Para o alto e avante - Guia dos Quadrinhos
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UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE<br />
JANEIRO<br />
PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em<br />
quadrinhos à conquista do mundo, a construção do mito do<br />
Superman<br />
Marcelo Daltro Delgado<br />
RIO DE JANEIRO
2010<br />
MARCELO DALTRO DELGADO<br />
PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em quadrinhos à<br />
conquista do mundo, a construção do mito do Superman<br />
Monografia apresentada ao<br />
Departamento de História do<br />
Instituto de Filosofia e Ciências<br />
Sociais, como requisito parcial<br />
para obtenção do título de<br />
Bacharel em História.<br />
Orientador:<br />
Professor Rodrigo Farias de<br />
Sousa<br />
2
RIO DE JANEIRO<br />
2010<br />
3
FICHA CATALOGRÁFICA<br />
4
MARCELO DALTRO DELGADO<br />
PARA O ALTO E AVANTE: das páginas das histórias em quadrinhos à<br />
conquista do mundo, a construção do mito do Superman<br />
BANCA EXAMINADORA<br />
Rodrigo Farias de Sousa<br />
Professor Orientador<br />
Monografia apresentada ao<br />
Departamento de História do<br />
Instituto de Filosofia e Ciências<br />
Sociais, como requisito parcial<br />
para obtenção do título de<br />
Bacharel em História.<br />
______________________________<br />
________________________________<br />
Rio de Janeiro, Dezembro de 2010<br />
5
6<br />
“Acreditamos em heróis porque<br />
acreditamos em nós mesmos”.<br />
Jack Kirby
7<br />
À minha esposa Patricia e meu filho<br />
Daniel, meus verdadeiros heróis.
Agradecimentos<br />
À minha esposa Patricia, minha companheira, que sempre acreditou em mim e<br />
que teve que ler e reler inúmeras vezes esta monografia.<br />
Ao meu filho Daniel, minha fonte de inspiração para realização deste trabalho<br />
À Professa Juliana Almeida pela derradeira chance.<br />
Ao Professor Orientador Rodrigo Farias por ter acreditado neste projeto e<br />
confiado em mim, aceitando-me como orientando.<br />
À amiga e Professora Isabel Romeo pela ajuda inicial neste projeto.<br />
Aos amigos e Professores Dennis Mathias e Cláudia Mendes pela ajuda no<br />
levantamento bibliográfico e pelas inúmeras discussões sobre o tema.<br />
Aos meus pais, Paulo e Jane, pelo afeto e educação que ajudaram a formar meu<br />
caráter.<br />
À minha sogra, Sandra, e família pela ajuda nos momentos difíceis.<br />
A to<strong>dos</strong> os fãs de histórias em quadrinhos que criam um verdadeiro acervo virtual,<br />
possibilitando às novas gerações a pesquisa sobre o tema.<br />
A dois jovens judeus, um estadunidense e outro canadense que acreditaram que<br />
o homem podia voar.<br />
A to<strong>dos</strong> que direta ou indiretamente ajudaram a confecção e realização deste<br />
trabalho.<br />
8
RESUMO<br />
Este trabalho visa o estudo da construção do mito do Superman através de<br />
uma análise histórica, antropológica e semiológica das primeiras publicações do<br />
personagem, durante a proclamada Era de Ouro das Histórias em <strong>Quadrinhos</strong><br />
(1938-1955). Observaremos os elementos que formaram seu caráter mitológico, a<br />
sua influência na sociedade estadunidense. Ao mesmo tempo em que origina um<br />
novo tipo de narrativa em quadrinhos, os denomina<strong>dos</strong> super-heróis,<br />
observaremos a transformação do personagem, e desta forma a própria<br />
sociedade que o origina, de um vigilante fora da lei para um elemento ideológico,<br />
político e cultural <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, representando o seu imaginário social e<br />
seus valores morais através do American way.<br />
Palavras chave: história, Superman, mito, quadrinhos, ideologia, política,<br />
propaganda, guerra, nação, imaginário social.<br />
9
SUMÁRIO<br />
1.1.História em quadrinhos como objeto histórico...........................................................16<br />
1.2.Os primeiros passos: do cômico à aventura – as tiras de jornais...............................18<br />
1.3.A influência <strong>dos</strong> pulps................................................................................................ 22<br />
1.4.As revistas em quadrinhos..........................................................................................23<br />
1.5.A Era de Ouro.............................................................................................................28<br />
1.6.A Caça às Bruxas........................................................................................................32<br />
2. O MITO NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS...............................................................<br />
37<br />
2.1. O que é mito?............................................................................................................ 37<br />
2.2. O herói e o super-herói na narrativa..........................................................................41<br />
3. SUPERMAN: HISTÓRIA E MITO.................................................................................<br />
47<br />
3.1. Origem e história ......................................................................................................49<br />
3.2. A construção do mito.................................................................................................60<br />
3.2.1. Superman como herói épico...............................................................................61<br />
3.2.2. Mito judaico/cristão: messias ou golem............................................................. 66<br />
3.2.3. Mito americano: o super-herói........................................................................... 76<br />
ANEXOS............................................................................................................................<br />
100<br />
10
INTRODUÇÃO<br />
Em junho de 1938, a National Comics, lança a revista Action Comics nº 1<br />
(fig. 1), tendo na capa um personagem que iria revolucionar o mercado de<br />
revistas em quadrinhos: o Superman 1 . Criado por Jerry Siegel e Joel Shuster, o<br />
personagem inaugura um novo estilo de histórias em quadrinhos, os super-heróis,<br />
que passaram a influenciar não somente o seu país de origem, os Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong>, como todo o mundo. A popularidade do personagem cresceu a ponto de<br />
originar novos títulos, shows de rádio, desenhos anima<strong>dos</strong>, séries no cinema e na<br />
televisão, filmes, brinque<strong>dos</strong> e jogos eletrônicos, criando uma mitologia própria e<br />
passando a ser sinônimo da cultura estadunidense 2 , tanto nos aspectos positivos<br />
quanto negativos, assim como o cinema feito em Hollywood e as produções <strong>dos</strong><br />
estúdios Disney. Essa mitologia que permeia todo o resto do século XX, adentra<br />
este século e não parece ter data para acabar, as histórias em quadrinhos de<br />
super-heróis.<br />
Porém, quais os elementos que caracterizam o Superman como modelo<br />
mítico? Quais foram os fatores que levaram o personagem a completar mais de<br />
70 anos de publicação, enquanto outros títulos foram extintos? Nosso objetivo<br />
principal é realizar uma discussão sobre este assunto, procurando nas histórias<br />
em quadrinhos do personagem a explicação deste fenômeno. Estas serão o<br />
objeto de nosso estudo, e analisadas não somente por sua influência, mas<br />
também pelos aspectos semióticos que apresentam, seus signos inteligíveis, seus<br />
arquétipos, e como este pode ser classificado como modelo mítico.<br />
1 Preferimos manter o nome original do personagem e não a tradução Super-Homem, como ficou<br />
conhecido no Brasil.<br />
2 Preferimos utilizar o termo estadunidense ao invés de norte-americano, pois estaremos nos<br />
referindo especificamente aos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e não aos outros países da América do Norte.<br />
11
<strong>Para</strong> tal intento, realizaremos nossa análise utilizando um recorte temporal<br />
do período de criação e expansão inicial deste gênero, que compreende os anos<br />
de 1938 a 1955, o período denominado Era de Ouro 3 das Histórias em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>. Delimitamos este corte temporal, pois é nesse período que o mito do<br />
personagem é criado e consolidado e também porque inclui a participação<br />
estadunidense na Segunda Guerra Mundial (1941-1945), elemento catalisador de<br />
mudanças estruturais, políticas e socioeconômicas nessa sociedade e no<br />
panorama global. Veremos que mesmo antes da participação efetiva <strong>dos</strong> EUA na<br />
guerra, o personagem ultrapassa os limites territoriais americanos, como na<br />
história How Superman Would End to War, publicado na revista de variedades<br />
Look Magazine 4 em fevereiro de 1940, analisada neste trabalho.<br />
Nossa proposta metodológica de análise será realizada levando em<br />
consideração não só o aspecto iconográfico, mas também o caráter textual, pois<br />
acreditamos que sejam indissociáveis no entendimento das histórias em<br />
quadrinhos. Como nos informa Scott McCloud:<br />
As palavras evocam sentimentos, sensações e conceitos abstratos que<br />
as imagens sozinhas não podem senão começar a captar(...) quando as<br />
palavras e imagens atuam interdependentemente, elas podem criar<br />
novas idéias e sensações muito além da soma das partes. (MCCLOUD,<br />
2008, p.128)<br />
3 As histórias em quadrinhos de super-heróis do século XX foram dividas em quatro perío<strong>dos</strong><br />
distintos: Era de Ouro (1938 a 1955), Era de Prata (1956 a 1969), Era de Bronze (1970 a 1980) e<br />
Era de Ferro (1981 a 2000). Esta classificação deve-se, entre outros fatores, à explosão criativa<br />
<strong>dos</strong> autores e personagens, à vendagem <strong>dos</strong> exemplares e à temática das histórias nos perío<strong>dos</strong>.<br />
A Era de Ouro caracteriza-se pelo surgimento do gênero e pelas altas vendagens. A Era de Prata<br />
caracterizou-se pelas histórias leves, com heróis mais poderosos e com mais elementos de ficção<br />
científica. A Era de Bronze ficou caracterizada por lidar com temas mais complexos e maduros que<br />
apresentavam modismos específicos e tendências sociais da época. Na Era de Ferro as histórias<br />
afastaram-se <strong>dos</strong> temas simples das Eras de Ouro e Prata, com histórias cada vez mais próximas<br />
à linguagem de ação <strong>dos</strong> filmes de Hollywood, com acentuada violência e sexualidade. Nesse<br />
período os personagens tornaram-se mais vigilantes do que super-heróis (KENSON, 2008).<br />
Alguns autores, como Christopher Knowles, apontam uma outra designação para o período do<br />
início da década de 90, A Era de Cromo, em virtude <strong>dos</strong> truques promocionais que inundaram o<br />
mercado – capas alternativas, capas cromadas, capas com recortes, que valorizavam em excesso<br />
a arte em detrimento das histórias.<br />
4 Utilizaremos tanto a publicação original da história, quanto a sua reprodução publicada na<br />
coletânea que comemora os 70 anos da editora DC Comics.<br />
12
Trabalharemos os conceitos de mito e como estes poderão ser aplica<strong>dos</strong><br />
no entendimento dessas obras. Os mitos são histórias narrativas repletas de<br />
criaturas fantásticas, contudo, trazem em si informação e conhecimento de e<br />
sobre um povo e sua cultura, como afirma Paul Veyne:<br />
O mito é uma informação; existem pessoas informadas, que se orientam<br />
não por uma revelação, mas simplesmente por um conhecimento difuso<br />
que tiveram a chance de captar; se forem poetas, serão as musas, suas<br />
informantes privilegiadas, que irão comunicar-lhes o que se sabe e o que<br />
se diz. O mito não é, por esse motivo, uma revelação do <strong>alto</strong> ou do<br />
arcano: a musa apenas repete o que se sabe ou o que está, como um<br />
recurso natural, à disposição daqueles que estão ali para colher a<br />
informação (VEYNE, 1984,p.34).<br />
Desta forma, percebemos que os mitos são elementos historicamente<br />
constituí<strong>dos</strong>, e expressa a mentalidade e o conjunto de valores de um povo em<br />
uma determinada época. E havendo alguma alteração destes valores, ou uma<br />
mudança no regime político-social, essas mudanças são em geral captadas pelos<br />
mitos, que se modificam para se adaptar à nova realidade daquele povo.<br />
O mesmo pode ser atribuído às histórias em quadrinhos de super-heróis,<br />
que irão retratar histórias fantasiosas contendo informações e conhecimentos<br />
sobre a sociedade, do período abrangido em suas histórias. Acreditamos que os<br />
super-heróis são elementos essenciais no imaginário social do século XX, como<br />
modelos mitológicos. George E. Zacharakis em seu livro Mitologia Grega -<br />
Genealogias das suas dinastias sobre o mito na Grécia, nos afirma:<br />
(...) desde sua criação, o mito na Grécia percorreu através do tempo um<br />
longo caminho para chegar à forma que conhecemos hoje. Costuma-se<br />
dizer que o mito não se refere a tempo e nem a espaço. A expressão não<br />
corresponde à realidade. O mito foi criado num tempo e espaço<br />
determina<strong>dos</strong> e em condições específicas. Do mito inicial nasceram<br />
outros; e destes mais outros que foram reproduzi<strong>dos</strong>, reforma<strong>dos</strong>,<br />
modifica<strong>dos</strong>, completa<strong>dos</strong> e altera<strong>dos</strong>. Estes foram apresenta<strong>dos</strong><br />
diferentes ou novos, adapta<strong>dos</strong> às condições de tempo e espaço<br />
(ZACHARAKIS, 1995, p. 41).<br />
13
O mesmo acontece com os personagens das histórias em quadrinhos de<br />
super-heróis, como veremos ao longo deste trabalho. Os personagens irão<br />
adaptar-se ao tempo de acordo com os anseios da sociedade.<br />
Utilizaremos em nossa análise a literatura específica e também, de forma<br />
qualitativa as fontes primárias para nosso estudo: as histórias em quadrinhos das<br />
revistas Action Comics, Superman e World´s Finest Comics 5 publicadas no<br />
recorte temporal proposto. Nosso principal destaque serão as capas destas<br />
publicações, pois entendemos que nelas os aspectos semióticos se apresentam<br />
de forma mais explícita, fornecendo ao seu público-alvo, o leitor, elementos<br />
atrativos e de identificação. Will Eisner exemplifica esta questão:<br />
Nos quadrinhos, o controle sobre o leitor é conseguido em dois estágios:<br />
atenção e retenção. A atenção se consegue com imagens provocantes e<br />
atraentes. A retenção é obtida através de uma organização lógica e<br />
inteligível das imagens (EISNER, 2005, p.55).<br />
Na primeira parte deste trabalho, debateremos a importância histórica e<br />
social das histórias em quadrinhos como elemento de comunicação em massa 6 ,<br />
inserida no contexto de uma indústria de produção cultural. <strong>Para</strong> este fim, faremos<br />
um breve histórico das histórias em quadrinhos, e no qual recorreremos a autores<br />
especializa<strong>dos</strong> no tema com principal destaque para Christopher Knowles,<br />
Gonçalo Jr., Will Eisner, Scott McCloud e Dario Carvalho Jr.<br />
Na segunda parte, analisaremos os conceitos de mito e herói, e o que<br />
caracteriza um modelo mítico. <strong>Para</strong> tal fim, nossa base teórica serão as obras de<br />
5 As revistas do período foram obtidas através do site: www.comic-central.cc e as capas das<br />
publicações no site: http://www.supermanhomepage.com<br />
6 Utilizaremos o termo comunicação em massa como apresentado por Mário Feijó em seu livro:<br />
<strong>Quadrinhos</strong> em ação: um século de história (1997). Feijó atribui às histórias em quadrinhos o<br />
mesmo status de mecanismos de comunicação em massa, assim como a imprensa, o rádio e o<br />
cinema.<br />
14
Roland Barthes, Joseph Campbell, Claude Lévi-Strauss, Umberto Eco e Everardo<br />
Rocha.<br />
Na terceira parte do trabalho, veremos como os conceitos apresenta<strong>dos</strong> no<br />
capítulo anterior podem ser aplica<strong>dos</strong> no estudo do personagem e nos<br />
aprofundaremos no tema e nas fontes primárias do nosso estudo. Veremos como<br />
o personagem está inserido no imaginário social e na cultura, como definido por<br />
Jacques Le Goff, Bronislaw Baczko e Cliford Geertz.<br />
Fig. 1 - Estréia do Superman<br />
15
1. HISTÓRIA E HISTÓRIA EM QUADRINHOS<br />
1.1. História em quadrinhos como objeto histórico<br />
As histórias em quadrinhos, como toda forma de expressão artística, estão<br />
inseridas no contexto sócio-político do período em que foram criadas, não sendo<br />
isentas de influências ideológicas. A utilização da arte como representação da<br />
sociedade remonta à pré-história. No estudo da História, as representações<br />
artísticas sempre foram referenciais para a análise das sociedades nas quais<br />
foram criadas.<br />
Desta forma, como expressão do imaginário social e forma de comunicação<br />
em massa, as histórias em quadrinhos podem ser utilizadas tal qual outras obras<br />
da indústria cultural 7 como respostas a anseios e expectativas coletivas ou como<br />
modelos ideológicos e comportamentais seja nas suas expressões textuais, seja<br />
nas suas seqüências narrativas em imagens. Sobre o imaginário nos informam Le<br />
Goff & Cazenave:<br />
O imaginário é uma forma de realidade histórica, mas num sentido<br />
diferente do que chamamos de realidade. Muitos historiadores<br />
mostraram que o verdadeiro evento não é somente um acontecimento<br />
que se passa no momento determinado, mas o que ele traz consigo e o<br />
possibilita (LE GOFF & CAZENAVE apud OLIVEIRA, 2006, p.139).<br />
7 Utilizaremos o termo indústria cultural, mas não compartilhamos da definição do termo concebido<br />
por Theodor Adorno em seu livro Indústria Cultural e Sociedade (2009) que retrata uma relação de<br />
alienação entre a mídia e os seus consumidores, defendendo que esta indústria propaga<br />
conhecimento raso, ignóbil e muitas vezes nocivo ao desenvolvimento crítico-intelectual <strong>dos</strong><br />
indivíduos “aliena<strong>dos</strong>”, visando exclusivamente o lucro financeiro. Esta passagem exemplifica<br />
esta teoria: “A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem<br />
necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam<br />
aquelas capacidades pela sua própria constituição objetiva (...) Os produtos da indústria cultural<br />
podem estar certos de serem jovialmente consumi<strong>dos</strong>, mesmo em estado de distração. Mas cada<br />
um destes é um modelo do gigantesco mecanismo econômico que desde o início mantém tudo<br />
sob pressão, tanto no trabalho quanto no lazer, que tanto se assemelha ao trabalho”.(ADORNO,<br />
2009, p. 11-12).<br />
16
As histórias em quadrinhos expressam não só o olhar das pessoas<br />
envolvidas na sua realização, roteiristas, artistas e editores, mas indiretamente<br />
revelam o imaginário do seu público alvo, seu universo de referências,<br />
conhecimentos e aspirações, revelando muito mais do que um livro ou uma<br />
pintura, o olhar da sociedade no qual foi produzida. Sobre a interação entre os<br />
criadores e os leitores, Will Eisner discorre:<br />
A compreensão de uma imagem requer uma comunidade de experiência.<br />
Portanto, para que sua mensagem seja compreendida, o artista<br />
seqüencial deverá ter compreensão da experiência de vida do leitor. É<br />
preciso que se desenvolva uma interação, porque o artista está<br />
evocando imagens armazenadas nas mentes de ambas as partes<br />
(EISNER, 1995, p.8).<br />
Will Eisner, em sua obra <strong>Quadrinhos</strong> e Arte Seqüencial (1995), define as<br />
histórias em quadrinhos como arte seqüencial: “uma forma artística e literária que<br />
lida com a disposição de figuras ou imagens e palavras, para narrar uma história<br />
ou dramatizar uma idéia” (EISNER, op. cit , p.5). Porém para o processo de<br />
leitura, o leitor precisa utilizar tanto suas habilidades visuais quantos verbais – as<br />
regências da arte e da literatura se superpõem mutuamente: “A leitura da revista<br />
em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual” (EISNER,<br />
op. cit, p.8). Na sua obra posterior, Narrativas Gráficas de Will Eisner (2005) ele<br />
amplia este conceito:<br />
O processo de leitura nos quadrinhos é uma extensão do texto. No caso<br />
do texto o ato de ler envolve uma conversão de palavras em imagens.<br />
Os quadrinhos aceleram este processo fornecendo as imagens. Quando<br />
executadas de maneira apropriada, eles vão além da conversão e da<br />
velocidade e tornam-se uma só coisa (EISNER, 2005, p.9).<br />
Como as revistas em quadrinhos são de fácil leitura, e elemento de uma<br />
indústria cultural, sua utilidade foi associada à parcela da população de baixo<br />
nível cultural e capacidade intelectual limitada, ou simplesmente considerada<br />
subliteratura ou “coisa de criança”. Podemos exemplificar este pensamento,<br />
17
