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Para o alto e avante - Guia dos Quadrinhos

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UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE<br />

JANEIRO<br />

PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em<br />

quadrinhos à conquista do mundo, a construção do mito do<br />

Superman<br />

Marcelo Daltro Delgado<br />

RIO DE JANEIRO


2010<br />

MARCELO DALTRO DELGADO<br />

PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em quadrinhos à<br />

conquista do mundo, a construção do mito do Superman<br />

Monografia apresentada ao<br />

Departamento de História do<br />

Instituto de Filosofia e Ciências<br />

Sociais, como requisito parcial<br />

para obtenção do título de<br />

Bacharel em História.<br />

Orientador:<br />

Professor Rodrigo Farias de<br />

Sousa<br />

2


RIO DE JANEIRO<br />

2010<br />

3


FICHA CATALOGRÁFICA<br />

4


MARCELO DALTRO DELGADO<br />

PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em quadrinhos à<br />

conquista do mundo, a construção do mito do Superman<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

Rodrigo Farias de Sousa<br />

Professor Orientador<br />

Monografia apresentada ao<br />

Departamento de História do<br />

Instituto de Filosofia e Ciências<br />

Sociais, como requisito parcial<br />

para obtenção do título de<br />

Bacharel em História.<br />

______________________________<br />

________________________________<br />

Rio de Janeiro, Dezembro de 2010<br />

5


6<br />

“Acreditamos em heróis porque<br />

acreditamos em nós mesmos”.<br />

Jack Kirby


7<br />

À minha esposa Patricia e meu filho<br />

Daniel, meus verdadeiros heróis.


Agradecimentos<br />

À minha esposa Patricia, minha companheira, que sempre acreditou em mim e<br />

que teve que ler e reler inúmeras vezes esta monografia.<br />

Ao meu filho Daniel, minha fonte de inspiração para realização deste trabalho<br />

À Professa Juliana Almeida pela derradeira chance.<br />

Ao Professor Orientador Rodrigo Farias por ter acreditado neste projeto e<br />

confiado em mim, aceitando-me como orientando.<br />

À amiga e Professora Isabel Romeo pela ajuda inicial neste projeto.<br />

Aos amigos e Professores Dennis Mathias e Cláudia Mendes pela ajuda no<br />

levantamento bibliográfico e pelas inúmeras discussões sobre o tema.<br />

Aos meus pais, Paulo e Jane, pelo afeto e educação que ajudaram a formar meu<br />

caráter.<br />

À minha sogra, Sandra, e família pela ajuda nos momentos difíceis.<br />

A to<strong>dos</strong> os fãs de histórias em quadrinhos que criam um verdadeiro acervo virtual,<br />

possibilitando às novas gerações a pesquisa sobre o tema.<br />

A dois jovens judeus, um estadunidense e outro canadense que acreditaram que<br />

o homem podia voar.<br />

A to<strong>dos</strong> que direta ou indiretamente ajudaram a confecção e realização deste<br />

trabalho.<br />

8


RESUMO<br />

Este trabalho visa o estudo da construção do mito do Superman através de<br />

uma análise histórica, antropológica e semiológica das primeiras publicações do<br />

personagem, durante a proclamada Era de Ouro das Histórias em <strong>Quadrinhos</strong><br />

(1938-1955). Observaremos os elementos que formaram seu caráter mitológico, a<br />

sua influência na sociedade estadunidense. Ao mesmo tempo em que origina um<br />

novo tipo de narrativa em quadrinhos, os denomina<strong>dos</strong> super-heróis,<br />

observaremos a transformação do personagem, e desta forma a própria<br />

sociedade que o origina, de um vigilante fora da lei para um elemento ideológico,<br />

político e cultural <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, representando o seu imaginário social e<br />

seus valores morais através do American way.<br />

Palavras chave: história, Superman, mito, quadrinhos, ideologia, política,<br />

propaganda, guerra, nação, imaginário social.<br />

9


SUMÁRIO<br />

1.1.História em quadrinhos como objeto histórico...........................................................16<br />

1.2.Os primeiros passos: do cômico à aventura – as tiras de jornais...............................18<br />

1.3.A influência <strong>dos</strong> pulps................................................................................................ 22<br />

1.4.As revistas em quadrinhos..........................................................................................23<br />

1.5.A Era de Ouro.............................................................................................................28<br />

1.6.A Caça às Bruxas........................................................................................................32<br />

2. O MITO NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS...............................................................<br />

37<br />

2.1. O que é mito?............................................................................................................ 37<br />

2.2. O herói e o super-herói na narrativa..........................................................................41<br />

3. SUPERMAN: HISTÓRIA E MITO.................................................................................<br />

47<br />

3.1. Origem e história ......................................................................................................49<br />

3.2. A construção do mito.................................................................................................60<br />

3.2.1. Superman como herói épico...............................................................................61<br />

3.2.2. Mito judaico/cristão: messias ou golem............................................................. 66<br />

3.2.3. Mito americano: o super-herói........................................................................... 76<br />

ANEXOS............................................................................................................................<br />

100<br />

10


INTRODUÇÃO<br />

Em junho de 1938, a National Comics, lança a revista Action Comics nº 1<br />

(fig. 1), tendo na capa um personagem que iria revolucionar o mercado de<br />

revistas em quadrinhos: o Superman 1 . Criado por Jerry Siegel e Joel Shuster, o<br />

personagem inaugura um novo estilo de histórias em quadrinhos, os super-heróis,<br />

que passaram a influenciar não somente o seu país de origem, os Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong>, como todo o mundo. A popularidade do personagem cresceu a ponto de<br />

originar novos títulos, shows de rádio, desenhos anima<strong>dos</strong>, séries no cinema e na<br />

televisão, filmes, brinque<strong>dos</strong> e jogos eletrônicos, criando uma mitologia própria e<br />

passando a ser sinônimo da cultura estadunidense 2 , tanto nos aspectos positivos<br />

quanto negativos, assim como o cinema feito em Hollywood e as produções <strong>dos</strong><br />

estúdios Disney. Essa mitologia que permeia todo o resto do século XX, adentra<br />

este século e não parece ter data para acabar, as histórias em quadrinhos de<br />

super-heróis.<br />

Porém, quais os elementos que caracterizam o Superman como modelo<br />

mítico? Quais foram os fatores que levaram o personagem a completar mais de<br />

70 anos de publicação, enquanto outros títulos foram extintos? Nosso objetivo<br />

principal é realizar uma discussão sobre este assunto, procurando nas histórias<br />

em quadrinhos do personagem a explicação deste fenômeno. Estas serão o<br />

objeto de nosso estudo, e analisadas não somente por sua influência, mas<br />

também pelos aspectos semióticos que apresentam, seus signos inteligíveis, seus<br />

arquétipos, e como este pode ser classificado como modelo mítico.<br />

1 Preferimos manter o nome original do personagem e não a tradução Super-Homem, como ficou<br />

conhecido no Brasil.<br />

2 Preferimos utilizar o termo estadunidense ao invés de norte-americano, pois estaremos nos<br />

referindo especificamente aos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e não aos outros países da América do Norte.<br />

11


<strong>Para</strong> tal intento, realizaremos nossa análise utilizando um recorte temporal<br />

do período de criação e expansão inicial deste gênero, que compreende os anos<br />

de 1938 a 1955, o período denominado Era de Ouro 3 das Histórias em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>. Delimitamos este corte temporal, pois é nesse período que o mito do<br />

personagem é criado e consolidado e também porque inclui a participação<br />

estadunidense na Segunda Guerra Mundial (1941-1945), elemento catalisador de<br />

mudanças estruturais, políticas e socioeconômicas nessa sociedade e no<br />

panorama global. Veremos que mesmo antes da participação efetiva <strong>dos</strong> EUA na<br />

guerra, o personagem ultrapassa os limites territoriais americanos, como na<br />

história How Superman Would End to War, publicado na revista de variedades<br />

Look Magazine 4 em fevereiro de 1940, analisada neste trabalho.<br />

Nossa proposta metodológica de análise será realizada levando em<br />

consideração não só o aspecto iconográfico, mas também o caráter textual, pois<br />

acreditamos que sejam indissociáveis no entendimento das histórias em<br />

quadrinhos. Como nos informa Scott McCloud:<br />

As palavras evocam sentimentos, sensações e conceitos abstratos que<br />

as imagens sozinhas não podem senão começar a captar(...) quando as<br />

palavras e imagens atuam interdependentemente, elas podem criar<br />

novas idéias e sensações muito além da soma das partes. (MCCLOUD,<br />

2008, p.128)<br />

3 As histórias em quadrinhos de super-heróis do século XX foram dividas em quatro perío<strong>dos</strong><br />

distintos: Era de Ouro (1938 a 1955), Era de Prata (1956 a 1969), Era de Bronze (1970 a 1980) e<br />

Era de Ferro (1981 a 2000). Esta classificação deve-se, entre outros fatores, à explosão criativa<br />

<strong>dos</strong> autores e personagens, à vendagem <strong>dos</strong> exemplares e à temática das histórias nos perío<strong>dos</strong>.<br />

A Era de Ouro caracteriza-se pelo surgimento do gênero e pelas altas vendagens. A Era de Prata<br />

caracterizou-se pelas histórias leves, com heróis mais poderosos e com mais elementos de ficção<br />

científica. A Era de Bronze ficou caracterizada por lidar com temas mais complexos e maduros que<br />

apresentavam modismos específicos e tendências sociais da época. Na Era de Ferro as histórias<br />

afastaram-se <strong>dos</strong> temas simples das Eras de Ouro e Prata, com histórias cada vez mais próximas<br />

à linguagem de ação <strong>dos</strong> filmes de Hollywood, com acentuada violência e sexualidade. Nesse<br />

período os personagens tornaram-se mais vigilantes do que super-heróis (KENSON, 2008).<br />

Alguns autores, como Christopher Knowles, apontam uma outra designação para o período do<br />

início da década de 90, A Era de Cromo, em virtude <strong>dos</strong> truques promocionais que inundaram o<br />

mercado – capas alternativas, capas cromadas, capas com recortes, que valorizavam em excesso<br />

a arte em detrimento das histórias.<br />

4 Utilizaremos tanto a publicação original da história, quanto a sua reprodução publicada na<br />

coletânea que comemora os 70 anos da editora DC Comics.<br />

12


Trabalharemos os conceitos de mito e como estes poderão ser aplica<strong>dos</strong><br />

no entendimento dessas obras. Os mitos são histórias narrativas repletas de<br />

criaturas fantásticas, contudo, trazem em si informação e conhecimento de e<br />

sobre um povo e sua cultura, como afirma Paul Veyne:<br />

O mito é uma informação; existem pessoas informadas, que se orientam<br />

não por uma revelação, mas simplesmente por um conhecimento difuso<br />

que tiveram a chance de captar; se forem poetas, serão as musas, suas<br />

informantes privilegiadas, que irão comunicar-lhes o que se sabe e o que<br />

se diz. O mito não é, por esse motivo, uma revelação do <strong>alto</strong> ou do<br />

arcano: a musa apenas repete o que se sabe ou o que está, como um<br />

recurso natural, à disposição daqueles que estão ali para colher a<br />

informação (VEYNE, 1984,p.34).<br />

Desta forma, percebemos que os mitos são elementos historicamente<br />

constituí<strong>dos</strong>, e expressa a mentalidade e o conjunto de valores de um povo em<br />

uma determinada época. E havendo alguma alteração destes valores, ou uma<br />

mudança no regime político-social, essas mudanças são em geral captadas pelos<br />

mitos, que se modificam para se adaptar à nova realidade daquele povo.<br />

O mesmo pode ser atribuído às histórias em quadrinhos de super-heróis,<br />

que irão retratar histórias fantasiosas contendo informações e conhecimentos<br />

sobre a sociedade, do período abrangido em suas histórias. Acreditamos que os<br />

super-heróis são elementos essenciais no imaginário social do século XX, como<br />

modelos mitológicos. George E. Zacharakis em seu livro Mitologia Grega -<br />

Genealogias das suas dinastias sobre o mito na Grécia, nos afirma:<br />

(...) desde sua criação, o mito na Grécia percorreu através do tempo um<br />

longo caminho para chegar à forma que conhecemos hoje. Costuma-se<br />

dizer que o mito não se refere a tempo e nem a espaço. A expressão não<br />

corresponde à realidade. O mito foi criado num tempo e espaço<br />

determina<strong>dos</strong> e em condições específicas. Do mito inicial nasceram<br />

outros; e destes mais outros que foram reproduzi<strong>dos</strong>, reforma<strong>dos</strong>,<br />

modifica<strong>dos</strong>, completa<strong>dos</strong> e altera<strong>dos</strong>. Estes foram apresenta<strong>dos</strong><br />

diferentes ou novos, adapta<strong>dos</strong> às condições de tempo e espaço<br />

(ZACHARAKIS, 1995, p. 41).<br />

13


O mesmo acontece com os personagens das histórias em quadrinhos de<br />

super-heróis, como veremos ao longo deste trabalho. Os personagens irão<br />

adaptar-se ao tempo de acordo com os anseios da sociedade.<br />

Utilizaremos em nossa análise a literatura específica e também, de forma<br />

qualitativa as fontes primárias para nosso estudo: as histórias em quadrinhos das<br />

revistas Action Comics, Superman e World´s Finest Comics 5 publicadas no<br />

recorte temporal proposto. Nosso principal destaque serão as capas destas<br />

publicações, pois entendemos que nelas os aspectos semióticos se apresentam<br />

de forma mais explícita, fornecendo ao seu público-alvo, o leitor, elementos<br />

atrativos e de identificação. Will Eisner exemplifica esta questão:<br />

Nos quadrinhos, o controle sobre o leitor é conseguido em dois estágios:<br />

atenção e retenção. A atenção se consegue com imagens provocantes e<br />

atraentes. A retenção é obtida através de uma organização lógica e<br />

inteligível das imagens (EISNER, 2005, p.55).<br />

Na primeira parte deste trabalho, debateremos a importância histórica e<br />

social das histórias em quadrinhos como elemento de comunicação em massa 6 ,<br />

inserida no contexto de uma indústria de produção cultural. <strong>Para</strong> este fim, faremos<br />

um breve histórico das histórias em quadrinhos, e no qual recorreremos a autores<br />

especializa<strong>dos</strong> no tema com principal destaque para Christopher Knowles,<br />

Gonçalo Jr., Will Eisner, Scott McCloud e Dario Carvalho Jr.<br />

Na segunda parte, analisaremos os conceitos de mito e herói, e o que<br />

caracteriza um modelo mítico. <strong>Para</strong> tal fim, nossa base teórica serão as obras de<br />

5 As revistas do período foram obtidas através do site: www.comic-central.cc e as capas das<br />

publicações no site: http://www.supermanhomepage.com<br />

6 Utilizaremos o termo comunicação em massa como apresentado por Mário Feijó em seu livro:<br />

<strong>Quadrinhos</strong> em ação: um século de história (1997). Feijó atribui às histórias em quadrinhos o<br />

mesmo status de mecanismos de comunicação em massa, assim como a imprensa, o rádio e o<br />

cinema.<br />

14


Roland Barthes, Joseph Campbell, Claude Lévi-Strauss, Umberto Eco e Everardo<br />

Rocha.<br />

Na terceira parte do trabalho, veremos como os conceitos apresenta<strong>dos</strong> no<br />

capítulo anterior podem ser aplica<strong>dos</strong> no estudo do personagem e nos<br />

aprofundaremos no tema e nas fontes primárias do nosso estudo. Veremos como<br />

o personagem está inserido no imaginário social e na cultura, como definido por<br />

Jacques Le Goff, Bronislaw Baczko e Cliford Geertz.<br />

Fig. 1 - Estréia do Superman<br />

15


1. HISTÓRIA E HISTÓRIA EM QUADRINHOS<br />

1.1. História em quadrinhos como objeto histórico<br />

As histórias em quadrinhos, como toda forma de expressão artística, estão<br />

inseridas no contexto sócio-político do período em que foram criadas, não sendo<br />

isentas de influências ideológicas. A utilização da arte como representação da<br />

sociedade remonta à pré-história. No estudo da História, as representações<br />

artísticas sempre foram referenciais para a análise das sociedades nas quais<br />

foram criadas.<br />

Desta forma, como expressão do imaginário social e forma de comunicação<br />

em massa, as histórias em quadrinhos podem ser utilizadas tal qual outras obras<br />

da indústria cultural 7 como respostas a anseios e expectativas coletivas ou como<br />

modelos ideológicos e comportamentais seja nas suas expressões textuais, seja<br />

nas suas seqüências narrativas em imagens. Sobre o imaginário nos informam Le<br />

Goff & Cazenave:<br />

O imaginário é uma forma de realidade histórica, mas num sentido<br />

diferente do que chamamos de realidade. Muitos historiadores<br />

mostraram que o verdadeiro evento não é somente um acontecimento<br />

que se passa no momento determinado, mas o que ele traz consigo e o<br />

possibilita (LE GOFF & CAZENAVE apud OLIVEIRA, 2006, p.139).<br />

7 Utilizaremos o termo indústria cultural, mas não compartilhamos da definição do termo concebido<br />

por Theodor Adorno em seu livro Indústria Cultural e Sociedade (2009) que retrata uma relação de<br />

alienação entre a mídia e os seus consumidores, defendendo que esta indústria propaga<br />

conhecimento raso, ignóbil e muitas vezes nocivo ao desenvolvimento crítico-intelectual <strong>dos</strong><br />

indivíduos “aliena<strong>dos</strong>”, visando exclusivamente o lucro financeiro. Esta passagem exemplifica<br />

esta teoria: “A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem<br />

necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam<br />

aquelas capacidades pela sua própria constituição objetiva (...) Os produtos da indústria cultural<br />

podem estar certos de serem jovialmente consumi<strong>dos</strong>, mesmo em estado de distração. Mas cada<br />

um destes é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o início mantém tudo<br />

sob pressão, tanto no trabalho quanto no lazer, que tanto se assemelha ao trabalho”.(ADORNO,<br />

2009, p. 11-12).<br />

16


As histórias em quadrinhos expressam não só o olhar das pessoas<br />

envolvidas na sua realização, roteiristas, artistas e editores, mas indiretamente<br />

revelam o imaginário do seu público alvo, seu universo de referências,<br />

conhecimentos e aspirações, revelando muito mais do que um livro ou uma<br />

pintura, o olhar da sociedade no qual foi produzida. Sobre a interação entre os<br />

criadores e os leitores, Will Eisner discorre:<br />

A compreensão de uma imagem requer uma comunidade de experiência.<br />

Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista<br />

seqüencial deverá ter compreensão da experiência de vida do leitor. É<br />

preciso que se desenvolva uma interação, porque o artista está<br />

evocando imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes<br />

(EISNER, 1995, p.8).<br />

Will Eisner, em sua obra <strong>Quadrinhos</strong> e Arte Seqüencial (1995), define as<br />

histórias em quadrinhos como arte seqüencial: “uma forma artística e literária que<br />

lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras, para narrar uma história<br />

ou dramatizar uma idéia” (EISNER, op. cit , p.5). Porém para o processo de<br />

leitura, o leitor precisa utilizar tanto suas habilidades visuais quantos verbais – as<br />

regências da arte e da literatura se superpõem mutuamente: “A leitura da revista<br />

em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual” (EISNER,<br />

op. cit, p.8). Na sua obra posterior, Narrativas Gráficas de Will Eisner (2005) ele<br />

amplia este conceito:<br />

O processo de leitura nos quadrinhos é uma extensão do texto. No caso<br />

do texto o ato de ler envolve uma conversão de palavras em imagens.<br />

Os quadrinhos aceleram este processo fornecendo as imagens. Quando<br />

executadas de maneira apropriada, eles vão além da conversão e da<br />

velocidade e tornam-se uma só coisa (EISNER, 2005, p.9).<br />

Como as revistas em quadrinhos são de fácil leitura, e elemento de uma<br />

indústria cultural, sua utilidade foi associada à parcela da população de baixo<br />

nível cultural e capacidade intelectual limitada, ou simplesmente considerada<br />

subliteratura ou “coisa de criança”. Podemos exemplificar este pensamento,<br />

17


através desta afirmação de Moacy Cirne, no livro <strong>Quadrinhos</strong>, sedução e paixão<br />

(2000):<br />

Quase toda a ficção científica, quase toda a novela policial, quase todo o<br />

quadrinho, uma boa parte da produção cinematográfica, uma boa parte<br />

do cartum veiculada na imprensa, quase toda a telenovela, praticamente<br />

toda a fotonovela, uma grande parcela da música popular de consumo<br />

apenas reproduzem situações conteudísticas massificantes,<br />

ideologizadas, bestificatórias (CIRNE, 2000, p. 21-22).<br />

Porém é incorreto afirmar que toda obra quadrinizada é voltada para o<br />

público infantil ou mesmo que seja uma literatura de segunda categoria. Como<br />

uma arte dinâmica e coadunada com o contexto sócio-cultural e a produção<br />

tecnológica de cada década, as histórias em quadrinhos desenvolvem-se tanto<br />

em roteiro quanto na arte, fornecendo-nos um panorama e questões, que o<br />

historiador ou cientista social podem perceber e analisar sobre a sociedade na<br />

qual foram produzidas.<br />

1.2. Os primeiros passos: do cômico à aventura – as tiras de jornais<br />

As histórias em quadrinhos têm suas precedentes nas sátiras políticas e nas<br />

histórias ilustradas: A Harlot´s Progress 8 (1731), de Willian Horgarth, Hokusai<br />

Manga 9 (1814), de Katsuhika Hokusai e As Aventuras de Nhô Quim (1869), e As<br />

Aventuras de Zé Caipora (1883), de Ângelo Agostini são alguns exemplos deste<br />

tipo de narrativa.<br />

As tiras (strips) nas páginas dominicais foram a primeira forma que as<br />

histórias em quadrinhos assumiram, com Hogan´s Alley, de Outcault,<br />

8 Christopher Knowles, em sua obra Nossos deuses são super-heróis (2008, p.123), defende que<br />

tanto os cartuns quanto as modernas charges políticas e balões com dizeres apareceram na<br />

