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02 - A PSICOSE NA PERSPECTIVA LACANIANA - Fio

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A <strong>PSICOSE</strong> <strong>NA</strong> <strong>PERSPECTIVA</strong> LACANIA<strong>NA</strong>.<br />

THE PSYCHOSIS IN LACANIAN PERSPECTIVE<br />

¹COSTA, A. S; ¹SILVA, E. A; ²TAVARES, L. A. T.<br />

¹Discente do curso de Psicologia - Ênfase Psicologia e Processos Clínicos das Faculdades<br />

Integradas de Ourinhos - FIO/FEMM<br />

²Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis e docente das Faculdades Integradas de Ourinhos-<br />

FIO/FEMM<br />

RESUMO<br />

A foraclusão do Nome-do-Pai impossibilita a criança da simbolização da lei, o que em última instância<br />

interfere em sua relação com a realidade. Neste projeto utilizamos o filme “Cisne Negro” do diretor<br />

Darrem Aranofsky (2010) como objeto disparador para se pensar a teoria de J. Lacan. É importante<br />

ressaltar que não houve pretensão de interpretar o filme em sua plenitude a partir do referencial<br />

adotado, ao contrário, utiliza-se recortes do mesmo para ilustrar a teoria. O filme possibilita várias<br />

interpretações, de maneira que não houve a intenção de se reduzir seus diversos sentidos. Dessa<br />

forma, a presente pesquisa busca compreender o processo de estruturação psíquica da psicose a<br />

partir do referencial teórico de Jacques Lacan, proporcionando assim articulações possíveis entre a<br />

concepção estrutural da psicose na Psicanálise relacionando-as a alguns aspectos do filme. Essa<br />

pesquisa é baseada em uma metodologia qualitativa de cunho teórico-reflexivo a partir do referencial<br />

da Psicanálise. O desenvolvimento da mesma se dá a partir de leituras temáticas com possíveis<br />

associações com o filme “Cisne Negro”. Desse modo, conclui-se, que com o fracasso da metáfora<br />

paterna o psicótico é barrado de entrar na ordem simbólica, sendo a intervenção do Nome-do-Pai no<br />

Outro que funciona como ponto-de-basta, que a lei é instituída e que, entretanto, para ele esse é o<br />

ponto que jamais chegará a se estruturar.<br />

Palavras-Chave: Foraclusão; Psicose; Lacan.<br />

ABSTRACT<br />

The foreclosure of the Name of the Father impossibility the child from the symbolization of the law,<br />

what ultimately interferes in their relationship the reality. In this project we used the movie "Black<br />

Swan" of the director Darrem Aranofsky (2010) as object trigger to think the theory J. Lacan. It is<br />

important to highlight there was no pretense of interpreting the film in its entirety from the reference<br />

adopted, instead, uses the same cuttings to illustrate the theory. The movie has the possibility to many<br />

interpretations, in the way there wasn't the intention of reduce their senses. This way, the present<br />

research seek comprehend the process of structuration psychic from psychosis from the theoretical<br />

framework of Jacques Lacan, thereby providing possible links between the structural design of<br />

psychosis in Psychoanalysis relating them to some aspects of the film. This research is based on a<br />

qualitative methodology of theoretical-reflective from the reference of psychoanalysis. The<br />

development of it takes place from thematic readings with possible associations with the movie "Black<br />

Swan." Thus, we conclude that the failure of the paternal metaphor psychotic is barred from entering<br />

the symbolic order, with the intervention of the Name of the Father in Another who works as a point-ofjust<br />

that the law is instituted and that, however, for him this is the point that will never come to be<br />

structured.<br />

Keywords: Foreclosure, Psychosis, Lacan.<br />

1


INTRODUÇÃO<br />

Toda criança precisa de uma relação familiar harmoniosa para se<br />

desenvolver. Em uma relação em que há uma fixação com a figura materna, pode<br />

haver comprometimento na constituição psíquica da criança.<br />

A ausência do Nome-do-Pai (foraclusão), seja no real ou pela omissão no<br />

discurso da mãe, impossibilita a criança da simbolização da lei.<br />

Segundo Laplanche e Pontalis (2001), os significantes foracluídos não são<br />

incorporados no inconsciente e não retornam do “interior” do sujeito, mas no real.<br />