através desta afirmação de Moacy Cirne, no livro <strong>Quadrinhos</strong>, sedução e paixão<br />
(2000):<br />
Quase toda a ficção científica, quase toda a novela policial, quase todo o<br />
quadrinho, uma boa parte da produção cinematográfica, uma boa parte<br />
do cartum veiculada na imprensa, quase toda a telenovela, praticamente<br />
toda a fotonovela, uma grande parcela da música popular de consumo<br />
apenas reproduzem situações conteudísticas massificantes,<br />
ideologizadas, bestificatórias (CIRNE, 2000, p. 21-22).<br />
Porém é incorreto afirmar que toda obra quadrinizada é voltada para o<br />
público infantil ou mesmo que seja uma literatura de segunda categoria. Como<br />
uma arte dinâmica e coadunada com o contexto sócio-cultural e a produção<br />
tecnológica de cada década, as histórias em quadrinhos desenvolvem-se tanto<br />
em roteiro quanto na arte, fornecendo-nos um panorama e questões, que o<br />
historiador ou cientista social podem perceber e analisar sobre a sociedade na<br />
qual foram produzidas.<br />
1.2. Os primeiros passos: do cômico à aventura – as tiras de jornais<br />
As histórias em quadrinhos têm suas precedentes nas sátiras políticas e nas<br />
histórias ilustradas: A Harlot´s Progress 8 (1731), de Willian Horgarth, Hokusai<br />
Manga 9 (1814), de Katsuhika Hokusai e As Aventuras de Nhô Quim (1869), e As<br />
Aventuras de Zé Caipora (1883), de Ângelo Agostini são alguns exemplos deste<br />
tipo de narrativa.<br />
As tiras (strips) nas páginas dominicais foram a primeira forma que as<br />
histórias em quadrinhos assumiram, com Hogan´s Alley, de Outcault,<br />
8 Christopher Knowles, em sua obra Nossos deuses são super-heróis (2008, p.123), defende que<br />
tanto os cartuns quanto as modernas charges políticas e balões com dizeres apareceram na<br />
Inglaterra no século XVIII. Eram impressos em folhas soltas e vendi<strong>dos</strong> nas ruas.<br />
9 Hokusai é o primeiro a desenvolver imagens em seqüência no Japão e cria, ao juntar os<br />
caracteres man (involuntário) e ga (desenho, imagem), a palavra manga que se torna, na segunda<br />
década do século XX, sinônimo de quadrinhos japoneses assim como, o comics estadunidense.<br />
(MOLINÉ, 2004, p. 18)<br />
18
protagonizada pelo Menino Amarelo 10 (The Yellow Kid, fig. 02), publicada no jornal<br />
The New York World em 1895. Sobre a polêmica em torno da origem das<br />
histórias em quadrinhos, Dario de Carvalho Jr. nos informa:<br />
Por convenção, a tese aceita mundialmente é de que os quadrinhos<br />
surgiram oficialmente em 1895 com The Yellow Kid, de Richard Outcault,<br />
publicado no The New York Globe. Isso decorre em parte do poder de<br />
alcance do jornal na época visto que, se há dúvidas em relação à data<br />
do surgimento, não há nenhuma em relação ao fato de que foi a<br />
imprensa que popularizou os quadrinhos e fez com que se<br />
estabelecessem como uma nova mídia/forma narrativa. (CARVALHO<br />
JÚNIOR, 2002, p.18)<br />
Fig. 2 – O Menino Amarelo e o fonógrafo, 25 de outubro de 1896. Vemos neste quadro a<br />
introdução <strong>dos</strong> balões de texto, uma das características principais das histórias em quadrinhos.<br />
Outcault foi o primeiro a usar painéis e balões de textos em conjunto e a<br />
introduzir a cor nas tiras. Estas histórias passaram a ser chamada de “comics”<br />
pelos americanos porque os primeiros artistas exploravam o gênero para fazer<br />
10 Nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, O menino amarelo foi fonte da expressão imprensa amarela (no Brasil<br />
“imprensa marrom”), que descreve a prática jornalística sem ética do jornal The World<br />
(KNOWLES, op. cit p.124). Apesar do nome, o personagem não era oriental, mas sim um<br />
imigrante irlandês chamado Mike Dungan. Seu nome deve-se ao camisolão amarelo que usava.<br />
No primeiro momento as falas do personagem eram escritas em sua camisa, depois Outcault<br />
introduziu os balões de fala.<br />
19
graça com o universo miserável <strong>dos</strong> cortiços das grandes cidades americanas no<br />
fim do século XIX”. (GONÇALO JÚNIOR, 2004, p.25).<br />
No início do século XX, o custo de produção deste material se reduziu<br />
devido a novas técnicas de impressão. Em 1910, nos EUA, a circulação diária <strong>dos</strong><br />
jornais atingia 25 milhões de exemplares, subindo para 27.790.000 em 1920, e<br />
33.740.000 em 1925. “Veicula<strong>dos</strong> pelos jornais, os quadrinhos ocupavam o centro<br />
da cultura de massa, segundo a produção econômica e social da época<br />
considerada” (CIRNE, 1972. p. 25). Os jornais possuíam suplementos dominicais<br />
e suplementos semanais temáticos, que eram encarta<strong>dos</strong> gratuitamente nos<br />
jornais e banca<strong>dos</strong> por anunciantes. Havia o suplemento feminino, o literário, o de<br />
contos policiais, de esportes e o infanto-juvenil. E estes suplementos aumentavam<br />
substancialmente as vendas <strong>dos</strong> jornais, uma vez que muitos leitores os<br />
compravam apenas para lê-los, como nos informa Gonçalo Jr.:<br />
(...) nenhum caderno fazia mais sucesso que o infanto-juvenil, que trazia<br />
curiosidades, passatempos e muitas histórias em quadrinhos (...)To<strong>dos</strong><br />
os grandes jornais tinham suas séries em quadrinhos, principalmente<br />
com heróis de aventuras. (GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.25).<br />
O público alvo <strong>dos</strong> quadrinhos não eram apenas as crianças: “histórias de<br />
Buck Rogers e Tarzan eram acompanha<strong>dos</strong> por uma legião de fãs, como se<br />
fossem folhetins. O mais curioso: os comics exerciam fascínio sobre todas as<br />
idades”(GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.26).<br />
Apesar de o teor cômico de obras como Os Sobrinhos do Capitão (The<br />
Katzenjammer Kids), de Rudolph Dirks (1897), Chiquinho (Buster Brown 11 ) , de<br />
Richard Outcault (1902), Little Nemo in Slumberland, de Windsor McCay (1905),<br />
Mutt and Jeff, de Bud Fisher (1907), Pafúncio e Marocas (Bringing Up Father,) de<br />
11 Devido às críticas que Hogan´s Alley (1895-1898) sofreu por retratar a fraqueza do imigrante,<br />
Outcault criou Buster Brown, que fazia as mesmas traquinagens que Mike Dungan, o menino<br />
amarelo, mas, como o personagem era de classe média, teve grande aceitação tendo inclusive<br />
sido utilizado como logotipo da Brown Shoe Company (KNOWLES, op. cit, 2008)<br />
20
George McManus (1913) e Krazy Kat, de George Herriman (1913) ter marcado a<br />
eclosão das histórias em quadrinhos na imprensa estadunidense do começo do<br />
século XX, foi com a ênfase aventureira de obras como Buck Rogers, de Dick<br />
Calkins (1929), Tarzan, de Edgar R. Burroughs (1929), Dick Tracy, de Chester<br />
Gould (1931), Flash Gordon, de Alex Raymond (1934), Terry e os Piratas, de<br />
Milton Caniff (1934), Mandrake (1934), e Fantasma 12 (1936), de Lee Falk e<br />
Príncipe Valente, de Hal Foster (1937) e no foco posterior desta nas histórias de<br />
super-heróis com Superman, de Jerry Siegel e Joe Shuster (1938) e obras<br />
subseqüentes, que o quadrinho estadunidense ocupou to<strong>dos</strong> os espaços. “O<br />
modelo aconteceu de modo planetário”. (PATATI & BRAGA, 2006, p.58)<br />
Estas novas histórias deixam de lado o aspecto cômico e do cotidiano para<br />
se concentrarem no aspecto aventureiro e fantasioso. Há também uma<br />
transformação no traço do desenho, que abandona o estilo caricato para uma<br />
forma mais realista da figura humana.<br />
É imprescindível salientar que o surgimento de um novo gênero de<br />
narrativa não acarreta necessariamente no encerramento de outro. Histórias<br />
cômicas, de aventura e de super-heróis eram publicadas no mesmo período, ou<br />
na mesma publicação, como é o caso da revista Action Comics, na qual eram<br />
publicadas as histórias de to<strong>dos</strong> estes gêneros. Nas histórias em quadrinhos, ao<br />
longo de seu mais de um século de existência, observamos ciclos de ascensão e<br />
declínio de um determinado gênero, exemplificado através das histórias de terror<br />
que dominaram o mercado estadunidense na primeira metade da década de 50,<br />
para, depois serem praticamente extintos, na segunda metade da mesma. Hoje a<br />
12 O Fantasma foi o personagem que criou o modelo visual <strong>dos</strong> super-heróis, com sua roupa justa,<br />
sunga sobre a calça, máscara e logotipo de caveira.<br />
21
produção de história em quadrinhos destina-se ao mais varia<strong>dos</strong> estilos, faixas<br />
etárias e gêneros.<br />
1.3. A influência <strong>dos</strong> pulps<br />
Os pulps eram revistas impressas em material de baixa qualidade, com capas<br />
geralmente apelativas, berrantes e textos do agrado popular, que continham<br />
histórias cm gêneros varia<strong>dos</strong>: terror, mistério, ficção científica, policial, aventura<br />
ou erótico/pornográfico. Seu nome deriva do material que era impresso com a<br />
polpa de madeira. A primeira revista lançada foi The Golden Argosy (depois<br />
Argosy), em dezembro de 1882 (KNOWLES, op. cit, p.94). Os primeiros pulps<br />
apresentavam histórias de faroeste, detetives, guerra ou grandes aventuras.<br />
Entres as publicações destacam-se a Amazing Stories (1926) de Hugo Gernsback<br />
(ficção científica) 13 e Weird Tales (1922) de Clark Henneberger (terror, fantasia,<br />
aventura e sexo) (KNOWLES, op. cit, p.103 -104). Enquanto a primeira mostrava<br />
um futuro livre de pobrezas e doenças, com os heróis enfrentando alienígenas e<br />
cientistas loucos a segunda trabalhava temas ocultistas com forte conteúdo<br />
sexual e contracultural 14 .<br />
Os pulps tinham uma relação de intercâmbio com as histórias em quadrinhos<br />
de aventura e, posteriormente, de super-heróis. Os temas aborda<strong>dos</strong> nos pulps<br />
foram assimila<strong>dos</strong> pelas histórias em quadrinhos: personagens como Buck<br />
13 Gernsback é considerado tão importante para o desenvolvimento da ficção científica que o maior<br />
prêmio literário do gênero tem o seu nome; Hugo.<br />
14 O termo contracultura surgiu nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>na segunda metade do século XX, podendo ser<br />
entendido como um movimento de contestação de caráter social e cultural. Na década de 1950,<br />
um <strong>dos</strong> primeiros movimentos da contracultura foi: a Beat Generation (Geração Beat). Os Beatniks<br />
eram jovens intelectuais, principalmente artistas e escritores, que contestavam o consumismo e o<br />
otimismo do pós-guerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crítico.<br />
Na década de 1960, o mundo conheceu o principal e mais influente movimento de contracultura já<br />
existente, o movimento Hippie. Os hippies se opunham radicalmente aos valores culturais<br />
considera<strong>dos</strong> importantes na sociedade: o trabalho, o patriotismo e nacionalismo, a ascensão<br />
social e até mesmo a "estética padrão". Fontes :<br />
http://www.suapesquisa.com/musicacultura/contracultura.htm e<br />
http://www.infoescola.com/cultura/contracultura/ (último acesso 30 de novembro de 2010)<br />
22
Rogers e Tarzã, que tiveram suas origens nas revistas pulp foram transporta<strong>dos</strong><br />
para as páginas <strong>dos</strong> comics. Os heróis das histórias, a partir da década de 30,<br />
passaram a ganhar poderes sobre-humanos (seja por meio científico ou artes<br />
ocultas): “A ascensão do crime nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e o surgimento de ditadores<br />
na Europa também forma considera<strong>dos</strong> pelos editores <strong>dos</strong> pulps como força que<br />
só poderiam ser combatidas por homens dota<strong>dos</strong> de poderes sobre-humanos”.<br />
(LES DANIELS apud KNOWLES, op. cit, p.99). Além disso, passaram a ganhar<br />
aparências distintas, mudando os trajes normais para uniformes espalhafatosos,<br />
que ajudava a distinguir e comercializar cada herói bastava olhar a capa e os<br />
leitores já sabiam que história continha a revista. As capas tinham papel de suma<br />
importância, a ponto <strong>dos</strong> editores encomendarem “primeiro a ilustração 15 ,<br />
contratando depois um escritor para escrever uma história em torno dela”<br />
(KNOWLES, op. cit, p. 94). Superpoderes, uniformes espalhafatosos e imagens<br />
impactantes se tornariam a marca registrada <strong>dos</strong> super-heróis.<br />
1.4. As revistas em quadrinhos<br />
"Meu pai teve a idéia de pegar as páginas das tiras de domingo,<br />
dobrando-as e dobrando-as novamente, terminando com algo mais ou<br />
menos o tamanho <strong>dos</strong> quadrinhos de hoje” - William M. Gaines<br />
(KAPLAN, 2003).<br />
As revistas de quadrinhos americanas (comic books) tiveram início quando<br />
o editor Max Gaines 16 lançou Funnies on <strong>Para</strong>de, em 1933, impressa pela Eastern<br />
Color Printing Co. como um item promocional para a Procter & Gamble, que<br />
15 Virgil Finlay, Margaret Brundage, Frank R. Py Freas e H. J. Ward foram astros deste período,<br />
capazes de vender uma revista unicamente com base em suas ilustrações. As mulheres nuas de<br />
Brundage foram, inclusive, proibida de serem publicadas pelo prefeito de Nova York Fiorello La<br />
Guardiã.<br />
16 Max Gaines (Max Ginzberg) foi responsável pela fundação da All-American Publications, que<br />
lançaria importantes personagens na década de 40 (como o a Mulher-Maravilha, o Flash e o<br />
Lanterna Verde), e pela EC Comics (primeiro Educational Comics, depois Entertainment Comics)<br />
23
solicitou a impressão de 1 milhão de exemplares 17 . Essa revista era uma<br />
coletânea de tiras já publicadas nos jornais. Em 1934, Gaines propôs uma<br />
abordagem diferente - a redução das reimpressões das tiras à metade do<br />
tamanho tablóide e sua venda avulsa.<br />
O comic book nasceu de uma idéia simples, porém revolucionária, pela<br />
praticidade de manuseio e também do ponto de vista comercial. Bastava<br />
dobrar o tablóide ao meio e grampeá-lo para ter uma revista com o dobro<br />
de páginas, mas com custo quase igual – somente algum tempo depois<br />
adotou-se uma capa impressa em material de melhor qualidade.<br />
(GONÇALO JÚNIOR, op. cit, p.66)<br />
Fig. 3 – Funnies on <strong>Para</strong>de<br />
Em fevereiro, Famous Funnies nº 1 série 1 foi lançada nas lojas de<br />
departamentos, se tornando a primeira revista a ser vendida ao público. Suas 35<br />
mil cópias esgotaram-se rapidamente das prateleiras. Em maio do mesmo ano foi<br />
17 Fonte: www.dccomicsartists.com/dchistory/DCHISTORY-1.htm [último acesso 30 de novembro<br />
de 2010]<br />
24
lançada Famous Funnies nº 1 série 2, a primeira revista a ser lançada nas<br />
bancas 18 . A edição nº 8 foi a primeira a dar lucro (ganhando US$ 2.664,25), e uma<br />
indústria nasceu (KAPLAN, op. cit).<br />
Fig. 4 - Famous Funnies nº 1<br />
Como as revistas em quadrinhos provaram ser um investimento<br />
economicamente viável, o próximo passo foi a utilização deste meio para lançar<br />
novas tiras. O que foi feito com New Fun Comics, publicado, em fevereiro de<br />
1935, pelo Major Malcolm Wheeler-Nicholson, da National Allied Publishing 19 , um<br />
ex-oficial do Exército estadunidense afastado por insubordinação, que observou<br />
neste processo uma forma alternativa de não precisar pagar os direitos que<br />
envolviam a republicação de material existente. Entretanto, “em 32 páginas (a<br />
maioria em preto e branco) da New Fun Comics nº 1, ele fez mais do que isto, ele<br />
fez história” (MCGLOTHLING, 2006, p.6). Nas cinco primeiras edições, a revista<br />
apresentou histórias <strong>dos</strong> mais varia<strong>dos</strong> estilos, que tiveram suas raízes fincadas<br />
nas tiras de jornais: faroeste, ficção científica, aventura e humor.<br />
18 Esta edição custava 10 centavos de dólar, preço que se tornaria padrão das revistas em<br />
quadrinhos até a década de 50.<br />
19 Ao longo da década de 30 e 40 a editora mudou de nome na seguinte ordem: National Allied<br />
Publishing, National Periodical Publications, Detective Comics Inc, e, finalmente DC Comics nome<br />
que mantém até hoje.<br />
25
Em 1936, na revista New Fun Comics nº 6, houve a estréia do personagem<br />
Doctor Occult, The Ghost Detective, do escritor Jerry Siegel e do desenhista Joe<br />
Shuster. O Doutor Oculto era uma mistura de Sam Spade do Falcão Maltês<br />
(romance de Dashiell Hammett 20 ) e Mandrake, o Mágico (criado por Lee Falk e<br />
Phil Davis, em 1934), um detetive fantasma com características marcantes <strong>dos</strong><br />
personagens publica<strong>dos</strong> nas revistas pulp e nas tiras diárias <strong>dos</strong> jornais. O<br />
personagem teve um sucesso moderado, mas foi necessária uma mudança para<br />
fazer um sucesso maior. Na revista More New Fun Comics nº 02 (outubro de<br />
1936), foi aprovado pelo próprio Dashiell Hammett, a mudança da roupa formal<br />
para uma fantasia mais enfeitada, finalizada com uma capa vermelha. Este<br />
uniforme colorido durou apenas quatro edições, porém sem a repercussão e o<br />
impacto que outro personagem também criado por Siegel e Shuster, e que<br />
reutilizaria a capa vermelha, teria.<br />
20 Dashiell Hammet foi também o criador, em 1934, do Agente Secreto X-9, com arte de Hal Foster,<br />
pioneiro de personagens espiões como James Bond. No Brasil, no jargão policial, denomina-se X-<br />
9 o delator ou infiltrado.<br />
26
Fig. 5 - Doutor Oculto estréia na revista New Fun Comics (1936) – um típico personagem <strong>dos</strong><br />
pulps – terno, sobretudo e chapéu (Siegel e Shuster assinavam a obra com os pseudônimos<br />
Legar e Reuths), passa a utilizar uma espécie de fantasia, capa vermelha e sunga azul, que seria<br />
reaproveitada na concepção visual do Superman<br />
O sucesso da New Fun Comics levou a editora a publicar uma nova<br />
antologia em 1937, intitulada Detective Comics. Assim como a New Fun Comics<br />
teve sua base de inspiração as tiras de jornais, a Detective Comics utilizou as<br />
revistas pulp. Mostrava histórias focando personagens sem poderes como Speed<br />
Saunders e o maligno mestre oriental Ching Lung, claramente inspirada nas<br />
histórias de Doc Savage e Fu Manchu, criado por Sax Rohmer.<br />
Fig. 6 - Detective Comics nº 1 – Primeiro personagem que Siegel e Shuster assinam com o próprio nome -<br />
vemos o personagem lutando contra quatro orientais, “vilões” típicos das histórias pulps.<br />
Slam Bradley, criado por Siegel e Shuster para a Detective Comics, era um<br />
exemplo típico deste tipo de personagem: um detetive freelancer, lutador e<br />
27
aventureiro que combatia contrabandistas de drogas e outros tipos de vilões<br />
apenas com os punhos. Slam era também um mestre <strong>dos</strong> disfarces assim como<br />
seu assistente Shorty Morgan. Apesar de não possuir poderes sobre-humanos,<br />
eles realizavam atos de heroísmos dignos <strong>dos</strong> heróis que os sucederiam.<br />
Em 1938, a National Comics estava procurando por uma nova espécie de<br />
elemento que causasse estrondo para um novo título que seria lançado, a Action<br />
Comics. O editor responsável pela revista, Vince Sullivan, encontrou o que<br />
procurava em uma história não publicada criada por Jerry Siegel e Joe Shuster,<br />
em 1933, para as tiras de jornais, com o personagem batizado de Superman. O<br />
terreno estava fértil para uma mudança no panorama das histórias em<br />
quadrinhos. E esta surgiria como o personagem, como um impacto de sua nave<br />
ao chegar à Terra.<br />
1.5. A Era de Ouro<br />
O período de 1938-1955 é considerado pelos historiadores das histórias em<br />
quadrinhos como a Era de Ouro (Golden Age). Esta classificação deve-se à<br />
explosão criativa <strong>dos</strong> autores e personagens (Superman, Batman, Mulher-<br />
Maravilha, Capitão América são frutos desta primeira onda criativa) e à vendagem<br />
<strong>dos</strong> exemplares. Neste período, também há a criação da linguagem gráfica <strong>dos</strong><br />
quadrinhos contemporâneos, to<strong>dos</strong> os elementos e signos são cria<strong>dos</strong> neste<br />
período. Sobre esse Will Eisner comentou: “Hoje você chama de Era de Ouro (...)<br />
Bem, nós que vivíamos na Era de Ouro, não sabíamos disso. Foi a Era de<br />
Chumbo no que nos concerne!” (KAPLAN, op. cit). Foi a Era de Ouro para as<br />
editoras, não para aqueles que produziam as histórias. Os artistas e escritores<br />
desta época nunca saíram da pobreza. Eles eram assalaria<strong>dos</strong> mal pagos, sem<br />
28
direitos ou royalties. Os personagens que foram cria<strong>dos</strong> tornaram-se propriedade<br />
e marcas registradas pelas editoras de quadrinhos.<br />
O sucesso de vendas do Superman fez com que várias editoras de<br />
quadrinhos, entre elas All American Comics, Timely Comics, Archie Comics, Whiz<br />
Comics, e Quality Comics, entrassem no mercado de super-heróis, criando<br />
personagens similares ao novo super-herói, entre eles Wonder Man (criado em<br />
