Novembro 2007 - Edição 284 - Cave
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10 ducave<br />
A história feita pelos vitoriosos nem<br />
sempre demonstra a realidade pois, na maioria<br />
das vezes, é baseada em apenas um<br />
lado o qual produz uma versão que aparece<br />
como verdade absoluta.<br />
O Brasil do pós-64<br />
demonstrou bem essa<br />
realidade. As forças que<br />
assumiram o poder controlaram<br />
os órgãos de<br />
informação e a mídia,<br />
reprimindo quem tivesse<br />
opinião contrária.<br />
Muitas vozes foram silenciadas,<br />
outras tiveram<br />
que se manifestar<br />
de longe, esperando<br />
muitos anos para voltarem<br />
e, assim, colocarem<br />
as suas versões dos fatos.<br />
Entre todos aqueles<br />
que foram perseguidos<br />
pela ditadura , um homem<br />
não pode voltar e<br />
ocupar o seu espaço que lhe foi tomado à<br />
força, num momento em que o país vivia<br />
a oportunidade de mudar. A política havia<br />
saído da exclusividade do parlamento e ganhado<br />
as ruas e, no dizer de Caio Navarro<br />
Toledo, “invadia as fábricas, o campo e os<br />
quartéis. Para os conservadores era tempo<br />
de subversão e caos social. Para outros,<br />
foi um tempo mais criativo e mais<br />
inteligente para o país”. Na condução do<br />
processo encontrava-se João Belchior<br />
Marques Goulart, vice de Jânio, que em<br />
viagem à China comunista foi pego de surpresa<br />
com a renúncia, e com o veto dos<br />
ministros militares à sua posse. Começava<br />
aí o calvário do estancieiro que chegara<br />
ao poder pela força do voto, ministro<br />
da fazenda de Getúlio Vargas, que havia<br />
concedido 100% de aumento no salário<br />
mínimo, e puxado para si todo o ódio dos<br />
setores conservadores e dos militares que<br />
o colocavam como comunista , ou de querer<br />
um golpe para implantar uma República<br />
Sindical nos moldes de Perón. Não<br />
chegaria ao fim do seu governo, derrotado<br />
pelas forças conservadoras e pelo capital<br />
externo, em nome da defesa da Constituição,<br />
da democracia. Na verdade, o que<br />
aconteceu foi uma agressão ao povo brasileiro,<br />
a crescente mobilização popular,<br />
e a democracia que tanto juravam defender.<br />
Mas quem foi Jango?<br />
Gaúcho de São Borja, não teve atuação<br />
política no tempo estudantil, e depois<br />
de concluído o curso de Direito foi cuidar<br />
dos negócios da família. Obteve sucesso<br />
como pecuarista e já tinha convívio<br />
com a família Vargas, o que só fez estreitar<br />
a relação com o líder gaúcho durante<br />
o seu exílio. Por recomendação de Var-<br />
Jango: Um presidente do Brasil !<br />
gas, ingressa no PTB, tornando-se articulador<br />
político, participando da campanha<br />
para presidente em 1950. Torna-se presidente<br />
do PTB e logo depois é eleito deputado<br />
federal. É nesse<br />
período que assume o<br />
papel de articulador político<br />
de Vargas, principalmente<br />
com relação<br />
aos trabalhadores, onde<br />
sobressai o seu carisma.<br />
Em 1953, assumiu o<br />
Ministério do Trabalho,<br />
na qual concedeu o aumento<br />
do salário mínimo<br />
que tanto estardalhaço<br />
causou, sendo acusado<br />
de chefiar os comunistas,<br />
entre outras alucinadas<br />
mentiras. Acabou<br />
afastado, retornando<br />
à câmara e às articulações<br />
políticas. Foi vicepresidente<br />
duas vezes,<br />
na chapa com Juscelino, e depois com Jânio.<br />
Como se vê não era um despreparado<br />
como acusavam os seus detratores. O que<br />
pesava era o ódio da UDN, dos setores<br />
conservadores e dos militares ao passado<br />
varguista que teimava em voltar na figura<br />
de Jango. Assumiu o país em meio à onda<br />
golpista, evitou o confronto e preferiu a<br />
conciliação aceitando a solução parlamentarista,<br />
para depois receber do povo o sim<br />
na volta ao presidencialismo e na restauração<br />
dos seus poderes como presidente<br />
da República.<br />
Enfrentou forte oposição, principalmente<br />
daqueles que visavam unicamente<br />