Inglaterra no século XVIII. Eram impressos em folhas soltas e vendi<strong>dos</strong> nas ruas.<br />

9 Hokusai é o primeiro a desenvolver imagens em seqüência no Japão e cria, ao juntar os<br />

caracteres man (involuntário) e ga (desenho, imagem), a palavra manga que se torna, na segunda<br />

década do século XX, sinônimo de quadrinhos japoneses assim como, o comics estadunidense.<br />

(MOLINÉ, 2004, p. 18)<br />

18


protagonizada pelo Menino Amarelo 10 (The Yellow Kid, fig. 02), publicada no jornal<br />

The New York World em 1895. Sobre a polêmica em torno da origem das<br />

histórias em quadrinhos, Dario de Carvalho Jr. nos informa:<br />

Por convenção, a tese aceita mundialmente é de que os quadrinhos<br />

surgiram oficialmente em 1895 com The Yellow Kid, de Richard Outcault,<br />

publicado no The New York Globe. Isso decorre em parte do poder de<br />

alcance do jornal na época visto que, se há dúvidas em relação à data<br />

do surgimento, não há nenhuma em relação ao fato de que foi a<br />

imprensa que popularizou os quadrinhos e fez com que se<br />

estabelecessem como uma nova mídia/forma narrativa. (CARVALHO<br />

JÚNIOR, 2002, p.18)<br />

Fig. 2 – O Menino Amarelo e o fonógrafo, 25 de outubro de 1896. Vemos neste quadro a<br />

introdução <strong>dos</strong> balões de texto, uma das características principais das histórias em quadrinhos.<br />

Outcault foi o primeiro a usar painéis e balões de textos em conjunto e a<br />

introduzir a cor nas tiras. Estas histórias passaram a ser chamada de “comics”<br />

pelos americanos porque os primeiros artistas exploravam o gênero para fazer<br />

10 Nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, O menino amarelo foi fonte da expressão imprensa amarela (no Brasil<br />

“imprensa marrom”), que descreve a prática jornalística sem ética do jornal The World<br />

(KNOWLES, op. cit p.124). Apesar do nome, o personagem não era oriental, mas sim um<br />

imigrante irlandês chamado Mike Dungan. Seu nome deve-se ao camisolão amarelo que usava.<br />

No primeiro momento as falas do personagem eram escritas em sua camisa, depois Outcault<br />

introduziu os balões de fala.<br />

19


graça com o universo miserável <strong>dos</strong> cortiços das grandes cidades americanas no<br />

fim do século XIX”. (GONÇALO JÚNIOR, 2004, p.25).<br />

No início do século XX, o custo de produção deste material se reduziu<br />

devido a novas técnicas de impressão. Em 1910, nos EUA, a circulação diária <strong>dos</strong><br />

jornais atingia 25 milhões de exemplares, subindo para 27.790.000 em 1920, e<br />

33.740.000 em 1925. “Veicula<strong>dos</strong> pelos jornais, os quadrinhos ocupavam o centro<br />

da cultura de massa, segundo a produção econômica e social da época<br />

considerada” (CIRNE, 1972. p. 25). Os jornais possuíam suplementos dominicais<br />

e suplementos semanais temáticos, que eram encarta<strong>dos</strong> gratuitamente nos<br />

jornais e banca<strong>dos</strong> por anunciantes. Havia o suplemento feminino, o literário, o de<br />

contos policiais, de esportes e o infanto-juvenil. E estes suplementos aumentavam<br />

substancialmente as vendas <strong>dos</strong> jornais, uma vez que muitos leitores os<br />

compravam apenas para lê-los, como nos informa Gonçalo Jr.:<br />

(...) nenhum caderno fazia mais sucesso que o infanto-juvenil, que trazia<br />

curiosidades, passatempos e muitas histórias em quadrinhos (...)To<strong>dos</strong><br />

os grandes jornais tinham suas séries em quadrinhos, principalmente<br />

com heróis de aventuras. (GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.25).<br />

O público alvo <strong>dos</strong> quadrinhos não eram apenas as crianças: “histórias de<br />

Buck Rogers e Tarzan eram acompanha<strong>dos</strong> por uma legião de fãs, como se<br />

fossem folhetins. O mais curioso: os comics exerciam fascínio sobre todas as<br />

idades”(GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.26).<br />

Apesar de o teor cômico de obras como Os Sobrinhos do Capitão (The<br />

Katzenjammer Kids), de Rudolph Dirks (1897), Chiquinho (Buster Brown 11 ) , de<br />

Richard Outcault (1902), Little Nemo in Slumberland, de Windsor McCay (1905),<br />

Mutt and Jeff, de Bud Fisher (1907), Pafúncio e Marocas (Bringing Up Father,) de<br />

11 Devido às críticas que Hogan´s Alley (1895-1898) sofreu por retratar a fraqueza do imigrante,<br />

Outcault criou Buster Brown, que fazia as mesmas traquinagens que Mike Dungan, o menino<br />

amarelo, mas, como o personagem era de classe média, teve grande aceitação tendo inclusive<br />

sido utilizado como logotipo da Brown Shoe Company (KNOWLES, op. cit, 2008)<br />

20


George McManus (1913) e Krazy Kat, de George Herriman (1913) ter marcado a<br />

eclosão das histórias em quadrinhos na imprensa estadunidense do começo do<br />

século XX, foi com a ênfase aventureira de obras como Buck Rogers, de Dick<br />

Calkins (1929), Tarzan, de Edgar R. Burroughs (1929), Dick Tracy, de Chester<br />

Gould (1931), Flash Gordon, de Alex Raymond (1934), Terry e os Piratas, de<br />

Milton Caniff (1934), Mandrake (1934), e Fantasma 12 (1936), de Lee Falk e<br />

Príncipe Valente, de Hal Foster (1937) e no foco posterior desta nas histórias de<br />

super-heróis com Superman, de Jerry Siegel e Joe Shuster (1938) e obras<br />

subseqüentes, que o quadrinho estadunidense ocupou to<strong>dos</strong> os espaços. “O<br />

modelo aconteceu de modo planetário”. (PATATI & BRAGA, 2006, p.58)<br />

Estas novas histórias deixam de lado o aspecto cômico e do cotidiano para<br />

se concentrarem no aspecto aventureiro e fantasioso. Há também uma<br />

transformação no traço do desenho, que abandona o estilo caricato para uma<br />

forma mais realista da figura humana.<br />

É imprescindível salientar que o surgimento de um novo gênero de<br />

narrativa não acarreta necessariamente no encerramento de outro. Histórias<br />

cômicas, de aventura e de super-heróis eram publicadas no mesmo período, ou<br />

na mesma publicação, como é o caso da revista Action Comics, na qual eram<br />

publicadas as histórias de to<strong>dos</strong> estes gêneros. Nas histórias em quadrinhos, ao<br />

longo de seu mais de um século de existência, observamos ciclos de ascensão e<br />

declínio de um determinado gênero, exemplificado através das histórias de terror<br />

que dominaram o mercado estadunidense na primeira metade da década de 50,<br />

para, depois serem praticamente extintos, na segunda metade da mesma. Hoje a<br />

12 O Fantasma foi o personagem que criou o modelo visual <strong>dos</strong> super-heróis, com sua roupa justa,<br />

sunga sobre a calça, máscara e logotipo de caveira.<br />

21


produção de história em quadrinhos destina-se ao mais varia<strong>dos</strong> estilos, faixas<br />

etárias e gêneros.<br />

1.3. A influência <strong>dos</strong> pulps<br />

Os pulps eram revistas impressas em material de baixa qualidade, com capas<br />

geralmente apelativas, berrantes e textos do agrado popular, que continham<br />

histórias cm gêneros varia<strong>dos</strong>: terror, mistério, ficção científica, policial, aventura<br />

ou erótico/pornográfico. Seu nome deriva do material que era impresso com a<br />

polpa de madeira. A primeira revista lançada foi The Golden Argosy (depois<br />

Argosy), em dezembro de 1882 (KNOWLES, op. cit, p.94). Os primeiros pulps<br />

apresentavam histórias de faroeste, detetives, guerra ou grandes aventuras.<br />

Entres as publicações destacam-se a Amazing Stories (1926) de Hugo Gernsback<br />

(ficção científica) 13 e Weird Tales (1922) de Clark Henneberger (terror, fantasia,<br />

aventura e sexo) (KNOWLES, op. cit, p.103 -104). Enquanto a primeira mostrava<br />

um futuro livre de pobrezas e doenças, com os heróis enfrentando alienígenas e<br />

cientistas loucos a segunda trabalhava temas ocultistas com forte conteúdo<br />

sexual e contracultural 14 .<br />

Os pulps tinham uma relação de intercâmbio com as histórias em quadrinhos<br />

de aventura e, posteriormente, de super-heróis. Os temas aborda<strong>dos</strong> nos pulps<br />

foram assimila<strong>dos</strong> pelas histórias em quadrinhos: personagens como Buck<br />

13 Gernsback é considerado tão importante para o desenvolvimento da ficção científica que o maior<br />

prêmio literário do gênero tem o seu nome; Hugo.<br />

14 O termo contracultura surgiu nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>na segunda metade do século XX, podendo ser<br />

entendido como um movimento de contestação de caráter social e cultural. Na década de 1950,<br />

um <strong>dos</strong> primeiros movimentos da contracultura foi: a Beat Generation (Geração Beat). Os Beatniks<br />

eram jovens intelectuais, principalmente artistas e escritores, que contestavam o consumismo e o<br />

otimismo do pós-guerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crítico.<br />

Na década de 1960, o mundo conheceu o principal e mais influente movimento de contracultura já<br />

existente, o movimento Hippie. Os hippies se opunham radicalmente aos valores culturais<br />

considera<strong>dos</strong> importantes na sociedade: o trabalho, o patriotismo e nacionalismo, a ascensão<br />

social e até mesmo a "estética padrão". Fontes :<br />

http://www.suapesquisa.com/musicacultura/contracultura.htm e<br />

http://www.infoescola.com/cultura/contracultura/ (último acesso 30 de novembro de 2010)<br />

22


Rogers e Tarzã, que tiveram suas origens nas revistas pulp foram transporta<strong>dos</strong><br />

para as páginas <strong>dos</strong> comics. Os heróis das histórias, a partir da década de 30,<br />

passaram a ganhar poderes sobre-humanos (seja por meio científico ou artes<br />

ocultas): “A ascensão do crime nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e o surgimento de ditadores<br />

na Europa também forma considera<strong>dos</strong> pelos editores <strong>dos</strong> pulps como força que<br />

só poderiam ser combatidas por homens dota<strong>dos</strong> de poderes sobre-humanos”.<br />

(LES DANIELS apud KNOWLES, op. cit, p.99). Além disso, passaram a ganhar<br />

aparências distintas, mudando os trajes normais para uniformes espalhafatosos,<br />

que ajudava a distinguir e comercializar cada herói bastava olhar a capa e os<br />

leitores já sabiam que história continha a revista. As capas tinham papel de suma<br />

importância, a ponto <strong>dos</strong> editores encomendarem “primeiro a ilustração 15 ,<br />

contratando depois um escritor para escrever uma história em torno dela”<br />

(KNOWLES, op. cit, p. 94). Superpoderes, uniformes espalhafatosos e imagens<br />

impactantes se tornariam a marca registrada <strong>dos</strong> super-heróis.<br />

1.4. As revistas em quadrinhos<br />

"Meu pai teve a idéia de pegar as páginas das tiras de domingo,<br />

dobrando-as e dobrando-as novamente, terminando com algo mais ou<br />

menos o tamanho <strong>dos</strong> quadrinhos de hoje” - William M. Gaines<br />

(KAPLAN, 2003).<br />

As revistas de quadrinhos americanas (comic books) tiveram início quando<br />

o editor Max Gaines 16 lançou Funnies on <strong>Para</strong>de, em 1933, impressa pela Eastern<br />

Color Printing Co. como um item promocional para a Procter & Gamble, que<br />

15 Virgil Finlay, Margaret Brundage, Frank R. Py Freas e H. J. Ward foram astros deste período,<br />

capazes de vender uma revista unicamente com base em suas ilustrações. As mulheres nuas de<br />

Brundage foram, inclusive, proibida de serem publicadas pelo prefeito de Nova York Fiorello La<br />

Guardiã.<br />

16 Max Gaines (Max Ginzberg) foi responsável pela fundação da All-American Publications, que<br />

lançaria importantes personagens na década de 40 (como o a Mulher-Maravilha, o Flash e o<br />

Lanterna Verde), e pela EC Comics (primeiro Educational Comics, depois Entertainment Comics)<br />

23


solicitou a impressão de 1 milhão de exemplares 17 . Essa revista era uma<br />

coletânea de tiras já publicadas nos jornais. Em 1934, Gaines propôs uma<br />

abordagem diferente - a redução das reimpressões das tiras à metade do<br />

tamanho tablóide e sua venda avulsa.<br />

O comic book nasceu de uma idéia simples, porém revolucionária, pela<br />

praticidade de manuseio e também do ponto de vista comercial. Bastava<br />

dobrar o tablóide ao meio e grampeá-lo para ter uma revista com o dobro<br />

de páginas, mas com custo quase igual – somente algum tempo depois<br />

adotou-se uma capa impressa em material de melhor qualidade.<br />

(GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.66)<br />

Fig. 3 – Funnies on <strong>Para</strong>de<br />

Em fevereiro, Famous Funnies nº 1 série 1 foi lançada nas lojas de<br />

departamentos, se tornando a primeira revista a ser vendida ao público. Suas 35<br />

mil cópias esgotaram-se rapidamente das prateleiras. Em maio do mesmo ano foi<br />

17 Fonte: www.dccomicsartists.com/dchistory/DCHISTORY-1.htm [último acesso 30 de novembro<br />

de 2010]<br />

24


lançada Famous Funnies nº 1 série 2, a primeira revista a ser lançada nas<br />

bancas 18 . A edição nº 8 foi a primeira a dar lucro (ganhando US$ 2.664,25), e uma<br />

indústria nasceu (KAPLAN, op. cit).<br />

Fig. 4 - Famous Funnies nº 1<br />

Como as revistas em quadrinhos provaram ser um investimento<br />

economicamente viável, o próximo passo foi a utilização deste meio para lançar<br />

novas tiras. O que foi feito com New Fun Comics, publicado, em fevereiro de<br />

1935, pelo Major Malcolm Wheeler-Nicholson, da National Allied Publishing 19 , um<br />

ex-oficial do Exército estadunidense afastado por insubordinação, que observou<br />

neste processo uma forma alternativa de não precisar pagar os direitos que<br />

envolviam a republicação de material existente. Entretanto, “em 32 páginas (a<br />

maioria em preto e branco) da New Fun Comics nº 1, ele fez mais do que isto, ele<br />

fez história” (MCGLOTHLING, 2006, p.6). Nas cinco primeiras edições, a revista<br />

apresentou histórias <strong>dos</strong> mais varia<strong>dos</strong> estilos, que tiveram suas raízes fincadas<br />

nas tiras de jornais: faroeste, ficção científica, aventura e humor.<br />

18 Esta edição custava 10 centavos de dólar, preço que se tornaria padrão das revistas em<br />

quadrinhos até a década de 50.<br />

19 Ao longo da década de 30 e 40 a editora mudou de nome na seguinte ordem: National Allied<br />

Publishing, National Periodical Publications, Detective Comics Inc, e, finalmente DC Comics nome<br />

que mantém até hoje.<br />

25


Em 1936, na revista New Fun Comics nº 6, houve a estréia do personagem<br />

Doctor Occult, The Ghost Detective, do escritor Jerry Siegel e do desenhista Joe<br />

Shuster. O Doutor Oculto era uma mistura de Sam Spade do Falcão Maltês<br />

(romance de Dashiell Hammett 20 ) e Mandrake, o Mágico (criado por Lee Falk e<br />

Phil Davis, em 1934), um detetive fantasma com características marcantes <strong>dos</strong><br />

personagens publica<strong>dos</strong> nas revistas pulp e nas tiras diárias <strong>dos</strong> jornais. O<br />

personagem teve um sucesso moderado, mas foi necessária uma mudança para<br />

fazer um sucesso maior. Na revista More New Fun Comics nº 02 (outubro de<br />

1936), foi aprovado pelo próprio Dashiell Hammett, a mudança da roupa formal<br />

para uma fantasia mais enfeitada, finalizada com uma capa vermelha. Este<br />

uniforme colorido durou apenas quatro edições, porém sem a repercussão e o<br />

impacto que outro personagem também criado por Siegel e Shuster, e que<br />

reutilizaria a capa vermelha, teria.<br />

20 Dashiell Hammet foi também o criador, em 1934, do Agente Secreto X-9, com arte de Hal Foster,<br />

pioneiro de personagens espiões como James Bond. No Brasil, no jargão policial, denomina-se X-<br />

9 o delator ou infiltrado.<br />

26


Fig. 5 - Doutor Oculto estréia na revista New Fun Comics (1936) – um típico personagem <strong>dos</strong><br />

pulps – terno, sobretudo e chapéu (Siegel e Shuster assinavam a obra com os pseudônimos<br />

Legar e Reuths), passa a utilizar uma espécie de fantasia, capa vermelha e sunga azul, que seria<br />

reaproveitada na concepção visual do Superman<br />

O sucesso da New Fun Comics levou a editora a publicar uma nova<br />

antologia em 1937, intitulada Detective Comics. Assim como a New Fun Comics<br />

teve sua base de inspiração as tiras de jornais, a Detective Comics utilizou as<br />

revistas pulp. Mostrava histórias focando personagens sem poderes como Speed<br />

Saunders e o maligno mestre oriental Ching Lung, claramente inspirada nas<br />

histórias de Doc Savage e Fu Manchu, criado por Sax Rohmer.<br />

Fig. 6 - Detective Comics nº 1 – Primeiro personagem que Siegel e Shuster assinam com o próprio nome -<br />

vemos o personagem lutando contra quatro orientais, “vilões” típicos das histórias pulps.<br />

Slam Bradley, criado por Siegel e Shuster para a Detective Comics, era um<br />

exemplo típico deste tipo de personagem: um detetive freelancer, lutador e<br />

27


aventureiro que combatia contrabandistas de drogas e outros tipos de vilões<br />

apenas com os punhos. Slam era também um mestre <strong>dos</strong> disfarces assim como<br />

seu assistente Shorty Morgan. Apesar de não possuir poderes sobre-humanos,<br />

eles realizavam atos de heroísmos dignos <strong>dos</strong> heróis que os sucederiam.<br />

Em 1938, a National Comics estava procurando por uma nova espécie de<br />

elemento que causasse estrondo para um novo título que seria lançado, a Action<br />

Comics. O editor responsável pela revista, Vince Sullivan, encontrou o que<br />

procurava em uma história não publicada criada por Jerry Siegel e Joe Shuster,<br />

em 1933, para as tiras de jornais, com o personagem batizado de Superman. O<br />

terreno estava fértil para uma mudança no panorama das histórias em<br />

quadrinhos. E esta surgiria como o personagem, como um impacto de sua nave<br />

ao chegar à Terra.<br />

1.5. A Era de Ouro<br />

O período de 1938-1955 é considerado pelos historiadores das histórias em<br />

quadrinhos como a Era de Ouro (Golden Age). Esta classificação deve-se à<br />

explosão criativa <strong>dos</strong> autores e personagens (Superman, Batman, Mulher-<br />

Maravilha, Capitão América são frutos desta primeira onda criativa) e à vendagem<br />

<strong>dos</strong> exemplares. Neste período, também há a criação da linguagem gráfica <strong>dos</strong><br />

quadrinhos contemporâneos, to<strong>dos</strong> os elementos e signos são cria<strong>dos</strong> neste<br />

período. Sobre esse Will Eisner comentou: “Hoje você chama de Era de Ouro (...)<br />

Bem, nós que vivíamos na Era de Ouro, não sabíamos disso. Foi a Era de<br />

Chumbo no que nos concerne!” (KAPLAN, op. cit). Foi a Era de Ouro para as<br />

editoras, não para aqueles que produziam as histórias. Os artistas e escritores<br />

desta época nunca saíram da pobreza. Eles eram assalaria<strong>dos</strong> mal pagos, sem<br />

28


direitos ou royalties. Os personagens que foram cria<strong>dos</strong> tornaram-se propriedade<br />

e marcas registradas pelas editoras de quadrinhos.<br />

O sucesso de vendas do Superman fez com que várias editoras de<br />

quadrinhos, entre elas All American Comics, Timely Comics, Archie Comics, Whiz<br />

Comics, e Quality Comics, entrassem no mercado de super-heróis, criando<br />

personagens similares ao novo super-herói, entre eles Wonder Man (criado em<br />

maio de 1939 por Will Eisner) e o mais famoso o Capitão Marvel (criado em<br />

fevereiro de 1940 pelo escritor Otto Binder e o artista CC Beck), o único a<br />

alcançá-lo em vendas.<br />

Entre os novos super-heróis destaca-se o Batman lançado na Detective<br />

Comics nº 27, em 1939, desenhado por Bob Kane e escrito por Bill Finger. Assim<br />

como o Superman era herdeiro da ficção científica, o Batman era herdeiro das<br />

histórias policiais, com grande influência <strong>dos</strong> pulps.<br />

Fig. 7 – Detective Comics 27 (maio de 1939) – estréia do Batman<br />

29


Neste período várias super-heroínas foram criadas entre elas: Lady Luck<br />

(1940), Mulher-Maravilha (1941) Lady Fantasma (1941), Mary Marvel (1942),<br />

entre outras. Delas apenas a Mulher-Maravilha 21 continuou a ser publicada com<br />

regularidade, tornando-se juntamente com Superman e Batman, a trindade <strong>dos</strong><br />

personagens da DC Comics.<br />

Fig. 8 - Sensation Comics nº 1 (janeiro de 1942) – primeira revista com histórias dedicadas<br />

a Mulher-Maravilha, embora a primeira aparição do personagem tenha sido no mês anterior em<br />

dezembro de 1941 na revista All-Star Comics nº 8.<br />

Depois de dezembro de 1941, com a entrada <strong>dos</strong> EUA na Segunda Guerra,<br />

to<strong>dos</strong> os super-heróis foram alista<strong>dos</strong> no conflito: “Após o ataque a Pearl Harbor,<br />

os super-heróis tornaram-se mascotes do esforço de guerra. As revistas em<br />

quadrinhos circulavam aos milhões durante a guerra, e eram material essencial<br />

de leitura para os solda<strong>dos</strong> em combate” (KNOWLES, op. cit, p. 24). Porém,<br />

mesmo antes da entrada estadunidense, o sentimento patriótico já estava<br />

21 Voltaremos à personagem quando tratarmos da relação entre mitos e super-heróis, no capítulo<br />

2.<br />

30


presente nas histórias de super-heróis. Assim, em março de 1941, trabalhando<br />

com seu colega artista Jack Kirby, Joe Simon criou o Capitão América para a<br />