maio de 1939 por Will Eisner) e o mais famoso o Capitão Marvel (criado em<br />
fevereiro de 1940 pelo escritor Otto Binder e o artista CC Beck), o único a<br />
alcançá-lo em vendas.<br />
Entre os novos super-heróis destaca-se o Batman lançado na Detective<br />
Comics nº 27, em 1939, desenhado por Bob Kane e escrito por Bill Finger. Assim<br />
como o Superman era herdeiro da ficção científica, o Batman era herdeiro das<br />
histórias policiais, com grande influência <strong>dos</strong> pulps.<br />
Fig. 7 – Detective Comics 27 (maio de 1939) – estréia do Batman<br />
29
Neste período várias super-heroínas foram criadas entre elas: Lady Luck<br />
(1940), Mulher-Maravilha (1941) Lady Fantasma (1941), Mary Marvel (1942),<br />
entre outras. Delas apenas a Mulher-Maravilha 21 continuou a ser publicada com<br />
regularidade, tornando-se juntamente com Superman e Batman, a trindade <strong>dos</strong><br />
personagens da DC Comics.<br />
Fig. 8 - Sensation Comics nº 1 (janeiro de 1942) – primeira revista com histórias dedicadas<br />
a Mulher-Maravilha, embora a primeira aparição do personagem tenha sido no mês anterior em<br />
dezembro de 1941 na revista All-Star Comics nº 8.<br />
Depois de dezembro de 1941, com a entrada <strong>dos</strong> EUA na Segunda Guerra,<br />
to<strong>dos</strong> os super-heróis foram alista<strong>dos</strong> no conflito: “Após o ataque a Pearl Harbor,<br />
os super-heróis tornaram-se mascotes do esforço de guerra. As revistas em<br />
quadrinhos circulavam aos milhões durante a guerra, e eram material essencial<br />
de leitura para os solda<strong>dos</strong> em combate” (KNOWLES, op. cit, p. 24). Porém,<br />
mesmo antes da entrada estadunidense, o sentimento patriótico já estava<br />
21 Voltaremos à personagem quando tratarmos da relação entre mitos e super-heróis, no capítulo<br />
2.<br />
30
presente nas histórias de super-heróis. Assim, em março de 1941, trabalhando<br />
com seu colega artista Jack Kirby, Joe Simon criou o Capitão América para a<br />
Timely Comics. Joe Simon creditou a criação do Capitão América ao seu desejo<br />
de usar Hitler como vilão, e para isso precisava de um antagonista patriótico:<br />
Eu estava num ônibus na Quinta Avenida (em Nova York) certa noite (em<br />
1939), tentando achar idéias para novos personagens, e os quadrinhos<br />
que estavam vendendo mais eram aqueles como Batman, porque tinham<br />
grandes vilões como o Pingüim. Os nazistas tinham pirado na Alemanha,<br />
na época e Adolfo Hitler estava toda hora nos jornais, então pensei com<br />
meus botões: “Porque não usamos um vilão de verdade em vez de tentar<br />
inventar um?”. Pus Hitler como vilão e isso se revelou ótimo, então era<br />
só uma questão de encontrar um herói para combatê-lo.<br />
Com a ação sensacional de Jack, foi um belo ponto de partida e<br />
todo um novo visual pros gibis. Foi a primeira vez que (o fundador da<br />
Timely) Martin Goodman tinha lançado uma revista baseada em um só<br />
personagem 22 , e que ela tenha vendido muito bem. (MORSE, 2007,p.14)<br />
Fig. 9 – Captain América Comics nº 1 (março de 1941)<br />
22 A DC Comics já havia lançado revistas baseadas em único personagem: Superman, em 1939 e<br />
Batman, em 1940. A editora Timely Comics (futura Marvel Comics) não havia ainda iniciado esta<br />
prática até o lançamento da Captain America Comics nº 1.<br />
31
Vestido com um uniforme que remete imediatamente à bandeira<br />
estadunidense, o Capitão América foi um super-herói, como visto, criado para um<br />
objetivo específico. Terminada a guerra, sua função também cessara:<br />
Transformaram-no em combatente do crime, como tantos por aí - bem<br />
mais competentes, diga-se de passagem. Tanto é que o herói não<br />
agüentou a concorrência na nova “linha de trabalho", e sua revista foi<br />
cancelada em 1948, em meio à crise de vendas que também seria uma<br />
das causas do fim da chamada “Era de Ouro” das HQs. (SOUZA apud<br />
CHAGAS, 2008, p. 146).<br />
Contudo, a maior batalha que os super-heróis enfrentariam não seria contra<br />
criminosos, solda<strong>dos</strong> ou supervilões; seria contra um psicólogo e as repercussões<br />
de sua obra.<br />
1.6. A Caça às Bruxas<br />
Os quadrinhos alcançaram o máximo de sua popularidade nos primeiros<br />
anos da década de 50. “As vendas mensais de quadrinhos em 1943 eram de 25<br />
milhões de revistas, e em 1953, já alcançavam a marca de 100 milhões, mas,<br />
apesar da indústria estar uma ótima situação, os super-heróis não estavam”<br />
(MUNIZ, 2009, p.24). Em 1952, <strong>dos</strong> personagens cria<strong>dos</strong> nas décadas de 30 e 40<br />
apenas Superman, Batman e Mulher Maravilha continuavam sendo publica<strong>dos</strong>.<br />
Entretanto, nem mesmo os super-heróis escaparam ilesos da perseguição<br />
imposta aos comics na década de 50, quando os títulos de crime e terror foram<br />
bombardea<strong>dos</strong> pela crítica de diversos setores da sociedade, entre eles pais,<br />
educadores, psicólogos, críticos literários e religiosos, preocupa<strong>dos</strong> com a<br />
influência que este tipo de publicação acarretaria nas crianças e jovens. Estes<br />
títulos eram acusa<strong>dos</strong> de influenciar o aumento da criminalidade juvenil, pois os<br />
quadrinhos de crime e de terror “tratavam de violência, de brutalidade e de<br />
sadismo num grau nunca visto antes em revistas de quadrinhos - em alguns<br />
32
casos, nunca visto antes em veículos de entretenimento de massa” (WRIGHT<br />
apud KNOWLES, op. cit p. 156).<br />
Na década de 40, os jornais e revistas, começam a publicar artigos contra<br />
as histórias em quadrinhos. Em 1948, o psicólogo Fredric Wertham publica na<br />
revista Collier o artigo Horror in the Nursery, o primeiro <strong>dos</strong> seus artigos contra os<br />
quadrinhos. Nele descrevia que o número de quadrinhos “bons”, não deveria ser<br />
levado em conta, mas sim os quadrinhos que se faziam passar por “bons”. No<br />
mesmo ano, a revista Time publicou uma reportagem relatando que o Comissário<br />
de Polícia de Detroit, Harry S. Troy examinara todas as revistas em quadrinhos na<br />
sua região e declarou que elas estavam “carregadas de ensinamentos<br />
comunistas, sexo e discriminação racial” (CHRISTENSEN & SEIFERT, 1997, p.<br />
41). A cartada final foi o lançamento do livro A Sedução <strong>dos</strong> Inocentes (1954) 23 ,<br />
que foi publicado em um período de “paranóia social” e “caça às bruxas” nos<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, motiva<strong>dos</strong> pelo macarthismo e pela Guerra Fria.<br />
O livro de Wertham chegou às livrarias num momento em que os<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> viviam, em pleno século XX, o macarthismo, um período<br />
de radicalização política e moral que lembrava os tempos da Inquisição.<br />
A ameaça do comunismo internacional difundida pela Guerra Fria<br />
coincidiu com a explosão do rádio e do cinema, a chegada da televisão e<br />
a modernização da imprensa. (...) Logo estes novos meios de<br />
comunicação se tornaram suspeitos de ser campos férteis para a<br />
infiltração e a difusão ideológica de ideologias de esquerda – e a criança<br />
era vista como alvo fácil para a cooptação vermelha na América. (...) O<br />
aumento das vendas <strong>dos</strong> comics nos últimos anos só atraía cada vez<br />
mais a atenção <strong>dos</strong> radicais e moralistas (GONÇALO JÚNIOR, op. cit,<br />
p.236-237)<br />
A obra de Wertham, além de criticar a violência e sangüinolência nas<br />
histórias em quadrinhos de crime e de terror, e de responsabilizar (por<br />
associação) os comics pelo aumento da delinqüência juvenil, acusava os<br />
quadrinhos de super-heróis dizendo que “a violência e o aspecto justiceiro de<br />
23 Seduction of the innocent, impresso pela editora Rinehart & Company, teve ampla repercussão<br />
na mídia. A revista Reader´s Digest ajudou a divulgá-lo em todo o globo ao reproduzir uma<br />
condensação do primeiro capítulo da obra em todas as suas dezessete edições internacionais. No<br />
Brasil, foi publicado na edição de outubro de 1954.<br />
33
suas histórias incentivavam um comportamento anti-social, perversões sexuais e<br />
impulsos fascistas” 24 (KNOWLES, op. cit, p.157). A pressão social forçou a<br />
criação de uma Subcomissão do Senado Americano, no mesmo ano. Nesta<br />
comissão de inquérito foram ouvi<strong>dos</strong> representantes das editoras, entre eles,<br />
William “Bill” Ganes, da EC Comics, responsável na época pelo domínio do<br />
mercado estadunidense de quadrinhos com obras de terror, ficção científica e<br />
mistério, como Tales From the Crypt e The Vault of Horror, e desenhistas de tiras<br />
como Walt Kelly e Milton Caniff. O resultado da subcomissão 25 foi a criação do<br />
Comics Code Authority (CCA), um código auto-regulador do mercado. A CMMA<br />
(Comics Magazine Association of América) adotou o código em 26 de outubro de<br />
1954. Somente as revistas que contivessem o selo de aprovação poderiam ser<br />
distribuídas na banca, o que levou à falência ou modificação de várias editoras,<br />
entre elas a EC Comics 26 . A Subcomissão aprovou o Comics Code no seu<br />
relatório publicado em 1955, dizendo que “é consenso que o estabelecimento<br />
desta nova associação, a adoção de um código e a indicação de um<br />
24 Wertham atacava Superman, afirmando que esse era um personagem com fantasias de prazeres<br />
sádicos, punindo a to<strong>dos</strong> sem nunca sofrer quaisquer danos. Denunciava Batman e Robin<br />
como um casal homossexual e a Mulher Maravilha como ícone de tudo aquilo que uma mulher<br />
não deveria ser. A credibilidade de Fredric Wertham foi um <strong>dos</strong> principais fatores a levar indústria<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos a uma grande crise. (MUNIZ, op. cit, p. 25)<br />
25 Em 5 de junho de 1954, o senador Robert C. Hendrickson, presidente da subcomissão do<br />
senado para averiguar os comics, antecipou a decisão que seria divulgada dias depois, que<br />
responsabilizava os comics pelo aumento da criminalidade juvenil entre 1944 e 1954, porém, ao<br />
invés de propor uma censura contra as revistas, sugeriram que o próprio mercado criasse um<br />
sistema auto-regulador para conter os excessos e “moralizar” as obras a partir de sua criação.<br />
(GONÇALO JÚNIOR, op. cit p.240-242)<br />
26 Uma das únicas revistas da EC Comics que continuaram a serem publicadas pela editora foi a<br />
revista Mad que circulava desde 1952. À frente da revista estava o editor Harvey Kurtzman, seu<br />
genial criador. “Ao fazer duas alterações fundamentais, Gaines descaracterizou a Mad junto aos<br />
distribuidores como revista em quadrinhos: aumentou o formato, que antes era de comic book –<br />
que padronizava todas as revistas em quadrinhos para crianças e adolescentes nos Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong> –, para o formato magazine, o mesmo da revista Time; ao mesmo tempo, tornou a<br />
exclusivamente satírica, o que a livrou de ser submetida ao código de ética <strong>dos</strong> editores e<br />
distribuidores. Mad, desse modo, virou um gibizão para ser consumido por adultos” (GONÇALO<br />
JR., op. cit, p. 245).<br />
34
administrador do código são passos na direção certa” (CHRISTENSEN &<br />
SEIFERT, op. cit, p. 43)<br />
Fig. 10 – Títulos como Crime Suspenstories da EC Comics influenciaram a criação<br />
do CCA em 1954<br />
Porém, essa perseguição, que marca o fim da Era de Ouro 27 , não<br />
significaria o fim <strong>dos</strong> super-heróis. Eles retornariam com uma nova temática para<br />
retomar a “ordem” e enfrentar esta nova era e seus novos problemas. Superman<br />
passou a trabalhar mais do que nunca em conjunto com as autoridades. Batman e<br />
Robin passavam mais tempo com garotas, e foi criada a Batwoman. A Mulher<br />
Maravilha, por sua vez, ganhou o namorado Steve Trevor. Além disso, outros<br />
heróis da década de 40 retornaram, não mais com a temática mística/oculta, mas<br />
sim supercientífica, criando um novo arquétipo de personagem: o herói da ciência<br />
que incorporava o zeitgeist da era atômica e espacial. O marco inicial deste novo<br />
período é a publicação do reformulado Flash na revista Showcase nº 4 (1956) que<br />
abre a denominada Era de Prata. “Em contraste com os personagens<br />
resmungões e desalinha<strong>dos</strong> da Era de Ouro, o novo Flash da Era de Prata<br />
27 Entre 1954 e 1956, as vendas de quadrinhos caíram em 50%. A indústria nunca mais venderia<br />
tanto como anteriormente após a publicação de A Sedução <strong>dos</strong> Inocentes (MUNIZ, op. cit p.26)<br />
35
assinala o surgimento de uma estirpe limpa, sagaz e futurista de heróis”<br />
(KNOWLES, op. cit, p, 158).<br />
Os heróis da Era de Prata, em geral, ofereciam uma visão esperançosa e<br />
idealista, ainda sendo atraente para os fãs e criadores de hoje. A Era de Prata<br />
marca também a ascensão da Marvel Comics, com a reformulação do paradigma<br />
super-heróico, pelas mãos do roteirista Stan Lee e do desenhista Jack Kirby.<br />
Neste período que são cria<strong>dos</strong> o Quarteto Fantástico (1961), Homem-Aranha<br />
(1962), Hulk (1962), Vingadores (1963) e o ressurgimento do Capitão América<br />
(1964) que foi cancelado em 1950. Nestas histórias o lado humano <strong>dos</strong><br />
personagens foi mais explorado, através das relações e conflitos pessoais.<br />
O mito do super-herói, que é criado na Era de Ouro, solidifica-se na Era de<br />
Prata. As eras seguintes, de Bronze e de Ferro, ficaram caracterizadas pela perda<br />
da leveza das histórias e pela sofisticação crescente em termos de caracterização<br />
e temas, como drogas, violência, política e questões sociais, a ponto da própria<br />
figura e do papel do super-herói serem questiona<strong>dos</strong> na Era de Ferro. Neste<br />
período os autores buscaram quebrar os modelos estabeleci<strong>dos</strong>, com obras como<br />
Watchmen de Alan Moore (1986) e Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (1986). A<br />
temática realista e violenta foi levada ao extremo com a criação da editora Image<br />
Comics, fundada por artistas dissidentes da Marvel Comics, com histórias que<br />
eram nada mais que “amontoa<strong>dos</strong> incompreensíveis de poses de ação, cenas de<br />
luta mal coreografadas e explosões” (KNOWLES, op cit, p. 27).<br />
As histórias em quadrinhos de super-heróis deste início de século XXI<br />
buscaram recapturar elementos das Eras de Ouro e Prata, mas tempera<strong>dos</strong> com<br />
idéias modernas, valorizando a figura do super-herói e do seu papel na<br />
sociedade, principalmente após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.<br />
36
2. O MITO NA HISTÓRIA EM QUADRINHOS<br />
Quando falamos em mito nas histórias em quadrinhos, associamo-lo<br />
imediatamente ao Superman. Umberto Eco em seu livro Apocalípticos e<br />
Integra<strong>dos</strong> (2004), dedica um capítulo exclusivo para este debate, que<br />
acreditamos não estar esgotado. Mas o que é o mito, o que caracteriza um<br />
modelo mítico e como podemos utilizá-lo no estudo histórico? Não pretendemos<br />
neste capítulo realizar um extenso debate sobre o assunto, mas sim descrever as<br />
bases sobre as quais analisaremos o personagem.<br />
2.1. O que é mito?<br />
O mito é um objeto teórico de debate extenso e procurar um único<br />
significado que o define é simplificar esta questão, não explicá-la. Everardo Rocha<br />
(1999) informa que o mito está inserido no conjunto de fenômenos cujo sentido é<br />
difuso, pouco nítido, múltiplo, servindo para significar muitas coisas,<br />
representando várias idéias, sendo usado em diversos contextos. O mito pode<br />
desta forma, ser utilizado para designar um semideus grego, um personagem de<br />
histórias em quadrinhos, uma celebridade do cinema ou da música, ou ainda um<br />
esportista de grande renome. São desta forma classifica<strong>dos</strong> como mitos:<br />
Hércules, Superman, John Wayne, Elvis Presley, Michael Jackson ou Ayrton<br />
Senna. Sobre a dimensão que o mito pode ter, Joseph Campbell, no seu livro O<br />
herói de mil faces (1995), exemplifica este debate:<br />
A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um primitivo<br />
e desastrado esforço para explicar o mundo da natureza (Frazer);<br />
como um produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal<br />
compreendido pelas sucessivas gerações (Müller); como um repositório<br />
de instruções alegóricas, destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo<br />
(Durkheim); como sonho grupal, sintomático <strong>dos</strong> impulsos arquétipos<br />
existentes no interior das camadas profundas da psique humana (Jung);<br />
como veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do<br />
homem (Coomaraswamy); e como a Revelação de Deus aos Seus filhos<br />
37
(a Igreja). A mitologia é tudo isso. Os vários julgamentos são determina<strong>dos</strong><br />
pelo ponto de vista <strong>dos</strong> juízes. (CAMPBELL, 1995, p.367)<br />
Porém, o que podemos inferir da leitura sobre o tema é que o mito é uma<br />
narrativa, um discurso, uma fala. Mas não uma narrativa humana como qualquer<br />
outra, e sim uma forma pela qual as sociedades demonstram suas contradições,<br />
anseios e inquietações, o modo como enxergam o mundo e percebem qual o seu<br />
lugar social nele. Como nos informa Roland Barthes: “Mas o que se deve<br />
estabelecer solidamente desde o início é que o mito é um sistema de<br />
comunicação, é uma mensagem. Eis porque não poderia ser um objeto, um<br />
conceito, ou uma idéia: ele é um modo de significação, uma forma” (BARTHES,<br />
1993, p.132). Como é uma forma e não um objeto, as histórias em quadrinhos<br />
poderiam ser analisadas sob a ótica do discurso mitológico, pois como afirma<br />
Barthes:<br />
(...) já que o mito é uma fala, tudo pode construir um mito, desde que<br />
seja suscetível de ser julgado por um discurso. O mito não se define pelo<br />
objeto de sua mensagem, mas pela maneira como a profere: o mito tem<br />
limites formais, mas não substanciais (BARTHES, op. cit, p. 132).<br />
O mito relata histórias fantasiosas e inverídicas, do ponto de vista do<br />
pensamento racional, porém podemos utilizá-las historicamente para analisar a<br />
sociedade que as produziu, pois o mito possui raízes históricas, e é a história que<br />
o afirma e o perpetua, como define Barthes:<br />
(..) pois é a história que transforma o real em discurso, é ela e não só ela<br />
que comanda a vida e a morte da linguagem mítica (...) a mitologia só<br />
pode ter um fundamento histórico, visto que o mito é uma fala escolhida<br />
pela história: não poderia de modo algum surgir da ”natureza” das coisas<br />
(BARTHES, op. cit, p. 133).<br />
A relação da Mitologia e da História também é debatida por vários autores,<br />
entre eles Lévi-Strauss. Segundo este, ao utilizarmos os mitos para entender a<br />
história, fazemos um paralelo entre o sistema estático da Mitologia, que possui os<br />
mesmos elementos mitológicos combina<strong>dos</strong> de infinitas maneiras em um sistema<br />
38
fechado, e o sistema aberto da História, podendo fazer uma correlação entre<br />
ambos:<br />
O caráter aberto da História está assegurado pelas inumeráveis<br />
maneiras de compor e recompor as células mitológicas ou as células<br />
explicativas, que eram originariamente mitológicas. Isto demonstra-nos<br />
que, usando o mesmo material, porque no fundo é um tipo de material<br />
que pertence à herança comum ou ao patrimônio comum de to<strong>dos</strong> os<br />
grupos, de to<strong>dos</strong> os clãs, ou de todas as linhagens, uma pessoa pode<br />
todavia conseguir elaborar um relato original para cada um deles. (LÉVI-<br />
STRAUSS, 1978, pg.60)<br />
Desta forma “a mitologia: faz parte simultaneamente da semiologia, como<br />
ciência formal, e da ideologia, como ciência histórica: ela estuda idéias-em-forma”<br />
(BARTHES, op. cit, p. 135). Inferimos então que as histórias em quadrinhos,<br />
assim como o mito, podem ser analisado sob a ótica do discurso semiológico e<br />
também do discurso historiográfico, como afirma Le Goff:<br />
Junto à história política, à história econômica e social, à história cultural,<br />
nasceu uma história das representações. Esta assumiu formas diversas:<br />
história das concepções globais da sociedade ou história das ideologias;<br />
história das estruturas mentais comuns a uma categoria social, a uma<br />
sociedade, a uma época, ou história das mentalidades; história das<br />
produções do espírito ligadas não ao texto, à palavra, ao gesto, mas à<br />
imagem, ou história do imaginário, que permite tratar o documento<br />
literário e o artístico como documentos históricos de pleno direito, sob a<br />
condição de respeitar sua especificidade; história das condutas, das<br />
