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Constatamos, portanto, que a ânsia pelo movimento e pela transformação da imagem luminosa é eloqüente nesses espetáculos de lanterna mágica. Contudo, nenhum desses empreendimentos chegou a produzir a ilusão óptica de movimento aparente como viria a conseguir os dispositivos desenvolvidos por pesquisadores do fenômeno da persistência da visão, como Plateau, Faraday, ou Stampfer. Não surpreende, pois, que, em determinado momento, alguns homens tenham resolvido se empenhar em adaptar os novos dispositivos capazes viabilizar o movimento aparente nas imagens técnicas à situação da lanterna mágica. T. W. Naylor aparece nos registros como o primeiro a tentar realizar este desafio, no ano de 1843. 33 Mas a adaptação dos dispositivos fundamentados no fenômeno de persistência da visão ao dispositivo capaz de projetar uma imagem luminosa na tela deparava-se com alguns problemas fundamentais, tais como a perda da luz e de nitidez da imagem. 34 Em 1866, J. S. Beale propõe a solução para esse problema em um novo invento: o choreutoscópio. O recurso utilizado neste aparato para produzir um movimento intermitente nas imagens viria a ser conhecido como Maltese Cross, ou Cruz de Malta. E 33 O pesquisador David Robinson (1996) comenta sobre o dispositivo criado por T. W. Naylor: “ (...) propôs pintar as imagens de um fenacistioscópio em torno do perímetro de um disco de vidro e depois fazê-lo girar entre o condensador e a lente de uma lanterna mágica. Um segundo disco, opaco e com orifícios correspondentes às imagens, giraria à mesma velocidade, sobre o mesmo eixo e no mesmo sentido. [O obturador seria colocado] entre os dois elementos de uma lente composta, no ponto em que os raios luminosos convergiam. Assim, conseguiria fazer passar o feixe através da mais pequena abertura possível, para reduzir ao mínimo os intervalos em que o écran era iluminado.” (ibidem, p. 134 et seq.) A desvantagem desta adaptação encontrava-se na perda de luz que se promovia durante o percurso dela no interior da engrenagem; o que evidentemente prejudicava a qualidade da imagem resultante. Em 1853, Frans von Uchatius apresentou um novo modelo de fenacistioscópio de projeção à Academia de Ciências de Viena que tentava minimizar este problema por meio de um mecanismo que iluminava apenas “um diagrama de cada vez”. Este modelo de Uchatius foi comercializado e provavelmente inspirou um outro modelo, bem mais simples, desenvolvido pelo fabricante de instrumentos ópticos parisiense Jules Dubosq. Além deste, outros ainda foram inventados. 34 Nos dispositivos inventados até então, as imagens se sucediam umas às outras em um movimento contínuo, ininterrupto. Mas quando elas eram projetadas, elas apareciam borradas. Mesmo que a fonte de luz fosse interrompida entre uma imagem e outra, através de uma espécie de obturador que bloqueava a passagem da luz no instante em que uma imagem saía para dar lugar à outra, ainda assim o movimento contínuo das imagens – a passagem de uma imagem a outra, sem que elas se estabilizassem no momento em que eram projetadas na tela – não lhes permitia serem percebidas com nitidez. Para que a imagem surgisse nítida na tela, seria preciso então que ela se estabilizasse por alguns segundos: seria preciso que ela permanecesse parada na tela o suficiente para que fosse percebida pelo sistema visual humano com nitidez. Só depois, então, ela desapareceria, com a interrupção de sua projeção luminosa. O aparato deveria se encarregar de tirar a imagem que já se projetou na tela da frente do obturador e colocar uma outra em se lugar. Por outro lado, para que o observador da imagem projetada pudesse percebê-la em movimento, seria necessário que a passagem de uma imagem a outra fosse rápida o suficiente para que o suposto fenômeno então conhecido como persistência da visão promovesse a “síntese” delas em uma só, agora mutável. Essa passagem de uma imagem à outra, esse movimento efetivo promovido pelo dispositivo, deveria ficar, enfim, escondido dos olhos do apreciador, deveria ser ocultado no funcionamento do dispositivo. 82