Timely Comics. Joe Simon creditou a criação do Capitão América ao seu desejo<br />

de usar Hitler como vilão, e para isso precisava de um antagonista patriótico:<br />

Eu estava num ônibus na Quinta Avenida (em Nova York) certa noite (em<br />

1939), tentando achar idéias para novos personagens, e os quadrinhos<br />

que estavam vendendo mais eram aqueles como Batman, porque tinham<br />

grandes vilões como o Pingüim. Os nazistas tinham pirado na Alemanha,<br />

na época e Adolfo Hitler estava toda hora nos jornais, então pensei com<br />

meus botões: “Porque não usamos um vilão de verdade em vez de tentar<br />

inventar um?”. Pus Hitler como vilão e isso se revelou ótimo, então era<br />

só uma questão de encontrar um herói para combatê-lo.<br />

Com a ação sensacional de Jack, foi um belo ponto de partida e<br />

todo um novo visual pros gibis. Foi a primeira vez que (o fundador da<br />

Timely) Martin Goodman tinha lançado uma revista baseada em um só<br />

personagem 22 , e que ela tenha vendido muito bem. (MORSE, 2007,p.14)<br />

Fig. 9 – Captain América Comics nº 1 (março de 1941)<br />

22 A DC Comics já havia lançado revistas baseadas em único personagem: Superman, em 1939 e<br />

Batman, em 1940. A editora Timely Comics (futura Marvel Comics) não havia ainda iniciado esta<br />

prática até o lançamento da Captain America Comics nº 1.<br />

31


Vestido com um uniforme que remete imediatamente à bandeira<br />

estadunidense, o Capitão América foi um super-herói, como visto, criado para um<br />

objetivo específico. Terminada a guerra, sua função também cessara:<br />

Transformaram-no em combatente do crime, como tantos por aí - bem<br />

mais competentes, diga-se de passagem. Tanto é que o herói não<br />

agüentou a concorrência na nova “linha de trabalho", e sua revista foi<br />

cancelada em 1948, em meio à crise de vendas que também seria uma<br />

das causas do fim da chamada “Era de Ouro” das HQs. (SOUZA apud<br />

CHAGAS, 2008, p. 146).<br />

Contudo, a maior batalha que os super-heróis enfrentariam não seria contra<br />

criminosos, solda<strong>dos</strong> ou supervilões; seria contra um psicólogo e as repercussões<br />

de sua obra.<br />

1.6. A Caça às Bruxas<br />

Os quadrinhos alcançaram o máximo de sua popularidade nos primeiros<br />

anos da década de 50. “As vendas mensais de quadrinhos em 1943 eram de 25<br />

milhões de revistas, e em 1953, já alcançavam a marca de 100 milhões, mas,<br />

apesar da indústria estar uma ótima situação, os super-heróis não estavam”<br />

(MUNIZ, 2009, p.24). Em 1952, <strong>dos</strong> personagens cria<strong>dos</strong> nas décadas de 30 e 40<br />

apenas Superman, Batman e Mulher Maravilha continuavam sendo publica<strong>dos</strong>.<br />

Entretanto, nem mesmo os super-heróis escaparam ilesos da perseguição<br />

imposta aos comics na década de 50, quando os títulos de crime e terror foram<br />

bombardea<strong>dos</strong> pela crítica de diversos setores da sociedade, entre eles pais,<br />

educadores, psicólogos, críticos literários e religiosos, preocupa<strong>dos</strong> com a<br />

influência que este tipo de publicação acarretaria nas crianças e jovens. Estes<br />

títulos eram acusa<strong>dos</strong> de influenciar o aumento da criminalidade juvenil, pois os<br />

quadrinhos de crime e de terror “tratavam de violência, de brutalidade e de<br />

sadismo num grau nunca visto antes em revistas de quadrinhos - em alguns<br />

32


casos, nunca visto antes em veículos de entretenimento de massa” (WRIGHT<br />

apud KNOWLES, op. cit p. 156).<br />

Na década de 40, os jornais e revistas, começam a publicar artigos contra<br />

as histórias em quadrinhos. Em 1948, o psicólogo Fredric Wertham publica na<br />

revista Collier o artigo Horror in the Nursery, o primeiro <strong>dos</strong> seus artigos contra os<br />

quadrinhos. Nele descrevia que o número de quadrinhos “bons”, não deveria ser<br />

levado em conta, mas sim os quadrinhos que se faziam passar por “bons”. No<br />

mesmo ano, a revista Time publicou uma reportagem relatando que o Comissário<br />

de Polícia de Detroit, Harry S. Troy examinara todas as revistas em quadrinhos na<br />

sua região e declarou que elas estavam “carregadas de ensinamentos<br />

comunistas, sexo e discriminação racial” (CHRISTENSEN & SEIFERT, 1997, p.<br />

41). A cartada final foi o lançamento do livro A Sedução <strong>dos</strong> Inocentes (1954) 23 ,<br />

que foi publicado em um período de “paranóia social” e “caça às bruxas” nos<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, motiva<strong>dos</strong> pelo macarthismo e pela Guerra Fria.<br />

O livro de Wertham chegou às livrarias num momento em que os<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> viviam, em pleno século XX, o macarthismo, um período<br />

de radicalização política e moral que lembrava os tempos da Inquisição.<br />

A ameaça do comunismo internacional difundida pela Guerra Fria<br />

coincidiu com a explosão do rádio e do cinema, a chegada da televisão e<br />

a modernização da imprensa. (...) Logo estes novos meios de<br />

comunicação se tornaram suspeitos de ser campos férteis para a<br />

infiltração e a difusão ideológica de ideologias de esquerda – e a criança<br />

era vista como alvo fácil para a cooptação vermelha na América. (...) O<br />

aumento das vendas <strong>dos</strong> comics nos últimos anos só atraía cada vez<br />

mais a atenção <strong>dos</strong> radicais e moralistas (GONÇALO JÚNIOR, op. cit,<br />

p.236-237)<br />

A obra de Wertham, além de criticar a violência e sangüinolência nas<br />

histórias em quadrinhos de crime e de terror, e de responsabilizar (por<br />

associação) os comics pelo aumento da delinqüência juvenil, acusava os<br />

quadrinhos de super-heróis dizendo que “a violência e o aspecto justiceiro de<br />

23 Seduction of the innocent, impresso pela editora Rinehart & Company, teve ampla repercussão<br />

na mídia. A revista Reader´s Digest ajudou a divulgá-lo em todo o globo ao reproduzir uma<br />

condensação do primeiro capítulo da obra em todas as suas dezessete edições internacionais. No<br />

Brasil, foi publicado na edição de outubro de 1954.<br />

33


suas histórias incentivavam um comportamento anti-social, perversões sexuais e<br />

impulsos fascistas” 24 (KNOWLES, op. cit, p.157). A pressão social forçou a<br />

criação de uma Subcomissão do Senado Americano, no mesmo ano. Nesta<br />

comissão de inquérito foram ouvi<strong>dos</strong> representantes das editoras, entre eles,<br />

William “Bill” Ganes, da EC Comics, responsável na época pelo domínio do<br />

mercado estadunidense de quadrinhos com obras de terror, ficção científica e<br />

mistério, como Tales From the Crypt e The Vault of Horror, e desenhistas de tiras<br />

como Walt Kelly e Milton Caniff. O resultado da subcomissão 25 foi a criação do<br />

Comics Code Authority (CCA), um código auto-regulador do mercado. A CMMA<br />

(Comics Magazine Association of América) adotou o código em 26 de outubro de<br />

1954. Somente as revistas que contivessem o selo de aprovação poderiam ser<br />

distribuídas na banca, o que levou à falência ou modificação de várias editoras,<br />

entre elas a EC Comics 26 . A Subcomissão aprovou o Comics Code no seu<br />

relatório publicado em 1955, dizendo que “é consenso que o estabelecimento<br />

desta nova associação, a adoção de um código e a indicação de um<br />

24 Wertham atacava Superman, afirmando que esse era um personagem com fantasias de prazeres<br />

sádicos, punindo a to<strong>dos</strong> sem nunca sofrer quaisquer danos. Denunciava Batman e Robin<br />

como um casal homossexual e a Mulher Maravilha como ícone de tudo aquilo que uma mulher<br />

não deveria ser. A credibilidade de Fredric Wertham foi um <strong>dos</strong> principais fatores a levar indústria<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos a uma grande crise. (MUNIZ, op. cit, p. 25)<br />

25 Em 5 de junho de 1954, o senador Robert C. Hendrickson, presidente da subcomissão do<br />

senado para averiguar os comics, antecipou a decisão que seria divulgada dias depois, que<br />

responsabilizava os comics pelo aumento da criminalidade juvenil entre 1944 e 1954, porém, ao<br />

invés de propor uma censura contra as revistas, sugeriram que o próprio mercado criasse um<br />

sistema auto-regulador para conter os excessos e “moralizar” as obras a partir de sua criação.<br />

(GONÇALO JÚNIOR, op. cit p.240-242)<br />

26 Uma das únicas revistas da EC Comics que continuaram a serem publicadas pela editora foi a<br />

revista Mad que circulava desde 1952. À frente da revista estava o editor Harvey Kurtzman, seu<br />

genial criador. “Ao fazer duas alterações fundamentais, Gaines descaracterizou a Mad junto aos<br />

distribuidores como revista em quadrinhos: aumentou o formato, que antes era de comic book –<br />

que padronizava todas as revistas em quadrinhos para crianças e adolescentes nos Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong> –, para o formato magazine, o mesmo da revista Time; ao mesmo tempo, tornou a<br />

exclusivamente satírica, o que a livrou de ser submetida ao código de ética <strong>dos</strong> editores e<br />

distribuidores. Mad, desse modo, virou um gibizão para ser consumido por adultos” (GONÇALO<br />

JR., op. cit, p. 245).<br />

34


administrador do código são passos na direção certa” (CHRISTENSEN &<br />

SEIFERT, op. cit, p. 43)<br />

Fig. 10 – Títulos como Crime Suspenstories da EC Comics influenciaram a criação<br />

do CCA em 1954<br />

Porém, essa perseguição, que marca o fim da Era de Ouro 27 , não<br />

significaria o fim <strong>dos</strong> super-heróis. Eles retornariam com uma nova temática para<br />

retomar a “ordem” e enfrentar esta nova era e seus novos problemas. Superman<br />

passou a trabalhar mais do que nunca em conjunto com as autoridades. Batman e<br />

Robin passavam mais tempo com garotas, e foi criada a Batwoman. A Mulher<br />

Maravilha, por sua vez, ganhou o namorado Steve Trevor. Além disso, outros<br />

heróis da década de 40 retornaram, não mais com a temática mística/oculta, mas<br />

sim supercientífica, criando um novo arquétipo de personagem: o herói da ciência<br />

que incorporava o zeitgeist da era atômica e espacial. O marco inicial deste novo<br />

período é a publicação do reformulado Flash na revista Showcase nº 4 (1956) que<br />

abre a denominada Era de Prata. “Em contraste com os personagens<br />

resmungões e desalinha<strong>dos</strong> da Era de Ouro, o novo Flash da Era de Prata<br />

27 Entre 1954 e 1956, as vendas de quadrinhos caíram em 50%. A indústria nunca mais venderia<br />

tanto como anteriormente após a publicação de A Sedução <strong>dos</strong> Inocentes (MUNIZ, op. cit p.26)<br />

35


assinala o surgimento de uma estirpe limpa, sagaz e futurista de heróis”<br />

(KNOWLES, op. cit, p, 158).<br />

Os heróis da Era de Prata, em geral, ofereciam uma visão esperançosa e<br />

idealista, ainda sendo atraente para os fãs e criadores de hoje. A Era de Prata<br />

marca também a ascensão da Marvel Comics, com a reformulação do paradigma<br />

super-heróico, pelas mãos do roteirista Stan Lee e do desenhista Jack Kirby.<br />

Neste período que são cria<strong>dos</strong> o Quarteto Fantástico (1961), Homem-Aranha<br />

(1962), Hulk (1962), Vingadores (1963) e o ressurgimento do Capitão América<br />

(1964) que foi cancelado em 1950. Nestas histórias o lado humano <strong>dos</strong><br />

personagens foi mais explorado, através das relações e conflitos pessoais.<br />

O mito do super-herói, que é criado na Era de Ouro, solidifica-se na Era de<br />

Prata. As eras seguintes, de Bronze e de Ferro, ficaram caracterizadas pela perda<br />

da leveza das histórias e pela sofisticação crescente em termos de caracterização<br />

e temas, como drogas, violência, política e questões sociais, a ponto da própria<br />

figura e do papel do super-herói serem questiona<strong>dos</strong> na Era de Ferro. Neste<br />

período os autores buscaram quebrar os modelos estabeleci<strong>dos</strong>, com obras como<br />

Watchmen de Alan Moore (1986) e Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (1986). A<br />

temática realista e violenta foi levada ao extremo com a criação da editora Image<br />

Comics, fundada por artistas dissidentes da Marvel Comics, com histórias que<br />

eram nada mais que “amontoa<strong>dos</strong> incompreensíveis de poses de ação, cenas de<br />

luta mal coreografadas e explosões” (KNOWLES, op cit, p. 27).<br />

As histórias em quadrinhos de super-heróis deste início de século XXI<br />

buscaram recapturar elementos das Eras de Ouro e Prata, mas tempera<strong>dos</strong> com<br />

idéias modernas, valorizando a figura do super-herói e do seu papel na<br />

sociedade, principalmente após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.<br />

36


2. O MITO NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS<br />

Quando falamos em mito nas histórias em quadrinhos, associamo-lo<br />

imediatamente ao Superman. Umberto Eco em seu livro Apocalípticos e<br />

Integra<strong>dos</strong> (2004), dedica um capítulo exclusivo para este debate, que<br />

acreditamos não estar esgotado. Mas o que é o mito, o que caracteriza um<br />

modelo mítico e como podemos utilizá-lo no estudo histórico? Não pretendemos<br />

neste capítulo realizar um extenso debate sobre o assunto, mas sim descrever as<br />

bases sobre as quais analisaremos o personagem.<br />

2.1. O que é mito?<br />

O mito é um objeto teórico de debate extenso e procurar um único<br />

significado que o define é simplificar esta questão, não explicá-la. Everardo Rocha<br />

(1999) informa que o mito está inserido no conjunto de fenômenos cujo sentido é<br />

difuso, pouco nítido, múltiplo, servindo para significar muitas coisas,<br />

representando várias idéias, sendo usado em diversos contextos. O mito pode<br />

desta forma, ser utilizado para designar um semideus grego, um personagem de<br />

histórias em quadrinhos, uma celebridade do cinema ou da música, ou ainda um<br />

esportista de grande renome. São desta forma classifica<strong>dos</strong> como mitos:<br />

Hércules, Superman, John Wayne, Elvis Presley, Michael Jackson ou Ayrton<br />

Senna. Sobre a dimensão que o mito pode ter, Joseph Campbell, no seu livro O<br />

herói de mil faces (1995), exemplifica este debate:<br />

A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um primitivo<br />

e desastrado esforço para explicar o mundo da natureza (Frazer);<br />

como um produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal<br />

compreendido pelas sucessivas gerações (Müller); como um repositório<br />

de instruções alegóricas, destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo<br />

(Durkheim); como sonho grupal, sintomático <strong>dos</strong> impulsos arquétipos<br />

existentes no interior das camadas profundas da psique humana (Jung);<br />

como veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do<br />

homem (Coomaraswamy); e como a Revelação de Deus aos Seus filhos<br />

37


(a Igreja). A mitologia é tudo isso. Os vários julgamentos são determina<strong>dos</strong><br />

pelo ponto de vista <strong>dos</strong> juízes. (CAMPBELL, 1995, p.367)<br />

Porém, o que podemos inferir da leitura sobre o tema é que o mito é uma<br />

narrativa, um discurso, uma fala. Mas não uma narrativa humana como qualquer<br />

outra, e sim uma forma pela qual as sociedades demonstram suas contradições,<br />

anseios e inquietações, o modo como enxergam o mundo e percebem qual o seu<br />

lugar social nele. Como nos informa Roland Barthes: “Mas o que se deve<br />

estabelecer solidamente desde o início é que o mito é um sistema de<br />

comunicação, é uma mensagem. Eis porque não poderia ser um objeto, um<br />

conceito, ou uma idéia: ele é um modo de significação, uma forma” (BARTHES,<br />

1993, p.132). Como é uma forma e não um objeto, as histórias em quadrinhos<br />

poderiam ser analisadas sob a ótica do discurso mitológico, pois como afirma<br />

Barthes:<br />

(...) já que o mito é uma fala, tudo pode construir um mito, desde que<br />

seja suscetível de ser julgado por um discurso. O mito não se define pelo<br />

objeto de sua mensagem, mas pela maneira como a profere: o mito tem<br />

limites formais, mas não substanciais (BARTHES, op. cit, p. 132).<br />

O mito relata histórias fantasiosas e inverídicas, do ponto de vista do<br />

pensamento racional, porém podemos utilizá-las historicamente para analisar a<br />

sociedade que as produziu, pois o mito possui raízes históricas, e é a história que<br />

o afirma e o perpetua, como define Barthes:<br />

(..) pois é a história que transforma o real em discurso, é ela e não só ela<br />

que comanda a vida e a morte da linguagem mítica (...) a mitologia só<br />

pode ter um fundamento histórico, visto que o mito é uma fala escolhida<br />

pela história: não poderia de modo algum surgir da ”natureza” das coisas<br />

(BARTHES, op. cit, p. 133).<br />

A relação da Mitologia e da História também é debatida por vários autores,<br />

entre eles Lévi-Strauss. Segundo este, ao utilizarmos os mitos para entender a<br />

história, fazemos um paralelo entre o sistema estático da Mitologia, que possui os<br />

mesmos elementos mitológicos combina<strong>dos</strong> de infinitas maneiras em um sistema<br />

38


fechado, e o sistema aberto da História, podendo fazer uma correlação entre<br />

ambos:<br />

O caráter aberto da História está assegurado pelas inumeráveis<br />

maneiras de compor e recompor as células mitológicas ou as células<br />

explicativas, que eram originariamente mitológicas. Isto demonstra-nos<br />

que, usando o mesmo material, porque no fundo é um tipo de material<br />

que pertence à herança comum ou ao patrimônio comum de to<strong>dos</strong> os<br />

grupos, de to<strong>dos</strong> os clãs, ou de todas as linhagens, uma pessoa pode<br />

todavia conseguir elaborar um relato original para cada um deles. (LÉVI-<br />

STRAUSS, 1978, pg.60)<br />

Desta forma “a mitologia: faz parte simultaneamente da semiologia, como<br />

ciência formal, e da ideologia, como ciência histórica: ela estuda idéias-em-forma”<br />

(BARTHES, op. cit, p. 135). Inferimos então que as histórias em quadrinhos,<br />

assim como o mito, podem ser analisado sob a ótica do discurso semiológico e<br />

também do discurso historiográfico, como afirma Le Goff:<br />

Junto à história política, à história econômica e social, à história cultural,<br />

nasceu uma história das representações. Esta assumiu formas diversas:<br />

história das concepções globais da sociedade ou história das ideologias;<br />

história das estruturas mentais comuns a uma categoria social, a uma<br />

sociedade, a uma época, ou história das mentalidades; história das<br />

produções do espírito ligadas não ao texto, à palavra, ao gesto, mas à<br />

imagem, ou história do imaginário, que permite tratar o documento<br />

literário e o artístico como documentos históricos de pleno direito, sob a<br />

condição de respeitar sua especificidade; história das condutas, das<br />

práticas, <strong>dos</strong> rituais, que remete a uma realidade oculta, subjacente, ou<br />

história do simbólico, que talvez conduza um dia a uma história<br />

psicanalítica, cujas provas de estatuto científico não parecem ainda<br />

reunidas. Enfim, a própria ciência histórica, com o desenvolvimento da<br />

historiografia, ou história da história, é colocada numa perspectiva<br />

histórica. (LE GOFF, 1990, p.12-13)<br />

Os autores <strong>dos</strong> comics buscaram (e ainda buscam) nos mitos sua fonte de<br />

inspiração, utilizando os mesmos elementos constitutivos, seus arquétipos e seus<br />

modelos, e assim criaram novos mitos e uma cosmogonia própria 28 .<br />

28 Jack Kirby em 1971 criou para a DC Comics uma série de quadrinhos batizada de The New<br />

Gods, que, junto com outros títulos (The Forever People e Mister Miracle) formaram o que se<br />

tornaria o Fourth World. As histórias tratavam da luta entre os deuses extradimensionais bons de<br />

Nova Gênesis e os malignos de Apokolips. Enquanto Nova Gênesis era um paraíso, Apokolips era<br />

um inferno. Então para tentar fazer um acordo de paz entre os planetas, Highfather e Darkseid, em<br />

uma clara referência a deus (“Pai Supremo”) e o diabo (Darkseid é pronunciado como dark side,<br />