práticas, <strong>dos</strong> rituais, que remete a uma realidade oculta, subjacente, ou<br />
história do simbólico, que talvez conduza um dia a uma história<br />
psicanalítica, cujas provas de estatuto científico não parecem ainda<br />
reunidas. Enfim, a própria ciência histórica, com o desenvolvimento da<br />
historiografia, ou história da história, é colocada numa perspectiva<br />
histórica. (LE GOFF, 1990, p.12-13)<br />
Os autores <strong>dos</strong> comics buscaram (e ainda buscam) nos mitos sua fonte de<br />
inspiração, utilizando os mesmos elementos constitutivos, seus arquétipos e seus<br />
modelos, e assim criaram novos mitos e uma cosmogonia própria 28 .<br />
28 Jack Kirby em 1971 criou para a DC Comics uma série de quadrinhos batizada de The New<br />
Gods, que, junto com outros títulos (The Forever People e Mister Miracle) formaram o que se<br />
tornaria o Fourth World. As histórias tratavam da luta entre os deuses extradimensionais bons de<br />
Nova Gênesis e os malignos de Apokolips. Enquanto Nova Gênesis era um paraíso, Apokolips era<br />
um inferno. Então para tentar fazer um acordo de paz entre os planetas, Highfather e Darkseid, em<br />
uma clara referência a deus (“Pai Supremo”) e o diabo (Darkseid é pronunciado como dark side,<br />
“Lado Sombrio”), enviam os primogênitos Scott Free (Nova Gênesis) e Órion (Apokolips) para<br />
serem cria<strong>dos</strong> pela cultura rival, o que faz com que Órion volte-se contra seu pai, enquanto Scott<br />
Free torne-se o especialista em fugas Mister Miracle, para escapar do inferno que é Apokolips.<br />
Knowles (op. cit) faz uma comparação entre as histórias do Quarto Mundo e a obra Star Wars de<br />
George Lucas, afirmando que Lucas teria sua inspiração mais nos trabalhos de Kirby do que no de<br />
39
Arquétipos <strong>dos</strong> mitos e das lendas como o “velho sábio”, o “herói” ou o<br />
“trapaceiro” também podem ser usa<strong>dos</strong> para proporcionar uma variedade<br />
de desejos e visões de mundo ao mesmo tempo que explora valores<br />
universais que transcendem todo o gênero ou cultura. (MCCLOUD, op.<br />
cit, p. 68)<br />
Mitos judaico-cristãos (Superman), greco-romanos (Mulher Maravilha e<br />
Capitão Marvel 29 ), egípcios (Gavião Negro), arturianos (Cavaleiro Andante e<br />
Etrigan), entre outros, serão influência para os criadores <strong>dos</strong> comics. Como<br />
detalharemos no mito do Superman no capítulo 3, utilizaremos outro caso para<br />
melhor exemplificar a questão, a Mulher-Maravilha (Wonder Woman), criada em<br />
1940 pelo psicólogo William Moulton Marston 30 . A princesa Diana foi esculpida da<br />
lama por sua mãe Hipólita, a pedido de Afrodite, que soprou a vida nela. Nasceu e<br />
cresceu na Ilha <strong>Para</strong>íso – uma terra controlada por uma sociedade de Amazonas -<br />
vem ao “mundo <strong>dos</strong> homens” onde, sob a alcunha de Mulher-Maravilha, defende<br />
uma sociedade igualitária. A super-heroína tem habilidades físicas e acrobáticas<br />
sobre-humanas, aliadas a qualidades de origem divina (a beleza de Afrodite, a<br />
sabedoria de Atenas, a velocidade de Mercúrio e a força de Hércules). No início, a<br />
heroína era desenhada pelo artista co-autor H. G. Peter, em histórias escritas pelo<br />
próprio Moulton (que ficou responsável pelo roteiro até a sua morte em 1947). O<br />
objetivo era criar uma alegoria para ilustrar sua teoria sobre as relações<br />
homem/mulher 31 . A personagem teve suas características planejadas para<br />
Joseph Campbell na elaboração do enredo e <strong>dos</strong> personagens da saga.<br />
29 O órfão Billy Batson gritava a palavra SHAZAM, nome do mago que lhe concedeu seus poderes,<br />
a sigla <strong>dos</strong> seres de que eram a fonte original de seus poderes: S de Salomão (sabedoria), H de<br />
Hércules (força), A de Atlas (resistência), Z de Zeus (poder), A de Aquiles (coragem) e M de<br />
Mercúrio (velocidade). Com exceção de Salomão, de origem hebraica, todas os outros seres são<br />
de origem greco-romanas.<br />
30 Marston (1893-1947) foi além de psiquiatra, novelista, jornalista, pioneiro do feminismo,<br />
entusiasta do bondage (dominação sexual), inventor do polígrafo e polígamo praticante.<br />
31 “Francamente, a Mulher-Maravilha é uma propaganda para um novo tipo de mulher que, creio<br />
eu, deveria governar o planeta. Não há amor suficiente no organismo masculino para governar<br />
este mundo de modo pacífico. O corpo da mulher contém duas vezes mais órgãos geradores de<br />
amor e mecanismos endócrinos do que o homem” (MARSTON apud KNOWLES, op. cit, p. 182).<br />
40
transmitir a mensagem de que as mulheres <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> (que no ano<br />
seguinte entravam na Segunda Guerra Mundial) deveriam descobrir seu<br />
potencial, coragem, independência e capacidade de lutarem por si mesmas.<br />
Marston via na linguagem das histórias em quadrinhos um grande potencial<br />
educacional.<br />
2.2. O herói e o super-herói na narrativa<br />
Mais do que a adição de um prefixo, o super-herói 32 é um conceito que<br />
surge oriundo <strong>dos</strong> comics e que se tornou um modelo utilizado nas narrativas<br />
seqüenciais por todo globo. Porém o que caracteriza um herói na narrativa, quais<br />
as suas características? Compartilhamos a definição fornecida por Dario Carvalho<br />
Jr:<br />
Um herói representa um padrão de valor, tem a capacidade de satisfazer<br />
à necessidade (ou necessidades) de um povo, encarna os valores que<br />
simboliza. É, ou se torna, de maneira emblemática, uma soma das<br />
aspirações de um indivíduo, de uma sociedade, de uma época<br />
(CARVALHO JÚNIOR, op. cit, p. 6).<br />
Desta forma podemos inferir que os super-heróis são um modelo mítico,<br />
uma forma de entender o mundo, e conexão com as experiências da vida. A saga<br />
deste herói é definida assim por Joseph Campbell:<br />
forma:<br />
32<br />
Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de<br />
prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma<br />
vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder<br />
de trazer benefícios a seus semelhantes (CAMPBELL, 1995, p.36).<br />
Entretanto como definiríamos o super-herói? Will Eisner o define desta<br />
Super-herói é um estereotipo <strong>dos</strong> quadrinhos inerente à cultura<br />
americana. Vestido com uma roupa derivada da clássica vestimenta <strong>dos</strong><br />
homens fortes do circo, ele é adotado em histórias que evocam vingança<br />
e perseguição. Esse tipo de herói geralmente tem poderes super-<br />
Foi a partir da criação do Superman que o termo "superhero" começou a ser usado (derivado do<br />
nome do personagem), e embora o conceito original fosse muito próximo <strong>dos</strong> "costumed heroes"<br />
(também conheci<strong>dos</strong> como "masked heroes" ou "mystery men") logo foi evoluindo para o que hoje<br />
nós conhecemos como super-heróis.<br />
41
humanos que limitam as possibilidades do roteiro. Como um ícone, ele<br />
satisfaz a atração nacional pelo herói que vence mais por sua força do<br />
que pela malícia. (EISNER, op. cit, p.78). 33<br />
O super-herói possui as características do herói épico da narrativa<br />
mitológica: possui forças além do homem ordinário, que são originadas de seu<br />
nascimento (fruto de divindades ou forças sobrenaturais) ou concedidas por um<br />
deus ou deuses. Contudo, mesmo estando um patamar acima do homem comum,<br />
empregam este poder em missões que trazem benefícios para esses homens<br />
comuns que por sua vez os admiram e glorificam.<br />
O herói épico também é o herói fundador ou civilizador que dá ordem e<br />
sentido ao mundo em que vive, sendo o mediador entre o humano e o divino. Seu<br />
inimigo é o caos, que pode apresentar-se de várias formas, seja na forma de<br />
monstros, ou seja, na de batalhas a serem vencidas. Em suma, sua história<br />
termina com a morte, que dá a ele o status de divindade. Hércules e Aquiles são<br />
exemplos deste tipo de herói e serviram de modelo para a criação <strong>dos</strong> super-<br />
heróis.<br />
Podemos, então, fazer um paralelo entre o super-herói e o herói épico. O<br />
super-herói possui características acima das do homem comum, seja por seu<br />
nascimento, causas místicas ou científicas 34 . Seus inimigos se apresentam sob a<br />
forma de oponentes de natureza monstruosa como dinossauros, macacos<br />
gigantes, robôs enormes, alienígenas ou vilões humanos com características<br />
33 Mesmo super-heróis que não possuem poderes sobre-humanos ou que tem a inteligência<br />
apurada, como Batman, recorrem à força física e utilizam outros instrumentos tecnológicos, que<br />
emulam superpoderes, para derrotarem fisicamente seus inimigos.<br />
34 Superman (1938) obtém seu poder através do sol; Batman (1939) possui treinamento avançado<br />
e equipamentos fantásticos; o primeiro Flash (1940) e outros heróis como Black Terror (1939)<br />
,inalam um gás que lhes concede habilidade; a Mulher Maravilha (1940) é uma semideusa; o<br />
Espectro (1940) um espírito da vingança; o Lanterna Verde (1940) obtém seu poder de um anel e<br />
uma lanterna mágicos. Processos químicos são utiliza<strong>dos</strong> para concederem poderes sobrehumanos,<br />
como no caso do Capitão América (1941) e do Homem-Hora (1940).<br />
42
monstruosas no aspecto físico ou interno; ou de natureza caótica como a<br />
violência urbana, a guerra, fenômenos climáticos. Até mesmo a morte, que<br />
concede o status divino ao herói épico, acometeu os super-heróis: Superman<br />
(1993), Capitão América (2007) e Batman (2009) morreram 35 em suas histórias.<br />
Porém a “morte” nas histórias em quadrinhos de super-heróis não é definitiva.<br />
Seguida de uma explicação científica ou mística, o personagem retorna.<br />
Entretanto a morte do personagem sempre deixa uma marca 36 .<br />
Outra característica que to<strong>dos</strong> possuem são símbolos que os identificam e<br />
os tornam únicos: uniformes (colori<strong>dos</strong> e geralmente colantes que destacam seus<br />
atributos físicos) e insígnias (o S do Superman, o morcego do Batman, o raio do<br />
Flash, a lanterna do Lanterna Verde). Além disso, eles mantêm uma dupla<br />
identidade em sua maioria secreta, que lhes permite viverem como meros mortais<br />
quando não estão atuando como super-heróis. <strong>Para</strong> protegerem essa dupla<br />
35 A primeira morte registrada de um super-herói registrada foi o personagem Cometa (The<br />
Comet), lançado na revista PEP Comics 1 de 1940, da editora MLJ, criado por Jack Cole, criador<br />
do Homem-Borracha (Plastic Man - 1941) . Após 17 edições, o personagem foi morto em combate<br />
contra bandi<strong>dos</strong>, mas sua morte não foi causada por um tiro, mas pelo medo de um processo. A<br />
National Comics processou vários personagens que lembravam ou tinham características<br />
parecidas com o Superman, foi o caso do Hércules (Spy Smasher), Raio (The Ray) e o mais<br />
célebre Capitão Marvel (Captain Marvel). Com isso, para precaverem-se os editores o fizeram<br />
perecer no combate citado (MALAGOLA, 2008, p.82)<br />
36 Sobre a morte do Superman discorremos no capítulo 3. O Capitão América (Steve Rogers) foi<br />
“morto” no final da megassaga Guerra Civil (Civil War), de 2007, que gira em torno do fim das<br />
identidades secretas e do registro oficial <strong>dos</strong> super-heróis, em decorrência da fatalidade ocorrida<br />
na cidade de Stamford. Na história, uma luta entre super-heróis, que filmavam um reality show<br />
para TV, com supervilões resultou na explosão de uma escola e morte de 600 crianças. A<br />
comunidade super-heróica dividiu-se entre os que apoiavam o registro, lidera<strong>dos</strong> pelo Homem-de-<br />
Ferro (Iron Man), e os que defendiam a liberdade de ação e a manutenção das identidades<br />
secretas, lidera<strong>dos</strong> pelo Capitão América. Após uma batalha épica na cidade de Nova York, o<br />
Capitão percebeu que os seus atos estavam acarretando mais destruição, e decidiu se render.<br />
Quando estava na escadaria para o julgamento, foi alvejado por um atirador, “morrendo” na local.<br />
A morte do personagem tem um caráter simbólico, remetendo a grandes ícones estadunidenses<br />
que foram mortos da mesma forma, como os presidentes Abraham Lincoln e John Kennedy, o<br />
senador Robert Kennedy e o pastor e ativista político Martin Luther King Jr. Após a sua morte o<br />
seu sidekick (parceiro juvenil típico das histórias de super-heróis, que se inicia com o Robin – em<br />
1940) Bucky Barnes assume o manto do Capitão América. Mesmo após o retorno do capitão<br />
original, Bucky permaneceu como Capitão América. O mesmo ocorreu com Batman, com a<br />
diferença de que na saga Crise Final (Final Crisis), de 2009, a morte do Batman foi resultado do<br />
seu sacrifício para impedir a dominação da Terra pelas forças antivida de Darkseid. Com a sua<br />
morte, o manto do Batman passou para Dick Grayson (o Robin original). O retorno do Batman às<br />
histórias ainda está sendo publicado nos EUA.<br />
43
identidade, usam “máscaras” 37 , antes um elemento que definia os criminosos,<br />
permitindo que exerçam atividades cotidianas. Esta dupla identidade também<br />
fornece um elemento de identificação com o leitor, que se vê retratado nas<br />
histórias. Carlos Patati e Flávio Braga definem desta forma as características <strong>dos</strong><br />
super-heróis:<br />
Identidades secretas, motivações centradas em episódios fundadores de<br />
mitologias pessoais, galeria de superinimigos exóticos, signos inteligíveis<br />
e parceiros com os quais o leitor das histórias podia se identificar,<br />
enquanto o herói cuidava de resolver os problemas. (PATATI & BRAGA,<br />
2006, p.68).<br />
Na essência, um super-herói é um salvador, mas não de caráter filosófico<br />
ou metafísico, a salvação que ele propõe é física, concreta e nada ambígua. Suas<br />
histórias lidam com a ansiedade real e satisfazem uma realidade profunda. Por<br />
isso, são utiliza<strong>dos</strong> para lidar com problemas que assolam aquela sociedade que<br />
os criou. Desta forma, são heróis civilizadores, de acordo com a definição de<br />
Carlos Manoel de Hollanda Cavalcanti:<br />
O herói é sempre um modelo, uma entidade na qual encarnam-se<br />
valores que, não raro, têm como um eixo um processo civilizador, isto é,<br />
é ele quem traz a uma situação de desordem ou anarquia, a<br />
possibilidade de administração e organização/manutenção de estruturas<br />
favoráveis à vida e relativa harmonia social. (CAVALCANTI, 2006, p.121)<br />
Por ser um herói civilizador, o super-herói encontra nas décadas de 30 e 40<br />
um cenário “fértil” para exercer suas habilidades: violência urbana, depressão,<br />
crise econômica, radicalismo político interna e externamente mantiveram os<br />
americanos em estado de medo e ansiedade. Os super-heróis surgem então para<br />
manter a ordem. Quando a guerra eclode, são alista<strong>dos</strong> para levantar a moral da<br />
população e para diversos programas governamentais e não governamentais do<br />
esforço de guerra – títulos de guerra, coleta de sucata e papel usado, entre<br />
outros. Após a guerra, a sua necessidade perde força e vários títulos são<br />
37 O Superman não possui uma máscara que cubra seu rosto, mas mesmo assim possui uma<br />
identidade secreta. Sobre isto discorreremos no próximo capítulo.<br />
44
cancela<strong>dos</strong> 38 . Os super-heróis tinham se associado tanto à cultura pró-guerra e ao<br />
New Deal, que tiveram dificuldade em prosseguir sem esse cenário.<br />
Porém, na década de 50, quando a opinião pública volta-se contra os<br />
quadrinhos, como visto no capítulo 1, os super-heróis, reforçando as suas<br />
características de modelo mítico, transformam-se para responder aos anseios da<br />
sociedade. As restrições impostas pelo CCA (Comics Code Authority) serão de<br />
suma importância na construção e consolidação do mito <strong>dos</strong> super-heróis. Os<br />
itens impostos resultaram em uma “moralização” 39 <strong>dos</strong> personagens. Como<br />
veremos no próximo capítulo será neste período que a imagem do Superman<br />
solidifica-se como a do “bom moço” e o “escoteiro da América”.<br />
38 A partir de 1946, várias revistas são canceladas ou transformadas em títulos policiais, western<br />
ou terror e mistério. São canceladas: Young Allies Comics (1946), All Flash Comics (1947), More<br />
Fun Comics (1947), Captain America 1ª série (1948) e 2ª série (1950), Green Lantern (1949),<br />
Flash Comics (1949), entre outras.<br />
39 Essas são algumas das restrições do CCA: 1) “Em qualquer situação, o bem triunfará sobre o<br />
mal e o criminoso será punido por seus delitos”. 2) “Paixões e interesses românticos jamais serão<br />
trata<strong>dos</strong> de forma a estimular emoções vis e rasteiras”. 3) ”Embora gírias e coloquialismos sejam<br />
aceitáveis, o uso excessivo deve ser desencorajado e, sempre que possível a boa gramática deve<br />
ser empregada”. 4) “Mulheres serão desenhadas realísticamente, sem ênfase indevida a qualquer<br />
qualidade física”. 5) ”Se o crime for retratado, deve ser como uma atividade sórdida e<br />
desagradável”. 6) “Cenas que abordam – ou instrumentos associa<strong>dos</strong> a – mortos-vivos, tortura,<br />
vampiros e vampirismo, almas penadas, canibalismo e licantropia, são proibi<strong>dos</strong>”. 7) “Ilustração<br />
insinuante e obscena ou postura insinuante é inaceitável”. 8) “Todas as ilustrações asquerosas, de<br />
mau gosto e violentas serão eliminadas”. 9) “As letras da palavra ‘crime’ jamais deverão aparecer<br />
consideravelmente maiores do que as outras palavras contida no título. A palavra ‘crime’ jamais<br />
aparecerá sozinha numa capa “. 10)”Nenhuma revista em quadrinhos usará as palavras ‘horror’ ou<br />
‘terror’ no seu título”. E por fim, “to<strong>dos</strong> os elementos ou técnicas não menciona<strong>dos</strong> aqui, mas<br />
contrariem o espírito e o propósito do Código e sejam considera<strong>dos</strong> violações do bom gosto ou<br />
decência, deverão ser proibi<strong>dos</strong>”. (SHUTT, 1997, p. 50)<br />
45
Fig. 11 – Superman nº 28 (mai/jun de 1944) – Nesta imagem Superman equiparado<br />
miticamente a Atlas e Hércules<br />
46
3. SUPERMAN: HISTÓRIA E MITO<br />
O tema da maioria desses espetáculos é o Super-Homem. O herói pode<br />
saltar mais rápido, subir mais <strong>alto</strong>, atirar mais depressa, brigar com mais<br />
eficiência e amar mais do que qualquer outro no filme. Na verdade, to<strong>dos</strong><br />
os problemas humanos são resolvi<strong>dos</strong> por esses méto<strong>dos</strong> — nunca pelo<br />
pensamento lógico. (CHAPLIN, 1994, p. 254)<br />
Superman é o personagem mais icônico <strong>dos</strong> comics, são incontáveis as<br />
menções ao personagem, seja direta ou indiretamente, em diversos meios de co-<br />
municação e entretenimento. Quando falamos de super-heróis, a sua imagem é<br />
indissociável, remetendo-nos diretamente ao personagem:<br />
Os heróis precedentes, mesmo quando dispunham de força sobre-humana,<br />
eram homens normais. Com o Super-Homem reedita-se o mito do<br />
herói-força, em várias eras sonhado. Super-herói que sobrepuja os igualmente<br />
míticos trabalhos de Atlas, Hércules e quejan<strong>dos</strong> (MARNY apud<br />
CARVALHO JR., op. cit, p.50).<br />
Os elementos e signos que definem esse estilo de narrativa derivam de<br />
suas histórias. O caráter messiânico do personagem ultrapassa as fronteiras terri-<br />
toriais estadunidenses e se estende por vários países 40 .<br />
O personagem configura-se como um mito moderno. Contudo, o que<br />
observaremos neste capítulo será a construção deste mito. Paulatinamente<br />
veremos a associação da imagem do personagem com elementos mitológicos<br />
clássicos e culturais estadunidenses, ora simbólicos, ora do cotidiano. O<br />
personagem que surge como um misterioso defensor do homem comum, em<br />
1938, evolui, na década de 50, para um símbolo de toda uma cultura, campeão da<br />
verdade, da justiça e do modo de vida americano. Em seus primórdios, seus<br />
40 Em carta publicada na revista Mundo <strong>dos</strong> Super-heróis nº 3 (fevereiro de 2007, p.77), o<br />
estudante Anderson Richter relata um episódio que aconteceu no Rio de Janeiro: quando se<br />
encontrava em uma banca de jornal “um garoto desses que vendem balas na rua“ pediu para que<br />
ele lhe comprasse uma revista. Ele perguntou se ele queria uma do Mickey, e o garoto respondeu<br />
que queria do Superman. Ele perguntou o motivo, que o garoto prontamente respondeu: “Porque<br />
ele é o melhor e está sempre pronto para salvar o mundo”. Percebemos neste momento quanto o<br />
mito do Superman está consolidado nos países, nos quais suas histórias, seja nas versões<br />
impressas, ou seja, nas outras mídias: televisão e cinema, são consumidas.<br />
47
inimigos são aqueles que realmente preocupavam os estadunidenses, como nos<br />