ele viria a se tornar um elemento importante no desenvolvimento das câmaras de filmar e dos projetores. A invenção do Teatro Ótico 35 pelo engenheiro Emile Reynaud (1844- 1918) levou, enfim, esses espetáculos visuais ao seu ápice, possibilitando a projeção, entre 1892 e 1900, de imagens luminosas que se ofereciam ao público como pantomimas cômicas ou dramáticas de longa duração e de narrativas complexas. Robinson (1996) nos fala sobre desenhos animados de “cores vivas” que traziam inclusive a possibilidade do acompanhamento musical, promovidas pelas “partituras de piano especialmente composta por Gaston Paulin”. Essas exibições públicas de imagens luminosas imóveis que, ao serem projetadas em uma tela localizada no interior de uma sala escura para um púbico se oferece à sua apreciação, apresentam-se como uma única imagem mutável, prefiguram, portanto, a “situação cinematográfica”, definida por Michotte (1948) como o encontro entre o dispositivo técnico e o espectador, o qual possibilita o surgimento da imagem cinematográfica através daquilo que ele chama de “efeito-tela”. 36 Por outro lado, as condições de apreciação dessas imagens luminosas e mutáveis, caracterizadas sobretudo pela sala escura e pela disponibilidade do público, também se aproximam da descrição sobre a “situação cinematográfica” feita por Barthes (1980), que a define como “pré- hipnótica”. 37 São espetáculos visuais oferecidos ao público como um meio de 35 Este dispositivo é um aperfeiçoamento do fenacistioscópio com alterações importantes. Segundo Robinson (1996), Emile Reynaud pretendia construir um fenacistioscópio para ele, mas, quando procedia à construção do aparelho, em 1873, também percebeu que um dos grandes problemas deste dispositivo encontrava-se na perda de luz que se promovia durante seu funcionamento. Para resolver o problema, entretanto, ele encontrou uma solução que se mostraria muito eficaz: substituir as ranhuras do dispositivo por um polígono de espelhos colocado no centro do tambor. David Robinson nos explica sobre este invento: “Os desenhos pintados na banda, colocada em torno da circunferência interna do cilindro, são assim refletidos nos espelhos, cujas faces, ao passarem rapidamente, apresentam à vista cada imagem sucessiva.” (ibidem, p. 136) Mais tarde, em 1879, ele aperfeiçoou este dispositivo e criou o Praxinoscópio-Teatro: “O Praxinoscópio era agora encastrado numa caixa especialmente concebida para o efeito, e as figuras animadas eram vistas através de vidro, emoldurado num pequeno proscênio. O vidro refletia a imagem de uma cena de palco, de modo que as figuras animadas pareciam estar sobrepostas ao cenário.” (ibidem, p. 137) A associação deste dispositivo à lanterna mágica se dá, enfim, quando lhe surge a idéia de um praxinoscópio de projeção: “Os desenhos, litografados em pequenas placas de vidro unidas por bocados de tecidos, eram colocados num tambor de moldura aberta, em cujo centro se encontrava a coroa de espelhos. O feixe de uma lanterna mágica, especialmente concebida para o efeito, atravessava as imagens translúcidas até os espelhos, a partir dos quais a imagem refletida era direcionada através de uma lente e depois projetada no écran.” (ibidem, 137) Com o aperfeiçoamento do praxinoscópio de projeção, juntando todas as imagens em uma banda contínua e ilimitada, Reynaud finalmente inventa o Teatro Óptico. 36 É, pois, essa necessidade de se instaurar a “situação cinematográfica” como condição essencial para o surgimento da imagem que leva Aumont (1993) a dizer que ela, na verdade, é uma aparição. 37 “Salvo o caso – na verdade cada vez mais freqüente – de uma busca cultural bem precisa (filme escolhido, desejado, procurado,objeto de verdadeiro alerta prévio), vai-se ao cinema a partir de um certo ócio, de uma disponibilidade, de uma desocupação. Tudo se passa com se, antes mesmo de entrar na sala, as condições 83

Constatamos, portanto, que a ânsia pelo movimento e pela transformação da<br />

imagem luminosa é eloqüente nesses espetáculos <strong>de</strong> lanterna mágica. Contudo, nenhum<br />

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viria a conseguir os dispositivos <strong>de</strong>senvolvidos por pesquisadores do fenômeno da<br />

persistência da visão, como Plateau, Faraday, ou Stampfer. Não surpreen<strong>de</strong>, pois, que, em<br />

<strong>de</strong>terminado momento, alguns homens tenham resolvido se empenhar em adaptar os novos<br />

dispositivos capazes viabilizar o movimento aparente nas imagens técnicas à situação da<br />

lanterna mágica. T. W. Naylor aparece nos registros como o primeiro a tentar realizar este<br />

<strong>de</strong>safio, no ano <strong>de</strong> 1843. 33 Mas a adaptação dos dispositivos fundamentados no fenômeno<br />