“Lado Sombrio”), enviam os primogênitos Scott Free (Nova Gênesis) e Órion (Apokolips) para<br />

serem cria<strong>dos</strong> pela cultura rival, o que faz com que Órion volte-se contra seu pai, enquanto Scott<br />

Free torne-se o especialista em fugas Mister Miracle, para escapar do inferno que é Apokolips.<br />

Knowles (op. cit) faz uma comparação entre as histórias do Quarto Mundo e a obra Star Wars de<br />

George Lucas, afirmando que Lucas teria sua inspiração mais nos trabalhos de Kirby do que no de<br />

39


Arquétipos <strong>dos</strong> mitos e das lendas como o “velho sábio”, o “herói” ou o<br />

“trapaceiro” também podem ser usa<strong>dos</strong> para proporcionar uma variedade<br />

de desejos e visões de mundo ao mesmo tempo que explora valores<br />

universais que transcendem todo o gênero ou cultura. (MCCLOUD, op.<br />

cit, p. 68)<br />

Mitos judaico-cristãos (Superman), greco-romanos (Mulher Maravilha e<br />

Capitão Marvel 29 ), egípcios (Gavião Negro), arturianos (Cavaleiro Andante e<br />

Etrigan), entre outros, serão influência para os criadores <strong>dos</strong> comics. Como<br />

detalharemos no mito do Superman no capítulo 3, utilizaremos outro caso para<br />

melhor exemplificar a questão, a Mulher-Maravilha (Wonder Woman), criada em<br />

1940 pelo psicólogo William Moulton Marston 30 . A princesa Diana foi esculpida da<br />

lama por sua mãe Hipólita, a pedido de Afrodite, que soprou a vida nela. Nasceu e<br />

cresceu na Ilha <strong>Para</strong>íso – uma terra controlada por uma sociedade de Amazonas -<br />

vem ao “mundo <strong>dos</strong> homens” onde, sob a alcunha de Mulher-Maravilha, defende<br />

uma sociedade igualitária. A super-heroína tem habilidades físicas e acrobáticas<br />

sobre-humanas, aliadas a qualidades de origem divina (a beleza de Afrodite, a<br />

sabedoria de Atenas, a velocidade de Mercúrio e a força de Hércules). No início, a<br />

heroína era desenhada pelo artista co-autor H. G. Peter, em histórias escritas pelo<br />

próprio Moulton (que ficou responsável pelo roteiro até a sua morte em 1947). O<br />

objetivo era criar uma alegoria para ilustrar sua teoria sobre as relações<br />

homem/mulher 31 . A personagem teve suas características planejadas para<br />

Joseph Campbell na elaboração do enredo e <strong>dos</strong> personagens da saga.<br />

29 O órfão Billy Batson gritava a palavra SHAZAM, nome do mago que lhe concedeu seus poderes,<br />

a sigla <strong>dos</strong> seres de que eram a fonte original de seus poderes: S de Salomão (sabedoria), H de<br />

Hércules (força), A de Atlas (resistência), Z de Zeus (poder), A de Aquiles (coragem) e M de<br />

Mercúrio (velocidade). Com exceção de Salomão, de origem hebraica, todas os outros seres são<br />

de origem greco-romanas.<br />

30 Marston (1893-1947) foi além de psiquiatra, novelista, jornalista, pioneiro do feminismo,<br />

entusiasta do bondage (dominação sexual), inventor do polígrafo e polígamo praticante.<br />

31 “Francamente, a Mulher-Maravilha é uma propaganda para um novo tipo de mulher que, creio<br />

eu, deveria governar o planeta. Não há amor suficiente no organismo masculino para governar<br />

este mundo de modo pacífico. O corpo da mulher contém duas vezes mais órgãos geradores de<br />

amor e mecanismos endócrinos do que o homem” (MARSTON apud KNOWLES, op. cit, p. 182).<br />

40


transmitir a mensagem de que as mulheres <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> (que no ano<br />

seguinte entravam na Segunda Guerra Mundial) deveriam descobrir seu<br />

potencial, coragem, independência e capacidade de lutarem por si mesmas.<br />

Marston via na linguagem das histórias em quadrinhos um grande potencial<br />

educacional.<br />

2.2. O herói e o super-herói na narrativa<br />

Mais do que a adição de um prefixo, o super-herói 32 é um conceito que<br />

surge oriundo <strong>dos</strong> comics e que se tornou um modelo utilizado nas narrativas<br />

seqüenciais por todo globo. Porém o que caracteriza um herói na narrativa, quais<br />

as suas características? Compartilhamos a definição fornecida por Dario Carvalho<br />

Jr:<br />

Um herói representa um padrão de valor, tem a capacidade de satisfazer<br />

à necessidade (ou necessidades) de um povo, encarna os valores que<br />

simboliza. É, ou se torna, de maneira emblemática, uma soma das<br />

aspirações de um indivíduo, de uma sociedade, de uma época<br />

(CARVALHO JÚNIOR, op. cit, p. 6).<br />

Desta forma podemos inferir que os super-heróis são um modelo mítico,<br />

uma forma de entender o mundo, e conexão com as experiências da vida. A saga<br />

deste herói é definida assim por Joseph Campbell:<br />

forma:<br />

32<br />

Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de<br />

prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma<br />

vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder<br />

de trazer benefícios a seus semelhantes (CAMPBELL, 1995, p.36).<br />

Entretanto como definiríamos o super-herói? Will Eisner o define desta<br />

Super-herói é um estereotipo <strong>dos</strong> quadrinhos inerente à cultura<br />

americana. Vestido com uma roupa derivada da clássica vestimenta <strong>dos</strong><br />

homens fortes do circo, ele é adotado em histórias que evocam vingança<br />

e perseguição. Esse tipo de herói geralmente tem poderes super-<br />

Foi a partir da criação do Superman que o termo "superhero" começou a ser usado (derivado do<br />

nome do personagem), e embora o conceito original fosse muito próximo <strong>dos</strong> "costumed heroes"<br />

(também conheci<strong>dos</strong> como "masked heroes" ou "mystery men") logo foi evoluindo para o que hoje<br />

nós conhecemos como super-heróis.<br />

41


humanos que limitam as possibilidades do roteiro. Como um ícone, ele<br />

satisfaz a atração nacional pelo herói que vence mais por sua força do<br />

que pela malícia. (EISNER, op. cit, p.78). 33<br />

O super-herói possui as características do herói épico da narrativa<br />

mitológica: possui forças além do homem ordinário, que são originadas de seu<br />

nascimento (fruto de divindades ou forças sobrenaturais) ou concedidas por um<br />

deus ou deuses. Contudo, mesmo estando um patamar acima do homem comum,<br />

empregam este poder em missões que trazem benefícios para esses homens<br />

comuns que por sua vez os admiram e glorificam.<br />

O herói épico também é o herói fundador ou civilizador que dá ordem e<br />

sentido ao mundo em que vive, sendo o mediador entre o humano e o divino. Seu<br />

inimigo é o caos, que pode apresentar-se de várias formas, seja na forma de<br />

monstros, ou seja, na de batalhas a serem vencidas. Em suma, sua história<br />

termina com a morte, que dá a ele o status de divindade. Hércules e Aquiles são<br />

exemplos deste tipo de herói e serviram de modelo para a criação <strong>dos</strong> super-<br />

heróis.<br />

Podemos, então, fazer um paralelo entre o super-herói e o herói épico. O<br />

super-herói possui características acima das do homem comum, seja por seu<br />

nascimento, causas místicas ou científicas 34 . Seus inimigos se apresentam sob a<br />

forma de oponentes de natureza monstruosa como dinossauros, macacos<br />

gigantes, robôs enormes, alienígenas ou vilões humanos com características<br />

33 Mesmo super-heróis que não possuem poderes sobre-humanos ou que tem a inteligência<br />

apurada, como Batman, recorrem à força física e utilizam outros instrumentos tecnológicos, que<br />

emulam superpoderes, para derrotarem fisicamente seus inimigos.<br />

34 Superman (1938) obtém seu poder através do sol; Batman (1939) possui treinamento avançado<br />

e equipamentos fantásticos; o primeiro Flash (1940) e outros heróis como Black Terror (1939)<br />

,inalam um gás que lhes concede habilidade; a Mulher Maravilha (1940) é uma semideusa; o<br />

Espectro (1940) um espírito da vingança; o Lanterna Verde (1940) obtém seu poder de um anel e<br />

uma lanterna mágicos. Processos químicos são utiliza<strong>dos</strong> para concederem poderes sobrehumanos,<br />

como no caso do Capitão América (1941) e do Homem-Hora (1940).<br />

42


monstruosas no aspecto físico ou interno; ou de natureza caótica como a<br />

violência urbana, a guerra, fenômenos climáticos. Até mesmo a morte, que<br />

concede o status divino ao herói épico, acometeu os super-heróis: Superman<br />

(1993), Capitão América (2007) e Batman (2009) morreram 35 em suas histórias.<br />

Porém a “morte” nas histórias em quadrinhos de super-heróis não é definitiva.<br />

Seguida de uma explicação científica ou mística, o personagem retorna.<br />

Entretanto a morte do personagem sempre deixa uma marca 36 .<br />

Outra característica que to<strong>dos</strong> possuem são símbolos que os identificam e<br />

os tornam únicos: uniformes (colori<strong>dos</strong> e geralmente colantes que destacam seus<br />

atributos físicos) e insígnias (o S do Superman, o morcego do Batman, o raio do<br />

Flash, a lanterna do Lanterna Verde). Além disso, eles mantêm uma dupla<br />

identidade em sua maioria secreta, que lhes permite viverem como meros mortais<br />

quando não estão atuando como super-heróis. <strong>Para</strong> protegerem essa dupla<br />

35 A primeira morte registrada de um super-herói registrada foi o personagem Cometa (The<br />

Comet), lançado na revista PEP Comics 1 de 1940, da editora MLJ, criado por Jack Cole, criador<br />

do Homem-Borracha (Plastic Man - 1941) . Após 17 edições, o personagem foi morto em combate<br />

contra bandi<strong>dos</strong>, mas sua morte não foi causada por um tiro, mas pelo medo de um processo. A<br />

National Comics processou vários personagens que lembravam ou tinham características<br />

parecidas com o Superman, foi o caso do Hércules (Spy Smasher), Raio (The Ray) e o mais<br />

célebre Capitão Marvel (Captain Marvel). Com isso, para precaverem-se os editores o fizeram<br />

perecer no combate citado (MALAGOLA, 2008, p.82)<br />

36 Sobre a morte do Superman discorremos no capítulo 3. O Capitão América (Steve Rogers) foi<br />

“morto” no final da megassaga Guerra Civil (Civil War), de 2007, que gira em torno do fim das<br />

identidades secretas e do registro oficial <strong>dos</strong> super-heróis, em decorrência da fatalidade ocorrida<br />

na cidade de Stamford. Na história, uma luta entre super-heróis, que filmavam um reality show<br />

para TV, com supervilões resultou na explosão de uma escola e morte de 600 crianças. A<br />

comunidade super-heróica dividiu-se entre os que apoiavam o registro, lidera<strong>dos</strong> pelo Homem-de-<br />

Ferro (Iron Man), e os que defendiam a liberdade de ação e a manutenção das identidades<br />

secretas, lidera<strong>dos</strong> pelo Capitão América. Após uma batalha épica na cidade de Nova York, o<br />

Capitão percebeu que os seus atos estavam acarretando mais destruição, e decidiu se render.<br />

Quando estava na escadaria para o julgamento, foi alvejado por um atirador, “morrendo” na local.<br />

A morte do personagem tem um caráter simbólico, remetendo a grandes ícones estadunidenses<br />

que foram mortos da mesma forma, como os presidentes Abraham Lincoln e John Kennedy, o<br />

senador Robert Kennedy e o pastor e ativista político Martin Luther King Jr. Após a sua morte o<br />

seu sidekick (parceiro juvenil típico das histórias de super-heróis, que se inicia com o Robin – em<br />

1940) Bucky Barnes assume o manto do Capitão América. Mesmo após o retorno do capitão<br />

original, Bucky permaneceu como Capitão América. O mesmo ocorreu com Batman, com a<br />

diferença de que na saga Crise Final (Final Crisis), de 2009, a morte do Batman foi resultado do<br />

seu sacrifício para impedir a dominação da Terra pelas forças antivida de Darkseid. Com a sua<br />

morte, o manto do Batman passou para Dick Grayson (o Robin original). O retorno do Batman às<br />

histórias ainda está sendo publicado nos EUA.<br />

43


identidade, usam “máscaras” 37 , antes um elemento que definia os criminosos,<br />

permitindo que exerçam atividades cotidianas. Esta dupla identidade também<br />

fornece um elemento de identificação com o leitor, que se vê retratado nas<br />

histórias. Carlos Patati e Flávio Braga definem desta forma as características <strong>dos</strong><br />

super-heróis:<br />

Identidades secretas, motivações centradas em episódios fundadores de<br />

mitologias pessoais, galeria de superinimigos exóticos, signos inteligíveis<br />

e parceiros com os quais o leitor das histórias podia se identificar,<br />

enquanto o herói cuidava de resolver os problemas. (PATATI & BRAGA,<br />

2006, p.68).<br />

Na essência, um super-herói é um salvador, mas não de caráter filosófico<br />

ou metafísico, a salvação que ele propõe é física, concreta e nada ambígua. Suas<br />

histórias lidam com a ansiedade real e satisfazem uma realidade profunda. Por<br />

isso, são utiliza<strong>dos</strong> para lidar com problemas que assolam aquela sociedade que<br />

os criou. Desta forma, são heróis civilizadores, de acordo com a definição de<br />

Carlos Manoel de Hollanda Cavalcanti:<br />

O herói é sempre um modelo, uma entidade na qual encarnam-se<br />

valores que, não raro, têm como um eixo um processo civilizador, isto é,<br />

é ele quem traz a uma situação de desordem ou anarquia, a<br />

possibilidade de administração e organização/manutenção de estruturas<br />

favoráveis à vida e relativa harmonia social. (CAVALCANTI, 2006, p.121)<br />

Por ser um herói civilizador, o super-herói encontra nas décadas de 30 e 40<br />

um cenário “fértil” para exercer suas habilidades: violência urbana, depressão,<br />

crise econômica, radicalismo político interna e externamente mantiveram os<br />

americanos em estado de medo e ansiedade. Os super-heróis surgem então para<br />

manter a ordem. Quando a guerra eclode, são alista<strong>dos</strong> para levantar a moral da<br />

população e para diversos programas governamentais e não governamentais do<br />

esforço de guerra – títulos de guerra, coleta de sucata e papel usado, entre<br />

outros. Após a guerra, a sua necessidade perde força e vários títulos são<br />

37 O Superman não possui uma máscara que cubra seu rosto, mas mesmo assim possui uma<br />

identidade secreta. Sobre isto discorreremos no próximo capítulo.<br />

44


cancela<strong>dos</strong> 38 . Os super-heróis tinham se associado tanto à cultura pró-guerra e ao<br />

New Deal, que tiveram dificuldade em prosseguir sem esse cenário.<br />

Porém, na década de 50, quando a opinião pública volta-se contra os<br />

quadrinhos, como visto no capítulo 1, os super-heróis, reforçando as suas<br />

características de modelo mítico, transformam-se para responder aos anseios da<br />

sociedade. As restrições impostas pelo CCA (Comics Code Authority) serão de<br />

suma importância na construção e consolidação do mito <strong>dos</strong> super-heróis. Os<br />

itens impostos resultaram em uma “moralização” 39 <strong>dos</strong> personagens. Como<br />

veremos no próximo capítulo será neste período que a imagem do Superman<br />

solidifica-se como a do “bom moço” e o “escoteiro da América”.<br />

38 A partir de 1946, várias revistas são canceladas ou transformadas em títulos policiais, western<br />

ou terror e mistério. São canceladas: Young Allies Comics (1946), All Flash Comics (1947), More<br />

Fun Comics (1947), Captain America 1ª série (1948) e 2ª série (1950), Green Lantern (1949),<br />

Flash Comics (1949), entre outras.<br />

39 Essas são algumas das restrições do CCA: 1) “Em qualquer situação, o bem triunfará sobre o<br />

mal e o criminoso será punido por seus delitos”. 2) “Paixões e interesses românticos jamais serão<br />

trata<strong>dos</strong> de forma a estimular emoções vis e rasteiras”. 3) ”Embora gírias e coloquialismos sejam<br />

aceitáveis, o uso excessivo deve ser desencorajado e, sempre que possível a boa gramática deve<br />

ser empregada”. 4) “Mulheres serão desenhadas realísticamente, sem ênfase indevida a qualquer<br />

qualidade física”. 5) ”Se o crime for retratado, deve ser como uma atividade sórdida e<br />

desagradável”. 6) “Cenas que abordam – ou instrumentos associa<strong>dos</strong> a – mortos-vivos, tortura,<br />

vampiros e vampirismo, almas penadas, canibalismo e licantropia, são proibi<strong>dos</strong>”. 7) “Ilustração<br />

insinuante e obscena ou postura insinuante é inaceitável”. 8) “Todas as ilustrações asquerosas, de<br />

mau gosto e violentas serão eliminadas”. 9) “As letras da palavra ‘crime’ jamais deverão aparecer<br />

consideravelmente maiores do que as outras palavras contida no título. A palavra ‘crime’ jamais<br />

aparecerá sozinha numa capa “. 10)”Nenhuma revista em quadrinhos usará as palavras ‘horror’ ou<br />

‘terror’ no seu título”. E por fim, “to<strong>dos</strong> os elementos ou técnicas não menciona<strong>dos</strong> aqui, mas<br />

contrariem o espírito e o propósito do Código e sejam considera<strong>dos</strong> violações do bom gosto ou<br />

decência, deverão ser proibi<strong>dos</strong>”. (SHUTT, 1997, p. 50)<br />

45


Fig. 11 – Superman nº 28 (mai/jun de 1944) – Nesta imagem Superman equiparado<br />

miticamente a Atlas e Hércules<br />

46


3. SUPERMAN: HISTÓRIA E MITO<br />

O tema da maioria desses espetáculos é o Super-Homem. O herói pode<br />

saltar mais rápido, subir mais <strong>alto</strong>, atirar mais depressa, brigar com mais<br />

eficiência e amar mais do que qualquer outro no filme. Na verdade, to<strong>dos</strong><br />

os problemas humanos são resolvi<strong>dos</strong> por esses méto<strong>dos</strong> — nunca pelo<br />

pensamento lógico. (CHAPLIN, 1994, p. 254)<br />

Superman é o personagem mais icônico <strong>dos</strong> comics, são incontáveis as<br />

menções ao personagem, seja direta ou indiretamente, em diversos meios de co-<br />

municação e entretenimento. Quando falamos de super-heróis, a sua imagem é<br />

indissociável, remetendo-nos diretamente ao personagem:<br />

Os heróis precedentes, mesmo quando dispunham de força sobre-humana,<br />

eram homens normais. Com o Super-Homem reedita-se o mito do<br />

herói-força, em várias eras sonhado. Super-herói que sobrepuja os igualmente<br />

míticos trabalhos de Atlas, Hércules e quejan<strong>dos</strong> (MARNY apud<br />

CARVALHO JR., op. cit, p.50).<br />

Os elementos e signos que definem esse estilo de narrativa derivam de<br />

suas histórias. O caráter messiânico do personagem ultrapassa as fronteiras terri-<br />

toriais estadunidenses e se estende por vários países 40 .<br />

O personagem configura-se como um mito moderno. Contudo, o que<br />

observaremos neste capítulo será a construção deste mito. Paulatinamente<br />

veremos a associação da imagem do personagem com elementos mitológicos<br />

clássicos e culturais estadunidenses, ora simbólicos, ora do cotidiano. O<br />

personagem que surge como um misterioso defensor do homem comum, em<br />

1938, evolui, na década de 50, para um símbolo de toda uma cultura, campeão da<br />

verdade, da justiça e do modo de vida americano. Em seus primórdios, seus<br />

40 Em carta publicada na revista Mundo <strong>dos</strong> Super-heróis nº 3 (fevereiro de 2007, p.77), o<br />

estudante Anderson Richter relata um episódio que aconteceu no Rio de Janeiro: quando se<br />

encontrava em uma banca de jornal “um garoto desses que vendem balas na rua“ pediu para que<br />

ele lhe comprasse uma revista. Ele perguntou se ele queria uma do Mickey, e o garoto respondeu<br />

que queria do Superman. Ele perguntou o motivo, que o garoto prontamente respondeu: “Porque<br />

ele é o melhor e está sempre pronto para salvar o mundo”. Percebemos neste momento quanto o<br />

mito do Superman está consolidado nos países, nos quais suas histórias, seja nas versões<br />

impressas, ou seja, nas outras mídias: televisão e cinema, são consumidas.<br />

47


inimigos são aqueles que realmente preocupavam os estadunidenses, como nos<br />

afirma Knowles:<br />

O super-herói moderno ganhou vida em meio à Grande Depressão e no<br />

início da Segunda Guerra Mundial. Os americanos estavam com medo, e<br />

os super-heróis proporcionavam conforto e certa fuga da realidade.<br />

Super-Homem, o primeiro <strong>dos</strong> grandes super-heróis, não enfrentava<br />

robôs ou alienígenas do espaço em suas primeiras aventuras; ele lutava<br />

contra os vilões que realmente preocupavam as pessoas naquela época:<br />

gângsteres, políticos corruptos, fascistas e quem se aproveitava da<br />

guerra. (KNOWLES, op. cit, p. 24)<br />

Conforme suas histórias vão sendo criadas; o elemento fantástico vai<br />

sendo ampliado, afastando-o cada vez mais do homem comum, em um processo<br />

de maior mitificação do personagem. O historiador Bradford Wright nos informa<br />

que:<br />

As revistas em quadrinhos do Super-Homem se transformaram num<br />

mythos fantástico, cada vez menos comprometido com algum padrão de<br />

realidade. Os poderes do Super-Homem, incríveis desde o início,<br />

atingiram proporções extraordinárias, divinas (WRIGHT apud<br />

KNOWLES, op cit, p. 143).<br />

O aspecto transgressor das primeiras histórias, voltado para a publicação<br />

nas tiras dominicais, modifica-se, adaptando a moral que a sociedade passa a<br />

exigir <strong>dos</strong> seus defensores ficcionais, principalmente, como modelos a serem<br />

segui<strong>dos</strong> pelos jovens leitores. O Superman passa de um combatente do crime<br />

raivoso a um “escoteiro” 41 americano. É através do seu imaginário social que a<br />

sociedade expressa sua identidade, como nos aponta Bronislaw Baczko:<br />

É assim que através <strong>dos</strong> seus imaginários sociais, uma coletividade<br />

designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si;<br />

estabelece a distribuição <strong>dos</strong> papéis e das posições sociais; exprime e<br />

impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código do bom<br />

comportamento, (...) de ordem em que cada elemento encontra o seu<br />

lugar, a sua identidade e a sua razão de ser. (BACZKO, 1985, p. 309)<br />

41 Escotismo, fundado por Lorde Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, em 1907, é um<br />

movimento mundial, educacional, voluntariado, apartidário, sem fins lucrativos. A sua proposta é o<br />

desenvolvimento do jovem, por meio de um sistema de valores que prioriza a honra, baseado na<br />

