Cristina Toshie Lucena Nishio - Biblioteca Digital de Teses e ...
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traduziria, então, em uma representação espacial). A fotografia parece ter o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
revelar algo do tempo que escapa a esse processo <strong>de</strong> codificação do mundo visível. Ela<br />
surge como uma espécie <strong>de</strong> marca <strong>de</strong>ixada pela sua passagem. Um efeito <strong>de</strong> sua ação sobre<br />
o processo <strong>de</strong> materialização da imagem. Uma prova <strong>de</strong> sua existência. Ela tem esse po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> apontar um momento do tempo real. Esta parece ser, na verda<strong>de</strong>, a dimensão do real ao<br />
qual Barthes se refere quando trata do punctum na imagem.<br />
Nesse sentido, se o processo ótico viabiliza uma representação visual fiel às<br />
aparências do real – sobretudo pelo modo como o espaço se configura – e cuja fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>,<br />
na verda<strong>de</strong>, encontra-se encoberta a articulação <strong>de</strong> um código visual que <strong>de</strong> modo algum é<br />
neutro, mas enraizado na mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma época, o processo químico, por outro lado,<br />
parece remeter a um outro tipo <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> – ao menos a um outro tipo <strong>de</strong> vínculo – com<br />
o real. Um vínculo com o tempo. E esta outra fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> da imagem, não mais às<br />
aparências, mas ao tempo (que foi) real, para o qual ela aponta invariavelmente, leva-nos a<br />
reconhecer nela a existência <strong>de</strong> um outro tipo <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong>: uma objetivida<strong>de</strong> que<br />
remete, na verda<strong>de</strong>, a uma dimensão invisível do real. Pois a imagem fotográfica reflete<br />
um instante da matéria em <strong>de</strong>vir. Mais do que a realida<strong>de</strong> visível, ela expressa um instante<br />
do real em plena mutação.<br />
“Nada po<strong>de</strong> impedir que a fotografia seja analógica; mas ao mesmo tempo o<br />
noema da fotografia não está <strong>de</strong> modo algum na analogia (traço que ela<br />
partilha com todos os tipos <strong>de</strong> representações).” (Barthes, op. cit., p. 132)<br />
A imagem fotográfica surge, enfim, como uma representação visual capaz <strong>de</strong><br />
apresentar-se como uma espécie <strong>de</strong> corte do real espaço-temporal: uma imagem congelada<br />
da matéria em movimento. Ela tem esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> remeter a um movimento que não é mais<br />
i<strong>de</strong>alizado por seu produtor, como nas pinturas barrocas, mas que foi extraído do próprio<br />
real. Essa parece ser a “objetivida<strong>de</strong> essencial” a qual tanto Bazin (1983) quanto Barthes<br />
(1984, passim) reconheceram na ontologia da imagem fotográfica. A dificulda<strong>de</strong> em se<br />
distinguir a dimensão temporal da dimensão espacial, representada nessa imagem por<br />
aquilo que ela disponibiliza para a visão, parece fazer com que a questão da sua<br />
“objetivida<strong>de</strong> essencial” seja mal compreendida. Quando se trata aqui da inscrição do<br />
tempo na imagem, o que está sendo levado em conta é uma dimensão da realida<strong>de</strong> que,<br />
segundo nos parece, transcen<strong>de</strong> qualquer tentativa <strong>de</strong> apreensão pela inteligência humana,<br />
um real não codificado, ao qual a imagem fotográfica é capaz <strong>de</strong> remeter <strong>de</strong> maneira<br />
inquestionável, como um vestígio, como um traço <strong>de</strong> sua existência que escapa a qualquer<br />
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