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32 Jornal de Leiria 24 de Janeiro de 2013 Viver Aero Clube de Leiria voa para Pombal 3 de Janeiro de 1938 Da vontade de um punhado de sonhadores se fez um dos mais reputados aeroclubes do País. Mas ao cabo de 75 anos de tradição no concelho que o viu crescer, é quase certo que o Aero Clube de Leiria se mudará para Pombal Daniela Franco Sousa daniela.sousa@jornaldeleiria.pt ❚ A génese do Aero Clube de Leiria deve-se ao sonho de um empresário da cidade, José Dias Sequeira Pereira, conhecido por “Zé dos Aviões”, que, apoiado por conjunto de notáveis do seu tempo, havia de fundar a instituição. Mas ao fim de 75 anos de actividade no concelho que o viu crescer, é já quase certo que o Aero Clube de Leiria se vai mudar para Pombal. Este é um dos clubes mais antigos do género em Portugal e também um dos primeiros a possuir escola para pilotos, salienta Afonso Dinis, actual presidente do Aero Clube de Leiria. Consta que foi nesta escola que a primeira mulher portuguesa tirou brevet, assim como terá sido também nesta escola que o primeiro padre aprendeu a pilotar. No entanto, e apesar dos motivos de orgulho que tem dado a Leiria, o clube “vive da carolice de alguns associados”. Ao contrário de outros aeródromos, que pertencem às autarquias, neste caso, e apesar de receber tantos portugueses e estrangeiros, que descobrem o concelho por esta via, o aeródromo é mantido pelo clube, que paga renda mensal ao dono da propriedade. “São particulares os responsáveis pelo espaço aeronáutico do distrito”, nota o presidente do Aero Clube, para quem a situação não é comportável. A Câmara de Leiria tem mostrado interesse em ajudar e, em conjunto com o Aero Clube, desenvolveu um projecto para um novo aeródromo. Sucede que um projecto desta natureza exige um terreno de dimensão considerável, que a autarquia não dispõe. Por isso, “estamos a equacionar a hipótese de mudar as instalações para o aeródromo de Pombal. Têm uma pista excelente e bem localizada. A câmara está receptiva e está a proceder à legalização da infraestrutura como espaço aeronáutico. Quando esse passo for dado, equacionamos seriamente a questão. Pode ser para breve”, assegura Afonso Dinis. Reconhecido por todo o País O Aero Clube de Leiria reúne hoje três componentes distintas: aeronáutica; formação, com duas escolas certificadas, para pilotos de aeronaves ligeiras e de avião; e aeromodelismo. No total, o clube conta com cerca de 300 associados, cerca de 80 pilotos, 35 dos quais com actividade regular. Tem três aviões. Ao longo da sua história, o clube tem sido procurado por alunos e pilotos de todo o País. Apesar do aeródromo ter a particularidade de ser atravessado por uma estrada, e as condições atmosféricas da região dificultarem as fases mais críticas do voo, descolagem e aterragem, certo é que muitos pilotos en- A preparação técnica dos pilotos, aliada ao seu sentido de responsabilidade, faz com que, em 75 anos de aviação, a escola não tenha registo de acidentes mortais cartados vêm fazer horas de voo a Leiria, e são também muitos os que preferem tirar licença de pilotagem nesta instituição, pelo simples facto de, uma vez preparados para pilotar em Leiria, sentem-se preparados para pilotar em qualquer ponto do País. “Somos alcunhados de Navy”, porque aqui as condições de facto são mais complicadas, salienta o presidente. A preparação técnica dos pilotos, aliada ao seu sentido de responsabilidade, faz com que, em 75 anos de aviação, a escola não tenha registos de acidentes mortais, nota Afonso Dinis. Foi já no início do século XXI que um incidente numa pista de Viseu fez capotar um avião do