afirma Knowles:<br />
O super-herói moderno ganhou vida em meio à Grande Depressão e no<br />
início da Segunda Guerra Mundial. Os americanos estavam com medo, e<br />
os super-heróis proporcionavam conforto e certa fuga da realidade.<br />
Super-Homem, o primeiro <strong>dos</strong> grandes super-heróis, não enfrentava<br />
robôs ou alienígenas do espaço em suas primeiras aventuras; ele lutava<br />
contra os vilões que realmente preocupavam as pessoas naquela época:<br />
gângsteres, políticos corruptos, fascistas e quem se aproveitava da<br />
guerra. (KNOWLES, op. cit, p. 24)<br />
Conforme suas histórias vão sendo criadas; o elemento fantástico vai<br />
sendo ampliado, afastando-o cada vez mais do homem comum, em um processo<br />
de maior mitificação do personagem. O historiador Bradford Wright nos informa<br />
que:<br />
As revistas em quadrinhos do Super-Homem se transformaram num<br />
mythos fantástico, cada vez menos comprometido com algum padrão de<br />
realidade. Os poderes do Super-Homem, incríveis desde o início,<br />
atingiram proporções extraordinárias, divinas (WRIGHT apud<br />
KNOWLES, op cit, p. 143).<br />
O aspecto transgressor das primeiras histórias, voltado para a publicação<br />
nas tiras dominicais, modifica-se, adaptando a moral que a sociedade passa a<br />
exigir <strong>dos</strong> seus defensores ficcionais, principalmente, como modelos a serem<br />
segui<strong>dos</strong> pelos jovens leitores. O Superman passa de um combatente do crime<br />
raivoso a um “escoteiro” 41 americano. É através do seu imaginário social que a<br />
sociedade expressa sua identidade, como nos aponta Bronislaw Baczko:<br />
É assim que através <strong>dos</strong> seus imaginários sociais, uma coletividade<br />
designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si;<br />
estabelece a distribuição <strong>dos</strong> papéis e das posições sociais; exprime e<br />
impõe crenças comuns; constrói uma espécie de código do bom<br />
comportamento, (...) de ordem em que cada elemento encontra o seu<br />
lugar, a sua identidade e a sua razão de ser. (BACZKO, 1985, p. 309)<br />
41 Escotismo, fundado por Lorde Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, em 1907, é um<br />
movimento mundial, educacional, voluntariado, apartidário, sem fins lucrativos. A sua proposta é o<br />
desenvolvimento do jovem, por meio de um sistema de valores que prioriza a honra, baseado na<br />
Promessa e na Lei escoteira, e através da prática do trabalho em equipe e da vida ao ar livre,<br />
fazer com que o jovem assuma seu próprio crescimento, tornar-se um exemplo de fraternidade,<br />
lealdade, altruísmo, responsabilidade, respeito e disciplina. Fonte: Escoteiros do Brasil -<br />
Disponível em: http://www.escoteiros.org.br/escotismo [último acesso em 30 de novembro de<br />
2010].<br />
48
O destaque da obra Superman não se dá pela sofisticação do trabalho de<br />
Shuster e Siegel, mas sim pela sua capacidade em perceber as características<br />
culturais, emocionais e econômicas da época em que viviam, de captar o zeitgeist<br />
e transpô-las para as histórias. E é esta capacidade que os artistas e editores<br />
percebem e ampliam, e que transformam o personagem em um modelo mítico.<br />
3.1. Origem e história<br />
O Superman foi criado por Jerome “Jerry” Siegel (Cleveland, 1914 – Los<br />
Angeles, 1996) e Joseph “Joe” Shuster (Toronto, 1914 – Los Angeles, 1992).<br />
Siegel era filho de imigrantes judeus da Lituânia, era fã de comics e pulps,<br />
principalmente histórias de ficção científica. Entre suas inspirações, destacam-se<br />
os romances de Edgard Rice Burroughs (Tarzã e John Carter de Marte) e também<br />
de Philip Wylie (The Gladiator 42 e The Savage Gentleman). Estes romances<br />
serviriam de inspiração para criação do personagem Doc Savage de Lester Dent ,<br />
que influenciariam diretamente na construção do Superman. Em 1929, publicou o<br />
seu primeiro fanzine, Cosmic Stories, publicando obras similares nos anos<br />
seguintes. Aos 17 anos, conheceu Shuster, com quem firmou parceria em<br />
diversos trabalhos. Shuster, artista canadense, mudou-se para os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong><br />
aos 9 anos, e, assim como Siegel, era fã de comics e ficção científica. Siegel<br />
descreveu esta parceria da seguinte forma: “Quando Joe e eu nos conhecemos,<br />
foi como se dois elementos se juntassem em uma perfeita reação química”.<br />
42 The Gladiator (1930) relata a história de Hugo Danner, que, após participar de experimentos de<br />
seu pai, ganha superpoderes, conseguindo “pular mais <strong>alto</strong> que uma casa” e correr “mais rápido<br />
que um trem”, elementos que Siegel e Shuster utilizariam no Superman. Danner apesar de ser<br />
excelente em esportes e ter sido herói de guerra, não consegue utilizar seus poderes para ajudar<br />
as pessoas, sendo perseguido quando os demonstra ao salvar uma pessoa presa em um cofre de<br />
banco. Isolado, resolve participar de uma expedição arqueológica à América do Sul, sendo<br />
atingido por um raio e morrendo após amaldiçoar a Deus. A ficção pessimista de Wylie, procurava<br />
demonstrar que a sociedade americana não estava pronta para aceitar um super-homem.<br />
(KNOWLES, 2008).<br />
49
Em 1933, criaram uma história chamada The reign of Superman (fig. 12),<br />
publicada no fanzine Science Fiction nº 3. Nela, um vilão telepata careca<br />
chamado apenas de The Superman tentava dominar o mundo. O personagem<br />
não fez sucesso e foi logo esquecido. No ano seguinte, fizeram algumas<br />
modificações e tentaram apresentá-lo a algumas editoras. O personagem foi<br />
oferecido então aos editores da Consolidated Book Publishing, que tinham<br />
publicado um livro de quadrinhos em preto e branco de 48 páginas<br />
chamado Detective Dan: Secret Operative nº 48. Mesmo respondendo com uma<br />
carta encorajadora aos jovens artistas, a Consolidated nunca mais voltaria a<br />
publicar quadrinhos. Shuster se irritou e queimou todas as páginas de The<br />
Superman, restando apenas a capa, salva por Siegel, que a retirou do fogo.<br />
Começava então uma jornada para publicar o personagem.<br />
Fig. 12 - The Reign of the Superman - primeira concepção do personagem Superman<br />
(1933)<br />
50
Fig. 13 - Superman 1933 – História do Superman enviada para Consolidated Book: a capa que<br />
sobreviveu ao fogo e esboço de Shuster do personagem<br />
Assim como Siegel e Shuster, vários roteiristas e desenhistas viam nas<br />
comics uma possibilidade de terem trabalho, isto em uma economia que vivia a<br />
Depressão. As aventuras em histórias em quadrinhos torvavam-se válvulas de<br />
escape, inclusive para quem as gerava. Salvo algumas exceções, os grandes<br />
nomes das tiras de jornais, como Milton Caniff, Alex Raymond e Hal Foster, não<br />
havia qualquer tipo de garantia para aqueles que as produziam, não havia<br />
devolução de originais e era raro qualquer crédito para os realizadores, a não ser<br />
nas assinaturas feitas nos próprios desenhos, que eram muitas vezes apagadas.<br />
Seus originais eram altera<strong>dos</strong> e suprimi<strong>dos</strong> algumas partes.<br />
Os proventos que recebiam pelo seu trabalho era minúsculo em relação<br />
ao que as editoras lucravam. Porém, isso não os impedia de continuar,<br />
eram fãs que começavam a se apossar de sua mídia de forma<br />
impetuosa e fértil, expressando não uma visão original do mundo, mas<br />
sim algo que “estava no ar”. (PATATI & BRAGA, 2006, p.68)<br />
51
A partir de 1935, Siegel e Shuster passaram a trabalhar para a National,<br />
escrevendo e desenhando o Doutor Oculto (More Fun Comics nº 6) e Sam Spade<br />
(Detective Comics nº 1). Em 1936, tentaram apresentar o Superman, mas tanto o<br />
editor atual, Major Wheeler-Nicholson, quanto o novo proprietário da National<br />
Periodical Publications, Harry Donenfeld, rico empresário do ramo de distribuição<br />
de revistas 43 , compartilhavam o mesmo tipo de pensamento que havia impedido a<br />
publicação do personagem: não acreditavam no sucesso do conceito de<br />
personagens com fantasias coloridas ou habilidades super-humanas estranhas.<br />
Pensavam que o público não acreditaria em um personagem tão poderoso e tão<br />
primário, e que o trabalho era imaturo: “A tira tinha sido rejeitada por to<strong>dos</strong> os<br />
jornais de Nova York, pois tinha sido considerada demasiado fantástica, mesmo<br />
para o público juvenil” (KAPLAN, op. cit). Porém, no fim, com a intervenção de<br />
Max Gaines neste processo, junto a Jack Liebowitz (também proprietário da<br />
National), Donenfeld resolveu arriscar, a National Periodical comprou os direitos<br />
do personagem por US$ 130,00, lançando-o na capa da revista Action Comics nº<br />
1 44 , em junho de 1938.<br />
As histórias do personagem que tinham sido elaboradas para as tiras de<br />
jornais, tiveram que ser modificadas para este novo formato. A revista Action<br />
Comics nº 1, 64 páginas, era um mix de personagens, como a More Fun Comics e<br />
a Detective Comics. Além do Superman, ela tinha histórias de western (Chuck<br />
43 Donenfeld criou um império a partir das publicações pulp e revistas de caráter pornográfico<br />
como Paris Night e Pep! Possuía contatos comerciais legítimos com o governo e obscuros com a<br />
máfia (que transportava seu material impresso junto com outros produtos proibi<strong>dos</strong>. O ataque ao<br />
crime organizado fez com que mudasse sua linha de trabalho, o que levou aos comics.<br />
(KNOWLES, op. cit p. 128-129)<br />
44 Em setembro de 2010, um exemplar de Action Comics nº 1 graduado com a nota 5.0 (a nota<br />
varia de 0,5 a 10, de acordo com a conservação da obra) pelo CGC (Certified Collectibles Group<br />
- Comics Guaranty) foi vendido em leilão pela Comic Connect por 436 mil dólares. Em fevereiro<br />
do mesmo ano, um exemplar com graduação 8.0, foi vendida por um milhão de dólares. Fonte: Universo<br />
HQ. .Disponível em: http://universohq.com/quadrinhos/2010/n22092010_03.cfm [[último acesso em 23 de setembro de<br />
2010]<br />
52
Dawson e Tex Thomson), magia (Zatara), comédia (Sticky-Mitt Stimson), histórica<br />
(The Adventures of Marco Polo), boxe (Pep Morgan), policial (Scoop Scalon), um<br />
conto (South Sea Strategy) e um artigo sobre baseball (Odds’n Ends).<br />
Fig. 14 - Action Comics n° 1<br />
O que os editores não poderiam prever foi o imediato sucesso de vendas<br />
do personagem. Apesar da repercussão, os donos da revista, não notaram a<br />
importância do herói de imediato e demoraram seis números para trazer o<br />
personagem de volta à capa da revista, na Action Comics nº 7 (dezembro de<br />
1938), retornando na nº 10 (março de 1939). A partir da edição nº 12 (maio de<br />
53
1939), a sua imagem estava sempre presente nas capas. Na edição de nº 19<br />
(novembro de 1939) o Superman se apoderou definitivamente dela e não a largou<br />
mais.<br />
Em 1939, é lançada a revista Superman nº 01 45 , primeira revista da<br />
National dedicada exclusivamente a um super-herói. Neste mesmo ano, atingiria o<br />
objetivo inicial de seus criadores, que era originalmente publicá-lo nas tiras e<br />
páginas dominicais de jornais, o que representaria um retorno financeiro mais<br />
expressivo. Contudo, como venderam o direito do personagem, não puderam<br />
usufruí-lo. Esta fase de publicação em tiras de jornais duraria até 1966. Com<br />
Superman, o mito do super-herói tomou proporções gigantescas na década de 40,<br />
e, cerca de 20 milhões de leitores em 40 países acompanhavam as histórias nos<br />
jornais (FEIJÓ, 1997).<br />
Fig. 15 - Superman n° 1 (jun 1939)<br />
45 Esta edição alcançou a marca de 1,25 milhão de exemplares. (RIBEIRO, 2009, p.25)<br />
54
A popularidade do personagem cresceu a ponto de originar novos títulos<br />
(World Finest Comics - 1941) e atingir to<strong>dos</strong> os meios de comunicação: show de<br />
rádio (As aventuras do Superman, 1940 a 1951), desenho animado (1941, pelos<br />
estúdios Fleischer) 46 , romance (The Adventures of Superman, escrito por George<br />
Lowther e ilustrado por Joe Shuster, 1942), séries no cinema (1948) e na televisão<br />
(1952), musical na Broadway (It's A Bird, It's A Plane, It's Superman, 1966) e<br />
filmes de longa duração (1978). Enfim, tornando-se um <strong>dos</strong> mais famosos<br />
personagens ficcionais já cria<strong>dos</strong>.<br />
Fig. 16 - Superman no cinema (1948) e na TV (1952)<br />
46 Nos desenhos anima<strong>dos</strong>, séries de tv e filmes optamos por indicar apenas a data da primeira<br />
produção. Foram até agora realizadas com a participação do personagem: seis séries animadas<br />
(1941, 1966, 1973, 1988, 1996, 2000), duas séries no cinema (1948 e 1950), cinco séries de<br />
televisão (1952, 1961, 1988, 1993, 2001) e cinco filmes longa metragem (1978, 1980, 1983, 1987,<br />
2006),<br />
55
Fig. 17 - Action Comics nº 1 - pág. 3 - origem do Superman (jun/1938)<br />
56
Como é um personagem que tem uma longa duração de publicação, o<br />
Superman teve sua história contada e recontada ao longo <strong>dos</strong> anos 47 .<br />
Personagens secundários foram inseri<strong>dos</strong> e vários elementos de outras mídias,<br />
como o rádio 48 , foram introduzi<strong>dos</strong> na trama. Na sua origem, publicada na Action<br />
Comics nº 1, Superman, último sobrevivente da explosão de um planeta em<br />
“idade avançada” que é enviado à Terra pelo pai, um cientista, em um foguete<br />
(quadro 1). É achado por um motorista (quadro 2), que o leva para um orfanato<br />
(quadro 3). Quando adulto, percebe que pode: saltar 200m, sobre um prédio de<br />
20 andares (quadro 4), erguer pesos tremen<strong>dos</strong> (quadro 5), correr mais rápido<br />
que um trem expresso (quadro 6), e, nada menor que um tiro de morteiro poderia<br />
atingi-lo. Ele então decide usar sua força titânica para ajudar a humanidade,<br />
tornando-se “o Superman, campeão <strong>dos</strong> oprimi<strong>dos</strong>. A maravilha física que jurou<br />
dedicar a sua existência a ajudar os necessita<strong>dos</strong>” (quadro 7). A explicação da<br />
47 Na edição Superman nº 1 (1939) já houve modificações em relação a Action Comics nº 1 (1938).<br />
Em 1961, na revista Superman nº 146 é publicada a história The Complete Story of Superman’s<br />
Life, que reconta a sua origem. Nesta versão, o Superman deixa Kripton com 3 anos, por isso<br />
possui lembranças do planeta e mostra o herói na juventude atuando como Superboy, e os pais<br />
Jonathan e Martha o ajudam a controlar os poderes. Em 1986, na revista Man of Steel, John Byrne<br />
reconta novamente a origem do personagem, abolindo a atuação do personagem na<br />
adolescência, mudando o perfil do arquiinimigo, Lex Luthor, de cientista louco para um rico<br />
empresário, Lois Lane ganha um perfil mais independente, forte e sensual, e, mantendo os pais<br />
vivos. Entre 2003 e 2004, a DC Comics lançou Superman: Birthright (no Brasil, Superman: Legado<br />
das Estrelas) minissérie em 12 edições, escrita por Mark Waid e desenhada por Leinil Francis Yu,<br />
ela originalmente se propunha a ser a nova história da "origem de Superman", atualizando-a para<br />
os novos leitores, e substituindo aquela contada por John Byrne. O enredo da série é centrado nos<br />
primeiros anos de Clark Kent como Superman, mostrando como ele conheceu Lois Lane, e como<br />
se deu seus primeiros confrontos contra Lex Luthor em Metropolis. Um <strong>dos</strong> aspectos que mais<br />
rendeu atenção à série foi re-introduzir a idéia de que Lex Luthor e Clark Kent haviam se<br />
conhecido ainda jovens, quando moravam em Smallville, assimilando conceitos da série<br />
homônima de televisão, mudando inclusive o visual de alguns personagens, como o pai do<br />
Superman. Vale ressaltar, a construção da dupla identidade, baseada em técnicas cênicas e<br />
posturas corporais, lembrando a atuação de Christopher Reeve, no filme Superman de 1978.<br />
48 O personagem Jimmy Olsen estreou no programa de rádio em 1940, e só foi publicado nos<br />
comics na revista Superman 13 (1941). O mesmo aconteceu com o editor Perry White, que só<br />
apareceria na edição nº 7 da revista Superman (1940).<br />
57
sua força (quadro 8 – 9) 49 é que ele era oriundo de um planeta “milhões de anos”<br />
mais avançado que o nosso. Superman, ou melhor, Clark Kent 50 , trabalha como<br />
jornalista do jornal Estrela Diária (quadro 34), e tem como colega Lois Lane<br />
(quadro 46). Nesta edição, ele salva uma inocente da pena de morte, invadindo a<br />
casa do governador (quadro 14); impede um espancador de abusar da esposa<br />
(quadro 40); detém o seqüestro de Lois Lane, esmagando o carro <strong>dos</strong><br />
seqüestradores contra uma pedra, a antológica cena da capa (quadro 67), e<br />
prende um lobista (quadro 89). Nesta edição, vemos também que para manter a<br />
identidade secreta protegida, ele faz papel de covarde na frente de Lois (quadro<br />
50). Não há menção ao nome do planeta de origem, ou mesmo à cidade na qual<br />
vai trabalhar. Estes elementos vão ser adiciona<strong>dos</strong> ao longo das histórias.<br />
Um ano depois do lançamento da Action Comics, é lançada a revista<br />
Superman (1939), uma edição trimestral 51 , que reúne as primeiras histórias<br />
publicadas e introduz novos elementos na sua história. Com as devidas<br />
modificações, sua história (até a reformulação de 1961), fica assim: Kal-El 52 , filho<br />
do cientista Jor-El e Lara 53 , é enviado ao espaço em um foguete, enquanto seu<br />
49 Na história há uma tentativa de explicação racional, mesmo que fantástica, é uma tentativa de<br />
evocar a realidade do leitor, como afirma Bernardo Oliveira: “o fantástico (...) deve ser ao menos<br />
admissível da perspectiva científica, como se tudo que parece misterioso tivesse uma explicação<br />
racional(...) elas [as explicações] se apóiam em teorias que nada tem de óbvias ou factíveis, mas<br />
devem parecer plausíveis.” (OLIVEIRA, op cit, p. 144)<br />
50 Uma das teorias da origem do nome estaria nos heróis <strong>dos</strong> pulps Doc Savage (Clark Savage) e<br />
Sombra (Kent Allard). (RIBEIRO, op. cit, p.24) Em entrevista em 1983, Shuster afirmou que o<br />
nome do personagem teria sido baseado nos atores Clark Gable e Kent Taylor.<br />
51 Os cinco primeiros números foram trimestrais (edições de verão, outono, inverno e primavera), a<br />
partir do nº 6 (1940) passou a ser bimensal até 1955, quando alternou entre edições mensais e<br />
bimensais.<br />
52 Carvalho Júnior nos informa a Etimologia do nome do herói KAL EL: 1. Do <strong>alto</strong> alemão antigo<br />
KHARAL = homem / 2. Do germânico KARALMANN = homem vigoroso / 3. Do árabe KALED =<br />
imortal / 4. Do árabe KALIL = amigo íntimo / 5. Do hebraico KAL EL = amigo de Deus (CARVALHO<br />
JÚNIOR, op. cit, p.52)<br />
53 O nome <strong>dos</strong> pais surgiu nas tiras (1939), primeiro Jor-L e Lora. Em 1942, mudaram para Jor-El e<br />
Lara, que permanecem até hoje.<br />
58
planeta natal Krypton 54 sofre um cataclismo e é destruído. O foguete que aterrisa<br />
na cidade de Smallville 55 , situada no estado norte-americano do Kansas. Ele é<br />
encontrado por um motorista na estrada e levado a um orfanato, quando é<br />
adotado por um casal de i<strong>dos</strong>os, os Kent 56 , que dão ao bebê o nome de Clark e o<br />
criam como seu próprio filho. Na adolescência, ele usa seus poderes como<br />
Superboy 57 . Com a morte <strong>dos</strong> pais adotivos, muda-se para a cidade de<br />
Metrópolis 58 , e vai trabalhar no jornal Planeta Diário 59 , onde encontra a repórter<br />
Lois Lane, seu interesse afetivo, e o fotógrafo adolescente Jimmy Olsen, seu<br />
sidekick 60 . Em momentos de crise, troca a identidade do tímido repórter para vestir<br />
um uniforme azul e vermelho, e usa seus poderes: vôo, superforça,<br />
invulnerabilidade, visão de raios-x, entre outros 61 , e torna-se o Superman,<br />
54 Krypton, em português Criptônio, é um elemento químico pertencente ao grupo <strong>dos</strong> gases<br />
nobres, símbolo Kr, nº atômico 36.<br />
55 No Brasil, a cidade ficou conhecida como Pequenópolis.<br />
56 Primeiro os personagens eram só denomina<strong>dos</strong> de Kent. Na revista Superman nº 1 (1939),<br />
apenas a mãe recebe um nome, Mary. Em 1942, no livro The Adventures of Superman de Lowther<br />
foram chama<strong>dos</strong> de Eben e Sarah. Na revista Superman 53 (jul/ago 1948) passaram a ser John,<br />
e, novamente Mary. Depois, os nomes mudaram para Jonathan (1950) e Marthe (1951). Em 1961,<br />
ficaram definitivamente como Jonathan e Martha Kent.<br />
57 Depois da publicação do personagem, Siegel sugeriu a publicação do personagem ainda jovem,<br />
o que foi rejeitado. Em 1944, a DC lançou sem a aprovação de Siegel (que estava servindo na<br />
guerra), mas com arte de Shuster, lançou na More Fun Comics nº 101 o personagem. Dois anos<br />
depois as histórias mudaram para a Adventure Comics. Somente em 1949 o personagem ganharia<br />