Promessa e na Lei escoteira, e através da prática do trabalho em equipe e da vida ao ar livre,<br />

fazer com que o jovem assuma seu próprio crescimento, tornar-se um exemplo de fraternidade,<br />

lealdade, altruísmo, responsabilidade, respeito e disciplina. Fonte: Escoteiros do Brasil -<br />

Disponível em: http://www.escoteiros.org.br/escotismo [último acesso em 30 de novembro de<br />

2010].<br />

48


O destaque da obra Superman não se dá pela sofisticação do trabalho de<br />

Shuster e Siegel, mas sim pela sua capacidade em perceber as características<br />

culturais, emocionais e econômicas da época em que viviam, de captar o zeitgeist<br />

e transpô-las para as histórias. E é esta capacidade que os artistas e editores<br />

percebem e ampliam, e que transformam o personagem em um modelo mítico.<br />

3.1. Origem e história<br />

O Superman foi criado por Jerome “Jerry” Siegel (Cleveland, 1914 – Los<br />

Angeles, 1996) e Joseph “Joe” Shuster (Toronto, 1914 – Los Angeles, 1992).<br />

Siegel era filho de imigrantes judeus da Lituânia, era fã de comics e pulps,<br />

principalmente histórias de ficção científica. Entre suas inspirações, destacam-se<br />

os romances de Edgard Rice Burroughs (Tarzã e John Carter de Marte) e também<br />

de Philip Wylie (The Gladiator 42 e The Savage Gentleman). Estes romances<br />

serviriam de inspiração para criação do personagem Doc Savage de Lester Dent ,<br />

que influenciariam diretamente na construção do Superman. Em 1929, publicou o<br />

seu primeiro fanzine, Cosmic Stories, publicando obras similares nos anos<br />

seguintes. Aos 17 anos, conheceu Shuster, com quem firmou parceria em<br />

diversos trabalhos. Shuster, artista canadense, mudou-se para os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong><br />

aos 9 anos, e, assim como Siegel, era fã de comics e ficção científica. Siegel<br />

descreveu esta parceria da seguinte forma: “Quando Joe e eu nos conhecemos,<br />

foi como se dois elementos se juntassem em uma perfeita reação química”.<br />

42 The Gladiator (1930) relata a história de Hugo Danner, que, após participar de experimentos de<br />

seu pai, ganha superpoderes, conseguindo “pular mais <strong>alto</strong> que uma casa” e correr “mais rápido<br />

que um trem”, elementos que Siegel e Shuster utilizariam no Superman. Danner apesar de ser<br />

excelente em esportes e ter sido herói de guerra, não consegue utilizar seus poderes para ajudar<br />

as pessoas, sendo perseguido quando os demonstra ao salvar uma pessoa presa em um cofre de<br />

banco. Isolado, resolve participar de uma expedição arqueológica à América do Sul, sendo<br />

atingido por um raio e morrendo após amaldiçoar a Deus. A ficção pessimista de Wylie, procurava<br />

demonstrar que a sociedade americana não estava pronta para aceitar um super-homem.<br />

(KNOWLES, 2008).<br />

49


Em 1933, criaram uma história chamada The reign of Superman (fig. 12),<br />

publicada no fanzine Science Fiction nº 3. Nela, um vilão telepata careca<br />

chamado apenas de The Superman tentava dominar o mundo. O personagem<br />

não fez sucesso e foi logo esquecido. No ano seguinte, fizeram algumas<br />

modificações e tentaram apresentá-lo a algumas editoras. O personagem foi<br />

oferecido então aos editores da Consolidated Book Publishing, que tinham<br />

publicado um livro de quadrinhos em preto e branco de 48 páginas<br />

chamado Detective Dan: Secret Operative nº 48. Mesmo respondendo com uma<br />

carta encorajadora aos jovens artistas, a Consolidated nunca mais voltaria a<br />

publicar quadrinhos. Shuster se irritou e queimou todas as páginas de The<br />

Superman, restando apenas a capa, salva por Siegel, que a retirou do fogo.<br />

Começava então uma jornada para publicar o personagem.<br />

Fig. 12 - The Reign of the Superman - primeira concepção do personagem Superman<br />

(1933)<br />

50


Fig. 13 - Superman 1933 – História do Superman enviada para Consolidated Book: a capa que<br />

sobreviveu ao fogo e esboço de Shuster do personagem<br />

Assim como Siegel e Shuster, vários roteiristas e desenhistas viam nas<br />

comics uma possibilidade de terem trabalho, isto em uma economia que vivia a<br />

Depressão. As aventuras em histórias em quadrinhos torvavam-se válvulas de<br />

escape, inclusive para quem as gerava. Salvo algumas exceções, os grandes<br />

nomes das tiras de jornais, como Milton Caniff, Alex Raymond e Hal Foster, não<br />

havia qualquer tipo de garantia para aqueles que as produziam, não havia<br />

devolução de originais e era raro qualquer crédito para os realizadores, a não ser<br />

nas assinaturas feitas nos próprios desenhos, que eram muitas vezes apagadas.<br />

Seus originais eram altera<strong>dos</strong> e suprimi<strong>dos</strong> algumas partes.<br />

Os proventos que recebiam pelo seu trabalho era minúsculo em relação<br />

ao que as editoras lucravam. Porém, isso não os impedia de continuar,<br />

eram fãs que começavam a se apossar de sua mídia de forma<br />

impetuosa e fértil, expressando não uma visão original do mundo, mas<br />

sim algo que “estava no ar”. (PATATI & BRAGA, 2006, p.68)<br />

51


A partir de 1935, Siegel e Shuster passaram a trabalhar para a National,<br />

escrevendo e desenhando o Doutor Oculto (More Fun Comics nº 6) e Sam Spade<br />

(Detective Comics nº 1). Em 1936, tentaram apresentar o Superman, mas tanto o<br />

editor atual, Major Wheeler-Nicholson, quanto o novo proprietário da National<br />

Periodical Publications, Harry Donenfeld, rico empresário do ramo de distribuição<br />

de revistas 43 , compartilhavam o mesmo tipo de pensamento que havia impedido a<br />

publicação do personagem: não acreditavam no sucesso do conceito de<br />

personagens com fantasias coloridas ou habilidades super-humanas estranhas.<br />

Pensavam que o público não acreditaria em um personagem tão poderoso e tão<br />

primário, e que o trabalho era imaturo: “A tira tinha sido rejeitada por to<strong>dos</strong> os<br />

jornais de Nova York, pois tinha sido considerada demasiado fantástica, mesmo<br />

para o público juvenil” (KAPLAN, op. cit). Porém, no fim, com a intervenção de<br />

Max Gaines neste processo, junto a Jack Liebowitz (também proprietário da<br />

National), Donenfeld resolveu arriscar, a National Periodical comprou os direitos<br />

do personagem por US$ 130,00, lançando-o na capa da revista Action Comics nº<br />

1 44 , em junho de 1938.<br />

As histórias do personagem que tinham sido elaboradas para as tiras de<br />

jornais, tiveram que ser modificadas para este novo formato. A revista Action<br />

Comics nº 1, 64 páginas, era um mix de personagens, como a More Fun Comics e<br />

a Detective Comics. Além do Superman, ela tinha histórias de western (Chuck<br />

43 Donenfeld criou um império a partir das publicações pulp e revistas de caráter pornográfico<br />

como Paris Night e Pep! Possuía contatos comerciais legítimos com o governo e obscuros com a<br />

máfia (que transportava seu material impresso junto com outros produtos proibi<strong>dos</strong>. O ataque ao<br />

crime organizado fez com que mudasse sua linha de trabalho, o que levou aos comics.<br />

(KNOWLES, op. cit p. 128-129)<br />

44 Em setembro de 2010, um exemplar de Action Comics nº 1 graduado com a nota 5.0 (a nota<br />

varia de 0,5 a 10, de acordo com a conservação da obra) pelo CGC (Certified Collectibles Group<br />

- Comics Guaranty) foi vendido em leilão pela Comic Connect por 436 mil dólares. Em fevereiro<br />

do mesmo ano, um exemplar com graduação 8.0, foi vendida por um milhão de dólares. Fonte: Universo<br />

HQ. .Disponível em: http://universohq.com/quadrinhos/2010/n22092010_03.cfm [[último acesso em 23 de setembro de<br />

2010]<br />

52


Dawson e Tex Thomson), magia (Zatara), comédia (Sticky-Mitt Stimson), histórica<br />

(The Adventures of Marco Polo), boxe (Pep Morgan), policial (Scoop Scalon), um<br />

conto (South Sea Strategy) e um artigo sobre baseball (Odds’n Ends).<br />

Fig. 14 - Action Comics n° 1<br />

O que os editores não poderiam prever foi o imediato sucesso de vendas<br />

do personagem. Apesar da repercussão, os donos da revista, não notaram a<br />

importância do herói de imediato e demoraram seis números para trazer o<br />

personagem de volta à capa da revista, na Action Comics nº 7 (dezembro de<br />

1938), retornando na nº 10 (março de 1939). A partir da edição nº 12 (maio de<br />

53


1939), a sua imagem estava sempre presente nas capas. Na edição de nº 19<br />

(novembro de 1939) o Superman se apoderou definitivamente dela e não a largou<br />

mais.<br />

Em 1939, é lançada a revista Superman nº 01 45 , primeira revista da<br />

National dedicada exclusivamente a um super-herói. Neste mesmo ano, atingiria o<br />

objetivo inicial de seus criadores, que era originalmente publicá-lo nas tiras e<br />

páginas dominicais de jornais, o que representaria um retorno financeiro mais<br />

expressivo. Contudo, como venderam o direito do personagem, não puderam<br />

usufruí-lo. Esta fase de publicação em tiras de jornais duraria até 1966. Com<br />

Superman, o mito do super-herói tomou proporções gigantescas na década de 40,<br />

e, cerca de 20 milhões de leitores em 40 países acompanhavam as histórias nos<br />

jornais (FEIJÓ, 1997).<br />

Fig. 15 - Superman n° 1 (jun 1939)<br />

45 Esta edição alcançou a marca de 1,25 milhão de exemplares. (RIBEIRO, 2009, p.25)<br />

54


A popularidade do personagem cresceu a ponto de originar novos títulos<br />

(World Finest Comics - 1941) e atingir to<strong>dos</strong> os meios de comunicação: show de<br />

rádio (As aventuras do Superman, 1940 a 1951), desenho animado (1941, pelos<br />

estúdios Fleischer) 46 , romance (The Adventures of Superman, escrito por George<br />

Lowther e ilustrado por Joe Shuster, 1942), séries no cinema (1948) e na televisão<br />

(1952), musical na Broadway (It's A Bird, It's A Plane, It's Superman, 1966) e<br />

filmes de longa duração (1978). Enfim, tornando-se um <strong>dos</strong> mais famosos<br />

personagens ficcionais já cria<strong>dos</strong>.<br />

Fig. 16 - Superman no cinema (1948) e na TV (1952)<br />

46 Nos desenhos anima<strong>dos</strong>, séries de tv e filmes optamos por indicar apenas a data da primeira<br />

produção. Foram até agora realizadas com a participação do personagem: seis séries animadas<br />

(1941, 1966, 1973, 1988, 1996, 2000), duas séries no cinema (1948 e 1950), cinco séries de<br />

televisão (1952, 1961, 1988, 1993, 2001) e cinco filmes longa metragem (1978, 1980, 1983, 1987,<br />

2006),<br />

55


Fig. 17 - Action Comics nº 1 - pág. 3 - origem do Superman (jun/1938)<br />

56


Como é um personagem que tem uma longa duração de publicação, o<br />

Superman teve sua história contada e recontada ao longo <strong>dos</strong> anos 47 .<br />

Personagens secundários foram inseri<strong>dos</strong> e vários elementos de outras mídias,<br />

como o rádio 48 , foram introduzi<strong>dos</strong> na trama. Na sua origem, publicada na Action<br />

Comics nº 1, Superman, último sobrevivente da explosão de um planeta em<br />

“idade avançada” que é enviado à Terra pelo pai, um cientista, em um foguete<br />

(quadro 1). É achado por um motorista (quadro 2), que o leva para um orfanato<br />

(quadro 3). Quando adulto, percebe que pode: saltar 200m, sobre um prédio de<br />

20 andares (quadro 4), erguer pesos tremen<strong>dos</strong> (quadro 5), correr mais rápido<br />

que um trem expresso (quadro 6), e, nada menor que um tiro de morteiro poderia<br />

atingi-lo. Ele então decide usar sua força titânica para ajudar a humanidade,<br />

tornando-se “o Superman, campeão <strong>dos</strong> oprimi<strong>dos</strong>. A maravilha física que jurou<br />

dedicar a sua existência a ajudar os necessita<strong>dos</strong>” (quadro 7). A explicação da<br />

47 Na edição Superman nº 1 (1939) já houve modificações em relação a Action Comics nº 1 (1938).<br />

Em 1961, na revista Superman nº 146 é publicada a história The Complete Story of Superman’s<br />

Life, que reconta a sua origem. Nesta versão, o Superman deixa Kripton com 3 anos, por isso<br />

possui lembranças do planeta e mostra o herói na juventude atuando como Superboy, e os pais<br />

Jonathan e Martha o ajudam a controlar os poderes. Em 1986, na revista Man of Steel, John Byrne<br />

reconta novamente a origem do personagem, abolindo a atuação do personagem na<br />

adolescência, mudando o perfil do arquiinimigo, Lex Luthor, de cientista louco para um rico<br />

empresário, Lois Lane ganha um perfil mais independente, forte e sensual, e, mantendo os pais<br />

vivos. Entre 2003 e 2004, a DC Comics lançou Superman: Birthright (no Brasil, Superman: Legado<br />

das Estrelas) minissérie em 12 edições, escrita por Mark Waid e desenhada por Leinil Francis Yu,<br />

ela originalmente se propunha a ser a nova história da "origem de Superman", atualizando-a para<br />

os novos leitores, e substituindo aquela contada por John Byrne. O enredo da série é centrado nos<br />

primeiros anos de Clark Kent como Superman, mostrando como ele conheceu Lois Lane, e como<br />

se deu seus primeiros confrontos contra Lex Luthor em Metropolis. Um <strong>dos</strong> aspectos que mais<br />

rendeu atenção à série foi re-introduzir a idéia de que Lex Luthor e Clark Kent haviam se<br />

conhecido ainda jovens, quando moravam em Smallville, assimilando conceitos da série<br />

homônima de televisão, mudando inclusive o visual de alguns personagens, como o pai do<br />

Superman. Vale ressaltar, a construção da dupla identidade, baseada em técnicas cênicas e<br />

posturas corporais, lembrando a atuação de Christopher Reeve, no filme Superman de 1978.<br />

48 O personagem Jimmy Olsen estreou no programa de rádio em 1940, e só foi publicado nos<br />

comics na revista Superman 13 (1941). O mesmo aconteceu com o editor Perry White, que só<br />

apareceria na edição nº 7 da revista Superman (1940).<br />

57


sua força (quadro 8 – 9) 49 é que ele era oriundo de um planeta “milhões de anos”<br />

mais avançado que o nosso. Superman, ou melhor, Clark Kent 50 , trabalha como<br />

jornalista do jornal Estrela Diária (quadro 34), e tem como colega Lois Lane<br />

(quadro 46). Nesta edição, ele salva uma inocente da pena de morte, invadindo a<br />

casa do governador (quadro 14); impede um espancador de abusar da esposa<br />

(quadro 40); detém o seqüestro de Lois Lane, esmagando o carro <strong>dos</strong><br />

seqüestradores contra uma pedra, a antológica cena da capa (quadro 67), e<br />

prende um lobista (quadro 89). Nesta edição, vemos também que para manter a<br />

identidade secreta protegida, ele faz papel de covarde na frente de Lois (quadro<br />

50). Não há menção ao nome do planeta de origem, ou mesmo à cidade na qual<br />

vai trabalhar. Estes elementos vão ser adiciona<strong>dos</strong> ao longo das histórias.<br />

Um ano depois do lançamento da Action Comics, é lançada a revista<br />

Superman (1939), uma edição trimestral 51 , que reúne as primeiras histórias<br />

publicadas e introduz novos elementos na sua história. Com as devidas<br />

modificações, sua história (até a reformulação de 1961), fica assim: Kal-El 52 , filho<br />

do cientista Jor-El e Lara 53 , é enviado ao espaço em um foguete, enquanto seu<br />

49 Na história há uma tentativa de explicação racional, mesmo que fantástica, é uma tentativa de<br />

evocar a realidade do leitor, como afirma Bernardo Oliveira: “o fantástico (...) deve ser ao menos<br />

admissível da perspectiva científica, como se tudo que parece misterioso tivesse uma explicação<br />

racional(...) elas [as explicações] se apóiam em teorias que nada tem de óbvias ou factíveis, mas<br />

devem parecer plausíveis.” (OLIVEIRA, op cit, p. 144)<br />

50 Uma das teorias da origem do nome estaria nos heróis <strong>dos</strong> pulps Doc Savage (Clark Savage) e<br />

Sombra (Kent Allard). (RIBEIRO, op. cit, p.24) Em entrevista em 1983, Shuster afirmou que o<br />

nome do personagem teria sido baseado nos atores Clark Gable e Kent Taylor.<br />

51 Os cinco primeiros números foram trimestrais (edições de verão, outono, inverno e primavera), a<br />

partir do nº 6 (1940) passou a ser bimensal até 1955, quando alternou entre edições mensais e<br />

bimensais.<br />

52 Carvalho Júnior nos informa a Etimologia do nome do herói KAL EL: 1. Do <strong>alto</strong> alemão antigo<br />

KHARAL = homem / 2. Do germânico KARALMANN = homem vigoroso / 3. Do árabe KALED =<br />

imortal / 4. Do árabe KALIL = amigo íntimo / 5. Do hebraico KAL EL = amigo de Deus (CARVALHO<br />

JÚNIOR, op. cit, p.52)<br />

53 O nome <strong>dos</strong> pais surgiu nas tiras (1939), primeiro Jor-L e Lora. Em 1942, mudaram para Jor-El e<br />

Lara, que permanecem até hoje.<br />

58


planeta natal Krypton 54 sofre um cataclismo e é destruído. O foguete que aterrisa<br />

na cidade de Smallville 55 , situada no estado norte-americano do Kansas. Ele é<br />

encontrado por um motorista na estrada e levado a um orfanato, quando é<br />

adotado por um casal de i<strong>dos</strong>os, os Kent 56 , que dão ao bebê o nome de Clark e o<br />

criam como seu próprio filho. Na adolescência, ele usa seus poderes como<br />

Superboy 57 . Com a morte <strong>dos</strong> pais adotivos, muda-se para a cidade de<br />

Metrópolis 58 , e vai trabalhar no jornal Planeta Diário 59 , onde encontra a repórter<br />

Lois Lane, seu interesse afetivo, e o fotógrafo adolescente Jimmy Olsen, seu<br />

sidekick 60 . Em momentos de crise, troca a identidade do tímido repórter para vestir<br />

um uniforme azul e vermelho, e usa seus poderes: vôo, superforça,<br />

invulnerabilidade, visão de raios-x, entre outros 61 , e torna-se o Superman,<br />

54 Krypton, em português Criptônio, é um elemento químico pertencente ao grupo <strong>dos</strong> gases<br />

nobres, símbolo Kr, nº atômico 36.<br />

55 No Brasil, a cidade ficou conhecida como Pequenópolis.<br />

56 Primeiro os personagens eram só denomina<strong>dos</strong> de Kent. Na revista Superman nº 1 (1939),<br />

apenas a mãe recebe um nome, Mary. Em 1942, no livro The Adventures of Superman de Lowther<br />

foram chama<strong>dos</strong> de Eben e Sarah. Na revista Superman 53 (jul/ago 1948) passaram a ser John,<br />

e, novamente Mary. Depois, os nomes mudaram para Jonathan (1950) e Marthe (1951). Em 1961,<br />

ficaram definitivamente como Jonathan e Martha Kent.<br />

57 Depois da publicação do personagem, Siegel sugeriu a publicação do personagem ainda jovem,<br />

o que foi rejeitado. Em 1944, a DC lançou sem a aprovação de Siegel (que estava servindo na<br />

guerra), mas com arte de Shuster, lançou na More Fun Comics nº 101 o personagem. Dois anos<br />

depois as histórias mudaram para a Adventure Comics. Somente em 1949 o personagem ganharia<br />

título próprio.<br />

58 Metrópolis, nas histórias, é um grande centro urbano como Nova York. Existe uma cidade nos<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, em Illinois, chamada de Metropolis, que se autodenominou o “lar do Superman”.<br />

O nome teria sido inspirado no filme Metropolis de Fritz Lang, de 1927.<br />

59 O jornal originalmente chamava-se Estrela Diária, mas como existia em Toronto, cidade natal de<br />

Shuster, um jornal de mesmo nome, os editores resolveram mudar para Planeta Diário.<br />