A interdição de um terceiro elemento no complexo de Édipo, na relação da<br />

criança com a mãe, se dá não somente pela figura paterna, mas uma palavra pode<br />

ter o efeito de Nome-do-Pai e efetuar assim a castração simbólica.<br />

Existe aqui a proposta de utilizar o filme “Cisne Negro” do diretor Darren<br />

Aranofsky (2010), como meio de exemplificar a teoria psicanalítica de Lacan, através<br />

de algumas possíveis associações.<br />

É importante ressaltar que não houve a pretensão de interpretar o filme em<br />

sua plenitude a partir do referencial abordado, ao contrário, utiliza-se recortes do<br />

filme para ilustrar a teoria. O filme possibilita várias significações e interpretações,<br />

não havendo aqui o intuito de se reduzir seus diversos sentidos.<br />

Para isso, torna-se necessário realizar um breve percurso pela história do<br />

filme para uma melhor compreensão.<br />

No filme “Cisne Negro”, a personagem principal Nina (Natalie Portman) é uma<br />

bailarina que ganha o papel principal na peça “O Lago dos Cisnes”, é a escolhida<br />

pelo professor Thomas Leroy (Vicent Cassel) para viver os dois papéis, o Cisne<br />

Branco e o Cisne Negro. Nina, é filha única de uma bailarina aposentada que<br />

abandonou a carreira devido à gravidez.<br />

Percebe-se logo no início que a mãe é controladora e deposita na filha seu<br />

desejo, projeta nela a ascensão como bailarina que gostaria de ter vivido. A relação<br />

das duas é de completa simbiose. A figura paterna em nenhum momento é<br />

mencionada.<br />

Observa-se também que Nina tem características infantis, como o quarto todo<br />

rosa, os vários bichos de pelúcia, e sua sexualidade é infantil. A privacidade é algo<br />

que não se nota, pois a mãe a ajuda a se trocar, corta suas unhas e a coloca para<br />

dormir como um bebê.<br />

2


Diante do Cisne Branco (superego) e do Cisne Negro (Id), percebe-se a cisão<br />

da personalidade de Nina, ela entra em contato com o seu lado obscuro, mas sente-<br />

se culpada ao se lembrar da mãe e resiste a mergulhar nesse outro mundo<br />

desconhecido.<br />

Nina passa a ter duas personalidades, o Cisne Branco e o Cisne Negro. O<br />

ego de Nina é fragilizado, portanto, não consegue lidar com essas duas identidades.<br />

Dessa forma, a presente pesquisa busca compreender o processo de<br />

estruturação psíquica da psicose a partir do referencial teórico de Jacques Lacan,<br />

proporcionando assim, articulações possíveis entre a concepção estrutural da<br />

psicose na psicanálise relacionando-as a alguns aspectos do filme “Cisne Negro”.<br />

No intuito de se entender como a falta do significante Nome-do-Pai pode<br />

comprometer a constituição psíquica do sujeito, a presente pesquisa se faz<br />

necessária na medida em que proporciona o aprimoramento de conhecimentos, indo<br />

além das informações adquiridas em sala de aula. A pesquisa de iniciação científica<br />

é um dos instrumentos necessários para a formação de todo estudante.<br />

Essa pesquisa é baseada em uma metodologia qualitativa de cunho teórico-<br />

reflexivo a partir do referencial da Psicanálise. O desenvolvimento da mesma então<br />

se dá a partir de leituras temáticas com possíveis associações com o filme “Cisne<br />