Aero Clube. Apenas lata, desdramatiza o presidente. Mais caricata, e embaraçosa, reconhece Afonso Dinis, terá sido uma situação ocorrida num dos primeiros voos, nos anos 30, quando um piloto, tentando exibir-se à população de Coimbra, desceu de tal maneira sobre o aglomerado, que acabou por não conseguir recuperar o voo sem o auxílio de populares. Anedóticos parecem também os números alcançados pelos aviões que participaram numa das primeiras provas aeronáuticas no distrito, em 1940. Médias “astronómicas”, de 90 quilómetros por hora, ou potência de 40 cavalos, fazem sorrir o presidente, ciente de que nenhum avião voa hoje com menos de 100 cavalos. História, tecnologia e lazer são as razões pelas quais tantos associados se apaixonam pela aeronáutica, considera Afonso Dinis. IN ECOS DO SÉCULO XX 1 1 - Amadora, 1936. (da esq. para a dir.) Sequeira Pereira, capitão Tártaro e um familiar do primeiro 2 - No campo onde se encontra a Base Aérea nº5 de Monte Real, em 1938, durante a primeira visita a esta pista dos oficiais Pinheiro Correia, Fernando Tártaro e Norton Brandão 3 - Na Ponte da Pedra, aquando da terceira visita dos oficiais de Tancos, em Outubro de 1937. Sequeira Pereira é o primeiro (sentado) a contar da direita 4 - Lezíria do Pastel, Barreiros, 1936 5 - Espectáculo de aeronáutica reuniu apreciadores no aeródromo do clube, em 2010
Do primeiro voo nos Barreiros, até à Gândara dos Olivais ❚ Terá sido em 1936, em casa de um familiar, que José Dias Sequeira Pereira, conhecido por “Zé dos Aviões”, travou conhecimentos com o então capitão aviador Fernando Carvalho Tártaro, que o convidou para ir à Amadora dar uma volta de avião. Entusiasmado com o baptismo de voo, José Pereira terá pedido de imediato ao capitão que se deslocasse a Leiria para analisar a possibilidade de ali criar um campo de aviação. Depois de examinarem os Campos do Lis, encontraram um terreno na zona dos Barreiros, denominado Lezíria do Pastel, pertencente ao Dr. Verde, que acedeu ao pedido dos entusiastas. Ao sonho do “Zé dos Aviões” juntaram-se outros apaixonados, como Luís de Melo, Carlos Silva, Guerra Rodrigues, Alves Mendes, Vasco Rito, Wellemkamp, Rogério Travassos, Engenheiro Manso, Camilo Korrodi, José Carlos Santos, Francisco Pereira, Rocha Ourives e Etelvino Gaspar. Se para estes notáveis, trazer aviões para Leiria era uma certeza, aos olhos da maior parte da população, que nunca vira uma aeronave, tal projecto não passava de uma utopia, à volta da qual se contavam anedotas nos cafés. Mas nesse mesmo ano, e para espanto de muitos, o Vickers, da Amadora, fez a primeira aterragem na Lezíria do Pastel, nos Barreiros, tripulado pelo capitão Tártaro. E foi também em 1936, que dois aviões apareceram nos céus de Leiria, em direcção aos Barreiros. Relatam os Ecos do Século XX, que a passagem das aeronaves gerou uma corrida rumo ao campo de aviação. Chegados ao campo, os entusiastas receberam dois Moranes, de Tancos, tripulados pelos pilotos Rodrigues Costa e Costa Franco, trazendo como passageiros o coronel Mário Batalha, natural de Leiria, cuja família residia na Rua Comandante João Belo e o 1º Sargento Ribeiro. A partir daí, o campo começaria a ser visitado por aviões de Amadora e Alverca. Já no fim de 1936, quando o Dr. Verde mandou lavrar o campo, foi preciso descobrir uma nova pista, noutro local, tarefa que contou com a ajuda de oficiais de Tancos, que vieram analisar a região. Todas as reuniões decorriam na tipografia de Carlos Silva, que se tornou sede provisória do Aero Clube. O próprio “Zé dos Aviões” recorda, no Ecos do Século XX, o dia em que a boa notícia finalmente chegou. “Em Fevereiro apareceu na minha