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cinema, sem dúvida, sempre há referente fotográfico, mas esse referente desliza, não reivindica em favor de sua realidade, não declara sua antiga existência; não se agarra a mim: não é um espectro. Como o mundo real, o mundo fílmico é sustentado pela presunção de „que a experiência continuará constantemente a fluir no mesmo estilo constitutivo‟; mas a fotografia rompe o „estilo constitutivo‟ (está aí seu espanto); ela é desprovida de futuro (estão aí seu patético, sua melancolia); nela não há qualquer protensão, ao passo que o cinema é protensivo, e por isso de modo algum melancólico (o que é então? – Pois bem, é simplesmente „normal‟, como a vida). Imóvel, a fotografia reflui da apresentação para a retenção.” (Barthes, 1984, p. 134) Deixemos, agora, nossa reflexão sobre o vínculo existencial entre a imagem e o real para ser retomado mais adiante e detenhamo-nos, então, nos dispositivos técnicos que possibilitam a aparição da imagem mutável. Vejamos como o movimento foi conquistado à imagem ao longo de anos de pesquisa e experimentação de novos inventos técnicos, inspirados em teses e idéias sobre o fenômeno da percepção do movimento. 70

2. 1. Das pesquisas sobre a persistência da visão à produção de imagens mutáveis No século XVIII, alguns indivíduos partiram em busca de explicações para um fenômeno conhecido desde a Antigüidade 24 como “persistência da visão”. Por meio dele, aparentemente, uma imagem se perpetua em nossa visão ainda por alguns segundos, mesmo depois de sua fonte causadora, ou estímulo visual, ser eliminada ou retirada de nosso campo de visão. Uma demonstração clássica desse fenômeno reside na observação de uma fonte de luz a girar rapidamente no escuro: a uma determinada velocidade, não se percebe mais um ponto de luz se deslocando no espaço, mas a imagem de um círculo, resultante da trajetória do objeto luminoso. Na tentativa de medir a duração desse efeito visual, o alemão Johannes Segner reproduziu um experimento similar. Segundo o pesquisador David Robinso (1996), ele pôs a girar um carvão incandescente no escuro, “variando e contabilizando a velocidade das voltas efetuadas”. Com isto, ele concluiu que, para que o fenômeno de persistência da visão produzisse a ilusão de um círculo fechado, o carvão deveria completar cerca de dez voltas por segundo. 25 Meio século depois, no ano de 1821, é publicado em um jornal um artigo que tece novos comentários sobre o fenômeno. Nele, afirma-se que, quando os raios de uma roda giratória são “observados através de uma cerca ou de qualquer outro tipo de grelha”, produz-se um efeito de “distorção”. Segundo Robinson (1996), quem assinava o artigo era “J.M.”, que se supõe tratar-se do editor do periódico, John Murray. Cerca de quatro anos depois, em dezembro de 1824, o médico Peter Mark Roget propõe uma explicação para este fenômeno visual. Em um documento apresentado à Royal Society of London, intitulado Explanation of an optical deception in the appearance of the spokes of a wheel seen through vertical apertures, Peter Roget faz o seguinte comentário: 24 Segundo Aumont (1993), há relatos de Aristóteles, Lucrécio, Ptolemeu e Al-Hazen sobre esse fenômeno visual. 25 Mais tarde, o irlandês Chevalier Patrice d‟Arcy retomou as experiências de Segner e conseguiu obter um resultado mais preciso, concluindo, então, que seriam necessárias sete voltas por segundo para que se produza a imagem de um círculo fechado. David Robinson (1996, p. 124) nos fala sobre a experiênica realizada pelo irlandês: “Numa plataforma com dezoito pés de altura, construiu um mecanismo semelhante a um relógio acionado por um peso que descia até um poço situado junto à máquina. Esse mecanismo servia para fazer girar uma cruz em madeira, de grandes dimensões, semelhantes às asas de um moinho de vento. A velocidade era controlada por volantes, e uma campainha, acionada pela engrenagem em intervalos regulares, permitia contabilizar as voltas com exatidão.” 71

cinema, sem dúvida, sempre há referente fotográfico, mas esse referente<br />

<strong>de</strong>sliza, não reivindica em favor <strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>clara sua antiga<br />

existência; não se agarra a mim: não é um espectro. Como o mundo real, o<br />

mundo fílmico é sustentado pela presunção <strong>de</strong> „que a experiência continuará<br />

constantemente a fluir no mesmo estilo constitutivo‟; mas a fotografia rompe<br />

o „estilo constitutivo‟ (está aí seu espanto); ela é <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> futuro (estão<br />

aí seu patético, sua melancolia); nela não há qualquer protensão, ao passo<br />

que o cinema é protensivo, e por isso <strong>de</strong> modo algum melancólico (o que é<br />

então? – Pois bem, é simplesmente „normal‟, como a vida). Imóvel, a<br />

fotografia reflui da apresentação para a retenção.” (Barthes, 1984, p. 134)<br />

Deixemos, agora, nossa reflexão sobre o vínculo existencial entre a imagem e o real<br />

para ser retomado mais adiante e <strong>de</strong>tenhamo-nos, então, nos dispositivos técnicos que<br />

possibilitam a aparição da imagem mutável. Vejamos como o movimento foi conquistado à<br />

imagem ao longo <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> pesquisa e experimentação <strong>de</strong> novos inventos técnicos,<br />

inspirados em teses e idéias sobre o fenômeno da percepção do movimento.<br />

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