOODMAN, P. Gestalt-<strong>terapia</strong>. Tradução Fernando<br />

Rosa Ribeiro. 2. ed. São Paulo (SP): Summus, 1997.<br />

RIBEIRO, J. P. O ciclo do contato. 2. ed. São Paulo (SP): Summus, 1997.<br />

________. Gestalt-<strong>terapia</strong> <strong>de</strong> curta duração. 2. ed. São Paulo (SP): Summus,<br />

1999.<br />

YONTEF, G. M. Processo, diálogo e awareness. São Paulo (SP): Summus,<br />

1998.<br />

ERTHAL, T. C. S. Treinamento em psico<strong>terapia</strong> vivencial. São Paulo (SP): Livro<br />

Pleno, 2004.<br />

CARDELLA, B. H. P. O amor na relação terapêutica: uma visão gestáltica. 3.<br />

ed. São Paulo (SP): Summus, 1994.<br />

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