residência, então o Hotel Central, um homem dizendo-me que na sua terra existia uma grande charneca onde se poderia fazer o campo de aviação. Quando chegámos à Serra de Porto do Urso, deparou-se-nos aquela imensidão! Ficámos loucos de alegria. Tratava-se de um baldio camarário, cheio de mateiros e machureiros. Era ali que seria o nosso Centro de Aviação!” E assim nascia o Aero Clube de Leiria, a 3 de Janeiro de 1938, onde se encontra hoje instalada a Base Aérea nº5 de Monte Real. Ciclone interrompe actividade A 8 de Setembro de 1940, por ocasião das Festas dos “Quando chegámos à Serra de Porto do Urso, deparou-se- -nos aquela imensidão! Ficámos loucos de alegria. Tratava-se de um baldio camarário, cheio de mateiros e machureiros. Era ali que seria o nosso Centro de Aviação!” Jornal de Leiria 24 de Janeiro de 2013 33 IN ECOS DO SÉCULO XX RICARDO GRAÇA 2 IN ECOS DO SÉCULO XX 3 IN ECOS DO SÉCULO XX 4 Centenários, o Aero Clube de Leiria – que dois meses antes apresentara, na exposição de Leiria, um stand com oito secções, relacionadas com a actividade aeronáutica – realizou uma grande festa aérea, de propaganda, patrocinada pelo Diário de Notícias. Esta festa – relatada no livro que assinala 50 Anos de Base Aérea n.º5 de Monte Real – juntou mais de 30 mil pessoas e contou com perto de uma centena de aviões. Mas a presença do Aero Clube de Leiria no campo de Monte Real duraria apenas até 1941, quando um violento ciclone destruiu o hangar e o único avião, pondo fim às suas actividades. Entre os anos 40 e 70, Monte Real centrou-se na utilização militar da pista, sendo que o espaço continuava a ser usado pelos associados do Aero Clube de Leiria, que lá poderiam estacionar os seus aviões. Foi já na década de 70 que José Ferrinho, dono de um terreno na Gândara dos Olivais, implementou a construção de uma pista na sua própria propriedade, que cedeu ao Aero Clube e onde a instituição ainda mantém as suas actividades associativas (com a morte de José Ferrinho, a colectividade passou a pagar renda mensal aos herdeiros pela ocupação do terreno). A imprensa da época faz referência ao primeiro avião do Aero Clube de Leiria, adquirido através de subscrição pública, para a qual contribuíram muitos populares. Corria o ano de 1973, quando a aeronave, comprada por cerca de 600 contos, recebeu por madrinha de baptismo Isabel Damasceno Pereira de Campos, aquela que viria a ser presidente da Câmara de Leiria. Bons ventos ultramarinos Se numa primeira fase o Estado Novo apadrinhou muitas actividades desportivas e criou estruturas para captar o interesse dos jovens – a aeronáutica era uma das actividades promovidas pela Mocidade Portuguesa – depois de meados dos anos 60, e em virtude da Guerra de Ultramar, a maior parte do esforço financeiro do País foi canalizado para as actividades bélicas. A aeronáutica viria também a perder com essa transferência. No entanto, aponta Afonso Dinis, presidente do Aero Clube de Leiria, Marcelo Caetano haveria de imprimir alguma abertura ao regime, promovendo a inauguração de alguns aeródromos. O retorno das famílias de Angola e de Moçambique para a metrópole, assim como de muitos militares, que tinham estado nas colónias e conhecido outras modas e tecnologias – África do Sul era um dos maiores expoentes em matéria de aeronáutica – fizeram com que, na década de 70, com o retorno desses jovem a Portugal, houvesse um boom no número de apaixonados pelos aviões. Leiria não foi excepção, nota o presidente do Aero Clube. A partir dos anos 90, esse boom esmoreceu, fruto do agudizar das dificuldades económicas, entende o Afonso Dinis. 5
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