<strong>de</strong> persistência da visão ao dispositivo capaz <strong>de</strong> projetar uma imagem luminosa na tela<br />

<strong>de</strong>parava-se com alguns problemas fundamentais, tais como a perda da luz e <strong>de</strong> niti<strong>de</strong>z da<br />

imagem. 34 Em 1866, J. S. Beale propõe a solução para esse problema em um novo invento:<br />

o choreutoscópio. O recurso utilizado neste aparato para produzir um movimento<br />

intermitente nas imagens viria a ser conhecido como Maltese Cross, ou Cruz <strong>de</strong> Malta. E<br />

33 O pesquisador David Robinson (1996) comenta sobre o dispositivo criado por T. W. Naylor: “ (...) propôs<br />

pintar as imagens <strong>de</strong> um fenacistioscópio em torno do perímetro <strong>de</strong> um disco <strong>de</strong> vidro e <strong>de</strong>pois fazê-lo girar<br />

entre o con<strong>de</strong>nsador e a lente <strong>de</strong> uma lanterna mágica. Um segundo disco, opaco e com orifícios<br />

correspon<strong>de</strong>ntes às imagens, giraria à mesma velocida<strong>de</strong>, sobre o mesmo eixo e no mesmo sentido. [O<br />

obturador seria colocado] entre os dois elementos <strong>de</strong> uma lente composta, no ponto em que os raios<br />

luminosos convergiam. Assim, conseguiria fazer passar o feixe através da mais pequena abertura possível,<br />

para reduzir ao mínimo os intervalos em que o écran era iluminado.” (ibi<strong>de</strong>m, p. 134 et seq.) A <strong>de</strong>svantagem<br />

<strong>de</strong>sta adaptação encontrava-se na perda <strong>de</strong> luz que se promovia durante o percurso <strong>de</strong>la no interior da<br />

engrenagem; o que evi<strong>de</strong>ntemente prejudicava a qualida<strong>de</strong> da imagem resultante. Em 1853, Frans von<br />

Uchatius apresentou um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> fenacistioscópio <strong>de</strong> projeção à Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ciências <strong>de</strong> Viena que<br />

tentava minimizar este problema por meio <strong>de</strong> um mecanismo que iluminava apenas “um diagrama <strong>de</strong> cada<br />

vez”. Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Uchatius foi comercializado e provavelmente inspirou um outro mo<strong>de</strong>lo, bem mais<br />

simples, <strong>de</strong>senvolvido pelo fabricante <strong>de</strong> instrumentos ópticos parisiense Jules Dubosq. Além <strong>de</strong>ste, outros<br />

ainda foram inventados.<br />

34 Nos dispositivos inventados até então, as imagens se sucediam umas às outras em um movimento contínuo,<br />

ininterrupto. Mas quando elas eram projetadas, elas apareciam borradas. Mesmo que a fonte <strong>de</strong> luz fosse<br />

interrompida entre uma imagem e outra, através <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> obturador que bloqueava a passagem da<br />

luz no instante em que uma imagem saía para dar lugar à outra, ainda assim o movimento contínuo das<br />

imagens – a passagem <strong>de</strong> uma imagem a outra, sem que elas se estabilizassem no momento em que eram<br />

projetadas na tela – não lhes permitia serem percebidas com niti<strong>de</strong>z. Para que a imagem surgisse nítida na<br />

tela, seria preciso então que ela se estabilizasse por alguns segundos: seria preciso que ela permanecesse<br />

parada na tela o suficiente para que fosse percebida pelo sistema visual humano com niti<strong>de</strong>z. Só <strong>de</strong>pois,<br />

então, ela <strong>de</strong>sapareceria, com a interrupção <strong>de</strong> sua projeção luminosa. O aparato <strong>de</strong>veria se encarregar <strong>de</strong> tirar<br />

a imagem que já se projetou na tela da frente do obturador e colocar uma outra em se lugar. Por outro lado,<br />

para que o observador da imagem projetada pu<strong>de</strong>sse percebê-la em movimento, seria necessário que a<br />

passagem <strong>de</strong> uma imagem a outra fosse rápida o suficiente para que o suposto fenômeno então conhecido<br />

como persistência da visão promovesse a “síntese” <strong>de</strong>las em uma só, agora mutável. Essa passagem <strong>de</strong> uma<br />

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olhos do apreciador, <strong>de</strong>veria ser ocultado no funcionamento do dispositivo.<br />

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