Orações de sapiência - Universidade de Coimbra

ORAÇÃO DE TODAS AS PARTES DA FILOSOFIA
nas nossas inteligências e ensinou o verdadeiro e constante fundamento da virtude,
que só pode ser cultivada por aqueles a quem nenhuma paixão estorva, nenhum
acesso de ira perturba o raciocínio, que não se deixam agitar pelo ódio ou pelas
ofensas de quem quer que seja, nem planeiam qualquer vingança quando os injuriam.
Estes, em suma, não se preocupam com o ruído dos homens, mas sustenta-os a
própria consciência do bem.
Ensinou depois qual era o sumo e último dos bens, a saber, aquele Nume superior,
de altíssima inteligência a quem veneramos como Deus, criador e arquitecto do
universo. Assim como dizemos que o fim do fogo, da água e de todas as outras
coisas é aquele ao qual essas próprias coisas, se nada se opõe, são atraídas por
uma tendência inata, assim também o fim do homem é Deus a quem buscamos
guiados pela natureza, e do qual os que vierem a ser participantes receberão a
maior felicidade, mediante toda a espécie de venturas.
Por último ensinou com que adornos deve embelezar-se a alma e por que degraus
subiríamos ao céu, [12, aliás 21] onde, contemplando perpetuamente aquela luz
divina, gozássemos duma vida felicíssima, bela e fecunda, livres de toda a espécie
de males e repletos, para sempre, de todos os bens.
Lá contemplaremos Deus sentado no sólio da sua majestade; veremos também
as maravilhas da sua omnipotência, maravilhas que, no dizer do Apóstolo, 86 o
homem não tem possibilidade de exprimir; veremos o que está no céu e debaixo
do céu, pois, como diz Santo Agostinho, o que há que escape à vista daquele que
vir O que vê tudo? 87
Isto desconheceu-o a ciência de Platão, isto ignorou-o a eloquência de
Demóstenes. 88 Deus escondeu dos sábios e prudentes deste mundo estes mistérios,
que havia de revelar um dia aos seus pequeninos. 89
É desta sabedoria que fala S. Paulo aos cristãos, não da sabedoria deste mundo que
desaparece, mas da que está escondida no mistério de Deus e que ele predestinou
antes dos séculos, a qual une a Igreja a Cristo e canta o suave epitalâmio dessas
núpcias santas. 90
Afastem-se já daqui e fujam os que buscam outros amores. Longe daqui profanos,
longe! Este lugar é sagrado, deixai-o. Aqui não se canta para vós. Não são estes
os hinos de Vénus, não são aqui os jardins de Adónis 91 que procurais. Cante-vos
a vossa Vénus, ide-vos para as vossas sereias, que vos atraiam a Sirte e Caríbdis. 92
Esgotai vossas circeias beberagens 93 que vos transformem em monstruosos animais.
Aqui ressoa apenas para nós a voz de Jesus Salvador, medicina da alma enferma, 94
e que afasta das coisas humanas todo o impulso do espírito.
Efectivamente mostra que nada há na terra que se deva temer mais: nem a morte
que só traz a destruição do corpo, mas não atinge a alma, nem a orfandade, nem
outros males idênticos que, se prejudicam o corpo, não podem todavia abalar os
recursos da alma imortal. Dispõe também para a caridade, beneficência e moderação
de espírito.
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