Negro”.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

1. O ESTÁDIO DO ESPELHO E O COMPLEXO DE ÉDIPO.<br />

A criança ao nascer começa a estabelecer uma relação consigo e com o meio<br />

externo. Nos primeiros meses de vida esse meio se restringe ao contato com a mãe<br />

ou a quem ocupe o seu lugar e função, uma vez que neste momento inicial<br />

predomina-se uma indiferenciação psíquica entre a criança e a própria mãe.<br />

O estádio do espelho conceito introduzido por Lacan (1949 [1998]), nos indica<br />

esta fase como pré-formação do eu, antecedente ao complexo de Édipo e ocorrendo<br />

entre os seis e dezoito meses de idade. De acordo com Lacan (1949 [1998]), o<br />

estádio do espelho tem como função estabelecer uma relação entre o organismo e a<br />

realidade que o cerca.<br />

3


Segundo Dor (1989), é nessa fase que a criança vivencia a experiência de<br />

uma identificação fundamental, em que se vê diante da própria imagem corporal.<br />

Antes do seis meses a criança vivencia seu corpo não em sua totalidade, mas em<br />

partes, em uma coisa dispersa. “A identificação primordial da criança com esta<br />

imagem irá promover a estruturação do “Eu”, terminando com essa vivência psíquica<br />

singular que Lacan designa como fantasma do corpo esfacelado”. (DOR, 1989,<br />

p.79).<br />

O estádio do espelho é um drama cujo alcance interno se precipita de<br />

insuficiência para a antecipação, e que, para o sujeito, tomando no equivoco<br />

da identificação espacial, urde os fantasmas que se sucedem de uma<br />

imagem esfacelada do corpo para uma forma que chamaremos ortopédica<br />

de sua totalidade. (Lacan, [1949]1998, p.100).<br />

De acordo com Sales (2005), a angústia do “corpo despedaçado” dá vazão à<br />

identificação com a imagem integrada do próprio corpo, sendo que a criança até<br />

então não se via diante de uma unidade corporal, contudo, a partir dessa<br />

identificação com a imagem especular a criança passa a perceber a existência de<br />

uma unidade corporal.<br />

Resumidamente, o estádio do espelho se organiza em três tempos. O<br />

primeiro tempo, a criança vivencia certa confusão entre si e o outro, não consegue<br />

ainda distinguir a imagem de seu corpo do outro, e vivencia de forma real essa<br />

imagem. O segundo tempo é o momento da identificação, em que a criança<br />

consegue distinguir a imagem do outro da realidade do outro, percebe que a imagem<br />

não é real. Já o terceiro tempo, a criança consegue se re-conhecer na imagem,<br />

possibilitando saber que a imagem é só uma imagem e que é a imagem do próprio<br />

corpo, ou seja, vivencia um reconhecimento imaginário (DOR, 1989).<br />

Durante todo o filme, um objeto que se faz presente é a utilização de<br />

espelhos, que nos remete a teoria lacaniana do estádio do espelho. Nina diante da<br />

própria imagem se confronta também com a imagem do outro. A alucinação de Nina<br />

nos possibilita pensar que possivelmente ela não tinha esse reconhecimento. O<br />

outro no espelho não era ela, vivenciava uma confusão entre o eu e o Outro, esse<br />

podendo ser ao mesmo tempo seu rival e seu igual.<br />

Enquanto a linguagem não é introduzida no universo psíquico da criança tudo<br />

gira em torno da mãe, pois as coisas ainda não podem ser nomeadas e a criança<br />

percebe as diferenças, mas ainda não consegue distinguir os objetos.<br />

4


Após o estádio do espelho, a criança vivencia a passagem pelo complexo de<br />

Édipo, que segundo Sales (2008) é à entrada do sujeito na linguagem. A criança<br />

ainda está em uma relação dual e fusional com a mãe, em que se faz ser seu objeto<br />

faltante.<br />

Esta relação fusional é suscitada pela posição particular que a criança<br />

mantém junto à mãe, buscando identificar-se com o que supõe ser o objeto<br />

de seu desejo. Esta identificação, pela qual o desejo da criança se faz<br />

desejo do desejo da mãe, é amplamente facilitada, e até induzida, pela<br />

relação de imediação da criança com a mãe, a começar pelos primeiros<br />

cuidados e a satisfação das necessidades. (DOR, 1989, p. 81).<br />

A criança supõe faltar algo a mãe, então tenta ela mesma se fazer esse<br />

objeto faltante desejado pela mãe, o falo. Segundo Dor (1989), para Lacan enquanto<br />

o falo se fizer desejo da mãe sua relação com ele é necessária. A criança estará<br />

nessa relação fusional com a mãe enquanto não existir um elemento terceiro para<br />

interditar essa identificação fálica da criança com sua progenitora.<br />

A criança sente o complexo de Édipo como um afastamento de sua<br />

progenitora, como aponta Almeida (2010) como um afastamento de seu objeto de<br />

desejo, a mãe sente esse afastamento como uma privação de seu objeto fálico.<br />