título próprio.<br />
58 Metrópolis, nas histórias, é um grande centro urbano como Nova York. Existe uma cidade nos<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, em Illinois, chamada de Metropolis, que se autodenominou o “lar do Superman”.<br />
O nome teria sido inspirado no filme Metropolis de Fritz Lang, de 1927.<br />
59 O jornal originalmente chamava-se Estrela Diária, mas como existia em Toronto, cidade natal de<br />
Shuster, um jornal de mesmo nome, os editores resolveram mudar para Planeta Diário.<br />
60 A partir de 1940, com a criação do Robin, os parceiros juvenis ou sideckicks tinham ganhado<br />
bastante notoriedade e criavam um elo de identificação com os leitores mais jovens. Jimmy Olsen<br />
representava este papel nas histórias. Esta identificação com os leitores foi o que originou anos<br />
depois a criação do Superboy (1944).<br />
61 Ao longo das histórias, o poder do Superman cresce exponencialmente, e novos poderes vão<br />
sendo acrescenta<strong>dos</strong> ao seu repertório, levando-o, a partir da década de 50, a um status divino.<br />
Quanto mais fantástica a história, mais poderoso ele se torna. Nestes 70 anos de publicação, eis<br />
a lista <strong>dos</strong> poderes que o Superman demonstrou: superforça, supervelocidade, invulnerabilidade,<br />
supers<strong>alto</strong>, visão de raios-x, visão telescópica, visão microscópica, visão de calor, superaudição,<br />
59
campeão da verdade, da justiça e do modo de vida americano. Sua única<br />
fraqueza é o minério oriundo de seu planeta natal a kriptonita 62 .<br />
3.2. A construção do mito<br />
Ao analisarmos o Superman como um modelo mítico, tentaremos entender<br />
como um personagem com forte componente simbólico judaico, com<br />
características messiânicas marcantes (tanto no aspecto judaico quanto cristão),<br />
veio a se tornar símbolo de uma nação. O discurso do personagem amplia-se no<br />
decorrer <strong>dos</strong> anos e seu caráter mitológico faz-se cada vez mais presente.<br />
Conforme aumenta a influência estadunidense no globo, encontramos no<br />
Superman um embaixador desta cultura.<br />
Contudo, ao analisarmos uma obra, devemos considerar o que Pierre<br />
Macherey nos aponta: “estudar uma obra consiste em relacioná-la com duas<br />
histórias distintas, mas que se completam como uma totalidade social, o momento<br />
histórico e sua exata ideologia”. (MACHEREY apud CIRNE, op. cit, p. 18).<br />
Observaremos como o Superman que surge em um momento de grande stress<br />
superfôlego, vôo, supersopro, resistência a venenos e radiação, resistência ao vácuo, regeneração,<br />
superinteligência, memória eidética, sopro congelante, suspensão <strong>dos</strong> senti<strong>dos</strong>, imortalidade,<br />
criar cópia de si, raio psicocinético, imagem múltipla, multiplicidade, super-ventriloquismo, hipnotismo,<br />
alternância de densidade, campo eletromagnético, visão infravermelha, magnetismo, raios óticos<br />
elétricos,<br />
62 A kriptonita surgiu nos programas de rádio em 1943, e somente teve sua aparição nos comics<br />
em 1949. Em 1971, a partir da edição 233 (janeiro de 1971) até a edição 242 (setembro de 1971),<br />
a kriptonita perdeu seu efeito. Neste período o personagem nada atingia o personagem, um<br />
verdadeiro deus. O que não passou despercebido pelos opositores do personagem. No artigo<br />
publicado em 1971, pelo o jornalista, crítico de cinema e de histórias em quadrinhos Sérgio<br />
Augusto sobre o Superman, no artigo “É um pássaro? É um avião? É Super-Homem? Não, é<br />
Deus!” na Revista de Cultura Vozes, p. 31: “O monstro atingiu as raias da parafrenia. To<strong>dos</strong> os<br />
sintomas da doença podiam (e podem) ser facilmente localiza<strong>dos</strong> em suas histórias. Dois deles<br />
merecem destaque especial: a megalomania manifesta no desejo de participar de to<strong>dos</strong> os<br />
acontecimentos históricos, na exaltação de seus superpoderes, na identificação constante com<br />
monarcas e profetas, no seu culto à riqueza, e a tendência ao paralogismo (despreocupação total<br />
com a falta de raciocínio em seu discurso). Os mesmos estereótipos fabrica<strong>dos</strong> e acalenta<strong>dos</strong><br />
pelas camadas mais retrógradas da sociedade americana encontraram nele um ideólogo atento e<br />
radical.” (AUGUSTO apud CARVALHO JUNIOR, op, cit, p.46)<br />
60
nacional, e findo este período ainda permanece com sua função social, o que não<br />
acontece com outros personagens cria<strong>dos</strong> no mesmo período. E, pelo contrário<br />
cada vez mais se solidifica como ícone cultural estadunidense.<br />
O caráter mitológico do Superman é formado por um amálgama de<br />
elementos míticos de diversas culturas que se sobrepõem. É o que vermos agora<br />
3.2.1. Superman como herói épico<br />
No capítulo 2 observamos a relação entre os super-heróis modernos e os<br />
heróis míticos. Percebemos que os super-heróis possuem os mesmos elementos<br />
que caracterizam os heróis épicos. Como nos aponta Cornelius Castoriadis: “todo<br />
simbolismo se edifica sobre a ruína <strong>dos</strong> edifícios simbólicos precedentes, utilizan-<br />
do seus materiais, mesmo que seja só para preencher as fundações de novos<br />
templos” (CASTORIADIS, 1982, p. 147). <strong>Para</strong> exemplificar esta questão faremos<br />
um paralelo entre duas histórias distintas; a do herói grego Aquiles e a do Super-<br />
man, e perceber como os mesmos elementos estão presentes em ambas histó-<br />
rias.<br />
Fruto de uma união entre a nereida Tétis (a origem divina/mística) e Peleu,<br />
rei <strong>dos</strong> mirmidões da Tessália (o lado humano), Aquiles foi banhado pela mãe, ao<br />
nascer, nas águas do Estige, o rio infernal, para tornar-se invulnerável. Mas a mãe<br />
o segurou pelos calcanhares e a água ali não o banhou, mantendo-o humano<br />
naquele ponto.<br />
Sabedora de que o filho estava destinado a seguir a missão de herói e que,<br />
segundo uma profecia, morreria cedo em um campo de batalha, Tétis fez Aquiles<br />
ser criado como menina na corte de Licomedes, na ilha de Ciros, para mantê-lo a<br />
salvo. Mas outro herói, Odisseu (Ulisses), sabedor da força de Aquiles, recorreu a<br />
um ardil para identificá-lo entre as moças. Aquiles, resoluto, assumiu a missão a<br />
61
ele destinada e marchou com os gregos sobre Tróia, para impor a ordem sobre o<br />
caos.<br />
No décimo ano de luta, Aquiles capturou a jovem Briseida, que lhe foi<br />
tomada por Agamenon, chefe supremo <strong>dos</strong> gregos. Ofendido, o herói retirou-se<br />
da guerra, mas cedeu a seu amigo Pátroclo a armadura que usava. Pátroclo foi<br />
morto por Heitor, filho do rei de Tróia, Príamo. Sedento de vingança, Aquiles<br />
reconciliou-se com Agamenon, retornou à luta e matou Heitor. No entanto, o deus<br />
Apolo revelou aos inimigos do herói que os calcanhares eram seu ponto fraco e<br />
Páris, irmão de Heitor, acertou-lhe uma flecha envenenada no calcanhar,<br />
matando-o.<br />
Alguns pontos em comum podem ser destaca<strong>dos</strong>, tanto Aquiles como Kal-<br />
El possuem uma natureza não-humana, os dois ganham poderes através de<br />
elementos naturais, porém de forma sobrenatural (Aquiles é banhado no Estige e<br />
Kal-El recebe poderes através da sua origem kriptoniana - o sol amarelo concede<br />
poderes sobre-humanos aos originários deste planeta 63 ), os dois são<br />
invulneráveis, mas possuem pontos fracos com os quais podem ser derrota<strong>dos</strong><br />
(Aquiles, o calcanhar; e Superman, a kriptonita), escondem a sua natureza sobre-<br />
humana vivendo como pessoas comuns (Aquiles criado na corte de Licomedes, e<br />
Superman em Smallville), porém a sua verdadeira natureza é revelada, e os dois<br />
são convoca<strong>dos</strong> a lutar por sua pátria em uma guerra (Aquiles em Tróia e<br />
Superman na 2ª Guerra).<br />
O Superman, e outros heróis épicos, desde criança já demonstram<br />
características ou habilidades especiais, como força ou inteligência acima do<br />
63 Apesar de seus poderes possuírem uma explicação da ordem natural, não há base científica que<br />
a comprove.<br />
62
homem comum, que apontam para um grande destino futuro, como nos revela<br />
Junito de Souza Brandão, citado por Carlos Cavalcanti:<br />
De qualquer forma, exatamente por ser um herói a criança já vem ao<br />
mundo com duas “virtudes” inerentes à sua condição e natureza: a (...)<br />
“honorabilidade pessoal” e a (...) “excelência”, a superioridade em<br />
relação aos outros mortais (...) o que o predispõe a gestas gloriosas,<br />
desde a mais terra infância ou tão longo atinja a puberdade. Heracles,<br />
conta-se, aos oito meses, estrangulou duas serpentes enviadas por Hera<br />
contra ele e seu irmão Íficles, Teseu aos dezesseis anos, ergueu um<br />
enorme rochedo sobre que seu pai Egeu havia escondido a espada e as<br />
sandálias; o jovem Artur, e somente ele, foi capaz de arrancara espada<br />
mágica de uma pedra. (BRANDÃO apud CAVALCANTI, op. cit, p.102)<br />
O terceiro quadro da Action Comics 1, mostra Superman ainda bebê (tal<br />
como Hércules) realizando uma façanha de força sobre-humana, erguendo um<br />
sofá sob os olhos de dois atônitos enfermeiros.<br />
Veremos também que a imagem do personagem também remete a<br />
aspectos épicos. Seu uniforme (costume) evoca elementos que demonstra<br />
elementos de nobreza e força. A imagem tem o poder de “tornar<br />
instantaneamente compreensíveis noções que as palavras nem sempre<br />
transmitem com fidelidade” (ESTEVES apud OLIVEIRA, op. cit, p. 137) A capa<br />
remete à imagem de cavaleiros medievais, e, assim, aspectos de nobreza,<br />
enquanto a indefectível sunga por cima da calça remete aos homens fortes do<br />
circo, os strongmen, halterofilistas que participavam de grandes demonstrações<br />
de força, cujo uniforme consistia em macacões ou colãs, quase sempre<br />
acompanha<strong>dos</strong> de uma “cueca” com o fim de tornar as roupas menos<br />
escandalosas. A importância da imagem e sua identificação nos é esclarecida por<br />
Cliford Geertz:<br />
A estrutura semântica da imagem não é apenas muito mais complexa do<br />
que parece na superfície, mas uma análise dessa estrutura força a<br />
reconstituição de uma multiplicidade de conexões referenciais, entre ela<br />
e a realidade social, de forma que o quadro final é o de uma<br />
configuração de significa<strong>dos</strong> dissimilares a partir de cujo entrelaçamento<br />
se originam tanto o poder expressivo como a força retórica do símbolo<br />
63
final. Esse entrelaçamento é em si mesmo um processo social, uma<br />
ocorrência não ‘na cabeça’, mas naquele mundo político onde as<br />
pessoas falam umas com as outras, dão nome às coisas, fazem<br />
afirmativas e, num certo grau, compreendem umas às outras (Geertz,<br />
1978, p.184).<br />
A vestimenta nos super-heróis é de suma importância, o seu caráter é<br />
simbólico, sua identidade, ela “consegue transmitir instantaneamente a força, o<br />
caráter, a ocupação de quem a usa. A maneira como o personagem a usa<br />
também pode transmitir uma informação ao leitor” (EISNER, op. cit p. 26). Alguns<br />
super-heróis, como Batman, usam máscaras que completam o uniforme para<br />
poder proteger a identidade dupla. Com Superman, a premissa básica da<br />
“máscara” é o colocar e tirar os óculos 64 , que neste caso, representaria a<br />
fragilidade do personagem. É comum a analogia com frases como: “Você não<br />
bateria em um homem de óculos?”, repetida a exaustão em situações cômicas. A<br />
dupla identidade do personagem é também o ponto chave da mitificação do<br />
personagem segundo Umberto Eco em Apocalípticos e Integra<strong>dos</strong>:<br />
Clark Kent personaliza de modo bastante típico, o leitor médio torturado<br />
por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através de um<br />
processo óbvio de identificação, um contador qualquer de uma cidade<br />
americana qualquer, nutre secretamente a esperança de que um dia, das<br />
vestes de sua atual personalidade, possa fluir um super-homem capaz<br />
de resgatar anos de mediocridade. (ECO, 2004, p. 248)<br />
Esta afirmação pode ser estendida aos leitores de histórias em quadrinhos<br />
de todo o mundo. As fantasias de superpoder irão desta forma responder aos<br />
anseios de potência e controle da própria vida ou da sociedade. Então, aqueles<br />
que tiverem quaisquer características que os aproximem do modelo do herói,<br />
terão destaque na sociedade em que vivem. Como nos afirma Carlos de Hollanda<br />
64 Na minissérie Superman: Legado das Estrelas (2003), o escritor Mark Waid insere outros<br />
elementos como postura corporal, tom de voz, técnicas cênicas, além da roupa mais formal para<br />
complementar o disfarce. Superman compõe um “personagem” totalmente oposto a sua figura<br />
super-heróica. Enquanto Superman seria o centro das atenções, Clark Kent teria que ser<br />
praticamente invisível, sua presença deveria passar despercebida.<br />
64
Cavalcanti: “As identidades secretas <strong>dos</strong> super-heróis, no fundo, funcionam como<br />
uma forma de compensar, de modo imaginário, a condição daquele leitor que se<br />
vê a si mesmo ou que é visto pelos demais como desprovido das condições do<br />
modelo”. (CAVALCANTI, op. cit, p. 124). E estas características irão representar,<br />
inclusive, os padrões de beleza da sociedade, como nos afirma Carvalho Júnior:<br />
O herói criado por Siegel e Shuster resumia iconograficamente os<br />
padrões de beleza da época. O rosto do personagem correspondia<br />
visualmente a um homem na casa de seus quarenta anos, o nariz era<br />
mais achatado, os olhos escuros. O herói tinha “entradas” no cabelo e o<br />
corpo era bem definido, porém sem nenhum exagero físico. O uniforme<br />
era praticamente o mesmo que o atual, mas o símbolo “S” no peito era<br />
visualmente diferente do atual. O Super-Homem atual tem o rosto de um<br />
homem em torno de (no máximo) 30 anos, olhos azuis e nariz no estilo<br />
das estátuas greco-romanas. O cabelo, ainda que varie de estilo acordo<br />
com as histórias, é sempre basto e pouco se nota das entradas <strong>dos</strong> anos<br />
30. O físico é desenhado de maneira assustadoramente exagerada,<br />
refletindo claramente o culto ao corpo do final do século XX e início do<br />
século XXI. (CARVALHO JR, op. cit, p.43-44)<br />
Fig. 18 - Clark Kent e Superman - esboço de Shuster<br />
65
3.2.2. Mito judaico/cristão: messias ou golem<br />
A década de 1930 foi uma época terrível na história <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>,<br />
com <strong>alto</strong>s índices de violência urbana, imigrações em massa, economia em crise<br />
e o radicalismo político interno e externo, que mantiveram os estadunidenses em<br />
um estado de medo e ansiedade. À medida que a preocupação crescia, aumenta-<br />
va também a necessidade de fantasias reconfortantes de um salvador ou um<br />
messias, principalmente entre os judeus, como nos afirma Eisner na graphic no-<br />
vel O complô: a história secreta <strong>dos</strong> Protocolos <strong>dos</strong> Sábios de Sião: “Cresci du-<br />
rante a Grande Depressão e vivi o preconceito – incidentes dolorosos e indignida-<br />
des que muitas vezes se abatiam sobre judeus em nossa sociedade naquela épo-<br />
ca”.(EISNER, 2006, p. 1). Assim como Eisner, Siegel e Shuster viam no mercado<br />
emergente de histórias em quadrinhos a tentativa de mudar sua realidade. Desta<br />
forma, ilustradores e escritores judeus entraram no campo das histórias em qua-<br />
drinhos porque outras áreas da ilustração comercial estavam praticamente fecha-<br />
das para eles: "Nós não poderíamos entrar em tiras de jornais ou publicidade,<br />
agências de publicidade não iriam contratar um judeu", explica Al Jaffee 65 . "Uma<br />
das razões pelas quais judeus rumaram para a indústria de quadrinhos é que a<br />
maioria <strong>dos</strong> editores de quadrinhos era de origem judia. Portanto, não havia dis-<br />
criminação”.(KAPLAN, op. cit)<br />
65 Al Jaffe, nascido em Savannah – Geórgia (EUA) em 1921, é um <strong>dos</strong> maiores cartunistas<br />
estadunidenses, trabalhou em revistas de humor como Trump, Humbug e Mad, na qual foi<br />
consagrado, trabalhando nela por mais de 50 anos (ele é o criador das imagens que quando<br />
dobradas formam uma segunda ilustração cômica, uma das marcas registradas da revista Mad).<br />
Durante sua infância, visitou por perío<strong>dos</strong> prolonga<strong>dos</strong> a Lituânia, terra natal de sua mãe, e país<br />
do qual fugiu antes da invasão <strong>dos</strong> nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Trabalhou<br />
também nas editoras Timely Comics, Atlas Comics e EC Comics.<br />
Fonte: Universo HQ. Disponível em http://universohq.com/quadrinhos/2010/n04102010_06.cfm [último acesso 05 de<br />
outubro de 2010]<br />
66
Tratava-se de um negócio novo, aberto a qualquer pessoa. <strong>Para</strong> os garotos<br />
judeus a criação de histórias em quadrinhos parecia ser um caminho para sair da<br />
pobreza e uma expectativa de carreira artística lucrativa. Pela mesma razão, o<br />
campo também foi aberto para editores de quadrinhos. E foi um ajuste perfeito,<br />
dada a centralidade da narrativa na cultura judaica. "Somos o Povo do Livro, so-<br />
mos contadores de histórias, essencialmente", diz Will Eisner, “e qualquer um que<br />
está exposto à cultura judaica, seguirá pelo resto da vida com talento para contar<br />
histórias” (KAPLAN, op. cit).<br />
A história do Superman é rica em simbologia judaica, desde seu nome Kal-<br />
El (em hebraico: "Tudo o que é Deus" ou “amigo de Deus”), a sua chegada à Ter-<br />
ra, que lembra Moisés que ainda bebê sobreviveu ao decreto do Faraó para matar<br />
to<strong>dos</strong> os recém-nasci<strong>dos</strong> filhos de hebreus. No contexto da década de 1930, a<br />
história também reflete a saga <strong>dos</strong> Kindertransports - a evacuação para a segu-<br />
rança de centenas de crianças judias, sem seus pais, da Áustria, Alemanha, Polô-<br />
nia e Tchecoslováquia para a Grã-Bretanha. Michael Chabon (autor do romance<br />
vencedor do Prêmio Pulitzer, The Amazing Adventures of Kavalier & Clay) obser-<br />
va que há um paralelo entre o arquétipo do super-herói e o Golem 66 , teoria que<br />
Christopher Knowles e Will Eisner compartilham. <strong>Para</strong> Eisner, Superman é um<br />
descendente mítico do Golem e, assim, um elo na cadeia da tradição judaica, en-<br />
quanto Knowles atribui este aspecto ao Batman, criado em 1939 por Bob Kane 67 .<br />
66 O mito do Golem data <strong>dos</strong> guetos da Europa Oriental, onde os judeus se viam peridiocamente<br />
hostiliza<strong>dos</strong> por gentios. Os golens protegiam os judeus e puniam os seus inimigos. A mais famosa<br />
história de Golem é a que trata do rabino Loew, líder judeu em Praga. Após ataques anti-semitas<br />
por moradores hostis, o rabino criou o Golem a partir da lama do rio Vltava, utilizando<br />
conhecimentos da Cabala. Ele inscreveu o epíteto hebreu emet (verdade) em sua testa. Porém o<br />
golem, que deveria apenas proteger os judeus, ficou fora de controle e representou uma ameaça<br />
tanto para judeus quanto gentios. Com a promessa <strong>dos</strong> aldeões de pararem os pogroms, Loew<br />
destruiu o Golem apagando a primeira letra da palavra emet, deixando a palavra met, que significa<br />
morte. (KNOWLES, op. cit, p. 163)<br />
67 Assim como Jerry Siegel (Jerome Siegel), Joe Shuster (Joseph Shuster) e Will Eisner (Willian<br />
Eisner) eram judeus: Bob Kane (Robert Kahn) e Jack Kirby (Jacob Kurtzberg).<br />
67
Na mesma obra há outra passagem em que um personagem judeu comenta so-<br />
bre a identidade secreta de Clark Kent: “Esse Super-Homem, você não acha que<br />
ele é judeu? Vem lá do interior e muda de nome. Clark Kent – só um judeu esco-<br />
lheria um nome desses”. (KNOWLES, op. cit, p. 142) Outras características judias<br />
também podem ser atribuídas ao Superman, como nos aponta Carvalho Jr.:<br />
Em 1 de maio de 1995 o jornal Jerusalem Post publicou estudo afirmando<br />
que o Super-Homem é uma figura tipicamente judia. Segundo o jornal,<br />
o nome do original do herói, Kal El, tem “som judeu” e pode ser interpretado<br />
com o significado de “deus” em hebraico. Ainda de acordo com o<br />
estudo, a missão do herói – defender os mais fracos em uma eterna busca<br />
por Justiça – corresponde ao conceito religioso judeu do “Tikkun<br />
olan”, ou reparação das imperfeições do mundo. Por fim, o disfarce original<br />
do herói para se “vestir” de Clark Kent (óculos e chapéu de feltro) seria<br />
também prova de origem judaica. Segundo declarações do então presidente<br />
da Fundação Estadunidense pela Cultura Judia, Daniel<br />
Schifrin,“essas características são atribuídas normalmente aos judeus da<br />
Diáspora, sob os quais se esconde o combatente hebreu, portador de<br />