60 A partir de 1940, com a criação do Robin, os parceiros juvenis ou sideckicks tinham ganhado<br />

bastante notoriedade e criavam um elo de identificação com os leitores mais jovens. Jimmy Olsen<br />

representava este papel nas histórias. Esta identificação com os leitores foi o que originou anos<br />

depois a criação do Superboy (1944).<br />

61 Ao longo das histórias, o poder do Superman cresce exponencialmente, e novos poderes vão<br />

sendo acrescenta<strong>dos</strong> ao seu repertório, levando-o, a partir da década de 50, a um status divino.<br />

Quanto mais fantástica a história, mais poderoso ele se torna. Nestes 70 anos de publicação, eis<br />

a lista <strong>dos</strong> poderes que o Superman demonstrou: superforça, supervelocidade, invulnerabilidade,<br />

supers<strong>alto</strong>, visão de raios-x, visão telescópica, visão microscópica, visão de calor, superaudição,<br />

59


campeão da verdade, da justiça e do modo de vida americano. Sua única<br />

fraqueza é o minério oriundo de seu planeta natal a kriptonita 62 .<br />

3.2. A construção do mito<br />

Ao analisarmos o Superman como um modelo mítico, tentaremos entender<br />

como um personagem com forte componente simbólico judaico, com<br />

características messiânicas marcantes (tanto no aspecto judaico quanto cristão),<br />

veio a se tornar símbolo de uma nação. O discurso do personagem amplia-se no<br />

decorrer <strong>dos</strong> anos e seu caráter mitológico faz-se cada vez mais presente.<br />

Conforme aumenta a influência estadunidense no globo, encontramos no<br />

Superman um embaixador desta cultura.<br />

Contudo, ao analisarmos uma obra, devemos considerar o que Pierre<br />

Macherey nos aponta: “estudar uma obra consiste em relacioná-la com duas<br />

histórias distintas, mas que se completam como uma totalidade social, o momento<br />

histórico e sua exata ideologia”. (MACHEREY apud CIRNE, op. cit, p. 18).<br />

Observaremos como o Superman que surge em um momento de grande stress<br />

superfôlego, vôo, supersopro, resistência a venenos e radiação, resistência ao vácuo, regeneração,<br />

superinteligência, memória eidética, sopro congelante, suspensão <strong>dos</strong> senti<strong>dos</strong>, imortalidade,<br />

criar cópia de si, raio psicocinético, imagem múltipla, multiplicidade, super-ventriloquismo, hipnotismo,<br />

alternância de densidade, campo eletromagnético, visão infravermelha, magnetismo, raios óticos<br />

elétricos,<br />

62 A kriptonita surgiu nos programas de rádio em 1943, e somente teve sua aparição nos comics<br />

em 1949. Em 1971, a partir da edição 233 (janeiro de 1971) até a edição 242 (setembro de 1971),<br />

a kriptonita perdeu seu efeito. Neste período o personagem nada atingia o personagem, um<br />

verdadeiro deus. O que não passou despercebido pelos opositores do personagem. No artigo<br />

publicado em 1971, pelo o jornalista, crítico de cinema e de histórias em quadrinhos Sérgio<br />

Augusto sobre o Superman, no artigo “É um pássaro? É um avião? É Super-Homem? Não, é<br />

Deus!” na Revista de Cultura Vozes, p. 31: “O monstro atingiu as raias da parafrenia. To<strong>dos</strong> os<br />

sintomas da doença podiam (e podem) ser facilmente localiza<strong>dos</strong> em suas histórias. Dois deles<br />

merecem destaque especial: a megalomania manifesta no desejo de participar de to<strong>dos</strong> os<br />

acontecimentos históricos, na exaltação de seus superpoderes, na identificação constante com<br />

monarcas e profetas, no seu culto à riqueza, e a tendência ao paralogismo (despreocupação total<br />

com a falta de raciocínio em seu discurso). Os mesmos estereótipos fabrica<strong>dos</strong> e acalenta<strong>dos</strong><br />

pelas camadas mais retrógradas da sociedade americana encontraram nele um ideólogo atento e<br />

radical.” (AUGUSTO apud CARVALHO JUNIOR, op, cit, p.46)<br />

60


nacional, e findo este período ainda permanece com sua função social, o que não<br />

acontece com outros personagens cria<strong>dos</strong> no mesmo período. E, pelo contrário<br />

cada vez mais se solidifica como ícone cultural estadunidense.<br />

O caráter mitológico do Superman é formado por um amálgama de<br />

elementos míticos de diversas culturas que se sobrepõem. É o que vermos agora<br />

3.2.1. Superman como herói épico<br />

No capítulo 2 observamos a relação entre os super-heróis modernos e os<br />

heróis míticos. Percebemos que os super-heróis possuem os mesmos elementos<br />

que caracterizam os heróis épicos. Como nos aponta Cornelius Castoriadis: “todo<br />

simbolismo se edifica sobre a ruína <strong>dos</strong> edifícios simbólicos precedentes, utilizan-<br />

do seus materiais, mesmo que seja só para preencher as fundações de novos<br />

templos” (CASTORIADIS, 1982, p. 147). <strong>Para</strong> exemplificar esta questão faremos<br />

um paralelo entre duas histórias distintas; a do herói grego Aquiles e a do Super-<br />

man, e perceber como os mesmos elementos estão presentes em ambas histó-<br />

rias.<br />

Fruto de uma união entre a nereida Tétis (a origem divina/mística) e Peleu,<br />

rei <strong>dos</strong> mirmidões da Tessália (o lado humano), Aquiles foi banhado pela mãe, ao<br />

nascer, nas águas do Estige, o rio infernal, para tornar-se invulnerável. Mas a mãe<br />

o segurou pelos calcanhares e a água ali não o banhou, mantendo-o humano<br />

naquele ponto.<br />

Sabedora de que o filho estava destinado a seguir a missão de herói e que,<br />

segundo uma profecia, morreria cedo em um campo de batalha, Tétis fez Aquiles<br />

ser criado como menina na corte de Licomedes, na ilha de Ciros, para mantê-lo a<br />

salvo. Mas outro herói, Odisseu (Ulisses), sabedor da força de Aquiles, recorreu a<br />

um ardil para identificá-lo entre as moças. Aquiles, resoluto, assumiu a missão a<br />

61


ele destinada e marchou com os gregos sobre Tróia, para impor a ordem sobre o<br />

caos.<br />

No décimo ano de luta, Aquiles capturou a jovem Briseida, que lhe foi<br />

tomada por Agamenon, chefe supremo <strong>dos</strong> gregos. Ofendido, o herói retirou-se<br />

da guerra, mas cedeu a seu amigo Pátroclo a armadura que usava. Pátroclo foi<br />

morto por Heitor, filho do rei de Tróia, Príamo. Sedento de vingança, Aquiles<br />

reconciliou-se com Agamenon, retornou à luta e matou Heitor. No entanto, o deus<br />

Apolo revelou aos inimigos do herói que os calcanhares eram seu ponto fraco e<br />

Páris, irmão de Heitor, acertou-lhe uma flecha envenenada no calcanhar,<br />

matando-o.<br />

Alguns pontos em comum podem ser destaca<strong>dos</strong>, tanto Aquiles como Kal-<br />

El possuem uma natureza não-humana, os dois ganham poderes através de<br />

elementos naturais, porém de forma sobrenatural (Aquiles é banhado no Estige e<br />

Kal-El recebe poderes através da sua origem kriptoniana - o sol amarelo concede<br />

poderes sobre-humanos aos originários deste planeta 63 ), os dois são<br />

invulneráveis, mas possuem pontos fracos com os quais podem ser derrota<strong>dos</strong><br />

(Aquiles, o calcanhar; e Superman, a kriptonita), escondem a sua natureza sobre-<br />

humana vivendo como pessoas comuns (Aquiles criado na corte de Licomedes, e<br />

Superman em Smallville), porém a sua verdadeira natureza é revelada, e os dois<br />

são convoca<strong>dos</strong> a lutar por sua pátria em uma guerra (Aquiles em Tróia e<br />

Superman na 2ª Guerra).<br />

O Superman, e outros heróis épicos, desde criança já demonstram<br />

características ou habilidades especiais, como força ou inteligência acima do<br />

63 Apesar de seus poderes possuírem uma explicação da ordem natural, não há base científica que<br />

a comprove.<br />

62


homem comum, que apontam para um grande destino futuro, como nos revela<br />

Junito de Souza Brandão, citado por Carlos Cavalcanti:<br />

De qualquer forma, exatamente por ser um herói a criança já vem ao<br />

mundo com duas “virtudes” inerentes à sua condição e natureza: a (...)<br />

“honorabilidade pessoal” e a (...) “excelência”, a superioridade em<br />

relação aos outros mortais (...) o que o predispõe a gestas gloriosas,<br />

desde a mais terra infância ou tão longo atinja a puberdade. Heracles,<br />

conta-se, aos oito meses, estrangulou duas serpentes enviadas por Hera<br />

contra ele e seu irmão Íficles, Teseu aos dezesseis anos, ergueu um<br />

enorme rochedo sobre que seu pai Egeu havia escondido a espada e as<br />

sandálias; o jovem Artur, e somente ele, foi capaz de arrancara espada<br />

mágica de uma pedra. (BRANDÃO apud CAVALCANTI, op. cit, p.102)<br />

O terceiro quadro da Action Comics 1, mostra Superman ainda bebê (tal<br />

como Hércules) realizando uma façanha de força sobre-humana, erguendo um<br />

sofá sob os olhos de dois atônitos enfermeiros.<br />

Veremos também que a imagem do personagem também remete a<br />

aspectos épicos. Seu uniforme (costume) evoca elementos que demonstra<br />

elementos de nobreza e força. A imagem tem o poder de “tornar<br />

instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre<br />

transmitem com fidelidade” (ESTEVES apud OLIVEIRA, op. cit, p. 137) A capa<br />

remete à imagem de cavaleiros medievais, e, assim, aspectos de nobreza,<br />

enquanto a indefectível sunga por cima da calça remete aos homens fortes do<br />

circo, os strongmen, halterofilistas que participavam de grandes demonstrações<br />

de força, cujo uniforme consistia em macacões ou colãs, quase sempre<br />

acompanha<strong>dos</strong> de uma “cueca” com o fim de tornar as roupas menos<br />

escandalosas. A importância da imagem e sua identificação nos é esclarecida por<br />

Cliford Geertz:<br />

A estrutura semântica da imagem não é apenas muito mais complexa do<br />

que parece na superfície, mas uma análise dessa estrutura força a<br />

reconstituição de uma multiplicidade de conexões referenciais, entre ela<br />

e a realidade social, de forma que o quadro final é o de uma<br />

configuração de significa<strong>dos</strong> dissimilares a partir de cujo entrelaçamento<br />

se originam tanto o poder expressivo como a força retórica do símbolo<br />

63


final. Esse entrelaçamento é em si mesmo um processo social, uma<br />

ocorrência não ‘na cabeça’, mas naquele mundo político onde as<br />

pessoas falam umas com as outras, dão nome às coisas, fazem<br />

afirmativas e, num certo grau, compreendem umas às outras (Geertz,<br />

1978, p.184).<br />

A vestimenta nos super-heróis é de suma importância, o seu caráter é<br />

simbólico, sua identidade, ela “consegue transmitir instantaneamente a força, o<br />

caráter, a ocupação de quem a usa. A maneira como o personagem a usa<br />

também pode transmitir uma informação ao leitor” (EISNER, op. cit p. 26). Alguns<br />

super-heróis, como Batman, usam máscaras que completam o uniforme para<br />

poder proteger a identidade dupla. Com Superman, a premissa básica da<br />

“máscara” é o colocar e tirar os óculos 64 , que neste caso, representaria a<br />

fragilidade do personagem. É comum a analogia com frases como: “Você não<br />

bateria em um homem de óculos?”, repetida a exaustão em situações cômicas. A<br />

dupla identidade do personagem é também o ponto chave da mitificação do<br />

personagem segundo Umberto Eco em Apocalípticos e Integra<strong>dos</strong>:<br />

Clark Kent personaliza de modo bastante típico, o leitor médio torturado<br />

por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através de um<br />

processo óbvio de identificação, um contador qualquer de uma cidade<br />

americana qualquer, nutre secretamente a esperança de que um dia, das<br />

vestes de sua atual personalidade, possa fluir um super-homem capaz<br />

de resgatar anos de mediocridade. (ECO, 2004, p. 248)<br />

Esta afirmação pode ser estendida aos leitores de histórias em quadrinhos<br />

de todo o mundo. As fantasias de superpoder irão desta forma responder aos<br />

anseios de potência e controle da própria vida ou da sociedade. Então, aqueles<br />

que tiverem quaisquer características que os aproximem do modelo do herói,<br />

terão destaque na sociedade em que vivem. Como nos afirma Carlos de Hollanda<br />

64 Na minissérie Superman: Legado das Estrelas (2003), o escritor Mark Waid insere outros<br />

elementos como postura corporal, tom de voz, técnicas cênicas, além da roupa mais formal para<br />

complementar o disfarce. Superman compõe um “personagem” totalmente oposto a sua figura<br />

super-heróica. Enquanto Superman seria o centro das atenções, Clark Kent teria que ser<br />

praticamente invisível, sua presença deveria passar despercebida.<br />

64


Cavalcanti: “As identidades secretas <strong>dos</strong> super-heróis, no fundo, funcionam como<br />

uma forma de compensar, de modo imaginário, a condição daquele leitor que se<br />

vê a si mesmo ou que é visto pelos demais como desprovido das condições do<br />

modelo”. (CAVALCANTI, op. cit, p. 124). E estas características irão representar,<br />

inclusive, os padrões de beleza da sociedade, como nos afirma Carvalho Júnior:<br />

O herói criado por Siegel e Shuster resumia iconograficamente os<br />

padrões de beleza da época. O rosto do personagem correspondia<br />

visualmente a um homem na casa de seus quarenta anos, o nariz era<br />

mais achatado, os olhos escuros. O herói tinha “entradas” no cabelo e o<br />

corpo era bem definido, porém sem nenhum exagero físico. O uniforme<br />

era praticamente o mesmo que o atual, mas o símbolo “S” no peito era<br />

visualmente diferente do atual. O Super-Homem atual tem o rosto de um<br />

homem em torno de (no máximo) 30 anos, olhos azuis e nariz no estilo<br />

das estátuas greco-romanas. O cabelo, ainda que varie de estilo acordo<br />

com as histórias, é sempre basto e pouco se nota das entradas <strong>dos</strong> anos<br />

30. O físico é desenhado de maneira assustadoramente exagerada,<br />

refletindo claramente o culto ao corpo do final do século XX e início do<br />

século XXI. (CARVALHO JR, op. cit, p.43-44)<br />

Fig. 18 - Clark Kent e Superman - esboço de Shuster<br />

65


3.2.2. Mito judaico/cristão: messias ou golem<br />

A década de 1930 foi uma época terrível na história <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>,<br />

com <strong>alto</strong>s índices de violência urbana, imigrações em massa, economia em crise<br />

e o radicalismo político interno e externo, que mantiveram os estadunidenses em<br />

um estado de medo e ansiedade. À medida que a preocupação crescia, aumenta-<br />

va também a necessidade de fantasias reconfortantes de um salvador ou um<br />

messias, principalmente entre os judeus, como nos afirma Eisner na graphic no-<br />

vel O complô: a história secreta <strong>dos</strong> Protocolos <strong>dos</strong> Sábios de Sião: “Cresci du-<br />

rante a Grande Depressão e vivi o preconceito – incidentes dolorosos e indignida-<br />

des que muitas vezes se abatiam sobre judeus em nossa sociedade naquela épo-<br />

ca”.(EISNER, 2006, p. 1). Assim como Eisner, Siegel e Shuster viam no mercado<br />

emergente de histórias em quadrinhos a tentativa de mudar sua realidade. Desta<br />

forma, ilustradores e escritores judeus entraram no campo das histórias em qua-<br />

drinhos porque outras áreas da ilustração comercial estavam praticamente fecha-<br />

das para eles: "Nós não poderíamos entrar em tiras de jornais ou publicidade,<br />

agências de publicidade não iriam contratar um judeu", explica Al Jaffee 65 . "Uma<br />

das razões pelas quais judeus rumaram para a indústria de quadrinhos é que a<br />

maioria <strong>dos</strong> editores de quadrinhos era de origem judia. Portanto, não havia dis-<br />

criminação”.(KAPLAN, op. cit)<br />

65 Al Jaffe, nascido em Savannah – Geórgia (EUA) em 1921, é um <strong>dos</strong> maiores cartunistas<br />

estadunidenses, trabalhou em revistas de humor como Trump, Humbug e Mad, na qual foi<br />

consagrado, trabalhando nela por mais de 50 anos (ele é o criador das imagens que quando<br />

dobradas formam uma segunda ilustração cômica, uma das marcas registradas da revista Mad).<br />

Durante sua infância, visitou por perío<strong>dos</strong> prolonga<strong>dos</strong> a Lituânia, terra natal de sua mãe, e país<br />

do qual fugiu antes da invasão <strong>dos</strong> nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Trabalhou<br />

também nas editoras Timely Comics, Atlas Comics e EC Comics.<br />

Fonte: Universo HQ. Disponível em http://universohq.com/quadrinhos/2010/n04102010_06.cfm [último acesso 05 de<br />

outubro de 2010]<br />

66


Tratava-se de um negócio novo, aberto a qualquer pessoa. <strong>Para</strong> os garotos<br />

judeus a criação de histórias em quadrinhos parecia ser um caminho para sair da<br />

pobreza e uma expectativa de carreira artística lucrativa. Pela mesma razão, o<br />

campo também foi aberto para editores de quadrinhos. E foi um ajuste perfeito,<br />

dada a centralidade da narrativa na cultura judaica. "Somos o Povo do Livro, so-<br />

mos contadores de histórias, essencialmente", diz Will Eisner, “e qualquer um que<br />

está exposto à cultura judaica, seguirá pelo resto da vida com talento para contar<br />

histórias” (KAPLAN, op. cit).<br />

A história do Superman é rica em simbologia judaica, desde seu nome Kal-<br />

El (em hebraico: "Tudo o que é Deus" ou “amigo de Deus”), a sua chegada à Ter-<br />

ra, que lembra Moisés que ainda bebê sobreviveu ao decreto do Faraó para matar<br />

to<strong>dos</strong> os recém-nasci<strong>dos</strong> filhos de hebreus. No contexto da década de 1930, a<br />

história também reflete a saga <strong>dos</strong> Kindertransports - a evacuação para a segu-<br />

rança de centenas de crianças judias, sem seus pais, da Áustria, Alemanha, Polô-<br />

nia e Tchecoslováquia para a Grã-Bretanha. Michael Chabon (autor do romance<br />

vencedor do Prêmio Pulitzer, The Amazing Adventures of Kavalier & Clay) obser-<br />

va que há um paralelo entre o arquétipo do super-herói e o Golem 66 , teoria que<br />

Christopher Knowles e Will Eisner compartilham. <strong>Para</strong> Eisner, Superman é um<br />

descendente mítico do Golem e, assim, um elo na cadeia da tradição judaica, en-<br />

quanto Knowles atribui este aspecto ao Batman, criado em 1939 por Bob Kane 67 .<br />

66 O mito do Golem data <strong>dos</strong> guetos da Europa Oriental, onde os judeus se viam peridiocamente<br />

hostiliza<strong>dos</strong> por gentios. Os golens protegiam os judeus e puniam os seus inimigos. A mais famosa<br />

história de Golem é a que trata do rabino Loew, líder judeu em Praga. Após ataques anti-semitas<br />

por moradores hostis, o rabino criou o Golem a partir da lama do rio Vltava, utilizando<br />

conhecimentos da Cabala. Ele inscreveu o epíteto hebreu emet (verdade) em sua testa. Porém o<br />

golem, que deveria apenas proteger os judeus, ficou fora de controle e representou uma ameaça<br />

tanto para judeus quanto gentios. Com a promessa <strong>dos</strong> aldeões de pararem os pogroms, Loew<br />

destruiu o Golem apagando a primeira letra da palavra emet, deixando a palavra met, que significa<br />

morte. (KNOWLES, op. cit, p. 163)<br />

67 Assim como Jerry Siegel (Jerome Siegel), Joe Shuster (Joseph Shuster) e Will Eisner (Willian<br />

Eisner) eram judeus: Bob Kane (Robert Kahn) e Jack Kirby (Jacob Kurtzberg).<br />

67


Na mesma obra há outra passagem em que um personagem judeu comenta so-<br />

bre a identidade secreta de Clark Kent: “Esse Super-Homem, você não acha que<br />

ele é judeu? Vem lá do interior e muda de nome. Clark Kent – só um judeu esco-<br />

lheria um nome desses”. (KNOWLES, op. cit, p. 142) Outras características judias<br />

também podem ser atribuídas ao Superman, como nos aponta Carvalho Jr.:<br />

Em 1 de maio de 1995 o jornal Jerusalem Post publicou estudo afirmando<br />

que o Super-Homem é uma figura tipicamente judia. Segundo o jornal,<br />

o nome do original do herói, Kal El, tem “som judeu” e pode ser interpretado<br />

com o significado de “deus” em hebraico. Ainda de acordo com o<br />

estudo, a missão do herói – defender os mais fracos em uma eterna busca<br />

por Justiça – corresponde ao conceito religioso judeu do “Tikkun<br />

olan”, ou reparação das imperfeições do mundo. Por fim, o disfarce original<br />

do herói para se “vestir” de Clark Kent (óculos e chapéu de feltro) seria<br />

também prova de origem judaica. Segundo declarações do então presidente<br />

da Fundação Estadunidense pela Cultura Judia, Daniel<br />

Schifrin,“essas características são atribuídas normalmente aos judeus da<br />

Diáspora, sob os quais se esconde o combatente hebreu, portador de<br />

uma missão divina”. Siegel e Shuster já haviam falecido quando foi publicado<br />

o estudo, mas a viúva de Siegel, Joanna Carter, afirmou que as<br />

“tendências judias” do personagem não foram intencionais, apesar de o<br />

marido ter ouvido hebraico durante a infância e “provavelmente ter sido<br />

influenciado de maneira inconsciente.” (CARVALHO JR, op. cit, p. 52)<br />

Uma história How Superman Would End to War, publicada na revista de<br />

variedades Look Magazine em fevereiro de 1940, reforçaria ainda mais essa<br />

relação entre Superman e a cultura judaica, e reafirmar o caráter mítico do<br />

personagem. Esta história lançada quarenta e oito anos antes da publicação de<br />