A criança aqui se faz objeto fálico que pudesse preencher a Falta da mãe e<br />

assim vive imaginariamente uma relação de que um completa o outro.<br />

“Por mais que a instância mediadora (o Pai) seja aqui considerada estranha à<br />

relação mãe-criança, é a própria dimensão da identificação fálica da criança nessa<br />

relação que a pressupõe”. (DOR, 1989, p.81).<br />

Essa identificação fálica como aponta Dor (1989) é uma tentativa de evitação<br />

da castração. Enquanto a criança se identificar com o objeto fálico ela impede no<br />

imaginário de ser castrada, vivenciando dessa forma a dimensão subjetiva da<br />

dialética do ser ou não ser o falo.<br />

O ponto de origem da oscilação induzida na criança nesta dialética do ser,<br />

sob a dupla relação da frustração e da privação, deve-se,<br />

fundamentalmente, ao fato do pai aparecer aqui enquanto “outro” nesta<br />

relação mãe-criança. E é como tal que ele surge na vida subjetiva da<br />

criança, logo, como um objeto fálico possível com o qual a criança pode<br />

supor rivalizar junto à mãe. (DOR, 1989, p.85).<br />

Quando a figura paterna é introduzida no imaginário da criança e é investida<br />

de atributos fálicos, ganha aqui uma nova significação, como aquele que<br />

5


supostamente tem o objeto fálico desejado pela mãe. Aquele que possibilita a<br />

simbolização da lei, momento em que a criança encontra a lei do pai, sendo levada a<br />

confrontação com a castração, através dessa mediação na relação dual mãe-<br />

criança, ele ascende na posição de pai simbólico. (Dor, 1989). O sujeito então “[...] o<br />

reconhece como ditando-lhe a lei” (Dor, 1989, p.87).<br />

“O pai, ou o seu nome, libera a criança da relação de aprisionamento com a<br />

mãe” (FERRETTI, 2004, p.133). No caso do filme em questão podemos perceber<br />

que o significante Nome-do-Pai não está presente no enredo da trama, logo a<br />

relação simbiótica entre mãe e filha remete ao primeiro tempo do Édipo em que a<br />

relação fica entre mãe-filho/falo.<br />

Sales (2008) faz referência ao jogo do fort-da em que a mãe direciona sua<br />

atenção a algum outro objeto que não a criança, fazendo-se assim<br />

ausente/presente, elucidando que o desejo do outro (a mãe) é o desejo do Outro (o<br />

falo).<br />

A criança dessa forma, simbolicamente vivencia o abandono da mãe, em que<br />

através do afastamento e da aproximação pelo brincar, metaforicamente, a coloca<br />

no lugar do carretel, o que para Lacan seria uma substituição significante. (DOR,<br />

1989).<br />

O olhar da mãe para longe da criança, possibilita que esta não fique presa ao<br />

imaginário gerando fantasias que a possa deixar na posição de objeto fálico à mãe.<br />

(Sales, 2008).<br />

Com a personagem Nina pode-se verificar que a mãe se dedicava<br />

inteiramente a filha, estando sempre perto e a ajudando a realizar as coisas mais<br />

triviais, como se trocar, cortar as unhas, se alimentar. Assim Nina possivelmente se<br />

colocava na posição desse objeto faltante à mãe e esta se apresentava com um<br />

desejo frio, não transmitindo afeto à filha como se ela fosse meramente um objeto de<br />

sua satisfação.<br />

Quando o falo assume sua posição e seu lugar correto, e denota que o Pai,<br />

aquele que o possui, tem preferência junto à mãe, estabelece assim, o processo da<br />

metáfora paterna e com ele o recalque originário.<br />

O recalque originário aparece como processo fundamentalmente<br />

estruturante e que consiste numa metaforização. Esta metaforização não é<br />

outra senão o ato mesmo da simbolização primordial da Lei, que se efetua<br />

6


na substituição do significante fálico pelo significante Nome-do-Pai. (DOR,<br />