o poder, a cadeira de presidente, como<br />
Carlos Lacerda, Ademar de Barros , e até<br />
Juscelino Kubitschek que pensava em voltar<br />
ao cargo maior da nação. As acusações<br />
sobre Jango são variadas; para a direita era<br />
radical, comunista, para a esquerda, moderado<br />
demais, vacilante, para muitos estudiosos,<br />
abandonou o país e correu para<br />
o exílio, além de algumas idéias sobre um<br />
suposto golpe para fortalecer o seu poder.<br />
Nos dizeres de Raul Riff 1 “o governo<br />
Goulart teve virtudes que o arrastaram à<br />
queda, por intoleráveis aos olhos daqueles<br />
que não toleram ver o Brasil crescer e<br />
prosperar com independência”, ou, nas palavras<br />
de Darcy Ribeiro 2 , o golpe foi dado<br />
contra os acertos e não contra os erros”.<br />
Passado tanto tempo, dá para avaliar as<br />
virtudes e os erros, como diz João Pinheiro<br />
Neto 3 “a estratégia do governo estava<br />
certa. Sem a reformulação social, sem a<br />
liquidação de velhas estruturas, iríamos<br />
para o aviltamento econômico, para a destruição<br />
da classe média e a condenação<br />
definitiva à miséria das grandes massas<br />
tangidas pelo abandono e que hoje mais<br />
do que nunca procuram as luzes enganadoras<br />
das grandes cidades. Mas, se a estratégia<br />
era correta , o mesmo não se pode<br />
dizer da tática. Analisado agora, é fácil<br />
concluir que o Governo de João Goulart<br />
comprou briga demais, com gente forte<br />
demais. Como poderia ao mesmo tempo,<br />
ameaçar o latifúndio, acabar com o privilégio<br />
das refinarias particulares, ameaçar<br />
com a regulação da remessa de lucros para<br />
o exterior, acenar com a reforma urbana e<br />
discutir a nacionalização do sistema bancário,<br />
como poderia tudo isto ser feito ao<br />
mesmo tempo e em tão curto espaço de<br />
tempo?”<br />
O texto procurou mostrar um pouco<br />
de João Goulart, tão pouco discutido nos<br />
livros didáticos, quase nunca em provas de<br />
vestibulares, e quando apresentado, um<br />
presidente fraco, despreparado, sem visão.<br />
Em meio à turbulência que marcou a<br />
sua derradeira participação política, tomou<br />
as decisões que achava melhor, acertou<br />
e errou como qualquer ser humano,<br />
buscou a reforma agrária (era estancieiro),<br />
incomodou as elites, da qual fazia parte,<br />
e foi por isso tratado como traidor,<br />
buscou ampliar o acesso à universidade,<br />
direito de voto aos analfabetos e, por ter<br />
um passado ligado ao trabalhismo e a Vargas,<br />
foi abominado pelos conservadores.<br />
Não dá para dizer se as reformas de base<br />
seriam implementadas num país resistente<br />
a mudanças, se seria apenas uma jogada<br />
de poder, difícil dizer. Mas, se só as idéias<br />
já incomodaram, imagine a prática. É<br />
preciso sim resgatar a imagem de Jango,<br />
um presidente do Brasil, que foi brutalmente<br />
afastado do poder em nome de uma<br />
democracia que seria cerceada de 64 a 85,<br />
e que hoje convive com o pior dos congressos,<br />
que se proclama o defensor da<br />
sociedade brasileira. Denise Goulart, filha<br />
de Jango, afirma: “No caso do meu pai,<br />
a situação é dramática porque não teve a<br />
oportunidade que outros alcançaram - a de<br />
retomar seu espaço político, que lhe foi<br />
violentamente tomado. Vejo muitas rasuras<br />
em sua biografia feitas, seguramente,<br />
pelos seus adversários políticos, e considero<br />
um dever o de restabelecer para a história<br />
toda a verdade.” Termino o texto<br />
com essas palavras diante do agora, só resta<br />
dizer, ACORDA BRASIL !!!<br />
Luis Carlos Vianelli<br />
1 Raul Riff - Secretário de imprensa da Presidência<br />
da república de João Goulart<br />
2 Darcy Ribeiro - grande intelectual do nosso país,<br />
chefe da casa Civil do Governo João Goulart, um<br />
dos criadores da UNB<br />
3 João Pinheiro Netto - escritor, Ministro da<br />
Previdência do Governo João Goulart, Presidente<br />
da SUPRA (Superintendência da Reforma Agrária)