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se esforçaram por denunciar a artificialidade dos meios envolvidos no modo de produção da imagem 17 . A esse respeito, Ismail Xavier (1984) nos oferece alguns comentários: “Um sistema de representação instaurado num determinado momento histórico (a Renascença) não constitui a visão objetiva do mundo, mas a representação que dele elaborou um determinado grupo social, do tado de certas „estruturas mentais‟. (...) Portanto, se diante da imagem cinematográfica, ocorre a famosa „impressão de realidade‟, isto se deve a que ela reproduz os códigos que definem a „objetividade visual‟ segundo a cultura dominante em nossa sociedade; o que implica em dizer que a reprodução fotográfica é „objetiva‟ justamente porque ela é resultado de um aparelho construído para confirmar a nossa noção ideológica de objetividade visual. (...) a „ impressão de realidade‟ no cinema, no fundo, nada mais é do que a celebração de uma forma ideológica de representação do espaço-tempo elaborada historicamente (...) a dissolução do discurso na natureza e a imposição da „representação‟ como „realidade‟ – o mundo dado sem mediações através de uma linguagem transparente (...) A „impressão de realidade‟ cumpriria basicamente o papel de legitimação ou naturalização do discurso da burguesia, carregando consigo uma ideologia específica: aquela que nega a representação enquanto representação e procura dar a imagem como se ela fosse o próprio mundo concreto.” (Xavier, 1984, p. 128) De fato, não se pode deixar de reconhecer a importância de tal denúncia sobre a ideologia que cada uma dessas imagens traz consigo, quando se sugere que ela possui esse poder ser “objetiva” perante a realidade visível que ela pretende representar. Já tivemos a oportunidade de comentar sobre a arbitrariedade do código visual que sustenta essa imagem, quando tratamos da perspectiva artificialis e de sua aplicação automática na configuração da imagem com o uso da câmara obscura. Contudo, parece-nos que quando Barthes e Bazin comentam sobre uma suposta “objetividade essencial” da imagem pertencente ao “paradigma fotográfico” (Santaella), eles estão se referindo a uma outra dimensão tanto da imagem, quanto do real. Na verdade, nem um, nem outro, ignoram a arbitrariedade da semelhança entre a imagem e as aparências do real ao qual remete – seu grau de analogia –, garantida sobretudo pelo modo como o processo ótico que dá origem à imagem latente é manipulado pelo dispositivo técnico. Segundo nosso entender, o que eles parecem, na verdade, querer acentuar na imagem pertencente ao paradigma fotográfico é seu poder de dizer algo mais sobre o real que transcende as aparências, algo que se registra na imagem pelo processo químico que lhe dá origem, e que não se subordina ao processo de codificação. E Barthes parece ir mais fundo ao observar que esse algo mais sobre o real remete, na verdade, à dimensão temporal. Pois o tempo atravessa a realidade visível, transforma todas as formas, mas não pode ser apreendido em uma forma visível (a qual se 17 Dentre eles, destacamos Pierre Francastel (1993) e Erwin Panofsky (1975). 60

traduziria, então, em uma representação espacial). A fotografia parece ter o poder de revelar algo do tempo que escapa a esse processo de codificação do mundo visível. Ela surge como uma espécie de marca deixada pela sua passagem. Um efeito de sua ação sobre o processo de materialização da imagem. Uma prova de sua existência. Ela tem esse poder de apontar um momento do tempo real. Esta parece ser, na verdade, a dimensão do real ao qual Barthes se refere quando trata do punctum na imagem. Nesse sentido, se o processo ótico viabiliza uma representação visual fiel às aparências do real – sobretudo pelo modo como o espaço se configura – e cuja fidelidade, na verdade, encontra-se encoberta a articulação de um código visual que de modo algum é neutro, mas enraizado na mentalidade de uma época, o processo químico, por outro lado, parece remeter a um outro tipo de fidelidade – ao menos a um outro tipo de vínculo – com o real. Um vínculo com o tempo. E esta outra fidelidade da imagem, não mais às aparências, mas ao tempo (que foi) real, para o qual ela aponta invariavelmente, leva-nos a reconhecer nela a existência de um outro tipo de objetividade: uma objetividade que remete, na verdade, a uma dimensão invisível do real. Pois a imagem fotográfica reflete um instante da matéria em devir. Mais do que a realidade visível, ela expressa um instante do real em plena mutação. “Nada pode impedir que a fotografia seja analógica; mas ao mesmo tempo o noema da fotografia não está de modo algum na analogia (traço que ela partilha com todos os tipos de representações).” (Barthes, op. cit., p. 132) A imagem fotográfica surge, enfim, como uma representação visual capaz de apresentar-se como uma espécie de corte do real espaço-temporal: uma imagem congelada da matéria em movimento. Ela tem esse poder de remeter a um movimento que não é mais idealizado por seu produtor, como nas pinturas barrocas, mas que foi extraído do próprio real. Essa parece ser a “objetividade essencial” a qual tanto Bazin (1983) quanto Barthes (1984, passim) reconheceram na ontologia da imagem fotográfica. A dificuldade em se distinguir a dimensão temporal da dimensão espacial, representada nessa imagem por aquilo que ela disponibiliza para a visão, parece fazer com que a questão da sua “objetividade essencial” seja mal compreendida. Quando se trata aqui da inscrição do tempo na imagem, o que está sendo levado em conta é uma dimensão da realidade que, segundo nos parece, transcende qualquer tentativa de apreensão pela inteligência humana, um real não codificado, ao qual a imagem fotográfica é capaz de remeter de maneira inquestionável, como um vestígio, como um traço de sua existência que escapa a qualquer 61