1989, p.90).<br />

A castração para Lacan é realizada através do rompimento da relação dual<br />

com a mãe, exercida através do signo lingüístico, efetuada pela palavra. A metáfora<br />

paterna, a Lei do pai, realiza um corte simbólico nessa relação.<br />

Entretanto, na formação das psicoses, não há a interdição do pai, no<br />

complexo de Édipo.<br />

1.1 A Foraclusão do Nome-do-Pai<br />

A psicose regride e está fixada na fase do corte, a criança continua numa<br />

posição fusional com a mãe, fazendo-se dela o significante desejado por ela, ou<br />

seja, o falo, possibilitando assim, a não inscrição da castração simbólica. (ALMEIDA,<br />

2010).<br />

Essa relação fusional está explícita na relação de Nina com sua mãe, na qual<br />

a relação aparentemente de acordo com os fragmentos do filme é de completa<br />

simbiose.<br />

A posição do pai no Édipo é essencial, e a ausência não do pai real, mas do<br />

pai simbólico, o pai no discurso da mãe, impossibilita a simbolização da lei que<br />

estabeleceria a castração simbólica. (DOR, 1989).<br />

Mas, o ponto em que queremos insistir é que não é unicamente da maneira<br />

como a mãe se arranja com a pessoa do pai que convém nos ocuparmos,<br />

mas da importância que ela dá à palavra dele – digamos com clareza, a sua<br />

autoridade –, ou, em outras palavras, do lugar que ela reserva ao Nome-do-<br />

Pai a promoção da lei. (LACAN, [1949] 1998, p.585).<br />

A mãe deve reservar um lugar ao Nome-do-Pai que possa interditar essa<br />

relação, e “não é apenas o pai que pode funcionar como organizador, corte, princípio<br />

de resposta; uma palavra dita pode ter um efeito de Nome-do-Pai e dita por alguém,<br />

que não seja o pai” (FERRETTI, 2004, p.131).<br />

Quando não há a instituição do Nome-do-Pai para a criança, de acordo com<br />

Lacet (2004), o mecanismo do recalque originário não acontece, havendo assim,<br />

uma falha simbólica estrutural, em que o sujeito passa a rejeitar o significante Nome-<br />

do-Pai, que não se inscreve como falta simbólica no Outro.<br />

7


É num acidente desse registro e do que nele se realiza, a saber, na<br />

foraclusão no Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora<br />

paterna, que apontamos a falha que confere à psicose sua condição<br />

essencial, com a estrutura que a separa da neurose. (LACAN, [1949] 1998,<br />

p.582).<br />

Com essa rejeição do significante Nome-do-Pai, a função paterna não realiza<br />

sua função, a de substituir o significante materno e com isso possibilitar o acesso ao<br />

simbólico. Destarte, a articulação da cadeia significante sofre com a falta do<br />

simbólico, pois um significante sempre remete a outro significante.<br />

Em outras palavras, a forclusão do Nome-do-Pai, que neutraliza o advento<br />

do recalque originário, provoca ao mesmo tempo o fracasso da metáfora<br />

paterna, e compromete gravemente para a criança o acesso ao simbólico,<br />

barrando-lhe mesmo esta possibilidade. O advento de uma promoção<br />

estrutural no registro do desejo é, do mesmo modo, suspenso, afundando<br />

em uma organização arcaica onde a criança permanece cativa da relação<br />

dual imaginária com a mãe. (DOR, 1989, p.98).<br />

O sujeito fica fixado como objeto faltante à mãe, devido não ocorrer o corte<br />

nessa relação pela instituição da metáfora paterna, dessa forma, não há significação<br />

fálica, “a significação do falo, dissemos, deve ser evocada no imaginário do sujeito<br />

pela metáfora paterna” (LACAN, 1998, p.563).<br />

Essa criança não busca o gozo no objeto, visto que subentende que ela<br />

própria não está ligada ao falo. O seu gozo é caracterizado a um Outro que dele<br />

goza, como no clássico exemplo de Schereber, o qual se percebia como objeto de<br />

gozo de Deus. Deus o amava por isso em seu delírio se via como sendo “Mulher de<br />