Watchmen 68 de Alan Moore mostra o que aconteceria se um personagem<br />

superpoderoso como Superman existisse realmente: ele mudaria de forma rápida<br />

68 Escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, publicada em 1986, a minissérie da DC<br />

Comics, em doze edições, mostra o que aconteceria se os super-heróis realmente existissem.<br />

Alan Moore utiliza vários elementos da literatura clássica, como metáfora, antecipações e<br />

flashbacks. <strong>Para</strong> maiores detalhes da importância da obra nos quadrinhos ver: COELHO, Daniel<br />

Calegario; MACHADO, José Ricardo; BATESTIN, Cypriano. Watchmen Revisitado Como este<br />

Romance Gráfico influenciou a Indústria <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, iniciando uma Nova Era e<br />

rompendo paradigmas. Espírito Santo: Centro Universitário São Camilo, 2008. Disponível em:<br />

http://www.guia<strong>dos</strong>quadrinhos.com/upload/monografias/WatchmenRevisitado.pdf [último acesso<br />

23 de setembro de 2010].<br />

68


o panorama global e as relações de poder. Nela, Superman, voando sobre<br />

a linha Maginot (fig. 19), destrói a artilharia antiaérea e aviões alemães, invade o<br />

bunker de Hitler, apanha-o pela goela, leva-o voando até Moscou e captura<br />

Stálin, levando os dois para a Liga das Nações na Suíça, a fim de serem julga<strong>dos</strong><br />

pelos seus crimes contra a humanidade (fig. 20). Acaba, desta forma,<br />

rapidamente com a guerra. Uma cópia desta história chegou ao jornal da SS Das<br />

Schwarze Korps 69 , gerando duas publicações contra Superman e Jerry Siegel. A<br />

primeira no próprio jornal da SS e a outra gerou um artigo do ministro da<br />

propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, no jornal Der Stürmer sob a manchete<br />

“Superman é Judeu”. (CARVALHO JR, op cit, p. 45)<br />

No artigo publicado no Das Schwarze Korp em 25 de abril de 1940, p. 8.,<br />

com o título de “Ataque a Jerry Siegel”, o autor do texto que o define como:<br />

Jerry Siegel, um sujeito intelectual e fisicamente circuncidado que tem<br />

seu quartel-general em Nova York, é o inventor de uma figura colorida<br />

com uma aparência imponente, um corpo poderoso, e uma roupa<br />

vermelha de mergulho 70 que gosta de usar a sua habilidade de voar<br />

através do éter (BYTWERK, 2004).<br />

No artigo, o autor destaca que Jerry Siegel teria criado uma versão<br />

distorcida <strong>dos</strong> ideais germânicos 71 e italianos, critica ferozmente também a falta<br />

de estratégia do ataque do personagem e seu conhecimento sobre a<br />

indumentária e idiomas alemão, e reforça o caráter judaico do personagem, como<br />

vemos no trecho a seguir:<br />

69 O artigo original deste jornal pode ser visto no site: Calvin Minds in the making – German Propagand<br />

Archives (http://www.calvin.edu/academic/cas/gpa/superman.htm - último acesso em 10 de<br />

agosto de 2010), que contém trechos do livro Bending Spines: The Propagandas of Nazi Germany<br />

and the German Democratic Republic.de Randall Bytwerk.<br />

70 Na história publicada em apenas duas cores, as pernas do personagem, inclusive as botas,<br />

foram coloridas com cor de pele deixando-as desnudas, realçando o aspecto de roupa de banho.<br />

Apenas na republicação o uniforme foi colorido da forma correta.<br />

71 Estes ideais teriam sido baseadas em uma adulteração das idéias do übermensch de Nietzsche<br />

O conceito do übermensch foi apropriado pelos nacional-socialistas, para promover sua raça de<br />

mestres, algo a que o próprio autor objetaria, pois para Nietzche, o conceito do puro sangue era o<br />

oposto de um conceito inofensivo (KNOWLES, op cit, p. 76)<br />

71


Jerry olhou ao redor do mundo e viu coisas que acontecem à distância,<br />

algumas das quais o alarmou. Ele ouviu o despertar da Alemanha de e o<br />

renascimento da Itália, e, em um curto espaço de tempo o ressurgimento<br />

das virtudes viris de Roma e da Grécia. "Tudo bem", pensou Jerry, e<br />

decidiu importar a idéia de força viril e espalhá-los entre os jovens<br />

americanos. Assim nasceu este Superman. Nesta página,<br />

apresentamos-lhe vários exemplos particularmente incomuns de suas<br />

atividades. Nós vemos Superman, desprovido de qualquer sentido<br />

estratégico e de capacidade tática, atacando a muralha ocidental vestido<br />

apenas de sunga. Vemos vários solda<strong>dos</strong> alemães em um bunker, que, a<br />

fim de receber os americanos, utilizavam velhos uniformes, saí<strong>dos</strong> de um<br />

museu militar. Seus rostos expressam ao mesmo tempo, desespero e<br />

alegria. Vemos esta maravilha musculosa, em uma pose estranha,<br />

dobrando os canos de canhões Krupp como se fosse espaguete.<br />

"Concreto não pode me parar", ele grita em outra imagem na qual<br />

esmaga o topo das torres tal como tomates maduros. Sua verdadeira<br />

força só se manifesta em vôo, no entanto. Ele salta no ar e destrói a<br />

hélice de um avião alemão que passa. Como podemos ver no quadro<br />

seguinte, no entanto, Superman, aparentemente, cometeu um erro, já<br />

que ele parece ter encontrado um piloto judeu 72 . Nenhum alemão diria<br />

que o piloto diz: "Himmel! Vos é diss?” A resposta americana foi: "Bem,<br />

aqui está ela", não nos parece muito correta. A resposta correta seria<br />

algo como: "Como você quiser, eu sou um simples Moritz 73 !" (BYTWER,<br />

op. cit)<br />

É importante salientar que o autor do artigo demonstra desconhecimento<br />

do personagem e seus poderes, ao destacar que o verdadeiro poder do<br />

personagem só se manifesta no vôo. Continua o artigo, dizendo que Superman<br />

adentra a sede da Liga das Nações triunfante, ignora as regras do<br />

72 O autor do artigo utiliza o termo perjorativo Yid, redução da palavra alemã Yiddish, que designa<br />

o judeu alemão médio.<br />

73 Bytwerk não acha uma tradução apropriada para o termo Moritz e coloca na sua tradução do<br />

alemão para um inglês, “Simon”. Acreditamos que o termo Moritz refira-se a Moritz Schlick (14 de<br />

Abril de 1882 – 22 de Junho de 1936) que foi a figura central do positivismo lógico e do Círculo de<br />

Viena. Com a ascensão do Nazismo na Alemanha e na Áustria, muitos <strong>dos</strong> membros do Círculo<br />

de Viena fugiram para a América e para o Reino Unido. Schlick, no entanto, continuou na<br />

Universidade de Viena. Numa visita de Herbert Feigl em 1935, ele expressou o horror que sentia<br />

com os acontecimentos na Alemanha. Em junho de 1936, Schlick subia as escadas da<br />

Universidade onde ia dar uma aula, quando foi confrontado por um antigo aluno que o interpela<br />

com uma conversa pomposa sobre um ensaio que ele tinha escrito. Quando Schlick objectou, o<br />

estudante puxou de uma pistola e atingiu Schlick no peito. Schlick morreria pouco depois. O<br />

estudante foi julgado e sentenciado, mas tornou-se um herói para os sentimentos racistas em<br />

crescimento na cidade, tendo sido retratado como o "ariano heróico" que se levantou contra a<br />

"filosofia Judia sem alma" do Círculo (que Schlick não era Judeu foi ignorado por essas mesmas<br />

pessoas). Numa grotesca manipulação da justiça, o estudante obteve a liberdade condicional<br />

pouco depois e viria a tornar-se um membro do partido Nazista austríaco após o Anschluss<br />

(anexação da Áustria pela Alemanha Nazista a 12 de Março de 1938). <strong>Para</strong> maiores informações<br />

sobre Moritz ver: http://www.moritzschlick.nl/ [último acesso 30 de novembro de 2010]<br />

72


estabelecimento, que não deve permitir a participação em suas deliberações de<br />

alguém vestindo “roupas de banho”. Finaliza o artigo afirmando que Siegel:<br />

(...) grita: "Força, coragem! Justiça!", aos nobres anseios das crianças<br />

americanas. Em vez, de usar a oportunidade para incentivar as virtudes<br />

realmente úteis, ele semeia: o ódio, a desconfiança, o mal, a preguiça e<br />

a criminalidade em seus jovens corações (...) a juventude americana<br />

deve viver em uma atmosfera tão envenenada, que nem sequer percebe<br />

o veneno que engole diariamente (BYTWERK, op cit).<br />

Neste artigo de <strong>alto</strong> teor anti-semita, vemos a clara ofensa a Siegel,<br />

chamando de “circuncidado intelectualmente”, entretanto, como ainda não havia<br />

guerra declarada entre a Alemanha nazista e os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, as críticas ficam<br />

reservadas ao autor e sua obra, e não ao país.<br />

Vemos em uma obra anterior (Action Comics nº 2 – julho de 1938), a<br />

intervenção do Superman para impedir um conflito na América do Sul, contudo na<br />

história How Superman Would End to War, vemo-lo intervindo na guerra das<br />

grandes nações européias. O Superman representa também, neste momento, os<br />

valores americanos de liberdade e justiça 74 .<br />

O caráter messiânico do personagem é ressaltado na salvação do mundo<br />

de um novo conflito global. Infelizmente, esta intervenção apenas ocorreu no<br />

caráter simbólico, mas previu no ano seguinte a entrada <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> no<br />

conflito.<br />

Assim, Siegel e Shuster, como a maioria <strong>dos</strong> judeus da época, possuíam<br />

sentimentos de desamparo e ansiavam por um supersalvador ou um messias,<br />

mesmo que apenas de caráter simbólico. Neste sentido, Superman aproxima-se<br />

mais do messias judaico, o “Rei da Terra”, um líder para salvá-los <strong>dos</strong> perigos<br />

terrenos. Como figura mítica, Superman estaria mais próximo de figuras como<br />

Moisés, Davi ou Sansão. Porém, alguns autores, como Les Daniels, acreditam<br />

74 Segundo Gary Althen em American Ways: a guide for foreigners in the United States (2003) os<br />

valores estadunidenses são: “individualismo, liberdade, competitividade, privacidade; igualdade,<br />

informalidade, o futuro, mudança, e progresso; bondade da humanidade, tempo, empreendimento,<br />

ação, trabalho e materialismo; integridade de caráter e positividade” (ALTHEN, 2003, p. 5).<br />

73


que Siegel também teria percebido a analogia com Jesus Cristo, lembrando que<br />

Superman era “um homem enviado do céu por seu pai para usar seus poderes<br />

especiais pelo bem da humanidade 75 ” (LES DANIELS apud KNOWLES, op cit, p.<br />

142). Outros autores, como Dan Jurgens (redator-chefe da saga A morte do<br />

Superman 76 ), ou mesmo o artista plástico italiano Adrian Tranquilli também<br />

compartilham desta visão. Em 1992, a DC Comics resolveu publicar A Morte do<br />

Superman. Nela o personagem é morto por um alienígena, de origem kryptoniana,<br />

Apocalypse (Doomsday – Dia do Juízo Final no original), após um grande conflito<br />

que arrasa Metrópolis. A cena final mostra um tributo à Pietá de Michelangelo,<br />

com Lois Lane no papel de Virgem Maria. Após esta saga, o personagem<br />

ressuscita <strong>dos</strong> mortos, equivalendo simbolicamente a Jesus Cristo. A analogia é<br />

reforçada com o visual do personagem que passa a apresentar cabelos longos.<br />

Sobre este evento, em uma história após o retorno, o Superman encontra o<br />

Doutor Oculto (outra criação de Siegel e Shuster) que explica que a morte do<br />

personagem tinha sido efetiva, não sendo nenhum outro evento comum das<br />

histórias em quadrinhos, como uma falsa morte, animação suspensa ou outros,<br />

ele havia ressuscitado. A explicação para morte do personagem aponta para<br />

75 Essa dimensão religiosa também está presente no filme Superman Returns (2006).<br />

76 Superman foi vítima também de outras “mortes” nos comics., porém nenhuma com o impacto da<br />

história de 1993. A primeira foi na história A morte secreta do Superman, publicada na revista<br />

Superman nº 149 (novembro de 1961), uma história imaginária com roteiro de Jerry Siegel e arte<br />

de Curt Swan. Nela, Superman é assassinado por Lex Luthor com um raio de kryptonita, na frente<br />

de Lois Lane, Jimmy Olsen e Perry White. Luthor é preso pela Supergirl, levado para Kandor, é<br />

julgado e condenado como um kryptonianio. No final, é lançado na Zona Fantasma por toda<br />

eternidade. Na década de 70, o personagem quase foi morto por um vírus. Na década de 80, em<br />

uma história escrita por Alan Moore, publicada nas revistas Superman nº 423 e Action Comics nº<br />

583 (1986), o Superman é dado como morto. E, em 1986, John Byrne escreveu uma história onde<br />

a vilã Banshee Prateada, usando de magia, pôs o Homem de aço num torpor semelhante à morte<br />

clínica. Foi realizado o funeral, e antecedendo muitos anos a morte do Superman por Apocalipse,<br />

o mundo e vários heróis tinham suas reflexões sobre a perda do maior herói do mundo. Lex Luthor<br />

também estava irado, pois não admitia que outra pessoa tivesse destruído o Superman sem ser<br />

ele (comportamento que seria repetido durante a Morte do Superman, com Luthor esmurrando o<br />

corpo de Apocalipse).<br />

74


algumas hipóteses: apenas uma jogada de marketing, proposta pelo editor Mike<br />

Carlin, ou algo mais simbólico como nos informa Dario Carvalho Jr:<br />

Assim, é preciso descobrir quais outros motivos estariam por trás da<br />

morte do personagem. Certamente não seria o fim de seus valores ou de<br />

sua época, já que o personagem teve seus valores muda<strong>dos</strong> durante a<br />

existência para se adequarem às épocas, sem nenhum problema. A<br />

morte de Kal El, o Superman, foi na realidade um estratagema para<br />

aproximar seus leitores e principalmente para reforçar as origens de<br />

herói épico do Super-Homem e sua posição de maior herói entre os<br />

heróis.(...) com as transformações sofridas em sua personalidade ao<br />

longo <strong>dos</strong> tempos – a chamada humanização – o Super-Homem cada<br />

vez mais deixava de ser um herói épico para transformar-se em um herói<br />

prosaico. E, humano como estava, em breve seus fatos super-heróicos<br />

entrariam em conflito com sua humanidade, gerando uma contradição<br />

intransponível em seu mundo de ficção.<br />

A morte, no entanto, o aproximaria de novo de sua origem de herói<br />

épico: o Super-Homem faria sua ascensão ao divino. Mais ainda, a morte<br />

seguida de uma ressurreição reafirma que ele é o maior <strong>dos</strong> heróis,<br />

possível de ser comparado apenas ao maior <strong>dos</strong> heróis registra<strong>dos</strong> na<br />

história e único a ter ressuscitado: Jesus Cristo (CARVALHO JR, op. cit,<br />

p. 51-52).<br />

Fig. 21 – Superman de Adrian Tranquilli – escultura remete a imagem icônica do<br />

Cristo crucificado.<br />

75


Fig. 22 – A Morte do Superman – A morte do personagem remete de maneira icônica<br />

à escultura La Pietá de Michelângelo<br />

3.2.3. Mito americano: o super-herói<br />

Como visto no decorrer do trabalho, não há criação mais típica da cultura 77<br />

estadunidense, do que as histórias de super-heróis. A partir do final da década de<br />

30, o gênero proliferou e, mesmo quando esteve em posição de questionamento,<br />

não parou de ser produzido e ainda assim foi o que melhor se adaptou às novas<br />

regras. Na vanguarda do movimento, Superman. E com o tempo, o que surgiu<br />

como uma pequena indústria se transformou em uma franquia de bilhões de<br />

dólares. Por isso, não podemos deixar de entender que, como um meio<br />

econômico de produção, a sua vitalidade reside no seu comércio e de suas<br />

franquias, o que é a garantia de vida ou morte do personagem. O que queremos<br />

buscar neste trabalho é a força motriz por trás desse consumo, e a encontramos<br />

em um processo de identificação que é ao mesmo tempo o fomentador da<br />

linguagem mítica do personagem.<br />

77 Utilizaremos o termo cultura, como definido por Clifford Geertz como “um modelo historicamente<br />

transmitido de significa<strong>dos</strong> encarna<strong>dos</strong> em símbolos”. (GEERTZ apud DARTON, 1990, p. 195)<br />

76


Vemos que, ao longo do século XX, cada país desenvolveu seu próprio<br />

estilo de produção quadrinizada, que satisfizesse seus leitores. Por isso, mesmo<br />

com a publicação de revistas de super-heróis estadunidenses, alguns países<br />

desenvolveram seu próprio gênero de narrativa quadrinizada, juntando-se a isso<br />

as políticas protecionistas de mercado para o incentivo da produção local. Isso foi<br />

feito na França e no Japão, e tentado, sem eficácia, no Brasil. Contudo, as<br />

histórias de super-heróis também representam posturas e gestos humanos<br />

universais, transforma<strong>dos</strong> em símbolos, que independentemente do país de<br />

origem, criam um processo de identificação, como afirma Will Eisner:<br />

A arte <strong>dos</strong> quadrinhos lida com reproduções facilmente reconhecíveis da<br />

conduta humana. Seus desenhos são o reflexo no espelho, e dependem<br />

de experiências armazenadas na memória do leitor para que consiga<br />

visualizar ou processar rapidamente uma idéia. Isso torna necessária a<br />

simplificação das imagens transformadas em símbolos que se repetem.<br />

(EISNER, op cit, p. 21)<br />

Desta forma as histórias são um excelente veículo para transmitir informa-<br />

ção ou ideologia 78 , em uma forma de fácil absorção pelo leitor: “ela pode relatar<br />

idéias bastante abstratas, ciência, ou conceitos desconheci<strong>dos</strong> pelo uso análogo<br />

de formas ou fenômenos conheci<strong>dos</strong>”.(EISNER, op cit, p. 15). Então estes símbo-<br />

los que relembram, descrevem, ou informam uma experiência em comum, evo-<br />

cam a realidade do leitor, mesmo com a intenção de imitar ou exagerar a realida-<br />

de, criam uma linguagem mítica. Como nos afirma Roland Barthes:<br />

“Esta fala é uma mensagem. Pode, portanto não ser oral; pode ser formada<br />

por escritas ou por representações (...) tudo pode servir de suporte<br />

78 Segundo John B. Thompson, em seu livro Ideologia e cultura moderna (2007), "ideologia são as<br />

maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação"<br />

(THOMPSON, 2007, p. 75). O sentido diz respeito aos fenômenos simbólicos, que mobilizam a<br />

cognição, como uma imagem, um texto, uma música, um filme, uma narrativa; ao contrário de<br />

fenômenos materiais, que mobilizam recursos físicos, como a violência, a agressão, a guerra. Os<br />

fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que (somente enquanto)<br />

eles sirvam para estabelecer e sustentar relações de dominação. Esta relação de estabelecimento<br />

e sustentação seria realizada, em um processo contínuo de produção e recepção de formas<br />

simbólicas. A dominação ocorre quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente<br />

assimétricas, isto é, quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira<br />

permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes.<br />

77


à fala mítica (...) a imagem é certamente mais imperativa do que a escrita,<br />

impõe a significação de uma só vez, sem analisá-la, sem dispersá-la”<br />

(BARTHES, op cit, p. 133).<br />

Ao analisar as histórias do Superman publicadas na Action Comics, Super-<br />

man e World´s Finest Comics do período, percebemos esta intenção <strong>dos</strong> autores<br />

e editores em buscar essa identificação do leitor. Os roteiros das histórias são<br />

simples, basea<strong>dos</strong> em torno de um acontecimento (um crime, um acidente, uma<br />

catástrofe, Lois Lane em uma situação de perigo) no qual Superman, “campeão<br />

<strong>dos</strong> fracos e indefesos”, utiliza seus poderes fantásticos para resolvê-los, defen-<br />

dendo o lema: “Força, Coragem e Justiça” que depois mudaria para: “Verdade,<br />

Justiça e o American Way”, lema que permanece até hoje 79 .<br />

Em seus primórdios o herói empregava seus superpoderes para resolver<br />

questões do cotidiano, tais como dar lições em um marido que espancava a espo-<br />

sa (Action Comics 80 nº 1), no dono de uma mina que não respeitava os emprega-<br />

<strong>dos</strong>, nem mantinha as adequadas condições de segurança (AC nº 3- ago/1938),<br />

em um motorista bêbado que mata um pedestre e um treinador inescrupuloso (AC<br />

nº 4 – set/1938), em um impostor que se faz passar pelo Superman (AC nº 6 –<br />

nov/1938), em jovens delinqüentes (AC nº 8 – jan/1939) e em taxistas inescrupu-<br />

losos (AC nº 13 – jun/1939). A índole do Superman era diferente da que ficaria ca-<br />

racterizada na década de 50 a partir das restrições impostas pelo Comics Code.<br />