uma missão divina”. Siegel e Shuster já haviam falecido quando foi publicado<br />
o estudo, mas a viúva de Siegel, Joanna Carter, afirmou que as<br />
“tendências judias” do personagem não foram intencionais, apesar de o<br />
marido ter ouvido hebraico durante a infância e “provavelmente ter sido<br />
influenciado de maneira inconsciente.” (CARVALHO JR, op. cit, p. 52)<br />
Uma história How Superman Would End to War, publicada na revista de<br />
variedades Look Magazine em fevereiro de 1940, reforçaria ainda mais essa<br />
relação entre Superman e a cultura judaica, e reafirmar o caráter mítico do<br />
personagem. Esta história lançada quarenta e oito anos antes da publicação de<br />
Watchmen 68 de Alan Moore mostra o que aconteceria se um personagem<br />
superpoderoso como Superman existisse realmente: ele mudaria de forma rápida<br />
68 Escrita por Alan Moore e desenhada por Dave Gibbons, publicada em 1986, a minissérie da DC<br />
Comics, em doze edições, mostra o que aconteceria se os super-heróis realmente existissem.<br />
Alan Moore utiliza vários elementos da literatura clássica, como metáfora, antecipações e<br />
flashbacks. <strong>Para</strong> maiores detalhes da importância da obra nos quadrinhos ver: COELHO, Daniel<br />
Calegario; MACHADO, José Ricardo; BATESTIN, Cypriano. Watchmen Revisitado Como este<br />
Romance Gráfico influenciou a Indústria <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, iniciando uma Nova Era e<br />
rompendo paradigmas. Espírito Santo: Centro Universitário São Camilo, 2008. Disponível em:<br />
http://www.guia<strong>dos</strong>quadrinhos.com/upload/monografias/WatchmenRevisitado.pdf [último acesso<br />
23 de setembro de 2010].<br />
68
o panorama global e as relações de poder. Nela, Superman, voando sobre<br />
a linha Maginot (fig. 19), destrói a artilharia antiaérea e aviões alemães, invade o<br />
bunker de Hitler, apanha-o pela goela, leva-o voando até Moscou e captura<br />
Stálin, levando os dois para a Liga das Nações na Suíça, a fim de serem julga<strong>dos</strong><br />
pelos seus crimes contra a humanidade (fig. 20). Acaba, desta forma,<br />
rapidamente com a guerra. Uma cópia desta história chegou ao jornal da SS Das<br />
Schwarze Korps 69 , gerando duas publicações contra Superman e Jerry Siegel. A<br />
primeira no próprio jornal da SS e a outra gerou um artigo do ministro da<br />
propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, no jornal Der Stürmer sob a manchete<br />
“Superman é Judeu”. (CARVALHO JR, op cit, p. 45)<br />
No artigo publicado no Das Schwarze Korp em 25 de abril de 1940, p. 8.,<br />
com o título de “Ataque a Jerry Siegel”, o autor do texto que o define como:<br />
Jerry Siegel, um sujeito intelectual e fisicamente circuncidado que tem<br />
seu quartel-general em Nova York, é o inventor de uma figura colorida<br />
com uma aparência imponente, um corpo poderoso, e uma roupa<br />
vermelha de mergulho 70 que gosta de usar a sua habilidade de voar<br />
através do éter (BYTWERK, 2004).<br />
No artigo, o autor destaca que Jerry Siegel teria criado uma versão<br />
distorcida <strong>dos</strong> ideais germânicos 71 e italianos, critica ferozmente também a falta<br />
de estratégia do ataque do personagem e seu conhecimento sobre a<br />
indumentária e idiomas alemão, e reforça o caráter judaico do personagem, como<br />
vemos no trecho a seguir:<br />
69 O artigo original deste jornal pode ser visto no site: Calvin Minds in the making – German Propagand<br />
Archives (http://www.calvin.edu/academic/cas/gpa/superman.htm - último acesso em 10 de<br />
agosto de 2010), que contém trechos do livro Bending Spines: The Propagandas of Nazi Germany<br />
and the German Democratic Republic.de Randall Bytwerk.<br />
70 Na história publicada em apenas duas cores, as pernas do personagem, inclusive as botas,<br />
foram coloridas com cor de pele deixando-as desnudas, realçando o aspecto de roupa de banho.<br />
Apenas na republicação o uniforme foi colorido da forma correta.<br />
71 Estes ideais teriam sido baseadas em uma adulteração das idéias do übermensch de Nietzsche<br />
O conceito do übermensch foi apropriado pelos nacional-socialistas, para promover sua raça de<br />
mestres, algo a que o próprio autor objetaria, pois para Nietzche, o conceito do puro sangue era o<br />
oposto de um conceito inofensivo (KNOWLES, op cit, p. 76)<br />
71
Jerry olhou ao redor do mundo e viu coisas que acontecem à distância,<br />
algumas das quais o alarmou. Ele ouviu o despertar da Alemanha de e o<br />
renascimento da Itália, e, em um curto espaço de tempo o ressurgimento<br />
das virtudes viris de Roma e da Grécia. "Tudo bem", pensou Jerry, e<br />
decidiu importar a idéia de força viril e espalhá-los entre os jovens<br />
americanos. Assim nasceu este Superman. Nesta página,<br />
apresentamos-lhe vários exemplos particularmente incomuns de suas<br />
atividades. Nós vemos Superman, desprovido de qualquer sentido<br />
estratégico e de capacidade tática, atacando a muralha ocidental vestido<br />
apenas de sunga. Vemos vários solda<strong>dos</strong> alemães em um bunker, que, a<br />
fim de receber os americanos, utilizavam velhos uniformes, saí<strong>dos</strong> de um<br />
museu militar. Seus rostos expressam ao mesmo tempo, desespero e<br />
alegria. Vemos esta maravilha musculosa, em uma pose estranha,<br />
dobrando os canos de canhões Krupp como se fosse espaguete.<br />
"Concreto não pode me parar", ele grita em outra imagem na qual<br />
esmaga o topo das torres tal como tomates maduros. Sua verdadeira<br />
força só se manifesta em vôo, no entanto. Ele salta no ar e destrói a<br />
hélice de um avião alemão que passa. Como podemos ver no quadro<br />
seguinte, no entanto, Superman, aparentemente, cometeu um erro, já<br />
que ele parece ter encontrado um piloto judeu 72 . Nenhum alemão diria<br />
que o piloto diz: "Himmel! Vos é diss?” A resposta americana foi: "Bem,<br />
aqui está ela", não nos parece muito correta. A resposta correta seria<br />
algo como: "Como você quiser, eu sou um simples Moritz 73 !" (BYTWER,<br />
op. cit)<br />
É importante salientar que o autor do artigo demonstra desconhecimento<br />
do personagem e seus poderes, ao destacar que o verdadeiro poder do<br />
personagem só se manifesta no vôo. Continua o artigo, dizendo que Superman<br />
adentra a sede da Liga das Nações triunfante, ignora as regras do<br />
72 O autor do artigo utiliza o termo perjorativo Yid, redução da palavra alemã Yiddish, que designa<br />
o judeu alemão médio.<br />
73 Bytwerk não acha uma tradução apropriada para o termo Moritz e coloca na sua tradução do<br />
alemão para um inglês, “Simon”. Acreditamos que o termo Moritz refira-se a Moritz Schlick (14 de<br />
Abril de 1882 – 22 de Junho de 1936) que foi a figura central do positivismo lógico e do Círculo de<br />
Viena. Com a ascensão do Nazismo na Alemanha e na Áustria, muitos <strong>dos</strong> membros do Círculo<br />
de Viena fugiram para a América e para o Reino Unido. Schlick, no entanto, continuou na<br />
Universidade de Viena. Numa visita de Herbert Feigl em 1935, ele expressou o horror que sentia<br />
com os acontecimentos na Alemanha. Em junho de 1936, Schlick subia as escadas da<br />
Universidade onde ia dar uma aula, quando foi confrontado por um antigo aluno que o interpela<br />
com uma conversa pomposa sobre um ensaio que ele tinha escrito. Quando Schlick objectou, o<br />
estudante puxou de uma pistola e atingiu Schlick no peito. Schlick morreria pouco depois. O<br />
estudante foi julgado e sentenciado, mas tornou-se um herói para os sentimentos racistas em<br />
crescimento na cidade, tendo sido retratado como o "ariano heróico" que se levantou contra a<br />
"filosofia Judia sem alma" do Círculo (que Schlick não era Judeu foi ignorado por essas mesmas<br />
pessoas). Numa grotesca manipulação da justiça, o estudante obteve a liberdade condicional<br />
pouco depois e viria a tornar-se um membro do partido Nazista austríaco após o Anschluss<br />
(anexação da Áustria pela Alemanha Nazista a 12 de Março de 1938). <strong>Para</strong> maiores informações<br />
sobre Moritz ver: http://www.moritzschlick.nl/ [último acesso 30 de novembro de 2010]<br />
72
estabelecimento, que não deve permitir a participação em suas deliberações de<br />
alguém vestindo “roupas de banho”. Finaliza o artigo afirmando que Siegel:<br />
(...) grita: "Força, coragem! Justiça!", aos nobres anseios das crianças<br />
americanas. Em vez, de usar a oportunidade para incentivar as virtudes<br />
realmente úteis, ele semeia: o ódio, a desconfiança, o mal, a preguiça e<br />
a criminalidade em seus jovens corações (...) a juventude americana<br />
deve viver em uma atmosfera tão envenenada, que nem sequer percebe<br />
o veneno que engole diariamente (BYTWERK, op cit).<br />
Neste artigo de <strong>alto</strong> teor anti-semita, vemos a clara ofensa a Siegel,<br />
chamando de “circuncidado intelectualmente”, entretanto, como ainda não havia<br />
guerra declarada entre a Alemanha nazista e os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, as críticas ficam<br />
reservadas ao autor e sua obra, e não ao país.<br />
Vemos em uma obra anterior (Action Comics nº 2 – julho de 1938), a<br />
intervenção do Superman para impedir um conflito na América do Sul, contudo na<br />
história How Superman Would End to War, vemo-lo intervindo na guerra das<br />
grandes nações européias. O Superman representa também, neste momento, os<br />
valores americanos de liberdade e justiça 74 .<br />
O caráter messiânico do personagem é ressaltado na salvação do mundo<br />
de um novo conflito global. Infelizmente, esta intervenção apenas ocorreu no<br />
caráter simbólico, mas previu no ano seguinte a entrada <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> no<br />
conflito.<br />
Assim, Siegel e Shuster, como a maioria <strong>dos</strong> judeus da época, possuíam<br />
sentimentos de desamparo e ansiavam por um supersalvador ou um messias,<br />
mesmo que apenas de caráter simbólico. Neste sentido, Superman aproxima-se<br />
mais do messias judaico, o “Rei da Terra”, um líder para salvá-los <strong>dos</strong> perigos<br />
terrenos. Como figura mítica, Superman estaria mais próximo de figuras como<br />
Moisés, Davi ou Sansão. Porém, alguns autores, como Les Daniels, acreditam<br />
74 Segundo Gary Althen em American Ways: a guide for foreigners in the United States (2003) os<br />
valores estadunidenses são: “individualismo, liberdade, competitividade, privacidade; igualdade,<br />
informalidade, o futuro, mudança, e progresso; bondade da humanidade, tempo, empreendimento,<br />
ação, trabalho e materialismo; integridade de caráter e positividade” (ALTHEN, 2003, p. 5).<br />
73
que Siegel também teria percebido a analogia com Jesus Cristo, lembrando que<br />
Superman era “um homem enviado do céu por seu pai para usar seus poderes<br />
especiais pelo bem da humanidade 75 ” (LES DANIELS apud KNOWLES, op cit, p.<br />
142). Outros autores, como Dan Jurgens (redator-chefe da saga A morte do<br />
Superman 76 ), ou mesmo o artista plástico italiano Adrian Tranquilli também<br />
compartilham desta visão. Em 1992, a DC Comics resolveu publicar A Morte do<br />
Superman. Nela o personagem é morto por um alienígena, de origem kryptoniana,<br />
Apocalypse (Doomsday – Dia do Juízo Final no original), após um grande conflito<br />
que arrasa Metrópolis. A cena final mostra um tributo à Pietá de Michelangelo,<br />
com Lois Lane no papel de Virgem Maria. Após esta saga, o personagem<br />
ressuscita <strong>dos</strong> mortos, equivalendo simbolicamente a Jesus Cristo. A analogia é<br />
reforçada com o visual do personagem que passa a apresentar cabelos longos.<br />
Sobre este evento, em uma história após o retorno, o Superman encontra o<br />
Doutor Oculto (outra criação de Siegel e Shuster) que explica que a morte do<br />
personagem tinha sido efetiva, não sendo nenhum outro evento comum das<br />
histórias em quadrinhos, como uma falsa morte, animação suspensa ou outros,<br />
ele havia ressuscitado. A explicação para morte do personagem aponta para<br />
75 Essa dimensão religiosa também está presente no filme Superman Returns (2006).<br />
76 Superman foi vítima também de outras “mortes” nos comics., porém nenhuma com o impacto da<br />
história de 1993. A primeira foi na história A morte secreta do Superman, publicada na revista<br />
Superman nº 149 (novembro de 1961), uma história imaginária com roteiro de Jerry Siegel e arte<br />
de Curt Swan. Nela, Superman é assassinado por Lex Luthor com um raio de kryptonita, na frente<br />
de Lois Lane, Jimmy Olsen e Perry White. Luthor é preso pela Supergirl, levado para Kandor, é<br />
julgado e condenado como um kryptonianio. No final, é lançado na Zona Fantasma por toda<br />
eternidade. Na década de 70, o personagem quase foi morto por um vírus. Na década de 80, em<br />
uma história escrita por Alan Moore, publicada nas revistas Superman nº 423 e Action Comics nº<br />
583 (1986), o Superman é dado como morto. E, em 1986, John Byrne escreveu uma história onde<br />
a vilã Banshee Prateada, usando de magia, pôs o Homem de aço num torpor semelhante à morte<br />
clínica. Foi realizado o funeral, e antecedendo muitos anos a morte do Superman por Apocalipse,<br />
o mundo e vários heróis tinham suas reflexões sobre a perda do maior herói do mundo. Lex Luthor<br />
também estava irado, pois não admitia que outra pessoa tivesse destruído o Superman sem ser<br />
ele (comportamento que seria repetido durante a Morte do Superman, com Luthor esmurrando o<br />
corpo de Apocalipse).<br />
74
algumas hipóteses: apenas uma jogada de marketing, proposta pelo editor Mike<br />
Carlin, ou algo mais simbólico como nos informa Dario Carvalho Jr:<br />
Assim, é preciso descobrir quais outros motivos estariam por trás da<br />
morte do personagem. Certamente não seria o fim de seus valores ou de<br />
sua época, já que o personagem teve seus valores muda<strong>dos</strong> durante a<br />
existência para se adequarem às épocas, sem nenhum problema. A<br />
morte de Kal El, o Superman, foi na realidade um estratagema para<br />
aproximar seus leitores e principalmente para reforçar as origens de<br />
herói épico do Super-Homem e sua posição de maior herói entre os<br />
heróis.(...) com as transformações sofridas em sua personalidade ao<br />
longo <strong>dos</strong> tempos – a chamada humanização – o Super-Homem cada<br />
vez mais deixava de ser um herói épico para transformar-se em um herói<br />
prosaico. E, humano como estava, em breve seus fatos super-heróicos<br />
entrariam em conflito com sua humanidade, gerando uma contradição<br />
intransponível em seu mundo de ficção.<br />
A morte, no entanto, o aproximaria de novo de sua origem de herói<br />
épico: o Super-Homem faria sua ascensão ao divino. Mais ainda, a morte<br />
seguida de uma ressurreição reafirma que ele é o maior <strong>dos</strong> heróis,<br />
possível de ser comparado apenas ao maior <strong>dos</strong> heróis registra<strong>dos</strong> na<br />
história e único a ter ressuscitado: Jesus Cristo (CARVALHO JR, op. cit,<br />
p. 51-52).<br />
Fig. 21 – Superman de Adrian Tranquilli – escultura remete a imagem icônica do<br />
Cristo crucificado.<br />
75
Fig. 22 – A Morte do Superman – A morte do personagem remete de maneira icônica<br />
à escultura La Pietá de Michelângelo<br />
3.2.3. Mito americano: o super-herói<br />
Como visto no decorrer do trabalho, não há criação mais típica da cultura 77<br />
estadunidense, do que as histórias de super-heróis. A partir do final da década de<br />
30, o gênero proliferou e, mesmo quando esteve em posição de questionamento,<br />
não parou de ser produzido e ainda assim foi o que melhor se adaptou às novas<br />
regras. Na vanguarda do movimento, Superman. E com o tempo, o que surgiu<br />
como uma pequena indústria se transformou em uma franquia de bilhões de<br />
dólares. Por isso, não podemos deixar de entender que, como um meio<br />
econômico de produção, a sua vitalidade reside no seu comércio e de suas<br />
franquias, o que é a garantia de vida ou morte do personagem. O que queremos<br />
buscar neste trabalho é a força motriz por trás desse consumo, e a encontramos<br />
em um processo de identificação que é ao mesmo tempo o fomentador da<br />
linguagem mítica do personagem.<br />
77 Utilizaremos o termo cultura, como definido por Clifford Geertz como “um modelo historicamente<br />
transmitido de significa<strong>dos</strong> encarna<strong>dos</strong> em símbolos”. (GEERTZ apud DARTON, 1990, p. 195)<br />
76
Vemos que, ao longo do século XX, cada país desenvolveu seu próprio<br />
estilo de produção quadrinizada, que satisfizesse seus leitores. Por isso, mesmo<br />
com a publicação de revistas de super-heróis estadunidenses, alguns países<br />
desenvolveram seu próprio gênero de narrativa quadrinizada, juntando-se a isso<br />
as políticas protecionistas de mercado para o incentivo da produção local. Isso foi<br />
feito na França e no Japão, e tentado, sem eficácia, no Brasil. Contudo, as<br />
histórias de super-heróis também representam posturas e gestos humanos<br />
universais, transforma<strong>dos</strong> em símbolos, que independentemente do país de<br />
origem, criam um processo de identificação, como afirma Will Eisner:<br />
A arte <strong>dos</strong> quadrinhos lida com reproduções facilmente reconhecíveis da<br />
conduta humana. Seus desenhos são o reflexo no espelho, e dependem<br />
de experiências armazenadas na memória do leitor para que consiga<br />
visualizar ou processar rapidamente uma idéia. Isso torna necessária a<br />
simplificação das imagens transformadas em símbolos que se repetem.<br />
(EISNER, op cit, p. 21)<br />
Desta forma as histórias são um excelente veículo para transmitir informa-<br />
ção ou ideologia 78 , em uma forma de fácil absorção pelo leitor: “ela pode relatar<br />
idéias bastante abstratas, ciência, ou conceitos desconheci<strong>dos</strong> pelo uso análogo<br />
de formas ou fenômenos conheci<strong>dos</strong>”.(EISNER, op cit, p. 15). Então estes símbo-<br />
los que relembram, descrevem, ou informam uma experiência em comum, evo-<br />
cam a realidade do leitor, mesmo com a intenção de imitar ou exagerar a realida-<br />
de, criam uma linguagem mítica. Como nos afirma Roland Barthes:<br />
“Esta fala é uma mensagem. Pode, portanto não ser oral; pode ser formada<br />
por escritas ou por representações (...) tudo pode servir de suporte<br />
78 Segundo John B. Thompson, em seu livro Ideologia e cultura moderna (2007), "ideologia são as<br />
maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação"<br />
(THOMPSON, 2007, p. 75). O sentido diz respeito aos fenômenos simbólicos, que mobilizam a<br />
cognição, como uma imagem, um texto, uma música, um filme, uma narrativa; ao contrário de<br />
fenômenos materiais, que mobilizam recursos físicos, como a violência, a agressão, a guerra. Os<br />
fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que (somente enquanto)<br />
eles sirvam para estabelecer e sustentar relações de dominação. Esta relação de estabelecimento<br />
e sustentação seria realizada, em um processo contínuo de produção e recepção de formas<br />
simbólicas. A dominação ocorre quando relações estabelecidas de poder são sistematicamente<br />
assimétricas, isto é, quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira<br />
permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes.<br />
77
à fala mítica (...) a imagem é certamente mais imperativa do que a escrita,<br />
impõe a significação de uma só vez, sem analisá-la, sem dispersá-la”<br />
(BARTHES, op cit, p. 133).<br />
Ao analisar as histórias do Superman publicadas na Action Comics, Super-<br />
man e World´s Finest Comics do período, percebemos esta intenção <strong>dos</strong> autores<br />
e editores em buscar essa identificação do leitor. Os roteiros das histórias são<br />
simples, basea<strong>dos</strong> em torno de um acontecimento (um crime, um acidente, uma<br />
catástrofe, Lois Lane em uma situação de perigo) no qual Superman, “campeão<br />
<strong>dos</strong> fracos e indefesos”, utiliza seus poderes fantásticos para resolvê-los, defen-<br />
dendo o lema: “Força, Coragem e Justiça” que depois mudaria para: “Verdade,<br />
Justiça e o American Way”, lema que permanece até hoje 79 .<br />
Em seus primórdios o herói empregava seus superpoderes para resolver<br />
questões do cotidiano, tais como dar lições em um marido que espancava a espo-<br />
sa (Action Comics 80 nº 1), no dono de uma mina que não respeitava os emprega-<br />
<strong>dos</strong>, nem mantinha as adequadas condições de segurança (AC nº 3- ago/1938),<br />
em um motorista bêbado que mata um pedestre e um treinador inescrupuloso (AC<br />
nº 4 – set/1938), em um impostor que se faz passar pelo Superman (AC nº 6 –<br />
nov/1938), em jovens delinqüentes (AC nº 8 – jan/1939) e em taxistas inescrupu-<br />
losos (AC nº 13 – jun/1939). A índole do Superman era diferente da que ficaria ca-<br />
racterizada na década de 50 a partir das restrições impostas pelo Comics Code.<br />