Deus” (FREUD, 1915). Ele seria a cópula na qual Deus faria nele um filho, este<br />

mudaria o mundo. E assim criaria uma nova descendência.<br />

Esse exemplo foi analisado por Freud e caracterizado como sendo um caso<br />

de paranoia, pois o paranoico ocupa o lugar de objeto do gozo do Outro. É em torno<br />

do Outro que se organiza toda a existência do sujeito. Assim pode-se dizer que a<br />

paranoia está do lado do estádio do espelho, segundo Quinet (2009).<br />

Outro aspecto da paranóia sendo uma das derivações da psicose é a<br />

suplência da metáfora paterna, operação que não se realizou, e corresponde a uma<br />

transladação do gozo do corpo (esquizofrenia), para um gozo localizado num Outro<br />

subjetivado, em alteridade em relação ao próprio sujeito.<br />

“Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai,<br />

verworfen, foracluído, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em<br />

8


oposição simbólica ao sujeito”. (LACAN, 1998, p.584). A falta desse significante abre<br />

um furo no significado que dá margem a modificação do significante que só se<br />

estabelecerá na metáfora delirante.<br />

Assim, o psicótico se depara com um discurso sem um norte, em que há<br />

possibilidade de várias significações, mas que não o é suficiente, pois, ao mesmo<br />

tempo, não lhe diz nada, visto que, não foi antes simbolizada. Os significantes<br />

circulam fora da cadeia significante, por não ter o psicótico acesso ao simbólico.<br />

(LACET, 2004).<br />

Para Lacet (2004), o psicótico não suporta o fato dos significantes não lhe<br />

darem um sentido, sendo assim, faz uso deste e da linguagem para tentar enganar<br />

as leis do símbolo, que irá organizar o texto delirante. A falta do significante que<br />

torna possível a significação é vivenciada pelo psicótico como uma angústia que só<br />

diminui com o delírio.<br />

No filme que utilizamos como objeto de nossa reflexão podemos perceber que<br />

a personagem principal, Nina, transfere e projeta a todo o momento a raiva que<br />

sente pela mãe na colega Lily, e também vivencia o delírio de que a colega está<br />

perseguindo-a, o que nos faz lembrar o controle exercido pela própria mãe sobre<br />

ela. Esse não reconhecimento nos faz pensar no desejo de Nina de ser como a<br />

colega (representante do Cisne Negro para ela), que ela resistia a viver.<br />

Para Lacan, assim como para Freud, as alucinações e os delírios seriam uma<br />

tentativa (imaginária) de re-construção do mundo externo e interno. Assim, aquilo<br />

que foi rejeitado no interior agora retorna no exterior, ou o que foi rejeitado no<br />

simbólico retorna efetivamente no real.<br />

Devido à forclusão o sujeito não tem acesso às leis de simbolização, dessa<br />

forma, elas não operam na psicose, sendo elas: Verdichtung (condensação);<br />

Verdrangung (deslocamento); Verneinung (negação) (LANCET, 2004), “é a forclusão<br />

(Verwerfung) primordial que domina tudo por seu problema” (LACAN, 1998, p.587).<br />

Lacan cita a figura do prof. Flechsig, do caso Schreber, que nos mostra que<br />

mesmo que posteriormente um terceiro elemento intervenha não será capaz de<br />

“preencher o vazio subitamente vislumbrado da Verwefung inaugural” (LACAN,<br />

1998, p.588).<br />

No filme esse terceiro elemento poderia ser representado pela figura do<br />

professor Thomas Leroy (Vicent Cassel) suposto interditor da relação dual com sua<br />

mãe. No entanto, essa interdição não resolveria a foraclusão do Nome-do-Pai, no<br />