O caráter maniqueísta não era tão acentuado, o personagem estava mais próximo<br />

do leitor, não era o modelo que iria se tornar. Por exemplo, na AC nº 8 destaca-<br />

mos a defesa da mãe do delinqüente, indicando que o ambiente no qual viviam<br />

79 Texto introdutório das histórias: “Enviado para Terra em um foguete do condenado planeta<br />

Krypton, o bebê Kal-El foi encontrado e criado por Jonathan e Martha Kent, em Smallville, Kansas.<br />

Agora adulto, Clark Kent luta pela Verdade, Justiça e American way como o Superman”.<br />

(Superman nº 700 – junho de 2010)<br />

80 Utilizarmos as seguintes abreviações AC – Action Comics; S – Superman e WFC – World´s<br />

Finest Comics.<br />

78


era que os conduzia para o caminho da delinqüência, realidade que tanto Siegel<br />

quanto Shuster conheciam bem:<br />

Claro que ele fala duro... e mais, ele é durão, meritíssimo... mas é igual a<br />

to<strong>dos</strong> os outros garotos da vizinhança... durões, ressenti<strong>dos</strong>, desprivilegia<strong>dos</strong>.<br />

Ele é meu único filho, senhor, e poderia ter sido um bom menino,<br />

o problema é o ambiente que o cerca. Ele ainda pode ser bom... se o senhor<br />

for pie<strong>dos</strong>o 81 (p.3 – quadro 4).<br />

Com o que Superman concorda após ensinar-lhes uma lição: ‘Não é intei-<br />

ramente culpa de vocês se são delinqüentes... são estas favelas... suas condi-<br />

ções pobres de vida... se houvesse algum jeito de eu remediar isso...! 82 (p. 13 –<br />

quadro 80). Em vez de simplesmente remediar levando os delinqüentes à justiça,<br />

ele procura resolver a questão: ao ler em um artigo do jornal que o governo re-<br />

constrói áreas destruídas por desastres naturais com apartamentos novos e de<br />

aluguel barato, ele manda os garotos avisarem os moradores para evacuarem a<br />

área e destrói as favelas, forçando a autoridade pública a construir novas habita-<br />

ções para os moradores.<br />

Ele era um vigilante não agia com aval das autoridades, fazendo com que a<br />

justiça tentasse prendê-lo (AC nº 9 – fev/1939). Fazia também sua própria justiça:<br />

em uma das histórias quando um bandido cai de seus braços e morre ao bater na<br />

calçada, o Superman diz que ele teve o destino que merecia (AC 13 – quadro 32).<br />

Cometia vinganças pessoais como humilhar um colega da redação que fazia pou-<br />

co caso de Clark Kent (AC nº 07 – dez/1938); destruía propriedades alheias,<br />

como lojas de carros usa<strong>dos</strong> e uma fábrica de automóveis que usava metais e pe-<br />

ças de má qualidade (AC nº12 – p. 9 – quadro 57 – mai/1939) na sua guerra de-<br />

clarada contra o <strong>alto</strong> índice de morte nos acidentes de trânsito; com o objetivo de<br />

81 Texto original: “of course, he talks tough – what’s more he is tough, your honor – but his only like<br />

all the other boys in our neighborhood... hard, resentful, underprivileged. He’s my only son, sir he<br />

might have been a good boy except for his enviroment. He still might be – if you’ll be merciful”.<br />

82 Texto original: ‘It´s not entirely your fault that you’re delinquent – it’s these sluns – your poor<br />

living conditions – if there was only some way I could remedy it --!”<br />

79


vingar-se de dois vigaristas que prejudicaram mais de cem pessoas (levando uma<br />

ao suicídio) que vendiam ações falsas, compra ações de um poço de petróleo ina-<br />

tivo, disfarçado como Homer Ramsey, e usa seus poderes para fazer jorrar litros,<br />

vende os papéis para os ex-donos por um milhão de dólares e destrói completa-<br />

mente o poço (AC nº 11 – abr/1939).<br />

A popularidade do Superman cresce de forma vertiginosa porque lida com<br />

as ansiedades profundas na vida estadunidense na década de 30 e primeira me-<br />

tade da década de 40: fascismo, corrupção empresarial, crime organizado, guer-<br />

ra, tornaram-se problemas insuperáveis e insolúveis para o povo americano. Des-<br />

ta forma, houve a necessidade de criar um super-homem que pudesse, mesmo<br />

que no caráter imaginário, resolver estes problemas. Estas histórias lidavam com<br />

a ansiedade real, com problemas cotidianos que assolavam os leitores, sejam<br />

eles crianças ou adultos, que se viam impotentes para resolvê-los. Há então a ne-<br />

cessidade de criação de fantasias reconfortantes. Como nos afirma Cristopher<br />

Knowles:<br />

A necessidade infantil de um pai ou irmão mais velho que nos proteja de<br />

agressões e resolva nossos problemas é um impulso que to<strong>dos</strong> nós sentimos.<br />

É por isso que os super-heróis têm grande populariedade – entre<br />

crianças e adultos – em épocas de stress nacional. As crianças são particularmente<br />

sensíveis a ameaças existenciais e costumam interiorizar a<br />

ansiedade <strong>dos</strong> pais. E os adultos costumam se sentir tão vulneráveis<br />

quanto as crianças quando enfrentam o medo da guerra ou crises econômicas.<br />

(KNOWLES, op cit, p. 131)<br />

O objetivo de Siegel e Shuster era publicar o Superman nas tiras de jornais<br />

dominicais, que atingiam várias faixas etárias e, as primeiras histórias foram feitas<br />

para este intento. Entre os leitores da tiras e das revistas, incluíam crianças, jo-<br />

vens e adultos. Os enre<strong>dos</strong> tratavam de temas que visavam atingir o público adul-<br />

to, enquanto as crianças eram atraídas pelo aspecto fantástico do personagem.<br />

Porém, os editores perceberam nos jovens (criança/adolescente) um filão a ser<br />

80


explorado, criando mecanismos para atingir este público-alvo, desde a “ensinar<br />

técnicas” para melhorar a visão, a audição, como a criação do clube e da coluna<br />

Supermen of América (AC 14 – p. 16 – jul/1939) 83 , na qual o “próprio” Clark Kent<br />

escreve a coluna. A admissão no clube <strong>dos</strong> “super-homens da América” garantia<br />

uma carteirinha oficial, um broche do Superman e um código secreto, com o qual<br />

o leitor poderia ler as mensagens criptografadas que viam to<strong>dos</strong> os meses nas re-<br />

vistas, além de receber dicas do próprio Superman para desenvolver “força, cora-<br />

gem e agilidade para proteger a si mesmo em tempos de perigo”. Os editores da<br />

DC Comics já haviam percebido o potencial do público infanto-juvenil, e isso será<br />

explorando também com produtos como a superman krypto raygun, (ver anexos)<br />

na edição da Action Comics nº 33 (pág. 16 - fev/1941), um “projetor de slides” em<br />

formato de arma. O personagem será representado em situações do cotidiano in-<br />

fanto-juvenil, como veremos em algumas imagens de capa da Action Comics e da<br />

revista Superman, mas o destaque serão as capas da World’s Finest Comics, no<br />

qual a maior parte das ilustrações de capa mostram os dois maiores personagens<br />

da National, Superman e Batman, juntamente com Robin 84 , realizando “proezas”<br />

dignas das crianças e adolescentes do período, tais como: jogar beisebol (WFC nº<br />

3 – set/nov de 1941) (fig. 23), nadar com garotos em um rio proibido (WFC 14 –<br />

jun/jul/ago de 1944) (fig. 24), brincar de cabo de guerra (WFC – 19 – set/out/nov<br />

de 1945) (fig. 25), surfando (WFC 36 – set/out de 1948), pescando (WFC 43 –<br />

nov/dez de 1949), patinando (WFC 47 – ago/set de 1950), brincando de gangorra<br />

(WFC 62 - jan/fev de 1953) (fig. 26).<br />

83 Cf. anexos.<br />

84 Apesar de aparecerem sempre juntos nas capas, as histórias <strong>dos</strong> personagens eram separadas.<br />

Os três personagens só iriam atuar em uma história juntos a partir da edição 71 (julho/agosto de<br />

1954).<br />

81


Como vimos, o Superman atinge com impacto a mentalidade infantil esta-<br />

dunidense do período, em um processo identificatório, que seria reforçado com a<br />

criação do Superboy em 1944. O personagem torna-se um modelo para juventude<br />

americana seguir. Em 1955, a imagem de “bom moço” e “escoteiro da América”<br />

está firmemente consolidada.<br />

Contudo o discurso do personagem irá ao encontro a uma idéia de superio-<br />

ridade que já permeava (e ainda permeia) a nação estadunidense, pautada nos<br />

seus princípios que reforçam essa identidade, como nos afirma Gary Althen:<br />

82


Americanos geralmente acreditam que o seu país é superior, provavelmente<br />

o maior país no mundo. Isto é, poderoso economicamente e militarmente;<br />

e que sua influência estende-se por todas as partes do globo.<br />

Americanos geralmente acreditam que seu sistema político democrático<br />

é melhor que há, desde que dê aos cidadãos o direito e a oportunidade<br />

de tentar influenciar a política governamental e desde que proteja os cidadãos<br />

das ações arbitrárias do governo. Eles acreditam também que o<br />

sistema é superior porque dá a eles a liberdade de queixar-se sobre<br />

qualquer coisa que considere estranha a isto.(ALTHEN, op cit, p. xxix)<br />

Então, nada melhor do que um super-homem para defender uma super na-<br />

ção. O Superman irá representar o sonho americano, ajudando, salvando e prote-<br />

gendo a família estadunidense (como pode ser percebido nesta imagem de capa<br />

da revista Superman 19 – nov/dez de 1942) (fig. 27), reunindo elementos que já<br />

existiam no imaginário social.<br />

Este “homem do amanhã” representaria a idéia que formou esta nação. So-<br />

bre como esta idéia se transformou em nação, Jim Cullen nos esclarece:<br />

Sim, os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> são essencialmente criação de uma imaginação<br />

coletiva inspirada na existência de um Novo Mundo, nascido em uma<br />

Revolução, que começou com uma articulada Declaração, e consolidada<br />

na escrita de uma durável Constituição. E, isto é, uma nação que está<br />

sendo recriada, como um ato deliberado de escolha consciente, que<br />

cada pessoa tem, de costa a costa, neste território. Fidelidade explicita e<br />

uma herança voluntária, é a base teórica da identidade Americana CUL-<br />

LEN, 2003, p.6).<br />

83


Este imaginário social que criou a idéia de uma nação americana iria absor-<br />

ver e respaldar, não só a criação e longevidade do Superman, mas também <strong>dos</strong><br />

seus imitadores e personagens afins. Como vemos na obra The Epic of América<br />

(1931), de James Truslow Adams, citado por Cullen, era essa a mentalidade cor-<br />

rente no período de criação do personagem:<br />

Este sonho americano do melhor, mais rico e da vida mais feliz para to<strong>dos</strong><br />

nossos cidadãos de todas as classes, é a maior contribuição que<br />

nós temos feito para a mentalidade e bem estar do mundo. Esse sonho<br />

ou esperança está presente desde o início. Desde sempre nós buscamos<br />

uma nação independente, e a cada geração tem sido percebida<br />

uma motivação do americano comum para salvar aquele sonho das forcas<br />

que surgem para esmagá-lo (ADAMS apud CULLEN, op. Cit, p. 4).<br />

E será no período da guerra que o personagem terá seu papel de defensor<br />

desta nação em destaque, como vimos na história How Superman Would End to<br />

War. Mas seu papel mais importante seria a participação nas campanhas gover-<br />

namentais de venda de bônus de guerra, reciclagem de papel e da Cruz Verme-<br />

lha. No corte temporal proposto, os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> participam de duas guerras a<br />

Segunda Guerra (1941-1945) e a Guerra da Coréia (1950-1953), e o seu papel<br />

será diferente em ambas. Em grande parte, isso se deve às características que as<br />

histórias em quadrinhos desenvolvem, como visto nos capítulos 1 e 2. Enquanto a<br />

2ª Guerra Mundial “se tratava de uma guerra contra um inimigo de uma maldade<br />

idescritível. A Alemanha hitleriana estava estendendo o totalitarismo, o racismo e<br />

o militarismo em uma guerra de aberta agressão como nunca se havia visto”<br />

(ZINN, p. 375), tinha uma aceitação popular maior, os estadunidenses tiveram seu<br />

país atacado e justificavam a participação da guerra como uma forma de defen-<br />

der-se desta ameaça. Já a Guerra da Coréia fazia parte <strong>dos</strong> meandros da Guerra<br />

Fria, e os próprios super-heróis viviam um processo de crise. Enquanto as conse-<br />

qüências da 2ª Guerra para os EUA foram positivas, uma vez que o seu território<br />

não fora alvo de massivas destruições e a perda de vidas fora diminuta em rela-<br />

84


ção aos outros países envolvi<strong>dos</strong> (cerca de 400.000 solda<strong>dos</strong> mortos em comba-<br />

te, não contando com os feri<strong>dos</strong> e desapareci<strong>dos</strong>), e o esforço de guerra propor-<br />

cionou crescimento econômico. A Guerra da Coréia não foi “vencida”, terminando<br />

em um cessar-fogo que só gerou perdas, cerca de 50.000 solda<strong>dos</strong> mortos, au-<br />

mento no orçamento das Forças Armadas, e a diminuição da influência estaduni-<br />

dense no território asiático. A paranóia estadunidense se refletiu como visto, nos<br />

capítulos anteriores, em um maniqueísmo cada vez maior e na infantilização das<br />

histórias, com o reforço no combate aos chama<strong>dos</strong> “supervilões 85 ”, a ponto de as<br />

histórias só terem algum sentido no combate contra estes personagens. Um su-<br />

per-herói só seria um super-herói quando tivesse que usar seus poderes e isto só<br />

pode ocorrer havendo uma população de seres poderosos no mundo em que ele<br />

vive e combate, ou seja, o super-herói só pode existir, em constante relação com<br />

supervilões e com outros super-heróis (Viana, 2005).<br />

O caráter contestador das primeiras histórias estava completamente aboli-<br />

do no final deste período, entretanto, seu mito estava cada vez mais solidificado.<br />

85 Os supervilões do Superman, ao contrário do Batman, possuía um caráter mais caricato nas<br />

primeiras histórias, os seus inimigos eram os cientistas Ultra-Humanóide (AC 13 – jun de 1939) e<br />

Lex Luthor (AC 23 – abr de 1940), Prankster (AC 51 – ago de 1941), Homem-<strong>dos</strong>-Brinque<strong>dos</strong> (AC<br />

64 – set de 1943) e Sr. Mxyzptlk (SC 30 – set/out de 1944).<br />

85


Fig. 28 a 45 - Imagens de capa das revistas Action Comics, Superman e World´s Finest Comics<br />

mostrando o patriotismo do personagem e sua luta na Segunda Guerra, contra tanques, aviões,<br />

etc. Nestas imagens mostram o Superman vencendo ou ridicularizando Hitler, Hiroito, Mussolini e<br />

Goebbels. Mostram também o personagem no esforço de guerra, incentivando a venda de bônus<br />

de guerra e a Cruz Vermelha.<br />

91


Fig. 46 a 52 - Imagens de capa das revistas Superman, aqui temos o personagem envolvido em<br />

questões do cotidiano, mostrando o lado “humano” do personagem em um processo de<br />

identificação com o leitor. A última imagem mostra o personagem sendo vítima de uma armadilha<br />

pelos chama<strong>dos</strong> supervilões, aproveitando-se da índole bon<strong>dos</strong>a do personagem.<br />

92


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O Superman configura-se, portanto, como um amálgama de elementos<br />

míticos que cria uma identidade cultural única. Como modelo mítico, podemos<br />

observar por meio de suas histórias o próprio desenvolvimento da sociedade<br />

estadunidense, as questões apresentadas ou mesmo omitidas nos fornecem um<br />

panorama desta sociedade. Entretanto, não podemos falar unicamente de um<br />

Superman. A cada década, o personagem, assim como a sociedade, redefine-se.<br />

As questões apresentadas na década de 40 não são exatamente as mesmas da<br />

primeira década do século XXI, embora algumas ainda persistam.<br />

A popularidade do herói oscila, na preferência <strong>dos</strong> leitores, em relação aos<br />

outros super-heróis e outras formas da indústria cultural de década para década.<br />

O herói que fazia justiça com as próprias mãos, matando criminosos e violando as<br />

leis nas décadas de 30 e 40, transforma-se no modelo do herói perfeito, sempre<br />

preocupado com o bem estar <strong>dos</strong> necessita<strong>dos</strong>.<br />

As características políticas e sociais se refletem nos próprios rumos que o<br />

personagem segue, como percebemos na saga “pés no chão” iniciada na edição<br />

701 da revista Superman (setembro de 2010), com roteiro de J. Michael<br />

Straczynski e arte do brasileiro Eddy Barrows (Eduardo Barros), em que vemos o<br />

resgate das características primordiais do personagem: a ajuda e proteção ao<br />

homem comum. Nesta história, Superman anda (literalmente) pela Filadélfia, na<br />

Pensilvânia, resolvendo os problemas comuns <strong>dos</strong> cidadãos: conserta um carro,<br />

ajuda a arrumar uma despensa de um restaurante, combate criminosos de rua,<br />

diagnostica um problema cardíaco em um i<strong>dos</strong>o, impede uma tentativa de suicídio<br />

e uma infração de trânsito, nos mesmos moldes das primeiras histórias, criadas<br />

93


por Jerry Siegel e Joe Shuster. Interpelado por um cidadão sobre seu papel de<br />

herói, ele responde:<br />

<strong>Para</strong> ser um herói, e eu não estou dizendo que sou um, estou só<br />

dizendo é viver sua vida em uma pequena cela cujas barras são os<br />

princípios e regras que você aceitará ou não. Injustiça. Crueldade.<br />

Assassinato. Na noite em que jogaram Henry Thoreau 86 na cela por<br />

desobediência civil, um amigo veio vê-lo dizendo: “Henry o que você<br />

está fazendo aqui dentro?” Thoreau disse: “Não, a pergunta é: o que<br />

você está fazendo aí fora?” Se eu tenho sorte o bastante, privilégio o<br />

bastante para viver nesta cela, para servir nesta caixa com a palavra<br />

herói escrita nela – então eu digo para você, de algum lugar no fundo<br />

desta caixa – o que você está fazendo aí fora? (STRACZYNSKI, 2010,<br />

p.23)<br />

È este discurso, que ultrapassa as barreiras territoriais, que busca as<br />

características universais, a identificação com o homem comum, que forma a<br />

base mitológica do personagem. Foram elas que lhe permitiram, apesar do<br />

discurso político estadunidense embutido no personagem, atingir tantos países.<br />

Destacamos algumas questões importantes para o estudo, que não se<br />

encerra neste trabalho, do personagem, <strong>dos</strong> outros super-heróis e das próprias<br />

histórias em quadrinhos. Vários aspectos ainda podem ser aborda<strong>dos</strong> em estu<strong>dos</strong><br />

futuros, como por exemplo: quais as características do Superman nas outras<br />

décadas? Como o discurso político do American way afetou o personagem nas<br />

décadas de 60, 70 e 80? Por que o Brasil, grande consumidor de comics, não os<br />

desenvolveu de forma contundente, com poucos e não duradouros personagens<br />

na década de 60, apresentando este tipo de narrativa mítica?<br />

Finalizamos observando que a construção do mito do Superman, tema<br />

principal deste trabalho, dá-se em dois aspectos fundamentais: no econômico,<br />

com a criação de um produto comercial de ampla divulgação e aceitação, fruto de<br />

86 Henry David Thoreau (Concord, 12 de julho de 1817 — Concord, 6 de maio de 1862) foi um<br />

autor estadunidense, poeta, naturalista, ativista anti-impostos, crítico da idéia de desenvolvimento,<br />

pesquisador, historiador, filósofo, e transcendentalista. Ele é mais conhecido por seu livro Walden,<br />

uma reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza, e por seu ensaio Desobediência Civil<br />

uma defesa da desobediência civil individual como forma de oposição legítima frente a um estado<br />

injusto. Disponível em: http://www.vcu.edu/engweb/transcendentalism/authors/thoreau/ (último<br />

acesso: 30 de novembro de 2010)<br />

94


uma campanha de identificação com os leitores, principalmente os infanto-juvenis,<br />

e no aproveitamento de outras formas da indústria cultural, ultrapassando os<br />

limites físicos das páginas das histórias em quadrinhos; e no cultural, com a<br />

criação de um ícone que tem em sua essência elementos da cultura e religião,<br />

sintetiza<strong>dos</strong> na figura de um herói civilizador e messiânico, um modelo mítico para<br />

o homem comum, que vê no personagem um exemplo, senão a ser seguido, pelo<br />

menos almejado. Afinal, como diz a célebre frase de Jack Kirby: “Nós acreditamos<br />

em heróis, porque acreditamos em nós mesmos”.<br />

95


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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Michael Dougherty e Dan Harris. Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, 2006, 154 min, colorido<br />

A Morte do Superman. Direção: Lauren Montgomery, Bruce Timm. Produção:<br />

Warner Bros. Animation. Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, 2007, 75 min, colorido.<br />

Liga da Justiça – a Nova Fronteira. Direção: Dave Bullock. Produção: Warner<br />

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Superman e Batman – Inimigos Públicos. Direção: Sam Liu. Produção: Warner<br />

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Universo HQ – www.universohq.com.br<br />

Collected Comics Library - http://www.collectedcomicslibrary.com/<br />

<strong>Guia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong> - http://www.guia<strong>dos</strong>quadrinhos.com<br />

Reform Judaism Magazine – http://reformjudaismmag.org/<br />

Calvin College - http://www.calvin.edu/<br />

Who´s whose in the DC Comics - http://dccomicsartists.com/<br />

DC Comics - http://www.dccomics.com<br />

99


ANEXOS<br />

100


Republicação da história How the Superman end to war publicada na coletânea DC 70 anos As maiores<br />

histórias do Superman (2008)<br />

101


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