O caráter maniqueísta não era tão acentuado, o personagem estava mais próximo<br />
do leitor, não era o modelo que iria se tornar. Por exemplo, na AC nº 8 destaca-<br />
mos a defesa da mãe do delinqüente, indicando que o ambiente no qual viviam<br />
79 Texto introdutório das histórias: “Enviado para Terra em um foguete do condenado planeta<br />
Krypton, o bebê Kal-El foi encontrado e criado por Jonathan e Martha Kent, em Smallville, Kansas.<br />
Agora adulto, Clark Kent luta pela Verdade, Justiça e American way como o Superman”.<br />
(Superman nº 700 – junho de 2010)<br />
80 Utilizarmos as seguintes abreviações AC – Action Comics; S – Superman e WFC – World´s<br />
Finest Comics.<br />
78
era que os conduzia para o caminho da delinqüência, realidade que tanto Siegel<br />
quanto Shuster conheciam bem:<br />
Claro que ele fala duro... e mais, ele é durão, meritíssimo... mas é igual a<br />
to<strong>dos</strong> os outros garotos da vizinhança... durões, ressenti<strong>dos</strong>, desprivilegia<strong>dos</strong>.<br />
Ele é meu único filho, senhor, e poderia ter sido um bom menino,<br />
o problema é o ambiente que o cerca. Ele ainda pode ser bom... se o senhor<br />
for pie<strong>dos</strong>o 81 (p.3 – quadro 4).<br />
Com o que Superman concorda após ensinar-lhes uma lição: ‘Não é intei-<br />
ramente culpa de vocês se são delinqüentes... são estas favelas... suas condi-<br />
ções pobres de vida... se houvesse algum jeito de eu remediar isso...! 82 (p. 13 –<br />
quadro 80). Em vez de simplesmente remediar levando os delinqüentes à justiça,<br />
ele procura resolver a questão: ao ler em um artigo do jornal que o governo re-<br />
constrói áreas destruídas por desastres naturais com apartamentos novos e de<br />
aluguel barato, ele manda os garotos avisarem os moradores para evacuarem a<br />
área e destrói as favelas, forçando a autoridade pública a construir novas habita-<br />
ções para os moradores.<br />
Ele era um vigilante não agia com aval das autoridades, fazendo com que a<br />
justiça tentasse prendê-lo (AC nº 9 – fev/1939). Fazia também sua própria justiça:<br />
em uma das histórias quando um bandido cai de seus braços e morre ao bater na<br />
calçada, o Superman diz que ele teve o destino que merecia (AC 13 – quadro 32).<br />
Cometia vinganças pessoais como humilhar um colega da redação que fazia pou-<br />
co caso de Clark Kent (AC nº 07 – dez/1938); destruía propriedades alheias,<br />
como lojas de carros usa<strong>dos</strong> e uma fábrica de automóveis que usava metais e pe-<br />
ças de má qualidade (AC nº12 – p. 9 – quadro 57 – mai/1939) na sua guerra de-<br />
clarada contra o <strong>alto</strong> índice de morte nos acidentes de trânsito; com o objetivo de<br />
81 Texto original: “of course, he talks tough – what’s more he is tough, your honor – but his only like<br />
all the other boys in our neighborhood... hard, resentful, underprivileged. He’s my only son, sir he<br />
might have been a good boy except for his enviroment. He still might be – if you’ll be merciful”.<br />
82 Texto original: ‘It´s not entirely your fault that you’re delinquent – it’s these sluns – your poor<br />
living conditions – if there was only some way I could remedy it --!”<br />
79
vingar-se de dois vigaristas que prejudicaram mais de cem pessoas (levando uma<br />
ao suicídio) que vendiam ações falsas, compra ações de um poço de petróleo ina-<br />
tivo, disfarçado como Homer Ramsey, e usa seus poderes para fazer jorrar litros,<br />
vende os papéis para os ex-donos por um milhão de dólares e destrói completa-<br />
mente o poço (AC nº 11 – abr/1939).<br />
A popularidade do Superman cresce de forma vertiginosa porque lida com<br />
as ansiedades profundas na vida estadunidense na década de 30 e primeira me-<br />
tade da década de 40: fascismo, corrupção empresarial, crime organizado, guer-<br />
ra, tornaram-se problemas insuperáveis e insolúveis para o povo americano. Des-<br />
ta forma, houve a necessidade de criar um super-homem que pudesse, mesmo<br />
que no caráter imaginário, resolver estes problemas. Estas histórias lidavam com<br />
a ansiedade real, com problemas cotidianos que assolavam os leitores, sejam<br />
eles crianças ou adultos, que se viam impotentes para resolvê-los. Há então a ne-<br />
cessidade de criação de fantasias reconfortantes. Como nos afirma Cristopher<br />
Knowles:<br />
A necessidade infantil de um pai ou irmão mais velho que nos proteja de<br />
agressões e resolva nossos problemas é um impulso que to<strong>dos</strong> nós sentimos.<br />
É por isso que os super-heróis têm grande populariedade – entre<br />
crianças e adultos – em épocas de stress nacional. As crianças são particularmente<br />
sensíveis a ameaças existenciais e costumam interiorizar a<br />
ansiedade <strong>dos</strong> pais. E os adultos costumam se sentir tão vulneráveis<br />
quanto as crianças quando enfrentam o medo da guerra ou crises econômicas.<br />
(KNOWLES, op cit, p. 131)<br />
O objetivo de Siegel e Shuster era publicar o Superman nas tiras de jornais<br />
dominicais, que atingiam várias faixas etárias e, as primeiras histórias foram feitas<br />
para este intento. Entre os leitores da tiras e das revistas, incluíam crianças, jo-<br />
vens e adultos. Os enre<strong>dos</strong> tratavam de temas que visavam atingir o público adul-<br />
to, enquanto as crianças eram atraídas pelo aspecto fantástico do personagem.<br />
Porém, os editores perceberam nos jovens (criança/adolescente) um filão a ser<br />
80
explorado, criando mecanismos para atingir este público-alvo, desde a “ensinar<br />
técnicas” para melhorar a visão, a audição, como a criação do clube e da coluna<br />
Supermen of América (AC 14 – p. 16 – jul/1939) 83 , na qual o “próprio” Clark Kent<br />
escreve a coluna. A admissão no clube <strong>dos</strong> “super-homens da América” garantia<br />
uma carteirinha oficial, um broche do Superman e um código secreto, com o qual<br />
o leitor poderia ler as mensagens criptografadas que viam to<strong>dos</strong> os meses nas re-<br />
vistas, além de receber dicas do próprio Superman para desenvolver “força, cora-<br />
gem e agilidade para proteger a si mesmo em tempos de perigo”. Os editores da<br />
DC Comics já haviam percebido o potencial do público infanto-juvenil, e isso será<br />
explorando também com produtos como a superman krypto raygun, (ver anexos)<br />
na edição da Action Comics nº 33 (pág. 16 - fev/1941), um “projetor de slides” em<br />
formato de arma. O personagem será representado em situações do cotidiano in-<br />
fanto-juvenil, como veremos em algumas imagens de capa da Action Comics e da<br />
revista Superman, mas o destaque serão as capas da World’s Finest Comics, no<br />
qual a maior parte das ilustrações de capa mostram os dois maiores personagens<br />
da National, Superman e Batman, juntamente com Robin 84 , realizando “proezas”<br />
dignas das crianças e adolescentes do período, tais como: jogar beisebol (WFC nº<br />
3 – set/nov de 1941) (fig. 23), nadar com garotos em um rio proibido (WFC 14 –<br />
jun/jul/ago de 1944) (fig. 24), brincar de cabo de guerra (WFC – 19 – set/out/nov<br />
de 1945) (fig. 25), surfando (WFC 36 – set/out de 1948), pescando (WFC 43 –<br />
nov/dez de 1949), patinando (WFC 47 – ago/set de 1950), brincando de gangorra<br />
(WFC 62 - jan/fev de 1953) (fig. 26).<br />
83 Cf. anexos.<br />
84 Apesar de aparecerem sempre juntos nas capas, as histórias <strong>dos</strong> personagens eram separadas.<br />
Os três personagens só iriam atuar em uma história juntos a partir da edição 71 (julho/agosto de<br />
1954).<br />
81
Como vimos, o Superman atinge com impacto a mentalidade infantil esta-<br />
dunidense do período, em um processo identificatório, que seria reforçado com a<br />
criação do Superboy em 1944. O personagem torna-se um modelo para juventude<br />
americana seguir. Em 1955, a imagem de “bom moço” e “escoteiro da América”<br />
está firmemente consolidada.<br />
Contudo o discurso do personagem irá ao encontro a uma idéia de superio-<br />
ridade que já permeava (e ainda permeia) a nação estadunidense, pautada nos<br />
seus princípios que reforçam essa identidade, como nos afirma Gary Althen:<br />
82
Americanos geralmente acreditam que o seu país é superior, provavelmente<br />
o maior país no mundo. Isto é, poderoso economicamente e militarmente;<br />
e que sua influência estende-se por todas as partes do globo.<br />
Americanos geralmente acreditam que seu sistema político democrático<br />
é melhor que há, desde que dê aos cidadãos o direito e a oportunidade<br />
de tentar influenciar a política governamental e desde que proteja os cidadãos<br />
das ações arbitrárias do governo. Eles acreditam também que o<br />
sistema é superior porque dá a eles a liberdade de queixar-se sobre<br />
qualquer coisa que considere estranha a isto.(ALTHEN, op cit, p. xxix)<br />
Então, nada melhor do que um super-homem para defender uma super na-<br />
ção. O Superman irá representar o sonho americano, ajudando, salvando e prote-<br />
gendo a família estadunidense (como pode ser percebido nesta imagem de capa<br />
da revista Superman 19 – nov/dez de 1942) (fig. 27), reunindo elementos que já<br />
existiam no imaginário social.<br />
Este “homem do amanhã” representaria a idéia que formou esta nação. So-<br />
bre como esta idéia se transformou em nação, Jim Cullen nos esclarece:<br />
Sim, os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> são essencialmente criação de uma imaginação<br />
coletiva inspirada na existência de um Novo Mundo, nascido em uma<br />
Revolução, que começou com uma articulada Declaração, e consolidada<br />
na escrita de uma durável Constituição. E, isto é, uma nação que está<br />
sendo recriada, como um ato deliberado de escolha consciente, que<br />
cada pessoa tem, de costa a costa, neste território. Fidelidade explicita e<br />
uma herança voluntária, é a base teórica da identidade Americana CUL-<br />
LEN, 2003, p.6).<br />
83
Este imaginário social que criou a idéia de uma nação americana iria absor-<br />
ver e respaldar, não só a criação e longevidade do Superman, mas também <strong>dos</strong><br />
seus imitadores e personagens afins. Como vemos na obra The Epic of América<br />
(1931), de James Truslow Adams, citado por Cullen, era essa a mentalidade cor-<br />
rente no período de criação do personagem:<br />
Este sonho americano do melhor, mais rico e da vida mais feliz para to<strong>dos</strong><br />
nossos cidadãos de todas as classes, é a maior contribuição que<br />
nós temos feito para a mentalidade e bem estar do mundo. Esse sonho<br />
ou esperança está presente desde o início. Desde sempre nós buscamos<br />
uma nação independente, e a cada geração tem sido percebida<br />
uma motivação do americano comum para salvar aquele sonho das forcas<br />
que surgem para esmagá-lo (ADAMS apud CULLEN, op. Cit, p. 4).<br />
E será no período da guerra que o personagem terá seu papel de defensor<br />
desta nação em destaque, como vimos na história How Superman Would End to<br />
War. Mas seu papel mais importante seria a participação nas campanhas gover-<br />
namentais de venda de bônus de guerra, reciclagem de papel e da Cruz Verme-<br />
lha. No corte temporal proposto, os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> participam de duas guerras a<br />
Segunda Guerra (1941-1945) e a Guerra da Coréia (1950-1953), e o seu papel<br />
será diferente em ambas. Em grande parte, isso se deve às características que as<br />
histórias em quadrinhos desenvolvem, como visto nos capítulos 1 e 2. Enquanto a<br />
2ª Guerra Mundial “se tratava de uma guerra contra um inimigo de uma maldade<br />
idescritível. A Alemanha hitleriana estava estendendo o totalitarismo, o racismo e<br />
o militarismo em uma guerra de aberta agressão como nunca se havia visto”<br />
(ZINN, p. 375), tinha uma aceitação popular maior, os estadunidenses tiveram seu<br />
país atacado e justificavam a participação da guerra como uma forma de defen-<br />
der-se desta ameaça. Já a Guerra da Coréia fazia parte <strong>dos</strong> meandros da Guerra<br />
Fria, e os próprios super-heróis viviam um processo de crise. Enquanto as conse-<br />
qüências da 2ª Guerra para os EUA foram positivas, uma vez que o seu território<br />
não fora alvo de massivas destruições e a perda de vidas fora diminuta em rela-<br />
84
ção aos outros países envolvi<strong>dos</strong> (cerca de 400.000 solda<strong>dos</strong> mortos em comba-<br />
te, não contando com os feri<strong>dos</strong> e desapareci<strong>dos</strong>), e o esforço de guerra propor-<br />
cionou crescimento econômico. A Guerra da Coréia não foi “vencida”, terminando<br />
em um cessar-fogo que só gerou perdas, cerca de 50.000 solda<strong>dos</strong> mortos, au-<br />
mento no orçamento das Forças Armadas, e a diminuição da influência estaduni-<br />
dense no território asiático. A paranóia estadunidense se refletiu como visto, nos<br />
capítulos anteriores, em um maniqueísmo cada vez maior e na infantilização das<br />
histórias, com o reforço no combate aos chama<strong>dos</strong> “supervilões 85 ”, a ponto de as<br />
histórias só terem algum sentido no combate contra estes personagens. Um su-<br />
per-herói só seria um super-herói quando tivesse que usar seus poderes e isto só<br />
pode ocorrer havendo uma população de seres poderosos no mundo em que ele<br />
vive e combate, ou seja, o super-herói só pode existir, em constante relação com<br />
supervilões e com outros super-heróis (Viana, 2005).<br />
O caráter contestador das primeiras histórias estava completamente aboli-<br />
do no final deste período, entretanto, seu mito estava cada vez mais solidificado.<br />
85 Os supervilões do Superman, ao contrário do Batman, possuía um caráter mais caricato nas<br />
primeiras histórias, os seus inimigos eram os cientistas Ultra-Humanóide (AC 13 – jun de 1939) e<br />
Lex Luthor (AC 23 – abr de 1940), Prankster (AC 51 – ago de 1941), Homem-<strong>dos</strong>-Brinque<strong>dos</strong> (AC<br />
64 – set de 1943) e Sr. Mxyzptlk (SC 30 – set/out de 1944).<br />
85
Fig. 28 a 45 - Imagens de capa das revistas Action Comics, Superman e World´s Finest Comics<br />
mostrando o patriotismo do personagem e sua luta na Segunda Guerra, contra tanques, aviões,<br />
etc. Nestas imagens mostram o Superman vencendo ou ridicularizando Hitler, Hiroito, Mussolini e<br />
Goebbels. Mostram também o personagem no esforço de guerra, incentivando a venda de bônus<br />
de guerra e a Cruz Vermelha.<br />
91
Fig. 46 a 52 - Imagens de capa das revistas Superman, aqui temos o personagem envolvido em<br />
questões do cotidiano, mostrando o lado “humano” do personagem em um processo de<br />
identificação com o leitor. A última imagem mostra o personagem sendo vítima de uma armadilha<br />
pelos chama<strong>dos</strong> supervilões, aproveitando-se da índole bon<strong>dos</strong>a do personagem.<br />
92
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O Superman configura-se, portanto, como um amálgama de elementos<br />
míticos que cria uma identidade cultural única. Como modelo mítico, podemos<br />
observar por meio de suas histórias o próprio desenvolvimento da sociedade<br />
estadunidense, as questões apresentadas ou mesmo omitidas nos fornecem um<br />
panorama desta sociedade. Entretanto, não podemos falar unicamente de um<br />
Superman. A cada década, o personagem, assim como a sociedade, redefine-se.<br />
As questões apresentadas na década de 40 não são exatamente as mesmas da<br />
primeira década do século XXI, embora algumas ainda persistam.<br />
A popularidade do herói oscila, na preferência <strong>dos</strong> leitores, em relação aos<br />
outros super-heróis e outras formas da indústria cultural de década para década.<br />
O herói que fazia justiça com as próprias mãos, matando criminosos e violando as<br />
leis nas décadas de 30 e 40, transforma-se no modelo do herói perfeito, sempre<br />
preocupado com o bem estar <strong>dos</strong> necessita<strong>dos</strong>.<br />
As características políticas e sociais se refletem nos próprios rumos que o<br />
personagem segue, como percebemos na saga “pés no chão” iniciada na edição<br />
701 da revista Superman (setembro de 2010), com roteiro de J. Michael<br />
Straczynski e arte do brasileiro Eddy Barrows (Eduardo Barros), em que vemos o<br />
resgate das características primordiais do personagem: a ajuda e proteção ao<br />
homem comum. Nesta história, Superman anda (literalmente) pela Filadélfia, na<br />
Pensilvânia, resolvendo os problemas comuns <strong>dos</strong> cidadãos: conserta um carro,<br />
ajuda a arrumar uma despensa de um restaurante, combate criminosos de rua,<br />
diagnostica um problema cardíaco em um i<strong>dos</strong>o, impede uma tentativa de suicídio<br />
e uma infração de trânsito, nos mesmos moldes das primeiras histórias, criadas<br />
93
por Jerry Siegel e Joe Shuster. Interpelado por um cidadão sobre seu papel de<br />
herói, ele responde:<br />
<strong>Para</strong> ser um herói, e eu não estou dizendo que sou um, estou só<br />
dizendo é viver sua vida em uma pequena cela cujas barras são os<br />
princípios e regras que você aceitará ou não. Injustiça. Crueldade.<br />
Assassinato. Na noite em que jogaram Henry Thoreau 86 na cela por<br />
desobediência civil, um amigo veio vê-lo dizendo: “Henry o que você<br />
está fazendo aqui dentro?” Thoreau disse: “Não, a pergunta é: o que<br />
você está fazendo aí fora?” Se eu tenho sorte o bastante, privilégio o<br />
bastante para viver nesta cela, para servir nesta caixa com a palavra<br />
herói escrita nela – então eu digo para você, de algum lugar no fundo<br />
desta caixa – o que você está fazendo aí fora? (STRACZYNSKI, 2010,<br />
p.23)<br />
È este discurso, que ultrapassa as barreiras territoriais, que busca as<br />
características universais, a identificação com o homem comum, que forma a<br />
base mitológica do personagem. Foram elas que lhe permitiram, apesar do<br />
discurso político estadunidense embutido no personagem, atingir tantos países.<br />
Destacamos algumas questões importantes para o estudo, que não se<br />
encerra neste trabalho, do personagem, <strong>dos</strong> outros super-heróis e das próprias<br />
histórias em quadrinhos. Vários aspectos ainda podem ser aborda<strong>dos</strong> em estu<strong>dos</strong><br />
futuros, como por exemplo: quais as características do Superman nas outras<br />
décadas? Como o discurso político do American way afetou o personagem nas<br />
décadas de 60, 70 e 80? Por que o Brasil, grande consumidor de comics, não os<br />
desenvolveu de forma contundente, com poucos e não duradouros personagens<br />
na década de 60, apresentando este tipo de narrativa mítica?<br />
Finalizamos observando que a construção do mito do Superman, tema<br />
principal deste trabalho, dá-se em dois aspectos fundamentais: no econômico,<br />
com a criação de um produto comercial de ampla divulgação e aceitação, fruto de<br />
86 Henry David Thoreau (Concord, 12 de julho de 1817 — Concord, 6 de maio de 1862) foi um<br />
autor estadunidense, poeta, naturalista, ativista anti-impostos, crítico da idéia de desenvolvimento,<br />
pesquisador, historiador, filósofo, e transcendentalista. Ele é mais conhecido por seu livro Walden,<br />
uma reflexão sobre a vida simples cercada pela natureza, e por seu ensaio Desobediência Civil<br />
uma defesa da desobediência civil individual como forma de oposição legítima frente a um estado<br />
injusto. Disponível em: http://www.vcu.edu/engweb/transcendentalism/authors/thoreau/ (último<br />
acesso: 30 de novembro de 2010)<br />
94
uma campanha de identificação com os leitores, principalmente os infanto-juvenis,<br />
e no aproveitamento de outras formas da indústria cultural, ultrapassando os<br />
limites físicos das páginas das histórias em quadrinhos; e no cultural, com a<br />
criação de um ícone que tem em sua essência elementos da cultura e religião,<br />
sintetiza<strong>dos</strong> na figura de um herói civilizador e messiânico, um modelo mítico para<br />
o homem comum, que vê no personagem um exemplo, senão a ser seguido, pelo<br />
menos almejado. Afinal, como diz a célebre frase de Jack Kirby: “Nós acreditamos<br />
em heróis, porque acreditamos em nós mesmos”.<br />
95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
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Collected Comics Library - http://www.collectedcomicslibrary.com/<br />
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Reform Judaism Magazine – http://reformjudaismmag.org/<br />
Calvin College - http://www.calvin.edu/<br />
Who´s whose in the DC Comics - http://dccomicsartists.com/<br />
DC Comics - http://www.dccomics.com<br />
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ANEXOS<br />
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Republicação da história How the Superman end to war publicada na coletânea DC 70 anos As maiores<br />
histórias do Superman (2008)<br />
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