9


simbólico de Nina, dado que a forclusão do Nome-do-Pai resulta na não ocorrência<br />

do recalque originário.<br />

Diante do conflito vivido pela personagem em ser O Cisne Branco (Superego)<br />

e o Cisne Negro (Id), identidades completamente opostas, percebe-se que a partir<br />

do momento em que se vê na posição de dar vida ao Cisne Negro, Nina se depara<br />

com um lado que exige dela entrar em contato com a agressividade e a sexualidade,<br />

que sua mãe controladora não permitia, pois a tratava como uma criança inocente e<br />

ingênua.<br />

Dessa forma, observa-se que o mundo interno (Id) de Nina a invadia de tal<br />

forma que a perturbava em muitos momentos no filme, estabelecendo assim uma<br />

relação diferente com o mundo.<br />

A partir desse momento em que o Cisne Negro passa a fazer parte de sua<br />

vida, as automutilações de Nina presente em todo o filme aumentam<br />

consideravelmente. Segundo Almeida (2010), as automutilações são como uma<br />

castração no real, já que a castração simbólica não ocorreu, o que possibilita pensar<br />

que, inconscientemente seria uma forma de se distanciar da mãe.<br />

Como o psicótico não tem acesso ao plano simbólico, observa-se que no final<br />

do filme, no último ato da peça em que o Cisne Branco deve morrer quem na<br />

realidade morre é a própria Nina, ela leva ao pé da letra a cena, não consegue<br />

simbolizá-la, sendo assim, se suicida. Ela vai da Cena (representação psíquica) à<br />

passagem ao Ato (acting out).<br />

CONSIDERAÇÕES FI<strong>NA</strong>IS<br />

Ao que concerne a pesquisa, a foraclusão do Nome-do-Pai é o que<br />

caracteriza a constituição da psicose, a rejeição primordial do significante<br />

fundamental para fora do campo do simbólico, e que a posteriori retorna no seio do<br />

real na forma de alucinações e delírios.<br />

O significante Nome-do-Pai é então excluído, pois não houve a substituição<br />

significante, o que deveria ser simbolizado não ocorreu. Mesmo que haja um terceiro<br />

elemento que possa interditar essa relação dual entre o sujeito e a mãe, isso não<br />

garante a resolução deste conflito.<br />

No filme “Cisne Negro” pode-se observar a partir de alguns fragmentos que<br />

não houve intervenção de um terceiro elemento na relação entre mãe e filha, a<br />

10


instância paterna (metáfora do pai) não aparece, o que caracteriza a estrutura<br />

psicótica da personagem. O Nome-do-Pai tem como função ser um ponto-de-basta<br />

nesta relação. Nina faz-se objeto de desejo da mãe e busca realizar os sonhos<br />

desta, esquecendo-se de si própria. Assim, ela é psiquicamente assujeitada à mãe.<br />

Desse modo, não se chega a estabelecer a estruturação do sujeito, pois, o pai<br />

não intervém para assegurar à criança a função simbólica paterna, dando-lhe um<br />

nome e por fim garantido sua identidade.<br />

Assim, com o fracasso da metáfora paterna o psicótico é barrado de entrar na<br />

ordem simbólica, e é com a intervenção do Nome-do-Pai no Outro que a lei é<br />

instituída, entretanto, para ele esse é o ponto que jamais chegará: a Lei e a<br />

instauração da ordem simbólica.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, S. S. L. Automutilação e corpo na psicose. UFSC. Cadernos Bras. de<br />

Saúde Mental, v. 2, n. 3. Santa Catarina. 2010. Disponível em <<br />

http://periodicos.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1079>. Acesso em<br />

13. ago. 2012.<br />

DOR, J. Introdução à leitura de Lacan: O inconsciente estruturado como<br />

linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1989.<br />

FERRETTI, M. C. G. A criança é o pai do homem in O infantil: Lacan e a<br />

modernidade. Rio de Janeiro: Vozes. 2004. p.127-137.<br />

FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de<br />

paranóia in O caso Schereber, artigos sobre técnicas e outros trabalhos, 1911-<br />

1913. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.15-89. (Edição Standard Brasileira das Obras<br />

Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. XII).<br />

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