Orações de sapiência - Universidade de Coimbra
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INTRODUÇÃO<br />
da tranquilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espírito (requisitos ambos que, consoante sabeis, sobremaneira<br />
se requerem para a activida<strong>de</strong> literária), mas também me vira embaraçado em parte<br />
pelo <strong>de</strong>sgosto e em parte por ocupações, afrontaria <strong>de</strong> modo temerário os juízos<br />
variados e as diversas disposições <strong>de</strong> espírito dos homens. É que, como tivesse<br />
recebido a 13 <strong>de</strong> Agosto uma assaz triste e dolorosa carta noticiando a morte do<br />
meu primo co-irmão Fernando do Campo, em quem <strong>de</strong>positava afecto e esperança,<br />
<strong>de</strong> imediato parti a encontrar-me com a sua irmã Leonor, que me chamara, a fim <strong>de</strong>,<br />
para tratar diante do sereníssimo rei dos interesses <strong>de</strong>la, cujo patrocínio e <strong>de</strong>fesa,<br />
em conformida<strong>de</strong> com a vossa excepcional humanida<strong>de</strong> e bonda<strong>de</strong>, tomastes a vosso<br />
cargo, tudo aprontar segundo as vossas or<strong>de</strong>ns.<br />
Mas, uma vez que não posso resistir a amigos que me pe<strong>de</strong>m uma coisa que<br />
parecia honrosa, apoiando-me na vossa ajuda, nobilíssimo senhor, arrostei este<br />
risco <strong>de</strong> sair à luz pública. E assim atrevi-me, por muitas razões, a oferecer-vos um<br />
pequenino presente: não apenas porque a nossa Aca<strong>de</strong>mia encontrou em vós um<br />
egrégio apologista e patrono <strong>de</strong> todos os estudos, <strong>de</strong> tal maneira que não duvido<br />
<strong>de</strong> que acolheis <strong>de</strong> bom grado e le<strong>de</strong>s com alegria e entusiasmo tudo quanto se vos<br />
<strong>de</strong>dique acerca do louvor das ciências, mas também porque com toda a justiça vos<br />
<strong>de</strong>veria <strong>de</strong>volver como vosso este fruto do meu parco engenho, por poucochinho<br />
que ele valha, porquanto, todas as vezes que me dirigia ao vosso paço, esperando<br />
ajuda para os assuntos da minha prima, sempre a vossa nobilíssima e ameníssima<br />
boca, que dá mostras <strong>de</strong> tamanho brilho <strong>de</strong> inteligência e erudição, 50 sobremodo<br />
me inspirava para escrever; acresce também que vós vos singularizais por aquelas<br />
virtu<strong>de</strong>s que melhor quadram ao príncipe perfeito: a afabilida<strong>de</strong> e a bonda<strong>de</strong>.<br />
Por conseguinte, ao aceitar<strong>de</strong>s este pequeno discurso, porquanto, embora <strong>de</strong><br />
somenos, vos está <strong>de</strong>dicado, lembrai-vos daquele dito <strong>de</strong> Artaxerxes: É próprio do<br />
rei receber coisas pequenas. 51<br />
Acudireis à minha prima Leonor, <strong>de</strong> quem, se a não tomar<strong>de</strong>s sob a vossa<br />
protecção, estou certo <strong>de</strong> que mais <strong>de</strong>plorarei a miséria e <strong>de</strong>samparo do que me<br />
punge a sauda<strong>de</strong> do irmão; lembrai-vos que, ao nascer<strong>de</strong>s príncipe, recebestes <strong>de</strong><br />
Deus Óptimo Máximo a obrigação <strong>de</strong> socorrer.<br />
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50 Parece não haver exagero áulico nestes encarecimentos dos dotes intelectuais do duque<br />
D. João <strong>de</strong> Lencastre (1501-1571), a darmos crédito às palavras com que D. Jerónimo Osório<br />
se lhe refere no f. 103 vº do tratado dialogado De regis institutione et disciplina, Lisboa, João<br />
<strong>de</strong> Espanha, 1571, que aqui apresentamos na nossa versão: “Acabando eu <strong>de</strong> dizer isto, interveio<br />
então D. Francisco <strong>de</strong> Portugal: – Como eu gostaria que o duque <strong>de</strong> Aveiro, D. João, tivesse<br />
podido estar presente nesta nossa conversa! Tenho a certeza <strong>de</strong> que ter-lhe-ia sido <strong>de</strong> muito<br />
prazer! – Quanto a mim, disse eu, não sinto gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgosto por ele não estar presente, pois<br />
se aqui estivesse ter-nos-ia podido amedrontar com a sua inteligência, que é po<strong>de</strong>rosíssima.”<br />
Vd. D. Jerónimo Osório, Da Ensinança e Educação do Rei, Tradução, introdução e anotações<br />
<strong>de</strong> A. Guimarães Pinto, Lisboa, INCM, 2005, pp. 158-159.<br />
51 Cf. Plutarco, Artaxerxes, 5.<br />
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