se esforçaram por <strong>de</strong>nunciar a artificialida<strong>de</strong> dos meios envolvidos no modo <strong>de</strong> produção<br />

da imagem 17 . A esse respeito, Ismail Xavier (1984) nos oferece alguns comentários:<br />

“Um sistema <strong>de</strong> representação instaurado num <strong>de</strong>terminado momento<br />

histórico (a Renascença) não constitui a visão objetiva do mundo, mas a<br />

representação que <strong>de</strong>le elaborou um <strong>de</strong>terminado grupo social, do tado <strong>de</strong><br />

certas „estruturas mentais‟. (...) Portanto, se diante da imagem<br />

cinematográfica, ocorre a famosa „impressão <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>‟, isto se <strong>de</strong>ve a que<br />

ela reproduz os códigos que <strong>de</strong>finem a „objetivida<strong>de</strong> visual‟ segundo a<br />

cultura dominante em nossa socieda<strong>de</strong>; o que implica em dizer que a<br />

reprodução fotográfica é „objetiva‟ justamente porque ela é resultado <strong>de</strong> um<br />

aparelho construído para confirmar a nossa noção i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong><br />

visual. (...) a „ impressão <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>‟ no cinema, no fundo, nada mais é do<br />

que a celebração <strong>de</strong> uma forma i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> representação do espaço-tempo<br />

elaborada historicamente (...) a dissolução do discurso na natureza e a<br />

imposição da „representação‟ como „realida<strong>de</strong>‟ – o mundo dado sem<br />

mediações através <strong>de</strong> uma linguagem transparente (...) A „impressão <strong>de</strong><br />

realida<strong>de</strong>‟ cumpriria basicamente o papel <strong>de</strong> legitimação ou naturalização do<br />

discurso da burguesia, carregando consigo uma i<strong>de</strong>ologia específica: aquela<br />

que nega a representação enquanto representação e procura dar a imagem<br />

como se ela fosse o próprio mundo concreto.” (Xavier, 1984, p. 128)<br />

De fato, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer a importância <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>núncia sobre a<br />

i<strong>de</strong>ologia que cada uma <strong>de</strong>ssas imagens traz consigo, quando se sugere que ela possui esse<br />

po<strong>de</strong>r ser “objetiva” perante a realida<strong>de</strong> visível que ela preten<strong>de</strong> representar. Já tivemos a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comentar sobre a arbitrarieda<strong>de</strong> do código visual que sustenta essa<br />

imagem, quando tratamos da perspectiva artificialis e <strong>de</strong> sua aplicação automática na<br />

configuração da imagem com o uso da câmara obscura. Contudo, parece-nos que quando<br />

Barthes e Bazin comentam sobre uma suposta “objetivida<strong>de</strong> essencial” da imagem<br />

pertencente ao “paradigma fotográfico” (Santaella), eles estão se referindo a uma outra<br />

dimensão tanto da imagem, quanto do real. Na verda<strong>de</strong>, nem um, nem outro, ignoram a<br />

arbitrarieda<strong>de</strong> da semelhança entre a imagem e as aparências do real ao qual remete – seu<br />

grau <strong>de</strong> analogia –, garantida sobretudo pelo modo como o processo ótico que dá origem à<br />

imagem latente é manipulado pelo dispositivo técnico. Segundo nosso enten<strong>de</strong>r, o que eles<br />

parecem, na verda<strong>de</strong>, querer acentuar na imagem pertencente ao paradigma fotográfico é<br />

seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dizer algo mais sobre o real que transcen<strong>de</strong> as aparências, algo que se registra<br />

na imagem pelo processo químico que lhe dá origem, e que não se subordina ao processo<br />

<strong>de</strong> codificação. E Barthes parece ir mais fundo ao observar que esse algo mais sobre o real<br />

remete, na verda<strong>de</strong>, à dimensão temporal. Pois o tempo atravessa a realida<strong>de</strong> visível,<br />

transforma todas as formas, mas não po<strong>de</strong> ser apreendido em uma forma visível (a qual se<br />

17 Dentre eles, <strong>de</strong>stacamos Pierre Francastel (1993) e Erwin Panofsky (1975).<br />

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